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Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Reitor
Ricardo Marcelo Fonseca

Vice-Reitora
Graciela Inês Bolzón de Muniz

Pró-Reitor de Extensão e Cultura


Leandro Franklin Gorsdorf

Diretor da Editora UFPR


Rodrigo Tadeu Gonçalves

Vice-Diretor da Editora UFPR


Alexandre Nodari

Conselho Editorial que Aprovou Este Livro


Allan Valenza da Silveira
Angela Couto Machado Fonseca
Claudio José Barros de Carvalho
Cristina Gonçalves de Mendonça
Fernando Cerisara Gil
José Carlos Cifuentes
Lilian Carolina Rosa da Silva
Margarete Casagrande Lass Erbe
Prila Leliza Calado
CARLOS TAIBO

Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Tradução:
Marília Andrade Torales Campos e
Andréa Macedônio de Carvalho
© Los Libros de La Catarata, 2016.
Colapso. Capitalismo terminal, transición ecosocial, ecofacismo

Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Coordenação editorial
Rachel Cristina Pavim
Revisão
Francisco Innocêncio e Luana Zacharias Karam
Revisão final
Das Tradutoras
Projeto gráfico, editoração eletrônica e capa
Reinaldo Weber

Série Pesquisa, n. 345


UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – SISTEMA DE BIBLIOTECAS
BIBLIOTECA CENTRAL – COORDENAÇÃO DE PROCESSOS TÉCNICOS

T129c Taibo, Carlos, 1956-


Colapso: capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo \ Carlos
Taibo; tradução: Marília Andrade Torales Campos e Andréa Macedônio de
Carvalho. – Curitiba: Ed. UFPR, 2019.
189 [2] p.; 22 cm. – (Série pesquisa, n. 345).

Tradução de: Colapso: capitalismo terminal, transición ecosocial, ecofacismo.


Inclui referências: p. 183-[191].
ISBN 978-85-8480-180-0. (Impresso)

1. Crescimento negativo (Economia). 2. Espanha - Condições econômicas


- Séc. XXI. 3. Capitalismo. I. Campos, Marília Andrade Torales, 1968- . II. Car-
valho, Andréa Macedônio de, 1986- . III. Título. IV. Série.
CDD: 330.946
CDU: 338(460)

ISBN 978-65-87448-09-1
Ref. 1004

Direitos desta edição reservados à


Editora UFPR
Rua Ubaldino do Amaral, 321
80060-195 - Curitiba - Paraná - Brasil
www.editora.ufpr.br
editora@ufpr.br

2020
“A rã não bebe água do charco em que vive”
(Provérbio sioux)

“Previsões são muito difíceis. Especialmente


quando se referem ao futuro”
(Niels Bohr)
Sumário

Prólogo à edição brasileira / 9


Prólogo / 11
1. O conceito de colapso / 19
Definir o colapso / 19
As arestas do conceito de colapso / 22
Os colapsos do passado / 33
Dois colapsos contemporâneos / 38
2. As eventuais causas do colapso / 45
A mudança climática / 46
O esgotamento das matérias-primas energéticas / 52
Às voltas com o petróleo / 58
Outras fontes de energia / 62
O que deve preocupar mais: a mudança climática ou
o esgotamento das matérias-primas energéticas? / 72
Outras matérias-primas / 74
Ataques contra a biodiversidade / 75
Um panorama demográfico inquietante / 78
Uma delicadíssima situação social / 80
A fome / 81
A água que falta / 85
A expansão das doenças / 87
Um ambiente inabitável para as mulheres / 88
O efeito multiplicador da crise financeira / 89
Estados, guerras, terrorismo / 90
A tecnologia / 93
A pegada ecológica / 94
Um mito contemporâneo: o crescimento econômico / 95
3. O cenário pós-colapso / 99
Quando será o colapso? / 100
As características gerais / 101
A Península Ibérica / 120
4. A resposta alternativa / 123
Os perfis do projeto alternativo / 126
Uma experiência prática: Cuba diante da escassez
do ­petróleo / 144
5. O ecofascismo / 149
O ecofascismo primogênito: a Alemanha hitleriana / 150
Demografia e autoritarismo / 154
Impérios e países do Sul / 156
Frente ao colapso, servem os modelos autoritários? / 159
6. As percepções populares sobre o colapso / 163
Ignorância e negacionismo / 164
Um otimismo sem freio / 166
A culpa e a conspiração / 168
O ciclo de Elisabeth Kubler-Ross / 170
7. Conclusão / 173
Referências / 183
Prólogo à edição brasileira

Infelizmente, a teoria que se desenvolve neste livro tem um ca-


ráter planetário, e não há motivo nenhum para concluir que o Brasil
fica longe dos conceitos que se empregam nestas páginas. Muito pelo
contrário – e em virtude de elementos que procedem do passado e
de outros que se manifestam no presente –, o Brasil parece estar no
centro de muitos dos debates que se estudam nesta obra. Quando
falo de elementos que vêm do passado, estou pensando, por exemplo,
no desmatamento da Amazônia ou no crescimento sem medidas, e
sem plano, de cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro. Quando
faço referência, no entanto, a realidades que se revelam no presente,
o que tenho na cabeça é, por um lado, a condição de um país que é
uma das principais economias emergentes, imerso no turbilhão da
adoração do crescimento e das tecnologias, mas marcado também,
por outro lado, pelas previsíveis consequências de uma crise que pode
multiplicar os efeitos da presença de dimensões facilmente vinculá-
veis ao conceito de colapso. Sabe-se que nos momentos de crise o
meio natural não é precisamente objeto de singular atenção.
Sou consciente, porém, de que é razoável concluir que um traba-
lho dessa natureza mereceria uma adaptação, que não está entre as
minhas possibilidades, ao cenário mental – falo agora de um âmbito
diferente – próprio de brasileiros e brasileiras. As coisas não se apre-
sentam da mesma maneira e os antecedentes históricos e de imagi-
nário não são os mesmos no norte europeu e no sul latino-ameri-
cano. Mesmo assim, acho que a maioria das categorias empregues
neste livro, por serem universais, são perfeitamente compreensíveis
para um leitor, ou uma leitora, que more no Brasil. Agradecerei, de
qualquer forma, todos os comentários que possam chegar de pessoas
que contribuam para enriquecer as discussões relativas ao colapso.
Permita-me o leitor que termine com a menção de algo que, por-
ventura, falte neste livro. Em algum momento nestas páginas, sa-
liento que, segundo uma versão dos fatos que considero confiável, o
período crítico de manifestação de um colapso geral do sistema é o

9
Carlos Taibo

que separa os anos 2020 e 2050. Imaginemos que o colapso em ques-


tão se manifeste no ano 2045. Parece inevitável formular, então, uma
pergunta importante: o que acontecerá no quarto de século que nos
separa dessa data? Se nos debates desenvolvidos na Europa frequen-
temente sublinhei que, sob meu ponto de vista – e para descrever o
cenário do pós-colapso –, não seria adequado falar em uma terceira
guerra mundial, mas sim em uma ordem semifeudal com os senhores
enfrentados pelos seus servos de ontem, é preciso se perguntar se
antes de 2045 não se poderia manifestar, porém, uma nova guerra
planetária. A existência dessa possibilidade – e na realidade há quem
pense que já estamos imersos nessa guerra – faz com que nos organi-
zemos e façamos frente a um horizonte no qual o ecofascismo retra-
tado em um dos capítulos deste livro poderia se revelar, em condições
infelizmente propícias para os seus interesses, antes do colapso. De
qualquer forma, a consideração do colapso que vem, que é o alicerce
deste modesto livro, não pode se traduzir em um esquecimento da
realidade cotidiana que hoje conhecemos.
Quero agradecer, enfim, aos amigos e amigas da Universidade Fe-
deral do Paraná, e nomeadamente à Marília Andrade Torales Cam-
pos, o esforço de trabalho e de recursos que representa a tradução bra-
sileira desta obra. Espero poder recompensar, no futuro, esse esforço.

Carlos Taibo, agosto de 2017.

10
Prólogo

Em diversos atos públicos fiz referência ao risco de sofrermos um


colapso geral do sistema. Tendo em vista que esse argumento certa-
mente geraria controvérsias, ao longo do tempo acumulei experiên-
cias, de todos os tipos, relativas a este debate. E, por vezes, pareceu-
-me que era urgente fincar meus dentes no conceito de colapso e seu
contexto, visto que ele poderia muito bem acontecer, apesar de muitas
pessoas empregarem essa mesma palavra em diferentes realidades.
Sendo assim, este livro é um exercício de esclarecimento, para mim
mesmo, da disputa sobre as várias arestas que o conceito em ques-
tão apresenta. O livro está ordenado em sete capítulos. O primeiro
trata do mencionado conceito de colapso e considera os problemas
analisados e ponderados das lições oriundas de colapsos registrados
no passado. O segundo considera as prováveis causas de um colapso
sistêmico global, com especial atenção para a mudança climática e o
esgotamento de matérias-primas energéticas. O terceiro, de caráter
inequivocamente especulativo, analisa as possíveis consequências de
um colapso. O quarto e o quinto abordam as duas possíveis respostas
para este: os movimentos pela transição ecossocial e o que tem sido
chamado de ecofascismo. O sexto capítulo, por sua vez, atenta para as
percepções populares sobre o colapso, enquanto o sétimo – e último
– procura extrair algumas conclusões de caráter geral.
Gostaria de deixar claro desde o início que de modo algum sou
capaz de afirmar que em uma ou outra data se vai confirmar um
colapso geral do sistema, diante de nossos olhos. A tese que, de for-
ma desapaixonada, defendo neste livro é mais cautelosa e se limita
a adiantar que esse colapso é provável considerando os numerosos
dados em nosso poder. A partir desse ponto de vista, o livro que o lei-
tor tem em suas mãos, que não incorpora nenhuma certeza absoluta,
inclui um modesto convite à reflexão e à prudência, que se resume na
figura do pater familias diligens (pai de família diligente) mencionada
por Castoriadis. Limito-me a recordar que, em uma fase tão delica-
da como esta da crise ecológica, nossa resposta não pode ser como
esta que o filósofo atribuía a um pai – ou a uma mãe – que, após ser

11
Carlos Taibo

avisado de que o filho tinha uma doença grave, em vez de recorrer


aos melhores médicos, limitou-se a racionalizar, dizendo: “Bem, se é
possível que o meu filho tenha uma doença grave, também é possível
que não a tenha, de maneira que me parece razoavelmente justificado
ficar de braços cruzados”. Diante disso, esse pai de família conscien-
temente disse a si próprio: “Já que os problemas são enormes, e mes-
mo que as probabilidades de manifestação sejam escassas, procedo
com a maior prudência, e não como se nada estivesse acontecendo”1.
Que este seja um texto prudente, não significa de modo algum
que se deseje ocultar a magnitude dos fatos. O primeiro deles trata-
-se, como não poderia deixar de ser, da combinação entre mudança
climática, esgotamento das matérias-primas energéticas, problemas
demográficos e uma crise social e financeira de profundidade difi-
cilmente redutível. O segundo, agrega dados que refletem uma pro-
gressiva e rápida deterioração da situação. Acrescento, em suma, que
há motivos suficientes para concluir que é provável que, amparados
pelo que parece ser uma genuína saída para adiante, chegaremos tar-
de se nosso propósito, lógico, for evitar o colapso. O cenário mental
e político que herdamos é muito delicado e nos obriga a realizar
sacrifícios na forma de respostas urgentes e contundentes, em um
momento no qual as restrições são muitas. Se William Ophuls lem-
bra a esse respeito que Gibbon atribuiu a decadência de Roma ao
que descreveu como uma “grandeza imoderada”, isto é, um excesso
de orgulho e presunção,2 Elizabeth Kolbert enfatizou que a história
revela que a vida exibe uma formidável capacidade de adaptação, mas
que essa capacidade não é infinita.3 As extinções em massa, afirma
Kolbert, castigam sobretudo os mais fracos, mas não deixam intactos
os mais fortes.4 Parece, de qualquer forma, que estamos adentrando

1 CASTORIADIS, C. Une société à la dérive: Entretiens et débats 1974-1997.


Paris: Seuil, 2005, p. 242.
2 OPHULS, W. Immoderate Greatness: Why Civilizations Fail. North Charles-
ton: CreateSpace, 2012, p. 2.
3 KOLBERT, E. The Sixth Extinction: An Unnatural History. New York:
Bloomsbury, 2014, p. 265.
4 Ibidem, p. 268.

12
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

uma terra incognita marcada por inevitáveis reduções na população e


na produção industrial.
Em alguns dos meus trabalhos anteriores interessei-me por ca-
tegorizar o chamado antropoceno. Para Paul Crutzen, uma vez con-
cluído o Holoceno, que se iniciou há 11.500 anos5 e se encerrou na
década de 1780 – quando Watt aperfeiçoou a máquina a vapor –,
abriu-se caminho para uma nova etapa da história do planeta.6 Nesta
nova era, o antropoceno, o homem foi transformado numa genuína
força geológica que passou a alterar o clima, o que permitiu não so-
mente que sejamos grandes depredadores, como também grandes
desperdiçadores de recursos.7 Como o ser humano está imerso em
uma verdadeira tirania sobre a natureza – quantas vezes não se fa-
lou da conquista desta última –, já não faz mais sentido concebê-lo
como uma mera parte integrante do mundo natural. O Homo ­colossus,
depredador e consumidor de recursos escassos não renováveis, de
apetite ilimitado e projeto insustentável, parece empenhado em aca-
bar com um planeta cuja condição explica que o ser humano exista
como tal.8 E nesse esforço macabro não há nenhum espaço – regiões,
montanhas, oceanos, polos – a que se permita escapar das nossas
agressões. Embora existam aqueles que pensam que o antropoceno é
um estágio que demonstra, de maneira afortunada, a supremacia e a
capacidade de controle e invenção da espécie humana, como se estes
não acarretassem nenhum risco,9 neste texto me vejo forçado a seguir
uma via de interpretação muito diferente que aponta, acima de tudo,
para as muito delicadas consequências de nossa conduta.
Uma delas é a implementação de mudanças extremamente rápi-
das, para as quais, evidentemente, estamos mal preparados, sobretu-

5 BONNEUIL, C; FRESSOZ, J.-B. L’événement anthropocène: La Terre, l’his-


toire et nous. Paris: Seuil, 2013, p. 17.
6 KOLBERT, E. Field Notes from a Catastrophe: Man, Nature, and Climate
Change. New York: Bloomsbury, 2006, p. 186.
7 LORIUS, C; CARPENTIER, L. Voyage dans l’Anthropocène: Cette nouvelle
ère dont nous sommes les héros. Arles: Actes Sud, 2010, p. 70.
8 CATTON Jr., W. R. Bottleneck: Humanity’s Impending Impasse. [S.l.]: Xli-
bris, 2009, p. 144.
9 HEINBERG, R. Afterburn: Society Beyond Fossil Fuels. Gabriola Island:
New Society, 2015, p. 104.

13
Carlos Taibo

do porque parece óbvia a nossa incapacidade para ir além do curto


prazo. Estamos assumindo riscos que jamais aceitaríamos na vida
cotidiana. Lynas menciona o testemunho de um especialista que, no
ano de 2007, e com base em um prognóstico que hoje nos parece
muito otimista, concluiu que havia sete por cento de chances de au-
mento de dois graus na temperatura média no planeta. É evidente,
no entanto, que ninguém subiria em um barco com 7% de chances
de naufragar.10 Hamilton, no entanto, lembra que, de acordo com
uma estimativa, se as emissões de CO2 dos países pobres atingirem
seu nível máximo em 2030 e, a partir desse momento, reduzirem-nas
em 3% ao ano, enquanto as dos países ricos atingiram seu clímax
em 2015 e também passaram a reduzi-las em 3% ao ano a partir de
então, teremos apenas 50% de chances de evitar que a temperatura
média do planeta se eleve inquietantemente acima dos quatro graus
centígrados.11
Para expressar de outra maneira, estamos imersos em uma espi-
ral infernal. “Nossa civilização industrial foi obrigada a acelerar, a
se fazer cada vez mais complexa e a consumir cada vez mais ener-
gia”, afirmam Servigne e Stevens.12 Não nos esqueçamos de que a
cada ano consumimos combustíveis fósseis em volume equivalente
ao que a natureza demorou um milhão de anos para forjar.13 Em
virtude de um sublime paradoxo, aquilo que comumente entende-
mos como progresso acarreta um formidável exercício de destruição
do meio natural. Não parece ser um grande consolo o argumento de
que hoje dispomos de conhecimento do que ocorreu no passado, que
nos permite extrair conclusões sólidas. Temo que esse conhecimen-
to dificilmente tenha influência sobre as decisões dos governantes e
tampouco perpasse a maioria das nossas percepções cotidianas. O re-
sultado não é outro senão um grande exercício de imprevisibilidade.

10 LYNAS, M. Seis graus: O nosso futuro num planeta em aquecimento. Porto:


Civilização, 2007, p. 231.
11 HAMILTON, C. Requiem for a Species: Why We Resist the Truth About
Climate Change. Abingdon: Routledge, 2015, p. 196.
12 SERVIGNE, P; STEVENS, R. Comment tout peut s’effondrer. Paris: Seuil,
2015, p. 127.
13 LYNAS, 2007, op. cit., p. 239.

14
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Recorro a uma reflexão sugestiva de Stephen Emmott, que já utilizei


em outros momentos. Imaginemos – disse Emmott – que a comu-
nidade científica chegasse à conclusão inquestionável de que em um
determinado dia do ano de 2072 um asteroide se chocará com a
Terra e provocará o desaparecimento de 70% da vida existente nela.
Pareceria inevitável que, diante de um risco como esse, os governos,
os cientistas, as universidades, as forças armadas e as empresas levan-
tassem as mangas para a tarefa de buscar, com a maior urgência, uma
fórmula que permitisse evitar a colisão ou, ao menos, mitigar seus
efeitos.14 Pois bem: o que temos agora diante dos olhos em muito
se parece com o exemplo do asteroide, com duas diferenças interes-
santes. Embora, por um lado, não possamos precisar uma data para a
catástrofe, por outro esta última é produto, surpreendentemente, da
ação da espécie humana.
Permitam-me repetir que há muitos motivos para afirmar que, em
sociedades traumatizadas e traumatizantes,15 estamos sempre atra-
sados. Nossos governantes, com algumas raras exceções, não estão
dispostos a reconhecer o risco do colapso ou, o que é a mesma coisa,
não levam a sério a delicada combinação de elementos aos quais me
refiro. Sua posição principal é retratada simbolicamente por um par
de frases feitas empregadas por muitas das pessoas que dirigem os
Estados Unidos (EUA). A primeira afirma que o estilo de vida nor-
te-americano é irrevogável e a segunda reforça que o que é bom para
a General Motors é bom para o país. É lógico que, nessas condições,
recebamos com ceticismo a leviandade das respostas que provêm dos
discursos oficiais, em que uma sombria mistura de interesses prees-
tabelecidos e de curto prazo se traduz num constante adiamento do
debate ou, pior ainda, na adoção de medidas meramente paliativas.16

14 EMMOTT, S. 10 Billion. London: Penguin, 2013, p. 91.


15 HEINBERG, R. A New Covenant with Nature. Wheaton: Quest, 1996,
p. XIII.
16 No melhor dos casos, recordamos que a espécie humana tem sido capaz de
reagir rápida e decisivamente em situações delicadas. Para provar isso, por exem-
plo, está o fato de que, durante a Segunda Guerra Mundial, os gastos militares dos
EUA cresceram de 1,6% do produto interno bruto para 37% em apenas quatro anos
(GILDING, P. The Great Disruption: How the Climate Crisis Will Transform the
Global Economy. London: Bloomsbury, 2012, p. 129). Há quem diga que o tipo

15
Carlos Taibo

Infelizmente, como é observado por Homer-Dixon, a economia pla-


netária não tem um plano B.17 Parece que estamos nos esquivando
mais uma vez do que bem nos lembra Herman Daly: a economia é
um subsistema da biosfera, e não um sistema independente.18 Como
já mencionei, o mais provável é que tenhamos que empreender mu-
danças radicais em condições muito delicadas, como aquelas deter-
minadas pelo esgotamento de todas as matérias-primas energéticas
que nos permitiram chegar até aqui, visto que nossa consciência dos
limites é nula.
Em dois trabalhos anteriores – En defensa del decrecimiento: s­ obre
capitalismo, crisis y barbarie (2009) [Em defesa do decrescimento: so-
bre capitalismo, crise e barbárie] e ¿Por qué el decrecimiento? Un en-
sayo sobre la antesala del colapso (2014) [Por que o decrescimento? Um
ensaio sobre o prelúdio do colapso] –, interessei-me por algumas das
questões que abordo neste livro. Volto a elas com uma perspectiva
pedagógica e com a crença de que não há – pelo menos não conhe-
ço – nenhum texto que aborde, com este perfil e estas dimensões,
a discussão do colapso. Ao contrário do que sucede nesta obra, o
normal é que o colapso seja encarado a partir da perspectiva de
disciplinas acadêmicas específicas, como a arqueologia, a economia
ou a ecologia.19 Frequentemente o interesse pelo tema se manifesta
através de textos de natureza prática, que orientam – e não é de
modo algum a minha intenção acometer tal tarefa – o que devemos
fazer para nos preparar para o colapso ou para sobreviver a ele.
A verdade é que em espanhol contamos com uma esplêndida
obra, a segunda de duas intituladas En la espiral de la energia [Na
espiral da energia], do falecido Ramón Fernández Durán e de Luis

de mobilização necessária para enfrentar a mudança climática e o pico do petróleo


deveria ser semelhante ao registrado nos EUA quando o país decidiu intervir na
Segunda Guerra Mundial (HEINBERG, R. Peak Everything: Waking Up to the
Century of Declines. Gabriola Island: New Society, 2010, p. 140).
17 HOMER-DIXON, T. The Upside of Down: Catastrophe, Creativity, and the
Renewal of Civilisation. London: Souvenir, 2006, p. 94.
18 ORR, D. W. Down to the Wire: Confronting Climate Collapse. Oxford: Ox-
ford University, 2009, p. 196.
19 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 109.

16
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

González Reyes.20 Esse trabalho reúne de maneira brilhante uma


esmagadora e bem tratada informação a respeito do colapso. É, no
entanto, uma obra extremamente complexa e no contexto atual é
difícil que chegue às muitas pessoas que deveriam se interessar por
essa discussão e suas ramificações. Em nosso panorama editorial e
mesmo na internet, nem sequer são disponibilizadas as traduções
de textos estrangeiros que satisfaçam nossa sede de conhecimento.
Apesar de dispormos de uma rica informação no grupo de Facebook
intitulado “Colapso” e de haver web sites muito interessantes, como
o que é mantido por Antonio Turiel, o grosso da bibliografia sobre
o colapso tem sua origem nos Estados Unidos, fato que por si só
já mereceria uma reflexão. Parece que esta profunda combinação de
problemas sociais, desperdício – o norte-americano médio consome
três vezes mais energia que o europeu médio21 – e a subordinação da
política aos negócios configura o cenário mais adequado para se pen-
sar em um futuro muito delicado. Os que mais sabem sobre o colapso
são, de qualquer forma, aqueles que já o sofreram na sua carne. Mas
explicar o que é o colapso para uma criança nascida na Faixa de Gaza
parece tão difícil…

20 FERNÁNDEZ DURÁN, R; GONZÁLEZ REYES, L. En la espiral de la


energía: Colapso del capitalismo global y civilizatorio. Madrid: Libros en Acción,
2014, v. 2.
21 GREER, J. M. The Long Descent: A User’s Guide to the End of the Industrial
Age. Gabriola Island: New Society, 2008, p. 136.

