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ECLESIOLOGIAS NAS CARTAS PAULINAS, NAS CARTAS PASTORAIS E

NOS EVANGELHOS

a) A Igreja na teologia paulina


Consoante as abundantes afirmações das cartas deuteropaulinas, a Igreja provém do
mistério do eterno plano salvífico de Deus (cf. Ef 1,3-16; Cl 1,15-20.24-29).
Estabelecida mediante o sangue de Cristo, a Igreja constituída por judeus e pagãos é
testemunha do desígnio salvífico de Deus que se tornou atuante na história (Ef 3,10).
Como comunidade histórica, ela é construída sobre o fundamento dos apóstolos e dos
profetas, e de acordo com a sua natureza e missão, ela é templo do Espírito, mediante o
qual todos, no único Mediador Cristo, têm o Pai (Ef 2,18).
A Igreja tornou-se um só corpo e um só Espírito com Cristo. Através do batismo, o
crente entra em uma comunhão de destino com o Senhor crucificado e ressuscitado e
tem parte na comunidade dos discípulos (Rm 6,4). Na Ceia do Senhor, na ação de
graças dos dons do pão e do vinho, a comunidade demonstra a comunhão com o corpo e
com o sangue de Cristo. O dom sacramental da Eucaristia edifica a Igreja para o que ela
é como edifício social: o único corpo de Cristo (cf. lCor 10,17).
Paulo fala da comunidade dos discípulos - à diferença do povo de Deus
veterotestamentario (Rm 9,25; 2Cor 6,16) - como a Igreja de Deus em Cristo e no
Espírito (lTs 1,1; 2,14; lCor 1,2; 10,32; 11,16; 15,9; ÇI li At 20,28; lTm 3,5.10). A
Igreja de Cristo, una e única, é o povo de Deus da aliança escatológico. É confirmado
no sangue de Cristo, no qual a nova aliança é fundada (1Cor 11,25).
A única comunidade salvífica universal existe tanto nas igrejas locais de Corinto,
Tessalônica entre outras (Rm 16,1.16.23; lCor 4,17; 6,4), quanto como comunidades
domésticas (Rm 16,5; lCor 16,19).Contudo, tais comunidades não são conventículos
isolados, mas a visualização e a realização da única Igreja universal 11,22; 12,28; 15,9;
Gl 1,13). Os crentes, como os santos chamados à assembleia (iCor 1,2), são unificados
na profissão de fé e na Ceia do Senhor. A comunhão com Cristo mostra-se ademais na
comunhão recíproca dos crentes e na participação comum nos sofrimentos e nas alegrias
de todos os membros do único corpo de Cristo que foi constituído em um único corpo
no batismo, e no qual foram supressas as oposições entrei escravo e livre (1Cor
12,13.26). .
O verdadeiro conceito paulino para Igreja do Senhor é, portanto, Corpo de Cristo.
Corpo significa lugar, em sentido natural, a existência terreno-corporal de Jesus, em
segundo lugar, a presença sacramental da humanidade do Senhor glorificado na figura
do pão e do vinho na Ceia do Senhor e, em terceiro 1ugar, a comunhão de vida, que dai
resulta dos fieis com Jesus Cristo, a cabeça da Igreja, bem como a comunhão de vida
recíproca que deriva daí (iCor 10,16): “Ora, vos sois o corpo de Cristo e sois os seus
membros, cada um por sua parte.” (iCor 12,27).
As cartas deuteropaulinas enfatizam o ideograma no qual elas compreendem claramente
Cristo como cabeça, que é a origem e o principio de vida da Igreja que, em relação a
Ele, é o corpo e está, ao mesmo tempo, inseparavelmente unida a Ele (Cl 1,18). A Igreja
é completamente plenificada por sua presença (Ef 3,19). A vida da Igreja consuma-se
como um constante aprofundamento da comunhão com Cristo, como um crescimento
Cristo e da Igreja (Ef 4,4-16). O face a face da Igreja com Cristo é também explicitado
mediante o recurso a um ideograma veterotestamentário (cf. Is 62,5; Os 2,21) para o
relacionamento de aliança entre Yahweh e Israel: Cristo e a Igreja re1acionam-se
mutuamente como novo e noiva (Ef 5,25).
