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East of Today
Dixie Browning
Fascinação nº 62
CAPÍTULO II
Quando Kate falara com Dotty, minutos atrás, todo o seu problema se resumia
em arranjar uma empregada para substituir Annie. Mas não só não o resolvera, como
arranjara uma nova preocupação: manter seus alunos longe dos olhos de Cameron.
Não tinha certeza de que poderia conseguir prender em casa, por duas semanas,
oito pessoas adultas que tinham vindo justamente para pintar a paisagem. Também
não sabia mais quais eram seus direitos e qual o seu espaço naquela ilha. Só estava
certa de que não ia desistir, de maneira alguma. Brigaria por isso.
O simples pensamento de lutar contra Cameron iluminou-lhe os olhos com um
brilho de coragem.
CAPÍTULO III
A primeira aula foi dada na ponte sobre o rio, em Hatteras. Kate queria avaliar
a capacidade de seus alunos e encontrar a melhor maneira de ensinar-lhes. Tinha
começado sua carreira de professora muito cedo e aprendera que não se pode lecionar
arte arbitrariamente, pois esta envolve muito mais que habilidade técnica.
Naquela primeira manhã, descobriu que o pessoal tinha muito talento e a
manteria ocupada o tempo todo. Mas nem tudo era fácil. Embora a média dos alunos
fosse ótima, havia dois que prometiam criar alguns problemas. Stella, por exemplo,
parecia muito eficiente e talentosa, mas tinha uma preguiça que talvez prejudicasse o
seu rendimento. Só se interessava por duas coisas na vida: moda e homens. E isso
levava a outro possível criador de problemas: Tony Palani.
Quando dava aulas no colégio, Kate enfrentara muitos homens do tipo de
Tony. Entretanto, era a primeira vez que tinha de tratar com um deles mais
constantemente.
Tony era muito bonito e elegante, e fazia questão de mostrar que era rico —
ou, pelo menos, que seu pai era rico. Assim que chegou já foi pondo os olhos nas
duas únicas mulheres que tinha achado interessantes: Stella e Kate. E deixou claro
que a escolhida teria grandes vantagens materiais, se aceitasse suas ofertas. Quanto à
pintura, parecia apreciá-la somente como um passatempo. Estava mais preocupado
com seu charme do que com qualquer aprendizado.
Como se não bastasse a presença de Stella e Tony, havia ainda a de Hal.
Aproveitando a ausência de Annie, ele se oferecera para ajudar Kate, que se viu
obrigada a aceitar, pois não tinha mais o pretexto de não dispor de acomodações.
Afinal, o quarto da empregada estava vago.
Mal começara a primeira aula, Kate descobriu que precisava mesmo de ajuda,
porque não se tratava apenas de ensinar: a todo momento precisava de material,
esquecia o chapéu de sol, e outras coisas . desse tipo. Sem falar nos serviços
domésticos.
Claro que não precisaria afastar-se muito da casa com seus alunos, se Cameron
não tivesse sido tão estúpido com suas exigências. Assim, para pintar a paisagem, o
grupo tinha de ir de carro ou andar quase um quilômetro sob o sol, carregando
material. Era um absurdo, quando na pequena ilha havia tão belas vistas para pintar.
Mas Cameron dissera que não queria uma "invasão" em sua propriedade.
Toda a situação acentuou as idéias de Kate a respeito dos homens em geral.
Enquanto suas amigas haviam encontrado um companheiro, ela ainda achava que
casamento não tinha nenhum propósito. Os homens que conhecera, ou desejavam que
ela abandonasse seu trabalho para dedicar-se somente a eles, ou apenas a queriam na
cama para que lhes desse prazer.
Hal pertencia ao primeiro grupo. Tony talvez se alinhasse melhor no segundo,
onde, com toda a certeza, se incluía Cameron. Mas não havia a menor possibilidade
de um relacionamento entre ela e qualquer um deles, muito menos com o arrogante
dono da ilha. Tudo que queria dele era que não se colocasse em seu caminho.
Alguns dias depois, Hal partiu pela manhã, depois de prometer que voltaria nos
próximos feriados, quando poderia novamente deixar a loja. Kate simplesmente
concordou, resignada. Qualquer coisa que dissesse não iria mesmo impedi-lo de vir.
Ele estava convencido de que ela o amava, mas era orgulhosa demais para confessar
isso e admitir a possibilidade, ainda que remota, de deixá-lo sustentar sua família.
Realmente, mesmo que o amasse, Kate jamais lhe daria a responsabilidade de
manter a mãe e a irmã. Estava decidida a mandar Francês estudar em Londres, mas,
apesar de seus poucos recursos, pretendia fazê-lo sozinha, e não às custas de qualquer
homem que estivesse com ela. Não queria depender de ninguém. Ao contrário,
planejava conquistar sua total independência financeira. Esperava que esse trabalho
na ilha rendesse bastante dinheiro para abandonar a escola e passar todo o inverno
pintando. Depois de dar aulas cinco dias por semana, ficava esgotada demais para
dedicar-se ao seu próprio desenvolvimento artístico.
Sem saber porquê, seu pensamento voltou-se para Cameron. Não o vira mais
desde a véspera da primeira aula. Certamente Baby ainda estava por lá. O rádio na
casa dos Greyville vivia ligado no último volume, e nem ele nem sua avó deviam
gostar tanto de rock.
Um dia, de manhã, Dotty ficou olhando o trabalho dos alunos e arriscou alguns
comentários que indicavam que a arte não lhe era uma coisa estranha. Também fez
observações sobre o gosto musical de Baby, quando o vento trouxe um pouco
daquele som até o lugar da aula.
— Ela está ouvindo esse barulho há mais tempo que de costume e não sei até
onde a paciência de Cameron vai agüentar. Ele é um homem tolerante, mas quando
explode... — disse Dotty.
Kate sorriu e achou melhor não expressar sua opinião sobre a tolerância de
Cameron; essa era uma qualidade que, pelo jeito, ele revelava apenas para um grupo
bem reduzido de pessoas.
— Todos os dias temos aqui um concerto de rock, principalmente quando o
vento sopra em nossa direção — disse Kate para a velha senhora.
Era quase uma reclamação e ela esperava que Dotty a repetisse para Cameron,
de um jeito ainda mais diplomático.
Naquele mesmo dia, Stella faltou à aula da tarde. Outras vezes ela já havia
faltado para sair com Tony, mas agora este se encontrava presente, elegantemente
vestido só para impressionar a professora.
Foi Selma Kinfield, uma das alunas mais velhas, que contou ter visto Stella
indo para a casa de Cameron. Kate tentou conter a curiosidade e fez o possível para
não ficar olhando a todo momento para lá. Talvez a moça só quisesse usar o telefone.
Não poderia ser o tipo que Cameron gostava e também não haveria de passar a tarde
inteira conversando com Dotty.
Após o jantar, todos já estavam limpando as mesas para conversar sobre os
trabalhos do dia e Stella ainda não tinha voltado. Kate começou a ficar preocupada,
achando que talvez tivesse acontecido alguma coisa.
Discutia-se acaloradamente sobre o uso dos pincéis e Kate estava no meio de
um argumento, quando ouviu o barulho de um carro que estacionava em frente à
casa. Parou de falar e olhou pela janela: Stella e Cameron vinham entrando.
— Fomos jantar — disse ela. — Espero que não tenha sentido a minha falta.
— De modo algum! — respondeu Kate friamente, segurando o pincel sobre o
qual estivera falando. — Espero que tenha tido uma boa noite.
Cameron aproximou-se de. uma pintura que retratava a praia com as gaivotas,
as pedras e as ondas.
— Bonito. É assim que você vê isso, Kate?
— Sim, mas você, sem dúvida, deve preferir uma fotografia, que é mais fácil
de fazer.
— Não, não prefiro. Esta pintura tem ritmo. As ondas têm movimento. As asas
das gaivotas também, mas estão destacadas demais.
Kate ficou surpresa: jamais esperaria que um homem como Cameron fizesse
uma apreciação tão perfeita de uma pintura. Ele tinha percebido não só a qualidade
do trabalho como seus defeitos.
— Só estava demonstrando uma técnica. Essa não é a forma final — explicou
ela, com toda segurança.
Os outros estavam envolvidos demais na avaliação do próprio trabalho para dar
atenção à conversa, mas Stella, que não perdia uma só palavra, sorriu de um modo
que irritou Kate.
Tony também acompanhava o diálogo, olhando alternadamente para Stella,
Cameron e Kate, de modo significativo.
— Se me permite, sr. Greyville, vou voltar para minha aula — disse Kate,
virando as costas para ele e tentando retomar seu assunto com os alunos.
Na verdade, já tinha terminado o que tinha para dizer, mas precisava ocupar-se
de alguma coisa enquanto ele a olhava. E conseguiu. Ele acabou perdendo o jeito.
— Está bem. Tenho mesmo de ir embora — disse Cameron, encaminhando-se
para a porta.
Stella agradeceu-lhe docemente pelo jantar, inclinando-se de tal modo que seus
cabelos ruivos roçaram-lhe a manga da camisa, e prometeu estar no ancoradouro às
oito, na manhã seguinte.
"Mais uma vez as aulas de arte vão ficar para trás", pensou Kate. "Stella nem
precisa pensar para escolher entre pintar o dia todo e passear de barco com um
homem atraente e fascinante como este... "
Seu pensamento surpreendeu-a. Desde quando achava Cameron atraente e
fascinante? E por que reagia daquela maneira à sua presença? Por que se irritara com
Stella sem razão aparente? Ele não era diferente de nenhum outro homem que havia
conhecido.
"Ora, quero mais é que ele tropece naquelas suas pernas de avestruz e amasse
sua bela cara na areia", concluiu consigo mesma.
Todos já haviam se recolhido quando Kate foi para o seu quarto, algumas horas
depois. Durante longo tempo ficou deitada, simplesmente ouvindo a música do mar, o
som de que mais gostava: suave, natural. Não como aquele ruído estridente que vinha
do rádio de Baby
A imagem de tola da secretária imediatamente veio-lhe à lembrança, e com ela
os últimos fatos do dia. Baby devia ter ido embora, deixando o campo livre para
Stella.
"Decididamente Cameron tem um fraco pelas ruivas", pensou. "Pelo menos
essa não gosta tanto de rock. . . "
Agora que Stella parecia disposta a investir todo o seu tempo em Cameron,
Tony certamente concentraria seu esforço na conquista de Kate. "Preciso dar um jeito
nisso. Amanhã mesmo vou colocá-lo em seu devido lugar", decidiu, mergulhando
então num sono profundo.
CAPÍTULO IV
Tony cumpriu a sua ameaça e ficou na ilha. Kate não conseguira convencê-lo a
partir. Na verdade, ela precisava de dinheiro, pois gastara tudo que podia colocando
anúncios do curso numa revista de arte que circulava por todo o território nacional e
imprimindo folhetos de informações para enviar pelo correio. Era bem verdade que
economizara o salário de Annie, mas, por outro lado, gastara com alimentação muito
mais do que previra. A brisa marinha parecia triplicar o apetite das pessoas.
O fato de Tony ter ficado significava, também, que ela não teria mais os dois
dias livres para descansar, antes de começar o novo curso. Todos já tinham arrumado
as malas e partido, e Kate esperava restaurar as energias com um pequeno passeio
pelos arredores ou com uma exploração mais completa da ilhota em frente. Tony,
porém, insistiu em acompanhá-la e ela acabou cedendo, embora não tivesse nenhuma
vontade de estar com ele. Talvez estivesse cansada demais para defender sua
privacidade.
Horas e horas de trabalho por dia, mais a sessão de crítica depois do jantar,
durante duas semanas, haviam esgotado suas energias. Além disso, ainda atendera
alunos que queriam tirar dúvidas e discutir coisas com ela. Muitas vezes, nem
conseguira fazer um intervalo entre uma sessão e outra, com tantas solicitações.
Havia também o preparo das refeições. Apesar do entusiasmo inicial dos
alunos, que no primeiro momento se dispuseram a ajudá-la, no dia seguinte ela já
estava tendo de cozinhar e arrumar a casa sozinha. O clima não colaborava com esse
tipo de tarefa, porque os dias eram cada vez mais quentes e úmidos.
Tony e Kate foram ver o novo farol de Hatteras e visitaram as ruínas do antigo
farol, que, destruído durante a II Guerra, não passava agora de um monte de pedras
em frente ao oceano Atlântico. Percorreram o museu e andaram pelas matas,
espantando os mosquitos e descobrindo trilhas naturais.
Na volta, a velocidade com que Tony dirigia o carro assustava-a e fazia-a
segurar fortemente a bolsa. Mas resolveu não dizer nada, porque ele seria capaz de
correr mais ainda, só para provocá-la. Tudo o que ela queria era ter o mínimo contato
possível com ele e talvez nunca mais vê-lo pela frente.
Ao chegarem na casa, Kate rapidamente reuniu a roupa suja, levou-a para a
lavanderia e deixou-a na máquina ligada. Depois, ambos saíram novamente para
jantar num dos melhores restaurantes de Hatteras. Apesar de não gostar nem um
pouco da companhia de Tony, Kate achou ótimo poder jantar sem ter de prepará-lo,
como vinha fazendo em todas as refeições dos últimos dias.
Estavam na sobremesa quando Cameron e Dotty entraram. A velha senhora
imediatamente os viu e levou o neto para a mesa em frente, ignorando a testa franzida
de Tony.
— Não querem sentar conosco? — perguntou este, com um sorriso forçado.
— Bem que gostaríamos — disse Dotty, sem vontade nenhuma de dividir a
mesa com aquele homem tão antipático. — Mas vocês já estão terminando...
