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A Questão da Segurança Humana na Agenda de Segurança Internacional Pós-Guerra

Fria.

Clécius Kleber Gomes de Carvalho Filho


Daniel Mendes Monteiro Silva
Letícia Tostes Vieira Bolckau
Victor Oliveira da Costa
Ingrid Torres da Silva1
Nayara Andrade Maia2

RESUMO
O presente trabalho busca refletir sobre as transformações da agenda de segurança
internacional após a Guerra Fria, quando a noção tradicional de segurança passa a acolher
novas acepções, dentre elas a ideia de Segurança Humana. Nesse propósito, apresenta-se um
panorama das principais mudanças teóricas no tratamento das questões de segurança
internacional após a Guerra Fria, seguindo-se apontamentos sobre a Escola de Copenhague e
sua contribuição ao tema, bem como o surgimento da questão da Segurança Humana no
cenário internacional. Encerra-se com considerações sobre os principais pontos de
preocupação da Segurança Humana na América Latina e no Brasil. O artigo objetiva,
principalmente, levantar a discussão e revisar os principais pressupostos teóricos do objeto,
sem pretensões de esgotá-lo.

Palavras-chave: Segurança Humana. Agenda de Segurança Internacional. Novas Ameaças.


Pós-Guerra Fria.

1 Os cinco primeiros autores são alunos do 5º período da graduação em Direito e do 4º, 5º e 7º


períodos de graduação em Relações Internacionais na Universidade Candido Mendes (UCAM), em
Campos dos Goytacazes/RJ.

2 Coautora e orientadora da produção deste artigo. Professora da graduação em Relações Internacionais da


Universidade Candido Mendes. Mestranda em Ciência Política (UFF) e Bacharel em Relações Internacionais
(UCAM).
1 TRANSFORMAÇÕES NA AGENDA DE SEGURANÇA INTERNACIONAL APÓS A
GUERRA FRIA