Justamente como corpo de Cristo, a Igreja é pleniflcada pelo Espirito Santo que é a
origem dinâmica da messianidade de Jesus e por cuja força o Cristo foi ressuscitado
pelo Pai dentre os mortos (cf. Lc 3,22; Rm 8,9-11). Neste sentido, a Igreja é também,
em sentido especial, templo (edifício, casa) do Espírito Santo, uma casa feita de pedras
vivas e um sacerdócio santo (iPd 2,5).
Como princípio de vida pervagante, o Espírito realiza todas as funções, serviços,
ministérios e dons mediante os quais a Igreja, como corpo de Cristo, é construída (Rm
8,1; 12,11; 15,16; lCor 6,11; 12,4.11; 2Cor 1,22; 3,16; Gl 3,1;5;Ef1,13; 2,17; 33; 5,18).
Como fruto do Espírito, a Igreja e cada membro individualmente levam uma vida de
liberdade e de amor (cf.Rm8,1-17).
Da presença do Espírito, resulta também a constituição da Igreja. Paulo não a
compreende como uma organização jurídico-profana, mas como a personificação e a
manifestação da natureza da Igreja como comunhão com Deus na graça de Cristo, algo
que só é compreendido na fé.
A Igreja é reconstruída, a cada vez, mediante o Evangelho de Cristo (Rm 1,9.16; lTs
2,13). Em sua palavra, Deus mesmo constitui sua Igreja de modo poderoso e salvífico
(Rm 1,16; lCor 1,18; 2Cor 4,2.4). De maneira especial, o único Evangelho realiza-se no
batismo, mediante o qual o cristão é acolhido na comunhão visível da Igreja. O batismo
é sinal eficaz da comunhão com o corpo de Cristo e do dom da participação no
relacionamento filial de Pai no Espírito (Rm 6,1-11; iCor 12,13; Ef 5,26; Tt 3,5). O
Evangelho alcança a derradeira condensação na Ceia do Senhor, na qual se realiza a
memória real da doação da vida de Jesus na cruz, e o povo da aliança se reconstitui
como comunidade de fé: "Todas as vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse
cálice, anunciais a morte do Senhor até que Ele venha" (lCor 11,26; cf. iCor 10,16.21).
O Apóstolo sabe-se revestido do poder de Cristo para o serviço do Evangelho (Rm 1,9;
lCor 9,17; 2Cor 3,14). Seu ministério mostra-se como serviço da palavra de
reconciliação. Ele age no lugar de Cristo (2Cor 5,20). O apostolado de Paulo e dos
demais apóstolos, imediatamente ligado à aparição do ressuscitado (Gl 1,1-16; 1Cor
15,3-5), não pode ser transmitido aos ministros da comunidade pós-pascal. Contudo, o
serviço da direção da comunidade e do anúncio também fazem parte do apostolado.
Deste modo, no círculo dos colaboradores de Paulo, surgem ministros da comunidade
ligados localmente: epíscopos e diáconos (Fl 1,1), chefes, líderes, mestres (1Ts 5,12; Gl
6,6;1iCor 16,16; cf. lTm 5,17; Tt 1,5; Hb 13,17). Nas cartas deuteropaulinas, deixa-se
claro que as funções dos apóstolos e profetas são exercidas pelos evangelistas, pastores
e mestres (Ef 4,11). A tarefa deles é “aperfeiçoar os santos em vista do ministério, para
a edificação do Corpo de Cristo" (Ef 4,12).
A atuação do Espírito Santo, porém, não se restringe ao apostolado. Cada cristão,
individualmente, mediante seus carismas e seus serviços, contribui para a edificação da
Igreja. Esta é uma regra constante da Igreja, e de forma alguma, um fenômeno
entusiástico pertencente aos começos (lTs 5,19). Na estrutura da comunidade humana,
levada a cabo pelo único Deus, pelo único Senhor e pelo único Espírito, com seus
ministérios, serviços e carismas pessoais, quem realiza a construção do corpo na
variedade dos membros é o Espírito (Rm 12-14; lCor 12; Ef 4,4-16; 1Pd 4,10s).
