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III- A LITERATURA MEDIEVAL PORTUGUESA : as CANTIGAS

     1. Denominações e origem da Literatura Medieval Portuguesa

       A Literatura Portuguesa surge no século XII: na Idade Média, portanto.


Tudo que vimos até aqui a respeito da Idade Média vale para Portugal: o que
ocorre na sociedade, na Arte e na Literatura portuguesas é exemplo do que
ocorre em toda a Europa.

      As primeiras obras literárias portuguesas são elaboradas em versos: são


poemas. Como ainda não há imprensa nessa época, os poemas medievais são
orais e com acompanhamento musical, recebendo, por isso, o nome de
CANTIGAS  ou  TROVAS.  As cantigas são divulgadas nas ruas, nas praças, nas
festas, nos palácios; para facilitar sua memorização e divulgação, as cantigas são
elaboradas com versos curtos que não seguem necessariamente as normas da
Versificação e que se repetem pelo poema; além disso, a linguagem das cantiga
é extremamente fácil, pois, a língua falada em Portugal é o GALEGO-
PORTUGUÊS, uma língua simples e ingênua.

      A primeira obra literária portuguesa de que se tem notícia data de 1189: a
cantiga "A RIBEIRINHA", de autoria de Paio Soares de Taveirós, uma cantiga
de amor em homenagem a Maria Paes Ribeiro; como os poetas não podiam
revelar o nome das suas amadas nas cantigas de amor e como a homenageada
era casada, o autor dessa cantiga se inspirou no sobrenome da amada para
nomear sua obra.

      É das palavras TROVA e TROVADOR ( poeta nobre que faz trovas) que
deriva o nome mais comum que se dá a toda Literatura Portuguesa elaborada
na Idade Média: TROVADORISMO.

      As primeiras cantigas ou trovas medievais portuguesas são inspiradas nas


cantigas que há muito tempo já eram feitas em Provença, no sul da França; por
isso, a Literatura Medieval Portuguesa também é chamada de LITERATURA
PROVENÇAL.

Apesar de oito séculos terem se passado, as cantigas continuam existindo: basta


ligarmos o rádio e ouviremos POEMAS ORAIS (cantados) ACOMPANHADOS
DE MÚSICA...

     2. Tipos de cantigas

       2.1. CANTIGA DE AMOR: o eu-lírico é masculino; o conteúdo dessas


cantigas  consiste numa declaração de amor a uma mulher. Nessa declaração:

- o homem revela seu amor platônico, pois tal amor não pode ser correspondido
pela amada, já que ela é casada, ou mais rica que ele, etc, ou seja, existe pelo
menos um obstáculo impossível de ser superado para que o amor entre ambos
se concretize;
- diante da impossibilidade de que seu amor seja correspondido pela amada, o
eu-lírico diz se contentar pelo menos em ver a amada e, caso nem isso seja
possível, ele prefere morrer;

- a amada é sempre idealizada, divinizada e cultuada;

- a amada é tratada pelo pronome SENHORA. Para compensar a mulher das


desvantagens por ela sofridas na sociedade patriarcal, no relacionamento
amoroso o homem finge-se inferior a ela e, numa atitude de VASSALAGEM,
passa a tratá-la com a mesma cortesia, respeito  e submissão com que trata seu
senhor feudal  nas relações sociais ( no seu dia a dia): em suma, no
relacionamento amoroso, a mulher aparece como SUPERIOR ao homem. Há
alguns estudiosos que levantam a possibilidade de que o homem trata a mulher
por SENHORA, no relacionamento amoroso,  visto que ela adquire um caráter
divino e é cultuada por ele como se cultua uma deusa, uma santa ( como se ela
fosse Nossa SENHORA, mãe de Jesus); de qualquer forma, essas duas
possibilidades mostram que o homem transfere para o relacionamento amoroso
as práticas mais importantes de seu dia a dia: a de vassalagem e a de
religiosidade extrema;

- o nome da amada não  é revelado;

      As cantigas de amor, portanto, apresentam  um conteúdo que expressa


tristeza, solidão, amor platônico, desejos não realizados, etc, ou seja,
possui  "tom"  triste: pertencem ao GÊNERO LÍRICO   e , pelo conteúdo
melancólico, são ELEGIAS.

