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Mecanismos de adaptação celular e tecidual

Normalmente, as células mantêm um


estado normal chamado homeostasia, no
qual o meio intracelular é mantido dentro
de uma faixa razoavelmente estreita dos
parâmetros fisiológicos. Quando
encontram um estresse fisiológico ou um
estímulo patológico, podem sofrer uma
adaptação, alcançando um novo estado
constante, preservando sua viabilidade e
função. As principais respostas adaptativas
são hipertrofia, hiperplasia, atrofia e
metaplasia. Se a capacidade adaptativa é
excedida ou se o estresse externo é Fisiológicas- Normalmente
inerentemente nocivo, desenvolve-se a representa, respostas celulares à
lesão celular. Dentro de certos limites, a estimulação normal pelos hormônios ou
lesão é reversível e as células retornam a mediadores químicos.
um estado basal estável; entretanto, um Patológicas – respostas ao estresse
estresse grave, persistente e de início que permitem às células modularem sua
rápido resulta em lesão irreversível e morte estrutura e função escapando, assim, da
das células afetadas. A morte celular é um lesão.
dos eventos mais cruciais na evolução da
doença em qualquer tecido ou órgão. É
resultante de várias causas, incluindo
isquemia (redução do fluxo sanguíneo),
infecções, toxinas e reações imunes. A
morte celular constitui também um
processo essencial e normal na em-
briogênese, no desenvolvimento dos
órgãos e na manutenção da homeostasia.

As relações entre células normais,


células adaptadas e células lesadas de
modo reversível ou irreversível são bem não existem células novas, apenas células
ilustradas pelas respostas do coração aos maiores, contendo quantidade aumentada
diferentes tipos de estresses. O miocárdio de proteínas estruturais e de organelas.
submetido a uma carga aumentada e
A hiperplasia é uma resposta adap-
persistente, como na hipertensão ou com
tativa em células capazes de replicação,
estenose de uma valva, se adapta sofrendo
enquanto a hipertrofia ocorre quando as
hipertrofia — um aumento do tamanho das
células possuem capacidade limitada de se
células individuais e finalmente de todo o
dividir. A hipertrofia e a hiperplasia podem
coração — para gerar necessitada força
também ocorrer juntas e, obviamente,
contrátil maior. Se o aumento da demanda
ambas resultam em órgão aumentado
não for atenuado ou se o miocárdio for
(hipertrófico).
submetido a um fluxo sanguíneo reduzido
(isquemia), devido a uma oclusão em A hipertrofia pode ser fisiológica ou
artéria coronária, as células musculares patológica e é causada pelo aumento da
sofrerão lesão. O miocárdio pode ser demanda funcional ou por fatores de
lesado de modo reversível se o estresse for crescimento ou estimulação hormonal
leve ou se a oclusão arterial for incompleta específica.
ou suficientemente breve, ou pode sofrer
• Durante a gravidez, o aumento
lesão irreversível e morte celular (infarto)
fisiológico maciço do útero ocorre como
após oclusão completa e prolongada.
consequência da hipertrofia e hiperplasia
Observe, também, que estresses e do músculo liso estimulado pelo
lesão afetam não apenas a morfologia, mas estrogênio. Ao contrário, as células
o estado funcional das células e tecidos. musculares estriadas da musculatura es-
Portanto, os miócitos lesados de modo quelética e do coração podem sofrer
reversível não estão mortos e podem se apenas hipertrofia em resposta ao aumento
assemelhar aos miócitos morfologicamente da demanda porque, no adulto, elas
normais; entretanto, eles estão possuem capacidade limitada de divisão.
transitoriamente não contráteis e, portanto, Portanto, os levantadores de peso podem
mesmo a lesão leve pode ter impacto desenvolver um físico aumentado apenas
clínico. Se uma forma específica de por hipertrofia de células musculares
estresse induz adaptação ou causa lesão esqueléticas individuais.
reversível ou irreversível, depende não
apenas da natureza e gravidade do estresse,
mas também de várias outras variáveis, que
incluem o metabolismo celular basal e o
suprimento sanguíneo e nutricional.

Hipertrofia – A hipertrofia é um
aumento do tamanho das células que
resulta em aumento do tamanho do órgão. • Um exemplo de hipertrofia celular
Dito de outro modo, na hipertrofia pura patológica é o aumento cardíaco que
ocorre com hipertensão ou doença de valva hipertrofia e sempre em resposta ao mesmo
aórtica. estímulo. (Aumento do número de células
em um órgão ou tecido que então pode ter
volume aumentado).