O modelo de explicação sociológico, mediante o qual, no começo, uma comunidade
carismática livre teria surgido e que, posteriormente, ter-se-ia enrijecido sempre mais
em instituição, já não é defensável historicamente. As categorias "carismática" e
"institucional", tomadas da sociologia profana, constituem uma visão teológica
inadequeda da Igreja (ademais, "carisma" aqui é mais compreendido no sentido de
compromissos pessoais, e não do Espírito). Ainda que, durante a vida dos apóstolos, as
estruturas de ministérios da Igreja pós-pascal não estivessem claramente marcadas, elas,
no entanto, já estavam suficientemente delineadas em ser permanente função em prol da
Igreja no apostolado do apóstolo. O ministério do apostolado e a estrutura dos
ministérios neele fundamentada não devem, acima de tudo, ser colocadas em confronto
com a vocação comum de todos os cristãos para a construção do corpo de Cristo. Com
efeito, o batismo é que torna o indivíduo membro e Cristo, a Igreja. Com isso, cada um
contribui ativamente para a edificação da Igreja. Os dons livres do Espírito, os carismas
próprios de cada cristão individualmente e também o carisma do ministério têm a
mesma origem no Santo Pneuma. Na passagem para a era pós-apostólica não se dá uma
substituição dos "carismas" pelos "ministérios". (Isto seria não apenas uma
institucionalização da Igreja, mas a destruição de sua origem cristológica e
pneumatoiógiça.) O ministério sacramental é, ao contrário, agora, pela primeira vez
refletido e colocado em relação com a origem apostólica da Igreja. Desta maneira, seu
caráter apostólico (ministerios) é reconhecido bem como a continuidade dos serviços do
Apostolo no ensinamento, no anúncio, na conservação da fé e da comunidade,
finalmente também no exercício do ministério de liderança do pastoreio, como agora
cabe aos epíscopos/presbíteros (cf. lTm 3,5; 4,14; 5,17.22; 2Tm 1,6; Tt 1,5; iPd 5,1-4;
At 14,23;20,28).
Fica, portanto, claro o enfoque cristológico na eclesiologia de Paulo. As comunidades
surgem pelo fato de um apóstolo anunciar o Evangelho salvador de Jesus Cristo e pelo
fato dos interlocutores aceitarem na fé esse Evangelho. Essa comunhão da fé
caracteriza-se por um “estar em Cristo” ou ser “Corpo de Cristo”. Isso significa que a
pessoa que crê em Cristo entra na área de domínio de Cristo exaltado à direita de Deus,
que o Cristo crucificado e ressuscitado, a justiça de Deus, é e permanece o espaço
redentor de vida da nova Criação. Nessa nova forma social da fé são anuladas as
estruturas sociais de poder em vigor: nesse “estar em Cristo” não há nem judeus nem
gregos, nem escravos nem livres, nem homem nem mulher (Gl 3,28). A própria
expressão Corpo de Cristo testifica a determinação da eclesiologia pela cristologia: os
participantes da celebração Eucarística, em conjunto, passam a tomar parte no corpo e
sangue de Cristo, são unidos ao Cristo crucificado e ressuscitado, de modo que eles
mesmos passem a ser “corpo de Cristo”, fazendo da Igreja, portanto, o corpo terreno do
Cristo exaltado.
Agora, considerando que não existe confissão de Cristo que não pressuponha já a
confissão de Deus por parte de Israel, a definição da Igreja como corpo de Cristo precisa
necesseriamente ser ampliada sob o aspecto da atuação criadora de comunhão por parte
do Deus uno na história uma da salvação. Por isso, igreja necessariamente se define
também como “povo de Deus”, para Paulo. Paulo dá diversas designações para isso:
Igreja é o povo de Deus (Rm 9,25), o Israel de Deus (Gl 6,16), a semente de Abraão
(Rm 9,7s), a verdadeira de filiação de Deus (Rm 9) e a comunidade reunidade de Deus
(1Cor 15,9; Gl 1,13; 1Cor 10,32; 11,22; 1Cor 14...)

Várias experiências são sintetizadas pro Paulo com esta noção de Igreja como “povo de
Deus”: a fidelidade de Deus para com a aliança; as rupturas da história da salvação
ligadas à insuficiência da fidelidade humana com a aliança; a experiência da irrupção do
tempo final na morte e na ressurreição de Jesus Cristo; o milagre da missão
bem-sucedida entre os gentios. Assim, enquanto povo recongregado por Deus como
“corpo de Cristo”, comunidade de Deus em Jesus Cristo (1Ts 2, 14), a Igreja se encontra
em continuidade como também na descontinuidade em relação ao povo de Deus Israel.