17
1. O conceito de colapso

“A revolução não é um trem que se escapa. É


o ato de puxar o freio de emergência”
(Walter Benjamin)

“Os bosques precedem as civilizações. Os


desertos as seguem”
(Chateaubriand)

Neste capítulo inicial me ocuparei do conceito de colapso. Não é


demais recordar que aqueles que usam esse conceito presumem que
as pessoas que os ouvem ou que os leem entendem quais são seus
significados. Uma vez que esse geralmente não é o caso, uma tarefa
inevitável é a que nos convida a fazer o possível para descrever o sig-
nificado preciso de uma palavra que, como terei a oportunidade de
enfatizar, não é facilmente delimitável. Neste capítulo, desenvolverei
quatro tarefas maiores. Em primeiro lugar, como já disse, retomarei
algumas definições de colapso. Em um segundo momento, examina-
rei os vários problemas que rodeiam esse conceito para, mais adiante,
analisar o que dizem os numerosos estudos que têm abordado os
colapsos registrados no passado e considerar, por fim, dois colapsos
contemporâneos.

Definir o colapso
Para começar, resgatarei algumas definições da palavra colapso.
Para Shmuel Eisenstadt, colapso remete ao “completo final de um
sistema político e da trama civilizatória correspondente”22. Yves Co-

22 Citado por McANANY, P. A.; YOFFEE, N. (ed.). Why We Question


Collapse and Study Human Resilience Ecological Vulnerability, and the Aftermath
of Empire. In: ______ (ed.). Questioning Collapse: Human Resilience, Ecological
Vulnerability, and the Aftermath of Empire. Cambridge: Cambridge University,
2010b, p. 4.

19
Carlos Taibo

chet, por outro lado, fala de um “processo final no qual as necessi-


dades básicas (água, alimentação, vestimenta, energia etc.) não são
satisfeitas [a um custo razoável] para a maioria da população, con-
forme os serviços determinados pela lei”23. Jared Diamond, por sua
vez, entende que o colapso é “um retrocesso drástico do tamanho da
população humana e/ou da complexidade política/econômica/social,
em uma área considerável e durante um tempo prolongado”24. Há
autores, para concluir, que muitas vezes se referem à “ruína da civi-
lização industrial”, resultando no desaparecimento das grandes ins-
tituições que garantiam determinada ordem social, em um retorno à
barbárie e em um grande vazio que dificilmente se pode preencher,
tudo isso em um processo relativamente breve, ou seja, um aconteci-
mento brutal.25
Com frequência invocamos uma analogia entre o colapso das
sociedades e o desenvolvimento da vida humana desde a infância
até a velhice, uma analogia que tem inspirado, em diferentes níveis,
as obras de três autores muito citados na bibliografia disponível:
Edward Gibbon, Oswald Spengler e Arnold Toynbee. Na arqueo-
logia, o conceito de colapso se vincula a diversos fatores: a fragmen-
tação das comunidades políticas em unidades menores; o abandono,
total ou parcial, dos centros urbanos e o desaparecimento de suas
funções centralizadoras; a quebra dos sistemas econômicos regio-
nais e, por fim, o declínio das ideologias fundantes das diferentes
civilizações.26 Claro que, ao buscar paralelismos, não faltam os que
têm a ver, também, com o meio natural. Assim, David Jablonski tem
se referido às extinções em massa como “perdas substanciais de di-
versidade” que acontecem rapidamente e têm uma extensão global.27

23 Citado por SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 15.
24 DIAMOND, J. Collapse: How Societies Choose to Fail or Succeed. London:
Penguin, 2006, p. 3.
25 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 179.
26 SCHWARTZ, G. M. From Collapse to Regeneration. In: SCHWARTZ, G. M.;
NICHOLS, J. J. (ed.), After Collapse: The Regeneration of Complex Societies. Tuc-
son: The University of Arizona, 2010, p. 3-17. [cit. p. 5-6.]
27 Citado por KOLBERT, E. The Sixth Extinction: An Unnatural History. New
York: Bloomsbury, 2014, p. 16.

20
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Os paleontólogos sabem que já foram extintas 99,9% das espécies


que já existiram.28
Devemos prestar atenção, no entanto, à análise mostrada por Jo-
seph A. Tainter, que deu ênfase aos múltiplos significados atribuíveis
ao conceito de colapso. Se para alguns estudiosos só há sentido falar
de colapso em relação a sociedades complexas, para outros o con-
ceito remete, antes disso, a uma desintegração econômica da qual o
fim da sociedade industrial seria apenas a última manifestação. Em
síntese, não falta quem atribua pouco crédito ao conceito em questão
por entender que sempre haverá elementos que sobrevivem a um
eventual colapso.29 No entanto, Tainter assinala que cabe entender
que uma sociedade está colapsada “quando mostra uma rápida e sig-
nificativa perda de um nível estabelecido de complexidade sociopo-
lítica”30. Nessas condições, o colapso se revelaria através de fatores
que refletiriam retrocessos na estratificação e diferenciação social, na
especialização econômica e ocupacional, na implantação de controle
centralizado, na inversão nos epifenômenos da complexidade – os
elementos que definem a “civilização”, como é o caso da arquitetura
monumental ou das realizações artísticas e literárias –, nos fluxos de
informação entre os indivíduos, entre os grupos políticos e econô-
micos e entre o centro e a periferia, na redistribuição e intercâmbio
dos recursos, na coordenação e organização de indivíduos e grupos
e, finalmente, na integração dos territórios em uma unidade políti-
ca comum.31 Sobre essas percepções, o próprio Tainter se dedicou
ao estudo de um bom número de colapsos. Destaco, dentre eles, o
do Império Zhou Ocidental, da civilização de Harappa, do cenário
mesopotâmico em suas diferentes manifestações, do Império Antigo
no Egito, do Império Hitita, das civilizações minoica e micênica, do
Império Romano do Ocidente, dos olmecas, dos maias, dos Impérios
de Huari e Tiahuanaco, dos kachin, dos ik... Mas nosso autor pres-

28 LEAKEY, R.; LEWIN, R. La sixième extinction: Évolution et catastrophes.


Paris: Flammarion, 2011, p. 56.
29 TAINTER, J. A. The Collapse of Complex Societies. Cambridge: Cambridge
University, 2006, p. 4.
30 Idem.
31 Idem.

21
Carlos Taibo

tou atenção, também, aos colapsos dos impérios espanhol, francês


e inglês, sob o que ele entende terem sido processos de retirada em
relação aos níveis multinacionais de organização centralizada.32
Permitam-me resumir o que entendo serem alguns critérios
caracterizadores do colapso, que derivam das definições e análises
como as que estão aqui elencadas: um golpe muito forte que trans-
torna muitas relações, a irreversibilidade do processo conseguinte,
profundas alterações no que se refere à satisfação das necessidades bá-
sicas, reduções significativas no tamanho da população humana, uma
perda geral de complexidade em todos os âmbitos acompanhada de
uma crescente fragmentação e de um retrocesso dos fluxos centrali-
zadores, o desaparecimento das instituições previamente existentes
e, por fim, a quebra das ideologias legitimadoras, e de muitos dos
mecanismos de comunicação, da ordem anterior.

As arestas do conceito de colapso


Como já adiantei, nesta epígrafe me interessa resgatar alguns dos
assuntos polêmicos que cercam o conceito de colapso, com o objetivo
de que ele se solidifique. Devo esclarecer que se várias das observa-
ções que se seguem têm um caráter supostamente universal – vincu-
ladas ao conceito de colapso entendido de maneira genérica –, outras
fazem referência às dimensões precisas vinculadas a um previsível – e
sistêmico – colapso futuro.

1. Quando há colapso e quando não há. Um primeiro problema que


circunda o conceito de colapso nasce da dificuldade de determinar
quando este se revela e quando não se revela. Não é uma tarefa sim-
ples estabelecer qual é a magnitude dos elementos de deterioração
que justificam começar a falar de colapso ou não. Em relação a essa
discussão, a primeira coisa que convém notar é que nem sempre é
fácil distinguir entre o colapso e a pura decadência de uma socieda-
de, traduzida, por exemplo, em reestruturações políticas, econômicas
e sociais, na conquista do seu território por uma potência vizinha

32 Ibidem, p. 18.

22
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

ou na substituição de uma elite dirigente por outra.33 Diamond as-


sinalou a este respeito que “o fenômeno do colapso é uma forma
extrema de diversos tipos de decadência mais suaves” e reconhece
que é “arbitrário decidir qual deve ser o grau de decadência de uma
sociedade para que as consequências correspondentes sejam caracte-
rizadas como colapso”34. Desta dificuldade de distinguir decadência
e colapso pode derivar a conclusão legítima de que talvez o segundo
seja, apesar das aparências, um fenômeno extremamente comum. J.R.
McNeill recorda que, afinal, nenhum dos Estados que existiam há
um milênio e meio existem atualmente.35 Parece que o desapareci-
mento é, então, uma característica inerente às sociedades humanas.
Uma discussão relacionada é a que diz respeito ao estabelecimen-
to de qual será o tamanho da área afetada ao se determinar a presença
de um colapso. Não esqueçamos que as diferentes instâncias envolvi-
das não costumam colapsar ao mesmo tempo, como não o fazem os
diferentes espaços geográficos. O risco de um colapso rápido afeta,
de qualquer forma, as instâncias e cenários mais interconectados e os
mais frágeis. Se o processo em questão se prolonga muito no tempo,
teria sentido falar em colapso?36 O que entendemos por ele pode ser,
no entanto, um anúncio de algo mais grave por vir. Parece inquestio-
nável, por exemplo, que o colapso sobre o qual me refiro nesta obra
não seja a “sexta extinção” de que falam tantos especialistas, mas bem
poderia ser uma antecipação desta. Enquanto o primeiro se refere à
civilização humana, a segunda tem um sentido mais geral. Não falo
da extinção da espécie humana, mas sim da sua “civilização”.
Tudo isso leva a uma consideração óbvia: embora haja repercus-
sões evidentes sobre o conceito que obrigam a limitá-lo escrupulosa-
mente, não há nenhum motivo sólido para negar que diferentes graus
de colapso podem ser imaginados. Há quem esteja no seu direito de

33 DIAMOND, 2006, op. cit., p. 3.


34 Idem, p. 3.
35 McNEILL, J.R. Sustainable Survival. In: McANANY, P. A.; YOFFEE, N.
(ed.). Questioning Collapse: Human Resilience, Ecological Vulnerability, and the
­Aftermath of Empire. Cambridge: Cambridge University, 2010, p. 355-366. [cit.
p. 362.]
36 Ibidem, p. 356.

23
Carlos Taibo

interpretar que a decadência do mercado seja um colapso, mas ha-


verá de convir, ainda assim, que não tem o mesmo impacto que as
consequências das graves agressões contra a biodiversidade.37 Sendo
assim, é tão legítima quanto controversa a afirmação de que a pala-
vra colapso pode ser aplicada ao ocorrido na França em 1940, após a
invasão alemã a boa parte do país, ou à posterior quebra da União
Soviética em 1991 (mais adiante retomarei estes dois casos). Alguns
desses debates nos levam a concluir que, apesar de o conceito remeter
a uma situação irreversível, é importante compreender, contudo, que
o colapso não tem necessariamente que ser total.38 A esse respei-
to, é necessário observar que frequentemente o conceito tem sido
descrito como uma oportunidade de promoção social num cenário
marcado pela falência das regras das instituições antigas e, muitas
vezes, hierárquicas.39 Estas últimas, por outro lado, não têm por que
desaparecer por completo. Os arqueólogos enfatizam que a possível
reconstrução subsequente das sociedades afetadas por um colapso
pode ser devida à competição de estímulos ideológicos, tecnológicos
e políticos procedentes de sociedades estrangeiras complexas,40 com
o entendimento de que esse fenômeno é mais fácil de conceber no
caso de colapsos que não têm um caráter global, como o que se dis-
cute neste livro. Complemento aqui que nos estudos arqueológicos
não faltam exemplos de como o colapso de uma civilização beneficia
indiretamente as elites secundárias e as regiões até então marginais.41

2. Um processo ou um momento? Outra discussão importante é a


relativa a uma condição fundamental do colapso: ele é um processo
que se implanta com maior ou menor rapidez no tempo ou, pelo
contrário, remete a um estalo momentâneo com uma mudança drás-
tica e repentina do cenário?
Tentarei abordar essa discussão no contexto do colapso global ao
qual me refiro neste livro, mas não sem antes enfatizar que, ainda que

37 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 20.


38 SCHWARTZ, 2010, op. cit., p. 5-6.
39 Ibidem, p. 7.
40 Ibidem, p. 11.
41 Ibidem, p. 16.

24
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

entendamos o colapso como um processo, podemos intuir que che-


gará um momento preciso de naufrágio que marcará um horizonte
de irreversibilidade. Em uma primeira aproximação, o que temos
adiante parece um processo paulatino, marcado por uma extensão
geral dos problemas derivados da mudança climática, por um enca-
recimento progressivo das matérias-primas energéticas e de outros
elementos que, pelo que sabemos, estão ativos há alguns anos. Mas
não devemos nos esquecer que a lógica do capitalismo, que é em
grande parte a lógica das bolhas, nos obriga a considerar seriamente
o horizonte de um colapso repentino e, até certo ponto, inesperado.
A esta perspectiva acrescenta-se o fato de que o pensamento em cur-
to prazo que inspira muitas de nossas visões, encorajadas por uma
elaborada maquinaria dos meios de comunicação, dificulta avaliar o
sentido de fundo de processos mais ou menos lentos, e é fácil que isso
nos remeta a uma explosão posterior, tal como tem ocorrido com as
crises financeiras que temos visto nas últimas décadas.
Nessa linha de pensamento, é interessante resgatar uma opinião
de Ken Rogoff, ex-economista do Fundo Monetário Internacional:
“os sistemas frequentemente se mantêm por mais tempo do que se
acredita, mas acabam por desmoronar muito mais depressa do que
se imagina”42. E devemos nos perguntar também se o colapso será
lento ou rápido. Fernández Durán e González Reyes estimam que
em colapsos rápidos – e talvez seja esta a condição que se apresenta-
rá – as redes de solidariedade e apoio mútuo se revelam com maior
facilidade, especialmente se estas redes já existiam anteriormente.
Nos colapsos lentos, por outro lado, costuma acontecer o oposto: a
percepção de que as coisas serão piores gera um mecanismo de defe-
sa de privilégios e propicia as respostas autoritárias.43 Nesse sentido,
Prieto sugere que uma queda rápida é preferível, uma vez que uma
deterioração gradual dá maiores possibilidades ao caos e permite que
ele alcance os lugares aparentemente mais seguros.44

42 Ken Rogoff citado por SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 11.
43 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit., p. 329.
44 PRIETO, P. El libro de la selva. 2004. Disponível em: https://www.crisise-
nergetica.org/staticpages/index.php?page=20040908160821726. Acesso em: 30 abr.
2019, p. 36.

25
Carlos Taibo

O físico David Korowicz distingue três trajetórias possíveis em


relação ao cenário presente: uma decadência linear, outra oscilante e
um colapso sistêmico. Na primeira, demasiadamente otimista, have-
ria um retrocesso gradual e controlado da atividade econômica, que
acompanharia a da oferta de petróleo e que abriria a possibilidade
de uma grande transição para as energias renováveis. Na segunda,
acompanhando os preços do petróleo, haveria picos de crescimento
e de recessão, com uma tendência geral para esta última. Como re-
sultado, cada nova fase de recessão degradaria as possibilidades de
relançamento do sistema, que perderia sua capacidade de adaptação.
Este horizonte, que lembra o colapso “catabólico” de Greer, deixa al-
guma porta aberta para a esperança. A trajetória do colapso sistêmi-
co, por fim, parte da premissa de que a ruptura de alguns equilíbrios
invisíveis e uma sucessão de pequenas perturbações podem provocar
mudanças consideráveis difíceis de prever. A esse respeito, convém
lembrar que as relações de causalidade não são lineares, uma vez
que o sistema é marcado por inúmeros ciclos de retroalimentação. A
principal consequência é que se torna difícil imaginar uma contração
progressiva, controlada e tranquila do sistema econômico global.45
Vale a pena acrescentar que na mecânica geral de um colapso não
se descartam períodos de singular dureza acompanhados de outros
mais suportáveis.46

3. Vários colapsos distintos. Alguns estudiosos têm se referido à


possibilidade de identificar vários colapsos diferentes. A esse respei-
to, destaca-se a teoria de Dmitry Orlov, que distingue cinco possi-
bilidades diferentes. A primeira seria dada pelo colapso financeiro,
que se traduziria em um aumento substancial dos riscos e em um
retrocesso das garantias em um cenário marcado pela falência das
instituições correspondentes, com perda das poupanças e grandes di-
ficuldades para se conseguir empréstimos. A segunda seria o colapso
do comércio, com um dinheiro desvalorizado e/ou escasso, crescentes
dificuldades para a importação e a compensação e difícil acesso a

45 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 192-193.


46 GREER, 2008, op. cit., p. 32.

26
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

bens escassos. A terceira seria o colapso político, materializado na


ideia de que os governantes, deslegitimados e irrelevantes, não mere-
cem confiança alguma. A quarta estaria na dimensão social, baseada
na percepção de que não há sentido em esperar dos outros, ou das
instituições locais, a ajuda necessária ou a capacidade para resolver,
ou ao menos mitigar, os conflitos. A quinta, e última, diz respeito a
um colapso cultural, materializado na consideração de que não há
maiores razões para crer na bondade, na generosidade, no afeto, na
honra, na hospitalidade, na compaixão e na caridade das pessoas.47
Podemos pensar que o colapso geral seria uma combinação de todos
esses colapsos particularizados, e o que é surpreendente é que Orlov
não tenha incluído nas suas descrições iniciais o colapso ecológico,
que só posteriormente incorporou em seu relato.48
Na percepção de Tainter, que explicou as coisas de outra maneira,
o colapso exige a presença de vários elementos. O primeiro seria uma
quebra da autoridade e do controle centralizado, com revoltas, me-
nores receitas do governo, ameaças externas, perda de eficiência das
forças armadas e insatisfação popular generalizada. Num segundo
estágio, o centro do poder perderia força e desapareceria. Como re-
sultado, emergiriam entidades de dimensões menores, com frequen-
tes enfrentamentos entre si. Em uma terceira etapa, o Direito e a
eventual proteção de que se beneficiava a população seriam diluídos
em um cenário de crise das manifestações arquitetônicas, artísticas e
literárias. Enquanto os palácios e os centros de armazenamento se-
riam abandonados, quebraria a distribuição de bens e matérias-pri-
mas ao mesmo tempo em que se reduziriam os intercâmbios com as
localidades distantes, em favor de um renascimento das formas locais
de vida. O tamanho e a densidade da população se reduziriam, sendo
as cidades as principais afetadas.49
Karl W. Butzer, entretanto, distinguiu as precondições de um co-
lapso e os seus desencadeamentos. As precondições seriam frequen-
temente endógenas – incompetência ou corrupção das elites, redução

47 ORLOV, D. Reinventing Collapse: The Soviet Example and American Pros-


pects. Gabriola Island: New Society, 2008, p. 14-15.
48 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 190-191.
49 TAINTER, 2006, op. cit., p. 19-20.

27
Carlos Taibo

da produtividade agrícola, pobreza, esgotamento dos recursos natu-


rais –, reduziriam a capacidade de adaptação da sociedade em ques-
tão e propiciariam a decadência. Os gatilhos, no entanto, mais rápi-
dos e frequentemente exógenos – fenômenos climáticos extremos,
invasões, esgotamento de recursos, crises econômicas –, provocariam
os colapsos se precedidos das precondições. Cabe concluir, de qual-
quer forma, que as catástrofes que comumente chamamos de natu-
rais raramente são completamente alheias à ação do ser humano.50

4. A discussão sobre a complexidade. Em muitos lugares se revela


uma permanente pressão para aumentar a complexidade das socie-
dades através de tecnologias cada vez mais complexas, do estabeleci-
mento de novas instituições, do aprofundamento da organização ou
da regulação, ou da provisão e processamento de mais informação.51
É muito importante, ainda que seja ao mesmo tempo difícil, compre-
ender quando a complexidade resulta excessiva.
O aumento da complexidade não resulta simplesmente do que
Ophuls descreve como “puras proezas técnicas”. Muitas vezes se exi-
ge, como salienta esse mesmo autor, quantidades enormes de ener-
gia que permitam a implantação dessas proezas.52 Tainter e Patzek
apontaram, no mesmo sentido, que o crescimento da complexidade
das sociedades, que é um processo oneroso, e por si só nem bom nem
mau, está intimamente relacionado com o crescimento paralelo da
energia à disposição dessas sociedades.53 Nas sociedades complexas,
o enfrentamento dos problemas que se apresentam necessita de uma
complexidade ainda maior, com o consequente consumo de novos
recursos em uma espiral desoladora. É muito raro, em outras pala-
vras, que uma sociedade complexa possa enfrentar esses problemas
ao mesmo tempo em que reduz o consumo de energia.54 O único

50 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 184-185.


51 OPHULS, W. Immoderate Greatness: Why Civilizations Fail. North Charles-
ton: CreateSpace, 2012, p. 33.
52 OPHULS, 2012, op. cit., p. 35.
53 TAINTER, J. A.; PATZEK, T. W. Drilling Down: The Gulf Oil Debacle and
Our Energy Dilemma. New York: Copernicus, 2012, p. 65.
54 Ibidem, p. 83 e 191.

28
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

exemplo consistente desse horizonte é aportado pelo Império Bizan-


tino, capaz de simplificar – é importante destacar o vigor deste verbo
– sua condição dentro das restrições derivadas do emprego de uma
menor quantidade de energia.55 O oposto é ilustrado pelo Império
Romano, em que a crescente complexidade exigia a competição por
volumes cada vez maiores de energia, com um resultado letal: terras
devastadas e população que não crescia, empobrecida e doente.56
David Korowicz argumenta que o caráter interconectado da eco-
nomia global, as comunicações instantâneas e o fluxo financeiro, con-
comitante a graus extremos de especialização econômica e tecnológi-
ca, multiplicaram as possibilidades de uma falha maciça do sistema,57
ao qual devemos adicionar, como é sugerido por Holmgren, as con-
sequências da dívida financeira e a sucessão das bolhas correspon-
dentes.58 Os sistemas complexos são, em síntese, inter-relacionados,
de modo que a falha de um deles tem, ou pode ter, um efeito cascata
sobre os demais59, uma circunstância particularmente relevante em
uma economia globalizada como a do momento presente.
Ophuls, por sua vez, ressalta que quando “as quantidades dispo-
níveis de recursos e de energia não permitem manter os níveis de
complexidade, a civilização começa a se consumir, a tomar empres-
tado do futuro e se nutrir do passado, preparando assim o caminho
para uma eventual implosão”60. Para Tainter, uma das causas de mui-
tos colapsos é a complexidade incontrolável das sociedades afetadas
que, após o colapso em questão, veem uma redução rápida e dramá-
tica dessa mesma complexidade. A sociedade resultante é menor,
mostra menos diferenciação e heterogeneidade e possui capacidades
de controle limitadas sobre suas partes e sobre os indivíduos, estes

55 Ibidem, p. 126.
56 James Howard Kunstler em BIZZOCCHI, A. Ritorno al passato: La fine
dell’era del petrolio e il futuro che ci attende. [S.l.]: Per la decrescita felice, 2009,
p. 170 e 172.
57 HOLMGREN, D. Colapso por encargo. Holmgren Design, dic. 2013. Dis-
ponível em: www.reddetransicion.org/wp-content/uploads/2014/02/colapso-por-
Encargo-por-David-Holmgren.pdf. Acesso em: 29 abr. 2019, p. 13.
58 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit., p. 13.
59 OPHULS, 2012, op. cit., p. 39.
60 Citado por SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 185.