Os mecanismos que influenciam a


hipertrofia cardíaca envolvem, pelo menos,
dois tipos de sinais: os desencadeantes
mecânicos, como o estiramento, e os A hiperplasia pode ser fisiológica ou
desencadeantes tróficos, que tipicamente patológica. Em ambas as situações, a
são mediadores solúveis que estimulam o proliferação celular é estimulada por
crescimento celular, como fatores de fatores de crescimento que são produzidos
crescimento e hormônios adrenérgicos. por vários tipos celulares.
Esses estímulos acionam as vias de
transdução de sinais que levam à indução • Os dois tipos de hiperplasia
de vários genes, os quais, em torno, fisiológica são:
estimulam a síntese de numerosas
(1) hiperplasia hormonal,
proteínas celulares, incluindo fatores de
exemplificada pela proliferação do epitélio
crescimento e proteínas estruturais. O
glandular da mama feminina na puberdade
resultado é a síntese de mais proteínas e
e durante a gravidez;
microfilamentos por célula, o que aumenta
a força gerada com cada contração, (2) hiperplasia compensatória, na
permitindo que a célula alcance melhor qual cresce tecido residual após a remoção
desempenho. Há também uma troca de ou perda da porção de um órgão. Por
proteínas contráteis adultas para forma exemplo, quando o fígado é parcialmente
fetal ou neonatal. Por exemplo, durante a removido, a atividade mitótica das células
hipertrofia do músculo, a cadeia pesada da restantes inicia-se 12 horas depois,
miosina a é substituída pela forma b da restaurando o fígado ao seu peso normal. O
cadeia pesada de miosina, a qual possui estímulo para a hiperplasia nesse exemplo
contração mais lenta e energeticamente são os fatores de crescimento
mais econômica. polipeptídicos produzidos pelos
hepatócitos restantes, assim como as
Hiperplasia – ocorre se o tecido
células não parenquimatosas do fígado.
contém populações celulares capazes de se
Após a restauração da massa do fígado, a
dividir; ocorre simultaneamente com a
proliferação celular é “desligada” pelos hiperplasia patológica constitui solo fértil
vários inibidores de crescimento. no qual o câncer pode surgir
posteriormente. (caso de pintas, que às
A maioria das formas de hiperplasia
vezes são recomendadas a remoção, pois
patológica é causada por estimulação
podem ser um “solo fértil” para surgimento
excessiva hormonal ou por fatores do
de um câncer).
crescimento. Por exemplo, após um
período menstrual normal, há aumento da Atrofia - A diminuição do tamanho da
proliferação do epitélio uterino, que célula, pela perda de substância celular, é
normalmente é estritamente regulada pela conhecida como atrofia. Quando um
estimulação dos hormônios hipofisários, número suficiente de células está
pelo estrogênio ovariano e pela inibição envolvido, todo o tecido ou órgão diminui
através da progesterona. Entretanto, se o em tamanho, tornando-se atrófico. Deve
equilíbrio entre estrogênio e progesterona é ser enfatizado que, embora as células
alterado, ocorre a hiperplasia do endomé- atróficas tenham sua função diminuída,
trio, causa comum de sangramento elas não estão mortas. (Diminuição do
menstrual anormal. A hiperplasia é tamanho da célula por perda de substância
também uma resposta importante das celular).
células do tecido conjuntivo na
As causas da atrofia incluem a
cicatrização de feridas na qual os
diminuição da carga de trabalho (p. ex., a
fibroblastos e os vasos sanguíneos que
imobilização de um membro para permitir
proliferam auxiliam o reparo. Nesse
o reparo de uma fratura), a perda da
processo, os fatores de crescimento são
inervação, a diminuição do suprimento
produzidos pelos leucócitos em resposta à
sanguíneo, a nutrição inadequada, a perda
lesão e pelas células na matriz extracelular.
da estimulação endócrina e o
A estimulação pelos fatores de crescimento
envelhecimento (atrofia senil). Embora
está envolvida também na hiperplasia
alguns desses estímulos sejam fisiológicos
associada a certas infecções virais; por
(p. ex., a perda da estimulação hormonal na
exemplo, as papilomaviroses causam
menopausa) e outros patológicos (p. ex., a
verrugas na pele e lesões mucosas
desnervação), as alterações celulares
compostas de massas de epitélio
fundamentais são idênticas. Elas
hiperplásico.
representam uma retração da célula para
Hiperplasia patológica é câncer? É um tamanho menor no qual a
importante notar que, em todas essas sobrevivência seja ainda possível; um novo
situações, o processo hiperplásico equilíbrio é adquirido entre o tamanho da
permanece controlado; se os sinais que a célula e a diminuição do suprimento
iniciam cessam, a hiperplasia desaparece. sanguíneo, da nutrição ou da estimulação
É a sensibilidade dos mecanismos de trófica.
controle que diferencia as hiperplasias
Fisiológica: Redução do útero após o
patológicas benignas do câncer. Contudo,
parto. Perda de estimulação endócrina:
em muitos casos, o surgimento de uma
atrofia do endométrio, mama, epitélio
vagina, após a menopausa. adaptação celular, uma célula sensível a
Envelhecimento (atrofia senil). Ex: cérebro determinado estresse é substituída por
e coração. outro tipo celular mais capaz de suportar o
ambiente hostil. Acredita-se que a
metaplasia surja por uma reprogramação
de células-tronco que se diferenciam ao
longo de outra via, em vez de uma
alteração fenotípica (transdiferenciação) de
células já diferenciadas.