A continuidade com Israel se baseia na fidelidade do Deus uno, na onipotência da sua
bondade e na continuidade da promissão veterotestamentária. Ela abrange vários
aspectos: por um lado ela a Igreja estã fundamentada para sempre no povo de Deus
Israel. Enquanto cristandade gentia ela é o ramo enxertado na nobre oliveira que é
Israel, ramo este que é sustentado e nutrido pelas raízes daquela (Rm 11,16). Enquanto
cristandade judaica a Igreja é o “resto” do povo de Deus Israel, que se converteu a
Cristo (Rm 11, 1-10).
Israel, no entanto, preserva sua eleição e promessa. Seu endurecimento temporário fez
com que a salvação chegasse aos gentios. Sua salvação integral é o alvo da história da
salvação (Rm 11, 11s; 23-32). Neste sentido, Igreja é parte do povo de Deus Israel. A
descontinuidade reside no caráter escatológico de morte e ressurreição de Cristo, ou
seja, na confissão de Cristo e em sua exigência de decisão. O fato de em Cristo ter se
revelado a justiça escatológica de Deus, de modo que somente a fé justifica, o povo de
Deus agora também consiste na comunhão dos crentes em Cristo, em judeus e pagãos.
Só por aí podemos compreender já agora o brotar da missão da Igreja aquilo que faz
parte da expectativa escatológica de Israel, quer dizer, a salvação do mundo pagão. Isso
significa que a Igreja também se entende como cumprimento da promessa
veterotestamentária da “nova aliança” (Rm 9,24 – 10,21). Neste sentido Igreja é o novo
Povo de Deus, que existe concretamente como comunidade individual, inclusive
também como comunidade doméstica, mas particularmente como congregação festiva
de culto divino (celebração Eucarística).
No encontro com o ressuscitado os discípulos não o experienciam apenas de modo
novo, mas experienciam a si mesmos em novas coordenadas, pois saiem tomados pelo
Espírito de Cristo, transformados desse encontro. Deste modo, para Paulo, não se pode
falar de Igreja sem menção ao Espírito de Cristo, isto é, de Deus e dos seus efeitos. O
Espírito é critério de vida na comunhão salvadora com Cristo. Daí ser a Igreja também o
“templo de Deus, tomado de Espírito” (1Cor 3,16; Ef 2,19s), templo messiânico do
Deus vivo no qual as promissões do AT se cumpriram (2Cor 6,16), o templo vivo de
Deus porque Deus nela habita no Espírito, ao qual se deve a Igreja, pelo qual ela é
edificada, o qual lhe concede os serviços e dons de que ela precisa, santifica-a para uma
vida santa perante Deus (Rm 8,9; 1Cor 2, 10s; 6,19; 12,1; 2Cor 3).
Pg 68.

b) O fundamento apostólico da Igreja (Cartas Pastorais 1Tm, 2Tm, Tt –


reinterpretação da pregação paulina do Evangelho)

Trata-se de Igrejas gentio-cristãs em sociedade pagã da Ásia Menor. São da segunda ou


terceira geração, sem expectativa imediata, vivem na retrospectiva do testemunho
apostólico original. Continuar o Evangelho sem desvios/erros é o grande desafio.
As cartas pastorais refletem a natureza teológica da Igreja em adiantado estádio da
época pós-apostólica num contexto de sociedade pagã. A comunidade particular
enquanto realização concreta da Igreja universal continua baseada, como em Paulo, na
pregação do Evangelho (2Tm 1,6-14). A pregação agora se apresenta concretamente
como doutrina (didaskalia) e Tradição apostólica (1Tm 6,20; 2Tm 1, 12.14). Na falta do
apóstolo, temos agora o discípulo do apóstolo que segue seu figurino. A forma
institucional concreta a Igreja toma da antiga economia doméstica do tipo patriarcal. E
isso é plausível porque toda institucionalização só é possível apoiada em padrões
sociais. É bom lembrar que os cristãos se sentiam como forasteiros sem pátria e sem
direitos civis (1Pd 2,11; Ef 2,19), na dispersão (1Pd 1,1; Tg 1,1). Na comunidade local,
a “casa de Deus” (1Pd 2,5; 4,17), encontraram nova pátria, criada pela proximidade
escatológica de Deus, nova familiaridade e fraternaidade possibilitadas pela doação de
Jesus. Essa experiência faz com que a economia doméstica elementar do mundo antigo
seja apenas metáfora eclesiológica fundamental profundamente transformada. Esse
processo de recepção, no entanto, estabeleceu subliminarmente relações e instituições
sociais de difícil harmonização com a experiência original de comunhão de fé: o
afastamento da mulher dos cargos comunitários (Tm 2,8-15; 2Tm 3, 6-9), a
concentração da pregação sobre o líder comunitário de singular autoridade e
responsabilidade, a retenção do elemento profético, a redução da pregação do
Evangelho para doutrina normativa e tradição doutrinal apostólica.