29
Carlos Taibo

mal abastecidos e dificilmente sujeitos a proteção. Muitas vezes essa


sociedade se desagrega em diferentes blocos.61 A especialização se
reduz e se rompem as fórmulas de controle centralizado. Os fluxos
de informação decaem, e também o comércio e a interação, e se re-
vela uma menor coordenação entre indivíduos e grupos. A atividade
econômica recua, ao mesmo tempo em que as artes e a literatura
experimentam uma decadência e a população, enfim, retrocede.62
Claro que é necessário discutir se todos os aspectos mencionados
acima são negativos.
Acrescento que, em uma análise que coloca em primeiro plano a
atitude das elites, Diamond salienta que os colapsos frequentemente
derivam da incapacidade deste grupo de prever os problemas, perce-
ber que existem e, finalmente, resolvê-los. É certo que também pode
ocorrer que essas elites não estejam em condições de encarar os pro-
blemas em questão.63 Esse mesmo autor sugere que sobram exemplos
de situações nas quais as elites dirigentes careceram de uma informa-
ção fiável – uma vez que os processos envolvidos eram muitas vezes
lentos –, somente prestaram atenção no curto prazo, sucumbiram a
influências doutrinárias ou religiosas que não foram discutidas ou
preferiram ignorar os sinais do que estava por vir, quando não acele-
raram, sem mais, o colapso.

5. Os códigos valorativos. Devemos atentar, também, para determi-


nados códigos valorativos vinculados aos colapsos. Sobre o assunto,
e por mais surpreendente que possa parecer, há na literatura autores
que consideram positivos os períodos marcados pela urbanização e a
centralização, enquanto, por outro lado, desprezam aqueles definidos
pela ruralização e autonomia local.64 O mesmo pode ser dito dos
estudos que dão por certo que o desaparecimento de certas institui-
ções leva à barbárie, esquecendo francamente que estas instituições
são muitas vezes a própria barbárie. É fácil concluir que muitas das

61 TAINTER, 2006, op. cit., p. 38.


62 Ibidem, p. 193.
63 ORR, 2009, op. cit., p. 54.
64 SCHWARTZ, 2010, op. cit., p. 4.

30
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

opiniões de que me ocupo nutrem-se de certa dimensão legítima,


de certa leitura condescendente, dos processos que estão na origem
do colapso. No entanto, deve-se acrescentar que parece óbvio que
nem todas as consequências atribuídas ao colapso são negativas. Bas-
ta mencionar, a título de exemplo, que este último é muitas vezes
traduzido na falência de hierarquias tradicionais pouco visíveis e que
permite um processo de descentralização de poder que parece legíti-
mo descrever como saudável.
Mas é bom enfatizar, também, que o conceito de colapso tem certa
dimensão etnocêntrica. Essa dimensão remete à condição dos apo-
sentados dos países do Norte, que entendem o que o colapso signi-
fica toda vez que entendem que seus locais de residência ainda não
foram atingidos por ele. Tal como sugeri no Prólogo, explicar o que
significa esta palavra a muitos dos habitantes dos países do Sul tor-
na-se difícil em virtude de um grande paradoxo: esses seres humanos
têm vivido sempre no colapso.

6. Colapso, crise, catástrofe, resiliência. Parece-me evidente que os


conceitos de colapso e crise têm significados diferentes, de modo que
o segundo se refere a uma situação provisória, que pode ser conside-
rada como recuperável, desde que tenha um impacto limitado.65 Um
dos muitos exemplos que ilustram o que quero dizer – a distância
entre um conceito e outro – é fornecido por medidas que afetam
as mudanças na temperatura média do planeta. Lorius e Carpenter
observam que desde 8.000 anos atrás a temperatura tem oscilado em
um intervalo de um grau centígrado.66 O Holoceno configurou, em
outras palavras, uma longa era de estabilidade que está, certamente,
na origem do desenvolvimento das sociedades humanas.67 A pers-
pectiva de um colapso prevaleceria se os limites mencionados fossem
rompidos e começássemos a falar de um aquecimento que, como o
que se prevê para o futuro próximo, ultrapassasse dois graus. É ver-
dade, contudo, que esse conceito esconde algo mais complexo, na

65 BONNEUIL, C.; FRESSOZ, J., 2013, op. cit., p. 39.


66 LORIUS, C.; CARPENTIER, L., 2010, op. cit., p. 72.
67 Idem.

31
Carlos Taibo

medida em que reivindica a competição da civilização humana em


suas mais diversas manifestações. Também é verdade, segundo um
critério de qualificação relativamente ampliado, que às vezes o que é
entendido por crise do sistema, de fato, refere-se ao colapso, enquanto
a crise no sistema, não.
Existe, por outro lado, certo paralelismo entre o conceito de colap-
so e a noção de catástrofe, de uso frequente nos trabalhos de geólogos
e paleontólogos, acostumados a identificar os vestígios de extinções
em massa e a observar, no passado, convulsões espasmódicas que,
embora normalmente acabassem somente com entre 15% a 40% das
espécies, em circunstâncias especiais teriam dado as condições para
as cinco grandes extinções.68 Entre as causas dessas extinções foram
identificados esfriamentos globais, ou mudança climática de maneira
geral, diminuição no nível dos mares, a atividade depredadora e a
competição entre espécies.69 Foi observado que esta lista de causas
lembra suspeitamente, ao menos de forma parcial, aquela que temos
em mente quando pensamos que um colapso possa vir a acontecer,
de tal forma que isso se configura em uma projeção, em direção ao
passado, de nossas percepções presentes.70
Algumas pessoas tentaram, enfim, contrapor o conceito de colapso
e os de persistência e resiliência. A persistência identifica uma situação
em que um estado estável tende a se manter diante das perturbações.
A resiliência enfatiza, por sua vez, a condição de sistemas que se re-
cuperam ante eventuais agressões.71 Ou, em outras palavras, nos diz
da “capacidade de um indivíduo, uma comunidade ou um sistema se
adaptar e preservar um nível aceitável de funcionamento, estrutura e
identidade”72. Não esqueçamos que, no caso de sistemas complexos
e inter-relacionados, sua existência tanto pode ser um elemento de
resiliência, apoiando-se uns nos outros, como de colapso, em que as

68 LEAKEY, R.; LEWIN, R., 1995, op. cit., p. 62-63.


69 Ibidem, p. 67.
70 Ibidem, p. 68.
71 LINDEN, E. The Future in Plain Sight: A Look at Our Planet in the Year
2050. New York: Plume, 2002, p. 14.
72 Charlie Edwards citado por HOPKINS, R. The Transition Handbook: From
Oil Dependency to Local Resilience. White River Junction: Chelsea Green, 2008,
p. 45.

32
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

tensões se transmitem de uns aos outros. Não parece razoável, no


entanto, contrapor colapso e progresso, como frequentemente se faz. O
colapso, antes de tudo, pode ser uma consequência de determinado
tipo de progresso desestabilizador.

Os colapsos do passado
A discussão sobre os colapsos do passado, que abordo aqui de
maneira muito superficial, teve nos últimos anos um marco funda-
mental com a publicação de um livro de notável sucesso. Refiro-me
ao Colapse: How Societies Choose to Fail or Succeed (Colapso: como as
sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso) de Jared Diamond.73 Nessa
obra, o autor procura uma explicação ecológica para muitos colapsos,
vinculados ao desmatamento e à destruição do hábitat, à erosão ou à
salinização dos solos, à péssima gestão da água, à prática abusiva da
caça ou da pesca, aos efeitos da introdução de novas espécies ou ao
crescimento da população humana.74 Relacionados frequentemente
com mudanças no clima e, em geral – e como acabo de adiantar –,
com fenômenos ecológicos, os colapsos aos quais me refiro afeta-
ram sociedades complexas que nada tinham de frágeis ou isoladas.
Podemos citar o exemplo dos acádios – seu império entrou em co-
lapso como resultado de uma seca prolongada75 –, do antigo império
no Egito, do Império Romano – o desmatamento, juntamente com
outros fatores militares, econômicos e políticos, teve consequências
permanentes76 –, dos maias – seca, desmatamento, esgotamento de
recursos escassos77 – ou da civilização de Tiahuanaco78. Por outro
lado, dado que aqui a fragilidade e o isolamento se concretizaram,
também é necessário falar das causas ecológicas que cercaram o co-

73 DIAMOND, 2006, op. cit. Ver também YOFFEE, N.; COWGILL, G. (ed.).
The Collapse of Ancient States and Civilizations. Tucson: University of Arizona, 1988.
74 DIAMOND, 2006, op. cit., p. 6.
75 HEINBERG, 1996, op. cit., p. 40; LINDEN, 2007, op. cit., p. 149 et seq.
76 HEINBERG, R. Power Down: Options and Actions for a Post-Carbon
World. Forest Row: Clairview, 2007, p. 143.
77 LINDEN, 2007, op. cit., p. 68 et seq. e p. 165 et seq.; DIAMOND, 2006, op.
cit., p. 157 et seq.; HEINBERG, 2007, op. cit., p. 147.
78 KOLBERT, 2006, op. cit., p. 97.

33
Carlos Taibo

lapso das comunidades norueguesas presentes na Groenlândia, ou


das que se revelaram na Ilha de Páscoa devido a uma sobre-explo-
ração dos recursos, e à consequente escassez, acompanhada de um
declínio na população. Muito se tem falado de “eras obscuras” para
designar as etapas caracterizadas pela presença de problemas ecoló-
gicos – desmatamento, perda de biodiversidade, erosão dos solos –,
desastres naturais, doenças e mudança climática.79 É evidente que a
explicação ecológica parece ser, contudo, uma entre várias.
Convém deixar claro que não faltaram difamadores para o traba-
lho de Diamond, como os que foram citados no livro coletivo coor-
denado por McAnany e Yoffee.80 Nessa obra se discutem muitos dos
casos estudados por Diamond e se observa, por exemplo, que na Ilha
de Páscoa, apesar do desmatamento, antes da chegada dos europeus
a sociedade manteve certa vitalidade; que os colonos noruegueses da
Groenlândia conseguiram emigrar para outros lugares sem que se
produzisse um genuíno colapso; que os camponeses e os burocratas
chineses mantiveram, apesar do aparente colapso de sua sociedade,
uma economia muito dinâmica; que muitos dos índios do sudoeste
do que hoje são os EUA fundaram com êxito novos assentamentos
que permitiram preservar seu modo de vida; que a decadência do
Império Maia não impediu a sobrevivência, muito tempo depois, de
cidades e reinos; ou que as estruturas de autoridade e identidade na
Mesopotâmia conseguiram se adaptar a novos cenários.81 Os auto-
res desse livro concluem – e não estou em condições de julgar se
têm razão ou se, pelo contrário, lhes falta – que a adaptação a novos
entornos, a resiliência, tem sido historicamente mais frequente que
o colapso. Essa perspectiva também se revela através dos resultados
de estudos relativos ao que ocorre depois do colapso, muitas vezes
na forma de um reaparecimento da complexidade social depois de

79 CHEW, S. C. Ecological Futures: What History Can Teach Us. Lanham:


Rowman & Littlefield, 2008, p. 2-3.
80 McANANY, P. A.; YOFFEE, N. (ed.). Questioning Collapse: Human Resi-
lience, Ecological Vulnerability, and the Aftermath of Empire. Cambridge: Cam-
bridge University, 2010a.
81 McANANY, P.; YOFFEE, N., 2010b, op. cit., p. 4.

34
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

­ eríodos de desintegração.82 Esses estudos muitas vezes recordam


p
que as obras clássicas baseadas na consideração de modelos de nas-
cimento, crescimento e morte das sociedades, como é o caso dos de
Gibbon, Spengler e Toynbee, visivelmente não prestam atenção ao
que ocorre depois do colapso.83
Mas, além das disputas anteriores, o que me interessa agora é que
nenhum dos colapsos estudados por Diamond e por seus detratores
teve um caráter global, de tal forma que dificilmente podemos em-
pregá-los como ferramentas de análise do colapso que alguns dizem
se aproximar. Colocando isso de lado, se o peso da tecnologia, e da
energia que a acompanha, é hoje muito maior que em qualquer outra
circunstância do passado, é necessário evidenciar que nestas horas
dispomos também de maiores conhecimentos em medicina e de in-
formações interessantes, ainda que pouco usadas, no que se refere
ao passado, à luz dos diversos colapsos já estudados.84 Além disso,
estamos diante de um cenário marcado pela evidente fragilidade das
fontes de energia renovável – estas, bem ou mal, certamente existiam
no passado –, por uma complexidade social muito maior, por um
grau de centralização inquietante e pela ausência de espaços que se
situem à margem do processo.85 Sobram, portanto, os exemplos de
como as consequências do colapso num mundo globalizado serão,
também, globais. Recordo aqui como um fenômeno aparentemen-
te localizado e de importância limitada, como a erupção do vulcão
­Eyjafjallajökull em 2010, na Islândia, obrigou à suspensão do tráfego
aéreo em boa parte da Europa durante seis dias, afetou visivelmente
o comércio internacional, originou perdas de postos de trabalho no
Quênia, fez com que se adiassem operações cirúrgicas na Irlanda e
levou à parada de três linhas de produção da BMW na Alemanha.86
Destaco, contudo, que Diamond não foi o único autor que se
interessou pelos colapsos do passado. Outro estudioso que enfatizo

82 SCHWARTZ, 2010, op. cit., p. 4.


83 Idem.
84 DIAMOND, 2006, op. cit., p. 8.
85 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit., p. 198.
86 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 116.

35
Carlos Taibo

neste texto, Tainter, também tem dedicado seu tempo a procurar ex-
plicações para tais colapsos. A esse respeito, o autor fez referência ao
esgotamento de recursos vitais, ao estabelecimento de uma nova base
de recursos, à manifestação de catástrofes, à resposta insuficiente aos
problemas, à presença de outras sociedades complexas, à chegada de
estrangeiros, aos conflitos de classe, às disfunções sociais, ao peso de
impulsos místicos, à concatenação casual de acontecimentos e, em
suma, a fatores econômicos diversos.87 O próprio Tainter observa,
no entanto, que muitos colapsos dificilmente exibem uma dimensão
ecológica e se preocupa em apontar um argumento pelo qual tenho
me interessado: o efeito dos fatores estritamente econômicos relacio-
nados com o desaparecimento das vantagens associadas à complexi-
dade, com as crescentes desvantagens desta e com os custos cada vez
maiores para se manter essa complexidade.88
Geralmente, fala-se de dois tipos de causas associadas nos co-
lapsos. Se as endógenas são criadas pela própria sociedade afeta-
da, na forma de uma instabilidade política, econômica ou social, as
exógenas se vinculam a catástrofes de origem externa, como a mu-
dança climática, maremotos, terremotos ou invasões estrangeiras.89
Nesse sentido, Diamond, em seu livro, identificou cinco fatores de
decadência das sociedades por ele estudadas: a degradação do meio
ambiente ou o esgotamento dos recursos, a mudança climática, as
guerras, a perda repentina de parceiros comerciais e a reação defi-
ciente ante os problemas ambientais.90 Outros especialistas, como
Timothy Weiskel, têm demonstrado que na história de muitas das
civilizações do passado é possível observar um modelo comum de
“aparição gradual, breve florescimento e rápido colapso”, que muitas
vezes acaba em um grande confronto militar pelo controle da terra e
dos principais recursos.91

87 TAINTER, 2006, op. cit., p. 42.


88 Ibidem, p. 86-87.
89 SERVIGNE, P; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 183.
90 Idem.
91 GOWDY, J. M. Biophysical Limits to Industrialization. In: DOBKOWSKI,
M. N.; WALLIMANN, I. (ed.). The Coming Age of Scarcity: Preventing Mass Death
and Genocide in the Twenty-First Century. New York: Syracuse University, 1998,
p. 65-82. [cit. p. 75.]

36
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Há também aqueles que identificam a presença de longas eras


que parecem se remeter à lógica do colapso. Não esqueçamos que,
com ou sem razão, a Alta Idade Média tem sido frequentemente
descrita como uma era de escuridão, em grande parte marcada por
um retrocesso na gestão da tecnologia e por uma perda geral de
conhecimento. Ruddiman observa que nessas fases é comum que se
invoque a presença dos quatro cavaleiros do apocalipse: a guerra, a
peste, a fome e a morte.92 Nessa linha de pensamento, são muitos os
momentos históricos impregnados por um pessimismo sem limites
em relação ao futuro. Simon Pearson recorda, por exemplo, que em
1917, em plena primeira guerra mundial, D.H. Lawrence confessou
não ver nenhum arco-íris na Europa: “Creio que o dilúvio da chuva
de ferro destruirá o mundo completamente; nenhum Ararat se le-
vantará sobre os restos da água de ferro”93. T.S. Eliot, em The Waste
Land (A terra devastada), retratou as modernas metrópoles como se
fossem infernos medievais. Quase contemporaneamente, Spengler
escreveu Der Untergang des Abendlandes (A decadência do Ocidente),
um livro em que desenvolveu uma visão da história de boa parte
da humanidade conforme o ciclo instável das estações do ano.94 A
década de 1930 assistiu a um desmoronamento de muitos valores
da modernidade ocidental. Hannah Arendt, em particular, estudou
a catástrofe política que experimentaram as sociedades europeias
em um cenário marcado pela consolidação de um ser humano en-
tendido como animal laborans (animal trabalhador).95 Walter Ben-
jamin, por outro lado, demonstrou que a maior parte do próprio
movimento operário na Europa Ocidental sucumbiu aos feitiços da
técnica e da tecnologia. Na década seguinte, e no calor da Segunda
Guerra Mundial, os bombardeios sobre a Inglaterra e a Alemanha
e as bombas de Hiroshima e Nagasaki, com sua sequela de morte e

92 RUDDIMAN, W. F. Los tres jinetes del cambio climático: Una historia milena-
ria del hombre y el clima. Madrid: Turner, 2008, p. 187-188.
93 PEARSON, S. The End of the World: From Revelation to Eco-Disaster. Lon-
don: Robinson, 2006, p. 173.
94 PEARSON, 2006, op. cit., p. 177.
95 AZAM, G. Le temps du monde fini: Vers l’après-capitalisme. [S.l.]: Les liens
qui libèrent, 2010, p. 67.

37
Carlos Taibo

destruição, trouxeram repetidas vezes a memória dos recém-men-


cionados cavaleiros do apocalipse.96

Dois colapsos contemporâneos


Comentarei aqui a respeito de dois colapsos contemporâneos –
ou semi-colapsos, segundo penso –, mas não sem antes recordar que,
em algumas das obras que citei acima, fala-se de processos que, nova-
mente, remetem a realidades muito próximas, em tempo, a nós mes-
mos. Aí estão, para testemunhar, os exemplos da Somália e de Ru-
anda, como ilustrações dos efeitos da mudança climática na África.97
O primeiro dos colapsos contemporâneos que me interessa consi-
derar é o que se verificou na França, na primavera de 1940, resultado
da invasão alemã em boa parte do país. Devo destacar que houve
uma derrota militar extraordinariamente rápida98 que atingiu de sur-
presa todos os modos de vida franceses e deixou pouco espaço para a
reação. Em um cenário marcado por um exército vencido e desmo-
ralizado, incapaz de conceber o que a guerra significava,99 e por uma
polícia desorientada e desarticulada,100 ocorreu uma absoluta perda
de confiança nas instituições e uma sensação geral de insegurança se
espalhou, ambas acompanhadas pela enunciação de numerosas crí-
ticas a respeito da morosidade e do comodismo que se atribuíam à
sociedade francesa do período entreguerras.101
A derrota militar teve uma consequência imediata na formação
de uma massa enorme de refugiados, entre eles muitos anciões, mu-
lheres e crianças. Claro que, propriamente falando, não houve uma
evacuação da população. Antoine de Saint-Exupéry assinalou que a

96 PEARSON, 2006, op. cit., p. 186.


97 SNYDER, T. Black Earth: The Holocaust as History and Warning. London:
The Bodley Head, 2015, p. 328.
98 SHENNAN, A. The Fall of France, 1940. Harlow: Longman, 2000, p. 27.
99 BLOCH, M. L’étrange défaite. Paris: Gallimard, 1990, p. 66.
100 DIAMOND, H. Fleeing Hitler: France 1940. Oxford: Oxford University,
2007, p. 32.
101 SHENNAN, 2000, op. cit., p. 36.

38
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

população se dispersou por si mesma,102 de maneira diferente do que


havia ocorrido nos meses anteriores em cidades próximas à frontei-
ra com a Alemanha,103 como Estrasburgo, por exemplo. Enquanto
tornava-se evidente a dificuldade de oferecer sustento e refúgio para
a gigantesca massa que havia abandonado seu lugar,104 proliferaram
as condutas indesejáveis, e entre elas as de caráter racista, funda-
mentalmente antissemitas, e as que tiveram como maiores vítimas
as mulheres.105 Os transportes habituais se mostraram incapazes de
atender às necessidades de um êxodo de dimensões incalculáveis.106
Segundo certa estimativa, somente uma quinta parte da população de
Paris permaneceu na cidade,107 e o abandono da capital pelo governo
estimulou, sem dúvida, uma saída massiva de seus habitantes.108
É importante destacar que todo o aparato político, econômico e
administrativo do Estado francês se quebrou com uma enorme ra-
pidez. Enquanto o descrédito dos governantes se fazia evidente, os
ministérios naufragaram, foram desarticulados os sistemas econômi-
co e de abastecimento, faltou combustível, muitas fábricas ficaram
paralisadas – mesmo que muitos dos trabalhadores fossem obrigados
a permanecer nelas –, os alimentos começaram a ficar escassos, su-
biram drasticamente os preços dos bens básicos, o dinheiro perdeu
boa parte de seu valor e se espalharam a pilhagem e o mercado negro,
junto com outras formas semitoleradas.109 Nesse contexto, que refle-
tiu também uma derrota moral e intelectual, não é de se surpreender
que se manifestassem dúvidas em relação à própria sobrevivência do
Estado francês, imediatamente aproveitadas pelo regime de Vichy,110
e que se revelassem grandes dificuldades para identificar uma polí-

102 Citado por GUÉNO, J.-P. Paroles d’exode mai-juin 1940: Lettres et témoig-
nages de Français sur les routes. Paris: J’ai lu, 2015, p. 30.
103 DIAMOND, 2007, op. cit., p. 22.
104 Antoine de Saint-Exupéry citado por GUÉNO, 2015, op. cit., p. 32.
105 DIAMOND, 2007, op. cit., p. 77.
106 Ibidem, p. 1.
107 Ibidem, p. 2.
108 Ibidem, p. 12.
109 SHENNAN, 2000, op. cit., p. 126.
110 Ibidem, p. 47.

39
Carlos Taibo

tica ajustada aos interesses nacionais.111 Jean Paul Sartre relatou que
tudo estava “oco e vazio: o Louvre sem as pinturas, a Câmara sem
os deputados, o Senado sem os senadores”112. Como se não bastasse,
os fluxos de informação estavam tão frágeis e tão pouco confiáveis
que se instalou a lógica do rumor, ao ponto de inúmeras pessoas
darem por certo que Paris havia sido destruída pelo exército ale-
mão.113 Combinada a isso, houve uma diminuição na credibilidade
de instituições que minimizaram o perigo militar alemão e, uma vez
acontecida a tragédia, negaram durante dias o acontecido.114
No entanto, é importante lembrar que também ocorreram situa-
ções que de certa forma atenuaram o impulso do colapso. Se, por um
lado, as instituições religiosas sobreviveram – em particular a Igreja
católica –, por outro, e certamente mais importante, a presença do
exército alemão gerou um cenário de ordem, em vez de repressivo,
principalmente porque seus integrantes mostraram, durante algum
tempo, uma conduta mais contida e mais respeitosa que a implantada
por esse mesmo exército na Europa Central e Oriental.115 O regime
de Vichy e as resistências internas e externas também iluminaram
horizontes de um futuro que convidava a concluir que o panorama
não era irreversível. De fato, e como é sabido, a França assumiu um
processo de reconstrução a partir de 1944-1945.
Devo acrescentar que o cenário que porventura tenhamos que en-
frentar em um futuro próximo será, em muitos aspectos, pior. Não nos
esqueçamos de que hoje os meios de comunicação multiplicariam os
rumores e ampliariam o pânico, a complexidade das estruturas urba-
nas dificultaria o provisionamento, haveria de se enfrentar as sequelas
da supremacia radical do automóvel, se registraria um declínio maior
da economia do que o registrado na França dos princípios da década
de 1940, obstáculos importantes dificultariam uma rápida retomada
sobre o meio rural, haveria grandes dificuldades para atender às de-
mandas em matéria de calefação, se manifestariam graves problemas

111 BLOCH, 1990, op. cit., p. 169.


112 Citado por SHENNAN, 2000, op. cit., p. 117.
113 Marguerite Marceau citada por GUÉNO, 2015, op. cit., p. 74.
114 DIAMOND, 2007, op. cit., p. 8.
115 Ibidem, p. 146.

