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Universidade Federal Fluminense REITOR Sidney Luiz de Matos Mello VICE-REITOR Antonio Claudio Lucas da Nébrega Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense CONSELHO EDITORIAL Anibal Francisco Alves Braganga (presidente) Anténio Amaral Serra Carlos Walter Porto-Gongalves Charles Freitas Pessanha Guilherme Pereira das Neves Joao Luiz Vieira Laura Cavalcante Padilha Luiz de Gonzaga Gawryszewski Marlice Nazareth Soares de Azevedo Nanci Gongalves da Nébrega Roberto Kant de Lima Tiilio Batista Franco DIRETOR Anibal Francisco Alves Braganga SUMARIO fenton pkey A OREM COMUMICACIONL MANE SERIES 10 TUG SE Dt COMLMCAGAG “ Primeiren praesos em direc ao mundo manuscrite » Prolepinniencs temperaie: wma histiria do tempo pas i O método ¢ 0 tema: questives ¢ hipsiteses 8 Os pasguies semnoses ps Revorta pe 1798 Ban a Negro © pobres contra a monarquia portuguesa #8 © conteado dos manusctitos ¢ 0 papel da comanicacio oral na Revolta 58 Conmideragies finais 6 O Pnarot: Novis DA REVOUWGAO FARROUPILAA PYLA PENA DE FERREIRO 69 Uma historia cultural dos manuscritos 0 Noticias da Revolugio Farroupilha n ‘Tabernas do Vinagre " Aletra bonita do ferreiro 76 ‘Consideraghes finais 1 Gazera bE BUENOS AIRES, O PRIMEIRO MANUSCRITO JokNausTico ns Bacta po Rio pa Prats 79 Primeiros escritos platinos 83 A pioneira folha jornalistica 86 MUTIDS MOTIVOS E DIVERSOS PROPOSITOS: ‘05 MANUSCRITOS DO stcULD XIX. 7 Muitos propésitos ¢ uma so materialidade 98 Acserita e os sons da oralidade \o7 0 Atchote ~ ensaios de literatura ue Os manuscritos das décadas de 1890 ¢ 1900 123 A Justiga de pernas pro ar ~ ensaios do mundo politico 135 gttzaa com anscanet AL Sern: (STUDD DEGAS DE | ANUNCIO NO NECUTO SEX Conlweendo a Sella Gaonlderagben finals RISGAR.A FACE DO IMPERADE SONRE No SEGUNDO RetNADO NO BASH, CO imperador “por deli cx grader" Rabiscos variados JJORNAL 1 LETTORES MULITPLAS ESCRITAS Un jornal, maltiplas relagiies anotages plurain ) INUMEROS SHE Muitos leitor Consideragies finais RerEreNcias Sonre os avrores IM JOWNAL EST UDANTN, ‘My 5 a) MANGAN MANUACIUTAS 1.08 1 OS ESIAGOS PUBLICOS DE MANTELS TAGAO. 194 1 Ios Os PASQUINS SEDIOSOS DA Revoita DE 1798 - Banta Hérica Lene Sio Salvador Sao Salvador, Bahia de Sta Salzador A terra de Nosso Senor Pedago de terra que & meu Sao Salvador, Bahia de Sto Salzador A terra do branco-malata A terra do prts douter Sie Salvador, Bokia de Sto Salsador A terra do Nosso Sexkor De Nosso Senor do Bonfim Ok, Bahia, Bakia, cidade de Sto Saleador Bokia, ob, Bakia, Bahia, cidade de Sao Saleador Dorival Caymmi A cidade do Salvador' foi a primeira fundada nas terras do Brasil. Antes de 1549, existiam vilas, das quais so exemplos as que foram criadas nas capitanias ao longo da costa. Os do- natarios fizeram somente o que lhes era permitido pelas cartas de doagdo ¢ pelos forais: criar vilas. A capital do que muito mais tarde viria a se tornar o estado da Bahia data justamente de 1549 (Tavares, 2008). Ela deixou de ser a capital da Colonia Portuguesa em 1763, mas permaneceu sendo uma metrépole colonial, o que significa dizer que a cidade continuou a crescer e, no fim do século XVIII, contava com aproximadamente 50 mil habitan- tes, a maioria negros e mesticos? "Desde os seus primérdios, a cidade é do Salvador, como a batizou o rei DJoio III, a cidade de Jesus Cristo, o Salvador”. As varagies do batismo da primeira capital do Brasil eram cidade de Salvador, ou de Sao Salvador, ou Salvador da Bahia, ou Bahia de Todos 0s Santos, ou simplesmente Bahia, como é chamada pelo povo (Dorea, 2006, p. 263 e 264). De acordo com o censo eclesistico de 1780 (administracio do governador, marqués de Valenga), a populagio nessa época foi estimada em 45,6 mil habitantes (Tava- res, 2008, p.125). 43 io relativa par. ha uma superpopula 8 ey populagao branca pobre, Fi‘ e Uzi, grand ; 7 Bae excedente da metropole europeia; “ bras i105, diversi on liao civil; ¢ de africanos, trayis, pela cor € pela condigé atres yo intenso trafico de escravos. i Na altima década do século XVIII, a Bahia hen, uma crise da economia agroexportadora centralizada agroindiistria agucareira, ¢ Salvador erauma cida Sper, voada para 0S padrées da época. Cumpria seu destino de uma das lixeiras dos impérios. Aventureiros, excluidos de tod as naturezas vindos do Reino, buscavam fazer 0 seu “Brasil”, «., seja, mudar de condigao social, fazendo valer apenas a bran. cura da pele e a condigao de reinol, portanto, “superior ‘onjunto dos nascidos na Bahia, mesmo os mais ricos, Na disputa por cargos pliblicos, os brancos Portugu Jevavam vantagem por serem europeus. Mesmo os mais pobres se valiam da condigao de reindis (nascidos em Portugal) para reivindicar os cargos mais lucrativos e importantes, princi- palmente no servigo piblico, comércio, oficialato militar ¢ e contingente de fungdes eclesidsticas. Para a maior parte da populagao de Salvador ~ os des- cendentes de africanos (fossem livres, libertos ou escravos) ~, a cidade era a propria prisao. Eram constantemente menospre- zados e ocupavam os piores postos de trabalho. Constitufam 0 “povo mecanico”, uma espécie de classe trabalhadora da época: trabalhadores manuais empregados nos mais variados € menos prestigiosos oficios e artes, nas ocupagées urbanas menos qualificadas (Jancs6, 1975 apud Araujo, 2004, p. 256). Grande parte dos “mecanicos” era progressivamente incorporada a forca militar, a ponto de tornar-se nela majori- tariose de transformé-la no principal foco de rebelido durante eae do século XTX. Ser recrutado para 0 canna! pete era, muitas vezes, usado come interior da capitani: So aes ais gucrras entre familias no Pitania (Sousa, 1945 apud Aratijo, 2004, p. 256). 