— Bobagem — retrucou Cameron, puxando uma cadeira para si e outra para
sua avó. — Sem dúvida ainda vão tomar café e teremos o privilégio de uma boa
companhia, nem que seja por alguns minutos.
"Como sabe ser simpático quando quer...", pensou Kate, imaginando que um
homem assim era extremamente sedutor e perigoso.
Dotty começou a conversar enquanto esperavam seus pratos. Não seria
delicado sair naquele momento: Kate poderia dizer que estava cansada, mas acabou
ficando um pouco mais. Na verdade, estava achando muito interessante o projeto que
Dotty lhes expunha: fazer trabalhos em acrílico com flores dentro.
O fato de Cameron estar alguns centímetros à sua frente talvez não tivesse
nada a ver com isso, mas Kate sentiu um arrepio quando a perna dele, sem querer,
encostou-se na sua, por debaixo da mesa.
Conversaram ainda algum tempo e por fim Kate e Tony saíram, com a
desculpa de que precisavam fazer algumas compras na mercearia e passar na
lavanderia.
Até retomarem o caminho para a ilha Coranoke, não lhe havia ocorrido que
agora ela ficaria sozinha com Tony. Ao pensar nisso sentiu-se terrivelmente
vulnerável, sobretudo porque a atitude dele parecia haver mudado depois do jantar.
Talvez não tivesse sido uma boa idéia prendê-lo durante a meia hora de conversa com
Dotty, mas havia pouca coisa diferente a fazer, àquela hora e naquele lugar. Além
disso, a companhia da velha senhora era muito agradável, e havia algum tempo que
Kate não se permitia conversar com ela.
Quando pararam em frente à casa, ela desceu do carro e sentou-se no primeiro
degrau da escada, relutante em subir. Depois de refletir alguns segundos, achou um
bom pretexto.
— Vou até a lavanderia buscar a roupa. Enquanto isso você vai fazer as
compras na mercearia, está bem? — perguntou a Tony.
— Está pedindo ou mandando? — retrucou ele.
— Estou pedindo e também mandando. Quero ficar sozinha um pouco.
Era indelicado dizer isso, depois de ter passado o dia todo com ele, recebendo
tantas atenções, mas não havia outro jeito.
— Se eu soubesse, teria deixado você sozinha desde o começo.
Kate perdeu a calma.
— Sabe, Tony, às vezes você não é uma pessoa agradável.
Teve a desconfortável sensação de que ele queria comprar algo mais do que
aulas de arte e pensou, seriamente, em acabar com tudo aquilo de uma vez. Antes que
pudesse continuar, porém, ele declarou:
— Logo que me conhecer melhor, você vai me adorar. Não sou tão mau assim.
E... sei ser bastante generoso, conforme as circunstâncias — acrescentou, com um
tom insinuante na voz, e avançou para Kate, como se fosse beijá-la.
Ela, no entanto, correu para agarrar a maçaneta da porta, como se fosse uma
tábua de salvação.
— Você é asqueroso! — sussurrou, trêmula de raiva e de medo. — Acho
melhor ir embora. Ainda não pagou o segundo curso e resolvi limitar o número de
alunos.
Ele aproximou-se de novo e ela o esbofeteou. Já havia tentado todas as
maneiras civilizadas de se livrar de uma pessoa tão inconveniente. Só lhe restava
agora recorrer à grosseria.
— Não se atreva a me tocar! — avisou. Kate virou as costas e pegou de novo a
maçaneta para abrir a porta. Mas ele veio por trás, sorrateiramente, e enlaçou-a pela
cintura. Ela tentou chutá-lo, mas não adiantou. Estava tomada pelo pavor.
— Calma, meu bem. Sei que estava contando as horas, como eu. Pensei que
aquela velhota jamais fosse deixar a gente ir embora do restaurante, mas agora aqui
estamos, sozinhos, e você vai ver que é uma garota de sorte.
Levantou-a pelos ombros e forçou-a a virar o rosto para poder beijá-la. Nesse
instante, as luzes do carro de Cameron brilharam à sua frente.
— Será que vou ter de chamar a polícia? — perguntou ela, indignada e
envergonhada de ter sido surpreendida naquela situação, justamente por Cameron,
que agora estacionava o carro em frente à outra casa.
— Do que está reclamando? Não fiz nada que você não tivesse insistentemente
insinuado todos estes dias, essa é a verdade. Mulheres como você gostam de fazer seu
joguinho de avanço, mas também tenho uns joguinhos que conheço muito bem, meu
amor, e garanto que você vai gostar deles.
— Porco! — gritou Kate, puxando o corpo até livrar-se do abraço.
Depois desceu a escadinha rapidamente e começou a correr em direção à praia,
não se incomodando com mais nada. Só queria livrar-se daquele homem. Mas havia
calculado mal a capacidade do adversário que, subitamente, a alcançou e colocou o
pé em sua passagem, fazendo-a cair na areia.
— Elas sempre caem por mim, mais cedo ou mais tarde — disse Tony,
sarcástico, inclinando-se para levantá-la.
Kate, porém, desviou o corpo com incrível agilidade e desferiu-lhe um forte
pontapé.
— Vá embora! Deixe-me em paz!
Lágrimas de raiva queimavam-lhe os olhos, e ela estava mais amedrontada do
que se atrevia a demonstrar.
— Você ouviu o que ela disse. Dê o fora — ordenou uma voz muito
conhecida, num tom que não admitia réplica.
A chegada de Cameron provocou nela dois sentimentos bem distintos: por um
lado, um grande alívio, pois Tony finalmente se afastava; por outro lado, um terrível
embaraço, pois nunca queria ser vista por ele naquele estado, caída na areia e
chorando, com a roupa toda suja.
Cameron levantou-a com a maior facilidade e, afastando-lhe os cabelos do
rosto, perguntou, com um tom muito terno:
— Tudo bem com você?
— Claro que está tudo bem! O que mais você esperava?
Seu nervosismo tornou-a tão grosseira que Cameron recuou, surpreso, e tirou
imediatamente as mãos de seus ombros. Todo o carinho que ele demonstrava, um
momento atrás, desapareceu de repente.
— Eu esperava um pouco mais de educação de sua parte, só isso. Estou muito
desapontado. Mas não tem importância; afinal eu me intrometi onde não fui
chamado. Vá, vá correndo atrás de seu namoradinho antes que ele vá embora de uma
vez. — E, virando as costas para ela, começou a afastar-se em direção à sua casa.
— Espere. — A voz de Kate soou quase como uma súplica.
Ele olhou para trás, por cima do ombro, com uma atitude que demonstrava
total enfado.
— Sinto muito — disse ela, lutando para controlar-se; estava tão tensa que
tremia dos pés à cabeça. — Realmente sinto muito. E agradeço-lhe a ajuda. Não sei o
que poderia ter feito sem você. — Respirou fundo e fez uma ligeira pausa antes de
continuar. — Claro que eu poderia ter dominado a situação, mas...
— Dominar a situação? — cortou ele, rindo com sarcasmo. — Não seja tola.
Se pudesse dominar a situação, eu não teria precisado interferir. E agora, se tivesse
um pingo de bom senso, não se colocaria nessa posição tão arrogante.
— Obrigada por suas palavras sábias — respondeu ela, retesando-se toda como
se um choque elétrico a percorresse. — Se todo mundo soubesse o que você sabe,
ninguém teria problemas.
— É isso mesmo. Principalmente você e sua turminha de conversadores sobre
arte. Quando chegarem os novos alunos, diga-lhes para não invadirem o meu lado da
ilha.
Cameron se aproximara novamente e ela ergueu ainda mais o queixo, como se
estivesse ao mesmo tempo protegendo-se e desafiando-o.
— Você fala da turminha de conversadores, mas parece que alguns deles não o
aborrecem. Reparei que depois que aquela sua secretária partiu, você não perdeu
tempo em substituí-la por Stella Wright. Pena que ela também teve de ir, não é?
— É pena, sim, porque pelo menos ela sabe se comportar como uma mulher, e
não como uma frustrada e mal-amada como você. Além disso...
Cameron não pôde continuar. Rápida como uma gata, Kate deu-lhe um sonoro
tapa no rosto. Ele imediatamente avançou sobre ela e agarrou-a, puxando-a para si
com tanta força que a fez soltar um gemido de dor e de medo.
Em seguida, sem lhe dar tempo para esboçar a menor reação, beijou-lhe a boca,
esmagando os lábios dela numa pressão intensa e agressiva. Com uma das mãos,
prendia-a pelos punhos; com a outra, acariciava-lhe as costas.
Pouco a pouco, seu beijo foi-se tornando menos violento e mais sedutor, e a
fúria de Kate foi cedendo lugar a um cálido torpor.
De repente, do mesmo jeito que a agarrara, ele se afastou, bruscamente. Ainda
lhe segurou o pulso por um momento, mas soltou-o e pôs-se a caminhar.
— Venha também — ordenou. — Peça a Dotty que lhe sirva uma bebida. Vai
lhe fazer bem.
Trêmula, mal conseguindo andar, Kate obedeceu-o como um autômato.
Entretanto, depois de dar alguns passos, pareceu tomar inteira consciência de sua
desagradável situação.
— Não posso ir — declarou, com voz chorosa. — Tenho de tirar a roupa da
máquina de lavar e fazer as compras da mercearia.
— Deixe que tomo conta disso. Agora vá e faça como falei. A não ser que
esteja muito ansiosa para se encontrar de novo com Tony Palani. Ele deve estar lá na
sua casa, cuidando do tornozelo que você machucou com seu brilhante pontapé. Mas
talvez você esteja preocupada com isso.
Era uma clara provocação para outra briga, mas ela não tinha condições de
continuar discutindo. Voltou-se, então, com uma obediência a que não estava
habituada, e atravessou a faixa de areia que separava as duas casas.
Dotty recebeu-a com a amabilidade de sempre e, para seu alívio, não lhe fez
perguntas. Limitou-se a conduzi-la para a cozinha e serviu-lhe um drinque. Kate é
que se sentiu na obrigação de contar-lhe o que havia acontecido; afinal, estava toda
suja de areia e a velha senhora havia testemunhado o ataque inicial de Tony, quando
passara de carro, diante da varanda.
Uns vinte minutos depois, Cameron voltou e, sem falar com nenhuma das
duas, serviu-se de bebida, que tomou de um gole só. Depois encheu novamente o
copo, atravessou a sala e colocou-se na frente de Kate.
— Pode passar a noite aqui, se quiser, mas acho que Palani não vai mais
incomodá-la.
Kate pensou que a coisa que mais queria era realmente ficar naquela casa tão
confortável e esquecer as compras da mercearia, a roupa da lavanderia, Tony, as
aulas — tudo, menos a amizade e a gentileza de Dotty e a força que emanava de
Cameron, tão grande que lhe dava a impressão de poder tocá-la. De repente, porém,
sentiu-se mais ameaçada naquela casa do que na sua.
— Agradeço muito, mas prefiro ir embora — declarou, levantando-se para
colocar o copo cuidadosamente sobre a mesa. — Tony conseguiu me colocar fora de
combate. Estou ansiosa por tomar um bom banho, cair na cama e esquecer todo esse
incidente absurdo.
Talvez por causa do drinque, talvez por causa da solicitude de Dotty, já não
estava tão nervosa. Congratulou-se consigo mesma por haver controlado tão bem
suas emoções e poder sair dali com a cabeça erguida. Mas sabia que precisava agir
com rapidez, pois Cameron tinha um jeito infalível de destruir suas defesas e fazê-la
sentir-se como se estivesse completamente nua sob seus olhos.
— Boa noite — disse, abrindo a porta antes que os donos da casa pudessem
levantar-se para acompanhá-la até a varanda.
Assim que saiu para o jardim, pôs-se a correr e só parou quando subiu a
escadinha de sua varanda. O carro de Tony não estava lá. Kate entrou e foi direto
para o quarto que ele ocupara: suas coisas também não estavam mais ali. Ela soltou
um profundo suspiro de alívio.
Depois de guardar a roupa que Cameron apanhara na lavanderia, Kate foi para
a cozinha verificar as compras. Conferiu tudo e chegou à conclusão de que aquilo
daria folgadamente para alimentar uma tropa durante a semana seguinte.
Ao lado das compras, havia um envelope. Kate abriu-o e constatou que
continha um cheque, referente ao curso que ia começar dali a dias.
"Mas se Tony foi embora, por que está pagando por um curso que não vai
fazer?" pensou. "Será que foi sua consciência culpada que o fez deixar o cheque?"
Contemplou, durante alguns segundos, o valioso pedaço de papel e, por fim,
deu de ombros: "Bem, não posso fazer mesmo nada, agora à noite. Amanhã cedo vou
arranjar um jeito de remeter-lhe este cheque pelo correio". Após decidir-se, foi tomar
seu desejado banho, para finalmente cair na cama e dormir embalada pelo barulho
das ondas.
Na manhã seguinte, Kate foi despertada por um som que não conseguiu
identificar, pois ainda estava misturado com seu sonho. A luz do sol batia em cheio
sobre seu rosto, mas ela demorou a acordar totalmente. Quando por fim abriu os
olhos, viu Cameron Greyville parado na soleira.
— Está maluco? — perguntou ela, assustada, sentando-se de repente e
puxando o lençol para cobrir o corpo, vestido apenas com uma camisola fininha. Os
cabelos caíram-lhe sobre os ombros.
— Bati lá fora e na porta do seu quarto, e como você não respondeu, fiquei
preocupado... Mas vejo que está tudo bem.
— Saia daqui!
— Quero falar com você. E tem de ser agora, antes que Dotty venha para cá.