40
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

com as centrais nucleares e as pessoas mais velhas e os deficientes


seriam as principais vítimas da ruína geral do sistema de saúde.116
Mas prestemos atenção, também, ao declínio posterior da União
Soviética. Nesse caso, não me interessa tanto descrever propriamente
o processo, mas resgatar algumas opiniões, muito sugestivas, expres-
sas por Dmitry Orlov. A tese geral que ele defende sugere que o
colapso norte-americano será muito mais duro e encontrará menos
respostas eficientes que o soviético, visto que no calor deste último
se fizeram valer as vantagens da preservação de uma sociedade ar-
caica e tradicional em diversos aspectos, com um peso limitado da
tecnologia e características comunitárias importantes, ao menos no
que se refere à maioria da população (certamente, não à burocracia
dirigente).
Ainda que de modo algum se trate de ocultar a gravidade do co-
lapso soviético, vale a pena examinarmos alguns dos dados que Orlov
aporta em sua tese. Recordarei, por hora, que na União das Repú-
blicas Socialistas Soviéticas (URSS) as casas, que certamente eram
tudo menos satisfatórias, não eram de propriedade privada e ficaram
nas mãos de quem nelas residia117 e que não teve que enfrentar, como
acontece em muitas das economias capitalistas, onerosas hipotecas.
Muitas vezes, mas não sempre, a construção dos edifícios era sólida,
da mesma forma que muitos dos bens não obedeciam à lógica da ob-
solescência programada. Tratava-se de uma sociedade na qual, para o
bem ou para o mal, a cultura do consumo e a tirania da moda tinham
uma importância muito menor do que no Ocidente, e a resposta à
escassez de tantos produtos sempre foi a reparação dos já existentes.
Além disso, muitos dos serviços – calefação, água, manutenção, lixo
– estavam razoavelmente organizados e não eram muito custosos
em termos de mão de obra.118 A isso se somou uma presença muito
menor da cultura do automóvel e das suas consequências, como cida-
des traçadas em virtude das exigências do carro, com um transporte
público moderadamente desenvolvido, ao menos no que diz respeito

116 MÉHEUST, B. La politique de l’oxymore: Comment ceux qui nous gouvernent


nous masquent la réalité du monde. Paris: La Découverte, 2009, p. 43-44.
117 ORLOV, 2008, op. cit., p. 62.
118 Ibidem, p. 63.

41
Carlos Taibo

aos meios urbanos.119 Por outro lado, a maioria dos soviéticos, em


boa medida forçados por normas legais frequentemente severas, não
mudou o lugar de residência ao longo da vida, diferentemente do
que ocorre nos países ocidentais. O fenômeno foi em certo sentido
contrariado, é bem verdade, pela magnitude da URSS, que forçava
deslocamentos muito grandes.
O aumento do desemprego, ainda que evidente, foi mais lento do
que se poderia supor que ocorreria em uma economia de mercado
ocidental marcada pelo fechamento de muitas empresas. A URSS
não havia implementado, dentre outras coisas, estratégias de deslo-
camento de atividades para outros países e, de fato, era um país mais
autossuficiente, menos dependente que as potências ocidentais.120 Na
economia soviética, e na que se abriu depois de 1991, a importância
do dinheiro foi muito menor que o que acontece normalmente nas
economias de mercado. A partir do ano mencionado, muitos ex-so-
viéticos passaram a depender principalmente da produção caseira de
alimentos – produção que não havia sido exatamente uma das virtu-
des dos sistemas do socialismo irreal – e das redes de solidariedade de
familiares ou amigos, de tal forma que o dinheiro perdeu, ainda mais,
boa parte do seu peso. Também é verdade, no entanto, que a libera-
lização dos preços ocorrida no início de 1992 fez com que desapare-
cessem os depósitos bancários de muitos pequenos poupadores que,
a partir de então, não puderam mais depender deste recurso.
São discutíveis as opiniões de Orlov sobre as eventuais virtudes
do sistema de saúde soviético. Ele considera que este último, apesar
das suas deficiências, tinha um bem-sucedido caráter universal que
permitia resolver muitos problemas.121 Há que se entender que essa
afirmação nasce de uma comparação com outro sistema de saúde, o
norte-americano, marcado pela lógica do benefício privado. E ainda
que seja verdade que, nesse aspecto, a URSS saía vencedora, seria
ruim se esquecêssemos das muitas disfunções deste sistema de saú-
de, em que a ausência de investimentos, a deterioração de muitos

119 Ibidem, p. 66.


120 Ibidem, p. 71.
121 Ibidem, p. 89.

42
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

hospitais e os privilégios da burocracia fizeram sentir seus efeitos;


descrever esse sistema, tal como faz Orlov, como se estivesse marca-
do pelo ethos do serviço público,122 mostra-se um tanto excessivo. De
qualquer forma é certo que, logo após o colapso de 1991 e mesmo
com todos os problemas, os hospitais continuaram funcionando e
diminuíram as tensões em um terreno decisivo. Também há ressal-
vas em relação às opiniões de Orlov sobre o sistema educacional da
URSS. Este último absorveu os defeitos derivados da hiper-centra-
lização, do doutrinamento ideológico e da difícil implantação das
ciências aplicadas. Isso não era um obstáculo para que tivesse um
caráter universal, que ficasse livre dos interesses privados que operam
em outros cenários e permitisse fazer frente a algumas demandas
elementares às quais se acrescentou o fato de que a fragilidade da
sociedade do consumo local propiciou certo distanciamento com re-
lação ao utilitarismo tradicional dos sistemas educativos ocidentais
(quanto dano não fez a televisão!). Não é demais lembrar que Orlov
se refere também ao fato de que na URSS não havia correntes reli-
giosas que, como acontece com tanta frequência nos Estados Unidos,
vislumbrassem horizontes apocalípticos.123
Chego a uma conclusão rápida: ainda que seja legítimo afirmar
que, para o benefício de suas teorias – ou em proveito de uma com-
paração com os EUA –, Orlov force um pouco as virtudes do sistema
soviético, deve-se resgatar um elemento importante a ser somado aos
vários que nosso autor identifica como pilares de uma resistência,
bem que relativa, ante o colapso. Refiro-me ao fato de que, apesar da
crise que afetou a URSS, esta desfrutava com folga de matérias-pri-
mas energéticas – as redes de produção e distribuição se mantiveram
razoavelmente incólumes – que seguramente ajudaram a mitigar o
colapso em questão. Imediatamente terei a oportunidade de com-
provar que não é essa a condição comum na maioria dos lugares no
planeta contemporâneo.

122 Ibidem, p. 90.


123 Ibidem, p. 100.

43
2. As eventuais causas do
colapso

“Nossos combustíveis fósseis nos levaram a


um nível de abundância e prosperidade ini-
maginável um século atrás. Hoje nos levam a
um século de desintegração”
(Ross Gelbspan)

“A idade da pedra não terminou por falta de


pedras. A era do petróleo terminará muito
antes que desapareça o petróleo”
( James Canton)

Este capítulo pretende explicar, com a maior clareza possível,


quais são os dados que indicam o porquê de um colapso global ser
perfeitamente imaginável. Devo sublinhar que nele não há nada de
original e que estou fazendo uso de estimativas e análises que nem
sempre coincidem no emprego de dados básicos, e a isso certamente
se agrega a minha condição de autêntico profano no que se refere
ao estudo deste contexto. Ainda que minha ideia inicial fosse levar
ao leitor bibliografia especializada e evitar um texto como este, ao
final ficou evidente, contudo, que um trabalho sobre o colapso futuro
ficaria lamentavelmente incompleto sem a informação contida aqui.
Parece inevitável afirmar, no entanto, que o perfil preciso desse co-
lapso está estritamente vinculado à condição precisa de suas causas.
É necessário levantar, contudo, duas observações preliminares.
A primeira reconhece que se durante muitos séculos as principais
ameaças de catástrofes estiveram vinculadas aos fenômenos naturais
– enchentes, terremotos, erupções vulcânicas, tempestades – e a do-
enças como a peste, a partir do século XX o impacto da ação humana
passou a ser decisivo nas calamidades. Não esqueçamos que, segundo
estimativa, 187 milhões de pessoas morreram em virtude das duas
guerras mundiais. Nesse mesmo século XX, as guerras e a repressão

45
Carlos Taibo

estabelecida por regimes políticos ocasionaram mais mortes que as


catástrofes naturais.124 É inequívoco que esses dados mirem nossa
espécie na hora de identificar um futuro que pareça ameaçador. A
segunda observação nos convida a confirmar que os prognósticos
pessimistas têm ganhado terreno com o passar do tempo. “Estamos
observando”, afirma Barry Brook, “como fatos previstos para finais
do século XXI estão acontecendo agora”125. A mudança climática se
acelera, a biodiversidade se desmorona, a contaminação se estende
por todas as partes, a economia corre risco de padecer a qualquer
momento por um ataque cardíaco e as tensões sociais e geopolíticas
se multiplicam.126
Dentro desse contexto, é necessário destacar dois fatores impor-
tantes: a mudança climática e o esgotamento das matérias-primas
energéticas, além de diversos outros elementos que, não necessaria-
mente menos relevantes que os anteriores, podem multiplicar seus
efeitos. Citemos, dentre eles, a escassez de outras matérias-primas,
os atentados contra a biodiversidade, os problemas demográficos,
o cenário social sombrio, a fome, a escassez de água, o aumento
das doenças, a naturalização da marginalização das mulheres, a cri-
se financeira, o papel repressor dos Estados, as tecnologias fora de
controle, a ampliação da pegada ecológica e, enfim, o próprio cres-
cimento econômico.

A mudança climática
Faz algumas décadas que se registra um aumento da temperatura
média do planeta.127 Para ilustrar isso em números, basta recordar que
em 2002 a temperatura havia subido 0,8 grau centígrado em com-
paração aos níveis pré-industriais (a de países desenvolvidos subiu

124 REES, M. Our Final Century: Will Civilisation Survive the Twenty-First
Century? London: Arrow, 2004, p. 25-26.
125 CHAMBERLIN, S. The Transition Timeline for a Local, Resilient Future.
White River Junction: Chelsea Green, 2009, p. 142.
126 SERVIGNE, P; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 16.
127 Ver MONBIOT, 2008.

46
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

1,2 graus).128 É verdade, contudo, que ainda que na maioria dos lugares
tenha sido registrado um aumento da temperatura, há muitos outros
em que tem havido uma diminuição desta, fato que explica por que é
preferível falar de mudança climática, e não de aquecimento global.
No Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática, cria-
do pelas Nações Unidas em 1989, há centenas de cientistas dedica-
dos ao estudo da relação entre a emissão de gases de efeito estufa e
as mudanças em questão. Segundo suas conclusões, se as tendências
atuais se mantiverem, a temperatura média do planeta se elevará en-
tre 1,4 e 5,8 graus entre 1990 e 2100.129 Ainda que os relatórios do
Painel sejam sempre cautelosos, é evidente que suas estimativas –
que apontam um aumento de dois graus como limítrofe para situa-
ções graves e irreversíveis – são cada vez mais pessimistas. Hamilton
acredita que, ainda que ajamos de forma rápida e contundente, será
muito difícil evitar um aumento de três graus130 e impossível evitar o
aumento de apenas dois.131 Já Barry Brook ressalta que os dois graus
de aumento da temperatura média planetária podem conduzir a três
ou quatro graus em virtude da retroalimentação que marca o ciclo do
carbono.132 É consensual, enfim, a conclusão de que os efeitos mais
delicados da mudança climática acontecerão no Hemisfério Norte.133
É evidente a responsabilidade central das grandes potências do Nor-
te no cerne deste fenômeno, e nos últimos tempos não seria ingênuo
responsabilizar também países como a China ou a Índia. Basta re-
cordar que os cidadãos estadunidenses emitem três vezes mais CO2
por pessoa que os europeus, e quase cem vezes mais do que os habi-
tantes de países pobres.134
Diversos autores consideram que o ser humano começou a mo-
dificar o clima muito antes da revolução industrial. É o caso, por
exemplo, de Richard Leakey e Roger Lewin, que têm enfatizado

128 FLANNERY, T. The Weather Makers. New York: Grove, 2006, p. 167.
129 HAMILTON, 2015, op. cit., p. 6.
130 Ibidem, p. 8.
131 Ibidem, p. 12.
132 CHAMBERLIN, 2009, op. cit., p. 143.
133 ACOT, P. Histoire du climat. Paris: Perrin, 2004, p. 261.
134 FLANNERY, 2006, op. cit., p. 299.

47
Carlos Taibo

há muito tempo que, como resultado da ação de sociedades que


frequentemente descrevemos como primitivas, a natureza terrestre
não é tão virgem como gostam de afirmar muitos estudiosos.135 É
o caso também de William F. Ruddiman, que estima que as modi-
ficações iniciaram milênios atrás, em virtude de inovações aparen-
temente inócuas vinculadas à agricultura136 e, dentre elas, a brusca
expansão do uso de fertilizantes137. É frequente, nesse contexto, que
se mencionem a queima de árvores, o próprio desmatamento, a ir-
rigação das terras baixas, a atividade pecuária ou o desaparecimento
de espécies animais. Se todos estes fatos são verdadeiros, e se não há
maiores motivos para duvidar disso, parece evidente que devamos
nos afastar da visão do bom selvagem que muitas vezes se vincula à
condição dos membros das sociedades pré-industriais. Ruddiman
se atreve a afirmar que “o homem da idade do ferro, e inclusive os
homens do final da idade da pedra, tiveram um impacto per capita
sobre a paisagem da Terra muito superior à média de uma pessoa
da atualidade”138. É claro que, de maneira diferente de nós, esses
seres humanos dificilmente seriam plenamente conscientes do que
faziam. É fundamental lembrar, no entanto, que muitos dos seres
humanos de hoje não são nada além de vítimas do jogo macabro de
um sistema chamado capitalismo.
É verdade, porém, que a maioria dos estudiosos concorda que
o processo sobre o qual estudam experimentou uma aceleração na
era industrial, isto é, nos dois últimos séculos. A maioria concorda
também que as duas ou três últimas décadas foram fatais a esse res-
peito. Não seria exagero afirmar, enfim, que muitos dos efeitos do
que fizemos no passado acabarão por se manifestar inexoravelmente,
independentemente da nossa ação atual ante a mudança climática.
Seria apropriado deixarmos de lado a visão relativamente difundida
de que, se atuássemos com contundência e urgência, poderíamos fre-
ar decisivamente o processo em curso.

135 LEAKEY, R.; LEWIN, R., 1995, op. cit., p. 249.


136 RUDDIMAN, 2008, op. cit., p. 17.
137 BONNEUIL, C.; FRESSOZ, J., 2013, op. cit., p. 31.
138 RUDDIMAN, 2008, op. cit., p. 267.

48
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Por outro lado, já são bem conhecidos os danos – alguns já reais,


outros por vir – da mudança climática. Descrevo-os aqui brevemen-
te. Além de um aumento geral das temperaturas, pode-se falar de
um aumento geral do nível do mar, entre 20 e 88 centímetros, du-
rante o século XXI, um fenômeno delicado dado que 80% da popu-
lação mundial vive nas zonas costeiras.139 Outro efeito importante é
o progressivo degelo das calotas polares. Há muitos motivos para dar
como certo que, mais cedo ou mais tarde, o gelo do polo Norte desa-
parecerá. Ainda que algumas estimativas sugiram que isso acontecerá
somente em 2100, há quem diga que será em 2040, e há quem diga
que temos menos tempo ainda.140 Uma terceira consequência será o
desaparecimento e a mutação de muitas espécies, com grandes im-
pactos, em particular, aos sistemas ecomarinhos, em um quadro geral
de ataques contra a biodiversidade, mas darei uma atenção maior a
este assunto mais adiante. Uma quarta consequência, sobre a qual é
necessário falar, é a erosão dos solos e o aumento da desertificação,
das secas e das ondas de calor; os lugares úmidos se tornarão mais
úmidos, com tormentas e inundações, enquanto os secos serão cada
vez mais secos, com a proliferação de incêndios e de tempestades de
areia.141 Hoje se perdem a cada ano no planeta 120.000 km² de flo-
restas, ou seja, 40-50% a mais que uma década atrás. Se mantivermos
esse ritmo de destruição, em 2050 as florestas tropicais estarão redu-
zidas a 10% do que existia na virada do milênio.142 Também é neces-
sário falar do crescimento do número e da intensidade de furacões
e tornados. Nesse contexto, e como uma quinta consequência, são
facilmente identificáveis os problemas no desenvolvimento da agri-
cultura e da pecuária, com dificuldades crescentes para a produção
de alimentos. Acrescento, enfim, que a mudança climática poderá se
traduzir na aparição de novas doenças, que terão efeitos permanentes
no aprofundamento das desigualdades.

139 ACOT, 2004, op. cit., p. 261.


140 MORRIS, I. Why the West Rules – For Now: The Patterns of History, and What
They Reveal About the Future. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2010, p. 599.
141 Ibidem, p. 600.
142 LEAKEY, R.; LEWIN, R., 1995, op. cit., p. 301.

49
Carlos Taibo

O delicado panorama anterior se soma ao fato de que as medidas


tomadas para enfrentar a mudança climática têm se mostrado, uma
após a outra, insuficientes. Um estudo razoavelmente realista conclui
que se quisermos evitar uma mudança climática descontrolada – e
não está claro que isto esteja ao nosso alcance –, até 2050 teremos
de ter reduzido as emissões pessoais de CO2 entre 86% e 92% em
relação aos níveis de 1990, uma porcentagem que dificilmente será
alcançada.143 Em comparação com os níveis da era pré-industrial,
a concentração de gases de efeito estufa se multiplicou por dois no
que se refere ao metano e aumentou um terço no que se refere ao
dióxido de carbono. E hoje, segundo uma estimativa, utilizamos 16
vezes mais energia que nos princípios do século XX.144 Ainda que,
em uma análise específica realizada em 2007, se tenha apontado que
o nível do mar poderia subir entre 20 e 60 centímetros entre aquele
ano e o final do século XXI, estudos mais recentes asseguram que, em
virtude do degelo das zonas costeiras da Groenlândia e da Antártida,
o aumento em questão poderia ser de um metro.145 A própria erup-
ção das chamadas economias emergentes traz más notícias. Não nos
esqueçamos que a China parece empenhada em imitar, em muitos
aspectos, o modelo de industrialização norte-americano de meio sé-
culo atrás, com tecnologias antiquadas e baixa eficiência energética.
A China consome duas vezes e meia mais energia por unidade de
produto interno bruto que os EUA e nove vezes mais que o Japão.146
Além disso, o país é um grande emissor de gases de efeito estufa,
não importa o quanto as autoridades se manifestem sobre o assun-
to. Com bons argumentos, Kunstler apontou que, apesar dos muitos
elementos que têm favorecido o rápido crescimento econômico chi-
nês, a questão das emissões trouxe um problema determinante, que
se sobrepôs no tempo com o fim da era do petróleo barato.147

143 HOPKINS, R. The Transition Companion: Making Your Community More


Resilient in Uncertain Times. White River Junction: Chelsea Green, 2011, p. 32.
144 LORIUS, C.; CARPENTIER, L., 2010, op. cit., p. 76.
145 Ibidem, p. 80.
146 KOLBERT, 2006, op. cit., p. 180-181.
147 KUNSTLER, J. H. Too Much Magic: Wishful Thinking, Technology, and the
Fate of the Nation. New York: Atlantic Monthly, 2012, p. 75.

50
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

É difícil imaginar, por outro lado, que a mudança climática possa


ter algum efeito positivo, como parecem interpretar, por exemplo,
alguns setores da opinião pública em países como Rússia ou Cana-
dá, e até alguns especialistas. Ainda que o próprio Diamond tenha
se referido à abertura de uma rota de transporte pelo Ártico, é de
se duvidar, seriamente falando, que isto seja um fenômeno positivo.
Tem-se identificado, também, um aumento da superfície útil para
agricultura em países como os mencionados anteriormente. Convém
duvidar, novamente, se um processo muito rápido pode ter conse-
quências saudáveis, ainda mais se, pela lógica, for acompanhado de
sérias inundações. Seja como for, é evidente que o conjunto do con-
tinente africano e países como a Índia irão experienciar uma redução
de suas capacidades agrícolas e pecuárias. Segundo uma estimativa
otimista, na década de 2080 o número de seres humanos que pade-
cerão de fome será multiplicado por três.148
Preciso estar atento, por outro lado, às soluções sugeridas pela
chamada geoengenharia, isto é, a “manipulação premeditada, em
grande escala, do entorno planetário para neutralizar a mudança
climática gerada pelo homem”149. Tem-se sugerido, por exemplo, a
conveniência de enviar para a atmosfera mísseis portadores de com-
ponentes que permitam refletir a luz solar para, desta forma, reduzir
a temperatura da Terra; no entanto, ninguém sabe ao certo quais são
as consequências desse tipo de fórmula e há quem diga que seu efeito
duraria apenas um breve período de tempo. Tem-se falado também
da possibilidade de “sequestrar” o carbono. Em virtude desse proce-
dimento, o dióxido de carbono emitido pelas plantas encarregadas
de consumir o carbono se separaria do meio natural. Atualmente se
trata, entretanto, de um recurso muito custoso, que não teria efeito
sobre o carbono depositado na atmosfera durante séculos. Há, por
fim, quem deposite suas esperanças na engenharia genética, que po-
deria permitir a criação de formas de vida encarregadas de absorver
grandes quantidades de dióxido de carbono, novamente sem uma

148 FLANNERY, 2006 , op. cit., p. 288.


149 HAMILTON, 2015, op. cit., p. 174.

51
Carlos Taibo

definição precisa das consequências.150 Dessa forma, ainda há que se


sanar muitas dúvidas no que se refere à possibilidade de que qualquer
uma dessas fórmulas sirva para driblar o colapso, e isto foi o que
reconheceram 175 especialistas mundiais em geoengenharia,151 em
2010. Ainda que as perspectivas ideológicas dos defensores das es-
tratégias mencionadas acima sejam variadas, entre eles predominam
setores da direita conservadora, que têm assumido posições negacio-
nistas em relação à mudança climática. Hamilton assinala que isso
não deixa de ser estranho: os que pensam que a mudança climática
não é uma realidade, ou que não é relevante, por que haveriam de
tentar remediá-la?152 A explicação vem do fato de que a geoengenha-
ria permitiria invalidar o debate sobre outras respostas mais sérias e
menos relacionadas à lógica do sistema, à mudança climática e ao
esgotamento das matérias-primas energéticas.
Falando em posições negacionistas, é bom lembrar a enorme in-
fluência financeira, na comunidade científica, de grandes empresas
empenhadas em negar que a mudança climática seja uma realida-
de. Essa influência foi bem retratada no livro Merchants of Doubt [O
mercado da dúvida], dos autores Naomi Oreskes e Erik M. Conway.153
Parece, contudo, que muitas empresas de seguros decidiram conta-
bilizar em seus contratos os efeitos das mudanças. Claro que não
faltam respostas desesperadoramente lamentáveis. Há, por exemplo,
quem não tenha nenhum problema em afirmar que evacuar todos os
habitantes das pequenas ilhas do Pacífico afetadas pela mudança cli-
mática sairá muito mais barato do que reduzir as emissões de dióxido
de carbono…154.