44 Foi justamente no interior da instituigao encarregada de impor coticianamente a ordem da escravidiio e da Colénia que se desenvolveram as condigées le contestagiio organizada contra a monarquia absolutista portuguesa na Bahia. Em uma sociedade urbana t4o marcada pela diversidade de atividades econémicas, pela segregacio espacial, racial ¢ social dos seus habitantes, a Forga Armada (I* Linha, Milicias e Ordenancas) constituiu 0 tinico espaco institucional em que os individuos pertencentes As camadas sociais subalternas puderam estabelecer uma relagio estivel, ainda que pautadas na hierarquia ¢ na disciplina militar, na qual até os oficiais oriundos das camadas mais ricas, compos- tas pelos brancos da terra, também estavam descontentes com a supremacia portuguesa. Nao ¢ dificil compreender que todos os movimentos populares e republicanos, da Revolta dos Biizios ou dos Alfaiates de 1798 a sabinada de 1837, tenham como epicentro a corporagdo militar (Araiijo, 2004, p. 257). Os livres ou libertos exerciam, na pratica, as mesmas fungies dos cativos, mas procuravam diferenciar-se deles, Havia para eles duas possibilidades de sair da condigdo em que se encontravam: deixar a cidade ou conquistd-la, como fizeram os haitianos no Caribe. Aestrutura governamental portuguesa apenas ratificava a estratificagao social na cidade de Salvador e, por privilegiar sempre os habitantes europeus da Colénia, acabava por acir- rar as disputas entre os demais grupos populacionais contra os reindis. Esse era mais um motivo para os colonos naturais da Bahia pensarem que o Estado Portugués nao representava seus interesses, sendo essa a justificativa para as revoltas que ocorreram no fim do século XVIII (Pinho, 2011). Este capitulo trata justamente do movimento politico que ficou conhecido como Revolta dos Biizios ou dos Alfaiates e ainda Conjuragao Baiana e Inconfidéncia Baiana, que envolveu a elaboracao de boletins ou pasquins’ manuscritos feitos pelos > Pasquim é um escrito satirco, manuscrto ou impresso,distribuido ou afixado em local pablico, que pode reftetir ideias vanguardistas, ousadias de pensamento a ponto de endossar e incentivar mudangas sociais,politcas ou econémicas. Foi utilizado nas inconfidéncias setecentistas — a Mineira, de 1789, ¢ a Baiana, de 1798 - ¢ na 45 y am espalhados pur g Sal ly e que amanhe de 1798. Dez dos ! | boletins encontram: jnsurgemtes 12. de agosto inda hoje ng h 0 Ary rng ; E hia, Seg4o Historica Pablico do Estado da Bahia, 5¢¢ st6rica, Many, aie dor Dom Fernando Jos¢ de Portugal ¢ Castro). Os many digitalizados podem ser visualizados também etn ums, ,., Negros do Brasil, Bahia, 1798, 4 p,. dios Bizios”, acompanhados por transcrigao de seus contri ; Que papéis manuscritos foram esses € em que cont, simbélica essas comunicagées trouxeram para rdar esses pasquins/boletins, q cumentos historicos, 1 ad memoria e da hist6ria, vestigios de mai ento politico da historia da i i 8 legar a 5 . deles foi queimado antes de chegar as maos do ng Jo vi “Herdis er gio virtual “Her bufram para a deflagragao da revolta? Que repr Nosso objetivo € abor uins com suas peculiaridades ¢ conteitdo, rtante movim materiais da anos sobre um impo! Bahia e do Brasil. O documento que, para @ escola histérica positi fim do século XIX e do inicio do século XX, serd o fundamento do fato histérico, ainda que resulte da escolha de uma se por si mesmo como prova do historiador, parece apresentar~ histdrica (Le Goff, 1990). Esses boletins sediciosos de 1798 afirmam-se essencialmente como testemunhos escritos. Esta pesquisa envolveu uma reflexo sobre 0 con- texto comunicacional no fim do século XVIII € suas interfaces, levando-se em conta os fatores histéricos, politicos, econémicos ¢ culturais dessa fase. O campo do contexto co- municacional implica sempre situar os processos comunicativos em perspectivas e conjunturas histéricas, sociais culturais (Santaella, 2002, p. 100). Inde; See s Scere no Império, na Aboligao, na Repiiblica, inspirado n#o como Jorge Marins, pirre Francesa, mas também nos pasquinheiros baianos Cia Bo tis Blhir Ordonkes © Gregério de Matos o Bora do Inferno * Projeto Exposigio Calmon (Oy aa 2 Arai Plc da Bahia APB,/FundagSo Pedro ile/buzios/index htmlst>, mht /ewbconsuelopone a goer /arpe/ 46 ‘Tomamos como base os pressupostos metodolégicos pro- postos na obra de Marialva Barbosa (2004, 2007a, 2013), alémn de levantamento bibliografico de abordagens de historiadores que se tornaram referéncia sobre o movimento (como Kétia M. de Queirés Mattoso ¢ Luis Henrique Dias Tavares) e visitas ao Arquivo Publico da Bahia para observagio dos fac-similes dos boletins sediciosos. Ao abordar 0 conceito de histéria, Barbosa (2004, p.2) destaca que a operaco historiografica deve ser pensada como um processo, no qual esto envolvidos néio apenas os grandes nomes, as grandes datas, os grandes feitos singulares, mas, principalmente, os particularismos, as repetigdes, os vestigios, 0s restos que o passado legou ao presente. E, sobre- tudo, os anénimos. E a partir de restos e vestigios que chegam do passado ao presente também que é possivel recontar as histérias que envolvem prioritariamente as ages comunicacionais do passa- do. Muitas vezes, nestas ages, 0 objetivo ultimo é prefigurar os sistemas de comunicago existentes em dado momento c lugar. Nesse instante, a historia, que, afinal, é comunicacio, se torna historia da comunicagao. Marialva Barbosa destaca o quesito da interpretacdo como o principal postulado da historiografia: nao se trata de recuperar 0 que, de fato, ocorre (até porque o que, de fato, ocorre ndo pode jamais ser recuperado), mas interpretar — a comecar da subjetividade do pesquisador — as razdes de uma determinada acio social. Se considerarmos que a histéria é tudo aquilo que, do passado, chegou até o presente, serao os rastros, restos ¢ vestigios que perduraram no tempo em diversos suportes que se constituirao as fontes a serem interpretadas para explicitar gestos ¢ aces pretéritas (Barbosa, 2013, p. 8). Em busca dos rastros e vestigios daqueles que participa- ram do movimento de sedigdo de 1798 na Bahia, cujas ideias ficaram registradas nos pasquins sediciosos, esperamos contri- 47 ~ acompreensio da ordem comunicacions Nal Manis, rit Scritg buir para no Brasil, da qual trata este livro. ‘Assim, este capitulo esta dividido em duas pary a ‘artes, . svdoeventode 1798. descus protagonisas, Ages 8. Aso egunda meira trat 0s boletins ou pasquins manusey itos, aborda especificamente NEGROS E POBRES GONTRA A MONARQUIA PORTUGUESA O movimento politico pelo qual homens negros e po SFOS € po. ram scu descontentamento contra a monarquia ade escravista da Bahia, em 1798, foi um dos maiores eventos armados ¢ de luta pelo fim da escravidio, peta indepencncia da Bahia com rlagio a Portugal pelos direitos do trabalhador. Ele tem chamado a atengao de varias geragdes de historiadores, geranclo muitas leituras.) De visitagao intensa, a histéria desse episédio é um pro- cesso longo ¢ ininterrupto de disputas ¢ controvérsias, originado da interpretagao dos acontecimentos da revolta baiana de 1798 pelas autoridades locais, em 1799. Desde sua origem até hoje, o que as autoridades régias denominaram de “Sedigao dos caminho. Até mesmo a denomi- mulatos” percorreu um longo hnagao do movimento € controversa: inconfidéncia, conjurago, sedigio, movimento democratico (Aratjo, revolta, revolugao, 2004; Valim, 2007). ‘A historiadora Patricia Valim elenca as denominagées registradas nos proprios Autos da Devassa ¢ por historiadores ao longo do tempo: Fri: sedigao dos mulatos para José Vendncio de Seixas go Frei José do (1798); sublevagaio, para o carmelita desca ‘Monte Carmelo (1798); insistente sublevacao, para Luts dos Santas Vilhena (c 1798-1800); sublevagao intentada, ‘para un antnino(@. 1798-1800); revolugo e movimento bres manifestar portuguesa ¢ a socied: tale ars « Conprapic Blane 0 1798, iniciaclo na década de 1970 entre Mot points que Dias ‘Lavares, Katia Mattoso, Carlos Guilherme (2007 inated ee nlisado na pesquisa de dissertacio de Pasieia Vali | tach Da sedi das mudato Conrado Baiana de 1798: constr dee ‘mara strc, 48 respectivamente na 1° 2° edig&to para Varnhagen; conjuraca de Joao de Deus para, ee Caetano Fenanes Pei sublevagao, para Francisco Vicewe Vianna; conspiragao re- publicana, para Brés do Amaral; primeira revolugao social brasileira para Affonso Ruy; articulagao revolucionaria, para Caio Prado Ftinior; movimento revolucionario baiano (em 1961) esedigio cle 1798 (em 2003), para Luis Henrique Dias Tavares; movimento democratico baiano (em 1969), e revolugaio dos alfaiates (en 2004), para Kiitia Mattoso; ensaio de sedig&o (edigao de 1996) einconfidéncia baiana (também em 1996), para Istuén Jancs6; inconfidéncia baiana ‘para o compilador dos Autos da Devassa e Sequestro da Biblioteca Nacional, ¢ conspiragao dos alfaiates, na 2° edigdo de 1998 dos Autos da Devassa; ¢, na verséio popular, é conhecido por con- juragio baiana de 1798 (Valim, 2007, p. 12, gifs do autor. Ficou também conhecida como Revolta dos Biizios, Revolta dos Alfaiates ou Revolta das Argolinhas.’ Recebeu esses nomes de- vido ao fato de os revoltosos usarem um biizio preso a pulscira para facilitar a identificacdo entre si, por usarem uma argola na orelha com o mesmo fim e também porque alguns dos principais conspiradores eram alfaiates. Para a historiadora Katia Mattoso (1969, 2004), trata-se de um projeto de revolta, que teve como protagonistas um grupo de homens livres inseridos nas camadas médias ¢ baixas da sociedade urbana, cuja inten¢3o foi propor uma alianga politica com a elite local. Inspirados nas ideias da Revolugéo Francesa — entéo em curso na Europa ~, que conseguiram chegar Bahia por meio dos viajantes franceses que aportaram na capitania no periodo, ¢ nos escritos trazidos pelos estudantes de Coimbra, que foram traduzidos e disseminados pela cidade. Os desejos de igualdade, fraternidade ¢ liberdade conseguiram unir os diversos setores da sociedade baiana, de brancos da terra € © As revoltas sto manifestagdes populares de insatisfagao, em gen —— cefémero, um protesto contra os aumentos dos pregos, por exe sv tspontineas¢ sem organizagiosistemitica e, de modo diferente das revolsoeS tio chegnm a altera a estruturassociais (Silva; Silva, 2015, p. 365) 49 em especial ‘as nEgIs Libertas, que sothiany mais ai opeso da opressdo. do governo porniguds, "Men © Bles queriam destruir as barreiras que imped riyessem poder de ryprrsentago no E stado e aniplianes posibilidades deascensio social, Por isso mesmo, o fee ano escothido {Me Nay ve pelos revoltosos tol a reptiblion, na qualia in independentemente da cor da pele ou do local do nuscineyge exam iguais perante a lei, 0, Esses idleais motivaran as agdes de Luis Gonza; Hcl Virgens, Lucas Dantas do Amorin ‘Torres, Manuel Busting dos Santos Lira ¢ Joao de Deus do Nascimento, os lideres do igualdlade foram palavras muito repe. nto. Liberdade & ascritos que amanheceram espalhados 798, convocando a populagio “Repiiblica Bahis movie tidas nos boletins manu por Sakador em 12 de agosto | para una spevolugiio™ que implantaria : (Valin, 2009), ante destacar que o movimento também reunia ‘militares e proptictirios de fazendas tisleitos com a sobre nense Eimporta intelectuais, comerciante: de cana ¢ engenhos de actic situagdo, Essas pessoas tinham facilidade em se informar. a Revolugao Francesa ¢ a lideranga de Napoleaio Bonaparte is informagées as reunides contestatdrias ar que mao estavam s e, assim, levavam e: (Tavares, 2011, p. 6). Também havia pessoas de localidades do interior envolvi- das no movimento, conforme registra Tavares (Tavares, 2011); dos municipios de Santo Amaro, Maragogipe, Cachocira ¢ Sito Francisco do Conde, Nazané das Farinhas, Jaguaripe, Cactité ede outros pedagos do sertio e da Chapada Diamantina. Eles foram muito importantes tanto para essa agao, quanto na in- dependéncia da Bahia, em 1823. pee governador Dom Fernando José de Portugal ¢ ‘arregou o desembargador Manoel Magalhaes Pinto anga as Paavra muito util a Farce rlizada pela hsorograta, dina como um proceso de muda todas se procesiadan area eee ae como rape com Nese gt meena ee ewimeno ea ila com ae fei Indra, menor eee Sempre truumitica porque tins a sociedade ce sua tratura social Silva; Silva, 2015, p. 362-360). 50 Avellar de Barbedo de dar inicio A devassa para descobrit os autores dos manuscritos. Enquanto Barbedo escutava os que tinham visto afixados (todos declararam que nao leram), Dom Fernando examinava petigdes arquivadas na Secretaria-Geral do Governo em busca de alguma, cuja letra mostrasse seme- Ihanga com aqueles pape Ele deteve-se em duas petigdes do pardo requerente de causas Domingos da Silva Lisboa, nascido em Portugal. Concluiu que havia identidade em algumas letras e mandou prendé-lo. Em sua casa, encontraram um caderno com copia do texto politico Orador dos Estados Gerais de 1789, de autoria do jornalista francés Jean Louis Cara.’ Na mesma ocasido, apreenderam uma cépia do poema “A Liberdade” ¢ quatro cadernos contendo um longo trecho do livro de Constantin Frangois Chasseboeuf, Les ruines or méditations sur les révolutions des empires, ou As ruinas, como esta nos autos dessa devassa.? S6 por essa literatura proibida em Portugal ¢ coldnias, Domingos da Silva Lisboa ja estaria complicado (Tavares, 2008, p. 180). No dia 22 de agosto, apareceram duas cartas com o estilo dos boletins no Convento do Carmo, uma dirigida ao prior dos carmelitas descalcos na Bahia ea outra ao governador. Elas ser- viram para mudar a linha das investigagdes. Entiio, Domingos da Silva Lisboa foi solto. Em novo cotejo das petigdes com os boletins, Dom Fernando chegou ao soldado Luis Gonzaga das Virgens, conhecido do governador por ter desertado trés vezes ¢ ser um estranho rebelde, misto de fiel catélico ¢ revoltado com a discriminacao de cor dominante no Exército e na sociedade baiana.!° No pordo em que residia de favor (era a casa de sua © Para mais esclarecimentos: MATTOSO, Katia. Presenga francesa no movimento democrético baiano de 1798. Salvador: Itaupua, 1969. * SUTOS DA DEVASSA DA CONSPIRAGAO DOS ALFAIATES. Salvador: ° [Arquivo Pablico do Estado da Bahia, 1998. 2 v Luis Gonzaga das Virgens era fiho de portugués, mas neto de escrava, ¢ assentou praca 20s 20 anos. Na terceira vez em que desertou, vagou pelos sert6es, onde conheceu uma personagem jamais identificada, que lia gazetas, comentava a situa ‘Gio na Europa e falava de igualdade entre os homens. Capturado em 1792, vives x ondenado a trabalhos forcados. No ano seguinte, 0 indulto geral, concedido pelo naccimento de uma princesa real, devolvev-lhea liberdacl. A partir de entio,aqueles 51 -_—~ sendleram diversos paptis com anotacdes sy GOCS stias 2015). 