O fim da Guerra Fria marcou o nascimento de um novo arranjo internacional


caracterizado pela globalização, interdependência e a facilidade de informação, no qual
passaram a ter destaque não mais exclusivamente atores estatais, mas novos atores como
ONGs, empresas transnacionais, entre outros. Nesse contexto, desenvolve-se na década de 70,
em contraposição as teorias realista e neorrealista, a Teoria da interdependência, que acredita
que a segurança em âmbito militar deixa de ser primordial no sistema internacional, abrindo
espaço para preocupações com o bem-estar social e a sustentabilidade.
Durante muito tempo, o realismo foi a teoria predominante para explicar as relações
entre os Estados no cenário internacional. Segundo ele, o Estado era tido como ator principal
e seus interesses prevaleciam. Dessa forma, o papel das instituições supranacionais era
insignificante, uma vez que o status quo dependia do balanço de poder entre as grandes
potências.
De acordo com essa teoria, a segurança é garantida especialmente pela maximização
do poder militar do Estado e a paz decorre da existência de um Estado hegemônico ou do
equilíbrio das nações mais poderosas no sistema internacional.
O período pós Guerra Fria foi de grande importância para a mudança da agenda
internacional. A noção de que vivemos em uma sociedade internacional, definida pela ideia de
uma grande teia de relações e interesses mútuos entre os atores no sistema internacional
contribuiu para que as ameaças antes vistas como pertinentes exclusivamente às fronteiras
estatais, passassem a ser um alerta global. O terrorismo, o narcotráfico, o descaso ambiental,
a violação dos direitos humanos transcendem as demarcações dos Estados, propiciando uma
participação muito mais ativa de instituições financeiras, organizações não governamentais,
organizações intergovernamentais e até mesmo indivíduos nessa conjuntura.
É diante dessa realidade que surgem novas críticas e produções teóricas na busca de
preencher as lacunas deixadas pelas teorias clássicas.
Dentre os trabalhos desenvolvidos está a teoria da interdependência, defendida pelos
pensadores Robert O. Keohane e Joseph S. Nye, que prega que as relações internacionais são
compostas também por atores transnacionais ao invés de se limitarem ao Estado como único
sujeito. Segundo Nye, os atores transnacionais são igualmente importantes.
Além desta, ganharam espaço nos debates internacionais as chamadas teorias pós-
positivistas segundo autores como Nogueira e Messari, e reflexivistas segundo Keohane, são
elas o construtivismo, o feminismo, o pós-colonialismo, o pós-estruturalismo e o pós-
modernismo. Essas teorias sociais vão de encontro às supostas intenções das teorias clássicas,
como o realismo e o liberalismo, de se tornarem verdades absolutas, eternas e irrefutáveis.
A desconstrução e a restauração de pensamentos especificamente contemporâneos
são as principais contribuições dessas teorias para uma nova definição do conceito de
Segurança e para a área das Relações Internacionais em geral. Um ponto primordial desse
sucesso foi a interação com outras especialidades das ciências humanas, ação indispensável
para que seja possível a compreensão do atual contexto internacional.
Na década de 80 é criada a Escola de Copenhague, um instituto de pesquisas com o
objetivo de promover estudos sobre a paz. Um de seus representantes é Barry Buzan, segundo
ele os perigos das áreas militares não devem ser os únicos abordados pelos estudos de
segurança, mas também os resultantes dos âmbitos políticos, econômicos, sociais e
ambientais.
David Held e Anthony McGrew afirmam que com a mudança da ordem
internacional, o avanço da globalização e a interligação não são geradas apenas animosidades
e conflitos, mas também pode haver a fomentação de políticas reacionárias e um
aprofundamento da xenofobia, visto que nem todas as partes do globo tem acesso verdadeiro
com essa globalização, o que a torna um “processo profundamente desagregador”.
Ainda no engajamento das novas propostas e formulações teóricas, desenvolve-se
nos anos 90 o conceito de Segurança Humana, focada no indivíduo como o protagonista da
segurança, em resposta ao conceito tradicional de segurança, que era focado no Estado como
sujeito primordial, sua soberania e território. Para se entender o campo em que se estabelecem
esse avanço teórico, é necessário se basear em critérios criados por David Baldwin,
representado em algumas perguntas, como: “para quem é a segurança?” aos olhos do
realismo, o alvo é a segurança nacional, já para a Segurança Humana é o indivíduo; “com que
meios pode-se garantir a segurança?” para os tradicionais o meio é o poderio bélico/militar,
enquanto para a Segurança Humana o caminho é o desenvolvimento humano.
Sendo assim, pode-se ressaltar que o fato de a segurança internacional estar além dos
assuntos militares; de ter se tornado transnacional, global e interdependente; de ser produzida
por uma variação de atores; e por ter, na atualidade, corroborado para uma maior cooperação,
são elementos essenciais que compõe o tema da segurança internacional.
As novas demandas da agenda internacional, não mais pautadas na polarização
Oriente-Ocidente, mas que englobam questões financeiras, humanitárias, ambientais,
energéticas, sociais, demográficas, que afetam diretamente os indivíduos e classes mais
vulneráveis evidenciam a ineficácia na tentativa de serem solucionadas pelas tradicionais
forças militares, todavia requerem do Estado uma ampliação na busca de novas soluções
políticas para essas problemáticas.
De acordo com o relatório do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas
(PNUD) no ano de 1994, as pessoas se sentem mais inseguras com preocupações de seu
cotidiano do que com eventuais crises, por isso recomenda-se uma mudança conceitual da
“segurança nuclear” para a “segurança humana”. E destaca sete âmbitos da segurança: a
econômica, alimentar, sanitária, ambiental, pessoal, comunitária e política.
O relatório ressalta a característica de interdependência entre as sete dimensões, que
torna o risco contra um elemento, uma ameaça a todos os outros. Assim sendo, para a
Segurança Humana as novas ameaças transcendem as fronteiras dos Estados, intimidando
indivíduos, grupos sociais e, portanto as soluções também não devem se limitar ao plano
estatal. A prevenção requer uma maior cooperação entre os Estados, instituições multilaterais,
organizações internacionais governamentais e não governamentais.

