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Apaixonada

East of Today

Dixie Browning

Fascinação nº 62

Sedutor, fascinante, irresistível! Assim era Cameron Greyville, o


proprietário da ilha onde Kate havia alugado uma casa para montar seu
estúdio de pintura. Em pouco tempo ele tomou conta de todos os seus
pensamentos, subjugando-a com beijos cada vez mais intensos e carícias cada
vez mais ousadas. Mas esse homem que fazia seu coração bater mais forte,
que a punha fora do sério a todo instante, era também o mais conquistador de
todos os que ela conhecera antes! E Kate se desprezava por deixá-lo tomar
conta dela tão avassaladoramente, e por saber que não significava para ele
mais do que qualquer outra mulher...

Digitalização e revisão: Nelma


Copyright: © 1981 by Dixie Browning
Título original: "East of Today"
Todos os direitos reservados, incluindo o direito de reprodução total ou parcial
sob qualquer forma.

Essa edição é publicada por entendimento com Silhouette Books,


a Simon & Schuster Division of Gulf & Western Corporation,
New York, N.Y., USA
Silhouette, Silhouette Romance e colofão são
marcas registradas de Simon & Schüster

Tradução: Gilberto Galvão

Copyright para a língua portuguesa: 1983


Abril S.A. Cultural — São Paulo

Composto na Tipolino Artes Gráficas Ltda.


e impresso nas oficinas do Círculo do Livro S.A.

Capa: Ilustração Silhouette


CAPÍTULO I

Kate Brown saiu desanimada do escritório imobiliário do sr. Eliot. Afinal,


depois de ter viajado oito horas de carro, contava encontrar o corretor à sua espera
para lhe entregar a chave da casa que havia alugado. Mas, em seu lugar, deparara
apenas com a secretária dele, que se encarregou de pedir-lhe desculpas.
— Sinto muito — dissera a moça —, mas o sr. Eliot está participando de uma
convenção na Flórida e só voltará no final da semana que vem. Entretanto, pode
pegar a chave com a proprietária do imóvel, a sra. Greyville, na casa principal.
Segundo as informações da secretária, a casa principal ficava na mesma ilha
particular onde Kate havia alugado o imóvel. Quando assinara o contrato de locação,
o sr. Eliot havia descrito vagamente o lugar, mas assegurara-lhe que era o ideal para
os seus planos. Tratava-se de uma ilha pequena, situada além da cidadezinha de
Hatteras, na Carolina do Norte, onde ela teria todo o espaço e a privacidade de que
precisava.
Agora ficava sabendo que teria vizinhos. "Ainda mais essa!", resmungou
consigo mesma, enquanto dava partida no carro. "Por que o corretor não me avisou
que eu não seria a única habitante da ilha? Será que vou ter de mudar meus planos?"
Entretanto, sua maior dificuldade imediata não era essa, e sim encontrar a
ponte que a levaria até a ilha particular. Depois, não deveria ter problemas para
localizar a casa que alugara. Tratava-se de uma construção antiga, mas o sr. Eliot
garantira que os cômodos eram grandes e já estavam mobiliados, como ela queria.
Kate acabou achando a ponte mais facilmente do que esperava. Ao deparar
com a ilha de Coranoke, até se esqueceu de seus problemas. Encantada com a
paisagem, deteve-se por um momento para contemplar o lugar onde pretendia passar
o verão. Pareceu-lhe perfeito: terreno plano, um bosque ao fundo, uma praia em
frente. Não havia vestígios de visitantes nos últimos tempos.
Seguindo pela estradinha de areia que começava na ponte, Kate também não
teve dificuldades em achar a casa principal. Imponente, mas sem ostentação, estava
meio escondida entre as árvores, como se fizesse parte do cenário. A aparência da
construção encantou-a tanto que a fez esquecer que a existência de vizinhos não lhe
propiciaria o desejado isolamento naquela ilha.
Kate bateu na porta almofadada e depois de um minuto, como não obtivesse
resposta, procurou a campainha e tocou-a algumas vezes. Ninguém apareceu.
Começou então a pensar se aquele dia seria completamente desastroso.
Desanimada, andou até o quintal para ver se encontrava alguém. Passou por
canteiros de flores e uma horta, e bateu na porta dos fundos. Ali também não veio
viva alma atender.
A presença de um belo carro na garagem indicava, porém, que devia haver
gente na casa. Kate andou um pouco por ali, pensando no que deveria fazer e, de
repente, ouviu uma risadinha.
Seguiu na direção do som e deparou com uma ruiva de biquíni, muito
bronzeada, deitada numa rede sobre um homem que a provocava de um modo que
deixou a recém-chegada vermelha de vergonha.
Não imaginava que naquela ilha fosse ver tal cena e, por um momento, não
soube como agir. Mas logo superou sua perturbação; afinal era professora de arte
numa escola para jovens, não uma colegial em férias.
— Desculpem-me — disse, percebendo que seu súbito aparecimento assustara
o casal.
A moça parou de brincar com os pêlos do peito de seu companheiro e voltou-se
boquiaberta para Kate, enquanto o homem tentava recompor-se.
Uma rede, contudo, não permite muitos movimentos e a visitante ficou
olhando divertida para ver quem se levantaria primeiro. Um leve sorriso brincava-lhe
nos lábios bem desenhados.
Infelizmente o olhar do homem mostrava que ele não estava achando a
situação nem um pouco divertida. Com a agilidade de um atleta, ele se livrou
rapidamente da rede e da ruiva e ficou de pé diante de Kate, com o corpo alto,
bronzeado, mostrando perfeitas condições físicas. O desalinho de seu cabelo
castanho-escuro não lhe comprometia o aspecto autoritário.
Quando ele arqueou as sobrancelhas, Kate chegou a arrepender-se de ter
entrado desavisadamente por aquele lado da casa. Cansadíssima de tudo que tinha
acontecido durante o dia, não quis encarar aquela expressão de desagrado e virou-se
para a mulher.
— Sra. Greyville, sou Kate Brown e aluguei uma casa para a temporada. A
secretária da imobiliária disse-me que eu poderia apanhar a chave com a senhora.
Antes que terminasse de falar, Kate já se perguntava que tipo de erro teria
cometido. A expressão da sra. Greyville era uma mistura de surpresa e divertimento.
Seu olhar parecia convidar o marido a participar da brincadeira.
Fosse qual fosse a graça, o homem decididamente não parecia disposto a
apreciá-la. Estava ocupado em medir Kate com os olhos, não deixando escapar
nenhum detalhe do corpo, da roupa, do rosto. Alto demais para ela, ainda se colocou
de pé sobre uma elevação de terreno, parecendo-lhe gigantesco. Isso fez Kate perder
a paciência. Havia gasto seus últimos centavos pagando contrato, taxas e outras
despesas para alugar aquela casa, e não estava disposta a ficar ali brincando.
— A chave, por favor — disse, olhando para ele da maneira mais séria que
pôde.
— A sra. Greyville não está, mas, se você esperar, posso ver se encontro a
chave. Acho que não vai desistir da casa só porque a chave não está aqui agora.
— Claro que não — respondeu ela. — Disseram-me que este era o único lugar
que me servia e paguei uma soma respeitável por ele. Garanto-lhe que tenho todos os
documentos em ordem e não vou desistir.
Sem dizer nada, ele entrou na casa, batendo a porta. Kate ficou esperando ali
fora, em pé, já que ninguém lhe oferecera uma cadeira. Para evitar o olhar da ruiva,
virou-se para a praia. A mulher era sem dúvida muito grosseira, mas também muito
bonita.
A sra. Greyville saíra, porém a amante estava ali. Com certeza ele tinha um
harém de reserva.
"Do jeito que é", pensou Kate, "deve ter uma dúzia de mulheres. Ah, não
confio nem um pouco nesse tipo de homem! Mas, afinal, não tenho nada a ver com
sua vida, desde que ele se limite ao seu lado da ilha e não me importune".
Seus pensamentos fizeram-na corar levemente e ela disfarçou olhando para
uma borboleta que sobrevoava uma flor. O homem saiu da casa e caminhou em sua
direção, entregando-lhe a chave ostensivamente. Olhava-a de tal modo que ela
concluiu que talvez tivesse sido melhor arrombar a porta do que interrompê-lo em seu
idílio na rede.
Kate pegou a chave, murmurou um agradecimento e foi embora.
Quando entrou no carro, ficou pensando como deveria ser a sra. Greyville.
Com certeza era muito bonita, para ter um marido tão atraente. Enquanto dava a
partida no motor, sentiu que ele a fitava demoradamente, com uma expressão bem
pouco hospitaleira. Kate estremeceu: apesar de seus vinte e seis anos, sua experiência
com os homens era pequena e certamente não a preparara para lidar com um tipo
como aquele.
Mas suas reflexões se dissiparam assim que estacionou diante da casa.
Localizada perto da praia, satisfazia plenamente suas necessidades. Ela a selecionara
entre muitas outras, porque tinha dois enormes quartos de dormir, onde poderia
acomodar os alunos conforme o sexo, e uma sala que daria um ótimo estúdio. O
banheiro era velho, mas perfeitamente funcional, e a cozinha, embora também antiga,
cumpriria muito bem o seu papel. Annie, a cozinheira, adorara a idéia de instalar-se
na ilha; ela havia dirigido a cantina da escola durante quase vinte anos.
Ao entrar na casa, a primeira coisa que Kate fez foi ligar o aquecedor, para
tomar um delicioso banho quente. Enquanto admirava a bela banheira de porcelana,
pensava se Annie seria capaz de mexer com a monstruosa máquina de lavar que havia
na lavanderia.
Estava, porém, ansiosa demais para se concentrar em um só pensamento. No
momento seguinte, já imaginava o que sua mãe e Francês estariam fazendo naquela
hora. Precisava lembrar-se de chamar sua irmã de France, já que agora ela havia
decidido seguir seriamente a carreira artística. O nome France Brown, dizia, ia
melhor para uma artista.
Kate suspirou e espremeu a esponja sobre os ombros: já sentia saudades de
ambas. Tinha quinze anos e Francês apenas nove quando sua mãe se divorciara.
Sendo a mais prática das três, Kate havia trabalhado muito para manter a família e
poder freqüentar a universidade.
De vez em quando sua mãe adicionava um dinheiro magro aos seus
rendimentos, vendendo um ou outro artigo para revistas. Era estranho que os editores
sempre gostassem de seus escritos, pois, na maioria dos casos, ela sabia pouco do
assunto sobre o qual escrevia.
Os modestos cheques que recebia eram um bálsamo para sua tristeza; rejeitada
por um marido conquistador, que ainda por cima respondia a um processo por ter
batido num carro de polícia quando ia para uma manifestação política, Lola Brown
não podia se dizer uma mulher feliz.
Francês estava agora com quase vinte e um anos e era muito bonita. Parecia-se
com a mãe: tinha os mesmos cabelos loiros e os mesmos olhos, apesar de ser trinta
anos mais jovem.
Kate era mais inexpressiva, mais descolorida. Embora muitos homens a
achassem bonita, nunca fizera nada para melhorar sua aparência, com a qual, aliás,
não se importava muito. Sentia-se privilegiada por possuir um talento incomum para
os negócios, que lhe permitia administrar bem suas finanças e manter um padrão de
vida satisfatório. Naquele verão, conseguira economizar boa parte do que pretendia
para mandar sua irmã à Inglaterra, onde ela ia concorrer a uma vaga na Academia de
Arte Dramática.
Enquanto olhava a água escoar pelo ralo, Kate pensou em um outro fator que
tinha influído em sua decisão de largar o emprego e montar sua própria escola: Hal
Brookwood. O pensamento, porém, não lhe agradou nem um pouco e ela tratou de
afastá-lo rapidamente. Levantando-se da banheira, apressou-se a se enxugar com uma
toalha felpuda e vestiu o pijama, perfumado com seu sachê favorito.
Tinha poucos luxos, pois não dispunha de dinheiro suficiente para sustentá-los.
Já sua mãe não se incomodava com as despesas; sem ligar para seu espírito de
economia, havia presenteado-a com uma porção de sachês, loções e talcos com
fragrância de flores silvestres. Kate não podia recusar tais delicadezas, mas
preocupava-se com o destino da mãe e da irmã quando não estivesse mais por perto
para cuidar delas. As duas pareciam crianças e muitas vezes encaravam a realidade de
maneira infantil.
Enquanto pensava em sua pequena família, Kate ia arrumando as camas para
os alunos que estavam para chegar. Terminada a tarefa, subitamente se lembrou de
que durante todo aquele dia só havia comido um hambúrguer. Precisava, portanto,
sair para fazer compras na mercearia, mas lembrou-se que tinha ainda um dos dois
ovos cozidos e algumas das frutas que trouxera de casa. Se encontrasse na casa um
pouco de café, não precisaria de mais nada.
Conseguiu achar uma banana e uma maçã, e estava comendo-as quando ouviu
a porta se abrir. Ficou esperando, um pouco atemorizada, e segundos depois apareceu
à sua frente o homem que lhe entregara a chave.
— É o sr. Greyville, não é? — perguntou ela, tentando não repreendê-lo por ter
entrado sem bater.
Ele cruzou a cozinha sem ser convidado e puxou uma cadeira, girando-a antes
de sentar-se.
— Sim. Sou Cameron Greyville. Minha avó falou-me de seu trabalho. Como a
luz estava acesa, pensei que talvez pudéssemos conversar sobre isto.
Ela ainda estava indignada com sua intromissão e, apesar de ele ser o dono da
casa, preparou-se para brigar por seus direitos. Mas ele foi mais rápido:
— Vou deixar o constrangimento de lado e colocar as cartas na mesa. O
corretor que lhe alugou esta casa esqueceu-se de que eu não queria alugá-la. Tinha-
lhe dito que precisava dela nesta temporada porque queria passar o tempo todo aqui.
Quando soube o que ele fez, tentei encontrá-lo, mas não consegui. Ele foi para uma
convenção ou algo assim.
"Pelo menos agora parece mais educado", pensou Kate. "Mas também parece
ser uma dessas pessoas para quem ninguém se atreveria a dizer não", concluiu, com
um ligeiro estremecimento.
Cameron continuou falando, sem perceber o olhar estranho que ela lhe lançava.
— Olhe, posso conseguir acomodação para você num hotel, pelo verão inteiro
e pelo mesmo preço. Quer que eu telefone e faça a reserva?
Sob as sobrancelhas grossas, seus olhos castanhos estavam completamente
inexpressivos, perscrutando o local como para verificar se tudo estava em ordem.
— Sinto muito, mas não me serviria. Além disso, já pedi ao corretor para tirar
os móveis da sala. Assim, posso acomodar melhor minhas coisas. Este lugar é
perfeito para as minhas necessidades e todos nós estamos prontos para começar o
nosso trabalho.
— Nosso trabalho? Pensei que estivesse sozinha, srta. Brown.
O olhar dele pousou em sua mão, que ela recolheu instintivamente, como se
quisesse escondê-la.
— Depois de amanhã, haverá mais nove pessoas comigo — informou Kate,
muito segura de sua posição.
— Nove pessoas? — explodiu ele. — Por que tanta gente vem para cá?
— São dez, contando comigo — replicou Kate, procurando não perder a
calma. A última coisa que queria era que aquele homem percebesse que a
amedrontava. Por isso, respirou fundo antes de continuar. — E essa gente está
pagando um bom dinheiro para ficar duas semanas aqui.
Cameron levantou-se tão rapidamente que o velho assoalho estremeceu.
— Então está sublocando a minha casa? Está pegando pensionistas?
— Não, não estou pegando pensionistas — explicou ela, com toda a paciência
que ainda tinha. — Eles vão ficar aqui, porque vão estudar pintura comigo todos os
dias, durante duas semanas. E quando forem embora, virá outro grupo. Por que outra
razão eu precisaria de uma casa tão grande?
— Uma professora de pintura!
Pela reação de Cameron, parecia que ela ia ensinar javanês, e não pintura.
Decididamente, ele não era um amante da arte. Diante disso, Kate perdeu o resto de
sua paciência.
— Bem, eu expliquei isso ao sr. Eliot quando...
— O sr. Eliot não é o dono da casa.
— Mas alugou-a para mim. Não é minha culpa se nesta temporada o senhor
não poderá ficar aqui. Aluguei esta casa de boa fé, para realizar um empreendimento
legal, e tenho todos os papéis em ordem. Não poderá fazer nada contra mim, sr.
Greyville, embora queira me ver bem longe daqui. E agora, se não se importa, eu
gostaria de ir dormir.
Só então ela se deu conta de que estava vestida com seu pijama fininho. Ele
também pareceu perceber isso no mesmo momento, pois olhou-a de alto a baixo,
fazendo-a enrubescer e irritar-se consigo mesma. Era ridículo: naquele dia ela ficara
vermelha mais vezes do que nos últimos quinze anos de sua vida.
— Por que não dá suas aulas de pintura na sua própria casa? — esbravejou
Cameron, mostrando claramente que gostaria muito de expulsá-la.
— Porque quero atrair alunos que paguem bem — retrucou Kate, sem se dar
por intimidada. — E para isso preciso oferecer-lhes algo mais que uma simples folha
de papel e alguns lápis coloridos.
— Precisa dar-lhes uma bela paisagem como a desta ilha, suponho...
— Exatamente.
— E... alguma outra coisa? — continuou ele, num tom malicioso.
— E boas aulas de pintura — respondeu Kate, indignada.
— Pelo menos você é um pouco diferente das outras mulheres. A maioria dá
muito pouco e quer receber o máximo.
— Isso se aplica à garota que estava em sua rede? — perguntou ela.
— Não é da sua conta!
— Bem, só quero dizer que qualquer pobre mulher interessada em você teria
apenas o seu dinheiro, porque você não tem mais nada a oferecer.
Ele não respondeu, mas fuzilou-a com o olhar.
Kate estremeceu. Compreendendo que podia ser perigoso desafiá-lo, decidiu
pedir desculpas. Contudo, antes que pudesse abrir a boca, ele saiu, batendo a porta
atrás de si.
Kate ainda ficou na cozinha, pensando em todo aquele diálogo tão acalorado, e
finalmente foi para o quarto. Embora estivesse exausta, demorou bastante a pegar no
sono. Sentia no ar algo que não estava ali antes e que a incomodava muito, algo
inquietante como a expectativa que antecede a tempestade.

Na manhã seguinte, ela acordou cedo, completamente descansada e pronta para


enfrentar todas as tarefas que teria pela frente.
O dia estava tão lindo e ensolarado que, sem perceber, levantou os braços para
saudá-lo. Ainda pensava na mãe e na irmã, como no dia anterior, mas já não hesitava
em admitir que seria maravilhoso não ter de cuidar delas o tempo todo. Nem da mãe,
com sua impetuosidade e até irresponsabilidade perante as coisas, nem da irmã, com
sua inexperiência.
A última coisa que Kate fizera, antes de partir, tinha sido convencer Francês de
que não era uma boa idéia mudar-se para um apartamento com o namorado só porque
este dissera que ela ficaria mais segura com ele do que sozinha.
A beleza e a teimosia de Francês já lhe haviam dado mais de uma dor de
cabeça nos últimos tempos. Kate, porém, esperava tê-la convencido de que velhas
virtudes como a virgindade ainda eram válidas. Nenhuma mulher chega aos vinte e
seis anos sem receber algumas propostas, mas Kate jamais cedera à tentação. Talvez
não se interessasse tanto pelos homens. Talvez fosse romântica demais para os tipos
que havia encontrado até então, que consideravam um simples encontro para
conversar como um sinal verde para avançar.
Depois de vestir uma roupa leve, Kate saiu. Ouvindo o grito das gaivotas,
sentindo no rosto a brisa fresca do mar, respirou, fundo, como se quisesse absorver
toda aquela maravilhosa mistura de aromas.
Como os sapatos a incomodavam, decidiu tirá-los, depois de alguns passos,
deixando os pés livres para sentir o macio contato da areia. Estava decidida a explorar
o local antes de ir à mercearia, em Hatteras, comprar alimentos. Os alunos chegariam
no dia seguinte. Portanto, era o seu último dia livre nas próximas duas semanas.
Ao passar pela casa dos Greyville, ela não viu sinal de vida. "Que bom",
pensou, soltando um suspiro de alívio e entregando-se inteira àquele pequeno
sentimento de superioridade de quem está sozinho numa praia maravilhosa, de areia
branca e corais.
Quando chegou ao ancoradouro, deteve-se e durante longo tempo ficou
olhando os reflexos de dois barcos na água. Um era uma lancha moderna, de fibra de
vidro. O outro era uma embarcação maior, de madeira, que parecia tão velha quanto a
casa que ela alugara. Precisava descobrir seu proprietário; talvez pudesse pedir-lhe
que o emprestasse por algum tempo, para seguir por aqueles mares e ilhas que se
estendiam no horizonte. Um pelicano cruzou o céu, carregando um peixe no bico, e
foi reunir-se a um bando de pássaros junto às pedras.
— Ei! — chamou alguém.
Kate voltou-se e viu uma senhora de cabelos grisalhos, carregando uma toalha
numa das mãos e um cesto na outra. A mulher endereçou-lhe um sorriso brilhante e
apressou o passo em sua direção. Momentos depois, estendia-lhe a mão que segurava
a toalha e disparou a falar.
— Soube que você chegou. Espero que não tenha tido problemas para entrar na
casa. Eu estava fora, numa reunião do Clube de Jardinagem. Veja — disse,
entregando-lhe o cesto onde havia uma planta. — É australiana. Vou plantá-la na
varanda. O que acha?
Meio espantada com a comunicabilidade da velha senhora, Kate ficou
segurando o cesto, sem falar nada. Mesmo que tivesse algo a dizer, não conseguiria
abrir a boca, pois, após uma ligeira pausa para tomar fôlego, a outra continuou com
sua tagarelice. Parecia querer contar-lhe em poucos segundos todos os seus planos
para ajardinar aquela parte da ilha com plantas exóticas. Aparentava uns setenta anos,
embora a agilidade de seus gestos, e principalmente de sua língua, indicasse ter
somente a metade.
— Então é Kate Brown? Não a imaginava assim, quando vi a assinatura no
contrato. Sabe alguma coisa de grafologia? Não, acho que não. Pensei que fosse mais
velha, usasse óculos, vestidos pesados e sapatos de verniz. Ainda bem que me
enganei. Quer vir até em casa para tomar um café? Não tomei nada ainda. Eu ia
plantar algumas sementes antes que o sol ficasse forte, mas faço isso depois.
"Quem será ela?", perguntava-se Kate, ainda sem chance de pronunciar uma só
palavra.
A mulher voltou-se e começou a andar em direção à casa onde morava o
impertinente e arrogante Cameron Greyville. Estava certa de que Kate aceitara seu
convite, mas esta hesitava. Fosse qual fosse a ligação da senhora com Cameron,
achava que o dono da ilha não permitiria tal intrusão. Principalmente depois que tinha
sido convidado a retirar-se da casa de sua inquilina.
— Acho que vou ficar, senhora... — conseguiu dizer, aproveitando uma pausa
da simpática tagarela.
— Pode me chamar de Dotty. É assim que meu neto me chama. Deve ter-se
encontrado com ele quando foi pegar a chave.
Kate ficou surpresa, mas conseguiu não o demonstrar.
— Ah, então é a sra. Greyville.
— Exatamente. E então, vamos tomar um café? Oh, não se preocupe com
Cameron. Ele não morde quando estou por perto e sua secretária só acorda se eu
dinamitar o quarto.
— Bem que eu gostaria de acompanhá-la — começou Kate, esforçando-se para
não magoar a primeira pessoa amável que encontrava naquela ilha. — Mas não tenho
muito tempo. Ainda preciso fazer compras na mercearia, antes de preparar o almoço e
arrumar a casa.
— Oh, não faz mal. Fica para outro dia. Vamos conversar mais um pouco por
aqui mesmo.
Dotty deitou-se preguiçosamente na relva, sob um carvalho. Kate ficou um
pouquinho a seu lado, admirada por ver aquelas mãos cobertas de jóias caríssimas,
que dariam para pagar muitos de seus salários. E deu graças a Deus por sua mãe não
estar ali: adorando jóias, Lola Brown se sentiria profundamente infeliz por não ter
nenhum anel igual àqueles.
Kate tentou falar sobre seus planos, mas logo teve de parar para ouvir a outra
tagarelar sobre o neto.
— Ele fica algum tempo em Nova York e depois vem para cá, onde realmente
faz o seu trabalho. Ele é desenhista industrial, sabe, na Greyville Electronics. Como
proprietário da firma, não precisa fazer nada, mas adora resolver problemas. Tem um
tipo de cabeça que não descansa enquanto não acha a solução que procura. Quando
era criança e tinha algum problema, ficava muito tempo quieto, parecia que havia
desistido, mas, de repente, levantava-se e partia para a ação. Logo depois tinha tudo
resolvido.
A velha senhora parou de falar para acender um cigarro. Kate aproveitou para
falar alguma coisa, mas foi imediatamente interrompida. Dotty estava mesmo ansiosa
para falar milhões de coisas ao mesmo tempo.
— Ele adora isto aqui. Diz que é o único lugar onde pode ouvir seus próprios
pensamentos. Mas aquela secretária, Baby Gonlon, vive atrás dele, não lhe dá
oportunidade de ficar sozinho. Ninguém pode se concentrar em nada com ela e
aquele seu maldito rádio ligado o tempo todo. Ela tem menos cérebro que uma
galinha, mas Cameron disse que é capaz de datilografar enormes relatórios técnicos
sem perder uma linha e sem errar uma palavra.
— Ela é muito bonita — disse Kate.
— Ora, é um tipo muito comum, eu diria até que é vulgar. Fica em cima dele
como mosca no mel. Pensa que pode prendê-lo. É uma boba mesmo! Então não
percebe que um homem charmoso como Cameron, cercado de mulheres lindas, não
há de querer se casar? Aliás, dou graças aos céus por isso!
— Por quê? Não quer que ele se case? — perguntou Kate, um pouco
decepcionada consigo mesma por perceber de repente um estranho interesse por
aquele homem.
— Claro que quero! Mas não com uma mulher como Baby. Ela é horrível!
Vive seminua pela casa, falando com aquele jeito de criança, ouvindo aquele rádio a
todo volume. Ainda bem que meu neto tem os pés no chão, só fica nas nuvens
quando se ocupa de eletrônica. Sabe perfeitamente que tipo de mulher é aquela
secretária e qual a utilidade que ela tem.
"Acho mesmo que ele tem os pés no chão", pensou Kate. Se alguma vez tinha
visto um homem capaz de se agarrar com unhas e dentes ao que queria, esse homem
era Cameron. Em nenhum momento parecia um sonhador, a não ser, talvez, quando
se ligava nos seus aparelhos eletrônicos.
As duas conversaram mais um pouco e Kate despediu-se polidamente.
Mais tarde, enquanto fazia suas compras na mercearia, pensou que gostaria
muito de ser amiga de Dotty. A velha senhora parecia muito franca e sincera, e no
fundo Kate gostava de pessoas assim.