       2.2.  CANTIGA DE AMIGO : o eu-lírico é feminino. Consiste num desabafo


da mulher acerca da vida (terrível) que leva numa sociedade patriarcal e/ou na
declaração de amor  pelo seu amigo  (seu namorado) e da saudade e do ciúme
que sente dele, já que lhes falta liberdade para seus  encontros. Tal desabafo
normalmente é dirigido a outra mulher ( sua mãe, irmã, amiga, etc, que a
entende, pois passa pelos mesmos dissabores), a Deus ou a algum elemento da
natureza ( mar, árvores, céu, etc).

      Assim como  as cantigas de amor, as cantigas de amigo também possuem


conteúdo melancólico: são do Gênero Lírico - elegias.

      A informação mais curiosa que se tem a respeito das cantigas de amigo,
porém, é a de que elas são elaboradas por homens . Ao que parece, eles
penetram e entendem a alma feminina tanto quanto ou, às vezes, até mais  que
certas mulheres.

       2.3. CANTIGA DE ESCÁRNIO: é uma sátira que critica indiretamente o


sistema ou alguém ; a crítica irônica é tão bem elaborada que, por parecer um
elogio, tal tipo de cantiga  é a preferida dos senhores feudais.  
      2.4. CANTIGA DE MALDIZER: é uma sátira que critica direta e
violentamente o sistema  ou alguém: as corrupções, os roubos, os adultérios, as
explorações , etc , e seus envolvidos são citados nominalmente.

 Os: alguns autores consideram a sátira como uma modalidade do Gênero


Lírico; outros, como um Gênero à parte (Gênero Satírico).  

    3. Os "Cancioneiros"

       CANCIONEIROS são "arquivos" onde são encontradas algumas das


cantigas medievais portuguesas (as que foram compiladas e guardadas).
Conhecem-se 3 Cancioneiros de poemas em galego-português:

      3.1."CANCIONEIRO DA AJUDA", encontrado no Convento da Ajuda, é o


mais antigo dos Cancioneiros; provavelmente copiado em fins do séc. XIII,
possui 310 cantigas, sendo que 304 delas são cantigas de amor.  É considerado o
mais incompleto dos 3 Cancioneiros, pois não contém os poemas do rei-
trovador D. Dinis, mas é um documento valioso, pela grafia e  partituras
originais.

     3.2. "CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL DE


LISBOA"  ou              "CANCIONEIRO COLOCCI- BRANCUTI" , é o mais
completo dos Cancioneiros galego-portugueses: possui 1647 cantigas de todos
os tipos; encontrado primeiramente na biblioteca do Conde italiano Brancuti, no
século XVI o Cancioneiro passou a pertencer ao humanista italiano  Angelo
Colocci ; em 1880, o Cancioneiro foi vendido à Biblioteca Nacional de Lisboa,
onde se encontra até hoje.

       3.3. "CANCIONEIRO DA VATICANA". Pesquisando a biblioteca papal,


Fernando Wolf descobriu esse Cancioneiro de 1205 cantigas, dentre elas as de
D. Dinis , que aparecem também no "Cancioneiro da Biblioteca Nacional de
Lisboa".

      Graças à existência desses Cancioneiros que temos hoje exemplos de


cantigas medievais portuguesas, mesmo que a maioria delas sejam de autoria
de poetas nobres e que as mais populares (e, por isso, bem interessantes)
perderam-se no tempo.     

    4.Pessoas envolvidas na elaboração/apresentação das cantigas portuguesas

     Há denominações diferentes para o poeta nobre e para o poeta plebeu:

    . Poeta nobre: é o TROVADOR  /  . Poeta plebeu: é o JOGRAL


       Caso o poeta não tenha conhecimentos musicais  para o acompanhamento
do poema, ele pede a colaboração de alguém que é apenas COMPOSITOR: o
MENESTREL. O poeta também deve ter boa voz para apresentação da cantiga,
já que ela é um poema ORAL; mas caso o poeta não possui tais dotes fônicos,
ele pede a colaboração de um CANTOR: o SEGREL.