2 A ESCOLA DE COPENHAGUE E A SECURITIZAÇÃO DOS TEMAS

Fazendo uma análise sistemática dos estudos acerca do conflito e da guerra e de


como os problemas de segurança foram tratados ao longo da história é possível traçar uma
linha bem permanente na ênfase da importância do papel militar e bélico que rondam tais
questões. Com isso, problemas clássicos como a disputa de território e defesa de fronteiras
tomam o protagonismo do debate, muita das vezes abafando outros aspectos importantes que
são essenciais para a compreensão dos principais problemas contemporâneos de segurança e
defesa nacional.
É com esse espírito de propor um olhar alternativo que surgiu, em 1985, a Escola de
Copenhague. Tendo sua fundação no Copenhagen Peace Research Institute (COPRI), sob a
iniciativa de teóricos como Barry Buzan, Ole Wæver e Jaap de Wilde, o principal objetivo era
justamente trabalhar as questões de segurança para além dos aspectos militares clássicos,
levando em consideração o papel dos elementos políticos, econômicos e sociais na promoção
de uma agenda de defesa e todo o processo de construção dessas mesmas agendas, o que
ampliou o debate vigente entre os paradigmas tradicionalista, abrangente e crítico na área de
segurança. (TANNO, 2003)
Se distanciando do realismo tão dominante nos estudos sobre segurança, os teóricos
da escola de Copenhague formularam uma corrente teórica que tenta aproveitar postulações
construtivistas na busca de compreensão do caráter dos problemas de segurança. Por
Construtivismo, entende-se: "a perspectiva segundo a qual o modo pelo qual o mundo
material forma a, e é formado pela, ação e interação humana depende de interpretações
normativas e epistêmicas dinâmicas do mundo material" (ADLER, 1999, p. 205).
Isto é, a ação materializada e concreta dos indivíduos e, portanto, do próprio Estado,
se dá a partir de um entendimento intersubjetivamente construído a partir de interpretações e
percepções sobre a realidade, enfatizando o papel das ideias, da cultura e das disputas de
diferentes valores no interior da sociedade que acabam por resultar na construção de agendas
que são capazes de guiar a ação dos atores institucionais e, em última instância, a ação dos
Estados no sistema internacional. Esse processo acabaria por influenciar diretamente o papel
da condução de agendas relacionadas à segurança e a defesa, uma vez que em sua premissa
basilar o conceito de ameaça à segurança não parte de categorias fixas e naturalmente
estipuladas, mas são construídas através de um processo de entendimento coletivo a respeito
de um determinado problema.
A proposta da escola de Copenhague, entretanto, não almeja rejeitar completamente
os pressupostos realistas e imergir em um construtivismo crítico que negue a existência de
uma realidade objetiva que possa ser analisada e apreendida. Por outro lado, tenta estabelecer
um diálogo - um meio termo - entre o racionalismo realista e alguns dos pressupostos
construtivistas, se apresentando como uma perspectiva abrangente, como pontuado por Duque
(2009, p. 475): "o grupo de Copenhague realizou uma produtiva síntese tanto das vertentes
tradicionalista e crítica de segurança internacional como das abordagens realista e
construtivista de teoria das Relações Internacionais".
Dentre as mais variadas contribuições, o conceito de securitização se destaca como o
marco teórico da Escola de Copenhague, consistindo precisamente na ideia de que o caráter
ameaçador de determinada ameaça tida como uma ameaça de segurança se dá a partir de um
entendimento coletivo e socialmente construído de que tal problema representa uma ameaça à
sobrevivência e, portanto, se caracteriza como ameaça à segurança. A securitização se dá a
partir de um processo de politização, no qual uma questão é transformada em um problema de
política pública, entretanto, em nível elevado, se tornado não apenas um problema qualquer,
mas uma ameaça em potencial que requer ações efetivas e grande alocações de recursos, ao
mesmo tempo permitindo a utilização de meios não convencionais de se conduzir os
procedimentos políticos (B. BUZAN, O. WAEVER e J. D. WILDE, 1997).
De tal maneira é evidenciado o papel importante da construção da narrativa no
processo da criação de uma agenda de segurança, trazendo a tona o papel do discurso e dos
agentes que propagam tais narrativas e como a securitização se dá a partir dessas iniciativas,