150 KAKU, M. Physics of the Future: How Science Will Shape Human Destiny
and Our Daily Lives by the Year 2100. London: Allen Lane, 2011, p. 231-234.
151 LORIUS, C.; CARPENTIER, L., 2010, op. cit., p. 173.
152 HAMILTON, 2015, op. cit., p. 184-185.
153 ORESKES, N.; CONWAY, E. M. Merchants of Doubt: How a Handful of
Scientists Obscured the Truth on Issues from Tobacco Smoke to Global Warming.
London: Bloomsbury, 2010.
154 FLANNERY, 2006, op. cit., p. 288.

52
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

O esgotamento das matérias-primas energéticas


O consumo planetário de energia se manteve em níveis relativa-
mente baixos até 1950.155 A partir desse momento houve um acele-
rado aumento, de tal forma que o crescimento do produto interno
bruto (PIB) se viu acompanhado do crescimento paralelo do consu-
mo energético. Nos últimos tempos temos assistido a uma evidente
aceleração do processo de esgotamento das fontes de energia. Se-
gundo uma estimativa, metade do que foi gerado desde o início da
revolução industrial foi consumido nas últimas duas décadas.156
Uma das consequências desse cenário geral é que hoje em dia
dependemos dramaticamente dos combustíveis fósseis. Se não hou-
ver energia ou se ela for muito cara, haverá muitas coisas que não
poderemos fazer: dessalinizar a água marinha, ampliar as colheitas,
explorar muitos recursos minerais…157. A dependência de energia
barata acabou por gerar, em certas palavras, um monstro intratável.
Para dizer de outra forma, se renunciarmos ao petróleo, ao gás na-
tural e ao carvão, praticamente não restará nada da nossa civiliza-
ção termoindustrial. O transporte, a alimentação, as vestimentas e a
calefação virão abaixo.158 O progressivo esgotamento das diferentes
matérias-primas energéticas se traduzirá, por lógica, em reduções na
renda per capita, em um menor crescimento econômico – e podería-
mos discutir se isto é ou não uma tragédia –, na diminuição das lo-
comoções, mudanças na tecnologia e, enfim, instabilidade política.159
Além disso, existe uma clara relação entre a era dos combustíveis
fósseis baratos e o crescimento demográfico. Segundo uma estimati-
va, se deixássemos hoje de possuir petróleo, carvão e gás natural, 67%
da população planetária sucumbiria.160

155 DOBKOWSKI, M. N.; WALLIMANN, I. The Coming Age of ­Scarcity.


In: ______ (ed.). The Coming Age of Scarcity: Preventing Mass Death and Ge-
nocide in the Twenty-First Century. New York: Syracuse University, 1998a,
p. 1-20. [cit. p. 9.]
156 FLANNERY, 2006, op. cit., p. 167.
157 HEINBERG, 2010, op. cit., p. XX.
158 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 104.
159 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 7-8.
160 TAINTER, J.; PATZEK, T., 2012, op. cit., p. 37.

53
Carlos Taibo

Esse cenário de escassez energética que acabo de esboçar começa


a ser uma realidade inquietante. As fontes não renováveis de energia
– o petróleo, o gás natural, o carvão – se caracterizam essencialmente
por sua condição esgotável e por seu caráter gerador de diferentes
tipos de contaminação, incluindo as vinculadas à mudança climáti-
ca.161 Heinberg estima que é inevitável que a oferta de energia seja
reduzida entre 25% e 45% no próximo quarto de século.162 Segundo
outra estimativa, em 2050 disporemos de 40% da energia que utilizá-
vamos em 2000; nesse período será reduzida a utilização do petróleo
e do gás natural, ao mesmo tempo em que aumentará a utilização do
carvão e, em menor medida, das energias renováveis.163 Lembremos
que os picos – mais adiante abordarei melhor este conceito – do pe-
tróleo, do gás natural, do carvão e do urânio estão próximos, se é que
já não foram ultrapassados, com um topo máximo para os quatro,
de acordo com Laherrère, entre 2030 e 2038.164 O pico do primeiro
logicamente estimulará o dos outros três, na medida em que haverá
um uso maior, por substituição, do gás, do carvão e do urânio. An-
tonio Turiel, menos otimista, considerava que o pico simultâneo das
fontes não renováveis de energia se produziria em 2018, momento a
partir do qual as fontes energéticas iriam diminuir, paulatinamente,
de forma inexorável.165
Além disso, temos testemunhado o estabelecimento de um mes-
mo padrão em relação a diferentes fontes de energia: primeiro se
exploram os recursos mais acessíveis – procedimentos que exigem
investimentos limitados –, e só então se exploram os menos ven-
dáveis e menos lucrativos, em um cenário marcado, além de tudo,
por um aumento geral dos custos de transporte. Como veremos, esse
problema afeta principalmente o petróleo, uma matéria-prima fa-
cilmente transportável e muito densa em energia.166 É muito ­difícil

161 HEINBERG, R. The Oil Depletion Protocol: A Plan to Avert Oil Wars, Terro-
rism and Economic Collapse. Gabriola Island: New Society, 2006, p. 2.
162 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 153.
163 HOLMGREN, D. Future Scenarios: How Communities Can Adapt to Peak
Oil and Climate Change. White River Junction: Chelsea Green, 2009, p. 47-49.
164 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit., p. 99.
165 Mesa redonda organizada por Attac Catalunya em Barcelona (2 jul. 2016).
166 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 49.

54
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

substituí-lo e, de qualquer forma, essa tarefa exigiria um tempo que


não possuímos. No entanto, e para deixar as coisas ainda mais com-
plexas, temos observado, pelo menos em determinados setores, au-
mentos na sua demanda. Não esqueçamos que a China foi um expo-
nente exportador de petróleo até 1993, e que o crescimento da sua
economia, com uma demanda cada vez maior de energia, foi o que
fez disparar o consumo.167
Além de tudo e tal como mencionei anteriormente, um dado
fundamental é o referente à relação entre energia obtida e energia
consumida para consegui-la. A “taxa de retorno energético” (TRE)
adverte que para produzir energia é preciso ter energia, de tal forma
que é importante saber qual é a quantidade que se necessita. No
caso dos primeiros depósitos de petróleo, o retorno era de 100 para
1: para cada unidade de energia investida, cem foram obtidas. No
caso dos painéis solares, o retorno é entre 10 para 1 e 2 para 1, e em
determinados biocombustíveis – evidentemente não lucrativo – é de
1 para 1.168 Em termos gerais, a taxa de retorno das diferentes fontes
de energia tem diminuído, de forma que precisamos de cada vez mais
desta para obter o que desejamos.
Ademais, o contínuo avanço tecnológico, com as consequentes
melhorias na eficiência, não tem servido para resolver o problema
de um excedente de energia cada vez menor em um cenário mar-
cado por uma demanda cada vez maior. Em muitas ocasiões, e em
virtude do chamado paradoxo de Jevons, tem se consumido quan-
tidades maiores de energia.169 Um exemplo que geralmente é usado
para ilustrar esse caso é o de como as economias obtidas em uma casa
no quesito de aquecimento são usadas para financiar uma viagem
a um local distante, com consequências ecológicas que contrariam
os benefícios derivados da economia inicial. Assim, as melhorias na

167 HOMER-DIXON, 2006, op. cit., p. 80-81.


168 CHAMBERLIN, 2009, op. cit., p. 121-122.
169 DOLDÁN GARCÍA, X. R. (ed.). Guía para o descenso enerxético. Galiza:
Asociación Véspera de Nada por unha Galiza sen Petróleo, 2013, p. 32; GREER,
J. M.. The Ecotechnic Future: Envisioning a Post-Peak World. Gabriola Island: New
Society, 2009, p. 171.

55
Carlos Taibo

eficiência energética se traduzem em incrementos no consumo170 e


levam a um maior crescimento, que exige quantidades adicionais de
energia. Sabemos que o norte-americano médio, com o auxílio de
cada vez mais e maiores carros, se desloca hoje mais do que o fazia
tempos atrás: se em 1970 percorria aproximadamente 15.290 quilô-
metros anuais, em 2000 essa cifra se elevou para aproximadamente
19.312. O mesmo aconteceu, é óbvio, com os aviões.171
Claro que alguns autores – como Heinberg – estimam que o fato
de as tecnologias energéticas terem prosperado somente nos últimos
tempos dificilmente faria com que elas se apresentassem como uma
solução efetiva ao problema geral do esgotamento das fontes e da
deterioração de muitas das infraestruturas existentes.172 Não apenas
isso: se damos por certo que a implementação de muitas tecnologias
importantes – como as vinculadas, nos EUA, à produção em massa,
construção de aviões, exploração espacial, computadores, Internet e
energia nuclear – está estreitamente vinculada a políticas ativas de
estímulo e investimento por parte dos poderes públicos, e somos for-
çados a assumir, em paralelo, que estes últimos viram, e verão, suas
atribuições severamente restringidas, é difícil imaginar que se repita
o ocorrido em muitos momentos no passado.173 Ophuls enfatiza que,
apesar do que parece dizer certa percepção muito difundida, a tecno-
logia não é uma fonte de energia, mas sim uma ferramenta para que
se possa dispor desta última e transportá-la. A tecnologia não permi-
te que a energia saia do nada; muito pelo contrário, como já sabemos,
necessita frequentemente de energia para poder funcionar.174
Volto, contudo, a um problema central: o da extrema dificuldade
de substituir o petróleo. À medida que os campos de petróleo e de gás
natural têm se esgotado, não tem restado outra alternativa a não ser
explorar outros lugares em pontos pouco acessíveis, frequentemente

170 RUBIN, J. Why Your World is About to Get a Whole Lot Smaller: Oil and the
End of Globalization. London: Virgin, 2010, p. 88-89.
171 Ibidem, p. 92-93.
172 HEINBERG, R. The End of Growth: Adapting to Our New Economic Rea-
lity. Gabriola Island: New Society, 2011, p. 180.
173 Ibidem, p. 181.
174 OPHULS, 2012, op. cit., p. 26.

56
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

frágeis e de grande importância biótica – como os polos, por exem-


plo –, ou muito ricos ecologicamente – como as selvas tropicais.175 As
explorações de depósitos não convencionais são muito agressivas do
ponto de vista ecológico, como testemunham as areias betuminosas
de Alberta, no Canadá.176 Além disso, não se obteve o êxito almeja-
do das desesperadas tentativas de se promover a energia nuclear, os
biocombustíveis e as energias renováveis de controle centralizado,
e tampouco do carvão “limpo”, um processo acompanhado da im-
plantação de um capitalismo verde que faz do meio ambiente um
negócio.177 É verdade, porém, que uma combinação de fontes ener-
géticas diferentes mitigaria os efeitos de um eventual colapso. Mas
para alcançá-la nos falta tempo. Em nenhum contexto essa com-
binação permitiria preservar incólumes as regras do jogo presentes.
Antes disso, se exigiria a convergência de políticas de autocontenção
e decrescimento. A esse respeito, e como evidenciarei mais adiante, é
fundamental entender que não há nenhum motivo para nos empe-
nharmos em preservar um modelo econômico e de estilo de vida tão
esbanjador e desumano como este que hoje nos é imposto.
Embora possa haver surpresas, parece que no campo energético o
colapso não será repentino. Iremos perceber pouco a pouco as conse-
quências do esgotamento das matérias-primas afetadas, com o claro
entendimento de que esses danos, evidentemente, não serão iguais
para todos. Não esqueçamos que hoje em dia os EUA, com 4% da
população mundial, consomem, no entanto, 25% da energia.178 De
maneira mais geral, os habitantes do opulento Norte, a quinta parte
da população total, consomem nove vezes mais energia que os do
Sul.179 E tampouco esqueçamos a dívida energética que, por meios
legais, o Norte rico contraiu com o Sul empobrecido: o primeiro tem

175 BERMEJO, R. Un futuro sin petróleo: Colapsos y transformaciones socioeco-


nómicas. Madrid: Los Libros de la Catarata, 2008, p. 261.
176 Ibidem, p. 262.
177 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 174.
178 BIZZOCCHI, A. Ritorno al passato: La fine dell’era del petrolio e il futuro
che ci attende. [S.l.]: Per la decrescita felice, 2009, p. 20.
179 F. Polet em HOUTART, F.; POLET, F. (coord.). El otro Davos: Globalizaci-
ón de resistencias y de luchas. Madrid: Popular, 2001, p. 13.

57
Carlos Taibo

drenado os recursos do segundo e deveria restituí-los para garantir


a soberania energética dos afetados. Além disso, hoje sabemos que,
quanto mais energia se consome, maiores são as diferenças na distri-
buição dessa energia. E que pobreza energética não falta no Norte –
é cada vez mais visível, aliás –, como também não faltam, nos últimos
tempos, formas agressivas de extração, das quais o fracking – a fratura
hidráulica – é o exemplo mais evidente.180 O ciclo se fecha com o
lembrete de que precisamos de enormes quantidades de energia que,
com frequência, desperdiçamos. Se um cidadão norte-americano
utiliza cem vezes mais energia do que o que realmente necessita para
viver,181 pensemos nas consequências deste fato: esse norte-america-
no médio, em 1790, utilizava 11.000 quilocalorias diárias, quando
hoje consome 210.000.182

Às voltas com o petróleo


Se David Holmgren tem argumentado, talvez com um toque de
exagero, que é mais fácil entender a história do século XX em termos
de uma luta pelo petróleo do que em termos de uma colisão ideoló-
gica,183 Richard Heinberg estima que esse século foi, acima de tudo,
o do petróleo. Recordemos que ao longo do percurso a produção de
energia se multiplicou por nove, enquanto os progressos em matéria
de uso eficiente dessa energia permitiram, de fato, duplicar os avan-
ços subsequentes.184
No princípio o petróleo era uma fonte perfeita de riqueza: existia
em grandes quantidades, oferecia uma notável quantidade de energia
por unidade – um barril de petróleo contém energia equivalente a
25.000 horas de trabalho humano185 – e podia ser extraído de forma

180 URKIDI, L. et al. Transiciones energéticas: Sostenibilidad y democracia ener-


gética. Bilbao: Universidad del País Vasco, 2015, p. 212.
181 TAINTER, J.; PATZEK, T., 2012, op. cit., p. 31.
182 CATTON, 2009, op. cit., p. 129.
183 HOLMGREM, 2009, op. cit., p. 7.
184 HEINBERG, 2007, op. cit., p. 9.
185 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 63.

58
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

barata.186 Além disso, é de fácil armazenamento e o mesmo se pode


dizer sobre o transporte e o sistema de bombeamento.187 Não esque-
çamos que ainda hoje ele oferece quase 40% da energia consumida
pelo ser humano – contra 23% do gás natural e 26% do carvão –188,
que dele depende 95% do transporte mundial189 e que é vital no que
diz respeito aos plásticos, aos produtos químicos, à agricultura, aos
lubrificantes, ao asfalto das estradas, à geração de eletricidade, à cale-
fação e à implantação de inúmeras tecnologias. Enfim, praticamente
não há nenhum setor industrial que não dependa, de um jeito ou de
outro, do petróleo.190
Muitos dos debates contemporâneos relativos ao petróleo se vin-
culam a uma discussão central: a de se já estamos no chamado pico
do petróleo. O pico identifica o momento no qual o planeta alcan-
çou a maior taxa possível de extração191 ou, segundo outra definição,
o momento no qual já se extraiu a metade do petróleo existente, a
metade mais fácil de explorar e, consequentemente, de exploração
mais barata.192 É verdade que os cálculos a respeito são difíceis, pois
tanto as empresas privadas como os Estados tendem a superestimar
as reservas que gerenciam. Os preços muito voláteis do petróleo tam-
pouco servem de grande ajuda, na medida em que podem distorcer
as conclusões em relação ao tamanho dessas reservas. Seja como for,
Heinberg considera que o pico se produziu em 2005-2006,193 Kuns-
tler acredita que foi em 2006,194 o Oil Depletion Analysis Centre diz
que foi em 2007, Colin Campbell e Chris Skrebowski apontam para
2010 e Jean Laherrère fala de 2015.195 O já citado Heinberg acredita

186 GREER, 2008, op. cit., p. 11.


187 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 107.
188 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 63.
189 CHAMBERLIN, 2009, op. cit., p. 70.
190 DOLDÁN GARCÍA, 2013, op. cit., p. 35-37.
191 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 1.
192 KUNSTLER, J. H. The Long Emergency: Surviving the Converging Catastro-
phes of the Twenty-First Century. New York: Grove, 2005, p. 24.
193 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 1.
194 James Howard Kunstler em BIZZOCCHI, 2009, op. cit., p. 72.
195 HOPKINS, 2008, op. cit., p. 28.

59
Carlos Taibo

que o pico do conjunto dos hidrocarbonetos líquidos se registrou,


por fim, em 2010.196
Analisarei, de qualquer forma, alguns dos dados que refletem o
cenário próprio do pico do petróleo, mas não sem antes salientar
que os prognósticos pessimistas têm ganhado terreno. Observarei,
por enquanto, que o pico da descoberta de depósitos parece ter sido
alcançado já em 1964. É importante mencionar esse ano porque pos-
teriormente, e como já se sabe, houve um notável crescimento da
população e do PIB globais.197 A metade dos vinte primeiros pro-
dutores mundiais de petróleo, que geram dois terços deste, já passou
do pico. Se, na década de 1960, para cada barril consumido se des-
cobriam seis, hoje, com tecnologias muito mais avançadas, se conso-
mem sete barris para cada um que se descobre.198 De um total de 48
Estados produtores de petróleo, 33 destes, em 2006, foram obrigados
a reduzir sua produção.199 O crescimento chinês das duas últimas
décadas, com um aumento substancial na demanda, tem traçado um
cenário ainda mais complicado, baseado num abismo crescente entre
o petróleo consumido e o descoberto. Para completar um panora-
ma muito delicado, 50% do petróleo produzido provém de grandes
depósitos, e não se tem descoberto nenhum campo importante nos
últimos tempos.200 Os novos depósitos são mais modestos, mais di-
fíceis de explorar e mais longínquos.201 Vários deles estão em águas
muito profundas ou em regiões muito distantes, como o Ártico.202
No entanto são poucos os lugares em que parece ter-se levado a sério
a necessidade de reduzir a dependência do petróleo. Um deles é a
Islândia, que se comprometeu a tornar-se um país livre do petróleo
em 2050. Em 2006, 70% das necessidades energéticas do país foram
atendidas por fontes geotérmicas ou hidroelétricas.203

196 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 1.


197 KUNSTLER, 2005, op. cit., p. 66.
198 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 44.
199 HEINBERG, 2006, op. cit., p. 13.
200 Ibidem, p. 15.
201 HEINBERG, 2015, op. cit., p. 24.
202 HEINBERG, 2011, p. 111.
203 HOMER-DIXON, 2006, op. cit., p. 87.

60
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

É impressionante que, na maioria dos casos, as principais em-


presas do setor petroleiro tenham deixado de investir na exploração
de novas jazidas, circunstância que por si só ilustra uma condição
importante: essas jazidas têm deixado de ser rentáveis num cenário
em que a extração e o refino são cada vez mais custosos. Ainda que
os EUA tenham o dinheiro, a necessidade e a tecnologia para buscar
mais petróleo, é óbvio que a operação é tão pouco lucrativa que as
empresas, gradualmente, estão se retirando.204 Como dito anterior-
mente, muito disso se deve ao fato de que o petróleo apresenta uma
taxa de retorno energético cada vez menor. Turiel aponta que, para
o petróleo bruto não explorado, a taxa é somente de 5 para 1 – em
qualquer caso, de 2-10 para 1 – e para o petróleo ainda por descobrir
a taxa será de 3 para 1.205 A taxa de retorno energético – a relação
entre a energia que temos que destinar à extração e a quantidade de
petróleo que conseguimos – tem-se reduzido à medida que os me-
lhores poços foram se esgotando e que tivemos de recorrer àqueles
que são menores e menos acessíveis.206
É comum que se diga que os efeitos do pico serão percebidos com
força entre 15 e 30 anos depois,207 que é mais ou menos o período em
que alguns estudiosos determinam o colapso do sistema. Relatórios
financiados pelo governo britânico e pelos exércitos norte-americano
e alemão concluem que é muito provável que um declínio constante
da produção de petróleo convencional seja verificado antes de 2030,
com um risco significativo de acontecer antes de 2020. Ademais, já
tivemos a oportunidade de comprovar, nos estertores da URSS, as
consequências de um pico do petróleo. O pico soviético fez com que
a economia do país se mostrasse incapaz de fornecer petróleo aos
aliados da Europa Central e às próprias potências ocidentais. Em
seu esforço de continuar obtendo moedas estrangeiras para financiar
a replicação da corrida armamentista norte-americana, a URSS foi
vítima dos baixos preços internacionais do petróleo, provavelmente

204 HOMER-DIXON, 2006, op. cit., p. 87.


205 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 102-103.
206 DOLDÁN GARCÍA, 2013, op. cit., p. 29.
207 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 10.

61
Carlos Taibo

afetados de forma premeditada pelos Estados Unidos e seus aliados.


Parece razoável afirmar que o pico do petróleo soviético foi uma das
principais causas da crise terminal vivida pela URSS.208
Não seria exagero ressaltar que o período posterior ao pico se
caracterizará – está se caracterizando, de fato – por uma enorme vo-
latilidade dos preços, sujeitos a altos e baixos tão frequentes quanto
notáveis.209 Quando os preços sobem muito, a demanda se contrai
notavelmente e esses preços frequentemente caem.210 Greer afirma
que, ainda assim, é improvável que a escassez de petróleo se com-
bine com uma demanda crescente deste. Ao seu entender, o que
acontecerá é que as operações especulativas destinadas a aumentar
o preço acabarão por reduzir a demanda, quer porque uma parte da
população decida mudar seus hábitos, quer porque seja literalmente
expulsa do mercado.211 Há razões para concluir, por outro lado, que o
intervalo que separa o momento presente e o pico global das maté-
rias-primas energéticas será muito curto para permitir, caso se deseje,
a adaptação correspondente.212 Neste mesmo marco cronológico, pa-
rece razoável lembrar que Kunstler estima que o pico do petróleo de
fato coincidiu com o da economia mundial, oriunda da crise de 2008.
Diante da ideia, relativamente generalizada, de que não enfrentamos
o pico do petróleo, mas sim o do petróleo barato, devemos responder
que não é assim: barato ou caro, o petróleo está desaparecendo. Bem
o sabem as empresas – como Toyota ou Virgin Airlines – que consi-
deram o pico em suas estimativas de negócio futuro.213

Outras fontes de energia


É verdade que o debate sobre a energia não pode se limitar à
discussão sobre o petróleo. Há, certamente, outras fontes de energia
sobre cuja condição tentarei discorrer aqui. No entanto convém dei-

208 HEINBERG, 2007, op. cit., p. 40-41.


209 KUNSTLER, 2005, op. cit., p. 332.
210 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 131.
211 GREER, 2008, op. cit., p. 91.
212 HEINBERG, 2006, op. cit., p. 3.
213 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 111.

62
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

xar claro desde o princípio que estas não são alternativas razoáveis ao
petróleo, nem apresentam problemas semelhantes aos deste último
(muitas vezes acontecem as duas coisas). Vou dar mais atenção ao
que ocorre com o gás natural, com as fontes de petróleo e de gás não
convencionais, com o carvão, com a hidroeletricidade, com a energia
nuclear, com o hidrogênio e com as energias renováveis.