    5. Características gerais da Literatura Medieval Portuguesa:

       5.1. SUBJETIVIDADE: a poesia medieval portuguesa é lírica, predominando


a função emotiva da linguagem, ou seja, seu conteúdo expressa as emoções, os
sentimentos,  a visão de mundo do emissor ( do eu-lírico), marcadas no texto
através de palavras na 1a. pessoa (verbos, pronomes), das interjeições, das
exclamações;

       5.2. TEOCENTRISMO: o eu-lírico expressa sua religiosidade extrema


através da palavra Deus - sempre presente nas cantigas- dos nomes de santos,
de elementos do Cristianismo, festas e lugares santos, etc.

      5.3. CONVENCIONALISMO: todo o convencionalismo social está marcado


nas cantigas medievais através da presença de pronomes e verbos na 2a. pessoa
do plural e dos pronomes de tratamento : senhora, dom, dona, amigo, etc.

       5.4. SUPERIORIDADE FEMININA NO AMOR: como já foi visto, nas


cantigas de amor (às vezes até em outras), ao declarar-se à amada, o homem
finge-se inferior, submisso a ela (VASSALAGEM): ela é cultuada como um ser
superior, divino, ao contrário do que acontece na realidade;

       5.5. PATRIARCALISMO: marcado nas cantigas medievais através do


desabafo que o eu-lírico feminino faz nas cantigas de amigo a outra mulher, à
natureza ou a Deus.

       Como se pode notar, as cantigas medievais portuguesas contém marcas do


tipo de cultura, do momento em que elas foram elaboradas: elas são, portanto,
verdadeiros documentos de época (documentos históricos).

IV- A PROSA MEDIEVAL PORTUGUESA

      A obra medieval em prosa  é composta por NARRATIVAS de 4 tipos:

 1. CRONICÕES: narrativas de fatos históricos importantes colocados em ordem


cronológica, entremeados de fatos fictícios;

 2. HAGIOGRAFIAS: narrativas que contam a vida de santos (biografias) ;


 3. NOBILIÁRIOS: ou livros de linhagens, são relatórios a respeito da vida de
um nobre: sua árvore genealógica (antepassados), relação das riquezas e dos
títulos de nobreza que possui, etc;

4. NOVELAS DE CAVALARIA: narrativas literárias em capítulos que contam


os grandes feitos de um herói (acompanhado de seus cavaleiros), entremeados
de célebres histórias de amor. Tais histórias de amor não são melancólicas e
platônicas como o que aparece nas cantigas: o herói cultua a amada, mas não se
contenta apenas em vê-la; ele quer  e é correspondido pela amada, que por ser
casada  (ou religiosa: "casada com Cristo"), torna-se adúltera para concretizar o
seu amor; os obstáculos incentivam o herói na fase de conquista (o que é
proibido é mais gostoso), ao invés de torná-lo impotente como acontece nas
cantigas; a esse amor físico, adúltero, presente nas novelas e xácaras medievais,
dá-se o nome de AMOR CORTÊS, em que o casal central  não tem final feliz e é
severamente punido pelo pecado cometido. Nesses episódios eróticos são
revelados até relacionamentos homossexuais ( rei Artur e Lancelote, rei Ricardo
Coração de Leão...)

            Os heróis medievais não têm a força física exagerada dos heróis da
Antigüidade, mas são sempre jovens, belos e elegantes. Suas amadas são
sempre "as mais belas do reino". A maioria das novelas de cavalaria
portuguesas são traduções ou adaptações de novelas francesas ou inglesas.
Dependendo de quem é o herói principal da novela, ela faz parte de um
dos  seguintes CICLOS:

a) CICLO GRECO-ROMANO OU CLÁSSICO: conjunto de novelas de cavalaria


que narram as façanhas de heróis da Antigüidade;

b) CICLO CAROLÍNGEO OU FRANCÊS: novelas cujo herói é Carlos Magno;

c) CICLO ARTURIANO OU BRETÃO: as novelas deste ciclo são as mais


famosas, adaptadas e traduzidas; o herói dessas novelas é o Rei Artur , sempre
acompanhado de seus célebres cavaleiros da távola redonda.