De toda forma, nas Cartas Pastorais, a Igreja surge do plano salvífico de Deus (1Tm1,4;
Tt 2,4-7; cf. Ef 2,22). A "Igreja do Deus vivo" são as colunas e o fundamento da
verdade" (lTm 3,15). Ela está a serviço do testemunho e do anúncio do desígnio
salvífico de Deus que, em Cristo, o único mediador entre Deus e os homens, tornou-se
escatologicamente presente (1Tm 2,4) e foi revelado no Espírito Santo (lTm 3,16). As
cartas dirigidas aos discípulos dos apóstolos querem apresentar Timóteo e Tito como
garantes da autoridade do Apóstolo Paulo. O carisma concedido mediante a imposição
das mãos do presbitério (lTm 4,14; 2Tm 1,16; cf. At 14,23; 20,28) confere ao ministério
do discípulo dos apóstolos, proveniente do apostolado, ou seja, ao bispo e ao presbítero,
participação na autoridade do "anunciador, enviado e mestre do Evangelho de Deus"
(lTm 2,7; 2Tm 1,11; 4,17). Os ministros sacralmente estabeledídos, estão obrigados,
como norma, à transmissão do Evangelho apostólico e ao verdadeiro e são ensinamento
(lTm 4,16; 6,20; 2Tm 1,12s.; Tt 1,9). No alinhamento de seu ministério sacramental
com a transmissão apostólica, o ministro ordenado torna-se como "bom servidor de
Cristo Jesus ( 1Tm 4,6) - modelo e paradigma na forma de vida cristã (lTm 4,12; Tt
2,7). A condução consciente do ministério insere o ministro em uma profunda
comunhão com Cristo. Desta maneira, finalmente ele se torna também auxílio para os
outros, para que alcancem a meta escatológica da vida eterna (lTm 4,16).
Os discípulos dos apóstolos, isto é, os episcopos/presbiteros da comunidade são como
pais e chefes que cuidam da Igreja de Deus (lTm 3,5) Na qualidade de ministro de
ordem superior, cabe ao Apostolo autoridade sobre todos os membros e ministros da
comunidade (lTm 5,7.17). Os ministros' da comunidade, a quem cabe a obrigação do
anuncio da Palavra, o ensinamento, o testemunho (lTm 5,17) Disso também faz parte a
admoestação contra os falsos doutores e sectários (lTm 4,3,8-11).
Os discípulos do Apostolo transmitem o poder da ordenação (Tt 1,5, lTm 4,14). Há o
ministério dos epíscopos/presbíteros (lTm 3,2; 5,17) e o ministério dos diáconos, que
daí se destaca claramente (lTm 3,8-.1 F11,1).
Nas cartas pastorais torna-se claro que a figura e a aparência da Igreja pós-apostólica
não está de forma causal condicionadas por circunstâncias externas, sociologicamente
apreensiveis (situação de perseguição, compulsão por organização) mas que resultam da
natureza teológica da Igreja com as consequências internas. No período compreendido
entre 80-90 d.C. é que se vislumbram os primeiros esboços de uma formação do cânone
escrituristico neotestamentario (cf 2Tm 3,15) e da consciência do poder normativo da
tradição e do ensinamento apostólicos. Imediatamente ligada a isto está a consciência
sobre a origem apostólica de todos os ministérios dos episcopos/presbiteros e diáconos
reconhecíveis em todas as comunidades. Os ministerios permanecem sempre de origem
carismática, visto que o Espírito Santo atualiza a graça em ações simbólicas
sacramentais da Igreja.