— Agora? — explodiu ela. — Você invade o meu quarto, me arranca do sono,
e ainda quer falar comigo agora? Seja o que for que tenha para me dizer, a gente fala
depois. Saia daqui!
— Fique quieta! — ordenou ele, atravessando o quarto com duas ou três largas
passadas e indo sentar-se na beira da cama.
Apavorada com aquela atitude, Kate puxou o lençol até o pescoço e encostou-
se na parede, rígida como uma tábua.
— Você faz muito bem o papel da virgem pudica, meu amor, mas não é nisso
que estou pensando — explicou Cameron, que, depois de examiná-la com uma
expressão de zombaria, prosseguiu: — Dotty quer fazer o curso de pintura. Agora que
Tony foi embora, há uma vaga, não é?
— Há, mas por que não deixou a própria Dotty vir falar comigo? — perguntou,
desconfiada.
— Porque ela jamais diria o que vou dizer. Aliás, nunca lhe conte isto. Deixe-a
assistir às aulas, mas não seja muito crítica em relação ao seu trabalho. Quero que ela
se distraia fazendo alguma coisa de que gosta, sem a preocupação de alcançar o nível
que você espera, se é que realmente espera algum.
— Apesar da sua insinuação, exijo um bom nível de meus alunos. Mas não
tenho dúvida de que Dotty vai se dar muito bem. Gosto dela e acho-a criativa e
talentosa. Você não precisava vir aqui me acordar para dizer isso.
— Dela você gosta, eu sei, mas do neto... — comentou ele com uma risadinha.
— É, o neto não me inspira muita simpatia — respondeu Kate, com voz
cortante.
— Sabe, srta. Brown, acho interessante que, na semana passada, dois homens a
assediaram querendo alguma coisa...
— Minha vida amorosa não lhe diz respeito — interrompeu, puxando o lençol
mais para cima, até cobrir o queixo.
Ele continuou falando, como se não a tivesse ouvido.
— Mas talvez você não tenha sido picada pela abelha certa. Acho que a mais
dura das flores desabrocha quando isso acontece. Não é verdade, srta. Brown?
— Se já acabou sua palestra sobre abelhas, por favor saia do meu quarto.
Cameron tocou-lhe a perna com a ponta dos dedos, e esclareceu, com um
sorriso insinuante:
— Eu não estava propriamente falando de abelhas...
— Quer saber de uma coisa? Acho que as abelhas são muito melhores do que
os homens. Não são sempre arrogantes e convencidas como eles.
— Não fale assim, minha querida. Bem que você gosta dos homens... Pelo
menos de alguns...
— Vá embora de uma vez!
Ele se levantou e dirigiu-se lentamente para a porta. Quando estava já com a
mão na maçaneta, voltou-se e encarou-a com um olhar malicioso.
— Se eu me entediar muito neste verão, virei procurá-la — disse, e saiu.
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
O silêncio pulsava em volta deles, suspendendo toda a ação por instantes que
pareciam uma eternidade. Kate olhou para Tony, que estava consternado. Dotty, com
os olhos brilhantes, esperava a resposta à sua indiscreta observação. Cameron
acariciava o próprio queixo; por fim, caminhou para ela e, sem lhe dar tempo de
afastar-se, disse:
— Ora, minha querida, ele teria de saber algum dia.
— Mas ninguém aqui...
Cameron pediu que Tony os deixasse e fosse para a casa de Kate, pois
precisavam conversar.
— Kate estará com você num minuto. Acho que ela está um pouco abalada
porque minha avó se antecipou em dar a notícia, impedindo-a de falar com você. Mas
sabe como são as mulheres...
Depois que Tony saiu da sala, Kate foi a primeira a falar:
— Francamente, Dotty, é imperdoável! Como pôde fazer isso?
— Bem, eu fiquei aqui com o rapaz por mais de meia hora, enquanto Cameron
foi buscar você. Aliás, por que demoraram tanto? Ora, não importa. Como eu ia
dizendo, fiquei aqui com ele e percebi logo que é um conquistador. Conheço muito
bem esse tipo, pode crer. E eu, nem queria ficar a noite toda com ele aqui, nem queria
que você se iludisse com a lábia dele. A melhor solução que encontrei para afastá-lo
da minha casa e da sua vida foi dizer o que disse. Tinha certeza de que Cameron
sustentaria a história e nos livraria de Tony.
— Pois fez mal, Dotty. Eu preferiria mil vezes tentar alguma coisa com Tony
ou com qualquer outro homem, mesmo que seja um conquistador, a ficar noiva do
seu neto.
Kate reconheceu que estava sendo bastante grosseira, mas as palavras
escaparam-lhe da garganta e acabaram ofendendo duas pessoas que, na verdade, só
queriam protegê-la. Quando percebeu isso, ela se sentiu tremendamente vulnerável e
tentou consertar sua atitude, mas Cameron não a deixou mais abrir a boca.
— Não sabia que a tinha pedido em casamento, srta. Brown — disse ele,
virando as costas friamente e caminhando para a porta.
— Oh, querida, não pensei que fosse criar tanto problema! — murmurou
Dotty, com um sincero lamento na voz.
Kate ergueu os olhos para cima, como a pedir ajuda do céu. Aqueles dois iam
acabar com ela. Era melhor ir embora logo. Resmungou um boa-noite e deixou a sala,
pelos fundos, só para não passar pela porta do aposento onde Cameron estava.
Desceu os degraus da escadinha de dois em dois, mas quando passou pela
frente da casa, Cameron, que não tinha se movido da porta, chamou-a. Ela parou e
deu alguns passos em sua direção.
— Quero pedir-lhe que desculpe Dotty. Ela agiu errado, claro, mas seria
impossível não interferir, vendo-a em apuros. Ela estava seriamente preocupada com
você, e quis protegê-la de algum modo. Quanto a mim, não terei o menor problema
em fingir que sou seu noivo, se isso pode livrá-la de Tony. Fique à vontade para me
chamar se precisar de ajuda.
O tom de sua voz era amistoso e decidido. Mas ela desconfiava que aquela
máscara de boas maneiras e solicitude escondia alguma zombaria. Ou será que ele só
queria fazer um bonito papel diante da avó, que com certeza estava ouvindo a
conversa?
— Obrigada, mas já tenho vinte e seis anos e vivi o bastante para saber lidar
com um tipo como Tony ou com qualquer outro homem que saia da linha comigo. E
o dia em que precisar de sua ajuda, eu aviso, não se preocupe. Mas pode esperar
sentado, porque vai demorar muito.
— Tem a memória curta, mas não faz mal. Faça como quiser. Agindo assim,
acho que vai levar muito tempo para resolver os seus problemas, se é que algum dia
vai conseguir — disse ele, num tom assustadoramente frio. Depois, virou as costas e
entrou na sala.
"Que homem arrogante e egoísta!", pensou Kate, enquanto tomava o caminho
de casa. "Com certeza gostou de me fazer de boba lá na praia. Deve ter pensado que
eu era uma mulher fácil, depois que lhe permiti aquele beijo no cais, ou talvez pense
que devo agradecer aos céus por ter-me concedido alguns minutos de atenção. Pois
bem, vou lhe mostrar que não sou desse tipo nem estou precisando desesperadamente
do carinho de qualquer homem que apareça na minha frente. Posso muito bem passar
o verão inteiro sem seus préstimos."
Tony esperava-a na varanda e saudou-a com um sorriso extremamente
simpático. Ela se sentou a seu lado e começou a falar sobre as condições de sua
permanência naquela casa.
— Você pode ficar até o fim da semana. Vai pintar junto comigo e pagar
criteriosamente todas as suas despesas. E nem pense em fazer nenhuma gracinha,
senão vai se dar mal — advertiu, num tom firme e seguro, que não dava margem a
dúvidas quanto à sua reação no caso de ser contrariada.
O rapaz aceitou com tanta docilidade que ela até se surpreendeu por tê-lo
considerado uma ameaça. Na verdade, Tony era apenas terrivelmente jovem e
mimado. Todo o seu dinheiro impedia-o de reconhecer seu verdadeiro valor como
pessoa. Seu jogo de sedução apenas respondia a uma necessidade interior de
demonstrar a si mesmo que podia conseguir sozinho tudo aquilo a que julgava ter
direito. Sabendo que não teria chance de atingir seu alvo, certamente desistiria de
lutar e se comportaria de modo bastante razoável.
CAPÍTULO VII
Para não pensar mais em seus problemas, Kate tentou ocupar-se durante todo o
resto do dia, concentrando-se intensamente no trabalho. Se parasse um pouco para
refletir, seria capaz de desatar a chorar.
Sua família chegou exatamente como ela imaginara. Francês gastara todo o
dinheiro que ganhara no trabalho e mais as economias da mãe: comprando um carro
novo. É verdade que o velho automóvel da sra. Brown não agüentaria a viagem, mas
trocá-lo por um conversível era uma extravagância para quem só podia pagar o
próprio sustento.
Sonhadora e pouco prática, a sra. Brown achara fascinante a perspectiva de
viajar com a filha, embora não dispusesse de dinheiro. Nenhuma das duas tinha juízo.
Agora lá estavam, instaladas na casa de Cameron como se fossem velhas amigas da
família.
Não foi uma surpresa para Kate ver sua mãe se dar tão bem com Dotty. Afinal,
as duas eram muito parecidas. Mas observar Francês a todo momento agarrar cada
palavra de Cameron como se fosse uma lição de sabedoria era demais. E ele,
mulherengo como era, estava adorando a situação.
Poucos homens poderiam resistir a Francês, com aquele seu jeitinho sensual e
infantil. Kate ficou muito zangada quando ela entrou de biquíni no meio da aula,
perturbando a concentração de todos os homens pelo resto do dia.
No sábado à noite, após o jantar, Kate anunciou que ia até a cidade comprar
leite.
Por insistência de Dotty, ela jantara na casa dos Greyville e sentira-se
completamente ignorada enquanto a anfitriã e sua mãe falavam sem parar de assuntos
comuns. Francês continuava a aplaudir tudo o que Cameron dizia e alimentava-lhe
ainda mais a vaidade fazendo perguntas bobas. De vez em quando ele se lembrava de
lançar um olhar provocante para Kate, como se dissesse: "Sua irmã não é mesmo uma
gracinha?"
— Você vai à cidade, querida? — perguntou Lola.
— Vou. Vejo você amanhã, está bem?
Cameron levantou-se de repente e deixou seu jornal de lado.
— Levo você — disse. — Também preciso comprar cigarros.
— Nesse caso poderíamos ir nós dois — declarou Francês mais do que
depressa. — Assim Kate pode descansar.
— É melhor você ficar fazendo companhia a Dotty — limitou-se ele a
responder, entredentes.
Antes que Kate pudesse dar alguma desculpa para não acompanhá-lo, ele já a
levava para fora e fazia-a entrar no carro. Ao manobrar para sair, acidentalmente
tocou em seu braço e ela se encolheu como se aquele toque fosse venenoso.
— Ora, vejam só! — exclamou ele, rindo, enquanto ela se apertava mais ainda
contra a porta.
Cameron conduziu o carro na direção da ponte. Ao chegar perto, porém, freou
de repente e abraçou Kate, que inutilmente tentou afastá-lo. Reunindo toda a sua
capacidade de resistência, ela conseguiu ficar completamente fria quando ele
procurou beijá-la.
Entretanto, quando Cameron se pôs a acariciá-la, deslizando os dedos de sua
boca para o pescoço, do pescoço para os seios, ela deixou cair as barreiras. Soltando
um leve gemido, entreabriu os lábios para receber aquele beijo que a incendiava.
Subitamente, porém, afastou-o, surpresa e irritada consigo mesma, e virou a
cabeça para outro lado, rejeitando seus próprios desejos.
— O que aconteceu? — murmurou Cameron, que ainda a segurava pelos
ombros.
Kate se desvencilhou de suas mãos e tentou abrir a porta, mas estava travada e,
em sua confusão, ela não conseguiu achar a maçaneta. Então voltou-se para ele,
começando a perder o controle.
— Abra a porta, por favor, quero ir embora.
— Pare com isso. Não fica bem para você esse comportamento de virgem
ultrajada — disse ele, acariciando-lhe os seios com uma das mãos, enquanto com a
outra tentava virar seu rosto para ele.
— Por que não veio com a minha irmã, já que era isso que queria? Ela está
caidinha por você e certamente gostaria de seus avanços.
— Isso não é maneira de uma irmã falar da outra. Pensei que você se
importasse com o bom nome de sua família. Será que me enganei?
A mão de Cameron em seus seios provocava-lhe sensações irresistíveis,
enquanto o hálito dele lhe queimava o rosto. Kate podia sentir seu sangue correndo
quente pelas veias.
— Não tenho as mesmas intenções que você e gostaria que me deixasse em
paz.
— E quais são as minhas intenções?
— Pare com isso.
Suas palavras foram cortadas pelas lágrimas que de repente lhe correram pelas
faces. Ele se afastou um pouco, permitindo que ela se sentasse, rígida, com os braços
cruzados, mas continuou a acariciar-lhe o rosto e os cabelos. Kate era completamente
impotente para fazê-lo parar, e, no entanto, seus nervos a avisaram de que estava em
grande perigo. A única forma de contornar a situação era fechar-se completamente ao
prazer.
— Por que não relaxa e deixa as coisas acontecerem? Você me quer, eu desejo
você, nós dois sabemos disso. Então por que fingir?
Ele a beijou levemente na boca.
"Porque amo você, seu idiota, e detestaria ser mais uma em suas mãos", pensou
ela. Mas acabou dizendo exatamente o contrário:
— Odeio você.