sendo a própria securitização um processo que se inicia na propagação do ato de discurso,
como afirmam Barry Buzan, Ole Wæver and Jaap de Wilde (1997, p. 26) "o processo de
securitização é o que em teoria da linguagem é chamado de ato de fala". A segurança se torna,
em essência, um ato de fala, se materializando como uma demanda concreta à medida que o
ato da fala em si faz com que se exija uma ação a ser tomada. (WAEVER apud DUQUE,
2009).
Entretanto, não basta apenas o ato do discurso para que haja o estabelecimento da
securitização de uma questão, pois o ato em si não tem valor desde que seja reconhecido por
uma audiência que aceite o que fora postulado como uma ameaça real e legítima, como
pontuado: “Um discurso que toma forma ao apresentar um objeto referente como uma ameaça
existente não cria a securitização em si mesmo - isto é um movimento de securitização, mas o
problema é securitizado apenas e se a audiência o aceita como tal.” (B. BUZAN, O.
WAEVER e J. D. WILDE, 1997, p. 25).
Sendo assim se torna necessário fazer uma diferenciação entre movimentos de
securitização e a própria securitização (B. BUZAN, O. WAEVER e J. D. WILDE, 1997), uma
vez que sendo um processo relacional, demandando uma interpretação intersubjetiva, é
necessário que haja tanto a iniciativa do representante de Estado que aponta a ameaça quanto
a recepção positiva desta percepção, fazendo com que a audiência se torne parte crucial do
processo. Uma vez estabelecida a atribuição de status de ameaça a um determinado problema,
se faz necessária ações imediatas e se torna plausível práticas atípicas e até mesmo a violação
das regras para a resolução do problema, com a justificativa de que resolver o problema é
garantir a própria sobrevivência (B. BUZAN, O. WAEVER e J. D. WILDE, 1997).
Como ferramenta de análise, a compreensão dos discursos e de todo o processo de
securitização acaba se tornado inovador à medida que acrescenta um caráter político e social
aos problemas de segurança que a mera definição fixa e objetiva de questões universais não é
capaz de abarcar, pois além de questionar a própria ideia de questões de segurança universais,
a teoria da securitização se propõe não apenas em descrever as pautas relacionadas a
segurança, mas compreender como elas foram construídas.
Inserida em um contexto pós-guerra fria em um ambiente internacional se deparando
com novas pautas e desafios, o conceito de securitização se torna extremamente preciso no
que tange a análise das chamadas "novas ameaças", uma vez que os conceitos tradicionalistas
e típicos da abordagem realista passaram a demonstrar insuficiência em compreender as
mudanças e a dinâmica dos conflitos do pós-guerra. Como apontado por Marina Guedes
Duque (2009, p. 459): "O fim da Guerra Fria e seu impacto na sociedade internacional
engendraram mudanças profundas nos estudos de segurança internacional, ao colocar em
xeque o paradigma até então dominante do realismo", fazendo uma ponte com as linhas de
pesquisa europeias que apresentavam um caráter mais voltado para a cooperação internacional
em busca da paz em contraposição à tradição norte-americana que focava na produção de
estudos estratégicos (HUYSMAN, 1998). Coisa que dialoga diretamente com a noção de
segurança regional também presente nos trabalhos da Escola de Copenhague, enfatizando a
ideia de uma segurança para além dos interesses nacionais e voltada para uma agenda regional
e coletiva, no caso, da Escola de Copenhague uma agenda propriamente europeia
(HUYSMAN, 1998).
Com uma proposta audaciosa e sofisticada no lidar com os problemas de segurança,
respondendo aos anseios de uma ordem mundial em transformação, a Escola de Copenhague
se consolida como um paradigma que, mesmo com suas limitações, tem muito a acrescentar
acerca da percepção do papel dos elementos políticos e sociais na construção de agendas
voltadas à segurança e a defesa nacional, pois ao mesmo tempo em que demonstra a
insuficiência dos paradigmas tradicionais, tenta estabelecer uma ponte de diálogo na tentativa
de criar elementos analíticos mais abrangentes e sofisticados, permitindo maior entendimento
de problemas contemporâneos como o terrorismo, a mudança climática, imigração,
narcotráfico e afins e como tais questões podem e são muitas vezes enquadradas em processos
de securitização, fomentando novas agendas, moldando as ações do Estado e do sistema
internacional e a forma como a sociedade responde a esses desafios.