CAPÍTULO II

Na manhã seguinte, Kate levantou-se antes das seis, decidida a aproveitar


algumas horas de solidão antes da chegada dos alunos. Havia conseguido contar a
Dotty que gostaria muito de dar um passeio de barco; a velha senhora lhe dissera que
podia usá-lo quando quisesse, pois era de sua propriedade.
Agora tomava um copo de suco de tomate e estava na porta de trás, observando
pela segunda vez uma grande nuvem carregada no céu. Na véspera, a nuvem havia
desaparecido e Kate esperava que naquela manhã também sumisse: a última coisa
que desejava era chuva.
Terminou de tomar o suco e saiu correndo para o ancoradouro. Logo descobriu
que o barco navegava bem e estava razoavelmente seco. Mas, como não tinha
experiência com os remos, não conseguiu chegar até a praia que havia visto no dia
anterior. Com medo de encalhar, parou um pouco longe e arregaçou as calças para
puxar o barco e amarrá-lo onde pudesse. Embora fosse mais pesado do que
imaginava, acabou dando um jeito de ancorá-lo perto de umas árvores.
Além de algumas conchas quebradas e trilhas de pássaros, não havia muito
para ver ali. Kate caminhou vagarosamente pela praia, observando a areia, pegando
uma ou outra concha para jogar na água. Uma gaivota veio perturbar sua privacidade.
— Você também? Voando assim, parece dona do mundo — disse Kate, rindo.
E seguiu caminhando, com um sorriso nos lábios. Havia encontrado uma boa
recepção naquele lugar. É claro que sempre se leva algum tempo para relacionar-se
bem com os vizinhos, mas o fato de ter conhecido alguém tão simpático como Dotty
já a animava bastante.
A ilha de Coranoke dava-lhe uma sensação agradável. Parecia que alguma
coisa a empurrava para lá, e que algo maravilhoso a esperava. Por isso achava odiosa
a possibilidade de que tudo fosse estragado antes de descobrir o que era.
Pensando nisso, veio-lhe à mente a figura de Cameron Greyville. Certamente
ele preferia sua ausência à sua companhia, mas isso não tinha a menor importância.
Arrogante, metido a superior, como se ninguém mais tivesse direitos, era difícil
imaginá-lo como neto de Dotty; na verdade, porém, muitas vezes os próprios filhos
não se parecem com os pais.
Kate concentrou-se por um momento nas cores da paisagem, pintando
mentalmente um quadro onde figuravam a areia, o céu azul, as gaivotas, a cor
cristalina do mar que batia nas pedras.
De repente, ouviu seu nome, entre os gritos das gaivotas e o rumor das ondas.
Procurando no horizonte, viu dois homens no ancoradouro de Coranoke. Um deles
era Cameron, poderia reconhecer a qualquer distância aquele homem alto e
imponente.
O outro era-lhe muito familiar, mas naquela distância não conseguiu identificá-
lo. De qualquer modo, ele acenava-lhe com ambas as mãos.
Kate voltou-se para o barco, que se distanciara, pois a maré subira muito
rápido. Pôs-se então a andar na água para alcançá-lo, mas, como não conseguia,
começou a desesperar-se.
Felizmente escutou o barulho de um motor, e viu um barco saindo do
ancoradouro. Era uma excelente oportunidade de constatar a importância de manter
boas relações com os vizinhos. Mas havia apenas uma pessoa no comando: Cameron
Greyville.
— Salte — ordenou ele, quando chegou mais perto.
Ela obedeceu mais que depressa e sentou-se sem dizer uma palavra, enquanto
ele manobrava para puxar o outro barco. Seu olhar demonstrava que não tinha
gostado nada de ela ter pegado seu barco sem saber manejá-lo adequadamente. Tinha
razão, mas bem que podia ser mais condescendente.
O caminho de volta foi feito em silêncio, quebrado apenas pelo barulho do
motor. Quando alcançaram o ancoradouro, Kate ficou contente de ver o rosto amigo
de Hal Brookwood, embora fosse ele uma das razões que a haviam levado a refugiar-
se na ilha de Coranoke.
— Querida, o que você estava fazendo lá sozinha? — perguntou ele,
estendendo-lhe a mão para ajudá-la a descer. — Eu sabia que ia inventar alguma
bobagem assim que não tivesse ninguém para cuidar de você.
— Olá, que bom vê-lo! — respondeu ela, saltando do barco sem ajuda.
Seu contentamento desapareceu num segundo diante da expressão
recriminadora de Hal. Assim, foi com a mais absoluta indiferença que recebeu um
beijo na face. Olhando para o lado, percebeu que Cameron a fitava estranhamente,
com um ar zangado e contido.
Fazia três anos que conhecia Hal e ele fora seu mais persistente admirador.
Saíam de vez em quando, porque ela sempre comprava artigos para pintura na loja
que ele dirigia e era mais fácil aceitar seus convites do que inventar desculpas. Com o
tempo, porém, Hal começara a levar as coisas muito a sério e Kate encontrou na
viagem a Coranoke um excelente pretexto para terminar aquele relacionamento
superficial.
— Deixei a loja em boas mãos — explicou ele, para puxar conversa. — Como
Sal Turner está trabalhando melhor do que eu esperava, achei que podia confiar-lhe
os negócios enquanto vinha para cá, por alguns dias. — Olhou-a muito
significativamente e acrescentou: — Senti mais saudades de você do que eu esperava.
E você, como está?
Havia em seus olhos uma enorme expectativa e Kate detestou-se por não se
importar muito com aquela presença no refúgio que havia procurado durante tanto
tempo. Mas era assim. O rosto amigo de Hal não lhe despertava nenhum sentimento e
a lembrança de seus beijos causavam-lhe um certo mal-estar. Decididamente, ele não
fazia seu coração disparar.
"Será que não estou sendo boba ou romântica demais por esperar algo maior
em minha vida sentimental?", perguntou-se ela.
O ruído dos passos de Cameron, que rapidamente se afastava do ancoradouro,
despertou-a de suas reflexões e a fez lembrar-se de que nem lhe agradecera a ajuda.
— Sr. Greyville! — chamou-o. — Muito obrigada!
Ele acenou com a mão, sem o menor entusiasmo, e prosseguiu em seu
caminho. Kate ficou olhando-o por alguns instantes e voltou-se para Hal.
— Tenho certeza de que você vai encontrar um bom aposento no hotel em
Hatteras.
— No hotel? — repetiu ele, surpreso e desapontado.
— Sinto muito, mas é a única saída. Meus alunos e a empregada estão para
chegar a qualquer momento e não há mais lugar disponível na casa — explicou.
Percebendo, porém, que estava sendo inflexível, tentou emendar. — Na verdade,
talvez pudesse hospedá-lo, mas você não ficaria muito confortável...
— Não se preocupe. Posso perfeitamente ir para o hotel. A gente se vê mais
tarde?
— Claro que sim! — respondeu Kate, não conseguindo evitar um suspiro de
alívio.
Despediram-se com um simples aperto de mão, embora Hal tentasse dar-lhe
um beijo, do qual ela se livrou esquivando o rosto.

O primeiro par de alunos chegou logo depois do almoço e em seguida os carros


não pararam de estacionar junto à velha casa.
Kate não demorou a perceber que havia calculado mal as acomodações e
acabou tendo de alojar algumas pessoas num quarto dos fundos, que pensara utilizar
como uma espécie de almoxarifado para o material de pintura.
À hora do jantar, todos já haviam chegado, menos Annie. Havia duas mulheres
veteranas nesse tipo de concentração para trabalhar em pintura, uma principiante
muito entusiasmada e uma desenhista que queria aprender novas técnicas.
Stella Wright, a desenhista, imediatamente começou a cortejar Tony Palani, o
único homem presente com menos de quarenta anos. Kate divertia-se observando
como os dois se mediam.
Tony chegara num belíssimo conversível e parara a alguns metros da praia.
Kate alertara-o sobre a maré, mas ele dera de ombros, como se isso não tivesse a
menor importância. Parecia ser o tipo de homem que não se incomodava com
prejuízos.
Moreno, muito simpático, olhos grandes, Tony trazia uma bolsa de couro, que
largou num canto, e uma maleta com pincéis e telas. Tão logo chegou, avaliou com
um só olhar o grupo todo e deteve-se em Stella Wright. Depois, jogou a chave do
carro na mesa e pôs-se à vontade.
Todos preparavam uma refeição quando Cameron veio avisar Kate de que
havia um telefonema para ela. Ficou parado na porta, olhando o grupo com um jeito
displicente, o corpo enorme quase barrando a passagem. Seu olhar também parou em
Stella, que tomava um suco enquanto os outros comiam. Stella havia declarado
momentos antes que, como mulher, era de tipo mais decorativo do que prático. Na
verdade, estava ali mais para conhecer outras pessoas que para estudar pintura.
Kate foi até o quarto calçar os sapatos e acompanhou Cameron pela trilha que
levava à outra casa. Era um caminho bem mais rápido que o outro, que dava a volta
em torno das duas construções.
— Ela não está esperando no telefone, está? — perguntou Kate, pensando na
conta.
— Não — respondeu Cameron. — Ela deu um número para você ligar. Mas
por que você acha que é uma mulher?
— Ah, pensei que fosse minha mãe. Ela não disse quem era?
— Não, não disse, mas era uma mulher. Imagino que, com o seu namorado
aqui, os outros não vão telefonar. A menos que sejam mais atrevidos do que estou
pensando.
— Você repara em tudo, não é? Pois, para seu governo, Hal não é meu
namorado — respondeu Kate, quase correndo atrás de Cameron, que, com suas
longas pernas, dava enormes passadas.
— Pois ele disse o contrário. Conversamos durante muito tempo, enquanto
você estava lá do outro lado do mar, sonhando naquela ilhota.
— Não me interessa quanto tempo vocês conversaram. Hal não é meu
namorado, mas apenas um bom amigo. E eu não estava sonhando naquela ilhota. E
você não tem absolutamente nada a ver com isso.
Ele riu e o som daquele riso ecoou no ar. Kate ficou furiosa. Não havia
maneira de refutar uma risada de deboche como aquela.
Assim que chegaram, Dotty cumprimentou-a calorosamente e convidou-a para
jantar. Estava muito elegante, ostentando jóias e roupas que Lola Brown com certeza
adoraria.
— Obrigada, Dotty, todo o pessoal já chegou, menos a cozinheira, e estamos
improvisando alguma coisa para comer.
Foi até o telefone e, enquanto completavam a ligação interurbana, ficou
olhando a sala, decorada com muito bom gosto, cheia de objetos de bronze e arranjos
de flores sobre mesas antigas. Finalmente, ouviu a voz de Annie, do outro lado do fio.
— O que aconteceu?
— Oh, você nem vai acreditar! Estou no hospital com as costelas deslocadas, e
não sei quando vou poder sair. Estou tão aborrecida! Queria tanto passar o verão com
você nessa ilha maravilhosa...
— Mas como foi isso? — perguntou Kate apreensiva.
— Eu tentei carregar um peso maior do que meus ossos agüentavam, foi só.
Agora estou pagando caro pela minha imprudência. O médico disse que o tratamento
vai levar algumas semanas. Ah, bem que eu podia passar sem isso! E você, como vai
fazer?
Kate sentiu um frio na barriga, só de pensar como iria alimentar mais de dez
pessoas e arrumar todos aqueles quartos sem a preciosa colaboração de Annie. Mas
não quis demonstrar-lhe isso, pois a fiel empregada seria capaz de levantar-se da
cama antes de estar totalmente recuperada. Era melhor deixá-la tratar-se com calma.
— Ora, não se preocupe! Eu me arranjo como puder. O importante agora é que
você se cuide bem e não me deixe sem notícias, por favor.
Depois de desligar o telefone, ficou algum tempo ali sentada, pensando como
poderia resolver o problema. Com todas aquelas pessoas em casa, teria de contratar
alguém nas redondezas para ajudá-la.
Desolada por Annie e por si mesma, levantou-se devagar e dirigiu-se para a
sala. Cameron e a avó tomavam um drinque antes do jantar, e ofereceram-lhe uma
bebida. Ela balançou a cabeça, recusando, e agradeceu a Cameron por tê-la chamado.
Dotty perguntou-lhe então se as notícias eram más.
— Acho que sim. Minha antiga empregada não poderá vir, e eu começo as
aulas amanhã. Será que a senhora conhece alguém por aqui para cozinhar e tomar
conta da casa por alguns dias? Posso cuidar da lavanderia, se for necessário, e ela não
precisa se incomodar com a roupa.
— Talvez seu bom amigo possa dar uma mãozinha — disse Cameron com
sarcasmo, enquanto colocava o copo sobre a mesa. — Ele parece o tipo de pessoa
capaz de fazer qualquer coisa, se a recompensa for boa.
— Acho que não seria muito prático — respondeu Kate secamente,
encaminhando-se para a porta, enquanto Dotty prometia que ia procurar alguém já na
manhã seguinte.
Cameron fez menção de acompanhá-la até a varanda, mas ela o impediu.
— Não precisa se incomodar.
— Não é incômodo algum e quero aproveitar a oportunidade para conversar
com você sobre seus amigos artistas...
Ela o fuzilou com o olhar, mas não retrucou.
Tão logo chegaram à varanda, Cameron despejou seu sermão, sem parar de
andar.
— Vim para esta ilha à procura de paz e gostaria que você tomasse bem conta
de alguns de seus alunos, principalmente daqueles mais agitadinhos. Você acabou
improvisando um estacionamento na praia e isso vai acabar com a areia. Tudo bem,
mas vamos ver se não fica aquela coisa de carros saindo e entrando a toda hora,
especialmente aquele conversível. Dotty dorme deste lado da casa e não quero que a
incomodem.
— É só isso? — perguntou Kate, furiosa.
— Não. Você pode achar seus alunos uns anjos, mas não se esqueça de que
este lugar é habitado por gente muito conservadora e não vai ficar nada bem dar
festas barulhentas. Além disso, aulas fora da casa só serão permitidas se não houver
perturbação da ordem. Você será gentilmente convidada a retirar-se daqui se se
mostrar uma hóspede indesejável. É só um aviso, não uma ameaça. Entendeu?
Estavam já bastante afastados da porta da casa, e ele podia felicitar-se:
conseguira falar tudo o que queria sem deixar sua simpática avó ouvir uma só palavra
de seu arrogante palavrório.
— Escute aqui, sr. Cameron Greyville — disse Kate, encarando-o com
firmeza. — Não sei quem lhe deu o direito de julgar as pessoas tão apressadamente,
mas saiba que está enganado a respeito de meus amigos e alunos. Pelo que vi das suas
companhias, não tem a menor autoridade para falar mal de ninguém. Qualquer
comunidade que aceitar o seu comportamento com suas amiguinhas diria que eu e
meus alunos temos um comportamento social exemplar.
— Não estou fazendo nenhum julgamento apressado. Pelo que sei, há uma
grande diferença entre uma pacata comunidade como esta e um grupo de artistas.
Pode acreditar, minha cara, já ouvi muitas histórias a respeito da gente com quem
você anda.
— Ah, ouviu? — retrucou ela com desdém. — Aposto que leu alguns desses
jornais que vivem de publicar escândalos. Você é preconceituoso demais para
entender as coisas como elas são. Deveria saber que todos os meus alunos estão em
altas posições profissionais; não são o tipo de gente que você está pensando. Alguns
são professores universitários, outros até são homens de negócios como você.
Acredite ou não, nem todos os empresários têm a cabeça tão fechada quanto a sua.
— Vamos ver, srta. Brown, vamos ver. Enquanto isso, trate de mantê-los
afastados deste lado da ilha, certo?
— Mas...
O protesto de Kate morreu na garganta.
— Mas... ? — ele perguntou.
— Bem, quer dizer que não podemos ir àquela ilhota, para pintar? As melhores
vistas de Hatteras são daquele lado e eu tinha pensado...
— Sei o que você tinha pensado. Vi como, lá da ilhota, espiava com olhos
compridos para o meu lado. Mas acontece que lhe aluguei só esta casa e os seus
direitos param aí. Aliás, ia me esquecendo: mantenha seus alunos afastados dos meus
barcos.
— Muito obrigada, sr. Greyville. Não quero nem respirar o ar de sua
propriedade.
— Cameron, você me acordou. Não pode discutir em outro lugar?
Os dois olharam ao mesmo tempo para cima e viram a ruiva, sonolenta e
vestindo apenas camisola, aparecer à janela. A seu lado, na outra janela, o aparelho
de ar-condicionado derrubava gotas de água nas flores logo abaixo.
— Se você ficasse com as venezianas fechadas enquanto o ar-condicionado
está ligado, ninguém a incomodaria. Em todo caso, é hora de descer para o jantar, vá
logo se vestir. A srta. Brown e eu já terminamos nossa conversa.
Seu olhar de zombaria voltou-se para Kate, que estava pronta para retribuí-lo,
mas preferiu sorrir, dando-lhe uma resposta muito delicada.
— Sinto muito ter perturbado a paz de sua hóspede, sr. Greyville. Geralmente
não faço tanto barulho, mas, sabe como é, quando a companhia é desagradável... — E
foi embora, de cabeça erguida.

Quando Kate falara com Dotty, minutos atrás, todo o seu problema se resumia
em arranjar uma empregada para substituir Annie. Mas não só não o resolvera, como
arranjara uma nova preocupação: manter seus alunos longe dos olhos de Cameron.
Não tinha certeza de que poderia conseguir prender em casa, por duas semanas,
oito pessoas adultas que tinham vindo justamente para pintar a paisagem. Também
não sabia mais quais eram seus direitos e qual o seu espaço naquela ilha. Só estava
certa de que não ia desistir, de maneira alguma. Brigaria por isso.
O simples pensamento de lutar contra Cameron iluminou-lhe os olhos com um
brilho de coragem.
CAPÍTULO III

A primeira aula foi dada na ponte sobre o rio, em Hatteras. Kate queria avaliar
a capacidade de seus alunos e encontrar a melhor maneira de ensinar-lhes. Tinha
começado sua carreira de professora muito cedo e aprendera que não se pode lecionar
arte arbitrariamente, pois esta envolve muito mais que habilidade técnica.
Naquela primeira manhã, descobriu que o pessoal tinha muito talento e a
manteria ocupada o tempo todo. Mas nem tudo era fácil. Embora a média dos alunos
fosse ótima, havia dois que prometiam criar alguns problemas. Stella, por exemplo,
parecia muito eficiente e talentosa, mas tinha uma preguiça que talvez prejudicasse o
seu rendimento. Só se interessava por duas coisas na vida: moda e homens. E isso
levava a outro possível criador de problemas: Tony Palani.
Quando dava aulas no colégio, Kate enfrentara muitos homens do tipo de
Tony. Entretanto, era a primeira vez que tinha de tratar com um deles mais
constantemente.
Tony era muito bonito e elegante, e fazia questão de mostrar que era rico —
ou, pelo menos, que seu pai era rico. Assim que chegou já foi pondo os olhos nas
duas únicas mulheres que tinha achado interessantes: Stella e Kate. E deixou claro
que a escolhida teria grandes vantagens materiais, se aceitasse suas ofertas. Quanto à
pintura, parecia apreciá-la somente como um passatempo. Estava mais preocupado
com seu charme do que com qualquer aprendizado.
Como se não bastasse a presença de Stella e Tony, havia ainda a de Hal.
Aproveitando a ausência de Annie, ele se oferecera para ajudar Kate, que se viu
obrigada a aceitar, pois não tinha mais o pretexto de não dispor de acomodações.
Afinal, o quarto da empregada estava vago.
Mal começara a primeira aula, Kate descobriu que precisava mesmo de ajuda,
porque não se tratava apenas de ensinar: a todo momento precisava de material,
esquecia o chapéu de sol, e outras coisas . desse tipo. Sem falar nos serviços
domésticos.
Claro que não precisaria afastar-se muito da casa com seus alunos, se Cameron
não tivesse sido tão estúpido com suas exigências. Assim, para pintar a paisagem, o
grupo tinha de ir de carro ou andar quase um quilômetro sob o sol, carregando
material. Era um absurdo, quando na pequena ilha havia tão belas vistas para pintar.
Mas Cameron dissera que não queria uma "invasão" em sua propriedade.
Toda a situação acentuou as idéias de Kate a respeito dos homens em geral.
Enquanto suas amigas haviam encontrado um companheiro, ela ainda achava que
casamento não tinha nenhum propósito. Os homens que conhecera, ou desejavam que
ela abandonasse seu trabalho para dedicar-se somente a eles, ou apenas a queriam na
cama para que lhes desse prazer.
Hal pertencia ao primeiro grupo. Tony talvez se alinhasse melhor no segundo,
onde, com toda a certeza, se incluía Cameron. Mas não havia a menor possibilidade
de um relacionamento entre ela e qualquer um deles, muito menos com o arrogante
dono da ilha. Tudo que queria dele era que não se colocasse em seu caminho.
Alguns dias depois, Hal partiu pela manhã, depois de prometer que voltaria nos
próximos feriados, quando poderia novamente deixar a loja. Kate simplesmente
concordou, resignada. Qualquer coisa que dissesse não iria mesmo impedi-lo de vir.
Ele estava convencido de que ela o amava, mas era orgulhosa demais para confessar
isso e admitir a possibilidade, ainda que remota, de deixá-lo sustentar sua família.
Realmente, mesmo que o amasse, Kate jamais lhe daria a responsabilidade de
manter a mãe e a irmã. Estava decidida a mandar Francês estudar em Londres, mas,
apesar de seus poucos recursos, pretendia fazê-lo sozinha, e não às custas de qualquer
homem que estivesse com ela. Não queria depender de ninguém. Ao contrário,
planejava conquistar sua total independência financeira. Esperava que esse trabalho
na ilha rendesse bastante dinheiro para abandonar a escola e passar todo o inverno
pintando. Depois de dar aulas cinco dias por semana, ficava esgotada demais para
dedicar-se ao seu próprio desenvolvimento artístico.
Sem saber porquê, seu pensamento voltou-se para Cameron. Não o vira mais
desde a véspera da primeira aula. Certamente Baby ainda estava por lá. O rádio na
casa dos Greyville vivia ligado no último volume, e nem ele nem sua avó deviam
gostar tanto de rock.

Um dia, de manhã, Dotty ficou olhando o trabalho dos alunos e arriscou alguns
comentários que indicavam que a arte não lhe era uma coisa estranha. Também fez
observações sobre o gosto musical de Baby, quando o vento trouxe um pouco
daquele som até o lugar da aula.
— Ela está ouvindo esse barulho há mais tempo que de costume e não sei até
onde a paciência de Cameron vai agüentar. Ele é um homem tolerante, mas quando
explode... — disse Dotty.
Kate sorriu e achou melhor não expressar sua opinião sobre a tolerância de
Cameron; essa era uma qualidade que, pelo jeito, ele revelava apenas para um grupo
bem reduzido de pessoas.
— Todos os dias temos aqui um concerto de rock, principalmente quando o
vento sopra em nossa direção — disse Kate para a velha senhora.
Era quase uma reclamação e ela esperava que Dotty a repetisse para Cameron,
de um jeito ainda mais diplomático.
Naquele mesmo dia, Stella faltou à aula da tarde. Outras vezes ela já havia
faltado para sair com Tony, mas agora este se encontrava presente, elegantemente
vestido só para impressionar a professora.
Foi Selma Kinfield, uma das alunas mais velhas, que contou ter visto Stella
indo para a casa de Cameron. Kate tentou conter a curiosidade e fez o possível para
não ficar olhando a todo momento para lá. Talvez a moça só quisesse usar o telefone.
Não poderia ser o tipo que Cameron gostava e também não haveria de passar a tarde
inteira conversando com Dotty.
Após o jantar, todos já estavam limpando as mesas para conversar sobre os
trabalhos do dia e Stella ainda não tinha voltado. Kate começou a ficar preocupada,
achando que talvez tivesse acontecido alguma coisa.
Discutia-se acaloradamente sobre o uso dos pincéis e Kate estava no meio de
um argumento, quando ouviu o barulho de um carro que estacionava em frente à
casa. Parou de falar e olhou pela janela: Stella e Cameron vinham entrando.
— Fomos jantar — disse ela. — Espero que não tenha sentido a minha falta.
— De modo algum! — respondeu Kate friamente, segurando o pincel sobre o
qual estivera falando. — Espero que tenha tido uma boa noite.
Cameron aproximou-se de. uma pintura que retratava a praia com as gaivotas,
as pedras e as ondas.
— Bonito. É assim que você vê isso, Kate?
— Sim, mas você, sem dúvida, deve preferir uma fotografia, que é mais fácil
de fazer.
— Não, não prefiro. Esta pintura tem ritmo. As ondas têm movimento. As asas
das gaivotas também, mas estão destacadas demais.
Kate ficou surpresa: jamais esperaria que um homem como Cameron fizesse
uma apreciação tão perfeita de uma pintura. Ele tinha percebido não só a qualidade
do trabalho como seus defeitos.
— Só estava demonstrando uma técnica. Essa não é a forma final — explicou
ela, com toda segurança.
Os outros estavam envolvidos demais na avaliação do próprio trabalho para dar
atenção à conversa, mas Stella, que não perdia uma só palavra, sorriu de um modo
que irritou Kate.
Tony também acompanhava o diálogo, olhando alternadamente para Stella,
Cameron e Kate, de modo significativo.
— Se me permite, sr. Greyville, vou voltar para minha aula — disse Kate,
virando as costas para ele e tentando retomar seu assunto com os alunos.
Na verdade, já tinha terminado o que tinha para dizer, mas precisava ocupar-se
de alguma coisa enquanto ele a olhava. E conseguiu. Ele acabou perdendo o jeito.
— Está bem. Tenho mesmo de ir embora — disse Cameron, encaminhando-se
para a porta.
Stella agradeceu-lhe docemente pelo jantar, inclinando-se de tal modo que seus
cabelos ruivos roçaram-lhe a manga da camisa, e prometeu estar no ancoradouro às
oito, na manhã seguinte.
"Mais uma vez as aulas de arte vão ficar para trás", pensou Kate. "Stella nem
precisa pensar para escolher entre pintar o dia todo e passear de barco com um
homem atraente e fascinante como este... "
Seu pensamento surpreendeu-a. Desde quando achava Cameron atraente e
fascinante? E por que reagia daquela maneira à sua presença? Por que se irritara com
Stella sem razão aparente? Ele não era diferente de nenhum outro homem que havia
conhecido.
"Ora, quero mais é que ele tropece naquelas suas pernas de avestruz e amasse
sua bela cara na areia", concluiu consigo mesma.
Todos já haviam se recolhido quando Kate foi para o seu quarto, algumas horas
depois. Durante longo tempo ficou deitada, simplesmente ouvindo a música do mar, o
som de que mais gostava: suave, natural. Não como aquele ruído estridente que vinha
do rádio de Baby
A imagem de tola da secretária imediatamente veio-lhe à lembrança, e com ela
os últimos fatos do dia. Baby devia ter ido embora, deixando o campo livre para
Stella.
"Decididamente Cameron tem um fraco pelas ruivas", pensou. "Pelo menos
essa não gosta tanto de rock. . . "
Agora que Stella parecia disposta a investir todo o seu tempo em Cameron,
Tony certamente concentraria seu esforço na conquista de Kate. "Preciso dar um jeito
nisso. Amanhã mesmo vou colocá-lo em seu devido lugar", decidiu, mergulhando
então num sono profundo.