Essa  "MATÉRIA DA BRETANHA" é uma das fontes que dão origem às novelas


de cavalaria portuguesas: tanto que as novelas portuguesas mais importantes
pertencem ao Ciclo Arturiano ou Bretão, como "José de Arimatéia", "História de
Merlin", etc.  As novelas mais marcantes porém são:

a)"A DEMANDA DO SANTO GRAAL" : narra a busca do cálice sagrado pelo


rei Artur e os cavaleiros da távola redonda;

b)"AMADIS DE GAULA", de autoria de Vasco ou João da Lobeira.

     As novelas de cavalaria portuguesas também são inspiradas nas CANÇÕES


DE GESTA  francesas (cantigas que homenageavam os heróis e seus feitos). A
prosa medieval portuguesa, como se pode concluir, é predominantemente do
GÊNERO ÉPICO.
       A Literatura Medieval Portuguesa expressa a simplicidade, a ingenuidade e
a passividade do homem medieval  e contém marcas do contexto em que foi
produzida. Completamente dominado pelo medo do pecado e com o objetivo
de agradar sempre a Deus, o homem medieval ainda consegue fazer uma
literatura que em determinados  momentos rompe com esse domínio: é o caso
das novelas de cavalaria, dos romances ou xácaras.  O segundo período
medieval vai mostrar que esse "rompimento" vai aumentando  com o passar do
tempo, até que o homem consegue sair das TREVAS MEDIEVAIS
definitivamente.

A Igreja católica era uma das principais instituições da Idade Média.Sua influência se
exercia sobre todos os se tores da sociedade, estava presente em cada costume e em
cada ato da vida dos cristãos. Regulamentava as relações entre as pessoas
(casamentos, doações de feudos...), definia o que devia ser feito em cada hora: tempo
de orações, de jejum, de guerra e de paz. A mentalidade do homem era totalmente
dominada pela religião. Aqueles que se afastassem de suas normas sofreriam
punições: penitências, exigência de peregrinações e excomunhão. Com o surgimento
de novas religiões e o enfraquecimento da Igreja, foi criada a Inquisição, um tribunal
religioso que julgava e condenava os acusados de heresias, aqueles que não seguiam
os preceitos cristãos . Sendo tão rica e temida a Igreja detinha também grande poder
político: os papas interferiam na política dos reis e imperadores, muitas vezes
criando conflitos entre uns e outros.
Organização da Igreja
A direção da Igreja católica pertencia ao papa e aos bispos. Cada bispo administrava
um território denominado diocese. Os bispos eram auxiliados nessa tarefa
pelos cónegos.
As dioceses eram formadas por várias paróquias, e cada uma delas tinha um padre
(chamado pároco) para administrá-la.
A Igreja, portanto, estava organizada como um verdadeiro Estado, mais poderoso
até que os reinos medievais. Até hoje a Igreja é organizada praticamente da mesma
forma.
O poder da Igreja na Idade Média
A Igreja foi a instituição mais poderosa da sociedade medieval do Ocidente. As
magníficas catedrais construídas na Europa nos séculos XII e XIII são sinais
impressionantes desse poder.
Naquela época não existiam usinas, fábricas, bancos nem máquinas. O importante
era a terra. A riqueza era medida pela quantidade de terra que alguém possuía. A
Igreja chegou a ser proprietária de dois terços das terras de toda a Europa. Era uma
instituição poderosíssima, a "grande senhora feudal". Alguns mosteiros medievais
eram verdadeiros feudos, enormes e com numerosos servos.
Todos os bispos eram proprietários de terras. Aliás, ser bispo era um grande negócio
na Idade Média. Veja o que diz um bispo do século IX:
"Para ordenar um padre, cobrarei em ouro; para ordenar um diácono, cobrarei um
monte de prata (...). Para chegar a bispo, paguei bom ouro, mas agora hei de rechear
a bolsa".
Essa mentalidade demonstra como os membros da Igreja na Idade Média se
deixaram seduzir pelos bens materiais. Arcebispos, bispos e abades eram os
equivalentes aos duques, barões e condes e em geral viviam no luxo.