O contexto histórico dos ministérios apostólicos é explicitado simultaneamente com as
Cartas Pastorias na Primeira Carta de Clemente (composta nos anos 96-97 d.C.), como
um principio regulador da IgreJa e como princípio legitimador do ministério (1Clem
42-44). Cristo teria revestido os apóstolos com a missão que recebeu do Pai (Lc
10,16;20,22s) Por toda parte, na força do Cristo ressuscitado e na plenitude do Espirito
Santo, eles deviam anunciar a alegre Boa-nova do Reino de Deus vindouro. "Depois de
prová-los precedentemente no Espírito", eles os teriam instituido "bispos e diáconos
para os crentes futuros" (1Clem 42,4). A eles caberia, segundo a instrução dos
apóstolos, confiar mais tarde o ministério do bispo/presbítero a outros homens
provados, a fim de que, depois da morte daqueles, o ministério da condução e do
anúncio fosse exercido por estes (1Clem 44,1-5).
No único ministério originário dos epíscopos/presbíteros, nos começos do II século, é
perceptível uma diferença. Certamente as Cartas Pastorais já conhecem uma ordem
superior do discípulo do apóstolo sobre os ministros na disciplina e no poder da
ordenação (1Tm 5,17.19.22; Tt 1,5). Segundo Inácio de Antioquia, em cada Igreja
local, a comunidade dos ministros é constituída por um bispo, diversos presbíteros e
certo número de diáconos. O bispo individual não elimina a composição colegial do
ministério. Ao contrário, ele personifica o princípio da unidade da Igreja e do
presbitério, e sua autoridade serve à realização da Igreja como comunidade no amor
(Magn. 'hilad. 4,4; 7,1-2). o bispo é, em nome de Cristo, o pastor da comunidade (Rom.
9,1; Filadélfia 2,1).
Neste episcopado, chamado erroneamente de "monárquico", o bispo representa a
unidade da comunidade na Eucaristia, e na comunhão com Cristo como fundamento e
conteúdo da "Igreja Católica" (Inácio. Policarpo, praescr.; Policarpo, ep., praescr.).

c) A Igreja como comunidade fraterna dos discípulos de Jesus (João)

Nas últimas décadas do primeiro século, a nova situação em que se encontram as


comunidades recebe nova resposta, de diferente ênfase, nos Evangelhos. Aumentou a
distância das primeiras testemunhas apostólicas, a multiplicidade de tradições, com
difusão de doutrinas errôneas, o confronto com tendências entusiastas ligadas a uma mal
entendida pneumatologia com uma respectiva cristologia de exaltação. Tudo isso tornou
necessária a atualização da tradição sobre Jesus também na forma de certificação
histórica, relacionando-a criticamente com as situações atuais de então. Nessa
concentração sobre o Jesus histórico, apresenta-se como evento escatológico
fundamental por excelência o senhorio do amor de Deus, que entrou no horizonte da
história na pessoa de Jesus e na sua atuação em palavra, ação e sofrimento. Também ali
se enxergam os primórdios da Igreja. Mateus, por exemplo, percebe os discípulos como
pré-projeto e promessa da Igreja futura: (Mt 28, 16.19) o mandato de missão por parte
do ressuscitado no sentido de transforma a todas as pessoas em discípulas de Jesus.
Discipulado de Jesus e Igreja presente passam a ser intimamente relacionados. O termo
Igreja chega a aparecer na boca de Jesus (Mt 16,17s; Mt 18,17s). O que é dito sobre os
discípulos está dito, portanto, para a Igreja atual. A estrutura hierárquica de autoridade é
atravessada pelo crivo do serviço, servir a todos (Mt 23,11; 20,26), o ser escravo para os
outros (Mt 20,27). Este discipulado universal é fundamentado e mantido em coesão pelo
Cristo exaltado, que permanece nele como Senhor, Mestre e Juíz do mundo, até os
confins (Mt 28, 18s; 18,20). Cristo é o único e verdadeiro Pastor desse discipulado (Jo
10, 1-30) e, enquanto videira, é a única origem da verdadeira vida (Jo 15, 1-8).
No Evangelho de João (e nas cartas de João, que pertencem à escola joaneia), a Igreja
nos é apresentada como discipulado, que na fé, no Batismo e na Eucaristia, está ligado a
Cristo, e, nele, o Filho, tem comunhão com o Pai e com o Espírito no amor. Apesar da
inimizade e da perseguição por parte do mundo, a Igreja serve às pessoas mediante o
testemunho e o anúncio (Jo 14,23.26; 16,14; 17,22; iJo 13; 4,13 etc.).