Perto da última noite, a sessão de crítica do trabalho, que se fazia depois do


jantar, estava muito agitada. Havia choques de opinião e acaloradas defesas de pontos
de vista, pois logo se realizaria a exposição do grupo. Kate colocara vários cartazes
em Hatteras, para que os turistas e os habitantes locais fossem ver os quadros de seus
alunos. Sua intenção era mais observar a reação do público do que propriamente
vender as telas.
Cansada de ficar o dia todo com os alunos, orientando-os sobre a melhor
maneira de expor seus trabalhos, Kate deixou-os finalmente e foi passear um pouco
na ponte em frente à casa. Estava entretida, contemplando as estrelas refletidas na
água do pequeno riacho que cortava a ilha, quando percebeu a elegante figura que lhe
falava com voz aveludada.
— Encantada com as estrelas?
Era Tony. Kate não tinha notado sua chegada, pisando macio na areia, como
um gato sorrateiro. Voltou-se para ele, achando que não devia ter escolhido um lugar
tão óbvio para ficar sozinha.
— Só vim aqui para ficar um pouco sozinha. Tive um dia cheio, cuidando de
vocês, e agora preciso recarregar as baterias.
Era uma maneira sutil de dizer-lhe que fosse embora, mas Tony estava longe
de entender sutilezas.
— Realmente, é um trabalhão que você tem com a gente — disse ele,
apoiando-se na amurada da ponte, ao lado dela. — Quase todo mundo está se
preparando para dormir, mas acho que existem maneiras melhores de passar a noite
do que ouvir os roncos de uma porção de homens.
— Sinto muito. Você poderia ter ido para um hotel. Não era obrigatório ficar
na casa para fazer o curso.
— Oh, não é a divisão de quartos que me incomoda. É a escolha dos parceiros.
Agora, se tivéssemos de fazer tudo de novo, eu insistiria em ficar com... outras
pessoas.
Dizendo isso, ele tomou uma das mãos de Kate e começou a brincar com seus
dedos.
— Por favor, Tony. Não tenho a menor vontade de conversar.
E puxou a mão, afastando-se um pouco para mostrar-lhe que realmente preferia
ficar sozinha.
— Então vamos partir para a ação — disse ele, colocando o braço sobre seus
ombros tão de repente que quase a fez perder o equilíbrio. — Talvez eu tenha
desperdiçado as oportunidades que me deu. Acho que, na verdade, você quer mais
atos e menos discursos bonitos. Afinal de contas, seu namorado foi embora há uma
semana e você deve estar tendo tantos problemas como eu para dormir sozinha.
Antes que ela pudesse escapar, ele se colocou à sua frente e puxou-a para si,
vencendo facilmente sua resistência. Então, apertou-a contra o peito e tentou beijá-la
no pescoço.
— Pare com isso! — Kate estava quase gritando. — Você está sendo
terrivelmente desagradável.
— Ora, menina, que é que há? Você não recebeu nenhum carinho desde que
Hal partiu e deve estar tão faminta quanto eu.
Ela empurrou-o com toda a força, mas perdeu o equilíbrio e acabou tendo de
apoiar-se em Tony para não cair. Mais que depressa, ele aproveitou a oportunidade e
a beijou na boca. Sabendo que não tinha condições de afastá-lo, Kate resolveu ficar
impassível. Se ele se achava irresistível, era uma boa ocasião para fazê-lo ver que
nem todas as mulheres caíam facilmente em seus braços.
Com efeito, ele logo percebeu que seu beijo não era nem um pouco desejado e
levantou o rosto, mas ficou olhando-a, frustrado e incrédulo. Nesse momento, um
Mercedes entrou na ponte a toda velocidade, com os faróis acesos, e passou a alguns
centímetros deles. Cameron estava ao volante, e a seu lado estava Stella.

O dia da exposição começou com um pequeno chuvisco, mas já antes do


almoço o sol apareceu. Os alunos, muito animados, foram até a cidade comprar
ingredientes para fazer um ponche. Selma e Gretchen cortaram cubinhos de queijo
para acompanhar os biscoitos salgados e fizeram pipocas.
Os quadros estavam espalhados pelo salão. Depois de cuidadosa seleção, Kate
conseguira escolher trabalhos muito bons, que não comprometeriam o nível de seu
curso. Todos estavam entusiasmados com a mostra.
Todos, menos Tony. Ele ainda estava furioso com o que havia acontecido na
noite anterior. A atitude de Kate magoara-o irremediavelmente, ferindo de morte sua
auto-imagem de irresistível sedutor. Aliás, as duas mulheres que ele havia escolhido
para cortejar haviam-no rejeitado. Por isso, quando Stella entrou na sala, ele lhe
lançou um olhar que poderia atear fogo a um pedaço de papel.
Apareceram muito mais pessoas do que Kate esperava e algumas até
compraram quadros, o que animou bastante os alunos. Os preços evidentemente eram
bem baixos, mas o que importava não era o dinheiro, e sim o fato de que aquela gente
queria ter em casa pelo menos um quadro de um futuro pintor famoso.
Foi no meio da confusão de pessoas, quadros e garrafas que Kate viu, perto da
porta, Cameron e Dotty.
A velha senhora entrou às pressas e foi conversar com alguns alunos que
conhecia. Cameron ficou parado no mesmo lugar, olhando tudo e todos com um ar
superior e distante.
"Como uma cabeça tão ruim pode estar num corpo tão bonito?", perguntou-se
Kate.
— Está maravilhosa, querida! — disse Dotty, aproximando-se dela com um
copo na mão. — Estou falando da exposição, embora a bebida também esteja muito
boa. O que é?
— Uma porção de coisas misturadas. Na verdade, tudo que a gente pôde
arranjar está aí dentro. Espero que o ponche tenha ficado mesmo bom... não entendo
de bebidas tanto quanto gostaria de entender de arte.
— Parece-me que, de arte, você entende um bocado. É só ver o que conseguiu
ensinar em tão pouco tempo. Sem falar na forma como organizou a mostra...
— Já montei várias exposições como esta na escola. E já fui a várias outras,
desde aquelas regadas a caviar com champanha até as que só serviam refrigerantes.
De modo que pelo menos aprendi a dispor os quadros para apresentá-los ao público.
Enquanto conversavam, Dotty ia apreciando mais uma vez alguns dos
trabalhos expostos. Contemplava com interesse uma aquarela quando Stella e Tony
chegaram, vindos de lados diferentes da sala. Tony estava obviamente sob influência
de alguma coisa mais forte do que o ponche e Kate ficou apreensiva.
— Alô, Dotty — disse Stella. — Não tenho visto você ultimamente.
— É verdade. Procuro ficar afastada quando Cameron tem muita coisa para
fazer. Para ele é muito importante ficar quieto, em paz — respondeu a velha, com
toda a ironia de que é capaz uma senhora de fina educação.
Stella deu de ombros, enquanto Tony passava o braço em volta de Kate, que
não tinha jeito de repeli-lo na frente de todo mundo.
— E... quem é que não gosta de ficar em paz? — disse ele. — Nós dois porém,
pelo que penso, só vamos ter um pouco de tranqüilidade depois que os cursos
terminarem. Não é, querida?
Kate ficou furiosa com a ousadia, mas não respondeu à clara insinuação de que
havia algo entre eles. Disfarçadamente, livrou-se do braço de Tony e, ao afastar-se,
esbarrou em Cameron. Antes que qualquer um pudesse falar, Tony continuou,
provocando-a mais ainda.
— Já lhe contei, Stella, que vou ficar para o próximo curso?
— Mas você não pode! — protestou Kate. — Todas as vagas estão tomadas.
— Ah, não estão, não. Esqueci de lhe dar o recado? — Ele a olhou com
sarcasmo. — Sinto muito, meu amor. É um recado que Greyville me encarregou de
transmitir a você. Não se pode confiar em mim, não é mesmo?
— Do que está falando? Se tem alguma coisa para dizer, diga logo, não seja
infantil — respondeu Kate, perdendo a paciência.
Aquele jeito displicente de Tony irritava-a profundamente. Ele, porém, não se
perturbou e segurou-lhe o braço com força, quase deixando marcas.
— O rapaz de Richmond, um de seus alunos, não vem mais. Tem negócios
para tratar por lá e eu pretendo ocupar sua vaga. Meu dinheiro vale tanto quanto o
dele. Além disso, já estou aqui e gostaria muito de ficar — terminou, com um olhar
vitorioso.
Kate tinha uma resposta pronta, mas desistiu da discussão. Falaria com ele
mais tarde, quando não estivesse por perto aquela gente ávida de mexericos. Stella
olhava-a como se estivesse gostando muito de tudo aquilo. Kate compreendeu então o
verdadeiro motivo de Tony: ele queria vingar-se de Stella, ficando ali para mais um
curso. Talvez quisesse vingar-se dela também, por tê-lo rejeitado.
A própria Dotty não pôde evitar um olhar especulativo para a cena que se
desenrolava. Era uma senhora muito simpática e discreta, mas não há quem não goste
de uma novidade um pouco picante.
Só Cameron ficou indiferente. Ele se limitou a olhar duro e, em seguida, virou
as costas, bateu a porta e rumou para sua casa.

CAPÍTULO IV

Tony cumpriu a sua ameaça e ficou na ilha. Kate não conseguira convencê-lo a
partir. Na verdade, ela precisava de dinheiro, pois gastara tudo que podia colocando
anúncios do curso numa revista de arte que circulava por todo o território nacional e
imprimindo folhetos de informações para enviar pelo correio. Era bem verdade que
economizara o salário de Annie, mas, por outro lado, gastara com alimentação muito
mais do que previra. A brisa marinha parecia triplicar o apetite das pessoas.
O fato de Tony ter ficado significava, também, que ela não teria mais os dois
dias livres para descansar, antes de começar o novo curso. Todos já tinham arrumado
as malas e partido, e Kate esperava restaurar as energias com um pequeno passeio
pelos arredores ou com uma exploração mais completa da ilhota em frente. Tony,
porém, insistiu em acompanhá-la e ela acabou cedendo, embora não tivesse nenhuma
vontade de estar com ele. Talvez estivesse cansada demais para defender sua
privacidade.
Horas e horas de trabalho por dia, mais a sessão de crítica depois do jantar,
durante duas semanas, haviam esgotado suas energias. Além disso, ainda atendera
alunos que queriam tirar dúvidas e discutir coisas com ela. Muitas vezes, nem
conseguira fazer um intervalo entre uma sessão e outra, com tantas solicitações.
Havia também o preparo das refeições. Apesar do entusiasmo inicial dos
alunos, que no primeiro momento se dispuseram a ajudá-la, no dia seguinte ela já
estava tendo de cozinhar e arrumar a casa sozinha. O clima não colaborava com esse
tipo de tarefa, porque os dias eram cada vez mais quentes e úmidos.

Tony e Kate foram ver o novo farol de Hatteras e visitaram as ruínas do antigo
farol, que, destruído durante a II Guerra, não passava agora de um monte de pedras
em frente ao oceano Atlântico. Percorreram o museu e andaram pelas matas,
espantando os mosquitos e descobrindo trilhas naturais.
Na volta, a velocidade com que Tony dirigia o carro assustava-a e fazia-a
segurar fortemente a bolsa. Mas resolveu não dizer nada, porque ele seria capaz de
correr mais ainda, só para provocá-la. Tudo o que ela queria era ter o mínimo contato
possível com ele e talvez nunca mais vê-lo pela frente.
Ao chegarem na casa, Kate rapidamente reuniu a roupa suja, levou-a para a
lavanderia e deixou-a na máquina ligada. Depois, ambos saíram novamente para
jantar num dos melhores restaurantes de Hatteras. Apesar de não gostar nem um
pouco da companhia de Tony, Kate achou ótimo poder jantar sem ter de prepará-lo,
como vinha fazendo em todas as refeições dos últimos dias.
Estavam na sobremesa quando Cameron e Dotty entraram. A velha senhora
imediatamente os viu e levou o neto para a mesa em frente, ignorando a testa franzida
de Tony.
— Não querem sentar conosco? — perguntou este, com um sorriso forçado.
— Bem que gostaríamos — disse Dotty, sem vontade nenhuma de dividir a
mesa com aquele homem tão antipático. — Mas vocês já estão terminando...
— Bobagem — retrucou Cameron, puxando uma cadeira para si e outra para
sua avó. — Sem dúvida ainda vão tomar café e teremos o privilégio de uma boa
companhia, nem que seja por alguns minutos.
"Como sabe ser simpático quando quer...", pensou Kate, imaginando que um
homem assim era extremamente sedutor e perigoso.
Dotty começou a conversar enquanto esperavam seus pratos. Não seria
delicado sair naquele momento: Kate poderia dizer que estava cansada, mas acabou
ficando um pouco mais. Na verdade, estava achando muito interessante o projeto que
Dotty lhes expunha: fazer trabalhos em acrílico com flores dentro.
O fato de Cameron estar alguns centímetros à sua frente talvez não tivesse
nada a ver com isso, mas Kate sentiu um arrepio quando a perna dele, sem querer,
encostou-se na sua, por debaixo da mesa.
Conversaram ainda algum tempo e por fim Kate e Tony saíram, com a
desculpa de que precisavam fazer algumas compras na mercearia e passar na
lavanderia.
Até retomarem o caminho para a ilha Coranoke, não lhe havia ocorrido que
agora ela ficaria sozinha com Tony. Ao pensar nisso sentiu-se terrivelmente
vulnerável, sobretudo porque a atitude dele parecia haver mudado depois do jantar.
Talvez não tivesse sido uma boa idéia prendê-lo durante a meia hora de conversa com
Dotty, mas havia pouca coisa diferente a fazer, àquela hora e naquele lugar. Além
disso, a companhia da velha senhora era muito agradável, e havia algum tempo que
Kate não se permitia conversar com ela.
Quando pararam em frente à casa, ela desceu do carro e sentou-se no primeiro
degrau da escada, relutante em subir. Depois de refletir alguns segundos, achou um
bom pretexto.
— Vou até a lavanderia buscar a roupa. Enquanto isso você vai fazer as
compras na mercearia, está bem? — perguntou a Tony.
— Está pedindo ou mandando? — retrucou ele.
— Estou pedindo e também mandando. Quero ficar sozinha um pouco.
Era indelicado dizer isso, depois de ter passado o dia todo com ele, recebendo
tantas atenções, mas não havia outro jeito.
— Se eu soubesse, teria deixado você sozinha desde o começo.
Kate perdeu a calma.
— Sabe, Tony, às vezes você não é uma pessoa agradável.
Teve a desconfortável sensação de que ele queria comprar algo mais do que
aulas de arte e pensou, seriamente, em acabar com tudo aquilo de uma vez. Antes que
pudesse continuar, porém, ele declarou:
— Logo que me conhecer melhor, você vai me adorar. Não sou tão mau assim.
E... sei ser bastante generoso, conforme as circunstâncias — acrescentou, com um
tom insinuante na voz, e avançou para Kate, como se fosse beijá-la.
Ela, no entanto, correu para agarrar a maçaneta da porta, como se fosse uma
tábua de salvação.
— Você é asqueroso! — sussurrou, trêmula de raiva e de medo. — Acho
melhor ir embora. Ainda não pagou o segundo curso e resolvi limitar o número de
alunos.
Ele aproximou-se de novo e ela o esbofeteou. Já havia tentado todas as
maneiras civilizadas de se livrar de uma pessoa tão inconveniente. Só lhe restava
agora recorrer à grosseria.
— Não se atreva a me tocar! — avisou. Kate virou as costas e pegou de novo a
maçaneta para abrir a porta. Mas ele veio por trás, sorrateiramente, e enlaçou-a pela
cintura. Ela tentou chutá-lo, mas não adiantou. Estava tomada pelo pavor.
— Calma, meu bem. Sei que estava contando as horas, como eu. Pensei que
aquela velhota jamais fosse deixar a gente ir embora do restaurante, mas agora aqui
estamos, sozinhos, e você vai ver que é uma garota de sorte.
Levantou-a pelos ombros e forçou-a a virar o rosto para poder beijá-la. Nesse
instante, as luzes do carro de Cameron brilharam à sua frente.
— Será que vou ter de chamar a polícia? — perguntou ela, indignada e
envergonhada de ter sido surpreendida naquela situação, justamente por Cameron,
que agora estacionava o carro em frente à outra casa.
— Do que está reclamando? Não fiz nada que você não tivesse insistentemente
insinuado todos estes dias, essa é a verdade. Mulheres como você gostam de fazer seu
joguinho de avanço, mas também tenho uns joguinhos que conheço muito bem, meu
amor, e garanto que você vai gostar deles.
— Porco! — gritou Kate, puxando o corpo até livrar-se do abraço.
Depois desceu a escadinha rapidamente e começou a correr em direção à praia,
não se incomodando com mais nada. Só queria livrar-se daquele homem. Mas havia
calculado mal a capacidade do adversário que, subitamente, a alcançou e colocou o
pé em sua passagem, fazendo-a cair na areia.
— Elas sempre caem por mim, mais cedo ou mais tarde — disse Tony,
sarcástico, inclinando-se para levantá-la.
Kate, porém, desviou o corpo com incrível agilidade e desferiu-lhe um forte
pontapé.
— Vá embora! Deixe-me em paz!
Lágrimas de raiva queimavam-lhe os olhos, e ela estava mais amedrontada do
que se atrevia a demonstrar.
— Você ouviu o que ela disse. Dê o fora — ordenou uma voz muito
conhecida, num tom que não admitia réplica.
A chegada de Cameron provocou nela dois sentimentos bem distintos: por um
lado, um grande alívio, pois Tony finalmente se afastava; por outro lado, um terrível
embaraço, pois nunca queria ser vista por ele naquele estado, caída na areia e
chorando, com a roupa toda suja.
Cameron levantou-a com a maior facilidade e, afastando-lhe os cabelos do
rosto, perguntou, com um tom muito terno:
— Tudo bem com você?
— Claro que está tudo bem! O que mais você esperava?
Seu nervosismo tornou-a tão grosseira que Cameron recuou, surpreso, e tirou
imediatamente as mãos de seus ombros. Todo o carinho que ele demonstrava, um
momento atrás, desapareceu de repente.
— Eu esperava um pouco mais de educação de sua parte, só isso. Estou muito
desapontado. Mas não tem importância; afinal eu me intrometi onde não fui
chamado. Vá, vá correndo atrás de seu namoradinho antes que ele vá embora de uma
vez. — E, virando as costas para ela, começou a afastar-se em direção à sua casa.
— Espere. — A voz de Kate soou quase como uma súplica.
Ele olhou para trás, por cima do ombro, com uma atitude que demonstrava
total enfado.
— Sinto muito — disse ela, lutando para controlar-se; estava tão tensa que
tremia dos pés à cabeça. — Realmente sinto muito. E agradeço-lhe a ajuda. Não sei o
que poderia ter feito sem você. — Respirou fundo e fez uma ligeira pausa antes de
continuar. — Claro que eu poderia ter dominado a situação, mas...
— Dominar a situação? — cortou ele, rindo com sarcasmo. — Não seja tola.
Se pudesse dominar a situação, eu não teria precisado interferir. E agora, se tivesse
um pingo de bom senso, não se colocaria nessa posição tão arrogante.
— Obrigada por suas palavras sábias — respondeu ela, retesando-se toda como
se um choque elétrico a percorresse. — Se todo mundo soubesse o que você sabe,
ninguém teria problemas.
— É isso mesmo. Principalmente você e sua turminha de conversadores sobre
arte. Quando chegarem os novos alunos, diga-lhes para não invadirem o meu lado da
ilha.
Cameron se aproximara novamente e ela ergueu ainda mais o queixo, como se
estivesse ao mesmo tempo protegendo-se e desafiando-o.
— Você fala da turminha de conversadores, mas parece que alguns deles não o
aborrecem. Reparei que depois que aquela sua secretária partiu, você não perdeu
tempo em substituí-la por Stella Wright. Pena que ela também teve de ir, não é?
— É pena, sim, porque pelo menos ela sabe se comportar como uma mulher, e
não como uma frustrada e mal-amada como você. Além disso...
Cameron não pôde continuar. Rápida como uma gata, Kate deu-lhe um sonoro
tapa no rosto. Ele imediatamente avançou sobre ela e agarrou-a, puxando-a para si
com tanta força que a fez soltar um gemido de dor e de medo.
Em seguida, sem lhe dar tempo para esboçar a menor reação, beijou-lhe a boca,
esmagando os lábios dela numa pressão intensa e agressiva. Com uma das mãos,
prendia-a pelos punhos; com a outra, acariciava-lhe as costas.
Pouco a pouco, seu beijo foi-se tornando menos violento e mais sedutor, e a
fúria de Kate foi cedendo lugar a um cálido torpor.
De repente, do mesmo jeito que a agarrara, ele se afastou, bruscamente. Ainda
lhe segurou o pulso por um momento, mas soltou-o e pôs-se a caminhar.
— Venha também — ordenou. — Peça a Dotty que lhe sirva uma bebida. Vai
lhe fazer bem.
Trêmula, mal conseguindo andar, Kate obedeceu-o como um autômato.
Entretanto, depois de dar alguns passos, pareceu tomar inteira consciência de sua
desagradável situação.
— Não posso ir — declarou, com voz chorosa. — Tenho de tirar a roupa da
máquina de lavar e fazer as compras da mercearia.
— Deixe que tomo conta disso. Agora vá e faça como falei. A não ser que
esteja muito ansiosa para se encontrar de novo com Tony Palani. Ele deve estar lá na
sua casa, cuidando do tornozelo que você machucou com seu brilhante pontapé. Mas
talvez você esteja preocupada com isso.
Era uma clara provocação para outra briga, mas ela não tinha condições de
continuar discutindo. Voltou-se, então, com uma obediência a que não estava
habituada, e atravessou a faixa de areia que separava as duas casas.

Dotty recebeu-a com a amabilidade de sempre e, para seu alívio, não lhe fez
perguntas. Limitou-se a conduzi-la para a cozinha e serviu-lhe um drinque. Kate é
que se sentiu na obrigação de contar-lhe o que havia acontecido; afinal, estava toda
suja de areia e a velha senhora havia testemunhado o ataque inicial de Tony, quando
passara de carro, diante da varanda.
Uns vinte minutos depois, Cameron voltou e, sem falar com nenhuma das
duas, serviu-se de bebida, que tomou de um gole só. Depois encheu novamente o
copo, atravessou a sala e colocou-se na frente de Kate.
— Pode passar a noite aqui, se quiser, mas acho que Palani não vai mais
incomodá-la.
Kate pensou que a coisa que mais queria era realmente ficar naquela casa tão
confortável e esquecer as compras da mercearia, a roupa da lavanderia, Tony, as
aulas — tudo, menos a amizade e a gentileza de Dotty e a força que emanava de
Cameron, tão grande que lhe dava a impressão de poder tocá-la. De repente, porém,
sentiu-se mais ameaçada naquela casa do que na sua.
— Agradeço muito, mas prefiro ir embora — declarou, levantando-se para
colocar o copo cuidadosamente sobre a mesa. — Tony conseguiu me colocar fora de
combate. Estou ansiosa por tomar um bom banho, cair na cama e esquecer todo esse
incidente absurdo.
Talvez por causa do drinque, talvez por causa da solicitude de Dotty, já não
estava tão nervosa. Congratulou-se consigo mesma por haver controlado tão bem
suas emoções e poder sair dali com a cabeça erguida. Mas sabia que precisava agir
com rapidez, pois Cameron tinha um jeito infalível de destruir suas defesas e fazê-la
sentir-se como se estivesse completamente nua sob seus olhos.
— Boa noite — disse, abrindo a porta antes que os donos da casa pudessem
levantar-se para acompanhá-la até a varanda.
Assim que saiu para o jardim, pôs-se a correr e só parou quando subiu a
escadinha de sua varanda. O carro de Tony não estava lá. Kate entrou e foi direto
para o quarto que ele ocupara: suas coisas também não estavam mais ali. Ela soltou
um profundo suspiro de alívio.
Depois de guardar a roupa que Cameron apanhara na lavanderia, Kate foi para
a cozinha verificar as compras. Conferiu tudo e chegou à conclusão de que aquilo
daria folgadamente para alimentar uma tropa durante a semana seguinte.
Ao lado das compras, havia um envelope. Kate abriu-o e constatou que
continha um cheque, referente ao curso que ia começar dali a dias.
"Mas se Tony foi embora, por que está pagando por um curso que não vai
fazer?" pensou. "Será que foi sua consciência culpada que o fez deixar o cheque?"
Contemplou, durante alguns segundos, o valioso pedaço de papel e, por fim,
deu de ombros: "Bem, não posso fazer mesmo nada, agora à noite. Amanhã cedo vou
arranjar um jeito de remeter-lhe este cheque pelo correio". Após decidir-se, foi tomar
seu desejado banho, para finalmente cair na cama e dormir embalada pelo barulho
das ondas.

Na manhã seguinte, Kate foi despertada por um som que não conseguiu
identificar, pois ainda estava misturado com seu sonho. A luz do sol batia em cheio
sobre seu rosto, mas ela demorou a acordar totalmente. Quando por fim abriu os
olhos, viu Cameron Greyville parado na soleira.
— Está maluco? — perguntou ela, assustada, sentando-se de repente e
puxando o lençol para cobrir o corpo, vestido apenas com uma camisola fininha. Os
cabelos caíram-lhe sobre os ombros.
— Bati lá fora e na porta do seu quarto, e como você não respondeu, fiquei
preocupado... Mas vejo que está tudo bem.
— Saia daqui!
— Quero falar com você. E tem de ser agora, antes que Dotty venha para cá.
— Agora? — explodiu ela. — Você invade o meu quarto, me arranca do sono,
e ainda quer falar comigo agora? Seja o que for que tenha para me dizer, a gente fala
depois. Saia daqui!
— Fique quieta! — ordenou ele, atravessando o quarto com duas ou três largas
passadas e indo sentar-se na beira da cama.
Apavorada com aquela atitude, Kate puxou o lençol até o pescoço e encostou-
se na parede, rígida como uma tábua.
— Você faz muito bem o papel da virgem pudica, meu amor, mas não é nisso
que estou pensando — explicou Cameron, que, depois de examiná-la com uma
expressão de zombaria, prosseguiu: — Dotty quer fazer o curso de pintura. Agora que
Tony foi embora, há uma vaga, não é?
— Há, mas por que não deixou a própria Dotty vir falar comigo? — perguntou,
desconfiada.
— Porque ela jamais diria o que vou dizer. Aliás, nunca lhe conte isto. Deixe-a
assistir às aulas, mas não seja muito crítica em relação ao seu trabalho. Quero que ela
se distraia fazendo alguma coisa de que gosta, sem a preocupação de alcançar o nível
que você espera, se é que realmente espera algum.
— Apesar da sua insinuação, exijo um bom nível de meus alunos. Mas não
tenho dúvida de que Dotty vai se dar muito bem. Gosto dela e acho-a criativa e
talentosa. Você não precisava vir aqui me acordar para dizer isso.
— Dela você gosta, eu sei, mas do neto... — comentou ele com uma risadinha.
— É, o neto não me inspira muita simpatia — respondeu Kate, com voz
cortante.
— Sabe, srta. Brown, acho interessante que, na semana passada, dois homens a
assediaram querendo alguma coisa...
— Minha vida amorosa não lhe diz respeito — interrompeu, puxando o lençol
mais para cima, até cobrir o queixo.
Ele continuou falando, como se não a tivesse ouvido.
— Mas talvez você não tenha sido picada pela abelha certa. Acho que a mais
dura das flores desabrocha quando isso acontece. Não é verdade, srta. Brown?
— Se já acabou sua palestra sobre abelhas, por favor saia do meu quarto.
Cameron tocou-lhe a perna com a ponta dos dedos, e esclareceu, com um
sorriso insinuante:
— Eu não estava propriamente falando de abelhas...
— Quer saber de uma coisa? Acho que as abelhas são muito melhores do que
os homens. Não são sempre arrogantes e convencidas como eles.
— Não fale assim, minha querida. Bem que você gosta dos homens... Pelo
menos de alguns...
— Vá embora de uma vez!
Ele se levantou e dirigiu-se lentamente para a porta. Quando estava já com a
mão na maçaneta, voltou-se e encarou-a com um olhar malicioso.
— Se eu me entediar muito neste verão, virei procurá-la — disse, e saiu.