3 SEGURANÇA HUMANA: DEFINIÇÃO E SURGIMENTO DO CONCEITO

A vida em sociedade sempre teve os seus desafios, com os seus conflitos entre tribos,
por alimentação e por território. Pequenos grupos se formaram em pequenas tribos para a
melhor sobrevivência, instituindo um líder para administrar e garantir as necessidades. Com a
evolução das tribos, as sociedades se tornaram mais complexas, novos problemas surgiram e a
figura do poder sempre esteve presente para conter ameaças. A evolução da sociedade trouxe
o reconhecimento estatal e junto com ela a necessidade de regras de coexistência entre
Estados, sendo estas essenciais até os dias de hoje.
No conceito de segurança primitivo, fazendo uma leve menção a Rousseau em seu
discurso “o bom selvagem”, as necessidades do homem livre eram apenas a sobrevivência
básica para garantir a própria segurança dos fatores externos que os rodeavam, não havia uma
supremacia tentando impor deveres ou tratados a serem cumpridos e qualquer manifestação
de violência era apenas para garantir a própria segurança. Nesse contexto, temos a primeira
figura do poder, o líder da tribo, o seu papel era essencial para a manutenção da ordem e da
paz na tribo e possíveis impasses com outras tribos.
Seguindo mais adiante, temos com a evolução dessa figura do poder veio a
Monarquia, todo o poder sobre uma única pessoa de caráter hereditário, uma das formas de
poder mais antigas de toda historia humana. No Sec. XVIII, com o Iluminismo como fonte de
conhecimento, Montesquieu propõe a separação dos três poderes, dando o inicio a tradição
republicana que se observa até os dias de hoje. O que tem de comum em todos esses séculos é
a fonte primária de poder responsável pela segurança dos seus protegidos, cada um com a sua
maneira de governar, uns mais déspotas do que os outros, mas sempre com a intenção de
proteger seus interesses e o do povo.
A Guerra dos 30 anos (1618-1648) foi um grande marco para toda e Europa e para o
mundo, um conflito de varias esferas políticas e religiosas, tendo um fim com o tratado de
Westfalia, que deu origem ao moderno sistema de estados-nação, dotados de soberania sobre
seu território, tendencialmente laicos com o principio de equilíbrio dos poderes.
A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco, a 26 de Junho de 1945,
após o encerramento da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional,
entrando em vigor a 24 de Outubro daquele mesmo ano. Houve vários fatores que culminaram
na criação da carta da ONU, como a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, que fez com que
surgisse uma preocupação mundial no que tange a sociedade internacional.
O conceito de segurança humana foi apresentado pela primeira vez em um relatório
do PNUD de 1994, alicerçada na carta da ONU, nos documentos posteriores como a
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Atualmente, a defesa do conceito de segurança
humana se baseia em particular na nova constelação internacional de atores políticos,
posterior à Guerra Fria – em boa parte pelo fato de que hoje a insegurança física é causada
mais por conflitos armados internos do que por guerras entre países.
Mazzuoli (2018) retrata a adição de novos atores no cenário internacional como:
indivíduos, organizações internacionais governamentais e organizações não estatais. Com
esses novos personagens, cada vez mais relevantes, temos reflexos na legislação externa por
meio de documentos que versam sobre os direitos humanos, mas também há um reflexo
interno na nossa Constituição (CF 1988) no seu art. 1º, em seu paragrafo único que diz: “todo
poder emana do povo, que o exerce por meio dos seus representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta constituição.” Já trazendo a importância do povo na base do poder soberano
do Estado e estudos mais recentes enaltecem ainda mais os novos atores no âmbito
internacional.