— Não, não me odeia, tenho certeza — disse ele, ajeitando-se ao volante. —
Mas você agora foi longe demais. Nunca vai ser uma mulher de verdade. Logo vai
ficar tão fechada em si mesma, que será incapaz de sorrir para um homem.
Deu partida no carro e saiu em disparada.
— Pensei que pudesse ajudá-la. Que idiota fui! Não existem mais príncipes
encantados que fazem despertar o amor da princesa. São uma espécie extinta. Se você
for dormir no seu castelo, o mato vai crescer em volta e ninguém vai saber que você
está lá.
Antes que ela pudesse responder alguma coisa, haviam chegado à cidade.
— Quer que eu vá buscar o leite para você? — perguntou ele, num tom
impessoal.
— Por favor. Um litro apenas.
Ele saiu, batendo a porta, e ela ficou sentada na escuridão, olhando para as
pessoas que passeavam em suas roupas de verão.
Cameron voltou, entrou no carro e, sem dizer, nada, entregou-lhe o leite. Em
seguida, acionou o motor e partiu a toda velocidade.
Depois de deixá-la em casa, minutos mais tarde, arrancou de novo, com tanta
raiva que os pneus guincharam, jogando areia para todo lado. Ela tentou distrair-se
ocupando-se da lista de compras que fizera na véspera. O dia seguinte seria cheio de
trabalho.
Durante uma semana Kate praticamente não viu a família. Cameron deixava a
ilha logo à noitinha, diariamente. Algumas vezes sozinho, algumas vezes na
companhia de Francês. Kate via seu carro desaparecer na ponte e, suspirando
amargamente, procurava concentrar-se na aula.
Continuava levando os alunos à praia em frente à casa dos Greyville. Se
Cameron não quisesse que fossem ali, teria de dizer-lhe pessoalmente.
Haviam se falado uma só vez, depois daquela noite desastrosa. Ele fora
apanhar uma carta que Kate recebera por engano. Portou-se de maneira totalmente
impessoal, como se ela fosse apenas uma inquilina temporária que logo partiria sem
deixar rastro. O que, aliás, era a mais pura verdade.
CAPÍTULO VIII
No sábado de manhã, Cameron pediu a Dotty que convidasse Kate para pescar
com ele e Francês, à noite. As aulas haviam terminado, e ela estava de folga,
esperando o início do próximo curso.
— Você vai adorar — disse a velha senhora. — Eu o acompanhei numa dessas
expedições noturnas, e achei fantástico ver o plâncton brilhando nas ondas, pisar na
areia molhada, contemplar as gaivotas dormindo. Ah, parece um paraíso perdido!
Não havia razão para recusar o convite. O verão estava já pela metade e havia
muitas coisas que ela ainda não tinha feito. Na verdade, acabara justamente fazendo o
que não queria, ou seja, apaixonara-se por aquele homem que brincava com ela.
"Vou procurar outro lugar para os próximos cursos, talvez uma outra ilha, mas
não Coranoke", decidiu Kate com seus botões. "E vou antes de cair em nova
armadilha amorosa."
Ao cair da noite, ela colocou um short, apanhou uma jaqueta e, quando
Cameron chegou, sentou-se no carro a seu lado. Francês estava furiosa, no banco de
trás.
— O que mamãe e Dotty vão ficar fazendo sozinhas? — perguntou Kate, mais
para quebrar o silêncio do que por curiosidade.
— Com certeza vão bater um bom papo — respondeu ele, enquanto Francês
continuava silenciosa.
No final da estrada, Cameron parou e os três desceram. Cada qual apanhou
uma parte dos apetrechos de pesca e foram subindo lentamente. Francês estava muda,
e Kate preferiu não intervir; não estava disposta a deixá-la estragar o passeio.
Ao chegarem no topo das dunas, ela sentiu no rosto a brisa fria do mar,
trazendo consigo o perfume de muitas praias distantes. A lua cheia brincava com a
escuridão sobre as nuvens. A paisagem era misteriosa e plena de encanto.
— Ê absolutamente mágico! — disse Kate, voltando-se para Cameron. Ele
colocara as varas na areia e agora estava enrolando os carretéis.
— Colocar uma vara na areia e ficar esperando é bom porque, apesar de não se
fazer nada, a gente não se sente inútil — explicou ele, com um sorriso.
— Eu poderia pensar em muitas outras coisas para fazer na praia à noite, mas
as circunstâncias não permitem — disse Francês, com um tom insinuante.
Kate sabia muito bem a que circunstâncias a irmã se referia, mas preferiu não
lhe dar a resposta que tinha na ponta da língua. O que dissesse acabaria provocando
uma discussão desagradável, e essa não era, de modo algum, sua intenção.
— Já pescou alguma vez? — perguntou Cameron quando ela puxou a linha
com um camarão.
— Só em lago, e mesmo assim muito tempo atrás.
Ele se voltou para Francês, para ajudá-la a lançar o anzol, porque a moça
dissera que não enxergava direito à noite.
Alguns mosquitos começaram a atacar Kate, e ela abandonou a vara por um
instante para se cobrir de repelente. Quando conseguiu afastar os insetos, voltou à
pescaria.
Ao puxar a linha pela segunda vez, não veio nada, mas ela não desanimou.
Enrolando bem o carretel, atirou o anzol novamente. Na verdade, o que mais lhe
interessava não era ter sucesso na pesca e sim estar ali, naquela praia linda, banhada
pelo luar. Estava encantada com o reflexo da lua no mar, com as lanternas dos barcos
de pesca perto da praia, e, principalmente, com a presença magnífica de Cameron.
Nem a atitude infantil de Francês, continuamente solicitando a atenção dele,
conseguia dissipar a mágica daquele instante. Kate já estava acostumada a ver os
homens preferirem os encantos de sua adorável irmã.
Por mais cuidados que Cameron lhe dispensasse, Francês, porém, continuava
reclamando de tudo.
Finalmente, resolveu desistir da pescaria.
— Vou voltar para o carro — declarou, fazendo beicinho como uma criança
amuada. — Não agüento mais esses mosquitos. Vocês podem ficar afogando iscas
quanto tempo quiserem.
— Não senti mosquito nenhum. E você, Kate?!
— Eu também não. Acho que não sou muito sensível a mosquitos —
respondeu ela, rezando para que os insetos não voltassem.
Cameron entregou a chave do carro para Francês.
— Fique ouvindo o rádio ou alguma fita enquanto nos espera. Acho que não
vamos demorar muito. Os peixes não estão mordendo a isca esta noite. Pelo menos
dentro da água.
Depois, voltou a sentar-se ao lado de Kate e concentrou-se na pescaria, como
se fosse a coisa mais importante de sua vida.
Um momento mais tarde, uma música pairava no ar, vinda do carro. Era uma
canção antiga, que falava de nunca mais amar de novo. Kate começou a cantar
baixinho.
— Aborrecida? — perguntou ele.
— Não, acho que nunca me aborreci na minha vida, e muito menos esta noite.
Está linda, não é?
— Eu sabia que você ia gostar. Ainda bem que Dotty não depende de mim para
comer peixe. A única coisa que vou conseguir pescar hoje são alguns camarões
distraídos ou um caranguejo mais teimoso que agarre na linha.
— Ouvi dizer que... — começou ela, mas logo se interrompeu, ao sentir que a
linha ficava pesada de repente e começava a se mexer. — Olhe, acho que fisguei um
peixão!
— Calma, não se afobe. Vá enrolando o carretel bem devagar para o peixe não
fugir.
— Mas ele está me puxando! Pegue a vara você, que tem mais força — gritou,
tentando deixar o lugar para ele.
— Não, senhora. Você o fisgou e você vai puxá-lo — disse ele, aproximando-
se mais. — Basta não perder a calma e fazer o que eu lhe disser. Incline-se para trás.
Assim! Agora puxe a vara. Dê-lhe um pouco mais de linha. Isso mesmo... Não, não
puxe, senão você o perde.
Ela media forças com o peixe, que devia ser enorme. Mas era uma batalha
perdida. Estava indo cada vez mais para a água, enquanto Cameron a incentivava.
— Você tem bastante linha, deixe-o debater-se até se cansar. Não puxe
enquanto ele estiver tentando fugir, senão vai quebrar a linha.
— Não tenho mais forças — disse ela, quase desistindo de lutar contra aquele
peixe enorme.
De repente, a lua escondeu-se atrás de uma grande nuvem e mergulhou-os na
escuridão. Nesse exato momento, Cameron lhe dizia para se inclinar de novo para
trás e começar a puxar a linha.
Ela se inclinou, mas uma onda avançou para a praia e derrubou-a. A próxima
coisa que percebeu era que estava sendo tragada por toneladas de água. O horror de
ser arrastada por aquela força indomável durou apenas alguns momentos, mas estes
se ampliaram em sua consciência como se fossem uma eternidade.
Enquanto sua vida corria perigo, seu pensamento concentrou-se em Cameron.
A lembrança daquela presença forte, que magnetizava de modo tão intenso,
estimulou-a a lutar até o último alento contra a fúria do mar. Mas a luta era desigual;
sua energia chegava ao fim, ela estava a ponto de sucumbir.
Então percebeu vagamente que era levada para a praia. Os braços que a
seguravam tinham mais força que o oceano indomável. Ela não perdera a
consciência, mas estava incapacitada de falar. Sentiu que Cameron a deitava na areia,
longe da água, e lhe fazia respiração artificial.
Assim que ela melhorou, ele a pegou no colo e levou-a para o carro,
acomodando-a no banco de trás. Francês, assustada, olhava a cena sem saber o que
fazer.
— Leve-me para casa — murmurou Kate, num fio de voz rouca e trêmula.
Sem dar resposta, ele acionou o motor e disparou a toda velocidade, mas, ao
invés de fazer o que ela pedira, estacionou diante de sua própria casa.
Tomou-a então novamente nos braços, subiu as escadas e levou-a para o
quarto, onde a colocou cuidadosamente numa enorme cama de casal.
Francês seguiu-os, olhando tudo com o mesmo ar apalermado. Dotty e a sra.
Brown não estavam; provavelmente haviam ido até a cidade.
— Vou sujar os lençóis. Estou toda molhada e cheia de areia — protestou
Kate, ainda com a voz muito fraca. — Por favor, leve-me para casa. Não preciso de
cuidados...
— Fique quietinha. Deixe-me decidir o que é melhor para você. France, por
favor, vá até a casa de sua irmã buscar alguma roupa para ela.
— Mas eu nem sei qual é o quarto dela — replicou a moça, toda atarantada.
Percebendo que não poderia absolutamente contar com ela, Cameron deixou-a
com Kate e pediu que pelo menos tomasse conta dela até ele voltar.
— Você está ferida? — perguntou Francês ansiosamente, assim que ficou
sozinha com a irmã.
— Claro que não! Apenas fui arrastada na areia e engoli alguns litros de água
salgada. — Sua voz já soava mais firme agora. — Vou descansar um pouco aqui e
depois vou para casa. Olhe, não conte nada para mamãe, entendeu? Ela ficaria em
pânico e não há motivo. Está tudo bem. Cameron conseguiu me pegar antes que o
peixe me puxasse para o fundo do mar.
— Ele disse que o peixe quebrou a linha e que amanhã talvez a vara de pesca
apareça na praia, trazida pelas ondas.
— Não serei eu a esperar por ela. — Kate tossiu um pouco e sentou-se na
cama. Ao ver sua imagem refletida no espelho à sua frente, suspirou, desanimada. —
Meu Deus, estou horrível!
— Está, sim — concordou Francês, tocando-lhe o cabelo cheio de areia. —
Veja se consegue dar um jeito nisso. Quer que a ajude a tomar um banho?
— Não, não se incomode. Já estou em condições de me arrumar sozinha.
— Bem, já que é assim, então vou eu tomar um bom banho. Preciso
urgentemente colocar alguma coisa nessas picadas de mosquito. Eles quase me
comeram.
— Só não coloque perfume, porque atrai mais mosquitos ainda.
— Pode ser que eu me acostume. Disseram-me que depois de algum tempo a
gente se esquece deles — comentou Francês, olhando-se no espelho vaidosamente.
— Quanto tempo você vai ficar por aqui? — perguntou Kate de repente.
Estava ansiosa para que a irmã saísse do quarto, da casa, da ilha; sua presença
incomodava-a demais.
— Será que não pode parar de falar nisso? — começou a irmã, fuzilando-a
com os olhos. — Você não foi idiota de pensar que tinha alguma chance com
Cameron, foi? O único homem que olhou para você duas vezes foi aquele bobão do
Hal Brookwood. Então, por que se incomoda tanto com o fato de eu ficar aqui? O
dono da casa quer que eu fique. Se você acha isso tão ruim, por que não procura outro
lugar? Sou hóspede de Cameron e você é só inquilina dele. Portanto, se alguém tem
de sair é você, não eu.
Kate deu um grito e ficou de pé num segundo. Sua cabeça rodava, suas pernas
tremiam, mas ela estava disposta a dizer tudo o que pensava.
— Olhe, este é um quarto de homem, é o quarto de Cameron. Se ele me
colocou aqui é porque não há outro lugar na casa. Então, não é justo que você e
mamãe fiquem aqui o verão inteiro. Não percebem que eles têm amigos que
gostariam de convidar para um fim de semana? Será que não entendeu que só estão
aqui por minha causa, e eu nem sou íntima dos Greyville? Como podem se instalar
aqui como estivessem em sua própria casa? Ora, pensem um pouco! Compreendam
que eles só estão sendo gentis. Não fiquem até que as mandem embora, seria
horrível!