CAPÍTULO V

O segundo curso de pintura começou tranqüilamente, com um grupo mais ou


menos harmonioso. Mais jovem que o anterior, compunha-se de uma assistente
social, uma professora de jardim-de-infância, duas donas-de-casa, um ministro
aposentado e dois rapazes que disseram estar "à procura de si mesmos".
Dotty era uma aluna incrível. Logo na primeira aula apareceu de mãos
abanando. Pouco depois, entretanto, Cameron parou o carro na porta da casa e
descarregou o material que acabara de comprar em Hatteras: daria para nada menos
que um ano de curso.
Kate ficou olhando para os dois, enternecida com a maneira como ele tratava a
avó. Depois desviou o olhar, para explicar ao ministro, sr. Blacklighter, como devia
usar o pincel para pintar. Nesse meio tempo, para seu alívio, Cameron foi embora e o
resto da aula transcorreu calmamente.
Os dias seguintes não apresentaram novidades, mas, pelo meio da semana,
começou a chover. O tempo estivera tão seco que tinha havido um incêndio na
floresta que cobria parte da ilha, e os guardas florestais viviam vigiando os campistas
para não provocarem novos acidentes desse tipo.
No mesmo dia em que a chuva se iniciara, Dotty apareceu após a sessão de
crítica e convidou todo mundo para ir pintar na praia diante de sua casa.
— Eu adoraria, mas não sei se o seu neto vai aprovar — respondeu Kate,
apreensiva e ao mesmo tempo tentada pela idéia.
— Ah, acho que você o entendeu mal, minha querida. Foi ele quem insistiu
para eu freqüentar o seu curso. Eu queria vir, mas estava com medo de falhar. Ficava
imaginando que vocês deviam se divertir muito, enquanto eu estava sozinha em casa,
ouvindo Cameron falar sobre seu trabalho e vendo aquela secretária boba se pendurar
no pescoço dele o tempo todo.
— Sim, sei que ele a estimulou a fazer o curso, mas daí a pensar que vai nos
deixar invadir sua propriedade, como ele declarou, há uma grande distância.
— Bobagem! Amanhã vamos pintar na ilhota e está encerrado o assunto.
Antes de sair, Dotty pagou o curso. A princípio, Kate recusou, mas acabou
aceitando, não só porque a velha senhora insistiu muito, mas também porque estava
precisando de dinheiro. O cheque que Tony deixara junto às compras da mercearia
ela havia devolvido pelo correio, sem acrescentar nenhuma explicação. Não era
possível que ele fosse tão insensível que não entendesse.

Na manhã seguinte, apesar da chuva, todos os alunos se levantaram cedo e


foram para a praia trabalhar. Kate queria dar-lhes algum tempo para que se
aprontassem, mas eles estavam ansiosos para sair. Os mais apressados haviam se
levantado antes dos outros. A jovem assistente social era uma dessas pessoas. Sua
ânsia de atividade permitia supor que seria uma grande pintora. Era preciso instruí-la
sobre as maneiras de montar uma exposição de seus trabalhos.
Cameron não apareceu e Kate ficou muito feliz por isso. Não o havia visto
desde a manhã em que ele entrara em seu quarto, e não fazia questão de vê-lo
novamente. Pelo menos era o que ela se dizia, embora a imagem dele interrompesse
os seus pensamentos a todo momento. Bem que ela se esforçava para afastá-lo da
lembrança, mas aquele rosto bonito e aquele corpo insinuante perseguiam-na em toda
parte.
Durante a tarde e nos quatro dias que se seguiram, a chuva aumentou e não
parou um minuto. Todo mundo foi obrigado a ficar dentro de casa.
Kate estava nervosa: gostava dos alunos, mas não queria estar com eles o
tempo todo. Irritava-se com suas tagarelices, seus jogos de cartas, suas risadas, suas
músicas.
Na noite do quinto dia, depois da sessão de crítica, um dos alunos disse que
havia trazido seu violão e que daria um pequeno show. A noite prometia ser longa e
barulhenta, e como a chuva cessara, Kate saiu sorrateiramente e foi dar uma volta
pela praia.
As gardênias que floresciam na orla da praia perfumavam o ar. Dotty dizia que
eram jasmins, mas isso não tinha a menor importância. O aroma dessas flores
perturbava o coração daquela mulher solitária que vagava ao luar pela areia molhada.
Kate lembrou-se de um livro que causara muitas risadas entre as colegas de
faculdade, um livro antigo, desses que dão conselhos para as moças e que, entre
outras coisas, dizia: "Quando sentirem a tentação da serpente, joguem basquete,
meninas, joguem basquete!" Mais um pouco daquele perfume e ela precisaria ir
correndo jogar basquete.
Era a primeira vez que se aproximava do ancoradouro, desde aquele dia em
que Cameron a trouxera da ilhota. Agora, com aquela lua crescente no céu, o cais
parecia completamente diferente. Com olhos de pintora, ela ficou contemplando a luz
da lua sob a névoa que subia das águas. Sua fantasia libertou-se e voou longe.
Envolta pela bruma, a cidade do outro lado do mar parecia um continente perdido.
Estava tão embevecida que levou um susto ao ouvir uma voz. Voltou-se de
súbito e deparou com Cameron. O velho antagonismo veio à tona, e, para não
discutir, ela retomou a contemplação da paisagem. Mas já a névoa se esvanecia diante
daquele homem e Kate não pôde mais se concentrar na beleza da noite.
Cameron sentou-se a seu lado e ambos ficaram em silêncio por alguns minutos,
até que ele espalmou um mosquito na perna.
— São demais esses bichos, a esta hora. Aliás, o que você está fazendo aqui
tão tarde?
— Eu queria ficar sozinha e em silêncio. A casa está muito barulhenta, ainda
mais que não há mobília para abafar o som.
— Eu sei. Quando era pequeno, a gente morava numa casa bem antiga. No dia
em que nos mudamos, antes de colocarem os móveis, eu e meu irmão ficamos um
tempão correndo para cochichar de um andar para o outro. O som ia e vinha com a
maior facilidade, parecia que subia as escadas.
— Não sabia que você tinha um irmão.
— Ele morreu num acidente.
Sua voz era fria, como se ele não se referisse a um ser humano, e, ainda por
cima, seu irmão. Apesar de ter já uma idéia sobre como era Cameron, ela não o
imaginava tão insensível, principalmente depois de vê-lo com Dotty.
— Sinto muito — disse ela.
Depois de um longo silêncio, cada um mergulhado dentro de si mesmo, ele
recomeçou a falar, sobrepondo sua voz ao barulho das águas, ao zumbido dos insetos
e à música que vinha da casa.
— Foi há quatro anos. Eu não o via fazia muito tempo, desde seu casamento,
mas ainda estava muito ligado a ele.
— Deve ter sido horrível para a esposa dele. Quantos anos ele tinha?
— A mesma idade que tenho agora, trinta e seis anos. Casou-se com Bárbara
quando trabalhava numa mina de diamantes na África do Sul.
Seu tom de voz era tão morno que ela não teve muita coisa a dizer. Depois de
outro longo silêncio, resolveu puxar um assunto diferente e passou a falar do
desempenho de Dotty em suas aulas.
— Você não imagina como ela é divertida. Nunca vi alguém se dedicar tanto a
um projeto. Na idade dela, isso é incrível!
— Não imagino; eu sei como ela é divertida. Estamos juntos há muito tempo e
ela tem me dado muita alegria. Durante muito tempo disse que tinha cinqüenta e nove
anos. Quando eu e Ivor, meu irmão, comentávamos, brincando, que Dotty era apenas
nove anos mais velha que o filho, ela dizia que havia começado cedo.
Ambos riram, pensando com carinho na velha senhora, e Kate surpreendeu-se
ao perceber como era agradável estar ali sentada com ele.
Mais uma vez instalou-se o silêncio, que Cameron rompeu de repente pedindo-
lhe que ficasse imóvel, porque ia pegar um mosquito que estava em vias de pousar
em seu pescoço. Mas quando ele a tocou, ambos esqueceram o mosquito. Ela tremeu
levemente, voltou-se para olhá-lo e entreabriu os lábios.
Cameron tomou-a nos braços e beijou-a, enquanto seus corpos se estendiam
docemente sobre o ancoradouro. Beijava-a com naturalidade, como se sempre
tivessem estado juntos. Temendo que ele se afastasse, ela abraçou-o com ardor.
Era impossível conter os movimentos de Cameron. Os dedos dele desceram-
lhe pelo rosto, circularam sua boca, percorreram-lhe o pescoço e detiveram-se em
seus seios, cujos bicos se enrijeceram imediatamente.
Parecendo divertir-se muito com a perturbação de Kate, ele intensificou as
carícias até senti-la totalmente entregue. Então voltou a beijá-la nos lábios, enquanto
lhe prendia os seios entre as mãos, afagando-os de tantas maneiras doces e selvagens
que ela teve a sensação de voar, como num sonho. Entretanto, quando a mão dele
desceu até a cintura, ela o afastou. Cameron não protestou, como se não se
importasse.
— Você é um pote de mel — murmurou suavemente.
Ela não sabia o que dizer, tomada por todas aquelas sensações que jamais havia
experimentado.
— Deixe-me sozinha... Quero ir para casa, agora...
— Ninguém a impede, você é livre. Acho que esta noite linda ficaria completa
se fizéssemos amor, mas se você se satisfaz com o luar e um pouco de conversa
educada... não é um grande problema.
Com toda a dignidade que pôde reunir, Kate levantou-se e rumou para casa.
Tinha a garganta tão seca que chegava a doer. O coração, porém, balançando por
tantas emoções contraditórias, doía muito mais. Eis que aquele homem arrogante, que
ela jurava detestar, dizia uma só palavra carinhosa e ela caía em seus braços,
indefesa. "Não é problema", dissera Cameron. Os problemas começavam para ela.

O tempo clareou completamente e no dia seguinte todos puderam sair para


pintar ao ar livre. Aproximava-se o final do curso, e Kate nunca mais vira Cameron,
nem tivera notícias dele. Contudo, sempre que passava pela casa dele, não podia
impedir-se de lançar olhares furtivos, na esperança de vê-lo.
Ao terminar o curso, Kate realizou a segunda exposição de trabalhos. Foi um
sucesso e muitos moradores de Hatteras declararam que estavam ansiosos para
apreciar a próxima. Outros foram dizer-lhe que gostariam de ter aulas de pintura. Ela
ficou radiante, esquecendo completamente sua decisão de manter um número
limitado de alunos, para obter o melhor resultado. Na verdade, só pretendia ampliar
os grupos lá pelo fim do verão, quando esperava poder se dedicar mais ao trabalho,
mas a tentação foi muito forte.
Na manhã seguinte todo mundo foi embora. Depois de se despedir do último
aluno, Kate voltou para a cama. Havia espirrado duas vezes antes de tomar café,
sentia os olhos pesados e estava morrendo de dor de cabeça, que atribuía ao forte
vento da ilha.
Entretanto, apesar da tranqüilidade e do silêncio, não conseguiu dormir de
novo, como pretendia. Assim, quando ouviu o carro de Cameron deixar a garagem,
resolveu colocar um vestido bonito e sair para ver se aproveitava um pouco de sol.
Dessa vez decidira conceder a si mesma mais do que dois dias de folga antes
de começar o novo curso. Afinal, trabalhara sem cessar durante um mês e bem
merecia uma semana de férias, da qual pretendia aproveitar cada minuto.
Na segunda manhã livre, Dotty veio convidá-la para comer frutos do mar. Kate
correu a vestir uma roupa melhor. Queria mesmo sair: até então seus passeios
limitaram-se às redondezas da casa.
As duas foram a um restaurante numa praia mais distante. Kate pediu o prato
mais caro do cardápio, porém ficou decepcionada com sua falta de apetite. Seu mal-
estar aumentou quando Dotty insistiu em pagar a conta, alegando que a havia
convidado e que tinha o sagrado direito de dividir pelo menos um almoço com seus
amigos.
Na volta, pararam numa loja para turistas e Kate comprou algumas lembranças
para a mãe e a irmã. A última carta de Francês deixara-a preocupada. A moça dizia
que não estava gostando de seu trabalho e que pretendia largá-lo e seguir
imediatamente para a Inglaterra. A própria Kate queria que ela fosse para Londres,
mas não assim, sem dinheiro suficiente.
Enquanto dirigia o carro de Dotty — que, por causa da idade, não conseguia
renovar sua carta de motorista —, Kate confiou-lhe um pouco de sua preocupação,
mas logo acabou distraindo-se com a tagarelice da velha senhora.
— Só pego o carro para andar aqui por perto — disse ela. — Ainda estou
jovem: tenho uma vista de vinte e cinco anos e uma força de leão, mas os idiotas não
querem que eu dirija. Disseram que era para a minha segurança, veja só. Gosto de
correr, sabe? Ainda vou insistir na renovação dessa carta.
Quando chegaram à casa, Dotty convidou-a para tomar um drinque, mas ela
recusou, temendo encontrar Cameron.
— Então venha passear comigo. Quero lhe mostrar meus lugares favoritos.
Você vai adorar.
— Está bem — concordou Kate, mais por curiosidade que por qualquer outra
razão.
Haviam dado alguns passos quando Dotty parou de repente.
— Acho bom você pôr um biquíni. Com certeza vai querer cair na água...
— Tem razão. Espere-me. Não vou demorar.
Cinco minutos mais tarde Kate saía da casa e as duas iniciaram sua caminhada,
rumo ao outro lado da ilha.
Depois de andar muito, pararam numa duna que levava a uma praia branca,
cheia de conchas e pedrinhas. Dos dois lados havia duas pedras enormes, cheias de
crateras como a lua, nas quais as sombras faziam estranhos desenhos.
Dotty explicou que as ondas ali eram muito fortes, por isso haviam feito todos
aqueles buracos nas pedras. No verão, contudo, o mar era calmo, pois não havia
tantos ventos fortes.
— Entre na água. Está uma delícia. É só você se acostumar ao cheiro de iodo e
sal. Depois, tome um pouco de sol, vai-lhe fazer bem. Renove-se! Francamente, seu
rosto mostra que você está trabalhando demais.
A sugestão foi imediatamente aceita. Com um movimento rápido, Kate
desvencilhou-se do traje de praia e correu para o mar. A água estava realmente
deliciosa e o calor era uma carícia. O cheiro das algas e de milhões de pequenas
criaturas marinhas era estranho, quase exótico, mas não desagradável.
Ao sair da água, Dotty não estava mais ali. Kate estendeu-se na praia e fechou
os olhos para melhor apreciar o calor. Estava quase dormindo quando ouviu alguém
assobiar uma canção. Imediatamente olhou em torno, mas não pôde ver nada além da
duna atrás de si. Então procurou em outra direção e viu Cameron, quase a seu lado,
tomando sol. Sem dizer nada, observou-o por alguns minutos, certa de que ele não
podia vê-la. Embora estivessem muito próximos, as reentrâncias das pedras
escondiam-na.
Pela primeira vez, ela notou alguns fios brancos nos cabelos castanhos do
homem. As coxas dele eram musculosas, realçadas pela calça de jeans, e os braços
eram bronzeados e sólidos. Seus olhos de artista absorveram num instante aquela
beleza e detiveram-se no estudo das mãos.
— Resolveu tirar férias antes do novo curso? — perguntou ele de repente.
— Como sabia que eu estava aqui?
— Senti esses olhos adoráveis pousados em mim.
— Os olhos mais bonitos da região, não acha? — disse ela, brincando.
— Acho, sim. E você, não tem certeza?
Ela ficou meio sem jeito, mas logo se recompôs. A companhia daquele homem
sempre a desconcertava.
— Não tenho muita certeza, não. São olhos como outros quaisquer.
Ele chegou mais perto e começou a brincar com a areia perto dela, em silêncio.
Depois, segurou-lhe um dos pés e examinou-o. Kate arrependeu-se de ter deixado sua
sandália longe, pois o contato daqueles dedos, na sola nua dos pés, enviava-lhe sinais
perigosos para o estômago.
— Tamanho trinta e cinco?
— Parece muito experiente em avaliar o tamanho dos pés femininos —
respondeu ela, rindo.
— E você fica imaginando que em outras coisas devo ser muito mais
experiente, não é?
Ela deu de ombros, mas no íntimo sentiu um arrepio.
— Se o sapato servir, o resto não importa... Você se acha mesmo tão
experiente?
— Bem, pelo menos em comprar coisas para mulheres. Sempre compro
presentes para minha avó.
— Não estou interessada no que você compra para as mulheres — resmungou
Kate, começando a ficar de mau humor.
Ele prosseguiu, como se não a tivesse ouvido.
— Não imagina como tenho bom gosto. Sei tudo sobre cores, modelos,
modas...
— Deve ter aprendido bastante mesmo, comprando presentes para sua
secretária...
Ele riu, triunfante, e soltou-lhe o pé para segurar-lhe os joelhos e obrigá-la a
sentar-se diante dele.
— Parece que nenhum homem nunca lhe ofereceu nada. Está com ciúmes,
querida?
— Não, não estou com ciúmes. Pode ter quantas amantes quiser, e espero que
faça bom proveito.
— Não diga isso, não combina com você. E não minta para mim — ordenou
ele, rindo suavemente.
— Estava tão bom aqui e você veio estragar tudo.
— Vim estragar o quê? — perguntou ele, inocente.
— Dotty me trouxe a este lugar e foi embora para me deixar descansar
sossegada. E agora aparece você! Está sempre se metendo onde não é chamado...
— Se você esqueceu de novo, minha querida, lembro-lhe que esta é a minha
ilha. A areia sobre a qual está repousando seu belo corpo é da minha ilha. E agora
pare de encolher-se só porque um homem está olhando para você. Afinal de contas,
você tem muito para um homem olhar...
— Por que você não... não...
Ela ficou tão furiosa que não achou mais nada para dizer. Mal conseguiu se
levantar, meio desajeitada, para procurar um lugar mais adiante, onde ainda havia sol.
Cameron ergueu-se calmamente, foi pegar as sandálias dela e levou-as.
— Até esqueci por que foi que eu vim aqui — disse ele. — Você tem visita...
— Visita? Quem? — perguntou Kate, calçando as sandálias. Esperava que não
fosse Hal Brookwood. Embora o tivesse tratado muito mal da última vez, ele
prometera que voltaria.
— É Tony Palani. Apareceu logo depois que você e Dotty saíram. Como ele já
tinha visto seu carro, não pude dizer-lhe que você não estava mais na ilha.
Considerando seu último encontro, achei que era melhor ele não vir até aqui.
Esperando alguma resposta, Cameron parou de falar por um momento. Mas ela
não disse nada.
— Quer vê-lo? — perguntou ele. — Posso me livrar dele, se você quiser.
Kate franziu a testa.
— Acho que não me fará mal algum recebê-lo e saber o que o traz aqui. Além
disso, você não tem o direito de intervir a respeito dos meus convidados —
acrescentou ela, voltando a se irritar.
Afastou-se, mas Cameron segurou-a, obrigando-a a encará-lo, e a beijou,
apesar dos esforços que ela fazia para desvencilhar-se. Ao sentir os lábios dele,
porém, ela parou de lutar e abandonou-se de novo àquela força que a dominava
completamente.
O contato daquele corpo quente, agressivo, másculo, fazia-a ferver por dentro.
Ele deslizava as mãos sobre sua pele e, quando alcançou suas coxas, Kate
instintivamente procurou aconchegar-se mais. Meio trêmulas, suas mãos entraram por
baixo da camisa dele e acariciaram-lhe o peito peludo.
— Oh, Kate, você não sabe o que faz comigo...
Suas palavras a despertaram bruscamente e ela se afastou, assustada com sua
própria reação.
— Cameron, não sei o que está acontecendo, eu...
— Eu sei, querida. Você não é esse tipo de mulher. Mas, veja, há muitas
maneiras de descarregar uma energia perigosa. Uma pode ser lutar, a outra é esta.
Gosto muito das duas. Só que a segunda parece que não vou poder fazer com você. É
pena. Acho que seria ótimo, uma vez que tiramos faíscas um do outro. Mas... como
você não quer...
Todos os seus nervos estavam à flor da pele, e ele a deixava com a maior
facilidade. Bem, Cameron devia encarar tudo isso de forma muito natural, mas para
ela as coisas eram bastante diferentes.
— Ah, vá embora — ordenou, quase explodindo de raiva. — Vá brincar com
os seus computadores. Odeio homens que acham que basta um sorriso para levar uma
mulher para a cama.
— Então você acha que meu sorriso era um convite?
Os olhos de Cameron brilhavam, mostrando que ele se divertia muito com a
situação. Kate ficou ainda mais furiosa, pois percebia que era justamente sua
resistência que a tornava ridícula.
— Quer mesmo saber o quê eu acho? Acho que você precisa ter sempre uma
mulher de reserva para satisfazer o seu ego. Primeiro Baby, depois Stella e agora,
como elas não estão, eu. Mas não estou disposta a fazer parte da sua coleção. Você
me aborrece. Não estou interessada em suas formas de gastar energia, mas se puder
escolher entre lutar e me entregar a você, prefiro lutar.
— Ora, vamos acabar logo com essa conversa estúpida! Vamos para casa.
Deixei o seu convidado com Dotty e estou começando a ficar preocupado com o que
ele pode fazer com minha pobre avó.
A resposta dele desarmou-a completamente.
— Acho que você já perdeu tempo bastante para me dar esse recado — disse
ela, enfiando o traje de praia.
— Enquanto andamos, é bom ir pensando em alguma coisa para esfriar o ardor
de Tony.
A passos rápidos, percorreram em silêncio todo o caminho até chegar na casa.
Ao entrar no hall Kate parou diante do espelho, meio apreensiva, e ajeitou os cabelos.
— Está pronta? — perguntou Cameron, preguiçosamente encostado na parede.
— Sim.
Cruzaram então o hall e entraram na sala. Dotty estava reclinada no sofá, com
um copo na mão. Tony estava de pé, desconfiado de que não era muito bem-vindo.
— Finalmente chegou, minha querida — exclamou a velha senhora logo que a
viu. — Estive conversando com Tony. Ele me disse que pretende passar o resto da
semana com você, mas avisei-o de que vai ter de competir com Cameron pelo seu
tempo vago. Sei que não devo me intrometer, mas você parece não ter muita
disponibilidade, não é mesmo?

CAPÍTULO VI

O silêncio pulsava em volta deles, suspendendo toda a ação por instantes que
pareciam uma eternidade. Kate olhou para Tony, que estava consternado. Dotty, com
os olhos brilhantes, esperava a resposta à sua indiscreta observação. Cameron
acariciava o próprio queixo; por fim, caminhou para ela e, sem lhe dar tempo de
afastar-se, disse:
— Ora, minha querida, ele teria de saber algum dia.
— Mas ninguém aqui...
Cameron pediu que Tony os deixasse e fosse para a casa de Kate, pois
precisavam conversar.
— Kate estará com você num minuto. Acho que ela está um pouco abalada
porque minha avó se antecipou em dar a notícia, impedindo-a de falar com você. Mas
sabe como são as mulheres...
Depois que Tony saiu da sala, Kate foi a primeira a falar:
— Francamente, Dotty, é imperdoável! Como pôde fazer isso?
— Bem, eu fiquei aqui com o rapaz por mais de meia hora, enquanto Cameron
foi buscar você. Aliás, por que demoraram tanto? Ora, não importa. Como eu ia
dizendo, fiquei aqui com ele e percebi logo que é um conquistador. Conheço muito
bem esse tipo, pode crer. E eu, nem queria ficar a noite toda com ele aqui, nem queria
que você se iludisse com a lábia dele. A melhor solução que encontrei para afastá-lo
da minha casa e da sua vida foi dizer o que disse. Tinha certeza de que Cameron
sustentaria a história e nos livraria de Tony.
— Pois fez mal, Dotty. Eu preferiria mil vezes tentar alguma coisa com Tony
ou com qualquer outro homem, mesmo que seja um conquistador, a ficar noiva do
seu neto.
Kate reconheceu que estava sendo bastante grosseira, mas as palavras
escaparam-lhe da garganta e acabaram ofendendo duas pessoas que, na verdade, só
queriam protegê-la. Quando percebeu isso, ela se sentiu tremendamente vulnerável e
tentou consertar sua atitude, mas Cameron não a deixou mais abrir a boca.
— Não sabia que a tinha pedido em casamento, srta. Brown — disse ele,
virando as costas friamente e caminhando para a porta.
— Oh, querida, não pensei que fosse criar tanto problema! — murmurou
Dotty, com um sincero lamento na voz.
Kate ergueu os olhos para cima, como a pedir ajuda do céu. Aqueles dois iam
acabar com ela. Era melhor ir embora logo. Resmungou um boa-noite e deixou a sala,
pelos fundos, só para não passar pela porta do aposento onde Cameron estava.
Desceu os degraus da escadinha de dois em dois, mas quando passou pela
frente da casa, Cameron, que não tinha se movido da porta, chamou-a. Ela parou e
deu alguns passos em sua direção.
— Quero pedir-lhe que desculpe Dotty. Ela agiu errado, claro, mas seria
impossível não interferir, vendo-a em apuros. Ela estava seriamente preocupada com
você, e quis protegê-la de algum modo. Quanto a mim, não terei o menor problema
em fingir que sou seu noivo, se isso pode livrá-la de Tony. Fique à vontade para me
chamar se precisar de ajuda.
O tom de sua voz era amistoso e decidido. Mas ela desconfiava que aquela
máscara de boas maneiras e solicitude escondia alguma zombaria. Ou será que ele só
queria fazer um bonito papel diante da avó, que com certeza estava ouvindo a
conversa?
— Obrigada, mas já tenho vinte e seis anos e vivi o bastante para saber lidar
com um tipo como Tony ou com qualquer outro homem que saia da linha comigo. E
o dia em que precisar de sua ajuda, eu aviso, não se preocupe. Mas pode esperar
sentado, porque vai demorar muito.
— Tem a memória curta, mas não faz mal. Faça como quiser. Agindo assim,
acho que vai levar muito tempo para resolver os seus problemas, se é que algum dia
vai conseguir — disse ele, num tom assustadoramente frio. Depois, virou as costas e
entrou na sala.
"Que homem arrogante e egoísta!", pensou Kate, enquanto tomava o caminho
de casa. "Com certeza gostou de me fazer de boba lá na praia. Deve ter pensado que
eu era uma mulher fácil, depois que lhe permiti aquele beijo no cais, ou talvez pense
que devo agradecer aos céus por ter-me concedido alguns minutos de atenção. Pois
bem, vou lhe mostrar que não sou desse tipo nem estou precisando desesperadamente
do carinho de qualquer homem que apareça na minha frente. Posso muito bem passar
o verão inteiro sem seus préstimos."
Tony esperava-a na varanda e saudou-a com um sorriso extremamente
simpático. Ela se sentou a seu lado e começou a falar sobre as condições de sua
permanência naquela casa.
— Você pode ficar até o fim da semana. Vai pintar junto comigo e pagar
criteriosamente todas as suas despesas. E nem pense em fazer nenhuma gracinha,
senão vai se dar mal — advertiu, num tom firme e seguro, que não dava margem a
dúvidas quanto à sua reação no caso de ser contrariada.
O rapaz aceitou com tanta docilidade que ela até se surpreendeu por tê-lo
considerado uma ameaça. Na verdade, Tony era apenas terrivelmente jovem e
mimado. Todo o seu dinheiro impedia-o de reconhecer seu verdadeiro valor como
pessoa. Seu jogo de sedução apenas respondia a uma necessidade interior de
demonstrar a si mesmo que podia conseguir sozinho tudo aquilo a que julgava ter
direito. Sabendo que não teria chance de atingir seu alvo, certamente desistiria de
lutar e se comportaria de modo bastante razoável.