4 PRINCIPAIS QUESTÕES DE SEGURANÇA HUMANA NA AMÉRICA DO SUL E


NO MUNDO

Os riscos e vulnerabilidades que afetam a segurança das nações na América do Sul


evidenciam a necessidade de se definir uma nova agenda de segurança, que leve em
consideração as relações globais, nacionais e individuais. Um dos principais desafios é
estabelecer uma concatenação conceitual que incorpore desde a segurança humana até a
segurança internacional, passando pela segurança estatal.
Segundo uma visão comum de se ver na imprensa e até mesmo na academia, a
América do Sul é uma região pacífica. Até pode sê-lo em comparação com outras regiões,
mas há, ainda, disputas territoriais sem solução entre diversos países sul-americanos: Guiana e
Venezuela; Brasil e Uruguai; Guiana e Suriname; Venezuela e Colômbia; Argentina e Chile;
além de Equador e Peru, que entraram de fato em guerra há mais de 20 anos. Logo, até
mesmo regionalmente, a dissuasão e a capacidade de atuar conjuntamente são importantes.
A Estratégia Europeia de Segurança e as iniciativas paralelas que se estão
desenvolvendo na América Latina, particularmente o CDS (Conselho de Defesa Sul-
Americano) e a Estratégia de Segurança Centro-Americana demonstram afinidade ao
definirem uma nova agenda ampliada, que incorpora o conceito de segurança humana e
coloca a proteção dos indivíduos no centro das políticas. Esta convergência nos discursos se
transpõe ao diálogo inter-regional e foi reafirmada na Carta Euro-Latino-Americana para a
Paz e a Segurança, aprovada pela EuroLat; na prática, contudo, há discrepâncias que impedem
a concretização de uma agenda operacional de alcance estratégico, que se projete ao conjunto
da relação e à agenda global nos fóruns internacionais correspondentes. Europa e América
Latina nem sempre concordam em seus próprios interesses, ainda que compartilhem alguns
princípios e uma visão multilateralista.
Especificamente no âmbito da luta contra o narcotráfico, América Latina e Europa já
possuem uma identidade suficiente como países fornecedores e consumidores que lhes
permite estabelecer parcerias, a fim de superar o modelo atual e mostrar que é possível uma
abordagem distinta. Uma análise dos fatores complexos que desencadeiam o narcotráfico na
região deveria, necessariamente, incluir a alta taxa de desigualdade social na região. Devem-
se dotar de coerência as agendas de segurança e de desenvolvimento.
Os problemas de segurança cidadã se converteram em um dos principais desafios na
América Latina, enfrentando-se altas taxas de criminalidade e violência cidadã e, por isso,
devem ser plenamente incorporados ao diálogo sobre segurança. Tratar dessas questões requer
a cooperação e a coordenação com políticas públicas que combatam as causas dos conflitos
sociais. A convergência de objetivos, no entanto, não deve levar a uma confusão dos
instrumentos; as políticas de segurança não devem nem podem substituir as políticas de
desenvolvimento: elas devem se coordenar, mas não se confundir. Um passo fundamental é
conferir maior legitimidade às decisões, envolvendo o maior número de atores possível,
ampliando o diálogo, tanto no desenho como na implementação e controle das políticas de
segurança cidadã.
A segurança é uma esfera de alta sensibilidade política e com o risco de geração de
controvérsias, devido às diferentes visões que coexistem em ambas as regiões, e que são