Teve de parar, porque o esforço fora demasiado e ela estava completamente
zonza. A garganta doía, seca por causa do sal. Mesmo assim, ela respirou fundo e
conseguiu refazer-se um pouco para continuar.
— Não me diga que vão ficar porque ele ainda não pediu para vocês irem
embora. Cameron não vai fazer isso e tenho certeza de que é por minha causa. Então
pode imaginar como estou me sentindo com toda essa situação embaraçosa.
Francês deu de ombros, não se importando nem um pouco com os sentimentos
da irmã.
— É muito tarde para chorar sobre o leite derramado. Cameron e eu nos
encontramos e, o que é mais importante, gostamos um do outro. Para falar a verdade,
nós nos gostamos muito. Temos um bom entendimento mútuo, damo-nos muito bem.
Enfim, ele vai fazer o que eu quiser. Então, pare de me amolar com seus sermões e eu
até peço para ele baixar o seu aluguel.
Fortalecida pela raiva que a invadia, Kate avançou para a irmã antes que ela
pudesse se afastar, pegou-a pelos ombros e começou a sacudi-la.
— Ouça com muita atenção, France. Se você se atrever a fazer alguma coisa
errada e ficar em apuros, vai ter de responder a mim, e não à mamãe. Você já causou
muitos problemas para ela e agora estou avisando: trate de se comportar ou vai se
haver comigo. E eu não sou nada fácil, você sabe muito bem.
— Cale a boca, sua solteirona chata!
Justamente quando Francês dizia isso, aos berros, a porta se abriu e Cameron
entrou, trazendo a roupa de Kate. Francês correu para ele e aninhou-se em seus
braços, chorando copiosamente.
— Oh, faça minha irmã parar com isso. Ela foi horrível comigo, não posso
agüentar.
— O que está acontecendo? — perguntou ele, tentando afastar Francês, que, no
entanto, se pendurava em seu pescoço e sussurrava em seu ouvido, quase beijando-o:
— Ela disse que não quer mais a nossa presença aqui. Disse que eu tenho de ir
embora e levar mamãe comigo. Só porque ela está com ciúmes.
Francês enxugou as lágrimas com um gesto estudado e afastou-se um pouco
para observar que efeito estaria causando sobre ele. Kate sentiu-se completamente
desamparada.
— Ela sempre teve inveja de mim, desde que eu era menina — continuou
Francês, com sua voz infantil. — Tinha inveja de mim porque eu era querida por
todos, e ela não. Agora quer se livrar de mim, mas não quero ir embora. Por favor,
diga que você não quer que eu vá embora, diga que não quer que eu volte para aquele
maldito escritório, onde não existe nem ar refrigerado.
Apesar de seu desânimo, Kate caiu de novo na cama e desatou a rir. Francês
estava fazendo um melodrama tão grande e tão ruim, que não dava para agüentar. Sua
cabeça rodava, a garganta doía de seca, mas ela ria, sem controle.
De repente a gargalhada começou a alterar-se e acabou transformando-se num
choro convulsivo, que tampouco ela conseguia controlar. Cameron aproximou-se e
apertou-a junto ao peito, como se ela fosse uma criança.
Francês, enciumada, saiu do quarto, batendo a porta atrás de si.
— Tudo bem, Kate, o pior já passou. É tudo bobagem de sua irmã, não chore
assim, não fique triste.
Depois de alguns momentos, as lágrimas e os soluços pararam, mas ela
continuou suspirando, meio envergonhada da cena.
— Oh, céus, quando começo assim, é difícil parar — explicou, enxugando os
olhos.
— Bem, agora que já chorou bastante, vou dar-lhe um bom remédio.
— Que remédio?
Ela soluçava um pouco ainda, quando ele segurou mais forte e, sem lhe dar
tempo de dizer alguma coisa, encostou seus lábios nos dela, num longo beijo. Era o
remédio poderoso do amor, do amor que só ele podia dar-lhe.
Dessa vez, Kate não recusou seu beijo. Esquecendo as palavras de Francês, as
atenções que ele dera à irmã, o que se passara na praia, tudo enfim, entregou-se de
corpo inteiro àquele carinho de que tanto precisava.
A única coisa de que tinha consciência, era que aqueles lábios a devoravam e
aqueles braços a mantinham prisioneira. Quando sentiu a mão nos botões de sua
roupa, ajudou-o a despi-la.
— Provavelmente, vai precisar de um caminhão para carregar toda a areia que
grudou em você — comentou ele, rindo, sacudindo-lhe o cabelo molhado. Depois
segurou seus seios nas mãos e tirou alguns grãos de areia.
Só então ela se deu conta de que estava apenas de calcinha.
— Você não devia estar aqui me vendo desta maneira — sussurrou.
Sentia arrepios, os ossos doíam-lhe, a garganta continuava seca, mas uma febre
deliciosa subia-lhe do estômago e espalhava-se por todas as extremidades de seu
corpo, deixando-a ainda mais fraca e indefesa.
— Você é muito envergonhada — disse ele, tocando-lhe as coxas e inclinando-
se novamente sobre ela, para beijar-lhe o rosto, o pescoço, os pontos mais sensíveis,
enfim, que mandavam mensagens ardentes para o resto do corpo.
Entre um beijo e outro, provocava-a, dizendo-lhe coisas suaves e sensuais
sobre seu corpo, seus cabelos, seus olhos. Cameron estava tenso, uma sombra
estranha rodeava-lhe os olhos. O coração batia-lhe tão forte que Kate podia senti-lo.
Ele passou a língua em seu pescoço.
— Está salgada e cheia de areia. Mas está deliciosa.
Os lábios dele desceram até seus seios, beijando-os, conquistando-os com
doçura, brincando com os bicos.
— Ah, Cameron, por favor — murmurou ela.
E não conseguiu dizer mais nada. Ondas de prazer tomavam conta de todo o
seu ser, dominando-a com mais força do que as ondas do mar, horas atrás. Certa de
que não podia mais controlar-se, ela começou a abandonar-se à fúria daquela
imperiosa paixão.
— Oh, querida, preciso ter você — murmurou Cameron, aproximando os
lábios dos dela.
De repente, porém, ele se afastou, murmurando algo que Kate, embriagada de
paixão, não compreendeu. Só sentiu que aquele corpo se despregara de sua carne
ardente.
Então ouviu a voz de Dotty, que acabava de entrar em casa; soltou um suspiro
de frustração. Ele tocou seu rosto com a mão trêmula e disse docemente:
— Sinto muito, querida. Não tenho nenhuma intenção de precipitar as coisas.
Ela se forçou a concordar.
— Está bem. Pelo menos meus soluços estão curados. Agora deixe-me pegar
minha roupa e sair.
Com todos os sentidos em alerta, Kate ouviu a irmã e a mãe chamarem-na e
previu que dali a minutos o quarto seria invadido.
— Por favor — pediu, quando ele a tomou de novo pela mão para ajudá-la a
levantar-se.
— Venha, um banho lhe fará bem. Você está cheia de areia. E deixe-me trocar
os lençóis: estão molhados.
— Você já me ajudou bastante, não se preocupe mais comigo — disse ela,
erguendo-se com dificuldade. — Onde você pôs meu short? Pare de me olhar dessa
maneira. Não é a primeira vez que um homem me beija, pode acreditar.
— Não comece de novo. Discutiremos isso depois.
— Não vamos discutir nada, nem agora nem depois. Pode continuar trazendo
para a sua cama todas as garotas que caírem em seus braços, ms comigo é diferente.
Se há uma coisa que eu odeio são homens imorais, libidinosos e arrogantes. Recuso-
me a deitar com eles.
O volume de sua voz elevava-se descontroladamente, enquanto seus olhos
febris permaneciam fixos em Cameron. Então ele ergueu a mão e deu-lhe um tapa no
rosto. Ela silenciou, com uma interrogação estampada na face.
Cameron ficou com a mão parada no ar, como se seus músculos se recusassem
a obedecê-lo. Por fim, foi descendo a mão vagarosamente, abraçou-a e murmurou-lhe
nos cabelos molhados palavras de arrependimento. Depois ajudou-a a vestir a blusa e
abraçou-a de novo.
Quando a sra. Brown chamou nervosamente à porta, ele a mandou entrar e
contou:
— Ela quase foi arrastada por um peixe, mas agora está tudo bem. Não se
preocupe.
A sra. Brown ficou olhando, sem dizer nada, para a sua filha, ostensivamente
abraçada a um homem, e usando apenas a blusa e a calcinha molhada. Percebendo
seu olhar espantado, Kate afastou-se de Cameron e puxou o lençol da cama para
cobrir-se.
— Está tudo bem, mamãe. Foi só o susto.
Sentou-se novamente e tomou de um só gole o conhaque que Cameron lhe
trouxe. O líquido queimou-lhe a garganta seca. As lágrimas começaram a rolar de
novo por seu rosto esbraseado. Enxugando as faces com a mão, apanhou a camisola
que ele fora buscar em sua casa. Estava decidida a passar a noite ali, pois descobrira
que não tinha condições de andar um metro, nem estrutura psicológica para ficar
sozinha em casa.
— Por favor, podem sair? Estou muito bem e posso tomar conta de mim
sozinha.
A sra. Brown obedeceu-a depressa, incapaz de argumentar com a força da
filha. Cameron ficou mais um pouco.
— Venha, vou colocá-la na banheira. Enquanto você toma um merecido banho,
vou trocar os lençóis. Deixe a porta aberta e chame se precisar.
Quando Kate saiu do banheiro, vestida em sua camisola, Cameron terminava
de arrumar a cama. Ele a ajudou a deitar-se, cobriu-a bem com o lençol e despediu-se
com um beijo na testa. Parecia que tudo estava bem, mas Kate sentia-se confusa
como nunca estivera em toda a sua vida.
CAPÍTULO IX
Apesar de tudo, Kate dormiu o sono dos justos na enorme cama de Cameron.
Ao despertar, na manhã seguinte, ainda sentia dor de cabeça, e a garganta continuava
sensível, mas estava infinitamente melhor do que na véspera.
Seu primeiro gesto foi levantar-se e olhar-se no espelho, de corpo inteiro.
Constatou então que os únicos sinais visíveis do que tinha acontecido na praia eram
os joelhos e os cotovelos esfolados pela areia.
Os sinais que tinha dentro de si eram muito mais profundos e precisariam de
muito mais tempo para desaparecer, se é que algum dia desapareceriam.
Parada diante do espelho, Kate refletia sobre a cena da véspera. Não só havia
permitido que Cameron quase a possuísse, mas ainda ficara terrivelmente frustrada
porque a chegada das duas senhoras interrompera suas carícias. Se tivessem
aparecido alguns minutos mais tarde, agora ela saberia o que era fazer amor com
aquele homem que tinha se tornado para ela a mais importante das criaturas.
Não sabia se Cameron simplesmente a desejava ou se a amava de verdade. Só
sabia que queria que ele a olhasse sempre com aquele ardor selvagem que fazia seu
sangue ferver nas veias.
Um barulho de passos na escada a fez estremecer, trazendo-a de volta à
realidade. "Idiota!", disse a si mesma. "Ele salvou você das ondas, mas foram Dotty e
sua mãe que a salvaram dele. Que vergonha! Você na cama com um homem que, sem
mais nem menos, estaria ali com sua própria irmã, ou com qualquer outra mulher... "
Dotty bateu na porta e entrou, sem esperar resposta. Trazia-lhe um vestido e a
informação de que nenhum aluno do novo curso havia chegado ainda.
Kate vestiu-se e saiu. Pálida, com dores nas costas, desceu as escadas tão
devagar que achou que nunca alcançaria o rés-do-chão. Entretanto, tinha a maior
pressa de chegar em casa e arrumar tudo antes que o pessoal chegasse.
Quando passou pela sala, Cameron saiu de seu escritório e aproximou-se, com
uma expressão de carinhosa solicitude no rosto.
— Está melhor?
A doçura de sua voz, a afetuosidade de seu olhar trouxeram-lhe à memória,
mais uma vez, a cena da noite passada.
"Que pena que tudo foi tão bruscamente interrompido!", pensou consigo
mesma. Mas logo sacudiu a cabeça, como se assim conseguisse afastar para sempre
uma lembrança tão perigosa. Não adiantava ficar remoendo uma coisa que fora
cortada e que nunca teria continuidade. "Nada do que aconteceu representou algo
para ele", decidiu com seus botões.
— Estou melhor, sim, obrigada. O novo curso começa hoje, vou ter muito
trabalho — respondeu, parando em frente ao espelho para ajeitar um pouco o cabelo
de modo diferente. — O que você acha? Fica bem assim?
— Não sou eu que vou decidir. E pare de fingir que está preocupada com seu
penteado. Quero falar com você. Que tal adiar esse curso por algumas semanas?
— Adiar o curso?
— Isso mesmo. Você não está em condições de trabalhar, mas insiste em
gastar as poucas energias que tem. Pode conversar com eles e explicar-lhe o que
aconteceu. Pode devolver o dinheiro e marcar outra data. Tudo ficará bem.
— Ah, muito obrigada. Nunca vi alguém que se preocupasse tanto comigo.
Deixe-me dizer-lhe uma coisa, sr. Greyville. Você pode ser o dono da casa, mas isso
é tudo. Cuide de seus negócios, e não dê palpites nos meus. Não tem o direito de
dizer como devo conduzi-los. — Ela abriu a porta com tanta força que bateu na
parede. — E muito obrigada também pelo uso da cama!
Naquela tarde Kate levou o grupo para debaixo das árvores em frente às casas.
O fato de avistar-se dali a casa de Cameron quase a fez mudar de idéia, mas era um
bom lugar para os alunos aplicarem tudo que tinham aprendido naqueles dias. Kate
também pintou uma paisagem, mostrando a linha de praia que ia até Hatteras,
pontilhada de barcos.