Na manhã seguinte, Kate saiu para ir ao correio. A caminhada ajudou-a a


relaxar a tensão dá noite anterior, que acabara impedindo-a de dormir.
Ao chegar à ponte, encontrou Dotty. A velha senhora sorriu e tentou dizer
alguma coisa que desfizesse a má impressão da véspera.
— Bom dia! Espero que tenha me desculpado pelo que aconteceu ontem. Acho
que falei demais.
— Não pense mais nisso. Sei que você só queria o melhor para mim. Mas deve
ter notado que seu neto e eu não estamos exatamente noivos. Aliás, ele é autoritário
demais para o meu gosto. Nisso não é muito diferente de Tony.
— Pode ser, querida. Pode ser que você tenha razão.
Dotty colocou no chão a cesta que trazia e ficou olhando para ela, sem dizer
nada, como se estivesse constrangida.
— Não se preocupe — insistiu Kate. — Nenhuma de nós deve perder tempo
pensando nisso. Assim como Cameron não deve perder o seu tentando levar as coisas
comigo à sua maneira.
— Oh, ele está muito diferente esses dias todos. Tem passado muitas tardes
pescando, embora não traga grandes peixes, porque a temporada está acabando. Na
verdade, ele não tem se dedicado ao trabalho como antes, não sei por quê. — Dotty
parou um instante, como se procurasse em sua mente uma razão possível para a
mudança no comportamento do neto. — Talvez seja por causa daquela garota com
quem ele andou saindo, a Stella, sua aluna. É uma pena ela ter ido embora, logo agora
que estavam ficando tão amigos!
— Realmente — murmurou Kate, entre os dentes.
— De qualquer maneira ele já saiu hoje, antes do amanhecer. Não sei para
onde foi, também não faço idéia da hora em que vai voltar. Tem sido assim todos os
dias. Só espero que não traga aquela secretária. Eu odiaria ter de ouvir de novo
aqueles rocks que ela vive escutando a todo volume.
— Eu também — disse Kate, franzindo a testa. — Ela deve ser meio surda
para escutar música tão alto assim.
— Na verdade, Baby trabalha para o representante de Cameron em Nova York,
mas vem para cá sempre que pode — prosseguiu a velha senhora. — Ele também,
quando viaja, fica com ela todo o tempo livre. Disse que, apesar da cabeça oca que
ela tem, prefere seu jeito franco e aberto. Realmente, isso é melhor que a hipocrisia e
a pose de muitas outras mulheres, como Bárbara, por exemplo, que era esposa de
Ivor, o irmão dele. Ainda bem que ela não é mais uma Greyville, porque eu não a
suportava. Odiava ter de dividir meu nome com ela.
Não era difícil compreender os sentimentos de Dotty pelas mulheres que
rodeavam Cameron. Rico e atraente, ele atraía muitas oportunistas que só queriam
um casamento rendoso. De certa maneira, Dotty ainda tinha esperança de que ele se
casasse com uma mulher de quem ela também gostasse.
Olhando em torno, casualmente, Kate viu que o carro de Cameron estava na
garagem. Dotty notou sua surpresa e apressou-se em esclarecer:
— Ele pediu para alguém levá-lo ao aeroporto. Tem um pequeno avião aqui,
para viagens curtas.
Kate despediu-se e continuou seu caminho para o correio. Estava ansiosa para
mandar uma carta para sua mãe, pedindo-lhe que agisse com um pouco de firmeza
em relação a Francês. Não podia deixá-la abandonar o emprego e partir para Londres
antes de ter tudo devidamente preparado. Era um absurdo fazer aquela viagem assim
de repente, sem o dinheiro necessário.

O resto da semana passou rapidamente e sem qualquer problema. Como Kate


havia previsto, Tony comportou-se muito bem. Ela aguardava com alegria a chegada
dos novos alunos e estava muito satisfeita com a evolução de sua pintura.
"Melhorei bastante desde que me tornei minha própria professora", pensou,
com orgulho. Às vezes se surpreendia com seus conhecimentos ao explicar aspectos
técnicos para os alunos. Aqueles cursos eram uma boa oportunidade para refletir
sobre uma porção de coisas que havia aprendido.
Em seu último dia na ilha, Tony conversava com Kate e de repente mencionou
o nome de Stella.
— Eu poderia ter ficado com Stella — disse —, se ela não tivesse posto os
olhos na Greyville Electronics.
— Não lhe passa pela cabeça que as mulheres podem considerar Cameron um
homem atraente? — perguntou Kate, num tom de provocação.
— Não sei se é só isso — reagiu Tony. — Existem muitos homens mais
atraentes do que ele, mas como têm menos dinheiro, não conseguem tanto sucesso,
pelo menos com certo tipo de mulher.'
Kate ficou pensando que não se importava muito com as relações entre
Cameron e todas aquelas mulheres interesseiras. Afinal Stella e Baby eram muito
bonitas e poucos homens resistiriam a elas.
Isso confirmava sua teoria a respeito dos homens: eram todos iguais e não valia
a pena correr atrás deles. Era mais proveitoso dedicar-se à pintura, cuidar da sua
carreira, que mal estava começando, mas que, se tudo corresse bem, seria coroada de
êxito. Estava até pensando em organizar uma exposição de seus próprios quadros
assim que terminasse de dar os cursos. Seria a melhor forma de avaliar a aceitação de
seu trabalho.
O novo grupo de alunos chegou no domingo e Cameron voltou no dia seguinte,
quando ela estava ocupada em ensinar o pessoal a reproduzir em suas telas um ângulo
da paisagem visto das proximidades da ponte. Depois que Dotty lhe garantira que o
neto não se importaria que ela levasse seus alunos a qualquer ponto da ilha, Kate
resolveu explorar melhor os belos cenários das redondezas.
Ao vê-lo descer do carro, ela ficou observando-o atrás dos óculos escuros.
Achou-o com um ar cansado e estranhou vê-lo de terno e gravata; ficavam-lhe bem,
de qualquer modo. Não teve, porém, muito tempo para analisar sua elegância, pois,
tão logo despachou o motorista, Cameron tratou de tirar o paletó, arregaçar as mangas
e afrouxar a gravata.
Quando percebeu que ele caminhava em sua direção, Kate concluiu o que dizia
aos alunos e foi ocupar-se de sua própria tela. Mas estava tão perturbada que quase
estragou o trabalho. Ficou com raiva de si mesma e por um momento odiou aquele
homem parado à sua frente, com cabelos brilhando contra a luz.
— O sol está muito quente, não é? — perguntou ele, aproximando-se. —
Talvez seja melhor procurar uns lugares mais sombreados, senão alguém pode ter
uma insolação.
Ela sorriu imperceptivelmente depois de toda aquela sua conversa áspera sobre
seus limites naquela ilha, Cameron insinuava que podia usar todo o espaço. Dotty
estava mesmo com a razão sobre isso. E ele também tinha razão em sugerir-lhe que
levasse os alunos para um lugar mais fresco.
— Bem, vamos terminar esta vista e talvez mais tarde a gente procure outro
lugar.
— Você é quem sabe — respondeu ele, caminhando a passos largos para a
casa.
Kate olhou-o afastar-se, e por um momento pensou que gostaria de pintar o seu
retrato, mostrando todo aquele magnetismo que a atraía tanto. Mas logo afastou esse
pensamento e voltou a concentrar-se em sua tela.

Já no segundo dia, o grupo trabalhava a todo vapor e as capacidades


individuais começavam a revelar-se: havia as surpresas, os casos sem remédio, os
amadores brilhantes, que com um pouco de orientação poderiam ser grandes pintores.
Kate começou a dedicar mais tempo aos que precisavam mais dela.
De volta à casa, lamentou a falta de uma empregada, ouviu ofertas de ajuda e
resignou-se, como sempre, a fazer a maior parte do trabalho. Sabia que os alunos de
certa forma esperavam que o preço do curso incluísse comida e roupa lavada. O
entusiasmo em ajudá-la durava muito pouco.
Numa tórrida manhã, quando o termômetro parecia que ia estourar, Kate levou
os alunos para perto da outra casa, sob umas árvores frondosas. Todos armaram seus
cavaletes e começaram a transpor para a tela as cores da paisagem, ali ficando a
manhã toda. Quando estavam voltando para o almoço, Cameron abriu a porta de sua
casa e chamou-a.
— Ligaram para você há uma hora, Kate.
— E por que não me disse antes? — perguntou ela. — Eu não estava longe.
Talvez fosse o calor que a deixava tão tensa e a fazia falar tão rudemente.
Cameron olhou-a, indignado.
— Tomei nota do recado — informou, com frieza. — Mas não pude vir antes,
porque estava ocupado. Além disso, não parecia coisa urgente.
— Por que não me deixa decidir se as minhas chamadas telefônicas são
urgentes ou não? — continuou ela, no mesmo tom nervoso e áspero.
— Estamos sem sintonia, não é verdade? — retrucou ele, ao mesmo tempo
irônico e zangado.
Kate sentiu-se mal com sua própria atitude e quase começou a chorar de raiva
de si mesma. Mas conseguiu controlar-se.
— Não quer saber qual é o recado?
— Ah, sim, diga-me.
Cameron a levou para a sala, enquanto ela ainda se remoia de arrependimento
por sua tola hostilidade.
— Era uma mulher chamada Lola. É sua mãe, não é? Disse que Francês largou
o emprego e que as duas vêm passar o verão com você. Avisou que pode esperá-las
hoje à noite.
— Hoje à noite? Tem certeza? Elas não deviam ter feito isso.
— Más notícias? Não quer que venham? É pena, mas acho que é tarde demais.
Sua mãe me pareceu uma pessoa adorável.
Ele terminou o drinque que estava tomando e só então perguntou se ela
também queria alguma coisa.
— Fique à vontade — disse Cameron.
— Obrigada — respondeu ela, preocupada com o novo problema que teria pela
frente. — Preciso preparar o almoço para o meu grupo.
— Deixe que eles se arranjem, pelo menos para comer. Não pode ficar
pajeando essa turma vinte e quatro horas por dia e ainda ser uma professora eficiente.
Venha e almoce conosco. Dotty fez uma salada de camarão deliciosa e eu vou abrir
uma cerveja. '
Kate estava tão desanimada, com a notícia da chegada da mãe e da irmã, que se
sentia sem forças para afastar-se. Assim, quando ele terminou de falar e indicou o
lavabo, oferecendo-lhe uma toalha, ela obedeceu de um modo que não lhe era
habitual.
Enquanto lavava o rosto e as mãos, pensava no que iria fazer com as duas
novas hóspedes. Onde poderia alojá-las? Francês, como sempre, fazia tudo que
queria, sem pensar em ninguém. Sua mãe, que deveria ser um pouco mais sensata e
orientá-la, a seguia como uma criança. Nenhuma das duas tinha um pingo de bom
senso.
Eilleen, a empregada de Cameron, que várias vezes ela vira na mercearia em
Hatteras, veio indicar-lhe a varanda, onde Dotty e Cameron esperavam. Tão logo
chegou à porta, Kate sentiu uma brisa maravilhosa, que parecia vir de lugar nenhum,
e achou-se subitamente com forças para resolver seus problemas.
A mesa estava posta para três. Ela agradeceu a gentileza dos Greyville.
— Sinto-me culpada — disse, quando Cameron lhe puxou uma cadeira. —
Eles lá, tentando comer enlatados frios, e eu aqui, com esse almoço maravilhoso.
Mesmo assim, saboreou com prazer o camarão e as fatias de melão. De
repente, enquanto ouvia a conversa de Dotty, sempre agitada, pensou em ligar para a
mãe.
— Com licença, eu gostaria de usar o telefone e conversar com a minha mãe.
Não tenho condições de alojá-las imediatamente e preciso tentar convencê-las a
desistir da viagem.
— Mas você tem condições — disse Dotty.
— Como assim?
— O que minha avó quer dizer — esclareceu Cameron, segurando-lhe o braço
para que não se levantasse —, é que teríamos o máximo prazer em hospedar sua mãe
e sua irmã. Elas podem ficar aqui em casa. Temos muitos quartos e, além disso, elas
farão companhia a Dotty, quando eu estiver ausente.
— Ah, mas seria um incômodo muito grande — protestou Kate, sentindo, na
verdade, um grande alívio.
Não entendia porque eles se incomodavam com sua família, mas não tinha
como recusar a proposta dos Greyville. Não poderia alojar a mãe e a irmã e sabia que
naquela temporada de verão os hotéis estavam todos cheios.
— Pelo menos eu gostaria de pagar por esse trabalho — propôs. — Afinal, eu
teria de mandá-las mesmo para um hotel...
Cameron cortou sua argumentação.
— O que é que há com você? Por que está tão formal? Acho que já passamos
dessa fase, não é?
— Devo-lhe dinheiro — disse ela.
Aludia ao episódio do cheque que encontrara junto às compras da mercearia e
pensara tratar-se do pagamento do curso de Tony. Este, porém, devolvera-lhe o
cheque, porque não era seu; como explicou depois, só pretendia pagar quando viesse
para o novo curso. Só então ela observou o nome do emissor: era Cameron Greyville.
— Ah, deixe disso — pediu ele, entendendo a que Kate se referia.
— Não posso — respondeu ela com firmeza.
— Está bem. Mas só me devolva esse dinheiro depois que pagar o aluguel.
Percebendo que a questão não seria resolvida tão facilmente, Dotty resolveu
entrar na conversa, mudando o assunto.
— Venha ver, querida. Acho que sua mãe gostaria do quarto da frente, que
recebe o sol da manhã. E sua irmã poderia ficar no quarto de Baby.
A velha senhora pegou-a pela mão, e levou-a para o andar superior, sem se
incomodar com a reação de Cameron ao seu comentário irônico sobre a secretária.
— Talvez Baby não venha esta semana, mas, se vier, não tem a menor
importância, porque no quarto há beliches. Sempre há um jeito de resolver os
problemas, se bem que o problema, aqui, não é sua mãe nem sua irmã. Recebemos
visitas bem menos agradáveis toda semana, concorda?
Kate não respondeu. Dotty estampou um sorriso no rosto.

CAPÍTULO VII

Para não pensar mais em seus problemas, Kate tentou ocupar-se durante todo o
resto do dia, concentrando-se intensamente no trabalho. Se parasse um pouco para
refletir, seria capaz de desatar a chorar.
Sua família chegou exatamente como ela imaginara. Francês gastara todo o
dinheiro que ganhara no trabalho e mais as economias da mãe: comprando um carro
novo. É verdade que o velho automóvel da sra. Brown não agüentaria a viagem, mas
trocá-lo por um conversível era uma extravagância para quem só podia pagar o
próprio sustento.
Sonhadora e pouco prática, a sra. Brown achara fascinante a perspectiva de
viajar com a filha, embora não dispusesse de dinheiro. Nenhuma das duas tinha juízo.
Agora lá estavam, instaladas na casa de Cameron como se fossem velhas amigas da
família.
Não foi uma surpresa para Kate ver sua mãe se dar tão bem com Dotty. Afinal,
as duas eram muito parecidas. Mas observar Francês a todo momento agarrar cada
palavra de Cameron como se fosse uma lição de sabedoria era demais. E ele,
mulherengo como era, estava adorando a situação.
Poucos homens poderiam resistir a Francês, com aquele seu jeitinho sensual e
infantil. Kate ficou muito zangada quando ela entrou de biquíni no meio da aula,
perturbando a concentração de todos os homens pelo resto do dia.

No sábado à noite, após o jantar, Kate anunciou que ia até a cidade comprar
leite.
Por insistência de Dotty, ela jantara na casa dos Greyville e sentira-se
completamente ignorada enquanto a anfitriã e sua mãe falavam sem parar de assuntos
comuns. Francês continuava a aplaudir tudo o que Cameron dizia e alimentava-lhe
ainda mais a vaidade fazendo perguntas bobas. De vez em quando ele se lembrava de
lançar um olhar provocante para Kate, como se dissesse: "Sua irmã não é mesmo uma
gracinha?"
— Você vai à cidade, querida? — perguntou Lola.
— Vou. Vejo você amanhã, está bem?
Cameron levantou-se de repente e deixou seu jornal de lado.
— Levo você — disse. — Também preciso comprar cigarros.
— Nesse caso poderíamos ir nós dois — declarou Francês mais do que
depressa. — Assim Kate pode descansar.
— É melhor você ficar fazendo companhia a Dotty — limitou-se ele a
responder, entredentes.
Antes que Kate pudesse dar alguma desculpa para não acompanhá-lo, ele já a
levava para fora e fazia-a entrar no carro. Ao manobrar para sair, acidentalmente
tocou em seu braço e ela se encolheu como se aquele toque fosse venenoso.
— Ora, vejam só! — exclamou ele, rindo, enquanto ela se apertava mais ainda
contra a porta.
Cameron conduziu o carro na direção da ponte. Ao chegar perto, porém, freou
de repente e abraçou Kate, que inutilmente tentou afastá-lo. Reunindo toda a sua
capacidade de resistência, ela conseguiu ficar completamente fria quando ele
procurou beijá-la.
Entretanto, quando Cameron se pôs a acariciá-la, deslizando os dedos de sua
boca para o pescoço, do pescoço para os seios, ela deixou cair as barreiras. Soltando
um leve gemido, entreabriu os lábios para receber aquele beijo que a incendiava.
Subitamente, porém, afastou-o, surpresa e irritada consigo mesma, e virou a
cabeça para outro lado, rejeitando seus próprios desejos.
— O que aconteceu? — murmurou Cameron, que ainda a segurava pelos
ombros.
Kate se desvencilhou de suas mãos e tentou abrir a porta, mas estava travada e,
em sua confusão, ela não conseguiu achar a maçaneta. Então voltou-se para ele,
começando a perder o controle.
— Abra a porta, por favor, quero ir embora.
— Pare com isso. Não fica bem para você esse comportamento de virgem
ultrajada — disse ele, acariciando-lhe os seios com uma das mãos, enquanto com a
outra tentava virar seu rosto para ele.
— Por que não veio com a minha irmã, já que era isso que queria? Ela está
caidinha por você e certamente gostaria de seus avanços.
— Isso não é maneira de uma irmã falar da outra. Pensei que você se
importasse com o bom nome de sua família. Será que me enganei?
A mão de Cameron em seus seios provocava-lhe sensações irresistíveis,
enquanto o hálito dele lhe queimava o rosto. Kate podia sentir seu sangue correndo
quente pelas veias.
— Não tenho as mesmas intenções que você e gostaria que me deixasse em
paz.
— E quais são as minhas intenções?
— Pare com isso.
Suas palavras foram cortadas pelas lágrimas que de repente lhe correram pelas
faces. Ele se afastou um pouco, permitindo que ela se sentasse, rígida, com os braços
cruzados, mas continuou a acariciar-lhe o rosto e os cabelos. Kate era completamente
impotente para fazê-lo parar, e, no entanto, seus nervos a avisaram de que estava em
grande perigo. A única forma de contornar a situação era fechar-se completamente ao
prazer.
— Por que não relaxa e deixa as coisas acontecerem? Você me quer, eu desejo
você, nós dois sabemos disso. Então por que fingir?
Ele a beijou levemente na boca.
"Porque amo você, seu idiota, e detestaria ser mais uma em suas mãos", pensou
ela. Mas acabou dizendo exatamente o contrário:
— Odeio você.
— Não, não me odeia, tenho certeza — disse ele, ajeitando-se ao volante. —
Mas você agora foi longe demais. Nunca vai ser uma mulher de verdade. Logo vai
ficar tão fechada em si mesma, que será incapaz de sorrir para um homem.
Deu partida no carro e saiu em disparada.
— Pensei que pudesse ajudá-la. Que idiota fui! Não existem mais príncipes
encantados que fazem despertar o amor da princesa. São uma espécie extinta. Se você
for dormir no seu castelo, o mato vai crescer em volta e ninguém vai saber que você
está lá.
Antes que ela pudesse responder alguma coisa, haviam chegado à cidade.
— Quer que eu vá buscar o leite para você? — perguntou ele, num tom
impessoal.
— Por favor. Um litro apenas.
Ele saiu, batendo a porta, e ela ficou sentada na escuridão, olhando para as
pessoas que passeavam em suas roupas de verão.
Cameron voltou, entrou no carro e, sem dizer, nada, entregou-lhe o leite. Em
seguida, acionou o motor e partiu a toda velocidade.
Depois de deixá-la em casa, minutos mais tarde, arrancou de novo, com tanta
raiva que os pneus guincharam, jogando areia para todo lado. Ela tentou distrair-se
ocupando-se da lista de compras que fizera na véspera. O dia seguinte seria cheio de
trabalho.

Durante uma semana Kate praticamente não viu a família. Cameron deixava a
ilha logo à noitinha, diariamente. Algumas vezes sozinho, algumas vezes na
companhia de Francês. Kate via seu carro desaparecer na ponte e, suspirando
amargamente, procurava concentrar-se na aula.
Continuava levando os alunos à praia em frente à casa dos Greyville. Se
Cameron não quisesse que fossem ali, teria de dizer-lhe pessoalmente.
Haviam se falado uma só vez, depois daquela noite desastrosa. Ele fora
apanhar uma carta que Kate recebera por engano. Portou-se de maneira totalmente
impessoal, como se ela fosse apenas uma inquilina temporária que logo partiria sem
deixar rastro. O que, aliás, era a mais pura verdade.

Um dia antes de terminar o curso, Kate deixou o grupo almoçando e foi


passear sozinha pela praia. Estava desolada. Primeiro caminhou pelas pedras,
escutando o barulho do mar, observando os caranguejos que saíam de suas tocas para
procurar alimento. De repente, num impulso, começou a andar na água. Gostaria de
passar uma tarde inteira nadando naquele mar. Mas tinha medo de nadar sozinha,
precisava ter alguém junto para se sentir segura.
"Agora você precisa começar a fazer as coisas sozinha, minha querida", disse a
si mesma. "Porque essa é a única maneira de tornar-se independente."
Andava lentamente, evitando pisar em buracos, quando ouviu uma voz
conhecida.
— Se continuar andando desse jeito vai acabar dando a volta ao mundo pela
praia.
Cameron estava de pé na linha da água, o sol batendo-lhe generosamente nos
ombros. Ela se sentiu incapaz de olhá-lo no rosto. Havia algo tão poderoso naquele
corpo que a intimidava e, ao mesmo tempo, a fascinava. Por essa razão, reagia
sempre agressivamente diante dele: era sua forma de defesa.
— O que você quer? — perguntou secamente.
— Quero paz — respondeu ele, com um sorriso, levantando as mãos
espalmadas. — Vim convidá-la para almoçar. Quando a vi sair de casa, imaginei que
queria ficar um pouco sozinha consigo mesma. Deve estar pensando em uma porção
de coisas. Mas está levando tudo isso muito a sério. O seu curso também. Por que não
divide melhor o seu horário, para ao menos ter tempo de almoçar sossegada?
Ela parou e pensou por um momento nas palavras que acabara de ouvir. Mas
logo concluiu que não podia seguir a sugestão.
— Não posso abandonar os meus alunos. Pagaram por determinadas horas de
meu trabalho e têm direito à minha dedicação.
— Mas não precisa se dedicar de maneira integral... Primeiro pense em si
mesma. O trabalho é um meio, não um fim.
— Tenho de preparar as aulas...
— E tem de cuidar dos alunos como se fossem criancinhas.
— Preciso pôr a casa em ordem. Não tenho empregada.
— Por isso, daqui a pouco vai correndo para lá, sem almoçar decentemente,
como eles, aliás, estão fazendo agora, graças a você. Não misture as coisas. Ninguém
pode trabalhar dessa maneira, sem comprometer a qualidade. Você sabe muito bem
disso.
— O que você entende de arte e de cursos de arte, para vir me dizer como devo
trabalhar? — perguntou ela, com arrogância, puxando a mão que ele tentava pegar.
— Não entendo nada de arte e muito menos de cursos de arte. Mas o que eu
disse serve para qualquer tipo de trabalho que requer energia criativa. Você está
utilizando mal essa energia. Está fazendo um ótimo trabalho, mas está cheia de
olheiras. Parece um fantasma. — A voz dele tomou um tom mais terno. — Kate, dê
um pouco mais de atenção a si mesma. Conceda-se um intervalo pelo menos na hora
mais quente do dia. Se deixar a aula da tarde para as quatro horas, por exemplo, terá
tempo de almoçar sossegada e descansar um pouco.
— Seria maravilhoso, mas, se eu fizesse isso, a que horas iria realizar as
sessões de crítica? De madrugada?
— Quem sabe se até não seria bom?
Ela encarou-o e deparou com um brilho tão carinhoso em seu olhar que não
pôde evitar um doce sorriso.
— Está bem. Você ganhou. Estou mesmo ficando um espantalho, de tanto
trabalhar. Vou pensar nisso. Eu já vinha mesmo achando que devia ter pelo menos
uma hora por dia para ir à praia, tomar sol, nadar.
— Se quiser, posso levá-la a uma praia, na semana que vem. E agora, que tal
almoçar com sua família e Dotty? Antes que recuse, saiba que estarei ocupado no
escritório e nem vou almoçar. Será um almoço de mulheres. Além disso, acho que
você tem se esquecido de sua mãe, ultimamente. Ela está percebendo isso.
Haviam chegado a um morro de areia e ela tentava apoiar-se num galho de
arbusto para subir, quando Cameron pegou sua mão. Ela se voltou para ele, olhando-
o com medo.
— Não me olhe assim. Sou seu amigo, ainda que você não acredite nisso.
— Você já me enganou muitas vezes — replicou ela, desconfiada, e tratou de
subir o morro sozinha.
Ele subiu atrás, sem precisar se apoiar em nenhum arbusto e num instante
estava novamente caminhando a seu lado.
— Sabe, tenho uma paciência de Jó, mas quando sou muito provocado posso
acabar perdendo-a.
— Eu também — respondeu ela, seca e decidida.
Ao chegarem na casa, Cameron encaminhou-a para a varanda, onde as três
mulheres se encontravam. Mas despediu-se dela logo após subir a escada.
— Vou continuar meu trabalho, se me permite. Nem sempre é possível arranjar
tempo, nesta casa — disse ele.
Ela lançou-lhe um olhar furioso, mas Cameron, em resposta, tomou-a pela
mão.
— Calma, calma! Não me referi a você, longe disso! Existem problemas nesta
casa que você não imagina.
Seu olhar era indecifrável e ela o deixou ir. Estava nervosa demais para discutir
e, além disso, não tinha forças para resistir ao encanto daquele homem.
— Onde está Cameron? — perguntou Francês ao vê-la chegar.
— Foi trabalhar. Alô, mamãe! De vestido novo?
Sentou-se, com um sorriso, e Eilleen serviu-lhe a salada e um copo de chá frio
com limão.
— Gostou? Como nunca usei nada desta cor, estava meio receosa de que não
me ficasse bem. O que você acha? Diga sinceramente.
"Eu desisto", pensou Kate, começando a comer. "Quanto mais eu falar, pior."
— Acho que você está maluca, quando diz que comprar o carro foi um mau
negócio — disse Francês de repente.
— Francês, não é bem isso, querida... — começou Kate.
— É para dizer France — gritou a irmã. — Já devia saber disso, mas cuida
tanto de seus alunos que se esquece de nós. Você não dá a mínima atenção a mim
nem a mamãe. De qualquer maneira, quando eu começar a estudar em Londres, na
Academia de Artes, eu vou ser France Capella. O que você acha? Vou usar o nome
de solteira de mamãe.
— Está bem, use Capella. Mas como pode pensar em começar alguma coisa se
assim que consigo lhe dar algum dinheiro você gasta tudo? Se quer realmente ir para
Londres, deve juntar dinheiro, e não jogar pela janela.
— Mas você...
— Olhe, acho que não devemos discutir isso na presença de Dotty que, afinal,
não tem nada a ver com nossos problemas. Falamos depois, está bem? — disse Kate,
voltando-se em seguida para a sra. Brown. — Essa cor fica ótima para você, mamãe.
Ignorando seu esforço para discutir ali os assuntos de família, Lola Brown
começou a contar que o apartamento onde morava estava alugado pelo resto da
temporada.
— Uns amigos nossos que queriam ficar na cidade por um tempo ficaram no
apartamento, pagando o aluguel. Foi a melhor coisa que fizemos, porque assim
poderemos economizar esse dinheiro. Além disso, quero escrever uns artigos sobre
astrologia. Também vão ajudar em nosso orçamento.
— Mamãe, as revistas que publicam esses artigos já têm colaboradores há
muito tempo. Além disso, o que você entende de astrologia?
— Posso aprender, não posso?
— Kate, experimente a torta. Precisa engordar um pouco — disse Dotty,
passando-lhe uma enorme fatia.
— Não, obrigada. Está muito calor para comer doce. Mamãe, quanto tempo
você pretende ficar aqui? — perguntou, com firmeza.
— Que pergunta indelicada! — cortou Francês. — Mal acabamos de chegar e
você quer saber quando vamos embora? Além do mais, Cameron disse que vai me
levar uma noite dessas para pescar.
"Imagino mesmo que ele vai levá-la", pensou Kate. "Mas com certeza não será
para pescar."
O ambiente estava desagradável demais e, além disso, o trabalho a esperava.
Kate colocou o guardanapo sobre a mesa.
— Desculpem-me, preciso realmente ir. Os alunos estão ansiosos por aprender.
— Conheço uma mulher que ganha muito mais com aulas particulares. Por que
você não faz o mesmo? — perguntou Francês.
— Porque já me comprometi com esses grupos.
— Ora, você poderia continuar com eles e mais os alunos particulares.
— E a que hora vou dar aulas? Da meia-noite às seis?
Estava perdendo a paciência. Depois de tanto tempo, a irmã e a mãe não
tinham mudado nada. Francês tinha a beleza, Lola tinha a personalidade adorável, e
ela o jeito para os negócios. Não podiam ter as mesmas qualidades.
Ao alcançar a porta, voltou-se para agradecer a Dotty pelo delicioso almoço.
Então ouviu uma cadeira ranger na saleta que dava para a varanda e percebeu que
Cameron tinha ouvido toda a conversa.
Que atrevido! Escondera-se ali só para ouvi-la. Como se não bastasse tudo que
ele já havia feito, agora ainda sabia como ela vivia com sua mãe e sua irmã, e devia
estar pensando uma porção de coisas completamente erradas. Só ela sabia do trabalho
que as duas lhe davam. E ninguém tinha o direito de se intrometer em seus
problemas.