O discipulado surge como comunhão de fé e de amor a partir da doação da vida de Jesus
ao Pai ou da doação s do Pai (Jo 3,16; 15,13; iJo 1,7-2,2; 3,16). No Espírito do Pai,
enviado pelo Filho, desde a vida eterna e desde sua ressurreição e glorificação, os
discípulos participam da vida de Deus no amor. A comunhão fraterna deles é
participação e atualização da comunhão divina do Pai, do Filho e do Espírito (Jo
14,16.23.26; 13-16) A origem da vida da comunidade dos discípulos em Jesus e a
intima contínua comunhão de vida explicitam-se na grande metáfora de Jesus como a
verdadeira videira e os discípulos como os ramos. Quem permanece ligado a Jesus,
produz verdadeiros frutos Go 15,1-8) Ele e o bom pastor que da a vida pelas ovelhas, a
fim de adquirir para si os discípulos como o rebanho de Deus, como o povo da aliança
Go 10,1-18, cf, Ez 34,Jr 23) Assim, Jesus é o único caminho para o Pai (lo 14,6) e a
única fonte da vida eterna, que consiste no reconhecimento de a Ele, bem como na
comunhão com o Pai com o Filho e com o Espirito Santo Go 14,16.26; 17,3, 1jo
-13.20). O discipulado é sinal do amor trinitário de Deus pelo mundo fundamentado na
encarnação e no envio do Espírito. Por isso, a figura sacramental da comunidade dos
discípulos inclui não somente ser testemunha, em palavra e em ação, da doação de Jesus
até à morte, mas também a prontidão de assumir até mesmo a perseguição Go
15,16-27).
A comunidade dos discípulos de Jesus é universal. A salvação vem dos judeus (Jo 4,22).
Com efeito, Jesus, que pertence ao povo de Deus veterotestamentário, é o "Salvador do
mundo" (Jo 4,42). À medida que ele também conduz a esta comunidade os outros que
não pertencem ao redil de Israel, o rebanho de Deus, Ele revela-se como o “único pastor
do único rebanho" (Jo 10,16). A Igreja vive da palavra e do Espírito de Cristo. No
batismo, Deus transmite à comunidade dos discípulos a vida eterna (lo 3,5). Mediante a
doação da palavra encarnada (Jo 6,51), o pão oferecido na Eucaristia se torna alimento
para a vida eterna É o verdadeiro pão do céu, que da vida ao mundo e une novamente o
crente a Cristo e a comunidade dos discípulos (Jo 6,22-71) Batismo e Eucaristia jorram
sacramentalmente do “lado aberto de Jesus” e unem a comunidade dos discipulos no
amor de Cristo (Jo 19,34).
No tocante à questão de um ministério nas comunidades joaneias, deve-se constatar que
o alto nível de reflexão e profunda compreensão da natureza espiritual e teológica da
Igreja em João deixam transparecer poucointeresse na concretização da figura e
aparição visíveis da Igreja. Contudo, isto pouco tem a ver com espiritualismo
eclesiológico. A comunidade visível dos discípulos é muito mais o sinal para o
"estar-aí" da Palavra de Deu encarnada. Para João, a Igreja não é também nenhuma
comunidade invisível de sentimentos, mas uma comunhão do amor "em ação e em
verdade" até à prontidão de "dar a própria vida pelos irmãos" (1Jo 3,18).
Depois da páscoa, a comunidade dos discípulos - representada tipologicamente nos doze
discípulos de Jesus - é encarregada, no Espírito, da missão de Jesus no mundo (Jo
17,18): "Recebei o Espírito Santo, assim como o Pai me enviou, também eu vos envio"
(Jo 20,21). Ao lado do "discípulo que Jesus amava" e que representa a figura
carismática da Igreja (Jo 13,23 19,26 20,2, 21,24) encontra-se a figura histórica de
Simão Pedro/Cefas (Jo 1,4;6,68 13,24 20,2) A ele, a rocha (Jo 1,42; Mt 16,18) será
confiado pelo Cristo ressuscitado o único Pastor (jo 10,11), o ofício pastoral universal
para toda a comunidade dos discípulos: "Apascenta os meus cordeiro
ovelhas"(Jo 2,15-17). Assim como Jesus realizou seu pastoreio na doação de sua vida
pelo rebanho (Jo 10,11), de igual modo o pastoreio de Pedro, exercido por mandato de
Jesus, conduz ao martírio: "Disse isso para indicar que' espécie de morte Pedro daria
glória a Deus" (Jo 21,19).

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