refletidas nos desentendimentos. Isso se reflete no nível global, com as diferentes posições em
assuntos de grande importância, como a reforma do Conselho de Segurança, a aplicação do
princípio da responsabilidade de proteger, ou o controle da utilização de combustível nuclear.
Essas divergências também se dão de forma direta na relação bi regional, com relação ao
controle dos fluxos de migração, o controle de fronteiras ou as respostas às crises político-
institucionais em defesa da democracia. Estes pontos de atrito formam, necessariamente, parte
do debate, mas não devem impedir o avanço naquelas áreas em que consensos superam as
divergências.
É importante também destacar que o mundo depois da Guerra Fria se caracterizou
como um sistema multipolar. De acordo com Mearsheimer, este sistema é mais vulnerável a
instabilidades devido, principalmente, aos seguintes problemas:
•Primeiramente, a maneira como o sistema multipolar será organizado dependerá do
número de Estados, o que poderá variar significativamente, causando maior incerteza e
probabilidade de conflito;
• Guerras locais tendem a ser mais presentes em um mundo no qual existem
diversas potências;
• A dissuasão se torna mais difícil devido ao desequilíbrio de poder, o que pode
levar ao conflito. Primeiramente, dois Estados podem se unir para atacar um terceiro; depois,
uma grande potência pode ameaçar um Estado mais fraco, utilizando da sua força para coagi-
lo ou derrotá-lo;
• Há uma maior probabilidade de que um Estado subestime o poder de outro,
gerando o conflito. Em um mundo multipolar, torna-se difícil prever a ação de outras
potências, ao passo que em um sistema bipolar há apenas uma potência com a qual o Estado
deve se preocupar (MEARSHEIMER, 1990).
Assim, de maneira geral e simplificada, pode-se afirmar que a segurança humana se
refere à proteção dos indivíduos quanto à violência física, problemas econômicos ou sociais,
visando à garantia dos direitos humanos fundamentais e a sua dignidade (ALKIRE, 2003).
Dentre as ações mais relevantes acerca da aplicação do conceito de Segurança
Humana destacam-se, o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional, em 2002, e a
assinatura do Tratado de Banimento de Minas Terrestres, em 1997. O primeiro realiza o
julgamento de crimes que possam causar preocupação internacional, tais como genocídio,
crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão. O segundo, por sua vez,
exige o banimento do desenvolvimento, da produção, aquisição, armazenamento,
transferência e uso de minas terrestres por parte dos Estados signatários (ACHARYA, 2011).
Além do auxílio da Organização das Nações Unidas (ONU), também as organizações
não governamentais (ONGs) e a ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados) têm apoiado e contribuído para as questões de segurança humana, sendo fontes
de informações e repassando alertas sobre conflitos, além de realizar operações visando à paz.
Também as ações desenvolvidas pela Rede de Segurança Humana devem ser
mencionadas, já que contribuem para a formulação de uma agenda concreta no âmbito da
segurança humana. Estas visam, por exemplo, a eliminação do uso de minas terrestres, a
suspensão do emprego de crianças-soldado, a promoção do Direito Humanitário Internacional
e o trabalho do Tribunal Penal Internacional no combate à proliferação e mau uso de armas
pequenas e armamentos leves e à reforma das forças armadas, sistema criminal e judicial
(KRAUSE, 2007).