1), apre a quantidade enorme de oracdes ¢ Lawaress 2008; Neves, Toi ev madrinhs reontada um um nacre avulso da Gaze «segundo 8st tabaco que com ‘u de Lisboa, de 1797, que Ihe vierg ‘indo de um embrulho para un, s obras francesa Jaram entre OS implicados, gragas @ tradutor incerto, anto esotérica, foi atribuida ~ se. «5 Godechot (1907-1989), alguma s EK ures as mio’ pouco de que cirew Uma delas, andnima, wim t 9 Katia Mattoso por Jacque respeitado historiador francés, & magonaria ou a emelhante, As outras duas reproduziam discu por personagens secundirios da Revolugao quem nao conhecesse compreender por muito bem os acontecimentos a que SC referiam (Neves, 2015). Encontraram também cerca de 90 folhas com anotagdes feitas pelo proprio Luis Gonzaga: copias de documentos oficiais, como umalvara de 1791 sobre o tempo de servigo dos soldados; oragdes manuscritas, em latim; atos de contrig&o e le um soneto; uma certido do gund corrente se pronunciados Francesa, dificcis de inimeras preces diversas; receitas; a copia d testamento do avd; diversos requerimentos € atestados do proprio frei Bento da Trindade; Gonzaga; uma carta dele ao padre mestre ¢, finalmente, uma série de laudas que ora formavam uma espécie de didrio, ora consistiam em observacoes avulsas (Neves, 2015). Assim como Luis Gonzaga, muitos dos implicados no movimento de 1798 ~ diversos eram escravos — mostravam-sé capazes de ler ¢ escrever, algo pouco comum naquela época para alguém de condicao social como a deles (Neves, 1989, 2015). acusado. Negou O soldado Lufs Gonzaga foi preso € ma reunidio na oficina do jovem tudo. Sua prisio motivou u ourives Luis Pires no mesmo dia em que cla ocorreu. Estiveram presentes o aprendiz de alfaiate Manuel Faustino dos Santos Lira, 0 soldado Lucas Dantas de Amorim Torres, 0 mestre- valfaiate ¢ dono de alfaiataria Joio de Deus do Nascimento, 6 cravador (ourives) Nicolau de Andrade e 0 comerciante de Jancolias que o conheceram diziam andar e 136 i eee ae andar em geral s6, apresentando manias € mel 52 ouro José de Frei ‘acolo, pernambucano que se na cidade do Salvador esperando uma licenga pa profissio de cirurgizo pratico (Lavares, 2008, p. 1 Lucas Dantas deu a noticia da prisio de Quando indagado do motivo, teria respondido: “Por que mais? Iremos todos presos, um por um, porque o Gonzaga esta preso ¢ ha de confessar tudo” (Tavares, 2008, p. 181) encontrava Ta exercer a 80). Luis Gonzaga, Decidiram por uma reuniéo maior no Campo do Dique no Desterro, local de encontros amorosos ¢ (supde-se) reunides cretas, Iriam levantar quantos eles somavam ©, no caso de serem em nimero suficiente, fariam o levante e libertariam o soldado Gonzaga. Os convites comegaram na manha do dia 25 de agosto, o mesmo dia da reuniio. Manuel Faustino convidou José Raimundo Barata de Almeida, irmao de Cipriano Barata,"' Luis de Franca Pires, Inacio Pires e Manuel José de Vera Cruz, escravos do senhor de engenhos ¢ secretario perpétuo do Estado do Brasil, José Pires de Carvalho e Albuquerque, ¢ José Félix da Costa, escra- vo de Francisco Vicente Viana, proprietario baiano que tinha acesso ao governador. Joao de Deus do Nascimento convidou 0 soldado do II Regimento ¢ alfaiate Inacio da Silva Pimentel, 0 alfaiate José do Sacramento, que trabalhava na sua oficina, o ferreiro Joaquim José da Veiga, 0 cabeleirciro ¢ capitio da Milicia dos Homens Pardos, Joaquim José de Santana, o escravo africano Vicente (nico escravo africano que aparece na documentacao de 1798) co menino, escravo ¢ aprendiz de alfaiate, Joao. Lucas Dantas convidou 0 soldado do I Regimento, José Joaquim de Siqueira, branco, nascido em Portugal (Tavares, 2008, p. 181). ‘Trés convidados denunciaram a reunio: o cabeleireiro Joaquim José de Santana, o ferreiro Joaquim José da Veiga e " Natural de Salvador, Barata foi médico e politico que se destacou como um dos mais ativos combatentes em favor da Independéncia do Brasil. Foi ativista na Revolta dos Bizios ¢ da Repiblica, em Pernambuco, em 1817, depois deputado constituinte, em 1823, Atuou como jornalista, criando nesse ano ‘0 jornal Sentinela da Liberdade, na Guarita de Pernambuco, Defendia a independéncia com mudangas radicais € era contra a escravatura (Bahia, 2010, p. 100-109). 53 ° soldado José Joaquim de Siqueira. O governador en| tre gou a diligéncia policial ao tenente-coronel Alexandre Teotsnig i inou ao desembargador Francisco Sabing de Sousa ¢ determi H Alvares da Costa Pinto que realizasse devassa para descobrip os responsaveis pela sedigao. S6 compareceram 14 pessoas, O ourives Luts Pires foi o tinico que restava armado Quando viu o tenente-coronel Alexandre com uma pistola. i impedido pelo soldado José Joa Teotdnio, quis atirar, mas foi quim de Siqucira. As prisdes comegaram na manha de 26 de agosto ¢ continuaram pelos meses seguintes de 1798 € inicio de 1799, ‘Ao todo, 41 presos, dos quais 33 chegaram ao fim das devassas, Passaram-se dez meses. As penas foram definidas no dia 5 de novembro de 1799 pelo Tribunal da Relacao (todos os desembargadores |. O advogado