O gás natural. No que diz respeito ao gás natural, em 1971 foi


alcançado o pico das descobertas e desde o princípio da década de
1990 se encontra menos gás do que se consome. O pico provavel-
mente será registrado em 2020-2030214, mesmo que uma estimativa,
muito otimista, fale de 2045215. É evidente que já houve uma queda
aguda nas capacidades de produção, ao mesmo tempo em que suce-
deu um aumento do uso do gás natural na geração de energia.216 O
gás natural também está se esgotando, enquanto os investimentos
necessários para obtê-lo se multiplicam.217
Parece muito distante da realidade, por outro lado, a presunção
de que os EUA dispõem de gás natural para muito tempo, talvez
para cem anos. Heinberg estima que, na melhor das hipóteses, há
gás natural para um quarto de século na economia norte-americana,
isso sem citar as análises que estimam apenas dez anos.218 E o cenário
não é mais favorável no caso de países – como Polônia, China ou
Arábia Saudita – em que o fracking se apresentou como um horizon-
te promissor. Mesmo que em todos estes países haja investimentos
onerosos, na Arábia falta, ainda por cima, água para alimentar os
dispositivos de extração.219 Ainda que o fracking tenha permitido um
aumento da produção, hoje sabemos que ele vem acompanhado da

214 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit., p. 96.
215 MURPHY, P. Plan C: Community Survival Strategies for Peak Oil and Cli-
mate Change. Gabriola Island: New Society, 2008, p. 10.
216 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 152.
217 HEINBERG, R. Snake Oil: How Fracking’s False Promise of Plenty Imperils
Our Future. [S.l.]: Post Carbon Institute, 2013, p. 53-54.
218 Ibidem, p. 68.
219 Ibidem, p. 74.

63
Carlos Taibo

bolha correspondente. Essa produção está em rápido declínio, foi re-


duzida entre 80% e 95% nos 36 primeiros meses de exploração.220 Os
êxitos relativos aos últimos anos se vinculam, inequivocamente, aos
depósitos mais volumosos, de modo que a partir de 2013 as empresas
dedicadas a estas atividades começaram a registrar perdas.221
Ainda que o fracking possa mitigar o peso de alguns problemas,
ele não está de modo algum em condições de nos permitir vislumbrar
o que parece ser nossa principal obrigação: modificar as regras e nos
preparar para assumir os gigantescos investimentos necessários para
moldar um panorama energético sustentável. Heinberg tem enfati-
zado que muitos dos esforços que devíamos ter feito no campo das
energias renováveis foram reduzidos pela inferência de que tínhamos à
nossa disposição uma formidável quantidade de gás natural.222 De fato,
o fracking nos aproxima do colapso na medida em que impede que to-
memos as medidas necessárias para evitá-lo. O fracking exige, além de
tudo, grandes quantidades de água, pode provocar desequilíbrios ge-
ológicos, é muito contaminante e impulsiona a mudança climática.223
Sou forçado a frisar que, para aumentar o papel do gás natural na
economia mundial, seriam necessários investimentos muito signifi-
cativos em um momento em que os recursos, paradoxalmente, são
escassos. Além disso, muitas regiões não têm acesso – ou acesso fácil
– ao gás, o que significa dificuldade para transportá-lo a longas dis-
tâncias, pois os oleodutos não podem superar os 4.000 quilômetros
por terra ou os 2.000 por mar. É verdade que o gás liquefeito pode
ser transportado por barco, mas com custos muito elevados.224 Para
que nada falte, devemos prestar atenção à eventualidade de cortes no
fornecimento, resultado de desencontros políticos como os prota-
gonizados em alguns momentos entre a Rússia e a União Europeia.

220 Ibidem, p. 53-54.


221 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 46.
222 HEINBERG, 2013, op. cit., p. 15.
223 Ibidem, p. 80.
224 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit., p. 96.

64
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Enfim, não há, hoje, planos sérios destinados a converter o gás natu-
ral em um substituto efetivo do petróleo.225

As fontes de petróleo e de gás não convencionais. Quando os com-


bustíveis fósseis vão se esgotando, buscam-se substitutos de menor
qualidade, como os procedentes de jazidas em águas profundas ou de
areias betuminosas, ou como o gás e o petróleo extraídos de rochas
pouco porosas. Em geral, estes substitutos apresentam uma baixa
densidade energética e uma reduzida TRE, além de uma delicada
dependência de outros recursos para sua extração, com um resultado
geral: os preços são muito altos.226 A extração de todas essas fontes
de energia é muito custosa, e há poucos motivos para concluir que
aparecerão tecnologias que barateiem a extração.227
Em maiores detalhes, no caso das fontes procedentes de águas
profundas a exploração é, também, muito custosa e as dificuldades
de extração são muito evidentes, com ritmos rápidos de redução dos
poços e riscos graves de desastres naturais.228 No que diz respeito à
exploração das areias betuminosas, as dificuldades técnicas para a ex-
tração se somam à necessidade de concorrência de outras fontes de
energia, os grandes impactos ambientais e uma TRE muito baixa,
de 2-6 para 1.229 E, finalmente, no que diz respeito às rochas pouco
porosas ou, o que é o mesmo, ao gás e ao petróleo extraídos através
de fracking, e sobre os quais já discorri anteriormente, registram-se
graves impactos ao meio ambiente, com introdução de substâncias
tóxicas, uso de grandes quantidades de água, contaminação dos aquí-
feros e do ar e, ainda, risco de abalos sísmicos.230 Nos últimos anos,
tecnologias de exploração muito antigas foram resgatadas, talvez – e
em parte – devido à consciência dos problemas com o petróleo, mas

225 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 94.


226 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 117.
227 HEINBERG, 2007, op. cit., p. 20.
228 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit., p.
118-119.
229 Ibidem, p. 119-120.
230 Ibidem, p. 120.

65
Carlos Taibo

também como resultado de um projeto geoestratégico destinado a


causar danos irreparáveis em economias como a venezuelana, a russa
ou a iraniana. Já sabemos, contudo, que no setor do fracking estourou,
anos atrás, a bolha correspondente: cada vez é mais cara a extração,
são necessários investimentos gigantescos e foi finalizada a exploração
das jazidas eventualmente rentáveis. O gás produzido apresenta, ade-
mais, uma qualidade menor do que a do gás convencional, e o mesmo
vale para o petróleo, que mostra uma baixa TRE. O pico do petróleo
gerado por fracking, nos EUA, foi atingido entre 2015 e 2017.231
Vale a pena mencionar aqui o que se tem chamado de biocombustí-
veis, que durante algum tempo foram tratados como uma alternativa
eficiente. A primeira coisa que convém notar a seu respeito é que,
para a sua produção, se usa uma grande quantidade de gás natural,
petróleo e carvão. Sua TRE é muito baixa – de 2-4 para 1 –232, seus
preços não são nada competitivos em comparação com os do petróleo,
necessitam de meios de transporte que exigem a energia correspon-
dente, acabam com as colheitas tradicionais, danificam gravemente os
solos e precisam de quantidades desmedidas de água. Também apre-
sentam um grave impacto sobre a vida agrícola, com retrocessos em
matéria de soberania alimentar, condições de trabalho, contaminação,
biodiversidade…233 Ainda que possam servir para manter em funcio-
namento determinados veículos e dispositivos, é impensável que sa-
tisfaçam, por outro lado, a demanda gerada por mais de 700 milhões
de automóveis e caminhões. E, além de tudo, também no campo dos
biocombustíveis houve uma bolha que já foi esvaziada.

O carvão. Embora muitas vezes se suponha que dispomos de car-


vão para duzentos anos, levantamentos realizados em 2010 em rela-
ção às reservas globais e às previsões de produção concluíram que as
reservas deveriam começar a diminuir nos próximos 10-20 anos.234 A
isso se soma o fato de que, logicamente, foram exploradas até hoje as

231 Ibidem, p. 124.


232 Ibidem, p. 112.
233 Ibidem, p. 114.
234 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 3; GREER, 2008, p. 14-15.

66
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

jazidas mais rentáveis, com os danos previsíveis. O pico está prova-


velmente muito perto,235 talvez entre 2025 e 2040, porém mais próxi-
mo da primeira dessas datas,236 em um cenário em que a informação
é, mais uma vez, muito pouco transparente. Basta mencionar que há
países, como a Rússia e a China, que não avaliam suas reservas há
muito tempo.237 Além disso, a exploração das minas necessita da uti-
lização de importantes quantidades de derivados do petróleo.
O panorama relativo ao carvão se completa com o lembrete de
que a redução geral das capacidades de produção será acompanhada
por um previsível aumento da demanda, particularmente em paí-
ses com reservas significativas, como os EUA, a China e a Índia.238
Além disso, sou obrigado a mencionar que o carvão é uma fonte de
energia suja, muito poluente, com consequências que estimulam a
mudança climática.239

A hidroeletricidade. Aproximadamente 20% da eletricidade mun-


dial tem sua origem nas quedas d’água.240 É certo que as grandes
barragens quase sempre tiveram delicadas consequências ecológicas,
que muitas vezes se revelam na forma de inundações de bosques e
plantações, e de agressões sobre os hábitats naturais. É por isso que
não faltam projetos destinados a trabalhar com barragens menores,
que acabam agregando a contrapartida, é claro, de menor capacidade
de gerar eletricidade.241 De qualquer forma, a construção dos com-
plexos de geração demanda o uso de combustíveis fósseis.
Mesmo com suas inegáveis virtudes, a hidroeletricidade dificil-
mente compensará as reduções esperadas na produção de gás natu-

235 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 113.


236 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit., p. 99.
237 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 104.
238 Ibidem, p. 103.
239 KUNSTLER, 2005, op. cit., p. 118.
240 OPHULS, W. Ecology and the Politics of Scarcity Revisited: The Unraveling
of the American Dream. New York: W.H. Freeman and Company, 1992, p. 111.
241 Ibidem, p. 112.

67
Carlos Taibo

ral.242 Ela não pode atender, por outro lado, às demandas do merca-
do automobilístico – apesar da irrupção do carro elétrico – e aéreo.
Convém recordar que as redes elétricas, as baterias e as peças de
manutenção são fabricadas com metais e materiais raros, e que toda
essa rede consome, novamente, combustíveis fósseis: sem petróleo, o
sistema elétrico viria abaixo.243 Segundo uma estimativa, para substi-
tuir com eletricidade os doze milhões de barris de petróleo queima-
dos a cada dia por veículos nos EUA, seria necessária a eletricidade
consumida por dois milhões de famílias no país, durante todo o ano.
Ainda que os motores elétricos sejam mais eficientes, não se pode
dizer o mesmo da eletricidade necessária para alimentá-los.244

A energia nuclear. Como opção alternativa, a energia nuclear tam-


bém tem seus simpatizantes e uma repercussão midiática bastante
notável. Os problemas que a rodeiam são, porém – e novamente –
muitos. O primeiro deles tem sua origem no fato de que o urânio
é um recurso não renovável. Seu pico foi estimado para 2015 – ou
antes: em 2009, Kunstler calculou que haveria urânio para 35 anos,
ou seja, de qualquer forma o pico já teria ficado para trás – 245, mes-
mo que se explorem jazidas que exigem maiores esforços de investi-
mento.246 De qualquer forma, o lógico é que o consumo de energia
nuclear aumente à medida que se reduz o do petróleo. A TRE dessa
energia é demasiado baixa, da ordem de 10-14 para 1.247 A sua im-
plantação material necessita, em suma, do próprio petróleo, essencial
na extração, no processamento e no transporte do urânio, na constru-
ção das centrais e na gestão dos resíduos.248

242 KUNSTLER, 2005, op. cit., p. 120.


243 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 48-49.
244 RUBIN, J. Why Your World is About to Get a Whole Lot Smaller: Oil and the
End of Globalization. London: Virgin, 2010, p. 135.
245 James Howard Kunstler em BIZZOCCHI, 2009, op. cit., p. 86.
246 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 130.
247 Idem.
248 Idem.

68
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Muitas vezes se dá como certo que a energia nuclear tem um


caráter limpo, de tal maneira que seus efeitos na mudança climática,
por exemplo, são nulos. Evidentemente não é bem assim: as usinas
necessitam de grandes quantidades de eletricidade, tanto para a cons-
trução de reatores quanto para o tratamento dos resíduos. Fora isso,
o urânio e alguns compostos químicos empregados pela indústria
nuclear geram gases de efeito estufa. A construção das novas cen-
trais que estão sendo demandadas exigiria uma grande quantidade
de energia que, logicamente, deverá faltar. E as usinas continuariam
utilizando grandes quantidades de água. Jeremy Rifkin nos recorda
que a França “gasta 40% de toda a água que consome para esfriar
os reatores nucleares, e esta água quente retorna a rios e lagos”249. A
indústria atômica, enfim, produz somente energia elétrica, mas esta é
apenas uma parte da energia que consumimos.250
Sabe-se, além do mais, que a indústria nuclear gera resíduos in-
tratáveis, que configuram um legado dramático aos direitos dos in-
tegrantes das gerações futuras. Paralelamente, ela necessita de forma
surpreendente de grandes subsídios públicos. E é uma fonte de aci-
dentes delicadíssimos, e cada vez mais prováveis, visto que em muitos
países o período de funcionamento das usinas tem sido estendido de
forma perturbadora. Esses acidentes – lembremos os exemplos de
Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima – têm provocado danos
devastadores, muito maiores que os que podem ser produzidos pelo
petróleo, o carvão ou o gás natural.251 Para completar, a energia nu-
clear exige uma gestão política centralizada e autoritária, sob a égide
do que parece ser um modelo ruim da organização socioenergética.
Nas palavras de René Dumont, “o fato de se preferir a energia nucle-
ar, e não as energias solar, eólica ou fluvial, é significativo. Representa
o desejo de manter o monopólio correspondente nas mãos de uma

249 Jeremy Rifkin em DELIBES, M.; DELIBES DE CASTRO, M. La


Tierra herida: ¿Qué mundo herdarán nuestros hijos? Barcelona: Destino, 2007,
p. 103.
250 PUIG i BOIX, J. De los combustibles fósiles y nucleares a los sistemas ener-
géticos limpios y eficientes del siglo XXI. In: SEMPERE, J.; TELLO, E. (dir.).
El final de la era del petróleo barato. Barcelona: Icaria-CIP, 2007, p. 95.
251 James Howard Kunstler em BIZZOCCHI, 2009, op. cit., p. 87.

69
Carlos Taibo

minoria que controla as cartas do jogo”252. Embora alguns possíveis


desenvolvimentos da energia nuclear, como é o caso da fusão, possam
resolver parte dos nossos problemas, a questão seria a de certificar
se ela continuaria sendo uma “energia do futuro”, já que os esforços
feitos até agora não deram os resultados desejados.253 E mesmo que
isso se concretize em algum momento, tudo indica que será tarde.

O hidrogênio. Embora o hidrogênio não seja poluente e particu-


larmente não gere gases de efeito estufa, necessita para sua explora-
ção de quantidades bem importantes de energia, de tal forma que
é, nas palavras de Kunstler, um “puro perdedor energético”254. Greer
ressaltou que as usinas correspondentes exigiriam a ajuda, em par-
ticular, de grandes quantidades de petróleo,255 mas também de gás
natural, carvão, biomassa, vento ou energia nuclear, e Kunstler sugere
que, antes de se falar em “economia do hidrogênio”, deveria se falar
de uma “economia nuclear”, visto que somente a expansão das usinas
atômicas permitiria levar adiante o complexo do hidrogênio.256 Isto
se confirma pelo fato de que o hidrogênio necessita de gigantescos
tanques de armazenamento e apresenta sérios problemas em matéria
de transporte.257 Além disso, a quantidade de hidrogênio para uso
industrial parece hoje bem reduzida.258

As energias renováveis. É claro que as energias renováveis terão


que se tornar o principal sustento energético, com o bom entendi-
mento de que isso exigirá mudanças notáveis em nossas sociedades
e um esforço nada negligenciável. Devemos lembrar, de qualquer
forma, que essas fontes de energia também carregam seus proble-
mas, e não necessariamente menores. O primeiro deles é o fato de

252 BAYON, D.; FLIPO, F.; SCHNEIDER, F. La décroissance: 10 questions


pour comprendre et en débattre. Paris: La Découverte, 2010, p. 39.
253 KAKU, 2011, op. cit., p. 235.
254 KUNSTLER, 2012, op. cit., p. 193; GREER, 2009, op. cit., p. 166.
255 GREER, 2009, op. cit., p. 167.
256 KUNSTLER, 2005, op. cit., p. 111.
257 HEINBERG, 2006, op. cit., p. 102.
258 KUNSTLER, 2005, op. cit., p. 111.

70
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

que produzem principalmente eletricidade e, como já sabemos, esta


satisfaz somente uma parte das nossas necessidades energéticas.259
Em segundo lugar, sua capacidade de geração de energia é limitada.
Ainda que multiplicássemos por cinco a produção de origem solar
e eólica, a oferta correspondente só satisfaria 7% das necessidades
atuais em matéria de eletricidade,260 de modo que não parece que
elas possam ser consideradas senão como complementares aos com-
bustíveis fósseis.261 Acrescento, em terceiro lugar, que essas fontes
de energia não são constantes. Se, por um lado, experimentam altos
e baixos, por outro sua produção não é de fácil armazenamento em
um quadro geral em que não é possível garantir um fornecimento
permanente que alcance por igual a todas as regiões do mundo.262
Em quarto lugar, elas necessitam de outras fontes de energia. A ener-
gia solar ativa, a que demanda painéis, células fotovoltaicas e outros
instrumentos, exige quantidades importantes de petróleo, além de
não estar razoavelmente disponível em muitos lugares; ademais, para
prepará-la, são necessários minerais raros como o gálio e o índio.263
O mesmo pode-se dizer da energia eólica, que exige plataformas de
combustíveis fósseis para a produção e o transporte das turbinas e de
outros elementos necessários, e que novamente não está disponível
em muitos cenários.264 Ainda que, em quinto lugar, a maioria destas
fontes de energia seja, em si mesma, não poluente, não se pode di-
zer o mesmo do processo de fabricação e transporte dos dispositivos
correspondentes,265 que exigem uma superfície significativa muito
maior do que aquela que o carvão ou o gás natural precisam para
sua implantação.266 Segundo uma previsão que parece razoavelmente
correta, as energias renováveis passarão pelo mesmo processo que
têm passado as outras energias: primeiro serão exploradas as fontes

259 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 107.
260 KUNSTLER, 2012, op. cit., p. 190.
261 KUNSTLER, 2005, op. cit., p. 127.
262 KAKU, 2011, op. cit., p. 215.
263 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 175.
264 James Howard Kunstler em BIZZOCCHI, 2009, op. cit., p. 77-78.
265 KUNSTLER, 2005, op. cit., p. 126.
266 TAINTER, J.; PATZEK, T., 2012, op. cit., p. 207.

71
Carlos Taibo

mais rentáveis, e logo se chegará às restantes, que necessitarão de


superfícies maiores e de tecnologias mais complexas.267
Já afirmei que, como consequência de tudo o que foi dito anterior-
mente, o uso extensivo destas fontes de energia requer investimentos
gigantescos. Embora as tecnologias e os procedimentos necessários
para implantá-las tenham diminuído de preço, é inevitável concluir
que a transição para uma sociedade centrada em energias renováveis
será extremadamente custosa, pois haverá que se construir imensas
instalações de armazenamento e reestruturar boa parte das cidades.268
O cenário atual se caracteriza, de qualquer forma, por uma visível fra-
gilidade no investimento em energias renováveis, claramente deixadas
de lado. Pense, por exemplo, que se em 2013 os combustíveis fósseis
receberam subsídios de 550 bilhões de dólares, as renováveis tiveram
que se contentar com apenas 120 bilhões.269 No entanto, outro fato
parece mais grave: quando as grandes empresas de energia tentaram
se fazer presentes no campo das renováveis, suas apostas sempre fo-
ram por fórmulas que driblassem o caráter alternativo e descentrali-
zado que há muito tempo parece definir as renováveis.270

O que deve preocupar mais:


a mudança ­climática ou o esgotamento das
matérias-primas ­energéticas?
A pergunta que dá título a este item é, em certo sentido, retórica,
visto que é evidente que ambos os fenômenos são muito graves e
que, reunidos, multiplicam seus efeitos. Essa indagação é tão retóri-
ca quanto a que questiona se poderíamos evitar o colapso caso um
ou outro desses fenômenos se revelasse separadamente. Vou reunir,
ainda assim, algumas observações relativas ao peso de ambos, usando
os argumentos que Richard Heinberg desenvolve a esse respeito.271

267 TAINTER, J.; PATZEK, T., 2012, op. cit., p. 207.


268 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 108.
269 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 98
270 FERNÁNDEZ DURÁN, 2008, op. cit., p. 32.
271 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 144-146.

72
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Algumas pessoas estimam, por enquanto, que o esgotamento das


matérias-primas energéticas pode ser um freio muito saudável para
a mudança climática. Embora a transcrição do argumento seja fácil
de compreender, convém estabelecer um lembrete: o petróleo e o
gás não convencionais, por demandarem mais energia em sua extra-
ção, emitem mais CO2 do que os convencionais, enquanto que, em
paralelo, a redução da oferta de petróleo deve provocar, por lógica,
um maior uso de carvão, com emissões maiores, de novo, de CO2.272
Além disso, se o esgotamento das matérias-primas energéticas for
um freio para a mudança climática, será, de qualquer forma, um freio
tardio, registrado quando os efeitos destas forem já suficientemente
graves. Também há quem pense que as consequências da mudança
climática – que se farão valer sobre o conjunto da biosfera – serão,
por lógica, muito mais graves que as do esgotamento das matérias-
-primas energéticas, tanto mais que afetarão diretamente as espé-
cies com as quais compartilhamos o planeta, e não somente a nossa.
Não falta, no entanto, quem considere que os danos do esgotamento
das matérias-primas energéticas serão mais perturbadores, ao menos
provisoriamente, porque serão mais imediatos e exigirão respostas
urgentes, algo que, conforme esta visão, não se poderia dizer da mu-
dança climática. Nesse aspecto, parece que se pode afirmar que aque-
les que prestam maior atenção aos problemas relacionados à energia
estão pensando antes em si mesmos, em suas famílias e nas suas co-
munidades humanas, e não no destino do planeta como um todo.
Por outro lado, se o esgotamento das matérias-primas energéticas
e o consequente aumento de seu preço se traduzem em uma diminui-
ção do crescimento econômico, as possibilidades de enfrentar a mu-
dança climática, nessas condições, serão reduzidas,273 e nesse sentido,
infelizmente, não será muito relevante que o esgotamento em questão
tenha algum efeito redutor na mudança climática, tanto mais se assu-
mirmos que esta última não é consequência do que a espécie humana
está fazendo agora, e sim do que tem feito durante muito tempo, com
danos que, em muitos casos, ainda estão por vir. Ademais, e diante do

272 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 158.
273 HOPKINS, 2008, op. cit., p. 39.

73
Carlos Taibo

que acontece com a mudança climática, que é um processo de difícil


enfrentamento, o razoável seria reconhecer que o desaparecimento
das matérias-primas energéticas se apresenta, em uma leitura legíti-
ma, como um problema solucionável na base de transformações im-
portantes da tessitura das sociedades humanas. Afinal, nossa espécie
conseguiu viver sem petróleo durante séculos, embora, por certo, hoje
sejamos mais de 7 bilhões de seres humanos…

Outras matérias-primas
Este é o momento de recordar que o esgotamento dos recursos
não afeta somente as matérias-primas energéticas: ele alcança a to-
dos os tipos de matérias-primas, uma circunstância ainda mais per-
turbadora, visto que os picos de muitas delas serão verificados em
um cenário de escassez energética, o que, logicamente, dificultará as
tarefas de extração e processamento.274 Não esqueçamos que os me-
tais não renováveis são vitais na produção de energia, na fabricação
de maquinaria e de veículos de transporte e na construção de infraes-
truturas sob a forma de estradas e canais. A indústria eletrônica, por
outro lado, depende de minerais, metálicos e não metálicos, que estão
em processo de esgotamento275.
De acordo com uma versão dos fatos, e com base em dados do
governo dos EUA, apenas uma matéria-prima vital para a civiliza-
ção industrial, a bauxita, está disponível em quantidades suficientes
para garantir que tal civilização se preserve. Diante disso, existem
muitos metais que passam por um processo acelerado de exaustão.
Pensemos, por exemplo, que nas duas últimas décadas a produção de
alumínio, cobre, níquel e zinco duplicou, com perspectivas de dobrar
novamente como resultado do crescimento das economias chinesa e
indiana.276 Já usamos 95% do mercúrio disponível, 80% do chumbo,
da prata e do ouro, 70% do arsênio, do cádmio e do zinco, e 60%

274 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 140.
275 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 138.
276 Bihoux em SINAÏ, A. Penser la décroissance: Politiques de l’Anthropocène.
Paris: Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques, 2013, p. 98.