CAPÍTULO VIII

No sábado de manhã, Cameron pediu a Dotty que convidasse Kate para pescar
com ele e Francês, à noite. As aulas haviam terminado, e ela estava de folga,
esperando o início do próximo curso.
— Você vai adorar — disse a velha senhora. — Eu o acompanhei numa dessas
expedições noturnas, e achei fantástico ver o plâncton brilhando nas ondas, pisar na
areia molhada, contemplar as gaivotas dormindo. Ah, parece um paraíso perdido!
Não havia razão para recusar o convite. O verão estava já pela metade e havia
muitas coisas que ela ainda não tinha feito. Na verdade, acabara justamente fazendo o
que não queria, ou seja, apaixonara-se por aquele homem que brincava com ela.
"Vou procurar outro lugar para os próximos cursos, talvez uma outra ilha, mas
não Coranoke", decidiu Kate com seus botões. "E vou antes de cair em nova
armadilha amorosa."
Ao cair da noite, ela colocou um short, apanhou uma jaqueta e, quando
Cameron chegou, sentou-se no carro a seu lado. Francês estava furiosa, no banco de
trás.
— O que mamãe e Dotty vão ficar fazendo sozinhas? — perguntou Kate, mais
para quebrar o silêncio do que por curiosidade.
— Com certeza vão bater um bom papo — respondeu ele, enquanto Francês
continuava silenciosa.
No final da estrada, Cameron parou e os três desceram. Cada qual apanhou
uma parte dos apetrechos de pesca e foram subindo lentamente. Francês estava muda,
e Kate preferiu não intervir; não estava disposta a deixá-la estragar o passeio.
Ao chegarem no topo das dunas, ela sentiu no rosto a brisa fria do mar,
trazendo consigo o perfume de muitas praias distantes. A lua cheia brincava com a
escuridão sobre as nuvens. A paisagem era misteriosa e plena de encanto.
— Ê absolutamente mágico! — disse Kate, voltando-se para Cameron. Ele
colocara as varas na areia e agora estava enrolando os carretéis.
— Colocar uma vara na areia e ficar esperando é bom porque, apesar de não se
fazer nada, a gente não se sente inútil — explicou ele, com um sorriso.
— Eu poderia pensar em muitas outras coisas para fazer na praia à noite, mas
as circunstâncias não permitem — disse Francês, com um tom insinuante.
Kate sabia muito bem a que circunstâncias a irmã se referia, mas preferiu não
lhe dar a resposta que tinha na ponta da língua. O que dissesse acabaria provocando
uma discussão desagradável, e essa não era, de modo algum, sua intenção.
— Já pescou alguma vez? — perguntou Cameron quando ela puxou a linha
com um camarão.
— Só em lago, e mesmo assim muito tempo atrás.
Ele se voltou para Francês, para ajudá-la a lançar o anzol, porque a moça
dissera que não enxergava direito à noite.
Alguns mosquitos começaram a atacar Kate, e ela abandonou a vara por um
instante para se cobrir de repelente. Quando conseguiu afastar os insetos, voltou à
pescaria.
Ao puxar a linha pela segunda vez, não veio nada, mas ela não desanimou.
Enrolando bem o carretel, atirou o anzol novamente. Na verdade, o que mais lhe
interessava não era ter sucesso na pesca e sim estar ali, naquela praia linda, banhada
pelo luar. Estava encantada com o reflexo da lua no mar, com as lanternas dos barcos
de pesca perto da praia, e, principalmente, com a presença magnífica de Cameron.
Nem a atitude infantil de Francês, continuamente solicitando a atenção dele,
conseguia dissipar a mágica daquele instante. Kate já estava acostumada a ver os
homens preferirem os encantos de sua adorável irmã.
Por mais cuidados que Cameron lhe dispensasse, Francês, porém, continuava
reclamando de tudo.
Finalmente, resolveu desistir da pescaria.
— Vou voltar para o carro — declarou, fazendo beicinho como uma criança
amuada. — Não agüento mais esses mosquitos. Vocês podem ficar afogando iscas
quanto tempo quiserem.
— Não senti mosquito nenhum. E você, Kate?!
— Eu também não. Acho que não sou muito sensível a mosquitos —
respondeu ela, rezando para que os insetos não voltassem.
Cameron entregou a chave do carro para Francês.
— Fique ouvindo o rádio ou alguma fita enquanto nos espera. Acho que não
vamos demorar muito. Os peixes não estão mordendo a isca esta noite. Pelo menos
dentro da água.
Depois, voltou a sentar-se ao lado de Kate e concentrou-se na pescaria, como
se fosse a coisa mais importante de sua vida.
Um momento mais tarde, uma música pairava no ar, vinda do carro. Era uma
canção antiga, que falava de nunca mais amar de novo. Kate começou a cantar
baixinho.
— Aborrecida? — perguntou ele.
— Não, acho que nunca me aborreci na minha vida, e muito menos esta noite.
Está linda, não é?
— Eu sabia que você ia gostar. Ainda bem que Dotty não depende de mim para
comer peixe. A única coisa que vou conseguir pescar hoje são alguns camarões
distraídos ou um caranguejo mais teimoso que agarre na linha.
— Ouvi dizer que... — começou ela, mas logo se interrompeu, ao sentir que a
linha ficava pesada de repente e começava a se mexer. — Olhe, acho que fisguei um
peixão!
— Calma, não se afobe. Vá enrolando o carretel bem devagar para o peixe não
fugir.
— Mas ele está me puxando! Pegue a vara você, que tem mais força — gritou,
tentando deixar o lugar para ele.
— Não, senhora. Você o fisgou e você vai puxá-lo — disse ele, aproximando-
se mais. — Basta não perder a calma e fazer o que eu lhe disser. Incline-se para trás.
Assim! Agora puxe a vara. Dê-lhe um pouco mais de linha. Isso mesmo... Não, não
puxe, senão você o perde.
Ela media forças com o peixe, que devia ser enorme. Mas era uma batalha
perdida. Estava indo cada vez mais para a água, enquanto Cameron a incentivava.
— Você tem bastante linha, deixe-o debater-se até se cansar. Não puxe
enquanto ele estiver tentando fugir, senão vai quebrar a linha.
— Não tenho mais forças — disse ela, quase desistindo de lutar contra aquele
peixe enorme.
De repente, a lua escondeu-se atrás de uma grande nuvem e mergulhou-os na
escuridão. Nesse exato momento, Cameron lhe dizia para se inclinar de novo para
trás e começar a puxar a linha.
Ela se inclinou, mas uma onda avançou para a praia e derrubou-a. A próxima
coisa que percebeu era que estava sendo tragada por toneladas de água. O horror de
ser arrastada por aquela força indomável durou apenas alguns momentos, mas estes
se ampliaram em sua consciência como se fossem uma eternidade.
Enquanto sua vida corria perigo, seu pensamento concentrou-se em Cameron.
A lembrança daquela presença forte, que magnetizava de modo tão intenso,
estimulou-a a lutar até o último alento contra a fúria do mar. Mas a luta era desigual;
sua energia chegava ao fim, ela estava a ponto de sucumbir.
Então percebeu vagamente que era levada para a praia. Os braços que a
seguravam tinham mais força que o oceano indomável. Ela não perdera a
consciência, mas estava incapacitada de falar. Sentiu que Cameron a deitava na areia,
longe da água, e lhe fazia respiração artificial.
Assim que ela melhorou, ele a pegou no colo e levou-a para o carro,
acomodando-a no banco de trás. Francês, assustada, olhava a cena sem saber o que
fazer.
— Leve-me para casa — murmurou Kate, num fio de voz rouca e trêmula.
Sem dar resposta, ele acionou o motor e disparou a toda velocidade, mas, ao
invés de fazer o que ela pedira, estacionou diante de sua própria casa.
Tomou-a então novamente nos braços, subiu as escadas e levou-a para o
quarto, onde a colocou cuidadosamente numa enorme cama de casal.
Francês seguiu-os, olhando tudo com o mesmo ar apalermado. Dotty e a sra.
Brown não estavam; provavelmente haviam ido até a cidade.
— Vou sujar os lençóis. Estou toda molhada e cheia de areia — protestou
Kate, ainda com a voz muito fraca. — Por favor, leve-me para casa. Não preciso de
cuidados...
— Fique quietinha. Deixe-me decidir o que é melhor para você. France, por
favor, vá até a casa de sua irmã buscar alguma roupa para ela.
— Mas eu nem sei qual é o quarto dela — replicou a moça, toda atarantada.
Percebendo que não poderia absolutamente contar com ela, Cameron deixou-a
com Kate e pediu que pelo menos tomasse conta dela até ele voltar.
— Você está ferida? — perguntou Francês ansiosamente, assim que ficou
sozinha com a irmã.
— Claro que não! Apenas fui arrastada na areia e engoli alguns litros de água
salgada. — Sua voz já soava mais firme agora. — Vou descansar um pouco aqui e
depois vou para casa. Olhe, não conte nada para mamãe, entendeu? Ela ficaria em
pânico e não há motivo. Está tudo bem. Cameron conseguiu me pegar antes que o
peixe me puxasse para o fundo do mar.
— Ele disse que o peixe quebrou a linha e que amanhã talvez a vara de pesca
apareça na praia, trazida pelas ondas.
— Não serei eu a esperar por ela. — Kate tossiu um pouco e sentou-se na
cama. Ao ver sua imagem refletida no espelho à sua frente, suspirou, desanimada. —
Meu Deus, estou horrível!
— Está, sim — concordou Francês, tocando-lhe o cabelo cheio de areia. —
Veja se consegue dar um jeito nisso. Quer que a ajude a tomar um banho?
— Não, não se incomode. Já estou em condições de me arrumar sozinha.
— Bem, já que é assim, então vou eu tomar um bom banho. Preciso
urgentemente colocar alguma coisa nessas picadas de mosquito. Eles quase me
comeram.
— Só não coloque perfume, porque atrai mais mosquitos ainda.
— Pode ser que eu me acostume. Disseram-me que depois de algum tempo a
gente se esquece deles — comentou Francês, olhando-se no espelho vaidosamente.
— Quanto tempo você vai ficar por aqui? — perguntou Kate de repente.
Estava ansiosa para que a irmã saísse do quarto, da casa, da ilha; sua presença
incomodava-a demais.
— Será que não pode parar de falar nisso? — começou a irmã, fuzilando-a
com os olhos. — Você não foi idiota de pensar que tinha alguma chance com
Cameron, foi? O único homem que olhou para você duas vezes foi aquele bobão do
Hal Brookwood. Então, por que se incomoda tanto com o fato de eu ficar aqui? O
dono da casa quer que eu fique. Se você acha isso tão ruim, por que não procura outro
lugar? Sou hóspede de Cameron e você é só inquilina dele. Portanto, se alguém tem
de sair é você, não eu.
Kate deu um grito e ficou de pé num segundo. Sua cabeça rodava, suas pernas
tremiam, mas ela estava disposta a dizer tudo o que pensava.
— Olhe, este é um quarto de homem, é o quarto de Cameron. Se ele me
colocou aqui é porque não há outro lugar na casa. Então, não é justo que você e
mamãe fiquem aqui o verão inteiro. Não percebem que eles têm amigos que
gostariam de convidar para um fim de semana? Será que não entendeu que só estão
aqui por minha causa, e eu nem sou íntima dos Greyville? Como podem se instalar
aqui como estivessem em sua própria casa? Ora, pensem um pouco! Compreendam
que eles só estão sendo gentis. Não fiquem até que as mandem embora, seria
horrível!
Teve de parar, porque o esforço fora demasiado e ela estava completamente
zonza. A garganta doía, seca por causa do sal. Mesmo assim, ela respirou fundo e
conseguiu refazer-se um pouco para continuar.
— Não me diga que vão ficar porque ele ainda não pediu para vocês irem
embora. Cameron não vai fazer isso e tenho certeza de que é por minha causa. Então
pode imaginar como estou me sentindo com toda essa situação embaraçosa.
Francês deu de ombros, não se importando nem um pouco com os sentimentos
da irmã.
— É muito tarde para chorar sobre o leite derramado. Cameron e eu nos
encontramos e, o que é mais importante, gostamos um do outro. Para falar a verdade,
nós nos gostamos muito. Temos um bom entendimento mútuo, damo-nos muito bem.
Enfim, ele vai fazer o que eu quiser. Então, pare de me amolar com seus sermões e eu
até peço para ele baixar o seu aluguel.
Fortalecida pela raiva que a invadia, Kate avançou para a irmã antes que ela
pudesse se afastar, pegou-a pelos ombros e começou a sacudi-la.
— Ouça com muita atenção, France. Se você se atrever a fazer alguma coisa
errada e ficar em apuros, vai ter de responder a mim, e não à mamãe. Você já causou
muitos problemas para ela e agora estou avisando: trate de se comportar ou vai se
haver comigo. E eu não sou nada fácil, você sabe muito bem.
— Cale a boca, sua solteirona chata!
Justamente quando Francês dizia isso, aos berros, a porta se abriu e Cameron
entrou, trazendo a roupa de Kate. Francês correu para ele e aninhou-se em seus
braços, chorando copiosamente.
— Oh, faça minha irmã parar com isso. Ela foi horrível comigo, não posso
agüentar.
— O que está acontecendo? — perguntou ele, tentando afastar Francês, que, no
entanto, se pendurava em seu pescoço e sussurrava em seu ouvido, quase beijando-o:
— Ela disse que não quer mais a nossa presença aqui. Disse que eu tenho de ir
embora e levar mamãe comigo. Só porque ela está com ciúmes.
Francês enxugou as lágrimas com um gesto estudado e afastou-se um pouco
para observar que efeito estaria causando sobre ele. Kate sentiu-se completamente
desamparada.
— Ela sempre teve inveja de mim, desde que eu era menina — continuou
Francês, com sua voz infantil. — Tinha inveja de mim porque eu era querida por
todos, e ela não. Agora quer se livrar de mim, mas não quero ir embora. Por favor,
diga que você não quer que eu vá embora, diga que não quer que eu volte para aquele
maldito escritório, onde não existe nem ar refrigerado.
Apesar de seu desânimo, Kate caiu de novo na cama e desatou a rir. Francês
estava fazendo um melodrama tão grande e tão ruim, que não dava para agüentar. Sua
cabeça rodava, a garganta doía de seca, mas ela ria, sem controle.
De repente a gargalhada começou a alterar-se e acabou transformando-se num
choro convulsivo, que tampouco ela conseguia controlar. Cameron aproximou-se e
apertou-a junto ao peito, como se ela fosse uma criança.
Francês, enciumada, saiu do quarto, batendo a porta atrás de si.
— Tudo bem, Kate, o pior já passou. É tudo bobagem de sua irmã, não chore
assim, não fique triste.
Depois de alguns momentos, as lágrimas e os soluços pararam, mas ela
continuou suspirando, meio envergonhada da cena.
— Oh, céus, quando começo assim, é difícil parar — explicou, enxugando os
olhos.
— Bem, agora que já chorou bastante, vou dar-lhe um bom remédio.
— Que remédio?
Ela soluçava um pouco ainda, quando ele segurou mais forte e, sem lhe dar
tempo de dizer alguma coisa, encostou seus lábios nos dela, num longo beijo. Era o
remédio poderoso do amor, do amor que só ele podia dar-lhe.
Dessa vez, Kate não recusou seu beijo. Esquecendo as palavras de Francês, as
atenções que ele dera à irmã, o que se passara na praia, tudo enfim, entregou-se de
corpo inteiro àquele carinho de que tanto precisava.
A única coisa de que tinha consciência, era que aqueles lábios a devoravam e
aqueles braços a mantinham prisioneira. Quando sentiu a mão nos botões de sua
roupa, ajudou-o a despi-la.
— Provavelmente, vai precisar de um caminhão para carregar toda a areia que
grudou em você — comentou ele, rindo, sacudindo-lhe o cabelo molhado. Depois
segurou seus seios nas mãos e tirou alguns grãos de areia.
Só então ela se deu conta de que estava apenas de calcinha.
— Você não devia estar aqui me vendo desta maneira — sussurrou.
Sentia arrepios, os ossos doíam-lhe, a garganta continuava seca, mas uma febre
deliciosa subia-lhe do estômago e espalhava-se por todas as extremidades de seu
corpo, deixando-a ainda mais fraca e indefesa.
— Você é muito envergonhada — disse ele, tocando-lhe as coxas e inclinando-
se novamente sobre ela, para beijar-lhe o rosto, o pescoço, os pontos mais sensíveis,
enfim, que mandavam mensagens ardentes para o resto do corpo.
Entre um beijo e outro, provocava-a, dizendo-lhe coisas suaves e sensuais
sobre seu corpo, seus cabelos, seus olhos. Cameron estava tenso, uma sombra
estranha rodeava-lhe os olhos. O coração batia-lhe tão forte que Kate podia senti-lo.
Ele passou a língua em seu pescoço.
— Está salgada e cheia de areia. Mas está deliciosa.
Os lábios dele desceram até seus seios, beijando-os, conquistando-os com
doçura, brincando com os bicos.
— Ah, Cameron, por favor — murmurou ela.
E não conseguiu dizer mais nada. Ondas de prazer tomavam conta de todo o
seu ser, dominando-a com mais força do que as ondas do mar, horas atrás. Certa de
que não podia mais controlar-se, ela começou a abandonar-se à fúria daquela
imperiosa paixão.
— Oh, querida, preciso ter você — murmurou Cameron, aproximando os
lábios dos dela.
De repente, porém, ele se afastou, murmurando algo que Kate, embriagada de
paixão, não compreendeu. Só sentiu que aquele corpo se despregara de sua carne
ardente.
Então ouviu a voz de Dotty, que acabava de entrar em casa; soltou um suspiro
de frustração. Ele tocou seu rosto com a mão trêmula e disse docemente:
— Sinto muito, querida. Não tenho nenhuma intenção de precipitar as coisas.
Ela se forçou a concordar.
— Está bem. Pelo menos meus soluços estão curados. Agora deixe-me pegar
minha roupa e sair.
Com todos os sentidos em alerta, Kate ouviu a irmã e a mãe chamarem-na e
previu que dali a minutos o quarto seria invadido.
— Por favor — pediu, quando ele a tomou de novo pela mão para ajudá-la a
levantar-se.
— Venha, um banho lhe fará bem. Você está cheia de areia. E deixe-me trocar
os lençóis: estão molhados.
— Você já me ajudou bastante, não se preocupe mais comigo — disse ela,
erguendo-se com dificuldade. — Onde você pôs meu short? Pare de me olhar dessa
maneira. Não é a primeira vez que um homem me beija, pode acreditar.
— Não comece de novo. Discutiremos isso depois.
— Não vamos discutir nada, nem agora nem depois. Pode continuar trazendo
para a sua cama todas as garotas que caírem em seus braços, ms comigo é diferente.
Se há uma coisa que eu odeio são homens imorais, libidinosos e arrogantes. Recuso-
me a deitar com eles.
O volume de sua voz elevava-se descontroladamente, enquanto seus olhos
febris permaneciam fixos em Cameron. Então ele ergueu a mão e deu-lhe um tapa no
rosto. Ela silenciou, com uma interrogação estampada na face.
Cameron ficou com a mão parada no ar, como se seus músculos se recusassem
a obedecê-lo. Por fim, foi descendo a mão vagarosamente, abraçou-a e murmurou-lhe
nos cabelos molhados palavras de arrependimento. Depois ajudou-a a vestir a blusa e
abraçou-a de novo.
Quando a sra. Brown chamou nervosamente à porta, ele a mandou entrar e
contou:
— Ela quase foi arrastada por um peixe, mas agora está tudo bem. Não se
preocupe.
A sra. Brown ficou olhando, sem dizer nada, para a sua filha, ostensivamente
abraçada a um homem, e usando apenas a blusa e a calcinha molhada. Percebendo
seu olhar espantado, Kate afastou-se de Cameron e puxou o lençol da cama para
cobrir-se.
— Está tudo bem, mamãe. Foi só o susto.
Sentou-se novamente e tomou de um só gole o conhaque que Cameron lhe
trouxe. O líquido queimou-lhe a garganta seca. As lágrimas começaram a rolar de
novo por seu rosto esbraseado. Enxugando as faces com a mão, apanhou a camisola
que ele fora buscar em sua casa. Estava decidida a passar a noite ali, pois descobrira
que não tinha condições de andar um metro, nem estrutura psicológica para ficar
sozinha em casa.
— Por favor, podem sair? Estou muito bem e posso tomar conta de mim
sozinha.
A sra. Brown obedeceu-a depressa, incapaz de argumentar com a força da
filha. Cameron ficou mais um pouco.
— Venha, vou colocá-la na banheira. Enquanto você toma um merecido banho,
vou trocar os lençóis. Deixe a porta aberta e chame se precisar.
Quando Kate saiu do banheiro, vestida em sua camisola, Cameron terminava
de arrumar a cama. Ele a ajudou a deitar-se, cobriu-a bem com o lençol e despediu-se
com um beijo na testa. Parecia que tudo estava bem, mas Kate sentia-se confusa
como nunca estivera em toda a sua vida.

CAPÍTULO IX

Apesar de tudo, Kate dormiu o sono dos justos na enorme cama de Cameron.
Ao despertar, na manhã seguinte, ainda sentia dor de cabeça, e a garganta continuava
sensível, mas estava infinitamente melhor do que na véspera.
Seu primeiro gesto foi levantar-se e olhar-se no espelho, de corpo inteiro.
Constatou então que os únicos sinais visíveis do que tinha acontecido na praia eram
os joelhos e os cotovelos esfolados pela areia.
Os sinais que tinha dentro de si eram muito mais profundos e precisariam de
muito mais tempo para desaparecer, se é que algum dia desapareceriam.
Parada diante do espelho, Kate refletia sobre a cena da véspera. Não só havia
permitido que Cameron quase a possuísse, mas ainda ficara terrivelmente frustrada
porque a chegada das duas senhoras interrompera suas carícias. Se tivessem
aparecido alguns minutos mais tarde, agora ela saberia o que era fazer amor com
aquele homem que tinha se tornado para ela a mais importante das criaturas.
Não sabia se Cameron simplesmente a desejava ou se a amava de verdade. Só
sabia que queria que ele a olhasse sempre com aquele ardor selvagem que fazia seu
sangue ferver nas veias.
Um barulho de passos na escada a fez estremecer, trazendo-a de volta à
realidade. "Idiota!", disse a si mesma. "Ele salvou você das ondas, mas foram Dotty e
sua mãe que a salvaram dele. Que vergonha! Você na cama com um homem que, sem
mais nem menos, estaria ali com sua própria irmã, ou com qualquer outra mulher... "
Dotty bateu na porta e entrou, sem esperar resposta. Trazia-lhe um vestido e a
informação de que nenhum aluno do novo curso havia chegado ainda.
Kate vestiu-se e saiu. Pálida, com dores nas costas, desceu as escadas tão
devagar que achou que nunca alcançaria o rés-do-chão. Entretanto, tinha a maior
pressa de chegar em casa e arrumar tudo antes que o pessoal chegasse.
Quando passou pela sala, Cameron saiu de seu escritório e aproximou-se, com
uma expressão de carinhosa solicitude no rosto.
— Está melhor?
A doçura de sua voz, a afetuosidade de seu olhar trouxeram-lhe à memória,
mais uma vez, a cena da noite passada.
"Que pena que tudo foi tão bruscamente interrompido!", pensou consigo
mesma. Mas logo sacudiu a cabeça, como se assim conseguisse afastar para sempre
uma lembrança tão perigosa. Não adiantava ficar remoendo uma coisa que fora
cortada e que nunca teria continuidade. "Nada do que aconteceu representou algo
para ele", decidiu com seus botões.
— Estou melhor, sim, obrigada. O novo curso começa hoje, vou ter muito
trabalho — respondeu, parando em frente ao espelho para ajeitar um pouco o cabelo
de modo diferente. — O que você acha? Fica bem assim?
— Não sou eu que vou decidir. E pare de fingir que está preocupada com seu
penteado. Quero falar com você. Que tal adiar esse curso por algumas semanas?
— Adiar o curso?
— Isso mesmo. Você não está em condições de trabalhar, mas insiste em
gastar as poucas energias que tem. Pode conversar com eles e explicar-lhe o que
aconteceu. Pode devolver o dinheiro e marcar outra data. Tudo ficará bem.
— Ah, muito obrigada. Nunca vi alguém que se preocupasse tanto comigo.
Deixe-me dizer-lhe uma coisa, sr. Greyville. Você pode ser o dono da casa, mas isso
é tudo. Cuide de seus negócios, e não dê palpites nos meus. Não tem o direito de
dizer como devo conduzi-los. — Ela abriu a porta com tanta força que bateu na
parede. — E muito obrigada também pelo uso da cama!