dos presos, José Barbosa de Oliveira, apresentou sucessivos € imiteis embargos, analisou as conclu- sées dos desembargadores € contestou que existissem “prova materiais” para sustenté-las. Mas 0 tribunal recusou a defesa (Tavares, 2008, p. 182). Os Iideres pobres do movimento foram presos, inter- rogados, julgados ¢ condenados. Foram acusados pelo crime de lesa-majestade de primeira cabega, que significava alta traicdo 4 Coroa Portuguesa, € condenados a morte na forca e esquartejamento. Os soldados Lucas Dantas ¢ Lufs Gonzaga das Virgens, o aprendiz de alfaiate Manuel Faustino e 0 mestre- -alfaiate Jodo de Deus foram executados no dia 8 de novembro de 1799, e seus nomes € meméria tornados “malditos” até a terceira geragdo (netos). Haveria um quinto condenado a pena maxima, 0 ourives Luis Pires, fugitivo nunca localizado (Tavares, 2008; Pinho, 2011). ___Lais, Lucas, Jodo ¢ Manuel foram apontados como os Principais responsaveis por terem afixado em praga publica os manuscritos, conclamando o povo para o movimento, deno- minados pelos portugueses de boletins sediciosos. assinaram). 54 re 1 Aexccugao se tornou espetaculo e atraiu um pitblico de curiosos. Na manhi do dia 8 de novembro de 1799, as tropas de linha ocuparam desde cedo a praga da Liberdade, amplo uuadrilatero localizado no Centro de Salvador. Foi montado uum patibulo piblico construido especialmente para a ocasio. O cortejo," uma procissfio dos condenados, percorreu as ruas da Sé, desde o Terreiro de Jesus, até acima da ladeira do Tira Preguica, chegando deftonte 4 Piedade (Valim, 2009, p. 16). O carmelita descalgo, frei José do Monte Carmelo, prior do Convento ¢ Igreja de Santa Teresa, contou que os condena- dos foram ouvidos em confissio antes da execugio. O primeiro aser enforcado, Luis Gonzaga, entio com 38 anos, fez. um “ato de protestacio”, arrependendo-se de seus atos, especialmente por ter desrespeitado a Igreja (Valim, 2009, p. 16). No fim do enforcamento, seus corpos foram esquarte- jados ¢ expostos em lugares piblicos, pelas ruas de Salvador, para que servissem de exemplo ¢ outros ficassem intimidados a realizarem novos movimentos contestat6rios ao regime colonial. Os quatro homens sentenciados a forca eram jovens negros e pardos, como a maioria dos revoltosos. Lucas Dantas, assim como Lufs Gonzaga, era soldado e estava indignado por receber salarios menores que os outros soldados, por ser filho de escrava. Lucas trabalhava com madeira e fazia cassetetes. Era vizinho de Manuel, um jovem de 18 anos, afilhado de uma senhora de engenho. Como Lucas sofia preconceito, procurava adeptos para lutar contra a escravidao. Joao de Deus era alfaiate. Ele € Luis Gonzaga eram descendentes de escravos. Gonzaga foi quem " Pelas Ih, iniciou-se a procissio, tendo a frente banda de cornetas ¢ tambores, seguida das irmandades revestidas das suas opas € capas, de cruz algada e com seus respectivos vigirios. Logo apés, 0s condenados a degredo caminhavam de maos atadlas is costas, precedidos do porteiro do Conselho, com as insignias do cargo, seguido dos quatro réus condenados & pena capital, acompanhados de dois frades franciscanos, além de todos os escrivies, meirinhos € o porteiro do Tribunal da Relagio da Bahia. Seguiam-nos, empunhando a bandeira de Portugal, 0 Senado dda CAmara, os vereadores, 0s aleaides-mores e mirins eo procurador do Conselho. Mais atrés, a Irmandade da Misericérdia ¢ 0 carrasco, ostentando as insignias de seu oficio (Valim, 2009, p.16). a concentrou pessoas para lutarem contra a condicio em, pais estavat (Tavares, 201 1, p. 6). Me 9 Apés as execugoes, a cabega de Lucas Dantas em um poste no Campo do Dique do Desterny ram expostos no caminho do largo de! o ‘ Francisco, onde Lucas Dantas residia. Na frente do a local, foi colocada a cabeca de Manuel Faustino, por cle e frequentador assiduo daquela residéncia ¢ no ter enderegy fixo. A de Joao de Deus, na rua Direita do Palacio (atual rug Chile), ¢ suas pernas, bragos ¢ 0 tronco foram espalhados pelas ruas do comércio, lugar de grande movimento da cidade baixa, A cabega e as maos de Luis Gonzaga ficaram pregadas na forca por ele ter sido considerado pelas autoridades régias o responsavel pelos pasquins. Esses despojos permaneceram a vista dos moradores da cidade, como exemplo, durante cinco dias, e foram retirados por interferéncia da Santa Casa de Misericérdia, que os sepultou em local desconhecido (Tavares, 2008, p. 182; Valim, 2009, p. 17; Neves, 2015). ‘Além dos executados naquele espetaculo puiblico, sete homens foram condenados a ser jogados na costa ocidental da Africa, fora dos dominios de Portugal. Era outra forma de condenagao & morte. José de Freitas Sacota ¢ Romao Pinhei- 10, foram deixados em Acara, dominio da Holanda; Manuel de Santana, em Aquito, dominio da Dinamarca; Inacio da Silva Pimentel, em Castelo da Mina, dominio da Holanda; Luis de Franga Pires, em Cabo Corso; José Félix da Costa, em Fortaleza do Moura; e José do Sacramento, em Comenda, dominio da Inglaterra. Cada um deles recebeu 500 chibatadas no pelourinho, pore naquele tempo, no Terreiro de Jesus. Depois foram a ee