Todo mundo se concentrou no trabalho, de modo que a aula estava muito
tranqüila. Mas, sem ninguém esperar, essa calma foi sacudida por uma música que
chegava a todo volume. Os estudantes ficaram parados, em choque.
Logo, porém, o som diminuiu, como se alguém tivesse falado com o dono do
rádio. Foi bom, porque Kate estava disposta a ir até a casa, tomar o rádio e jogá-lo no
mar. Claro que era Baby quem estava ouvindo aquela música. Não havia muita
diferença entre os gostos musicais de Baby e Francês, mas pelo menos esta tinha mais
consideração pelos ouvidos dos outros quando girava o botão do volume.
Os alunos aproveitaram a interrupção para fazer alguns comentários sobre seu
trabalho. Kate constatou, com satisfação, que estavam indo muito bem, e talvez dali
saíssem alguns talentos novos, como acontecera com as turmas anteriores.
Novamente a paz do pequeno grupo foi perturbada pelo rádio estridente de
Baby. Kate enfureceu-se, foi até o carro e colocou uma fita de música orquestral, a
todo volume. Alguns alunos taparam os ouvidos, mas todos concordaram que,
certamente, seria uma boa arma contra aquela música ensurdecedora que vinha do
rádio da secretária.
— Epa, lá vem encrenca! — disse uma estudante.
Baby Gonlon. surgiu na estradinha, vindo em sua direção; parecia uma abelha
pronta para atacar.
Ao chegar diante do grupo, colocou as mãos na cintura, olhou furiosa para
Kate e ia começar a dizer uma série de desaforos, quando o volume do toca-fitas foi
baixado.
Cameron fechou cuidadosamente as portas do carro, que estavam abertas para
o som sair mais livremente. Depois se aproximou da ruiva e pediu-lhe que se
acalmasse.
— Você está completamente errada, querida. Por isso, é melhor a gente ir para
casa.
Baby ainda tentou dizer alguma coisa, mas ele colocou a mão em seu ombro e
a fez voltar-se na direção de sua casa.
— Sinto muito, Kate, isso não acontecerá mais — disse, enquanto se afastava.
Ao vê-los desaparecer, ela sentiu um misto de dor e de alívio.
Mas logo superou suas emoções e retomou o fio da conversa com os alunos,
terminando a aula.
CAPÍTULO X
Kate havia combinado ir com a mãe e a irmã até a cidade, fazer compras.
Enquanto as esperava, aproveitou para limpar os vidros do carro, embaçados pela
maresia. Estava entretida em sua tarefa quando a porta da frente rangeu e Cameron
entrou, segurando as bolsas das mulheres. Baby também fazia parte do pequeno
grupo.
A sra. Brown cumprimentou-a com um aceno. Olhando de modo estranho para
Baby, Francês jogou os braços em volta do pescoço de Cameron e disse-lhe alguma
coisa no ouvido. Pelo menos foi assim que Kate viu a cena, enquanto terminava de
limpar o pára-brisa do carro.
Ficou tão magoada que parou com o lenço de papel na mão e fechou os olhos
por um momento. Aquilo doía muito, apesar de sua resolução de não se importar
mais com aquele homem.
Sabia que não ocupava nenhum lugar na vida de Cameron e que não devia
incomodar-se com as atenções que ele dava a Francês e a Baby. Não era esse tipo de
relacionamento que ela queria, e sim algo mais profundo. Entretanto, não deixava de
sentir uma certa inveja das duas moças e um ardente ciúme de Cameron.
— Vamos logo. Dotty disse que as lojas ficam logo cheias de gente — falou a
sra. Brown, sentando-se no banco de trás, onde espalhou a sua saia, certa de que
estava muito bonita. — Quero comprar uma sandália e um vestido.
Kate sentou-se ao volante e deu partida, mas teve de esperar ainda alguns
minutos até que sua irmã terminasse de despedir-se, ostensivamente, de Cameron.
Durante o trajeto até a cidade, apenas a sra. Brown falou de algumas coisas
corriqueiras e não fez muita questão de receber respostas. Francês parecia perdida
num mundo de sonhos e Kate, sabendo com quem ela sonhava, sorria de maneira
estranha.
Kate queria visitar uma galeria de arte, mas a mãe e a irmã estavam mais
interessadas nas lojas. Contudo, como não queria esperá-las no carro, Kate acabou
por acompanhá-las, disposta a fazer o máximo esforço para não se aborrecer.
Conseguiu manter-se em silêncio, mas irritou-se profundamente com os gastos
desnecessários que as duas fizeram.
No caminho de volta, a sra. Brown contou que se matriculara numa escola da
cidade para fazer um curso de extensão cultural. Kate ficou tão nervosa que quase
jogou o carro para fora da estrada.
— E por que você foi fazer isso? Um curso desses dura mais de seis meses, e
eu vou embora daqui a algumas semanas. Pensei que tivessem vindo para uma visita
rápida.
A última frase era uma indireta, já que a sra. Brown jamais havia mencionado a
duração de sua estada na casa dos Greyville, e essa era uma informação que Kate
queria muito ter.
— Além disso — prosseguiu, cada vez mais irritada —, France viaja para a
Inglaterra logo mais e como eu vou fazer para levar dois carros de volta para casa?
Não pensaram nisso?
A sra. Brown nem respondeu, porque odiava guiar e o percurso até sua casa era
longo. Francês, porém, interveio:
— Não precisa preocupar-se comigo. Cameron e eu já temos os nossos planos.
— Que planos? — perguntou Kate, sentindo um frio na espinha.
— Não se preocupe, já disse. Ainda não lhe contamos porque sabemos que vai
se magoar. Cameron me entende melhor do que ninguém e vai tomar conta de mim.
Então você ficará mais livre para o trabalho. Se quiser continuar com os cursos, é
bem possível que ele deixe você usar a casa — arrematou Francês, com um sorriso
irônico.
Kate agradeceu aos céus por estar usando óculos escuros, porque a irmã a
olhava com curiosidade e ela não estava em condições de esconder suas emoções. Se
conseguia manter a voz firme e até segura, os olhos a trairiam, revelando
escancaradamente seus sentimentos.
A presença de vários veículos, que aguardavam para entrar numa estrada
secundária, ajudou-a a ganhar tempo para controlar-se um pouco mais. Para
ultrapassá-los, ela teve de concentrar toda a sua atenção na direção, pois tratava-se de
transitar em um pequeno trecho na contramão.
Ao terminar a ultrapassagem, Kate respirou fundo, agarrou o volante com
ambas as mãos, como se ali estivesse todo o seu apoio na vida, e disse:
— Bem, France, acho que seria melhor você ir contando logo que planos são
esses, tão misteriosos.
— Sinto muito, querida — respondeu ela. — Prometi a Cameron que não diria
nada, por enquanto.
— Nem para sua irmã? — perguntou Kate, num tom de queixa que se
arrependeu de não ter evitado.
— Nem para minha irmã. Mas não se preocupe, você vai saber logo, logo.
Então não vai mais precisar cuidar de mim. Você já reclamou tanto disso, não é?
Devia estar contente por se livrar de mim.
Suas palavras feriram-na profundamente, mas Kate ainda tentou manter a
calma.
— Espero que saiba o que está fazendo. Não quero que se magoe e não acho
que você conheça Cameron o suficiente para saber que tipo de homem ele é. Já
tivemos vários exemplos de... — Interrompeu-se, e murmurou, desanimada: — Ah,
isso é chover no molhado...
— Quantas vezes tenho de repetir que não precisa mais se preocupar comigo?
Cameron é um doce de pessoa.
— É muito estranho você deixar o seu doce de pessoa passar o dia com Baby
Gonlon. Ela também é um doce de mulher.
— Ah, ele foi levá-la ao aeroporto. Não estou preocupada com aquela ruiva
boba. O pai dela trabalhava para os Greyville e depois teve complicações com a lei.
Cameron se sente meio responsável por ela, e não quer deixá-la sofrer por causa do
pai. Claro que não tem responsabilidade nenhuma, mas você sabe como ele é. De
qualquer modo, disse que Baby é uma boa secretária.
Quando desceram em frente à casa, Cameron veio recebê-las. A seu lado,
estava Hal Brookwood!
— Olá, Kate. Voltei, conforme prometi — disse Hal, com um sorriso.
Todo elegante, de roupa nova, ele havia evidentemente se preparado para vê-la.
Seu rosto claro e bem barbeado já estava vermelho de sol.
— Olá — respondeu ela, tentando ser gentil. — Não vi seu carro.
Ele apontou para um belo automóvel parado sob as árvores.
— Está lá. Achei melhor estacionar na sombra.
Enquanto Cameron e Francês levavam os pacotes para dentro, Hal convidou-a
para jantar.
— Podemos ir a um restaurante simpático. O que acha da idéia?
Kate estava cansada e não tinha a menor vontade de sair, mas não podia
recusar o convite; afinal, ele era seu hóspede e estava sendo extremamente delicado.
Logo mais, à noite, Kate desceu para sair com Hal, e deparou com Cameron e
Francês, que vinham convidá-los para um churrasco na casa de uns amigos. Kate não
encontrou nenhuma desculpa razoável para não ir. Além disso, era uma boa
oportunidade para não ficar sozinha com Hal, que a devorava com os olhos cheios de
esperanças.
Os amigos de Cameron eram um casal simpático de meia-idade, Sam e Inga,
que já haviam estado em uma das exposições de encerramento de curso.
Interessavam-se muito por arte e gostavam de decorar com belos quadros a
casa onde moravam.
Naquela noite, estavam recebendo vários outros convidados, que se
espalhavam pela sala e pelos jardins ou se amontoavam junto à churrasqueira, de
onde emanava um aroma delicioso.
Apesar da presença de Hal e Francês, Kate estava gostando da reunião. Francês
conheceu lá um rapaz que era amigo de uma estrela de cinema e ouvia encantada suas
histórias. Hal entretinha-se com um convidado que gostava de balões.
Cameron isolara-se a um canto do jardim, e calmamente tomava seus drinques,
não contribuindo em nada para animar a tagarelice geral. Ao vê-lo acomodado na
espreguiçadeira, Kate levou algum tempo para perceber que ele não a perdia de vista.
Não era simples coincidência o cruzamento de olhares entre eles; mesmo de costas,
ela sentia seus olhos cravados nela o tempo todo.
Quando entrou numa sala, percebeu que ele veio atrás, silenciosamente. Quase
se voltou para encará-lo e dizer-lhe que aquele era um comportamento de criança,
mas não teve condições de fazer isso. Na verdade, sentia-se bastante vulnerável
diante daquela presença tão forte. Fingindo-se distraída, contemplava o jardim por
uma das janelas, quando ele parou atrás.
— Pensei que fosse ficar nos braços de seu amado, esta noite — comentou ele
ironicamente.
— Não fico agarrando meu namorado em público — respondeu Kate, de mau
humor.
— Ah, não? Bem, talvez eu tenha me enganado, mas pensei que não perderia a
oportunidade de...
— Você sempre tira conclusões apressadas — ela interrompeu-o, secamente.
— Acha mesmo que faço isso?
— Não acho nada. Já tenho bastante preocupações. Não me sobra tempo para
ficar pensando no que você faz, Cameron.
Ele riu, expressando com os olhos o seu descrédito.
— Não se preocupe, a festa vai acabar logo. Você e Hal se livrarão de todos
nós e ficarão sozinhos em sua casa para fazer tudo que quiserem. Seu coração não
bate mais forte diante de tal perspectiva?
— Não zombe de mim. E nem de Hal. Ele pode não ser do tipo irresistível,
mas é um homem decente. Será um bom pai de família — retrucou Kate, desesperada
com a aproximação cada vez maior de Cameron, que começava a sufocá-la.
— Ainda não respondeu à minha pergunta. Seu coração não está batendo mais
forte com a perspectiva de logo se encontrar nos braços dele?
— Não é de sua conta! Já passei da idade em que um homem do seu tipo me
interessava — explodiu Kate, tentando afastar-se.
Mas ele a pegou pelo braço, levou-a para uma poltrona e inclinou-se sobre ela.
— Por favor, não fale assim. O que idade tem a ver com amor? Você é alguns
anos mais velha do que sua irmã, e em muitas coisas é mais inexperiente do que ela.
Sabia que sua mãe está apenas esperando pelo viúvo que mora no apartamento de
baixo para voltar para casa? E não ficaria surpreso se Dotty de repente também se
apaixonasse, aos oitenta e um anos. Ela ainda é muito capaz de fazer um homem
feliz, com todas as qualidades que tem.
— Ela me disse que tinha setenta e cinco anos — observou Kate, esquecendo-
se de repente de seus próprios problemas.
— Ela mente muito. E você também, minha amiga.
Estas palavras foram ditas com suavidade, a alguns centímetros de seu rosto. E
essa pequena distância desapareceu completamente quando ele se sentou a seu lado e
estreitou-a nos braços.
A boca de Cameron percorreu-lhe o rosto com sensualidade, enquanto as mãos
deslizavam-lhe pelas costas, puxando-a ainda mais perto de seu corpo musculoso.
Ela já não resistia àquele apelo. Os sons da festa, rapidamente desapareceram
para dar lugar à respiração entrecortada e às batidas de seus próprios corações.
— Ponha a mão sob a minha camisa — pediu Cameron, e, não esperando que
ela obedecesse, puxou-lhe a mão e colocou-a sobre seu peito. — Toque-me. Assim...