Novelas de Cavalaria

Além de tão magnífica floração lírica, a época do Trovadorismo ainda se


caracteriza pelo aparecimento e cultivo das novelas de cavalaria.

Originárias da Inglaterra ou/e da França, e de carácter tipicamente medieval,


nasceram da prosificação e metamorfose das canções de gesta (poesia de
temas guerreiros) estas, alargadas e desdobradas a um grau que transcendia
qualquer memória individual, deixaram de ser expressas por meio de versos
para o ser em prosa, e deixaram de ser cantadas para ser lidas. Dessa
mudança resultaram as novelas de cavalaria, que penetraram em
Portugal no século XIII, durante o reinado de Afonso III. Seu meio
de circulação era a fidalguia e a realeza. Traduzidas do Francês, era natural
que na tradução e cópia sofressem voluntárias e involuntárias alterações com
o objectivo de aclimatá-las à realidade histórico-cultural portuguesa. Nessa
época, não há notícia de qualquer novela de cavalaria autenticamente
portuguesa: eram todas vertidas do Francês.

Convencionou-se dividir a matéria cavaleiresca em três ciclos:

 ciclo bretão ou arturiano, tendo o Rei Artur e seus cavaleiros como


protagonistas;
 ciclo carolíngio em torno de Carlos Magno e os doze pares de
França;
 ciclo clássico, referente a novelas de temas Greco-latinos.

Tratando-se da Literatura Portuguesa, essa divisão não tem cabimento, pois


só o ciclo arturiano deixou marcas vivas de sua passagem em Portugal. Sabe-
se que os demais ciclos foram conhecidos e exerceram alguma influência,
mas apenas na poesia do tempo, visto que não se conhece em vernáculo
nenhuma novela de tema carolíngio ou clássico.
Sabe-se, ainda, que na biblioteca de D. Duarte (1391-1438) existiam
exemplares de algumas novelas como Tristão, o Livro de Galaax, o Mago
Merlim, o que revela o alto apreço em que eram tidas e a grande influência
que exerceram sobre os hábitos e costumes palacianos da Idade Média
portuguesa. Exceptuando o Amadis de Gaula somente permaneceram as
seguintes: História de Merlim, José de Arimateia e A Demanda do Santo
Graal.

A versão portuguesa da História de Merlim desapareceu novela só temos a


tradução espanhola, calcada sobre a portuguesa O José de Arimateia (ms.
n.0 634 da Torre do Tombo, Lisboa) foi publicado finalmente em 1967: teria
sido traduzido no século XIV, mas a cópia existente foi executada no século
XVI, pelo Dr. Manuel Alvares; pertence a outra trilogia. no início posta em
verso e depois em prosa, formada com a História de Merlim e A Demanda
do Santo Graal, precisamente as novelas que nos restaram.

Um resumo dela pode ser encontrado no Livro de Vespasiano (1496). Novela


mística, tem começo numa visão celestial de José de Arimateia e no
recebimento dum pequeno livro (A Demanda do Santo Graal). José parte
para Jerusalém; convive com Cristo, acompanha-lhe o martírio da Cruz, e
recolhe-lhe o sangue no Santo Vaso. Deus ordena-lhe que o esconda. Tendo-
o feito, morre em Sarras. O relato termina com a morte de Lancelote: seu
filho, Galaaz, irá em busca do Santo Graal.

CANTIGAS DE AMIGO

Ondas do mar de Vigo,


se vistes meu amigo!
E ai Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar levado,


se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amigo,


o por que eu sospiro!
E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amado,


por que hei gran cuidado!
E ai Deus, se verrá cedo!

Martin Codax, CV 884, CBN 1227


Pois nossas madres van a San Simon
de Val de Prados candeas queimar,
nós, as meninhas, punhemos de andar
con nossas madres, e elas enton
queimen candeas por nós e por si
e nós, meninhas, bailaremos i.