Os alunos chegaram na hora marcada. Tinham idade e talento diferentes, mas


Kate era muito boa professora e sem dúvida saberia transformar esse grupo numa
classe mais homogênea. Já fizera isso muitas vezes e não havia razão para pensar que
não conseguiria agora.
Mas, seguindo uma sugestão de Cameron, decidira mudar o horário das aulas,
para poder descansar durante as horas mais quentes do dia.
Ela evitava Cameron e, depois de alguns dias, percebeu que ele também a
evitava. Por um momento pensou que ele agia assim porque estava sem jeito: por
tudo que acontecera no quarto, aquela noite.; Mas logo lembrou que ficar sem jeito
não era normal nele.
Devia haver outra razão, que não conseguia descobrir. Talvez fosse a presença
constante de Francês, que vivia agarrada nele como se tivesse medo de vê-lo voar.
Várias vezes, descansando em sua varanda, vira-os passar à distância.
"Bem, se mamãe, que está hospedada na mesma casa, não se incomoda com a
atitude de Francês, não serei eu que vou me importar", decidiu. "Aliás, daqui para a
frente não quero mais me preocupar com aquelas duas. Se pretendem ficar
hospedadas lá até serem mandadas embora, é problema delas. E também não é da
minha conta se Francês não percebe que está fazendo papel de boba, andando atrás de
um homem que quase poderia ser seu pai. Já me angustiei demais por causa delas e
não recebi nada em troca."
Mas tudo o que dizia para si mesma não bastava para fazê-la realmente se
desligar da mãe e da irmã. Por mais que se esforçasse, continuava pensando nelas e
rezando para que nenhum mal lhes acontecesse. Nessas circunstâncias, o trabalho até
que era uma bênção pois a distraía de suas preocupações.

No último dia de aula, Kate levou os alunos para o gramado em frente ao


ancoradouro. Não tinha permissão de Cameron para usar os barcos, mas certamente
ele não se incomodaria se os tomassem para modelo de seus quadros.
Aquela aula exigia dela uma boa dose de concentração, porque a maioria dos
alunos estava tendo dificuldades para pintar as curvas dos barcos. Kate deu-lhes
algumas instruções e ficou observando-os desenvolver o resto sozinhos.
Quando percebeu que estavam tão absortos no trabalho que sua presença já se
tornara absolutamente desnecessária, resolveu procurar uma sombra ali por perto.
Fazia um calor intenso e, apesar de estar usando um grande chapéu de palha, ela
sentia o sol queimar-lhe os ombros.
Olhando em torno, viu a varanda dos Greyville. Lembrou-se então de que
Cameron saíra de carro logo de manhã e não o tinha visto voltar. Pensou que essa
seria uma boa oportunidade para visitar a mãe e a irmã. Poderia até convencê-las a
fazer um passeio com ela no dia seguinte. A própria Dotty se entusiasmaria em
acompanhá-las e as quatro passariam algumas horas muito agradáveis.
Antes de concluir seu pensamento, já estava a caminho da casa dos Greyville.
Ao entrar na varanda, foi logo descalçando os sapatos e sacudiu-os, para tirar a areia.
Depois deitou-se um pouco na rede, com o chapéu cobrindo o rosto. Dali podia ouvir
o assobio de Dotty, que estava no jardim, e o rádio de Francês. A música não era do
seu gosto, mas ela estava bem mais tranqüila do que debaixo daquele sol causticante.
Ao fim de alguns minutos, levantou-se e andou até a lateral da casa, inalando o
perfume das flores. Então viu um par de pernas dependuradas de uma rede que estava
no outro lado da varanda. Olhando melhor, percebeu que eram dois pares de pernas,
um masculino e um feminino. Ficou meio sem jeito, principalmente porque sentiu o
olhar de Cameron sobre ela.
— Está me procurando, Kate? — perguntou ele.
Uma outra cabeça apareceu na rede e ela identificou Baby Gonlon, que nem se
fingiu contente por vê-la. Ao contrário, deixou escapar o seu veneno.
— Você ainda está aqui?
— E você voltou outra vez? — retrucou Kate.
Cameron sorriu e empurrou Baby para o lado, como se ela fosse um brinquedo
com o qual estivesse cansado de brincar.
— Meninas, não briguem. Há lugar bastante para as duas. Não quer subir a
bordo, Kate? Esta rede é irresistível, não sei por quê.
— Estou à procura de mamãe — respondeu ela, com raiva, voltando-se para ir
embora.
— Kate.
Ao ouvir seu nome dito ao mesmo tempo com suavidade e com uma força à
qual não podia resistir, ela parou e, quase instintivamente virou-se. Mas tudo que
Cameron queria naquele instante era exibir-lhe um sorriso cativante, como se
estivesse confirmando seu poder sobre ela.

Naquela tarde Kate levou o grupo para debaixo das árvores em frente às casas.
O fato de avistar-se dali a casa de Cameron quase a fez mudar de idéia, mas era um
bom lugar para os alunos aplicarem tudo que tinham aprendido naqueles dias. Kate
também pintou uma paisagem, mostrando a linha de praia que ia até Hatteras,
pontilhada de barcos.
Todo mundo se concentrou no trabalho, de modo que a aula estava muito
tranqüila. Mas, sem ninguém esperar, essa calma foi sacudida por uma música que
chegava a todo volume. Os estudantes ficaram parados, em choque.
Logo, porém, o som diminuiu, como se alguém tivesse falado com o dono do
rádio. Foi bom, porque Kate estava disposta a ir até a casa, tomar o rádio e jogá-lo no
mar. Claro que era Baby quem estava ouvindo aquela música. Não havia muita
diferença entre os gostos musicais de Baby e Francês, mas pelo menos esta tinha mais
consideração pelos ouvidos dos outros quando girava o botão do volume.
Os alunos aproveitaram a interrupção para fazer alguns comentários sobre seu
trabalho. Kate constatou, com satisfação, que estavam indo muito bem, e talvez dali
saíssem alguns talentos novos, como acontecera com as turmas anteriores.
Novamente a paz do pequeno grupo foi perturbada pelo rádio estridente de
Baby. Kate enfureceu-se, foi até o carro e colocou uma fita de música orquestral, a
todo volume. Alguns alunos taparam os ouvidos, mas todos concordaram que,
certamente, seria uma boa arma contra aquela música ensurdecedora que vinha do
rádio da secretária.
— Epa, lá vem encrenca! — disse uma estudante.
Baby Gonlon. surgiu na estradinha, vindo em sua direção; parecia uma abelha
pronta para atacar.
Ao chegar diante do grupo, colocou as mãos na cintura, olhou furiosa para
Kate e ia começar a dizer uma série de desaforos, quando o volume do toca-fitas foi
baixado.
Cameron fechou cuidadosamente as portas do carro, que estavam abertas para
o som sair mais livremente. Depois se aproximou da ruiva e pediu-lhe que se
acalmasse.
— Você está completamente errada, querida. Por isso, é melhor a gente ir para
casa.
Baby ainda tentou dizer alguma coisa, mas ele colocou a mão em seu ombro e
a fez voltar-se na direção de sua casa.
— Sinto muito, Kate, isso não acontecerá mais — disse, enquanto se afastava.
Ao vê-los desaparecer, ela sentiu um misto de dor e de alívio.
Mas logo superou suas emoções e retomou o fio da conversa com os alunos,
terminando a aula.

CAPÍTULO X

Kate havia combinado ir com a mãe e a irmã até a cidade, fazer compras.
Enquanto as esperava, aproveitou para limpar os vidros do carro, embaçados pela
maresia. Estava entretida em sua tarefa quando a porta da frente rangeu e Cameron
entrou, segurando as bolsas das mulheres. Baby também fazia parte do pequeno
grupo.
A sra. Brown cumprimentou-a com um aceno. Olhando de modo estranho para
Baby, Francês jogou os braços em volta do pescoço de Cameron e disse-lhe alguma
coisa no ouvido. Pelo menos foi assim que Kate viu a cena, enquanto terminava de
limpar o pára-brisa do carro.
Ficou tão magoada que parou com o lenço de papel na mão e fechou os olhos
por um momento. Aquilo doía muito, apesar de sua resolução de não se importar
mais com aquele homem.
Sabia que não ocupava nenhum lugar na vida de Cameron e que não devia
incomodar-se com as atenções que ele dava a Francês e a Baby. Não era esse tipo de
relacionamento que ela queria, e sim algo mais profundo. Entretanto, não deixava de
sentir uma certa inveja das duas moças e um ardente ciúme de Cameron.
— Vamos logo. Dotty disse que as lojas ficam logo cheias de gente — falou a
sra. Brown, sentando-se no banco de trás, onde espalhou a sua saia, certa de que
estava muito bonita. — Quero comprar uma sandália e um vestido.
Kate sentou-se ao volante e deu partida, mas teve de esperar ainda alguns
minutos até que sua irmã terminasse de despedir-se, ostensivamente, de Cameron.
Durante o trajeto até a cidade, apenas a sra. Brown falou de algumas coisas
corriqueiras e não fez muita questão de receber respostas. Francês parecia perdida
num mundo de sonhos e Kate, sabendo com quem ela sonhava, sorria de maneira
estranha.
Kate queria visitar uma galeria de arte, mas a mãe e a irmã estavam mais
interessadas nas lojas. Contudo, como não queria esperá-las no carro, Kate acabou
por acompanhá-las, disposta a fazer o máximo esforço para não se aborrecer.
Conseguiu manter-se em silêncio, mas irritou-se profundamente com os gastos
desnecessários que as duas fizeram.
No caminho de volta, a sra. Brown contou que se matriculara numa escola da
cidade para fazer um curso de extensão cultural. Kate ficou tão nervosa que quase
jogou o carro para fora da estrada.
— E por que você foi fazer isso? Um curso desses dura mais de seis meses, e
eu vou embora daqui a algumas semanas. Pensei que tivessem vindo para uma visita
rápida.
A última frase era uma indireta, já que a sra. Brown jamais havia mencionado a
duração de sua estada na casa dos Greyville, e essa era uma informação que Kate
queria muito ter.
— Além disso — prosseguiu, cada vez mais irritada —, France viaja para a
Inglaterra logo mais e como eu vou fazer para levar dois carros de volta para casa?
Não pensaram nisso?
A sra. Brown nem respondeu, porque odiava guiar e o percurso até sua casa era
longo. Francês, porém, interveio:
— Não precisa preocupar-se comigo. Cameron e eu já temos os nossos planos.
— Que planos? — perguntou Kate, sentindo um frio na espinha.
— Não se preocupe, já disse. Ainda não lhe contamos porque sabemos que vai
se magoar. Cameron me entende melhor do que ninguém e vai tomar conta de mim.
Então você ficará mais livre para o trabalho. Se quiser continuar com os cursos, é
bem possível que ele deixe você usar a casa — arrematou Francês, com um sorriso
irônico.
Kate agradeceu aos céus por estar usando óculos escuros, porque a irmã a
olhava com curiosidade e ela não estava em condições de esconder suas emoções. Se
conseguia manter a voz firme e até segura, os olhos a trairiam, revelando
escancaradamente seus sentimentos.
A presença de vários veículos, que aguardavam para entrar numa estrada
secundária, ajudou-a a ganhar tempo para controlar-se um pouco mais. Para
ultrapassá-los, ela teve de concentrar toda a sua atenção na direção, pois tratava-se de
transitar em um pequeno trecho na contramão.
Ao terminar a ultrapassagem, Kate respirou fundo, agarrou o volante com
ambas as mãos, como se ali estivesse todo o seu apoio na vida, e disse:
— Bem, France, acho que seria melhor você ir contando logo que planos são
esses, tão misteriosos.
— Sinto muito, querida — respondeu ela. — Prometi a Cameron que não diria
nada, por enquanto.
— Nem para sua irmã? — perguntou Kate, num tom de queixa que se
arrependeu de não ter evitado.
— Nem para minha irmã. Mas não se preocupe, você vai saber logo, logo.
Então não vai mais precisar cuidar de mim. Você já reclamou tanto disso, não é?
Devia estar contente por se livrar de mim.
Suas palavras feriram-na profundamente, mas Kate ainda tentou manter a
calma.
— Espero que saiba o que está fazendo. Não quero que se magoe e não acho
que você conheça Cameron o suficiente para saber que tipo de homem ele é. Já
tivemos vários exemplos de... — Interrompeu-se, e murmurou, desanimada: — Ah,
isso é chover no molhado...
— Quantas vezes tenho de repetir que não precisa mais se preocupar comigo?
Cameron é um doce de pessoa.
— É muito estranho você deixar o seu doce de pessoa passar o dia com Baby
Gonlon. Ela também é um doce de mulher.
— Ah, ele foi levá-la ao aeroporto. Não estou preocupada com aquela ruiva
boba. O pai dela trabalhava para os Greyville e depois teve complicações com a lei.
Cameron se sente meio responsável por ela, e não quer deixá-la sofrer por causa do
pai. Claro que não tem responsabilidade nenhuma, mas você sabe como ele é. De
qualquer modo, disse que Baby é uma boa secretária.
Quando desceram em frente à casa, Cameron veio recebê-las. A seu lado,
estava Hal Brookwood!
— Olá, Kate. Voltei, conforme prometi — disse Hal, com um sorriso.
Todo elegante, de roupa nova, ele havia evidentemente se preparado para vê-la.
Seu rosto claro e bem barbeado já estava vermelho de sol.
— Olá — respondeu ela, tentando ser gentil. — Não vi seu carro.
Ele apontou para um belo automóvel parado sob as árvores.
— Está lá. Achei melhor estacionar na sombra.
Enquanto Cameron e Francês levavam os pacotes para dentro, Hal convidou-a
para jantar.
— Podemos ir a um restaurante simpático. O que acha da idéia?
Kate estava cansada e não tinha a menor vontade de sair, mas não podia
recusar o convite; afinal, ele era seu hóspede e estava sendo extremamente delicado.

Logo mais, à noite, Kate desceu para sair com Hal, e deparou com Cameron e
Francês, que vinham convidá-los para um churrasco na casa de uns amigos. Kate não
encontrou nenhuma desculpa razoável para não ir. Além disso, era uma boa
oportunidade para não ficar sozinha com Hal, que a devorava com os olhos cheios de
esperanças.
Os amigos de Cameron eram um casal simpático de meia-idade, Sam e Inga,
que já haviam estado em uma das exposições de encerramento de curso.
Interessavam-se muito por arte e gostavam de decorar com belos quadros a
casa onde moravam.
Naquela noite, estavam recebendo vários outros convidados, que se
espalhavam pela sala e pelos jardins ou se amontoavam junto à churrasqueira, de
onde emanava um aroma delicioso.
Apesar da presença de Hal e Francês, Kate estava gostando da reunião. Francês
conheceu lá um rapaz que era amigo de uma estrela de cinema e ouvia encantada suas
histórias. Hal entretinha-se com um convidado que gostava de balões.
Cameron isolara-se a um canto do jardim, e calmamente tomava seus drinques,
não contribuindo em nada para animar a tagarelice geral. Ao vê-lo acomodado na
espreguiçadeira, Kate levou algum tempo para perceber que ele não a perdia de vista.
Não era simples coincidência o cruzamento de olhares entre eles; mesmo de costas,
ela sentia seus olhos cravados nela o tempo todo.
Quando entrou numa sala, percebeu que ele veio atrás, silenciosamente. Quase
se voltou para encará-lo e dizer-lhe que aquele era um comportamento de criança,
mas não teve condições de fazer isso. Na verdade, sentia-se bastante vulnerável
diante daquela presença tão forte. Fingindo-se distraída, contemplava o jardim por
uma das janelas, quando ele parou atrás.
— Pensei que fosse ficar nos braços de seu amado, esta noite — comentou ele
ironicamente.
— Não fico agarrando meu namorado em público — respondeu Kate, de mau
humor.
— Ah, não? Bem, talvez eu tenha me enganado, mas pensei que não perderia a
oportunidade de...
— Você sempre tira conclusões apressadas — ela interrompeu-o, secamente.
— Acha mesmo que faço isso?
— Não acho nada. Já tenho bastante preocupações. Não me sobra tempo para
ficar pensando no que você faz, Cameron.
Ele riu, expressando com os olhos o seu descrédito.
— Não se preocupe, a festa vai acabar logo. Você e Hal se livrarão de todos
nós e ficarão sozinhos em sua casa para fazer tudo que quiserem. Seu coração não
bate mais forte diante de tal perspectiva?
— Não zombe de mim. E nem de Hal. Ele pode não ser do tipo irresistível,
mas é um homem decente. Será um bom pai de família — retrucou Kate, desesperada
com a aproximação cada vez maior de Cameron, que começava a sufocá-la.
— Ainda não respondeu à minha pergunta. Seu coração não está batendo mais
forte com a perspectiva de logo se encontrar nos braços dele?
— Não é de sua conta! Já passei da idade em que um homem do seu tipo me
interessava — explodiu Kate, tentando afastar-se.
Mas ele a pegou pelo braço, levou-a para uma poltrona e inclinou-se sobre ela.
— Por favor, não fale assim. O que idade tem a ver com amor? Você é alguns
anos mais velha do que sua irmã, e em muitas coisas é mais inexperiente do que ela.
Sabia que sua mãe está apenas esperando pelo viúvo que mora no apartamento de
baixo para voltar para casa? E não ficaria surpreso se Dotty de repente também se
apaixonasse, aos oitenta e um anos. Ela ainda é muito capaz de fazer um homem
feliz, com todas as qualidades que tem.
— Ela me disse que tinha setenta e cinco anos — observou Kate, esquecendo-
se de repente de seus próprios problemas.
— Ela mente muito. E você também, minha amiga.
Estas palavras foram ditas com suavidade, a alguns centímetros de seu rosto. E
essa pequena distância desapareceu completamente quando ele se sentou a seu lado e
estreitou-a nos braços.
A boca de Cameron percorreu-lhe o rosto com sensualidade, enquanto as mãos
deslizavam-lhe pelas costas, puxando-a ainda mais perto de seu corpo musculoso.
Ela já não resistia àquele apelo. Os sons da festa, rapidamente desapareceram
para dar lugar à respiração entrecortada e às batidas de seus próprios corações.
— Ponha a mão sob a minha camisa — pediu Cameron, e, não esperando que
ela obedecesse, puxou-lhe a mão e colocou-a sobre seu peito. — Toque-me. Assim...
Cameron tinha a respiração cada vez mais acelerada. Sua boca foi traçando
outros caminhos, até a curva dos seios dela. As mãos de Kate tremiam
convulsivamente, sob o pano da camisa. Então um raio de lucidez a fez protestar.
— Vamos parar com essa loucura... Hal...
Seus pensamentos ancoravam-se nas duas coisas únicas em que ela podia se
fixar para fugir à tentação: Hal e Francês.
Sem ligar para sua perturbação, Cameron encarou-a com um olhar divertido.
— Hal não saberia o que fazer, se a tivesse nos braços. Você lhe queimaria
todos os circuitos. — Beijou-a rapidamente antes de prosseguir. — Quando me
conhecer melhor, meu amor, não vai se lembrar de mais ninguém.
A poltrona era pequena para os dois, mas, de repente, eles estavam se beijando
apaixonadamente, rindo como duas crianças e brincando um com o outro.
Kate deixou de pensar em Francês e Hal, mas não parou de se preocupar com
seu próprio comportamento. "Meu Deus", pensava, desconsolada, "estou
irremediavelmente perdida! Mesmo sabendo que ele está apenas brincando comigo
como se brinca com uma boneca, estou aqui. Mesmo sabendo que ele vai de mulher
para mulher como uma abelha no jardim, eu me abandono às suas carícias".
— Pare de pensar em coisas secretas e beije-me — pediu ele, sussurrando.
Com um toque, ele abriu-lhe a blusa e ela sentiu a brisa resfriar-lhe a pele nua,
mas logo seus seios ardiam sob as carícias dele.
— Oh, Kate, você faz loucuras comigo. Sabe disso, não é? E eu não sei como
agir com você.
Nesse momento, alguém chamou do hall e Cameron fechou-lhe delicadamente
a blusa, não sem antes beijar cada um de seus seios.
— Qualquer dia desses eu... — Suspirou.
A porta de vidro abriu-se e Francês entrou na varanda.
— Ah, estão aqui. Procuramos vocês por todo canto. O que estava
acontecendo?
Ela veio para junto de Cameron, enquanto Kate a olhava, meio envergonhada
com aquela situação.
— Hal perguntou por você, e, sabendo como é Cameron, resolvi encontrá-la
antes dele — disse Francês, com a voz carregada de malícia. — O churrasco está
pronto.
Cameron saiu na frente, e as duas mulheres o seguiram. Francês, como se fosse
a mais ajuizada, resolveu aproveitar a oportunidade para fazer um pequeno sermão à
irmã!
— Querida, já passou da idade de ficar se escondendo pelos cantos escuros. O
que acha que Hal vai sentir quando vir você com essa cara?
Kate rapidamente olhou no espelho e percebeu que a maquilagem estava
borrada.
— A toalete é logo ali —- continuou Francês. — E lá há cosméticos, mas não
sei se serão do seu gosto...
— Pare de me olhar assim — ordenou Kate, fazendo um supremo esforço para
se controlar. — Isto é uma festa, não é? Pois então. Tomei um ou dois copos de vinho
e perdi o controle, foi só. Mas não significou nada, se você quer saber.
— Tudo bem, estamos em família. Pelo menos logo estaremos, pode ter
certeza.
E saiu, soltando uma risadinha que a fez sentir-se ainda mais envergonhada.

A festa prolongou-se pela noite adentro e Kate, embora experimentasse vários


tipos de comida e respondesse a tudo que lhe diziam, tinha os pensamentos longe
dali.
Mais tarde, no carro de Cameron, nem prestou atenção à conversa de Francês,
que contava sobre o rapaz que havia conhecido na festa e era amigo de uma estrela do
cinema. Entretanto, escutava com atenção todo monossílabo com que Cameron
respondia à tagarelice da irmã. Os pensamentos dele também pareciam estar em outro
lugar.
Hal sussurrava em seu ouvido e, abraçando-a pelos ombros, tentava puxá-la
para junto de si. Ela recusava-se: não só fazia muito calor, como não tinha a menor
vontade de encostar-se a ele. Parece que Cameron percebeu seus esforços pois de
repente brecou o carro violentamente, lançando Kate para a outra extremidade do
banco.

CAPÍTULO XI

Nos três dias seguintes, Hal levou-a aos mesmos lugares a que Tony Palani a
tinha levado. Fazia: muito calor, os mosquitos não davam trégua e o ar estava úmido
demais. Entretanto a ilha era linda, com suas vastas praias selvagens.
Kate evitou esses lugares desertos. A última coisa que queria era estar sozinha
com Hal. Depois que aceitara friamente suas atenções naquela festa, ele passara a
alimentar grandes esperanças. Contudo, ela já lhe havia explicado muito bem quais
eram seus sentimentos com relação a ele.
Em casa, Hal não tentava cortejá-la, limitando-se a lançar-lhe olhares
apaixonados. No entanto, quando estavam em campo neutro, sempre ousava uma
abordagem, embora agisse invariavelmente como um perfeito cavalheiro.
Na véspera da partida dele, Cameron sugeriu-lhe que a levasse a uma praia
mais distante; contudo, não os acompanhou, alegando que precisava resolver uns
negócios.
Kate passara o dia na praia, vendo os pescadores, os barcos e o pôr-do-sol.
Quando Hal partiu, na manhã seguinte, ela mal pôde esconder seu alívio e desejou
que aquela tivesse sido a última vez que o via. Ele a olhara magoado, mas toda a sua
tristeza se dissipou quando recebeu um fraternal beijo de despedida.
— Eu temia isso — disse ele. — Já a conheço há muito tempo, mas nunca
consegui me aproximar. No instante em que a vi olhar daquele jeito para Cameron,
soube que não teria mais chance, embora sua irmã tente afastá-la dele. Não conquistei
você, mas pelo menos tentei.
Hal deu partida no carro e Kate ficou olhando-o afastar-se, sem sentir nada.
Quando ele se perdeu na distância, ela voltou para casa. Tinha muito que fazer, pois
um novo grupo de alunos estava para chegar e precisava encontrar tudo na mais
perfeita ordem.
Kate não conseguia concentrar-se em suas tarefas. Apenas suas mãos estavam
ocupadas em lavar roupa e arrumar a casa. Seus pensamentos voavam longe, para
lugares que ela bem gostaria de esquecer.
Mais tarde, quando saiu para o jardim, Dotty veio visitá-la.
— Olá. Conseguiu usar aquela máquina de lavar? Está muito velha, mas
Eilleen disse que ainda funciona.
— Tive de usá-la, senão ficaria soterrada pela roupa suja — respondeu Kate,
apontando para os varais repletos.
— Se precisar, pode usar os varais lá de casa.
— Obrigada. Mas não há necessidade. Já estendi tudo.
— Cameron preocupa-se muito com você, sempre correndo de lá para cá. Mas
não foi para lhe dizer isso que eu vim aqui. Decidi passar uns dias na casa de sua
mãe. O que acha da idéia?
Kate ficou horrorizada, não só porque a viagem no conversível de Francês
seria muito desconfortável para a velha senhora, mas também porque o apartamento
de sua mãe não podia oferecer o conforto a que ela estava habituada.
— Estou certa de que mamãe adoraria hospedá-la, mas seu apartamento é
muito pequeno. Há um só quarto, um sofá-cama na sala e pouca coisa mais.
— Ora, eu fazia melhor juízo de você. Acha que eu me incomodo com essas
coisas? Sua mãe não precisa ter uma mansão para me receber. É uma pessoa
maravilhosa e não me importo se mora num palácio ou num barraco.
— Sei que você gosta dela — respondeu Kate, meio desanimada de convencer
Dotty a desistir da idéia. — Mas não quero que você fique desconfortável lá em casa.
Além disso, são mais de quatrocentos quilômetros, um dia inteiro de viagem!
— Ah, isso não é nada. Cameron nos levará de avião — retrucou a velha,
despreocupadamente.
Kate teve de admitir que realmente não podia fazer nada para mudar a decisão
de Dotty. Então se lembrou do carro.
— E lá vocês vão alugar um carro? Se vocês forem de avião o conversível
ficará e mamãe não terá como levá-la para passear.
— Não se preocupe com isso. Na verdade, acho bom que o conversível fique,
porque Lola geralmente tem dor de cabeça com aquele vento. Aliás, acho que ela
devia comprar um carro fechado, seria bem melhor — comentou Dotty. — Bem,
agora vou andando. Preciso arrumar as malas.
Kate nunca tinha ouvido falar das dores de cabeça da sra. Brown. Na verdade,
devia tratar-se de dor no joelho, pois o carro era pequeno demais para que ela pudesse
estirar as pernas.
De qualquer modo, sua mãe arranjara uma boa desculpa para ir de avião. Ela
sempre dava um jeito de obter o que queria. As três juntas iam soltar faíscas.
Pensando melhor, os quatro, porque Cameron talvez se juntasse a elas nessa aventura.
A verdade é que não precisariam dela. Poderia ficar tranqüila e fazer seus
planos para o futuro. Até que a estada da mãe e da irmã na ilha de Coranoke tinha
dado bons frutos.
"Tente se convencer disso, sua idiota", disse Kate a si mesma, enquanto
caminhava para casa.

Na manhã seguinte, ela decidiu explorar Ocracoke, a ilha vizinha a Hatteras.