74
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

do estanho, do selênio e do lítio.277 Todos os dados apontam que é


inevitável que, em tais condições, em trinta anos se terão esgotado a
prata, o antimônio, o índio, o gálio, o háfnio, a platina e o hélio, e que
estarão muito perto de se esgotar o cobre, o zinco e o fósforo,278 num
cenário marcado por um forte aumento da demanda dos 28 minerais
estratégicos.279
Comentarei o que foi dito anteriormente com dados mais gerais
e lembrarei que, segundo uma estimativa, é muito provável que 88
recursos não renováveis estejam em situação de penúria permanente
antes de 2030. No ano de 2060, de acordo com outro estudo, e a
prosseguir o uso atual de recursos minerais, 43% das matérias-primas
haverão esgotado.280 Em consequência, e em um período de tempo
muito breve, muitas dessas matérias-primas deixarão de fazer parte
do crescimento, cada vez mais difícil, das economias. Diederen su-
blinhou que o pico da produção de muitos minerais é bem possível
que se acelere como resultado das disfunções financeiras.281 Convém
acrescentar que as potências ocidentais esgotaram boa parte de suas
matérias-primas e, em muitas ocasiões, lançaram-se à captura desses
recursos em outros lugares, especialmente nos países do Sul.282

Ataques contra a biodiversidade


Já nos deparamos com os problemas em matéria de biodiversi-
dade quando me referi às consequências da mudança climática. O

277 Paolo Cacciari em BIANCHI, B. et al. Immaginare la società della decresci-


ta: Percorsi sostenibili verso l’età del doposviluppo. Firenze: Terra Nuova, 2012,
p. 70.
278 TRAINER, T. The Transition to a Sustainable and Just World. Canterbury: En-
virobook, 2010, p. 20.
279 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 109.
280 TRAINER, T. Our Unsustainable Society. In: DOBKOWSKI, M. N.;
WALLIMANN, I. (ed.). The Coming Age of Scarcity: Preventing Mass Death and
Genocide in the Twenty-First Century. New York: Syracuse University, 1998,
p. 83-100. [cit. p. 83-84.]
281 DIEDEREN, A. Global Resource Depletion: Managed Austerity and the Ele-
ments of Hope. Delft: Eburon Delft, 2010, p. 54.
282 Ibidem, p. 53.

75
Carlos Taibo

cenário geral nos mostra uma dramática usurpação de capacidades


pelo ser humano, que, segundo certa visão dos fatos, se apropriou de
cerca de um terço da produção continental de biomassa e consome
uma vez e meia o que o planeta pode fornecer anualmente de forma
duradoura.283 Nos bastidores, o que se revela é o desaparecimento
de muitas espécies animais e vegetais, relacionados em um grau ou
outro com a ausência de “zonas de refúgio” para a fauna e flora e com
a impossibilidade de um retorno à situação anterior,284 com efeitos
muito mais graves do que possa parecer.
Cerca de 30.000 espécies desaparecem a cada ano, ou seja, três a
cada hora.285 Nesse ritmo de extinção, em 2050 poderá ter desapa-
recido metade das dez milhões de espécies vivas hoje existentes.286
Doze por cento das aves, 23% dos mamíferos e 32% dos anfíbios
correm risco de extinção, enquanto 77% das espécies marinhas so-
frem o impacto da sobre-exploração.287 As significativas concentra-
ções de gás carbônico presentes na atmosfera acidificam os oceanos
e colocam em perigo a vida neles existente;288 a isso se somam os
efeitos de uma contaminação cada vez mais preocupante, em especial
a provocada pelos plásticos e os vitroplásticos. Mesmo em um cenário
otimista, parece razoável concluir, enfim, que entre 12% e 39% da su-
perfície da Terra apresentará condições climáticas que nunca foram
enfrentadas por seres vivos.289
Se procurarmos uma dimensão econômica estrita no fenômeno
sobre o qual falamos, teremos que evidenciar que nos dias atuais vin-
te espécies de plantas proporcionam 90% dos alimentos de origem
vegetal que consumimos. Três delas, o milho, o arroz e o trigo, cons-
tituem a metade das colheitas. Esse suposto triunfo da agricultura
moderna, aliado à implantação de fórmulas aberrantes de monocul-

283 BONNEUIL, C.; FRESSOZ, J., 2013, op. cit., p. 23.


284 ARIÈS, P. Pour sauver la Terre: l’espèce humaine doit-elle disparaître? Paris:
L’Harmattan, 2002, p. 27.
285 RÍO, J. del. Guía del movimiento de transición: Cómo transformar tu vida en la
ciudad. Madrid: Los Libros de la Catarata, 2015, p. 23.
286 LORIUS, C.; CARPENTIER, L., 2010, op. cit., p. 85.
287 Ibidem, p. 87.
288 Ibidem, p. 79.
289 BONNEUIL, C.; FRESSOZ, J., 2013, op. cit., p. 21-22.

76
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

tura, é, no entanto, uma fonte de problemas, visto que proporciona


uma vulnerabilidade singular ao cenário em decorrência de um risco
cada vez maior de propagação de doenças. Vale lembrar que hoje são
contabilizadas cerca de 35.000 plantas comestíveis – e há quem mul-
tiplique esse número por dois – e que não parece razoável renunciar
à maioria esmagadora delas em uma situação tão delicada como a
que se aproxima.290
Se é possível entender que a extinção de espécies é um fenômeno
natural, não o é, porém, a taxa de desaparecimento desenfreada que
abriu caminho nos últimos tempos. Ela é hoje mil vezes superior
à média geológica e, além disso, parece estar em processo de au-
mento.291 Nessas condições, e embora ainda estejamos longe de uma
“sexta extinção”, pois seria necessário o desaparecimento de 75% das
espécies existentes no planeta, esse horizonte se aproxima perigosa-
mente.292 É importante ressaltar que, na percepção de Jean-Paul De-
léage, há duas grandes correntes nos discursos que se interessam pelo
colapso. Há, por um lado, uma corrente naturalista, que acima de
tudo se interessa pela proteção da natureza, e por outro, uma corrente
humanista, preocupada, sobretudo, com os integrantes humanos das
gerações futuras.293 De qualquer forma, é somente em virtude de uma
extrema frivolidade que se pode dizer que as perdas na biodiversida-
de são irrelevantes. Elas têm, em vez disso, consequências muito gra-
ves sobre os delicados equilíbrios que marcam a vida terrestre. E são
esses equilíbrios que permitem criar e manter as propriedades físico-
-químicas dos gases atmosféricos e da superfície terrestre, não é em
vão que os ecossistemas funcionam como conjuntos integrados.294

290 LEAKEY, R.; LEWIN, R., 1995, op. cit., p. 165-166.


291 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 77.
292 Ibidem, p. 81.
293 ARIÈS, 2002, op. cit., p. 29-30.
294 LEAKEY, R.; LEWIN, R., 1995, op. cit., p. 177.

77
Carlos Taibo

Um panorama demográfico inquietante


Se em 1850 a população do planeta era de 1,2 bilhão de pessoas,
em 1900 a cifra se situava em 1,6 bilhão e em 1950, em 2,5 bilhões.295
Em 1960 havia 3 bilhões de seres humanos na Terra, 4 bilhões em
1975, 5 bilhões em 1987, 6 bilhões em 1999 e 7 bilhões em 2011.296
Atualmente, 90% do crescimento demográfico se registra nos países
do Sul, o que afeta de forma singular lugares como Bangladesh, Bra-
sil, China, Etiópia, Índia, Indonésia, Nigéria e Paquistão.
É verdade, no entanto, que os especialistas preveem para as pró-
ximas décadas uma redução geral da população, ou pelo menos da
taxa de crescimento, o que convidaria a concluir, precipitadamen-
te, que a crise demográfica está entrando no caminho da resolução.
Segundo uma projeção pouco plausível, a população do planeta se
estabilizará em torno dos 7,5 bilhões de seres humanos em 2035,
e em torno dos 7,4 bilhões em 2050. Segundo outra, alcançará os
8 bilhões em 2025 e os 8,9 bilhões em 2050.297 Não é incomum,
contudo, que se sugira que até 2050 a população crescerá ao ritmo
de 1 bilhão de pessoas a cada década.298 Caso isso aconteça, a po-
pulação alcançará, na segunda metade do século, os 10-12 bilhões
de pessoas.299 É verdade que nenhum desses cálculos considera o
horizonte de um colapso manifesto no sistema. E é por isso que é
comum afirmar que é muito provável que os sinais antecipadores do
colapso se traduzam numa redução brutal da natalidade que impeça
que alcancemos cifras como as citadas.300

295 BEHRINGER, W. A Cultural History of Climate. Cambridge: ­ Polity,


2010, p. 179; RYERSON, W. Population: The Multiplier of Everything Else.
In: HEINBERG, R; LERCH, D. (ed.). The Post Carbon Reader: M ­ anaging the 21st
Century’s Sustainability Crises. Healdsburg: Watershed Media, 2010, p. 151-175.
296 HAM, L. V. Blinded by Progress: Breaking Out of the Illusion that Holds Us.
San Diego: OneEarth, 2013, p. 142.
297 CHEW, 2008, op. cit., p. 127.
298 ARIÈS, 2002, op. cit., p. 23.
299 FONDATION NICOLAS HULOT. Écologuide de A à Z. Paris: Le C ­ herche
Midi, 2006, p. 80.
300 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 203.

78
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Ademais, a regressão geral em curso na taxa de natalidade tem vá-


rias causas. Mencionarei, dentre elas, o aumento da idade em que os
casamentos têm sido realizados, a escolarização das mulheres jovens,
a participação destas nos mercados de trabalho ou a maior presen-
ça dos métodos contraceptivos. Não se pode descartar, no entanto,
que no futuro a redução da população se acelere como resultado da
aparição de novas e graves doenças ou de uma maior esterilidade
derivada da ação de substâncias tóxicas à reprodução.301 De qualquer
forma, a taxa de crescimento da população mundial diminuiu de 2%
em 1965-1970 para 1,3% na década de 1990 e talvez para 1,2% na
primeira década do século XXI.302
Nenhum destes números que estou antecipando se mostra, no
entanto, tranquilizador. Se hoje, com 7 bilhões de seres humanos,
temos problemas graves de todas as ordens, o que não acontecerá
dentro de três ou quatro décadas, em um cenário marcado pela mu-
dança climática e pelo esgotamento das matérias-primas energéti-
cas? A esse respeito, algumas restrições físicas operam, por enquanto.
Consideremos, por exemplo, que em 1790 havia 57 hectares de terra
disponível para cada cidadão americano; em 2000, no entanto, o nú-
mero desses hectares era de apenas três.303 Posto isso, devemos nos
perguntar quantos seres humanos o planeta pode manter. A única
resposta razoável assume a forma de uma sugestão cautelosa de que
isso depende do modelo de ser humano que consideramos ter em
mente. Se pensarmos nos níveis de consumo de um camponês do
Níger ou de Burquina Faso, a Terra conseguiria manter 23 bilhões de
seres humanos; se, pelo contrário, usarmos na comparação os níveis
de consumo de muitos dos habitantes do Norte opulento, acostuma-
dos a viajar uma vez por ano a Cancún e outra para as ilhas ­Seychelles,

301 LATOUCHE, S. Petit traité de la décroissance sereine. Paris: Mille et une nuits,
2007, p. 48.
302 VÉRON, J. La population mondiale continue d’augmenter, mais son rythme
de croissance s’est nettement infléchi. In: CORDELLIER, S. (dir.). Le nouvel état
du monde: Les 80 idées-forces pour entrer dans le 21e siècle. Paris: La Découverte,
1999, p. 14.
303 CATTON, 2009, op. cit., p. 129.

79
Carlos Taibo

o planeta não aguentaria manter nem 800 milhões de pessoas.304


Além disso, é evidente que qualquer resposta sensata à pergunta for-
mulada tem que levar em conta os direitos das demais espécies com
as quais compartilhamos a Terra, como também é evidente que o
crescimento demográfico das últimas décadas está intimamente re-
lacionado com a era do petróleo barato.

Uma delicadíssima situação social


Uma vez que a dimensão social de muitos dos problemas con-
temporâneos é apresentada em quase todos os assuntos que abordo
neste capítulo, limito-me aqui a reunir alguns dados básicos e gerais.
O primeiro diz respeito à preservação, quando não à radicalização,
das desigualdades. Conforme dados mil vezes repetidos, mais de 1,2
bilhão de seres humanos estão condenados a viver com menos de um
dólar por dia – observe-se bem: “com menos de um dólar”, não “com
ao menos um dólar” –, e aproximadamente a metade da população do
planeta deve sobreviver com menos de dois dólares diários. Cerca de
900 milhões de seres humanos sofrem, entretanto, de fome crônica e
assustadoramente entre 35.000 e 40.000 pessoas morrem a cada dia
como resultado da fome ou de doenças provocadas pela fome.305 En-
quanto tudo isto acontece, os três seres humanos mais ricos dispõem
de recursos equivalentes ao conjunto dos 49 Estados mais pobres.
Nesse cenário, a metade menos dotada da população adulta mun-
dial deve se contentar com 1% da riqueza total.306 Segundo Branko
Milanovic, 77% da população do globo é pobre – tem uma renda per
capita inferior à brasileira –, enquanto somente 16% é rica – sua ren-
da per capita está acima da portuguesa –, de tal forma que, no meio,

304 O sentido geral do argumento é tirado de Albert Jacquard, citado por ARIÈS,
2002, op. cit., p. 136-137.
305 Ver, como exemplo, PROGRAMA DE LAS NACIONES UNIDAS PARA
EL DESARROLLO (PNUD). Informe sobre desarrollo humano 2001. Madrid:
Mundi-Prensa, 2001, p. 11; SENARCLENS, P. de. La mondialisation: Théories, en-
jeux et débats. Paris: Armand Colin, 2001, p. 99; e http://www.americaeconomica.
com (3 de agosto de 2007).
306 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 225.

80
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

ficam ínfimos 7%.307 São vários os efeitos, e também as causas, deste


panorama. Cito entre eles a deterioração das agriculturas tradicio-
nais, graças à monocultura e ao seu uso em benefício da exportação;
o crescimento grandioso, e irracional, das cidades; as fenomenais mi-
grações para as megalópoles e, de forma mais geral, as migrações
com destino aos países do Norte; o aumento geral do desemprego;
a retirada de pensões; a deterioração da educação e da saúde; e, em
suma, um sistema absurdo que, graças a incontáveis agressões traba-
lhistas, propicia o desaparecimento de muitos dos consumidores dos
produtos que gera.
Uma boa reflexão, em minha opinião, da relação entre a crise so-
cial e um cenário ecológico perturbador é proporcionada por refu-
giados ambientais. Segundo as Nações Unidas, em 2006 o número
de pessoas afetadas por desastres naturais havia triplicado em relação
aos dez anos anteriores, alcançando a cifra de 2 bilhões de pessoas.
Entre os fatores que explicam o surgimento dos refugiados ambien-
tais, podemos apontar a degradação dos solos, a migração de popu-
lações rurais para os meios urbanos, os efeitos da mudança climática
em forma de secas – ou, pelo contrário, de chuvas muito intensas –, a
escassez de água e a manifestação repentina destes desastres naturais
aqui mencionados.308

A fome
Sou obrigado a fazer uma pausa para considerar uma questão
central: a da fome. Nas últimas décadas, temos assistido a uma perda
dramática da soberania alimentar. Parece, contudo, que há muito
deixamos para trás os picos em matéria de produção de carne e de
peixe, terra irrigada, uso de fertilizantes, área de cultivo e produção
de cereais.309 Se somente a metade das terras cultiváveis era explo-
rada ao final do século XX, os problemas, no entanto, não faltavam
nas terras excedentes, que apresentavam muitas vezes qualidades

307 HOMER-DIXON, 2006, op. cit., p. 257.


308 CHEW, 2008, op. cit., p. 75.
309 TAINTER, 2006, op. cit., p. 85.

81
Carlos Taibo

inferiores ou eram difíceis de acessar.310 Um dos resultados de todos


os itens acima pode ser resumido em algumas cifras: enquanto em
1996 o número de seres humanos que passaram fome foi de 788
milhões, doze anos depois, no meio da globalização, o número ficou
em 900 milhões.311
Parece evidente que este, como tantos outros, é um campo em
que deve ser dada uma atenção especial à questão dos limites. Se-
gundo uma estimativa, são necessários 8 hectares de terra produtiva
para proporcionar água, energia, abrigo e os alimentos dos quais
necessita uma pessoa que vive em um país rico. Se 9 bilhões de seres
humanos habitassem o planeta, teríamos que dispor, então, de 72
bilhões de hectares, quando a Terra oferece apenas uma nona parte
deste número.312 Além disso, para lidar com o crescimento popula-
cional, a produção de muitos alimentos – como o arroz, por exemplo
– terá que aumentar significativamente, algo difícil de imaginar em
um cenário de estagnação, se não de retrocesso, da superfície agrí-
cola explorável e de deterioração dos solos pela salinização e pela
desertificação. Enquanto tudo isso acontece, nos países do Norte
estamos testemunhando, como bem se sabe, um formidável desper-
dício. Basta lembrar que no Reino Unido se joga fora um terço da
comida que se compra.313
São vários os fatores coadjuvantes na configuração desse cenário.
Um deles, como não poderia deixar de ser, é a mudança climática.
Embora ela possa ter algum efeito estimulante nas culturas em paí-
ses como a Rússia ou o Canadá, suas consequências são anunciadas
como devastadoras em muitas áreas da África e da Ásia. Segundo o
Conselho Nacional de Inteligência dos EUA, o número de pessoas
que sofrerão de fome ou de sede chegará a 1,4 bilhão em 2025.
Segundo outra estimativa, em 2050 a fome e a sede terão provoca-

310 HOMER-DIXON, T.; BLITT, J. (ed.). Ecoviolence: Links Among Environ-


ment, Population, and Security. Lanham: Rowman & Littlefield, 1998, p. 3.
311 BROWN, L. R. World on the Edge: How to Prevent Environmental and Eco-
nomic Collapse. New York: W.W.Norton & Company, 2011, p. 11.
312 TRAINER, 2010, op. cit., p. 20. Uma sexta parte, segundo outro cálculo que
me interessará mais adiante.
313 CHAMBERLIN, 2009, op. cit., p. 52.

82
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

do 200 milhões de “emigrantes climáticos”, um número cinco vezes


maior do que o total de refugiados existentes no planeta em 2008.314
As colheitas de arroz, trigo e milho experimentarão retrocessos pro-
gressivos à medida que a temperatura média mundial for subindo.315
Outro estudo conclui que um aumento de 1% no preço dos alimen-
tos básicos se traduzirá em 16 milhões de pessoas que se verão afeta-
das pela “insegurança alimentar”. Segundo a Organização Mundial
da Saúde (OMS), 57% dos seres humanos sofriam de subnutrição
em 2010, em comparação com 20% em 1950.316 Se a fome se gene-
ralizar nos países do Sul, haverá graves problemas de abastecimento
em muitos países do Norte. Lester Brown prevê competições muito
duras, como a que poderia acontecer no caso da China, com uma
parte significativa da sua população cada vez mais exigente, disposta
a demandar uma quantidade crescente de cereais. Segundo Brown,
o único mercado em que se poderiam adquirir os cereais seria o
estadunidense, de tal forma que os fornecimentos internos estariam
em perigo nos EUA.317 Dessa forma, o cenário futuro será mais do
que provavelmente marcado por revoltas cada vez mais frequentes
em decorrência da fome, protagonizadas por pessoas que acabarão
encurraladas entre os preços muito altos dos alimentos e a baixa
renda. Segundo uma previsão muito difundida, quando é evidente
que a oferta de alimentos é reduzida, a demanda poderá, no entan-
to, e ao menos em um primeiro momento, crescer. Neste último
fenômeno ocorreriam o crescimento paralelo da população, o maior
desejo de consumir carne, leite e ovos, o uso de cereais para gerar
biocombustíveis318 e, também, os jogos especulativos. Devemos nos
preparar, em particular, para manifestações frequentes de bolhas ali-
mentares que acarretem aumentos repentinos – e muito significati-
vos – dos preços dos cereais.319

314 MORRIS, 2010, op. cit., p. 601.


315 LYNAS, 2007, op. cit., p. 151.
316 LORIUS, C.; CARPENTIER, L., 2010, op. cit., p. 128.
317 BROWN, 2011, op. cit., p. 54.
318 Ibidem, p. 60
319 Ibidem, p. 11.

83
Carlos Taibo

À mudança climática se somam os efeitos da violência empreen-


dida pelas empresas transnacionais. A mecanização, que aumentou a
produção e facilitou a distribuição, está a caminho de se tornar, por
ser insustentável, uma enorme fonte de problemas. O mesmo pode
ser dito da dependência que muitos camponeses têm em relação a
sementes, fertilizantes, pesticidas, herbicidas e alimentos para ani-
mais, ou que sofrem com respeito a combustíveis, máquinas e peças
sobressalentes,320 em um cenário frequentemente marcado, além de
tudo, pela monocultura. É evidente, nessas condições, o caráter an-
tiecológico da chamada “revolução verde”.321 Em muitos lugares con-
vém adicionar as consequências da escassez de água, da erosão dos
solos, da diminuição da fertilidade ou de uma superfície útil cada vez
menor.322 Para que não falte nada, e em virtude dos biocombustíveis,
o que de fato é potencial alimento passa a ser usado para produzir
energia, enquanto o fósforo, um nutriente vital, é cada vez mais es-
casso.323 Enquanto isso, muitas espécies marinhas estão em perigo. É
o caso do bacalhau, da sardinha, do badejo e do linguado. Se o pico
da pesca se registrou, provavelmente, em 1994, são frequentes os avi-
sos que sugerem que se não mudarmos drasticamente nossos hábitos
– e nessa operação os direitos dos animais devem desempenhar um
papel decisivo –, em meados do século XXI o panorama será calami-
toso.324 Ademais, boa parte do aumento nas capturas da pesca tem
tido como protagonistas as espécies que se destinam à alimentação
de animais não humanos.325
Há que se falar também da expansão da compra de terras nos
Estados do Sul, e em particular na África, protagonizada por países
como China, Japão, Coreia do Sul ou Arábia Saudita. A China, em
especial, tem graves problemas em matéria de produção de alimen-
tos. A superfície cultivável, em retrocesso, é escassa em comparação

320 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 130.


321 OPHULS, 1992, op. cit., p. 60.
322 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 133.
323 Idem.
324 Ibidem, p. 135.
325 OPHULS, 1992, op. cit., p. 55.

84
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

à população, e a água, além de tudo, também falta.326 É verdade que


a resposta chinesa não precisa consistir exclusivamente na aquisição
de terrenos em outros cenários. Ao longo do tempo, poderia assumir
formas mais agressivas que afetariam, por exemplo, o território sibe-
riano da Rússia.327
Ao cabo de tudo o que foi dito, é fácil verificar mudanças dramá-
ticas na vida agrícola. Cito a fala de um camponês francês, Philippe
Fourmet: “Até 1850 o camponês era o ‘homem do país’, não aquele
que faz a paisagem, mas aquele que nasce nela. Veio depois o barão
Justus von Liebig, um químico alemão que, nos meados do século
XIX, revelou a importância do nitrogênio no crescimento das plan-
tas e inventou o primeiro adubo. O camponês se converteu em um
‘agrônomo’. Aprendeu a modificar a terra, a transformá-la, a enrique-
cê-la. Um século depois, em torno de 1950, o camponês se tornou
um ‘explorador agrícola’. A partir de então, a questão do capital tor-
nou-se central em suas preocupações, a ponto de converter o nosso
homem em um ‘explorado agrícola’, a quarta etapa de sua evolução.
O camponês se viu imerso em um sistema que o atropela, modelado
pela mão invisível do mercado. Chegará, enfim, o dia em que a era da
‘peste’ será afirmada. Será o dia em que a sociedade se voltará para ele
e lhe dirá: ‘A culpa é tua!’”328.