Cameron tinha a respiração cada vez mais acelerada. Sua boca foi traçando
outros caminhos, até a curva dos seios dela. As mãos de Kate tremiam
convulsivamente, sob o pano da camisa. Então um raio de lucidez a fez protestar.
— Vamos parar com essa loucura... Hal...
Seus pensamentos ancoravam-se nas duas coisas únicas em que ela podia se
fixar para fugir à tentação: Hal e Francês.
Sem ligar para sua perturbação, Cameron encarou-a com um olhar divertido.
— Hal não saberia o que fazer, se a tivesse nos braços. Você lhe queimaria
todos os circuitos. — Beijou-a rapidamente antes de prosseguir. — Quando me
conhecer melhor, meu amor, não vai se lembrar de mais ninguém.
A poltrona era pequena para os dois, mas, de repente, eles estavam se beijando
apaixonadamente, rindo como duas crianças e brincando um com o outro.
Kate deixou de pensar em Francês e Hal, mas não parou de se preocupar com
seu próprio comportamento. "Meu Deus", pensava, desconsolada, "estou
irremediavelmente perdida! Mesmo sabendo que ele está apenas brincando comigo
como se brinca com uma boneca, estou aqui. Mesmo sabendo que ele vai de mulher
para mulher como uma abelha no jardim, eu me abandono às suas carícias".
— Pare de pensar em coisas secretas e beije-me — pediu ele, sussurrando.
Com um toque, ele abriu-lhe a blusa e ela sentiu a brisa resfriar-lhe a pele nua,
mas logo seus seios ardiam sob as carícias dele.
— Oh, Kate, você faz loucuras comigo. Sabe disso, não é? E eu não sei como
agir com você.
Nesse momento, alguém chamou do hall e Cameron fechou-lhe delicadamente
a blusa, não sem antes beijar cada um de seus seios.
— Qualquer dia desses eu... — Suspirou.
A porta de vidro abriu-se e Francês entrou na varanda.
— Ah, estão aqui. Procuramos vocês por todo canto. O que estava
acontecendo?
Ela veio para junto de Cameron, enquanto Kate a olhava, meio envergonhada
com aquela situação.
— Hal perguntou por você, e, sabendo como é Cameron, resolvi encontrá-la
antes dele — disse Francês, com a voz carregada de malícia. — O churrasco está
pronto.
Cameron saiu na frente, e as duas mulheres o seguiram. Francês, como se fosse
a mais ajuizada, resolveu aproveitar a oportunidade para fazer um pequeno sermão à
irmã!
— Querida, já passou da idade de ficar se escondendo pelos cantos escuros. O
que acha que Hal vai sentir quando vir você com essa cara?
Kate rapidamente olhou no espelho e percebeu que a maquilagem estava
borrada.
— A toalete é logo ali —- continuou Francês. — E lá há cosméticos, mas não
sei se serão do seu gosto...
— Pare de me olhar assim — ordenou Kate, fazendo um supremo esforço para
se controlar. — Isto é uma festa, não é? Pois então. Tomei um ou dois copos de vinho
e perdi o controle, foi só. Mas não significou nada, se você quer saber.
— Tudo bem, estamos em família. Pelo menos logo estaremos, pode ter
certeza.
E saiu, soltando uma risadinha que a fez sentir-se ainda mais envergonhada.
CAPÍTULO XI
Nos três dias seguintes, Hal levou-a aos mesmos lugares a que Tony Palani a
tinha levado. Fazia: muito calor, os mosquitos não davam trégua e o ar estava úmido
demais. Entretanto a ilha era linda, com suas vastas praias selvagens.
Kate evitou esses lugares desertos. A última coisa que queria era estar sozinha
com Hal. Depois que aceitara friamente suas atenções naquela festa, ele passara a
alimentar grandes esperanças. Contudo, ela já lhe havia explicado muito bem quais
eram seus sentimentos com relação a ele.
Em casa, Hal não tentava cortejá-la, limitando-se a lançar-lhe olhares
apaixonados. No entanto, quando estavam em campo neutro, sempre ousava uma
abordagem, embora agisse invariavelmente como um perfeito cavalheiro.
Na véspera da partida dele, Cameron sugeriu-lhe que a levasse a uma praia
mais distante; contudo, não os acompanhou, alegando que precisava resolver uns
negócios.
Kate passara o dia na praia, vendo os pescadores, os barcos e o pôr-do-sol.
Quando Hal partiu, na manhã seguinte, ela mal pôde esconder seu alívio e desejou
que aquela tivesse sido a última vez que o via. Ele a olhara magoado, mas toda a sua
tristeza se dissipou quando recebeu um fraternal beijo de despedida.
— Eu temia isso — disse ele. — Já a conheço há muito tempo, mas nunca
consegui me aproximar. No instante em que a vi olhar daquele jeito para Cameron,
soube que não teria mais chance, embora sua irmã tente afastá-la dele. Não conquistei
você, mas pelo menos tentei.
Hal deu partida no carro e Kate ficou olhando-o afastar-se, sem sentir nada.
Quando ele se perdeu na distância, ela voltou para casa. Tinha muito que fazer, pois
um novo grupo de alunos estava para chegar e precisava encontrar tudo na mais
perfeita ordem.
Kate não conseguia concentrar-se em suas tarefas. Apenas suas mãos estavam
ocupadas em lavar roupa e arrumar a casa. Seus pensamentos voavam longe, para
lugares que ela bem gostaria de esquecer.
Mais tarde, quando saiu para o jardim, Dotty veio visitá-la.
— Olá. Conseguiu usar aquela máquina de lavar? Está muito velha, mas
Eilleen disse que ainda funciona.
— Tive de usá-la, senão ficaria soterrada pela roupa suja — respondeu Kate,
apontando para os varais repletos.
— Se precisar, pode usar os varais lá de casa.
— Obrigada. Mas não há necessidade. Já estendi tudo.
— Cameron preocupa-se muito com você, sempre correndo de lá para cá. Mas
não foi para lhe dizer isso que eu vim aqui. Decidi passar uns dias na casa de sua
mãe. O que acha da idéia?
Kate ficou horrorizada, não só porque a viagem no conversível de Francês
seria muito desconfortável para a velha senhora, mas também porque o apartamento
de sua mãe não podia oferecer o conforto a que ela estava habituada.
— Estou certa de que mamãe adoraria hospedá-la, mas seu apartamento é
muito pequeno. Há um só quarto, um sofá-cama na sala e pouca coisa mais.
— Ora, eu fazia melhor juízo de você. Acha que eu me incomodo com essas
coisas? Sua mãe não precisa ter uma mansão para me receber. É uma pessoa
maravilhosa e não me importo se mora num palácio ou num barraco.
— Sei que você gosta dela — respondeu Kate, meio desanimada de convencer
Dotty a desistir da idéia. — Mas não quero que você fique desconfortável lá em casa.
Além disso, são mais de quatrocentos quilômetros, um dia inteiro de viagem!
— Ah, isso não é nada. Cameron nos levará de avião — retrucou a velha,
despreocupadamente.
Kate teve de admitir que realmente não podia fazer nada para mudar a decisão
de Dotty. Então se lembrou do carro.
— E lá vocês vão alugar um carro? Se vocês forem de avião o conversível
ficará e mamãe não terá como levá-la para passear.
— Não se preocupe com isso. Na verdade, acho bom que o conversível fique,
porque Lola geralmente tem dor de cabeça com aquele vento. Aliás, acho que ela
devia comprar um carro fechado, seria bem melhor — comentou Dotty. — Bem,
agora vou andando. Preciso arrumar as malas.
Kate nunca tinha ouvido falar das dores de cabeça da sra. Brown. Na verdade,
devia tratar-se de dor no joelho, pois o carro era pequeno demais para que ela pudesse
estirar as pernas.
De qualquer modo, sua mãe arranjara uma boa desculpa para ir de avião. Ela
sempre dava um jeito de obter o que queria. As três juntas iam soltar faíscas.
Pensando melhor, os quatro, porque Cameron talvez se juntasse a elas nessa aventura.
A verdade é que não precisariam dela. Poderia ficar tranqüila e fazer seus
planos para o futuro. Até que a estada da mãe e da irmã na ilha de Coranoke tinha
dado bons frutos.
"Tente se convencer disso, sua idiota", disse Kate a si mesma, enquanto
caminhava para casa.
CAPÍTULO XII
Se no dia anterior a sra. Brown ficara preocupada com Kate, não deu o menor
sinal disso quando parou com Dotty em frente à sua casa, a caminho da biblioteca.
— Vamos dar uma festa amanhã — disse Dotty. — Vista alguma coisa
especial. Trata-se de uma comemoração.
— Comemoração? De quê? — perguntou Kate, que estava na varanda, lendo
um livro.
As duas se entreolharam como crianças guardando um segredo e por fim a sra.
Brown explicou:
— Não podemos dizer ainda, mas logo você vai saber.
"Como se eu já não soubesse", pensou Kate.
— Bem, agora precisamos ir. Conversamos mais tarde.
Kate abandonou seu livro e foi até o quarto. Abriu o armário de roupas e
examinou-o, desanimada. Não havia ali nada que pudesse chamar de especial para
uma festa.
Vinte minutos depois, um rapaz do posto vinha trazer-lhe o carro, com os
pneus novos que Cameron tivera a gentileza de comprar. Ela imediatamente saltou
para o veículo e partiu para a cidade.
Quando voltou, algumas horas mais tarde, trazia um vestido de alças, um par
de sandálias brancas e uma delicada bolsinha. Estava contente com suas aquisições.
No resto do dia, não viu Cameron, Dotty ou a sra. Brown. Mas Francês
apareceu depois do jantar, reclamando que se aborrecia demais naquela ilha.
— Às vezes até me arrependo de ter vindo... — suspirou ela. — Hoje, então, o
dia foi horrível. Mamãe saiu com Dotty, você não estava e Cameron se trancou no
escritório, dizendo que tinha um monte de papéis para examinar e não queria ser
incomodado.
Apesar de tantos aborrecimentos. Francês não deixou de reparar no pacote que
estava sobre a mesa. O papel com o nome da maior loja de modas de Hatteras
aguçou-lhe a curiosidade.
— Foi comprar roupas? Posso ver? — E, sem esperar resposta, correu a abri-
lo.
Ficou encantada com o vestido.
— Oh, que lindo! Posso experimentar?
Sabendo que a irmã o experimentaria, com ou sem sua autorização, Kate
concordou, desanimada, e acompanhou-a até o quarto. Francês rapidamente se livrou
de suas roupas e colocou o vestido novo. Estava um pouco apertado no busto e
comprido demais, porém caía-lhe bem.
— Oh, deixe-me usá-lo! — pediu, suplicante como uma criança. — Afinal, é a
minha festa, e não tenho nem um vestido novo...
— O que é que vão comemorar, afinal? — perguntou Kate.
Estava ansiosa para que alguém lhe dissesse com todas as letras o que já
imaginava: era a festa de noivado de Cameron e Francês. Pronto, assim dariam o
golpe final em sua absurda paixão, e ela poderia começar a esquecer tudo.
— Não posso dizer, é surpresa.
— Está bem. Então não diga. Pode levar o vestido. E as sandálias, também.
Todos os seus instintos aconselhavam-na a não fazer isso. Pelo menos uma vez
na vida ela precisava ficar mais bela do que a irmã, mas estava triste demais para
querer se arrumar.
No dia seguinte, ao final da tarde, viu sua mãe sair várias vezes à varanda,
como se estivesse esperando alguém. Por fim, um carro parou e a sra. Brown correu a
encaminhar o visitante para dentro da casa.
Kate imaginou que a agitação ali devia ser febril. Resolveu então fechar o livro
que estava lendo e ir lá perguntar se precisavam de ajuda. Talvez até ficasse para o
jantar; afinal já a haviam convidado e ela recusara tantas vezes que agora não a
chamavam mais.
Quando entrou na sala, a sra. Brown veio ao seu encontro, muito nervosa.
— Dotty acaba de ter um ataque cardíaco. O médico veio vê-la — informou,
com a voz trêmula.
O choque deixou Kate atordoada, mas logo ela reagiu e procurou manter a
cabeça fria. Nem a mãe nem a irmã saberiam como agir em tal emergência.
— Sabe se é coisa séria? — perguntou, apavorada com a possibilidade de
perder uma grande amiga como Dotty. Jamais conhecera alguém com tanta vida,
tanta energia.
— Parece que é. O médico ainda está examinando-a, mas já mandou chamar
uma ambulância.
Kate encarregou-se de fazer a ligação e, alguns minutos depois, Dotty estava
dentro do veículo que a conduziria ao hospital. Cameron seguiu atrás, com seu carro.
Sem perder a calma, Kate deu um sedativo para a mãe, que não parava de
chorar, e foi cuidar de Francês, que andava pelo quarto, de um lado para o outro,
aflita e impaciente como uma pantera enjaulada.
Depois que a sra. Brown adormeceu no sofá e Francês se acalmou um pouco,
Kate sentou-se junto ao telefone e começou a ligar para todos os convidados,
explicando-lhes que a festa fora cancelada. Por fim, tratou de servir um jantar para si
e para a irmã, usando algumas das iguarias que estavam preparadas para a festa.
Estava tomando um merecido café quando Cameron telefonou do hospital para
dizer que Dotty estava fora de perigo, mas que haviam decidido levá-la para
Elizabeth, uma cidade próxima, que dispunha de maiores recursos. Dentro de alguns
minutos, ele viria para casa apanhar algumas coisas para a avó e voltaria para o
hospital.
Francês estava tão desapontada, que, mal acabou de comer, foi refugiar-se no
quarto. Kate perguntou se poderia dormir com ela e, não obtendo resposta, desistiu.
Talvez a irmã preferisse outra companhia para dormir...