Convidou Francês para ir junto, mas esta disse que tinha alguma coisa para fazer;
parece que pretendia arrumar o cabelo para uma festa. Na verdade, devia ter algum
programa com Cameron, o que sem dúvida era mais importante do que sair com a
irmã.
Diante disso, Kate saiu sozinha. A viagem até a ilha foi linda, principalmente
porque ela tivera a idéia de levar migalhas de pão para as gaivotas. A balsa jogava
espumas dos dois lados e o vento agitava levemente seus cabelos.
Muito tranqüila, perdida no encantamento da paisagem, do sol, do céu
intensamente azul, Kate não reparou se algum dos homens presentes lhe endereçava
um ou outro olhar de admiração. Mas sabia que estava muito bonita, o branco de sua
roupa realçando o bronzeado de sua pele.
Ocracoke era uma ilha pequena, com uma vila muito bonita e um porto cheio
de barcos. Kate rodou por ali, parou o carro e começou a caminhar a pé pelas ruas
estreitas. Foi um dia aprazível e, se ela não conheceu tudo, pelo menos percorreu o
máximo que pôde.
No caminho de volta para a balsa, o pneu furou. Kate não tinha macaco e,
mesmo que tivesse, seria difícil suspender o carro, porque a areia era muito fofa.
Procurando ver se alguém se condoía de sua situação, abriu os vidros do carro e ficou
olhando para fora, mas ninguém parou.
Começava a anoitecer e o tráfego diminuíra muito. Ela nem sabia dos horários
da balsa, pois não se dera o trabalho de perguntar. E ainda se lembrou de outro
detalhe terrível: o estepe também estava furado e ela se esquecera de mandar
consertar. Não havia nenhum perigo em ficar ali durante a noite, mas ela se sentia
terrivelmente mal, sozinha no meio da estrada, sem uma casa por perto.
Havia mais ou menos uns vinte minutos que estava ali quando começou a
aparecer no horizonte uma luz, que foi aumentando como uma estrela, à medida que
avançava no canal. Logo apareceram outras luzes e Kate percebeu que a balsa estava
chegando. Teve então a idéia de ir para Coranoke e deixar o carro; no dia seguinte
mandaria alguém buscá-lo, com um estepe em boas condições.
Apesar do calor, ela sentia frio e cruzou os braços no peito enquanto corria
pela estradinha ainda aquecida pelo sol. Já estava quase à beira do cais, quando a
balsa atracou e os passageiros começaram a desembarcar.
Vários carros desceram a rampa e tomaram velocidade, obrigando-a a colocar-
se de lado. De repente, um desses carros deu uma brecada brusca e voltou de marcha-
a-ré. Kate pensou que tipo de idiota seria esse, para se arriscar a levar uma batida dos
veículos que vinham atrás.
O carro parou ao lado dela e Cameron desceu para perguntar porque estava
pedindo carona assim tão longe. Depois de ouvir sua explicação, dirigiu-se até o carro
dela, avaliou o tamanho dos pneus e verificou que seu estepe não servia. E fez tudo
isso sem dizer uma palavra.
Kate tremia, mas não por causa da temperatura. Não entendia porque ele estava
tão zangado, pois afinal de contas não tinha culpa nenhuma do que havia acontecido.
Qualquer um pode ter um pneu furado e não conseguir trocá-lo.
Antes de entrar na balsa, passaram por um posto onde Cameron encarregou o
pessoal de colocar pneus novos no carro.
— Virei buscá-lo amanhã cedo — avisou.
Ela esperou que se afastassem e protestou:
— Não se preocupe, eu mesma venho apanhar o carro; você já me ajudou
bastante.
— Já disse que eu venho, e o assunto está encerrado — , declarou ele, subindo
a rampa da balsa.
— Você está sempre se metendo nas minhas coisas!
Ele estacionou o carro, desligou o motor e olhou-a com uma expressão de
seriedade.
— Tem alguma idéia do que se passou em minha cabeça quando anoiteceu e
você não chegou?
— Para falar a verdade, nem imagino — respondeu Kate, tentando controlar o
tremor na voz.
— Nunca mais sairá sem me informar aonde vai nem quando volta — disse
ele, num tom de voz muito zangado.
— Espere aí, mocinho. Onde vou e o que faço não é da sua conta. Fique
sabendo, que o fato de ter alguma coisa com a minha irmã e de minha mãe o tratar já
como genro não lhe dá o direito de dizer o que devo fazer. Muito tempo antes de
saber que você existe eu já cuidava não só de mim, mas ainda de minha mãe e de
Francês. Não preciso que ninguém me diga qual é o meu caminho. E se por acaso
precisasse, iria procurar alguém muito melhor do que você.
Cameron ouvia-a no mais completo silêncio, rompido apenas pelo barulho de
sua respiração.
— Terminou? — perguntou, numa voz perigosamente suave.
— Eu só queria fazê-lo entender que não preciso de você. Não preciso de
ninguém...
— Realmente, não precisava de ninguém para resolver o problema daquele
estepe, que você deixou murcho o verão inteiro. Nem para lembrá-la de levar sempre
uma lanterna no carro, para que não fique andando no escuro, com o risco de cair
num buraco e quebrar o pescoço.
— Eu poderia ter chamado alguém. Além disso, não estava tão escuro que...
— Fique quieta — cortou ele, inclinando-se sobre seu rosto.
Kate sabia o que ia acontecer e ficou rígida, reunindo todas as suas forças para
resistir. Na verdade, Cameron tinha a certeza de que a faria calar se a tocasse com um
dedo. E estava tocando-a com muito mais do que um dedo...
Quando a beijou, quase com raiva, ela percebeu que não poderia resistir como
planejara. Então se abandonou por inteiro, enlaçando-lhe o pescoço com os braços e
acariciando-lhe os cabelos. Ele suspirou e afastou os lábios por um instante.
— Desta vez, você não tem escapatória — prometeu. E recomeçou a beijá-la,
apaixonadamente.
O apito da balsa, que se preparava para atracar, despertou-a de seu enlevo.
— Não é justo agir assim comigo — disse ela suavemente, enquanto procurava
afastar-se. — Você fala comigo como se eu fosse uma idiota, me trata como se eu
fosse...
Sentindo que as lágrimas faziam sua voz tremer, calou-se e cruzou os braços
sobre os seios, cujos bicos despontavam rígidos, sob sua roupa leve de verão.
Desprezava-se por ceder-lhe dessa maneira, por deixar que ele tomasse conta dela tão
avassaladoramente. E por saber que não significava para ele mais do que qualquer
outra mulher.
Cameron não se importou com sua atitude de defesa e voltou a abraçá-la,
percorrendo com as mãos os caminhos de seu corpo e desvendando seus mais íntimos
segredos.
Mais uma vez, o delicioso ardor que a dominava lançou por terra seus
bloqueios, e ela se entregou àquela poderosa sedução. De repente, porém, os carros
começaram a descer da balsa.
— Não se tem privacidade — resmungou Cameron, largando-a para dar a
partida no motor.
Kate aproveitou a oportunidade para vestir de novo sua armadura. Pobre
armadura! Não confiava mais nela, porque era capaz de cair ao primeiro toque do
inimigo.
Saíram da balsa sem dizer uma palavra e tomaram o caminho de casa. Kate
olhou disfarçadamente para Cameron e percebeu que ele continuava calmo e frio. Há
poucos minutos atrás sussurrava em seu ouvido palavras apaixonadas, o coração
batendo de tal forma que parecia querer explodir a qualquer momento. Agora agia
como se nada tivesse acontecido.
"Não consigo entender esse homem", pensou ela, soltando um profundo
suspiro.
— Vai precisar de um carro, antes de pegar o seu amanhã? — perguntou ele de
repente.
— Não — respondeu com rudeza.
— Se precisar, pode usar o conversível.
— Ah, você agora é dono das coisas de Frances, do mesmo jeito que tomou
conta da vida dela? — explodiu, mas logo se sentiu envergonhada, principalmente
porque Cameron nem se dignou a responder à provocação.
"Afinal, ele tem todo o direito de me oferecer o carro de Francês", pensou.
"Vai casar com ela, o que é de um será do outro."
— Desculpe — murmurou, cabisbaixa.
— Ora, já estou acostumado com seus maus modos...
O silêncio instalou-se novamente entre eles, e mais uma vez foi Cameron quem
o rompeu, minutos depois.
— Vou levá-la para minha casa porque sua mãe andou preocupada com você
— informou.
— Duvido — retrucou ela, quase instintivamente.
— Duvide ou não, tanto sua mãe como sua irmã se preocupam um bocado com
você. E quando você fala assim delas, só posso achar que não liga a mínima para seus
sentimentos.
Kate ficou quieta, para não puxar uma nova briga. Não queria ir para a casa
dele. Primeiro, porque se sentia como um saco de pancadas, depois daquele dia cheio.
Segundo, porque não tinha a menor vontade de encarar Francês após ter sido feita de
boba por Cameron. Sem falar nos acessos de maternalismo da sra. Brown, que se
atrevia a tratá-la como criança quando ela era a mais responsável da família. E,
quanto a Cameron, preferia que tivesse raiva dela, como de fato tinha, a que
descobrisse a devastação que fizera em seu pobre coração.
— Escute — começou, com a maior suavidade de que era capaz. — Se você
não se incomodar, prefiro ir para minha casa. Tive um dia muito cansativo e preciso
levantar cedo amanhã. Vai ser o meu último dia livre.
— Como quiser. Se não se importa nem com a tranqüilidade de sua mãe...
Ele parou o carro em frente à sua casa e não fez um gesto para ajudá-la a
descer. Kate abriu a porta e subiu correndo os degraus que conduziam à varanda.
Estava ansiosa para cair na cama e dar plena vazão às lágrimas, que fizera tanto
esforço para conter.

CAPÍTULO XII

Se no dia anterior a sra. Brown ficara preocupada com Kate, não deu o menor
sinal disso quando parou com Dotty em frente à sua casa, a caminho da biblioteca.
— Vamos dar uma festa amanhã — disse Dotty. — Vista alguma coisa
especial. Trata-se de uma comemoração.
— Comemoração? De quê? — perguntou Kate, que estava na varanda, lendo
um livro.
As duas se entreolharam como crianças guardando um segredo e por fim a sra.
Brown explicou:
— Não podemos dizer ainda, mas logo você vai saber.
"Como se eu já não soubesse", pensou Kate.
— Bem, agora precisamos ir. Conversamos mais tarde.
Kate abandonou seu livro e foi até o quarto. Abriu o armário de roupas e
examinou-o, desanimada. Não havia ali nada que pudesse chamar de especial para
uma festa.
Vinte minutos depois, um rapaz do posto vinha trazer-lhe o carro, com os
pneus novos que Cameron tivera a gentileza de comprar. Ela imediatamente saltou
para o veículo e partiu para a cidade.
Quando voltou, algumas horas mais tarde, trazia um vestido de alças, um par
de sandálias brancas e uma delicada bolsinha. Estava contente com suas aquisições.
No resto do dia, não viu Cameron, Dotty ou a sra. Brown. Mas Francês
apareceu depois do jantar, reclamando que se aborrecia demais naquela ilha.
— Às vezes até me arrependo de ter vindo... — suspirou ela. — Hoje, então, o
dia foi horrível. Mamãe saiu com Dotty, você não estava e Cameron se trancou no
escritório, dizendo que tinha um monte de papéis para examinar e não queria ser
incomodado.
Apesar de tantos aborrecimentos. Francês não deixou de reparar no pacote que
estava sobre a mesa. O papel com o nome da maior loja de modas de Hatteras
aguçou-lhe a curiosidade.
— Foi comprar roupas? Posso ver? — E, sem esperar resposta, correu a abri-
lo.
Ficou encantada com o vestido.
— Oh, que lindo! Posso experimentar?
Sabendo que a irmã o experimentaria, com ou sem sua autorização, Kate
concordou, desanimada, e acompanhou-a até o quarto. Francês rapidamente se livrou
de suas roupas e colocou o vestido novo. Estava um pouco apertado no busto e
comprido demais, porém caía-lhe bem.
— Oh, deixe-me usá-lo! — pediu, suplicante como uma criança. — Afinal, é a
minha festa, e não tenho nem um vestido novo...
— O que é que vão comemorar, afinal? — perguntou Kate.
Estava ansiosa para que alguém lhe dissesse com todas as letras o que já
imaginava: era a festa de noivado de Cameron e Francês. Pronto, assim dariam o
golpe final em sua absurda paixão, e ela poderia começar a esquecer tudo.
— Não posso dizer, é surpresa.
— Está bem. Então não diga. Pode levar o vestido. E as sandálias, também.
Todos os seus instintos aconselhavam-na a não fazer isso. Pelo menos uma vez
na vida ela precisava ficar mais bela do que a irmã, mas estava triste demais para
querer se arrumar.

No dia seguinte, ao final da tarde, viu sua mãe sair várias vezes à varanda,
como se estivesse esperando alguém. Por fim, um carro parou e a sra. Brown correu a
encaminhar o visitante para dentro da casa.
Kate imaginou que a agitação ali devia ser febril. Resolveu então fechar o livro
que estava lendo e ir lá perguntar se precisavam de ajuda. Talvez até ficasse para o
jantar; afinal já a haviam convidado e ela recusara tantas vezes que agora não a
chamavam mais.
Quando entrou na sala, a sra. Brown veio ao seu encontro, muito nervosa.
— Dotty acaba de ter um ataque cardíaco. O médico veio vê-la — informou,
com a voz trêmula.
O choque deixou Kate atordoada, mas logo ela reagiu e procurou manter a
cabeça fria. Nem a mãe nem a irmã saberiam como agir em tal emergência.
— Sabe se é coisa séria? — perguntou, apavorada com a possibilidade de
perder uma grande amiga como Dotty. Jamais conhecera alguém com tanta vida,
tanta energia.
— Parece que é. O médico ainda está examinando-a, mas já mandou chamar
uma ambulância.
Kate encarregou-se de fazer a ligação e, alguns minutos depois, Dotty estava
dentro do veículo que a conduziria ao hospital. Cameron seguiu atrás, com seu carro.
Sem perder a calma, Kate deu um sedativo para a mãe, que não parava de
chorar, e foi cuidar de Francês, que andava pelo quarto, de um lado para o outro,
aflita e impaciente como uma pantera enjaulada.
Depois que a sra. Brown adormeceu no sofá e Francês se acalmou um pouco,
Kate sentou-se junto ao telefone e começou a ligar para todos os convidados,
explicando-lhes que a festa fora cancelada. Por fim, tratou de servir um jantar para si
e para a irmã, usando algumas das iguarias que estavam preparadas para a festa.
Estava tomando um merecido café quando Cameron telefonou do hospital para
dizer que Dotty estava fora de perigo, mas que haviam decidido levá-la para
Elizabeth, uma cidade próxima, que dispunha de maiores recursos. Dentro de alguns
minutos, ele viria para casa apanhar algumas coisas para a avó e voltaria para o
hospital.
Francês estava tão desapontada, que, mal acabou de comer, foi refugiar-se no
quarto. Kate perguntou se poderia dormir com ela e, não obtendo resposta, desistiu.
Talvez a irmã preferisse outra companhia para dormir...
Sem ter onde se acomodar para passar a noite, Kate ficou numa poltrona, na
sala. Por mais que se esforçasse, não conseguia deixar de achar que Francês estava
sofrendo mais pelo cancelamento da festa do que pela doença de Dotty.
Suspirou fundo, inconformada com o egoísmo da irmã. Como alguém poderia
não se preocupar com o que pudesse acontecer àquela mulher incrível? Nenhuma
festa seria mais importante que o restabelecimento de Dotty.

Era muito tarde quando Cameron voltou, parecendo muito cansado. Kate
correu a seu encontro, ansiosa por notícias.
— Como está ela? — perguntou.
— Ela é incrível. A última coisa que disse, antes de dormir, foi que
comêssemos os salgadinhos da festa, senão estragam.
Kate não pôde conter o riso.
— Realmente, ela é demais. Diga-lhe que já cuidamos disso. E o resto está
tudo bem. Mamãe está dormindo, depois que lhe dei um sedativo. E Francês foi para
o quarto; disse que ia ler um pouco, mas acho que está mesmo é desapontada com o
cancelamento da festa e preocupada com a saúde de Dotty.
Cameron desapertou a gravata e abriu a camisa. Kate teve vontade de acariciar
aquele peito, sentir o calor daquele corpo e dar-lhe todo o conforto que pudesse, mas
afastou tal pensamento e contentou-se em oferecer-lhe comida e café.
— Já avisei todos os convidados, providenciei o jantar e guardei um prato para
você. E agora vou fazer um café.
— Ótimo. Vou tomar um banho, colocar algumas roupas na mala e ver
Francês. Desço logo.

Kate tomou uma xícara de café com ele, satisfeita por vê-lo comer com prazer
todo o prato que lhe preparara. Pelo menos podia fazer isso por ele.
— Mais café?
— Não, obrigado. Um dia desses você vai saber como foi importante ter me
esperado aqui esta noite. Agora tenho de ir; Francês vai comigo. Explicarei depois,
quando tiver mais tempo. Volto amanhã à noite, se tudo der certo.
Kate apenas concordou, escondendo a decepção que sentia por não ficar mais
um pouco com ele.
— Mamãe e eu devemos esperar aqui? — perguntou.
Ele lançou-lhe um olhar estranho e ordenou:
— Você espera aqui.
Ela baixou a cabeça, confusa. E quando Cameron saiu, jurou a si mesma que
faria tudo para ser apenas uma boa amiga e amá-lo como a um irmão. Mas sabia que
isso levaria ainda muito, muito tempo.

CAPÍTULO XIII

No dia seguinte, Kate estava no jardim, olhando as flores que Dotty plantava,
quando de repente se lembrou de que o novo grupo de alunos chegaria logo mais à
tarde. Parecia-lhe tão absurdo dar aula naquelas circunstâncias que soltou uma risada.
— O que foi? — perguntou a sra. Brown, que descansava na varanda.
— Nada, mamãe. Só me lembrei de que os alunos vão chegar hoje à tarde.
Tinha esquecido completamente.
— Acho que Cameron não vai querer que você continue com as aulas, pelo
menos agora. Não pode despachar esses alunos? Mande-os passear pela ilha, ver os
pássaros, enfim, fazer alguma coisa sozinhos. Pelo menos enquanto ganha tempo para
pensar numa forma de se livrar deles.
— Mamãe, seja prática pelo menos uma vez na vida. Mesmo que eu quisesse,
não poderia cancelar aulas que foram marcadas com meses de antecedência. Não
posso mandar embora gente que veio de longe para estudar comigo. É absurdo.
— Bem, eu avisei que Cameron não vai gostar — disse a sra. Brown.
— E daí? O fato de Cameron ter adotado vocês duas não quer dizer que ele
tenha o direito de se intrometer na minha vida. Se eu cancelar o curso, do que vou
viver? Como vou conseguir montar outros cursos? E agora chega. Vou para casa,
preparar uma refeição fria para os alunos que devem estar chegando. Aliás você pode
ficar lá, alguns quartos estão vagos.
— E vai deixar Cameron sozinho?
— Já fiz tudo o que podia. Além disso, ele está com France e acho que os dois
preferem ficar sozinhos.
— France? Por que será que... Não ligaram para cá?
— Não. Acho que foram... — Ia dizer que provavelmente haviam ido comprar
o anel de noivado, mas interrompeu-se porque, oficialmente, não sabia ainda do
relacionamento entre eles.
— Você leva as coisas muito a sério — comentou a sra. Brown. — E não deixa
ninguém ajudá-la. Contei a Cameron que se encarregou de tomar conta de nós duas
quando seu pai foi embora, e por isso ficou assim, independente e fria.
— Fria? Sabe muito bem que tenho feito o que posso por vocês. Se eu fosse
fria, não me preocuparia tanto. Como pode dizer isso?
— Você pensa que cuida de nós, mas tanto eu como France sabemos muito
bem dirigir nossa vida. Em algumas coisas, ela é bem mais competente do que você
imagina.
Kate mordeu a língua para não responder. O que menos desejava naquele
momento era enfrentar uma discussão com a mãe. Parece que a sra. Brown também
não tinha a menor vontade de brigar, pois retirou-se sem dizer mais uma só palavra.

Os novos alunos chegaram quase todos de uma vez, e Kate teve de esforçar-se
para recebê-los com pelo menos um pouco de entusiasmo. Conversavam
animadamente, falando de suas experiências e animando-a.
Embora gostasse de dar aulas, Kate estava cansada. Tinha trabalhado muito
nos últimos tempos e enfrentara muitos problemas pessoais. Não via hora de terminar
o verão e sair daquela ilha, onde havia perdido o coração e a paz.
Depois do jantar, o grupo reuniu-se para discutir uma série de coisas. Kate
aproveitou para passear um pouco pelo jardim. Sabia que, apesar do cansaço, não
conseguiria dormir tão cedo, preocupada que estava com Cameron, Dotty e até
mesmo com Francês.
Lembrando-se de que havia prometido à sua mãe ir fazer-lhe um pouco de
companhia, rumou para a casa de Cameron.
O vento balançava os galhos das árvores, mas o calor ainda era intenso. O céu
estava estrelado, porém algumas nuvens começavam a formar-se. Kate pôs-se a
pensar numa alternativa para a aula ao ar livre, caso chovesse, e estava tão absorta
que, ao entrar na varanda dos Greyville, quase esbarrou em Cameron.
— Faz tempo que você chegou? — perguntou, surpresa.
— Não, cheguei há pouco — disse ele, tentando pegar sua mão.
— E France? — indagou ela, afastando-se instintivamente.
— Neste momento deve estar tomando um avião para a Inglaterra.
— Como assim?
— Ela foi estudar em Londres.
— Mas com que dinheiro? O que eu lhe tinha dado ela gastou com o carro...
— Eu lhe dei o dinheiro necessário — respondeu Cameron, com tanta calma
que a irritou.
— Você podia pelo menos ter-me contado — retrucou ela, tentando disfarçar
seu estado de espírito.
— Não contamos porque sabíamos que não iria gostar.
— Então ficaram falando de mim? — perguntou ela com os lábios trêmulos. —
Devem ter descoberto muitas coisas a meu respeito.
Seu rosto adquiriu uma dureza que sempre tomava conta dela nessas situações
embaraçosas. Um nó na garganta impediu-a de continuar falando.
— Se as coisas correrem de acordo com os meus planos, não vamos mais
brigar tanto.
— Oh, sim, sem dúvida! — replicou Kate, com ironia. — É pena que você não
tenha ido para a Inglaterra com France. Mas logo você irá, com certeza.
Ele ficou mudo, olhando-a com um ar estranho.
— Como está Dotty? — perguntou Kate, lembrando-se de repente da velha
senhora.
— Dotty está bem, felizmente. Deve voltar para casa no próximo fim de
semana. Eilleen cuidará dela.
— Se precisar de mais ajuda, posso vir no intervalo das aulas.
— Obrigado, mas você vai ter muito o que fazer com os seus alunos. Além
disso, em seu tempo livre você estará ocupada com outras coisas...
O silêncio de Kate deixou-o desapontado.
— Não vai me perguntar com o quê?
— Se quiser que eu saiba, você mesmo vai dizer...
Ele respirou fundo e, sem tentar disfarçar a falta de jeito, perguntou:
— Kate Brown, quer casar-se comigo o mais rápido possível para acabar logo
com este namoro absurdo?
— Ora, deixe de brincadeiras... — murmurou ela, sem graça e confusa.
— Está vendo? Bem que sua mãe me disse que você não era fácil. Você não
acredita em nada. Estou falando a verdade. Quer casar-se comigo?
Ela ficou parada, olhando para ele, incapaz de dizer uma só palavra. Cameron
estendeu o braço sobre seu ombro e estreitou-a contra o peito. Então,
inesperadamente, ela começou a chorar.
— Kate, querida, será que feri tanto seus sentimentos? Eu não queria ser tão
desajeitado, mas o que posso fazer? Nem sei como pedir em casamento a mulher que
amo. Não tenho prática nessas coisas. Se tivesse tido tempo, já teria levado você para
o cartório mais próximo e resolvido isso.
Kate ainda não conseguia dizer nada. Apenas se aproximou mais dele e
afundou a cabeça naquele peito quente e forte .
— Responda, meu amor. Quer casar-se comigo? — perguntou ele pela terceira
vez, cobrindo-lhe o rosto de beijos. — Sua mãe diz que você se casa comigo. France
aposta que não. E Dotty acha que eu serei um idiota se deixar você ir embora.
— Cameron, eu te amo tão intensamente que faria qualquer coisa que me
pedisse. Pensei que soubesse disso. E ao mesmo tempo não queria que soubesse.
— Por quê? Por que sempre se afastou de mim?
— Porque você quase... Você tentou...
— Quase o quê? Tentei o quê? Só sei que fiz o melhor que pude para me
aproximar de você e você sempre colocou barreiras.
Cameron não lhe deu tempo de retrucar. Voltando a estreitá-la nos braços,
beijou-a novamente.
— Você venceu — murmurou ela simplesmente.
Ele se afastou, sorrindo.
— Não, querida, eu não venci, embora me considere um grande vencedor se
você casar-se comigo. Nós dois vencemos. Quando me interessei por você, sabia que
seria apenas uma questão de tempo você se interessar por mim.
— Como posso estar apaixonada por um homem tão convencido? — disse
Kate, colocando os braços ao redor do pescoço dele. — Quando você decidiu que ia
me conquistar?
— Quando lhe dei o segundo beijo. Mas sempre esbarrei nessa horrível
armadura que você usa. Então adotei uma estratégia. Resolvi hospedar sua mãe a sua
irmã e ajudá-las de todas as formas. Assim você não poderia recusar-se a se casar
comigo com a desculpa de ter de sustentá-las. Eu não saberia suportar uma negativa
sua.
— E eu pensava que ia ser apenas sua cunhada. Você estava sempre rodeado
de mulheres...
— Sua mãe me contou das amantes de seu pai. Acho que por isso você
desconfiava de mim.
— É verdade. Minha mãe amava tanto meu pai que não dizia nada quando ele
levava mulheres para a nossa própria casa. E eu não queria passar por isso. Nunca!
Eu via como você tratava Baby, Stella e mesmo France. Mamãe me dizia sempre que
alguns homens são assim, não se contentam com uma mulher só.
— Querida, as outras mulheres na minha vida significam tanto quanto os
nomes numa lista telefônica. Para mim, desde que a conheci, não existe outra mulher
além de você: independente, adorável, responsável e com um senso de humor muito
irreverente, que aprecio muito. As outras apenas tentaram ocupar o seu lugar. France
é uma criança, não tive nada com ela.
— Onde você estiver eu serei sua — disse Kate, de repente, enlaçando-o para
receber seu beijo.
Antes que o rosto dele encobrisse a luz das estrelas, ela olhou bem longe no
céu e sentiu que dali por diante sua vida seria apenas encantamento.
Fascinação é o primeiro de uma série de ROMANCES PARA AMAR. O
símbolo do casal apaixonado, na capa, garante que você vai ler uma inesquecível
história de amor.
A seguir:

VERÃO EM CAPRI
Donna Vitek

A ilha de Capri tinha encantos novos para a americana Leslie Sheridan: enseadas lindíssimas,
mansões cercadas por jardins floridos e monumentos da gloriosa civilização romana. Tudo ali parecia vivo e
colorido, criando uma atmosfera de sonho e poesia e convidando ao romance. Só que ela não estava em
Capri para apaixonar-se ou fazer turismo, mas sim para trabalhar na esplêndida villa de Marco
Cavallari, o fotógrafo mais famoso do momento e o mais belo homem que ela já havia visto. E não
pretendia entregar-se a um efêmero romance de verão com ele, mesmo que o achasse irresistível, mesmo que,
para afastá-lo, tivesse que sofrer as torturas do desejo...

A seguir:

DOCE REFÚGIO
Sondra Stanford

Três meses! Era tempo demais para viver com um homem cruel e misterioso, numa cabana perdida
nas extensas planícies geladas do Alasca. Mas Christie não tinha escolha: ou isto ou a morte horrível sob os
flocos da neve que caía intermitente naquela terra encantada. E, no entanto, o que ela mais queria agora era
viver, para desvendar o mistério daquele escritor que se isolava do mundo e odiava as mulheres, mas que a
fascinava como nenhum outro. Três meses, tempo demais quando uma mulher se apaixona, e tudo o que
deseja é cair nos braços de um homem que a mantém à distância quando poderia estar tão perto! Pior foi
descobrir que uma só noite longe dele seria impossível de suportar!

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