an Be suplicio dos quatro que foram en anon it Lid Aguilar Panto foi degredado pot des reira Bastos, por cinco soe la. O escravo Cosme Damiio Pe- Pires e Manuel José de Vera a Angola. Os escravos Inacio ‘ruz foram condenados @ 500 espetada : outros pedagos for 56 era 4 agoites, ¢ seus senhores capitania da Bahia. José Raimundo Barata de Almeida foi de ailha de Fernando de Noronha. “Para espiare putagdes que contra cles resultavio dos Autos”, como eres ny o governador, Dom Fernando José de Portugal, para Linen Os tenentes Hermégenes Francisco de Aguilar Pantoja e Jog Gomes de Oliveira Borges permaneceram na cadein. come nados a “huma prisao temporaria de seis meses”, Preso no dia 19 de setembro de 1798, Cipriano José Barata de Almeida foi solto em janeiro de 1800. obrigados a vendé-los para fora da gredado para mM as leves im. Até aqui, fatos historicos documentados, Mas eles nfo esgotam a histéria da sedicao de 1798, conforme registra Tavares (2008, p. 183). A fase conspiratoria, da qual existem indicativos sem comprovacio, leva a dedugao de que houve conversas, reunides secretas na periferia da cidade, traducao, copia ¢ circulagao de trechos de livros, documentos franceses proibidos e do poema “A Liberdade”, destinados a formar uma consciéncia ou uma posigao contra a condicao de colonia da capitania da Bahia (1é-se em um dos boletins de 12 de agosto: “Seja exterminada para sempre o péssimo jugo reinavel da Europa”), de critica, se nao de negacao da Igreja de Roma; de simpatia pela Franca e de preferéncia pelo regime republicano (Tavares, 2008, p. 183). A aplicagéo das penas aos envolvidos da Conjuracio Baiana de 1798 foi um dos tiltimos espetaculos punitivos do absolutismo portugués no Brasil, e nado corresponde apenas ao castigo corporal, mas também ¢, sobretudo, a um ritual organi- zado de maneira a reforgar o poder da monarquia portuguesa no pais. O ritual do suplicio expressa, portanto, a suntuosidade da soberania, a forca do monarca em seu exercicio de direito (Foucault, 1987). 57 yO DOS MANUSGRITOS EO PAPEL DA RAL NA REVOLTA ie domingo, 12 de agosto de 1798, 0 povo q da ao acordar, com varios bole. O conti COMUNICAGAO O1 Na manha d cidade de Salvador se deparou, tins manuscritos afixados em locais publicos. Dia de descanso proprio para a troca de ideias, para a circulagao de boatos para a conversa das comadres, para 0 cncontro dos compaclres, Na esquina da praga do Palacio, nas paredes da caba- na da preta Benedita, na Igreja de Sao Bento, dentre outros locais de grande circulagao, pontos centrais da cidade, os 1] poletins/pasquins manuscritos foram afixados, convocando a populagao para uma revolugao que instituiria uma reptblica democratica no Brasil. Mas 0 que, afinal, esta assustador? O contetido era inc lucionario. Defendia liberdade, contra a escravidao. E isso era lonial e escravagista. Conclamavam a populago a se rebelar contra 0 do- minio de Portugal. A palavra ¢ a opinido escrita nao cram veeitas na Col6nia, onde a imprensa cra proibida pelo gover- no metropolitano. Nessa época, escolas. O estudo e a leitura eram reservados a duzida. Ler ¢ escrever eram privilégios garantidos a poucos. ‘A leitura dos boletins sediciosos foi reduzida, mas eles tiveram ussio imensa, Menos pela leitura direta e mais pelo boca a boca, pelo boato, pela palavra falada do proprio povo, susci- tada pela leitura de uns poucos alfabetizados e que traduziam, por assim dizer, o contetido explosivo dos pasquins. E também porque foram afixados em locais estratégicos da cidade, Esquina da praca do Palacio, rua de Baixo de Sao Bento, Portas do Carmo, Agougue da Praia, Igreja da Sé, Igreja do Passo e Igreja da Lapa. A agitacao subversiva nao era novidade. Em inicios de 1797, “ludibriosos pasquins” foram afixados no va escrito nos manuscritos de tio endiario para a época. Revo- igualdade e se manifestavam demais para aquele Brasil co- © analfabetismo era altissimo. Nao havia uma elite re- reperct “pati- 58 Es bulo piblico”, queimados na calada da noite, sem que os responsiveis tivessem sido descabertos ¢ punidos, Em julho daquele ano, outros manifi cidade (Maestri, 2008), Em 1798, os 11 boletins manuscritos traziam erros de gratia ¢ redagiio confsa, O que seria o II foi queimado pelo coronel Francisco José de Mattos Ferreira ¢ Lucena, logo que o recebeu de seu filho, o capitio do HT Regimento, Antonio José de Mattos Fern A, testemunha que o viu ser arrancado da fachada de uma casa na porta do Carmo e podia repetir alguns: de seus trechos (Tavares, 1975, 2008), tos haviam sido espalhados na ace Lue Os dez que estio apensos nos autos da devassa foram caracterizados como “papéis sediciosos” pelo desembargador Avelar de Barbedo, No “primeito aviso”, os revoluciondrios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido da Liberdade, 34 oficiais de linha, 54 oficiais de milicias, 11 homens graduados em cargos e postos, 46 inferiores de linha, 344 inferiores de milicias, 13 graduados em lei, 20 do comum, oito do comércio, oito trades bentos, 14 franciscanos, trés bar- badinhos, 14 terésios, oito f lo Santo Oficio (Figura 