Sem ter onde se acomodar para passar a noite, Kate ficou numa poltrona, na
sala. Por mais que se esforçasse, não conseguia deixar de achar que Francês estava
sofrendo mais pelo cancelamento da festa do que pela doença de Dotty.
Suspirou fundo, inconformada com o egoísmo da irmã. Como alguém poderia
não se preocupar com o que pudesse acontecer àquela mulher incrível? Nenhuma
festa seria mais importante que o restabelecimento de Dotty.
Era muito tarde quando Cameron voltou, parecendo muito cansado. Kate
correu a seu encontro, ansiosa por notícias.
— Como está ela? — perguntou.
— Ela é incrível. A última coisa que disse, antes de dormir, foi que
comêssemos os salgadinhos da festa, senão estragam.
Kate não pôde conter o riso.
— Realmente, ela é demais. Diga-lhe que já cuidamos disso. E o resto está
tudo bem. Mamãe está dormindo, depois que lhe dei um sedativo. E Francês foi para
o quarto; disse que ia ler um pouco, mas acho que está mesmo é desapontada com o
cancelamento da festa e preocupada com a saúde de Dotty.
Cameron desapertou a gravata e abriu a camisa. Kate teve vontade de acariciar
aquele peito, sentir o calor daquele corpo e dar-lhe todo o conforto que pudesse, mas
afastou tal pensamento e contentou-se em oferecer-lhe comida e café.
— Já avisei todos os convidados, providenciei o jantar e guardei um prato para
você. E agora vou fazer um café.
— Ótimo. Vou tomar um banho, colocar algumas roupas na mala e ver
Francês. Desço logo.
Kate tomou uma xícara de café com ele, satisfeita por vê-lo comer com prazer
todo o prato que lhe preparara. Pelo menos podia fazer isso por ele.
— Mais café?
— Não, obrigado. Um dia desses você vai saber como foi importante ter me
esperado aqui esta noite. Agora tenho de ir; Francês vai comigo. Explicarei depois,
quando tiver mais tempo. Volto amanhã à noite, se tudo der certo.
Kate apenas concordou, escondendo a decepção que sentia por não ficar mais
um pouco com ele.
— Mamãe e eu devemos esperar aqui? — perguntou.
Ele lançou-lhe um olhar estranho e ordenou:
— Você espera aqui.
Ela baixou a cabeça, confusa. E quando Cameron saiu, jurou a si mesma que
faria tudo para ser apenas uma boa amiga e amá-lo como a um irmão. Mas sabia que
isso levaria ainda muito, muito tempo.
CAPÍTULO XIII
No dia seguinte, Kate estava no jardim, olhando as flores que Dotty plantava,
quando de repente se lembrou de que o novo grupo de alunos chegaria logo mais à
tarde. Parecia-lhe tão absurdo dar aula naquelas circunstâncias que soltou uma risada.
— O que foi? — perguntou a sra. Brown, que descansava na varanda.
— Nada, mamãe. Só me lembrei de que os alunos vão chegar hoje à tarde.
Tinha esquecido completamente.
— Acho que Cameron não vai querer que você continue com as aulas, pelo
menos agora. Não pode despachar esses alunos? Mande-os passear pela ilha, ver os
pássaros, enfim, fazer alguma coisa sozinhos. Pelo menos enquanto ganha tempo para
pensar numa forma de se livrar deles.
— Mamãe, seja prática pelo menos uma vez na vida. Mesmo que eu quisesse,
não poderia cancelar aulas que foram marcadas com meses de antecedência. Não
posso mandar embora gente que veio de longe para estudar comigo. É absurdo.
— Bem, eu avisei que Cameron não vai gostar — disse a sra. Brown.
— E daí? O fato de Cameron ter adotado vocês duas não quer dizer que ele
tenha o direito de se intrometer na minha vida. Se eu cancelar o curso, do que vou
viver? Como vou conseguir montar outros cursos? E agora chega. Vou para casa,
preparar uma refeição fria para os alunos que devem estar chegando. Aliás você pode
ficar lá, alguns quartos estão vagos.
— E vai deixar Cameron sozinho?
— Já fiz tudo o que podia. Além disso, ele está com France e acho que os dois
preferem ficar sozinhos.
— France? Por que será que... Não ligaram para cá?
— Não. Acho que foram... — Ia dizer que provavelmente haviam ido comprar
o anel de noivado, mas interrompeu-se porque, oficialmente, não sabia ainda do
relacionamento entre eles.
— Você leva as coisas muito a sério — comentou a sra. Brown. — E não deixa
ninguém ajudá-la. Contei a Cameron que se encarregou de tomar conta de nós duas
quando seu pai foi embora, e por isso ficou assim, independente e fria.
— Fria? Sabe muito bem que tenho feito o que posso por vocês. Se eu fosse
fria, não me preocuparia tanto. Como pode dizer isso?
— Você pensa que cuida de nós, mas tanto eu como France sabemos muito
bem dirigir nossa vida. Em algumas coisas, ela é bem mais competente do que você
imagina.
Kate mordeu a língua para não responder. O que menos desejava naquele
momento era enfrentar uma discussão com a mãe. Parece que a sra. Brown também
não tinha a menor vontade de brigar, pois retirou-se sem dizer mais uma só palavra.
Os novos alunos chegaram quase todos de uma vez, e Kate teve de esforçar-se
para recebê-los com pelo menos um pouco de entusiasmo. Conversavam
animadamente, falando de suas experiências e animando-a.
Embora gostasse de dar aulas, Kate estava cansada. Tinha trabalhado muito
nos últimos tempos e enfrentara muitos problemas pessoais. Não via hora de terminar
o verão e sair daquela ilha, onde havia perdido o coração e a paz.
Depois do jantar, o grupo reuniu-se para discutir uma série de coisas. Kate
aproveitou para passear um pouco pelo jardim. Sabia que, apesar do cansaço, não
conseguiria dormir tão cedo, preocupada que estava com Cameron, Dotty e até
mesmo com Francês.
Lembrando-se de que havia prometido à sua mãe ir fazer-lhe um pouco de
companhia, rumou para a casa de Cameron.
O vento balançava os galhos das árvores, mas o calor ainda era intenso. O céu
estava estrelado, porém algumas nuvens começavam a formar-se. Kate pôs-se a
pensar numa alternativa para a aula ao ar livre, caso chovesse, e estava tão absorta
que, ao entrar na varanda dos Greyville, quase esbarrou em Cameron.
— Faz tempo que você chegou? — perguntou, surpresa.
— Não, cheguei há pouco — disse ele, tentando pegar sua mão.
— E France? — indagou ela, afastando-se instintivamente.
— Neste momento deve estar tomando um avião para a Inglaterra.
— Como assim?
— Ela foi estudar em Londres.
— Mas com que dinheiro? O que eu lhe tinha dado ela gastou com o carro...
— Eu lhe dei o dinheiro necessário — respondeu Cameron, com tanta calma
que a irritou.
— Você podia pelo menos ter-me contado — retrucou ela, tentando disfarçar
seu estado de espírito.
— Não contamos porque sabíamos que não iria gostar.
— Então ficaram falando de mim? — perguntou ela com os lábios trêmulos. —
Devem ter descoberto muitas coisas a meu respeito.
Seu rosto adquiriu uma dureza que sempre tomava conta dela nessas situações
embaraçosas. Um nó na garganta impediu-a de continuar falando.
— Se as coisas correrem de acordo com os meus planos, não vamos mais
brigar tanto.
— Oh, sim, sem dúvida! — replicou Kate, com ironia. — É pena que você não
tenha ido para a Inglaterra com France. Mas logo você irá, com certeza.
Ele ficou mudo, olhando-a com um ar estranho.
— Como está Dotty? — perguntou Kate, lembrando-se de repente da velha
senhora.
— Dotty está bem, felizmente. Deve voltar para casa no próximo fim de
semana. Eilleen cuidará dela.
— Se precisar de mais ajuda, posso vir no intervalo das aulas.
— Obrigado, mas você vai ter muito o que fazer com os seus alunos. Além
disso, em seu tempo livre você estará ocupada com outras coisas...
O silêncio de Kate deixou-o desapontado.
— Não vai me perguntar com o quê?
— Se quiser que eu saiba, você mesmo vai dizer...
Ele respirou fundo e, sem tentar disfarçar a falta de jeito, perguntou:
— Kate Brown, quer casar-se comigo o mais rápido possível para acabar logo
com este namoro absurdo?
— Ora, deixe de brincadeiras... — murmurou ela, sem graça e confusa.
— Está vendo? Bem que sua mãe me disse que você não era fácil. Você não
acredita em nada. Estou falando a verdade. Quer casar-se comigo?
Ela ficou parada, olhando para ele, incapaz de dizer uma só palavra. Cameron
estendeu o braço sobre seu ombro e estreitou-a contra o peito. Então,
inesperadamente, ela começou a chorar.
— Kate, querida, será que feri tanto seus sentimentos? Eu não queria ser tão
desajeitado, mas o que posso fazer? Nem sei como pedir em casamento a mulher que
amo. Não tenho prática nessas coisas. Se tivesse tido tempo, já teria levado você para
o cartório mais próximo e resolvido isso.
Kate ainda não conseguia dizer nada. Apenas se aproximou mais dele e
afundou a cabeça naquele peito quente e forte .
— Responda, meu amor. Quer casar-se comigo? — perguntou ele pela terceira
vez, cobrindo-lhe o rosto de beijos. — Sua mãe diz que você se casa comigo. France
aposta que não. E Dotty acha que eu serei um idiota se deixar você ir embora.
— Cameron, eu te amo tão intensamente que faria qualquer coisa que me
pedisse. Pensei que soubesse disso. E ao mesmo tempo não queria que soubesse.
— Por quê? Por que sempre se afastou de mim?
— Porque você quase... Você tentou...
— Quase o quê? Tentei o quê? Só sei que fiz o melhor que pude para me
aproximar de você e você sempre colocou barreiras.
Cameron não lhe deu tempo de retrucar. Voltando a estreitá-la nos braços,
beijou-a novamente.
— Você venceu — murmurou ela simplesmente.
Ele se afastou, sorrindo.
— Não, querida, eu não venci, embora me considere um grande vencedor se
você casar-se comigo. Nós dois vencemos. Quando me interessei por você, sabia que
seria apenas uma questão de tempo você se interessar por mim.
— Como posso estar apaixonada por um homem tão convencido? — disse
Kate, colocando os braços ao redor do pescoço dele. — Quando você decidiu que ia
me conquistar?
— Quando lhe dei o segundo beijo. Mas sempre esbarrei nessa horrível
armadura que você usa. Então adotei uma estratégia. Resolvi hospedar sua mãe a sua
irmã e ajudá-las de todas as formas. Assim você não poderia recusar-se a se casar
comigo com a desculpa de ter de sustentá-las. Eu não saberia suportar uma negativa
sua.
— E eu pensava que ia ser apenas sua cunhada. Você estava sempre rodeado
de mulheres...
— Sua mãe me contou das amantes de seu pai. Acho que por isso você
desconfiava de mim.
— É verdade. Minha mãe amava tanto meu pai que não dizia nada quando ele
levava mulheres para a nossa própria casa. E eu não queria passar por isso. Nunca!
Eu via como você tratava Baby, Stella e mesmo France. Mamãe me dizia sempre que
alguns homens são assim, não se contentam com uma mulher só.
— Querida, as outras mulheres na minha vida significam tanto quanto os
nomes numa lista telefônica. Para mim, desde que a conheci, não existe outra mulher
além de você: independente, adorável, responsável e com um senso de humor muito
irreverente, que aprecio muito. As outras apenas tentaram ocupar o seu lugar. France
é uma criança, não tive nada com ela.
— Onde você estiver eu serei sua — disse Kate, de repente, enlaçando-o para
receber seu beijo.
Antes que o rosto dele encobrisse a luz das estrelas, ela olhou bem longe no
céu e sentiu que dali por diante sua vida seria apenas encantamento.
Fascinação é o primeiro de uma série de ROMANCES PARA AMAR. O
símbolo do casal apaixonado, na capa, garante que você vai ler uma inesquecível
história de amor.
A seguir:
VERÃO EM CAPRI
Donna Vitek
A ilha de Capri tinha encantos novos para a americana Leslie Sheridan: enseadas lindíssimas,
mansões cercadas por jardins floridos e monumentos da gloriosa civilização romana. Tudo ali parecia vivo e
colorido, criando uma atmosfera de sonho e poesia e convidando ao romance. Só que ela não estava em
Capri para apaixonar-se ou fazer turismo, mas sim para trabalhar na esplêndida villa de Marco
Cavallari, o fotógrafo mais famoso do momento e o mais belo homem que ela já havia visto. E não
pretendia entregar-se a um efêmero romance de verão com ele, mesmo que o achasse irresistível, mesmo que,
para afastá-lo, tivesse que sofrer as torturas do desejo...
A seguir:
DOCE REFÚGIO
Sondra Stanford
Três meses! Era tempo demais para viver com um homem cruel e misterioso, numa cabana perdida
nas extensas planícies geladas do Alasca. Mas Christie não tinha escolha: ou isto ou a morte horrível sob os
flocos da neve que caía intermitente naquela terra encantada. E, no entanto, o que ela mais queria agora era
viver, para desvendar o mistério daquele escritor que se isolava do mundo e odiava as mulheres, mas que a
fascinava como nenhum outro. Três meses, tempo demais quando uma mulher se apaixona, e tudo o que
deseja é cair nos braços de um homem que a mantém à distância quando poderia estar tão perto! Pior foi
descobrir que uma só noite longe dele seria impossível de suportar!