Nossos amigos todos  lá irán


por nos veer, e andaremos nós
bailando ante eles, fremosas en cós,
e nossas madres, pois que alá van,
queimen candeas por nós e por si
e nós, meninhas, bailaremos i.

Nossos amigos irán por cousir


como bailamos, e podem veer
bailar moças de bon parecer,
e nossas madres pois lá  queren ir,
queimen candeas por nós e por si
e nós, meninhas, bailaremos i.

Pero de Viviãez, CV 336, CBN 698

CANTIGAS DE AMOR

Quer'eu em maneira de proençal


fazer agora un cantar d'amor,
e querrei muit'i loar mia senhor
a que prez nen fremusura non fal,
nen bondade; e mais vos direi en:
tanto a fez Deus comprida de ben
que mais que todas las do mundo val.

Ca mia senhor quiso Deus fazer tal,


quando a faz, que a fez sabedor
de todo ben e de mui gran valor,
e con todo est'é mui comunal
ali u deve; er deu-lhi bon sen,
e des i non lhi fez pouco de ben,
quando non quis que lh'outra foss'igual.

Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal,


mais pôs i prez e beldad'e loor
e falar mui ben, e riir melhor
que outra molher; des i é leal
muit', e por esto non sei oj'eu quen
possa compridamente no seu ben
falar, ca non á, tra-lo seu ben, al.

El-Rei D. Dinis, CV 123, CBN 485


Proençaes soen mui ben trobar
e dizen eles que é con amor;
mais os que troban no tempo da frol
e non en outro, sei eu ben que non
an tan gran coita no seu coraçon
qual m'eu por mha senhor vejo levar.

Pero que troban e saben loar


sas senhores o mais e o melhor
que eles poden, soõ sabedor
que os que troban quand'a frol sazon
á, e non ante, se Deus mi perdon,
non an tal coita qual eu ei sen par.

Ca os que troban e que s'alegrar


van eno tempo que ten a color
a frol consigu', e, tanto que se for
aquel tempo, logu'en trobar razon
non an, non viven [en] qual perdiçon
oj'eu vivo, que pois m'á-de matar.

El-Rei D. Dinis, CV 127, CBN 489

CANTIGAS DE ESCÁRNIO E MALDIZER

Foi um dia Lopo jograr


a casa duü infançon cantar,
e mandou-lhe ele por don dar
três couces na garganta,
e foi-lhe escasso, a meu cuidar,
segundo como el canta

Escasso foi o infançon


en seus couces partir' enton,
ca non deu a Lopo enton
mais de três na garganta,
e mais merece o jograron,
segundo como el canta.

Martin Soarez, CV 974

Ai, dona fea, foste-vos queixar


que vos nunca louv'en [o] meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
en que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!

Dona fea, se Deus me perdon,


pois avedes [a] tan gran coraçon
que vos eu loe, en esta razon
vos quero já loar toda via;
e vedes qual será a loaçon:
dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei


en meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já un bon cantar farei,
en que vos loarei toda via;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!

Joan Garcia de Guilhade, CV 1097, CBN 1486

Roi Queimado morreu con amor


en seus cantares, par Sancta Maria,
por Da dona que gran ben queria:
e, por se meter por mais trobador,
porque lhe ela non quis ben fazer,
feze-s'el en seus cantares morrer,
mais resurgiu depois ao tercer dia!

Esto fez el por üa sa senhor


que quer gran ben, e mais vos en diria:
por que cuida que faz i maestria,
enos cantares que faz, á sabor
de morrer i e des i d'ar viver;
esto faz el que x'o pode fazer,
mais outr'omem per ren' nono faria.

E non á já de sa morte pavor,


senon sa morte mais la temeria,
mais sabe ben, per sa sabedoria,
que viverá, des quando morto for,
e faz-[s'] en seu cantar morte prender,
des i ar vive: vedes que poder
que lhi Deus deu, mais que non cuidaria.

E, se mi Deus a mim desse poder


qual oj'el á, pois morrer, de viver,
já mais morte nunca temeria.

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