1). Nele, podia-se ler: “Animai-vos, povo bahinense, que esté , da nossa liberdade, 0 tempo em que em que seremos todos iguais”, por chegar o tempo feli seremos todos irmaos, 0 tempo Falavam, portanto, de revolugio, uma palavra nova | introduzida na linguagem depois ¢ por causa da Revolucio Francesa, que ocorria concomitantemente na Franga. Usaram “povo” e “liberdade” de tal maneira que demonstravam des- conhecer a densidade de significados politicos neles contidos. Repetiam outros termos que pertenciam ao vocabulario entre- gue ao mundo pelo movimento francés: igualdade, fraternidade, deputados, republicanos, entes ¢ dietas. Katia Mattoso (1969, 2004), da anilise rigorosa dos pasquins sediciosos, aborda justamente a influéncia das ideias libertarias da Revolugao Francesa na Conjuragio Baiana de 1798, Para ela, 0 projeto de revolta na Bahia teve como pro- tagonistas um grupo de homens livres inseridos nas camadas médias € baixas da sociedade urbana, mas que, apesar gy vrodestl situacio, “representavam, no conjunto da Populaci je certa forma, eram priyiy e~ de dominados, categorias que, de certa forma, ¢ giadas”. Eram soldados ou artesdos, cuja inten¢do foi propor uma alianga politica com a elite local (Mattoso, 2004, p. 344) Nessa perspectiva, @ autora buscou ressaltar as agdes qi os participes derivadas de uma convulsao citadina, pois, a seu ver, acidade de Salvador de 1798 era 0 espaco privilegiado para o aparecimento de conflitos, nos quais tudo € todos se opunham, na medida em que predominavam as relagGes sociais associativas primarias reguladas pela familia, Igreja c Estado. As contradigées ¢ tensdes sociais se resolviam, aparentemente, por mecanismos bem definidos, os quais geravam relagdes sociais de dependéncia, no sentido vertical, de interdependéncia, no sentido horizontal. Ahistoriadora demonstra, portanto, que os argumentos queriam sensibilizar a dos pasquins sediciosos, por um lado, maior parte do piiblico baiano com a “miragem da liberdade econdmica”, e, por outro, Os participes procuraram também demonstrar que “uma eventual aquiescéncia ao seu projeto olitico, nao contribuia para 0 abalo das estruturas profundas da sociedade” (Mattoso, 2004, p. 349). Segundo a autora, “admite-se que parte da populagao mostra-se refrataria 4 mudanga do regime e que € esta parte, composta de clérigos e, sem diivida, de pessoas pertencentes a elite, cuja resistencia é preciso vencer”. Mattoso afirma que 0 discurso revoluciondrio presente nos pasquins sediciosos indi- cava uma tentativa de resolugiio dos conflitos entre coloniais e rein6is entre bancos, mulatos pardos livres, para concluir que “a projectada revolta nasceu, viveu e morreu no primeiro Eola 7 oe palavra nunca pretendeu se dirigir eaceraroeel Simplesmen nen contra eles. Foi uma palavra — nte” (Mattoso, 2004, p. 354). Crier area ——— discutiam sobre osprin- textos flava sobre aber como o ance cetado em Os oshomens poderiam ser ieasin le como 0 unico estado em que dos portos seria capaz de ae sobre como somente a abertura inuir a crise econdmica vivida pela 60 capitanias tratavam ainda do deseaso da Coroa Portuguesa em wwlaglo A poputagio da Bahia e que sé se preacupava em coletar os impostoss € pregavam que s6 sob o regime republicano as pessoas poderiam ser iguais perante a lei, incluinde os negros e pandos como cidacdios (Pinho, 2011), Osescritos permite apreciagio da orientagio politica, social ¢ sindical do movimento, Eles pregavam a igualdade, a republica, a independeneia da Bahia, a liberdade de comércio eprodugio, Blogiavam a Franga revolucionairia e exigiam o fim da diseriminagio social ¢ racial, Ameagavam os clérigos que combatessem as novas ideias ¢ prometiam aumento de soldo aos soldados ¢ oficiais de primeira linha, Nos depoimentos de testemunhas que ouviram fi manifestos, sem os haverem lido, emerge comumente clar laboragio do contetido dos escritos que sugere reivindic: das classes subalternas niio presentes nos tex a’ r dos. fecal coe: 1s, COMO 0 tabe- lamento do prego da carne, Essa reconstrugio dos contetidos das mensagens dos mani sob tensio, na qual o principal veiculo de socializ informagdes era a comunicagio oral (Maestri, 2008), O terceiro boletim, por exemplo, falava ao “povo bahinense”. “A liberdade consiste no estado feliz, no estado livre do abatimento: a liberdade é a dogura da vida, o descanso do homem com igual paralelo de uns para outros, finalmente a liberdade é 0 repouso, e bem-aventuranga do mundo”.'* No entanto, 0 modo como foram usadas as palavras oriundas do discurso da Revolugio Francesa demonstra que 08 revolucionarios populares que as utilizaram no entendiam necessariamente muito bem seu significado (Araiijo, 2004). estos era normal em uma sociedade io das Expressaram com muito mais clareza a rejeigio, a con- denagiio e mesmo proferiram ameagas contra o poder absoluto da monarquia portuguesa na Bahia ¢ seus legitimadores mais devotados, os padres. Como registrava o Boletim n° 4:'* * Disponivel em: Acesso em: 17 out, 2017. * Disponivel em: . Acesso em: 17 out. 2017, 62

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