5 DESAFIOS EM SEGURANÇA HUMANA PARA O BRASIL

O conceito de Segurança Nacional aborda como alvo principal o indivíduo e sua


integridade, sendo o estado físico sua prioridade. Num âmbito mais abrangente, inclui o
desenvolvimento do indivíduo e seu bem-estar. Apesar do conceito só emergir no pós-Guerra
Fria, a Segurança Humana é discutida há tempos na ONU, no qual se priorizava a retirada da
soberania nacional como forma de nortear as ações da ONU, colocando os direitos humanos
como norteador.
A Segurança Humana, quando realmente inserida na ONU, abrange bem mais do que
apenas a integridade física do ser humano, garantindo ao indivíduo uma série de direitos,
como o direito de viver em liberdade e dignidade, livre de medo e de necessidades.
O conceito é caracterizado por incluir todos os tipos de fontes de insegurança, além
de justificar a intervenção da comunidade internacional em sociedades desestabilizadas em
relação a garantia dos direitos humanos.
Há também críticas a esse conceito, como o questionamento de não haver um poder
para instituir os direitos humanos e que tem que haver instituições para garantir a segurança
pública, superestimando a sociedade civil.
Os Estados falidos, ou seja, aqueles onde há uma violência persistente, direcionada
contra um regime e que visa a autonomia política e distribuição de poder, são fontes de
perturbação da paz, colocando em risco o cenário internacional. Como os conflitos passaram a
ser regionais por conta dos Estados falidos, não havendo conflitos entre países, os novos
problemas que ganham destaque são a anarquia, o empobrecimento, as ideologias
exclusivistas e o emprego diário da violência.
Na visão da América Latina, o conceito de Segurança Humana tinha como base a
defesa nacional, pois no contexto histórico havia a luta contra o comunismo, protegendo-se a
democracia no cenário polarizado. Após o atendado de 11 de setembro, os EUA criaram uma
agenda que coloca como principal percursor de insegurança o terrorismo, sendo a Doutrina
Bush que coloca o conceito de terrorismo como qualquer organização considerada inimiga
pelo governo estadunidense, intensificando a caçada pelos responsáveis do atendado e,
investindo muito capital na sua força militar para a invasão de países que eram reconhecidos
como coniventes com a ação terrorista, como por exemplo, Afeganistão e Iraque.
O resultado foi a insatisfação da agenda de segurança, em vista de que os países da
América Latina não compartilham do terrorismo combatido pelos EUA. Sendo assim, houve
um afastamento dos EUA com os países latinos. A agenda estadunidense não pode ser
controlada, porém pode ser confrontada por uma agenda multilateral de nível regional,
priorizando os problemas relacionados a pobreza, saúde, meio ambiente e desenvolvimento
econômico.
Um grande problema regional são os aumentos das organizações criminosas que
circulam cada vez mais entre as fronteiras traficando drogas e armas, levando a problemas
internos para os Estados, transformando áreas de cidades nas quais o governo não tem
controle efetivo.
Essas novas ameaças internas e externas precisam ocupar a agenda de segurança dos
países latinos. Coloca-se em questão a soberania nacional, pela qual é preciso se reformular o
conceito, que já se encontra numa perspectiva estreita. Os países latinos buscam uma agenda
coletiva para desenvolver ideias e conclusões para seus problemas, porém é preciso preservar
a soberania dos países e, ao mesmo tempo, propor um sistema de vigilância das fronteiras,
pois os problemas se encontram em escala regional.
As forças armadas e a polícia são os poderes que os Estados despõe para proteger
suas fronteiras, porém quando se fala na América Latina em questão das forças armadas e
polícia, a classe política não sente confiança em disponibilizar tanto poder para ambas. A
relação entre a defesa das fronteiras e o poder das forças armadas deve ser compreendida
como a solução das novas ameaças nas fronteiras, que são estão sendo tomadas por grupos do
narcotráfico. A maior questão que paira sobre essa relação é como intensificar o controle
público sobre as forças de segurança do Estado, para que elas não passem as fronteiras
políticas.
“Diferentes tipos de violência ocorrem em diferentes circunstâncias sociais e exigem
soluções distintas.’’ (SORJ, 2005, página 15). Coloca-se então que, ao se combater o tráfico
de drogas e o terrorismo, são necessárias soluções diferentes para os dois tipos de violência. A
maioria dos problemas de violência na América Latina está vinculada ao comércio de drogas,
que obtém lucros econômicos exorbitantes, gerando as zonas sobre as quais o Estado perde
controle. Isso mostra que os tipos de violência necessitam ser aprofundados para ver quais são
suas verdadeiras causas e, assim, desenvolver políticas efetivas contra cada uma delas.
Para a resolução desses conflitos internos e dos variados tipos de violência, é
necessária uma maior preocupação com as pesquisas sociais, nas quais as mesmas se
encontram estagnadas em uma tradição. É preciso romper essas barreiras e, ao mesmo tempo,
relacionar os conflitos internos e a violência com o desenvolvimento das instituições
democráticas, além de seus efeitos em cenário internacional.

6 CONCLUSÃO

Conforme exposto ao longo deste artigo, a agenda de segurança internacional passa


por mudanças significativas após a Guerra Fria. Nessa transição, as questões ligadas à
segurança deixam de ser apenas bélicas, dando espaço para conceitos mais abrangentes, que
levam em conta aspectos e processos subjetivos e incluindo outros níveis além do Estado,
como no caso da Segurança Humana.
Como estabelecido, não é objetivo deste trabalho esgotar o tema, mas levantar a
discussão e trazer à questão para a mesa da discussão dos temas de segurança e defesa. Nas
chamadas “novas ameaças”, os problemas afetam não só as nações como um ator monolítico,
mas geram impactos no nível social e individual.
Sem perder de vista o fato de se tratar de um conceito ainda em disputa e construção,
é fundamental trazer a preocupação da Segurança Humana – seja no nível acadêmico ou
operacional – para o debate da agenda regional e nacional de segurança e defesa.

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