Pode ser exemplificada pela mudança


Patológica: Perda da inervação escamosa que ocorre no epitélio
(atrofia por desnervação). Diminuição do respiratório em fumantes habituais de
suprimento sanguíneo (isquemia)-o cérebro cigarros.
na idade adulta avançada sofre atrofia
progressiva supostamente à medida que a
aterosclerose estreita seu suprimento
sanguíneo. Nutrição inadequada. Pressão:
compressão tecidual causada por tumor.

ATROFIA SIMPLES - redução do


volume de um órgão ou tecido através de
redução do volume de suas células.
As células epiteliais normais,
colunares e ciliadas da traqueia e dos
brônquios são focal ou difusamente
substituídas por células epiteliais
escamosas estratificadas. O epitélio
pavimentoso estratificado, mais resistente,
torna-se mais capaz de sobreviver às
substâncias químicas do cigarro do que o
Metaplasia – é uma alteração epitélio especializado, mais frágil, que não
reversível na qual um tipo celular adulto poderia tolerar. Embora o epitélio
(epitelial ou mesenquimal) é substituído escamoso metaplásico possua vantagens de
por outro tipo celular adulto. Nesse tipo de
sobrevivência, importantes mecanismos de
proteção são perdidos, como a secreção de
muco e a remoção pelos cílios de materiais
particulados. Portanto, a metaplasia
epitelial é uma faca de dois gumes. Além
disso, as influências que induzem a
transformação metaplásica, se persistirem,
podem predispor à transformação maligna
do epitélio. De fato, a metaplasia escamosa
do epitélio respiratório sempre coexiste
com cânceres compostos por células
escamosas malignas. Acredita-se que,
inicialmente, fumar cigarros cause a meta-
plasia escamosa e, mais tarde, os cânceres
surjam em alguns desses focos alterados.
Como a vitamina A é essencial para a
diferenciação normal do epitélio, sua
deficiência pode induzir também a RESUMO
metaplasia escamosa no epitélio
respiratório. Adaptações Celulares ao Estresse

A metaplasia não ocorre sempre no • Hipertrofia: aumento do tamanho da


sentido do epitélio colunar para o epitélio célula e do órgão, sem-pre em resposta ao
escamoso; no refluxo gástrico crônico, o aumento da carga de trabalho; induzida por
epitélio pavimentoso estratificado normal fatores de crescimento produzidos em
da porção inferior do esôfago pode sofrer resposta ao estresse mecânico ou outros
transformação metaplásica para epitélio estímulos; ocorre em tecidos incapazes de
colunar do tipo gástrico ou intestinal. A divisão celular.
metaplasia pode ocorrer também em • Hiperplasia: aumento do número de
células mesenquimais, mas nessas células em resposta a hormônios e outros
situações ela é geralmente uma reação a fatores de crescimento; ocorre em tecidos
alguma alteração patológica e não uma cujas células são capazes de se dividir ou
resposta adaptativa ao estresse. Por que conte-nham abundantes células-tronco.
exemplo, osso é formado em tecidos
moles, particularmente nos focos de lesão. • Atrofia: diminuição da célula e do
órgão, como resultado da diminuição do
Esôfago de Barrett: células escamosas suprimento de nutrientes ou por desuso;
do epitélio do esôfago são substituidas por associada à diminuição de síntese celular e
células colunares semelhantes a do epitélio aumento da quebra proteolítica das
intestinal por influência do refluxo ácido organelas celulares.
gástrico.
• Metaplasia: alteração do fenótipo
em células diferenciadas, sempre em
resposta a irritação crônica que torna as
células mais capazes de suportar o estresse;
geralmente induzida por via de
diferenciação alterada das células-tronco
nos tecidos; pode resultar em redução das
funções ou tendência aumentada para
transformação maligna.

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