A água que falta


Sabe-se que a água também é escassa, pelo menos em muitas áreas
do planeta.329 Ainda que conforme uma estimativa do final do século
XX houvesse na Terra 41.000 quilômetros cúbicos de água renovável
e naquele momento só se utilizassem pouco mais de 3.000, a verdade
é que há grandes diferenças de acesso nas diversas regiões e que a

326 SNYDER, 2015, op. cit., p. 329-330.


327 Ibidem, p. 330-331.
328 Citado por LORIUS, C.; CARPENTIER, L., 2010, op. cit., p. 85.
329 POSTEL, S. Water: Adapting to a New Normal. In: HEINBERG, R;
­LERCH, D. (ed.). The Post Carbon Reader. Healdsburg: Watershed Media, 2010,
p. 75-94.

85
Carlos Taibo

qualidade dessas águas por vezes deixa muito a desejar.330 Segundo a


Organização das Nações Unidas (ONU), em 2025 nada menos que
1,8 bilhão de pessoas viverão em regiões que sofrerão de uma absoluta
escassez de água, enquanto dois terços da população mundial enfren-
tarão problemas a esse respeito.331 O Himalaia e os vales do rio Jordão
e de Fergana ilustram perfeitamente os conflitos que o uso da água
pode gerar.332 A ONU identificou nada menos que trezentos lugares
nos quais podem surgir conflitos relacionados com a água.333
São várias as causas dessa crescente escassez. Uma delas é a im-
plantação de profundas modificações no ciclo da água – em um ce-
nário notavelmente marcado pela contaminação geral de costas, rios
e lagos –, com a drenagem de metade das zonas úmidas do planeta
e a construção de 45.000 represas; como resultado, os processos de
erosão e sedimentação foram alterados gravemente.334 Não esqueça-
mos, em paralelo, que 40% da superfície florestal do globo desapare-
ceu nos últimos três séculos, sendo que 75% desta porcentagem foi
perdida nos últimos 200 anos; nos trópicos desaparecem anualmente
dez milhões de hectares de florestas.335 Outro fator importante é a
extensão das dietas à base de carne e de laticínios, com uso intensivo
de água.336 Acrescento a isso o enorme crescimento, que acompanha
o da população, do consumo de água e do uso cada vez mais intenso
desta em numerosas plantações agrícolas, e seu conseguinte esgota-
mento. Não esqueçamos, além disso, que o transporte e a dessalini-
zação demandam energia.337 E recordemos que tem sido comum be-
bermos uma água de qualidade cada vez pior, com efeitos em matéria
de mortalidade e de expansão de doenças.338 Em termos gerais, e em
suma, a escassez da água pode aumentar a pobreza e a mortalidade,
reduzir a produção agrícola, colocar em perigo muitos processos de

330 HOMER-DIXON, T.; BLITT, J., 1998, op. cit., p. 3.


331 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 125.
332 LORIUS, C.; CARPENTIER, L., 2010, op. cit., p. 82.
333 KUNSTLER, 2005, op. cit., p. 162.
334 BONNEUIL, C.; FRESSOZ, J., 2013, op. cit., p. 22.
335 CHEW, 2008, op. cit., p. 50.
336 CHAMBERLIN, 2009, op. cit., p. 57.
337 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 124-128.
338 HOLMGREN, 2009, op. cit., p. 51.

86
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

extração mineral e de produção de bens manufaturados e dificultar a


geração de energia.339

A expansão das doenças


A questão das doenças configura uma matéria de estudo relevante
desde que, em 1976, William H. McNeill publicou seu livro Plagues
and people [Pragas e pessoas].340 Lembrarei, por exemplo, do papel que
a varíola desempenhou na dissolução do império asteca, ou a impor-
tância que a implantação de sistemas de imunização teve em muitas
das conquistas que os europeus desenvolveram em diversos lugares
do planeta. São muitos os especialistas que, neste contexto, estimam
que as doenças foram decisivas em um sem fim de processos histó-
ricos importantes.341
Neste caso, limito-me a enunciar os três riscos que se anunciam
mais evidentes. O primeiro assume a forma de epidemias e pande-
mias, com uma expansão mais fácil e rápida – basta pensar nos des-
locamentos aéreos – que no passado. O segundo diz respeito à mul-
tiplicação dos cânceres e das doenças cardiovasculares, assim como
de uma expansão geral da obesidade, com seus efeitos negativos. As
doenças crônicas se tornaram a primeira causa de mortalidade, acima
das doenças infecciosas, e constituem uma bomba relógio em países
como a China e a Índia.342 Devo mencionar, enfim, a possibilidade
de reaparecimento de doenças como a tuberculose ou da perspectiva
de uma expansão da malária. A aids talvez ilustre os riscos men-
cionados, com mais vítimas entre as populações mais pobres. Não
esqueçamos que todas as regiões do planeta podem ser afetadas por
doenças como as mencionadas, em um cenário marcado pela insu-
ficiência de respostas médicas, com consequências econômicas e so-
ciais muito delicadas.

339 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 124-125.


340 LINDEN, E. The Winds of Change: Climate, Weather, and the Destruction of
Civilizations. New York: Simon & Schuster, 2007, p. 90.
341 Idem.
342 BONNEUIL, C.; FRESSOZ, J., 2013, op. cit., p. 197.

87
Carlos Taibo

Um ambiente inabitável para as mulheres


Sobram razões para afirmar que no mundo contemporâneo as
mulheres seguem sendo objeto de uma visível marginalização sim-
bólica e material. Afinal, a legitimação da própria ordem do capita-
lismo exige uma legitimação paralela do patriarcado, com o desejo
declarado de que as mulheres permaneçam em suas casas e con-
tinuem a desenvolver seu trabalho de cuidados de forma gratuita,
com a consequente poupança para as instituições.343 Na verdade, as
mulheres são vítimas de uma formidável multiplicação de formas
de exploração que nos obriga a falar de uma inevitável crise de cui-
dados, que é, em última análise, uma crise da sustentabilidade das
sociedades humanas. Estas dependem imensamente, não esqueça-
mos, do trabalho de cuidados que desenvolvem, de maneira esma-
gadoramente majoritária, as mulheres, algo que deveria se converter
em uma ferramenta-chave que bem poderia ser uma arma letal: as
greves de cuidados.
Elementos coadjuvantes na crise dos cuidados são o crescimento
das cidades, o retrocesso dos espaços de socialização, um crescente
individualismo, a maior presença de idosos, a tardia emancipação dos
filhos, a extensão da precariedade e, em particular, a incorporação
massiva das mulheres ao trabalho assalariado,344 sempre em condi-
ções inferiores e com rendas menores do que as dos homens. Um
dos efeitos mais visíveis de tal cenário é o que podemos chamar fe-
minização da pobreza. Em todo o planeta, 70% dos pobres e 78%
dos analfabetos são mulheres. Ainda que elas desenvolvam, por outro
lado, 67% do trabalho, recebem somente 10% da renda.345 Com pre-
missas como as mencionadas, dificilmente surpreenderá a seguinte
conclusão: o colapso – como se verá – resultará em problemas e em
tarefas ainda maiores para as mulheres.

343 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 165.
344 Ibidem, p. 163.
345 Bruna Bianchi em BIANCHI et al., 2012, op. cit., p. 10.

88
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

O efeito multiplicador da crise financeira


O leitor se equivocará ao pensar em uma consequência precipita-
da do espaço reduzido que atribuí, na seção anterior, aos problemas
das mulheres: a consideração desses problemas é crucial para enten-
der o que ocorre no planeta e, mais ainda, para calibrar muitas das
consequências definitivas da sociedade do pós-colapso. Devo dizer
o mesmo, no entanto, sobre a onipresente crise financeira que me
interessa a seguir.
Um dos principais efeitos da globalização capitalista tem sido
a explícita expansão do caos. A esse respeito, papéis decisivos têm
sido desempenhados pela prevalência dos fluxos especulativos, pela
grande aceleração das fusões de capitais, pela deslocalização, pelas
políticas de desregulação e pela expansão das redes do crime orga-
nizado. Eu falo, em outras palavras, de um cenário planetário que,
indiscutivelmente marcado por instabilidade, perda de confiança e
incerteza, tem permitido uma massiva transferência de recursos para
o proveito de poucos.
São bem conhecidas as manifestações contemporâneas e as con-
sequências da crise financeira. Falo das bolhas especulativas, das me-
didas de nacionalização das dívidas privadas, dos cortes sociais que
a acompanham e das consequentes reformas trabalhistas. Por trás
disso, é mais que razoável uma suspeita: a que sugere que o cenário
de crise tenha sido artificialmente forjado com o objetivo de me-
lhorar a posição de poucos. A isso se somam os problemas ligados à
dívida herdada dos países pobres e a ativa cooperação dos Estados
nas operações, internas e externas, de roubo, indispensável para dar
uma nova aparência a estratégias de dominação em áreas como a da
privatização, da redução do gasto social ou da repressão. Claro que a
crise financeira tem outra dimensão de interesse, que evidencia que
o pico do petróleo coincidiu com outro pico: o da criação de capital
na forma de dinheiro disponível para a concessão de créditos.346 As
próprias empresas do setor energético têm dependido visivelmente

346 KUNSTLER, 2012, op. cit., p. 81.

89
Carlos Taibo

de um dinheiro emprestado que, para ser pago, demanda condições


difíceis de imaginar.
O vínculo da crise financeira com o horizonte do colapso se ma-
terializa, contudo, através de dois caminhos. O primeiro é o que diz
respeito a um caos geral, a uma visível perda de confiança e a uma
enorme dificuldade para antever o futuro. O segundo nos faz recor-
dar a inquietante inter-relação que existe entre as diferentes econo-
mias, com efeitos dominó de fácil expansão. Por detrás parece como
se, em um voo enlouquecido, os sistemas de contabilidade dos dife-
rentes Estados seguissem considerando a Terra como uma empresa
em liquidação347 e ilustrassem a dramática incapacidade dos sistemas
monetário, bancário e de investimentos em se adaptar à escassez de
recursos e aos custos ambientais.348 Cabe supor, de qualquer forma,
que a previsível subida dos preços da energia acentuará as contradi-
ções do sistema financeiro internacional e propiciará seu colapso.349

Estados, guerras, terrorismo


O anseio pelo controle das jazidas e dos canais de transporte do
petróleo e do gás natural pode facilmente se converter em um estímu-
lo para novos conflitos bélicos.350 Um funcionário militar estaduni-
dense disse que mais da metade dos gastos militares de seu país tinha
a finalidade de proteger o acesso dos EUA às matérias-primas ener-
géticas de que, supostamente, necessitam.351 Nessa esteira, o mapa dos
conflitos previsíveis em um futuro imediato se sobrepõe parcialmente
ao das áreas produtoras dessas matérias-primas: o mar da China Me-
ridional, o Oriente Médio, determinadas áreas da África, da América

347 LINDEN, 2002, op. cit., p. 171.


348 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 2.
349 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 145.
350 Ver BELLO, W. Food Wars: Crisis alimentaria y políticas de ajuste e­ structural.
Barcelona: Virus, 2012; DYER, G. Climate Wars: The Fight for Survival as the
World Overheats. Oxford: Oneworld, 2011; KLARE, M: Rising Powers, Shrinking
Planet: The New Geopolitics of Energy. New York: Henry Holt, 2008.
351 HEINBERG, 2006, op. cit., p. 56.

90
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Latina e da Ásia Central e remete a estratégias de intervenção ativas,


e frequentemente violentas, das potências ocidentais.
A circunstância que me atrai se soma à iminente necessidade chi-
nesa de matérias-primas – gás natural e petróleo, mas também soja,
ferro, cobre, cobalto e madeira –, que convida a concluir que se pro-
duzirão choques, mais cedo ou mais tarde, com as potências ociden-
tais que acabo de mencionar.352 Recordemos que em 2009 o mercado
automotivo chinês deixou o norte-americano para trás, ao tempo em
que a produção de carros disparava em países como a Rússia, o Bra-
sil e a Índia.353 Se a China mantiver seus níveis de crescimento, sua
economia dobrará de tamanho a cada dez anos.354 Ainda que seja al-
tamente improvável que as economias emergentes mantenham esses
níveis de crescimento, isso não impede que o problema geral do es-
gotamento dos recursos continue alarmante – como sentirá a China
ou a Índia para preservar o acesso a esses recursos –, para não men-
cionar a crise que resultará de uma eventual quebra dessas economias
em um cenário internacional marcado pela interdependência. Não
esqueçamos que a China é hoje uma economia muito dependente
das exportações e que muitos dos seus fluxos parecem fora de con-
trole, especialmente porque – e logicamente –, o país se verá subme-
tido à pressão de muitos de seus cidadãos que desejam melhorar seus
precários níveis de consumo. O panorama talvez se complete, enfim,
com a nova loucura extrativista que se revela no Ártico.
O mapa de cenários conflitivos em que há enfrentamentos béli-
cos, ou nos quais eles podem ser previstos, se sobrepõe surpreenden-
temente ao dos lugares em que se manifestam fortes tensões ecológi-
cas.355 É importante enfatizar a existência de estudos que identificam
uma correlação, no mundo contemporâneo, entre a presença de
conflitos bélicos e a de tensões ambientais. O livro de Thomas Ho-
mer-Dixon e Jessica Blitt analisa cinco casos a esse respeito: os de
Chiapas, Gaza, África do Sul, Paquistão e Ruanda.356 Também se

352 MORRIS, 2010, op. cit., p. 604.


353 RUBIN, 2010, op. cit., p. 63.
354 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 16.
355 DIAMOND, 2006, op. cit., p. 516.
356 HOMER-DIXON, T.; BLITT, J., 1998, op. cit., p. 1.

91
Carlos Taibo

estabeleceu uma correlação entre a elevação da temperatura média e


as mudanças nos regimes de chuva, por um lado, e o desenvolvimen-
to da violência interpessoal e dos conflitos armados, por outro.357 A
guerra, em sua condição de estado de exceção, tem propiciado uma
“brutalização” das relações entre a sociedade e o meio natural.358 De-
terminou-se também uma estreita relação entre o “termoceno” e o
“tanatoceno”, que tem permitido a implantação de um sem fim de
tecnologias de alto consumo energético.359 As forças armadas são –
não esqueçamos – grandes consumidoras de energia. Segundo uma
estimativa, anos atrás o exército norte-americano lançava na atmos-
fera mais carbono que o Reino Unido, e utilizava mais níquel, cobre,
alumínio e platina que todos os países do sul do planeta juntos. Difi-
cilmente nos surpreenderá a afirmação de que as guerras contempo-
râneas têm uma evidente condição ecocida.360 Devo mencionar aqui,
enfim, as armas nucleares. Principal ameaça durante a guerra fria,361
é bom lembrarmos que no mundo contemporâneo elas de modo al-
gum deixaram de existir. Se os arsenais atômicos das grandes potên-
cias têm a possibilidade de acabar várias vezes com a vida presente
na Terra, a proliferação nuclear aumenta a incerteza, a ponto de não
faltar especialistas que alertam para a necessidade de se prestar uma
atenção especial ao que vem acontecendo nesse campo, e ao fato de
que dele poderiam vir notícias que modificassem, abruptamente, o
que acreditamos saber sobre o colapso global.
Há, no entanto, outras questões que convém pesar neste capítulo.
A primeira traz a perspectiva de uma proliferação de fenômenos que
propiciam o colapso de muitos Estados. Embora, nos últimos tem-
pos, tenha havido uma recuperação da dimensão repressivo-militar
desses Estados e, embora em alguns casos tenha ocorrido a recu-
peração de alguma função econômica como resultado do reapareci-
mento fantasmagórico da lógica do Estado-nação, o fenômeno dos
chamados “estados falidos” é a ordem do dia. É verdade que esse

357 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 209.


358 BONNEUIL, C.; FRESSOZ, J., 2013, op. cit., p. 149.
359 Ibidem, p. 163.
360 OPHULS, 1992, op. cit., p. 273.
361 REES, 2004, op. cit., p. 2.

92
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

conceito traz sérios problemas, em parte por sua marca colonial e,


em parte, porque nos obriga a perguntar que Estados não estão re-
almente falidos. A segunda questão se origina pelo que comumente
se descreve como “terrorismo”. Deixarei de lado, por hora, o fato de
que não há nenhum dado confiável que nos convide a suprimir este
substantivo quando se trata de falar do terror exercido pelos Estados
e me limitarei a apontar que os grupos terroristas privados desfrutam
hoje de instrumentos técnicos, ferramentas de comunicação – aí está
o ciberterrorismo – e armas de destruição em massa que evidente-
mente não tinham no passado. Têm-se beneficiado, além de tudo, das
numerosas tensões geradas pelo agressivo intervencionismo militar
e econômico das potências ocidentais, em um quadro geral distin-
to, pela descentralização, do que caracterizou as duas guerras mun-
diais.362 Vale lembrar, no entanto, que os limites entre esses grupos
terroristas e os exércitos privados que proliferaram em tantos lugares
são, muitas vezes, indistintos.

A tecnologia
Nesta lista de desventuras, temos que abrir um espaço, também,
para a tecnologia. Ainda que para o senso comum possa ser o contrá-
rio, tenho a obrigação de apontar a frequência com que a tecnologia
tem sido fortalecedora de muitos dos elementos que estão na origem
do colapso. Elizabeth Kolbert tem chamado a atenção, a esse respei-
to, sobre um dos paradoxos do momento: “Pode parecer impossível
imaginar que uma sociedade tecnologicamente avançada escolha, em
essência, destruir-se a si mesma, mas isso é o que estamos fazendo”363.
Há muitos motivos para afirmar que, na maioria das vezes, es-
tamos a serviço da tecnologia, e não o contrário. Outro aspecto da
mesma questão é que essa tecnologia da qual falo é projetada e im-
plantada em descarado proveito dos interesses das grandes empresas.
Nada mais infeliz, então, que concluir que as tecnologias oferecidas

362 SLAUGHTER, R. Collapse: Suburban Survival Solutions. Indian Springs:


Time Draws Nigh, 2015, p. 1.
363 Elizabeth Kolbert citada por CHAMBERLIN, 2009, op. cit., p. 27.

93
Carlos Taibo

para nós são neutras, de modo que, se hoje estão ao serviço desses
interesses, depois de amanhã poderiam ser usadas para outros fins.
Teríamos que assistir a uma mudança drástica, que hoje seria difícil
de imaginar, na conduta de tantos cientistas – e na própria lógica
do capitalismo – que, longe de se voltarem em proveito dos interes-
ses privados, decidissem reverter muitas das aberrações geradas no
antropoceno. Em tempo, nos vemos na obrigação de nos perguntar
de quanta energia precisam as tecnologias que utilizamos, de quais
matérias-primas necessitam e em que regime de trabalho foram pro-
duzidas. Desta forma, e aproveitando a fala de Maurizio Pallante:
“Confiar no imenso potencial da tecnologia para resolver os pro-
blemas ambientais causados pelo crescimento do poder tecnológico
significa acreditar que um problema pode ser resolvido pelo fortale-
cimento da sua causa”364.

A pegada ecológica
Uma maneira pedagógica de resumir muitos dos dados que te-
nho citado até agora é a que utiliza o conceito de pegada ecológica,
que basicamente mede a superfície do planeta, tanto terrestre como
marítima, de que precisamos para manter as atividades econômicas
hoje existentes.
Atualmente, e segundo uma estimativa, precisamos de uma Terra
e meia para prover os recursos que usamos.365 Segundo alguns au-
tores, as demandas da espécie humana ficaram além da capacidade
de regeneração do planeta pela primeira vez em 1980.366 Segundo
estimativas da World Wild Foundation (WWF), a pegada ecológi-
ca triplicou entre 1960 e 2003.367 Se em 1960 utilizávamos 70% da

364 PALLANTE, M. La politica ambientale indicata da Walter Veltroni nel dis-


corso di autocandidatura alla guida del Partito Democratico (Torino, Lingotto, 23
giugno 2007). In: ______ (dir.). Un programma politico per la decrescita. Rome: Per la
decrescita felice, 2008, p. 225.
365 HAM, 2013, op. cit., p. 3.
366 BROWN, 2011, op. cit., p. 7.
367 RIECHMANN, J. Oikos & Jaikus: Reflexiones sobre la crisis ecosocial. In:
LINZ, M.; RIECHMANN, J.; SEMPERE, J. Vivir (bien) con menos: Sobre sufi-
ciencia y sostenibilidad. Barcelona: Icaria, 2007, p. 75.

94
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Terra, em 1999 usávamos 120% dela, e alguns prognósticos afirmam


que, se é possível imaginar, em 2050 necessitaremos de 200%. Para
garantir o padrão de vida de um norte-americano são necessários,
por outro lado, 3,6-3,7 planetas.368
Na Terra temos 51 bilhões de hectares, dos quais, segundo uma
estimativa, 12 bilhões são bioprodutivos (1,8 hectare por pessoa).
Segundo Redefining Progress e a World Wild Foundation, o espa-
ço bioprodutivo consumido hoje é de 2,2 hectares por habitante do
planeta, além do 1,8 que a Terra coloca à nossa disposição. Um nor-
te-americano necessita de 9,6 hectares; um canadense, de 7,2; um
inglês, de 5,6; um francês, de 5,3; um italiano, de 3,8; e um indiano,
de 0,8.369 Vivemos, consequentemente, além das nossas possibilida-
des. Em outros termos, estamos desde o século XVIII aumentando
nossa dívida ecológica.
Deve-se ter cuidado, enfim, com a ideia bastante difundida de que
o capitalismo cognitivo – o capitalismo dos computadores – não faz
uso de recursos materiais. Enquanto a fabricação de um computador
requer 1,8 tonelada de recursos, em seu trabalho um funcionário do
setor terciário reivindica 1,5 tonelada de petróleo equivalente (TEP)
por ano, ou seja, um terço do que consome anualmente um cidadão
médio na União Europeia em sua vida diária e mais do que o que um
agricultor consumiu em 1945, em um contexto em que a economia do
imaterial, além de tudo, agrava as fraturas sociais.370

Um mito contemporâneo: o crescimento


­econômico
Para fechar este capítulo, assinalarei que o crescimento econô-
mico é uma autêntica obsessão que gera condutas absurdas e se as-
senta numa dramática imprevisão a respeito do futuro. São muitas, e
muito graves, as superstições que rodeiam o crescimento. Pouco ou
nada tem a ver, por enquanto, com a coesão social. Sua relação com a

368 HAM, 2013, op. cit., p. 3.


369 LATOUCHE, 2007, op. cit., p. 42-43; RIECHMANN, 2007, op. cit., p. 75.
370 LATOUCHE, S. Le pari de la décroissance. Paris: Fayard, 2006, p. 55.

95
Carlos Taibo

criação de postos de trabalho, em economias fundamentalmente es-


peculativas, é muito mais nebulosa do que se possa imaginar. Provoca
agressões frequentemente irreversíveis ao meio ambiente e facilita o
esgotamento de matérias-primas básicas. No caso dos países ricos,
ele se alimenta da pilhagem dos recursos humanos e materiais dos
países do Sul. No campo individual, encoraja o estabelecimento de
um modo de vida escravo que nos convida a concluir que seremos
mais felizes se trabalharmos mais horas, ganharmos mais dinheiro e,
sobretudo, consumirmos mais.
Além do exposto anteriormente, a loucura que acompanha o cres-
cimento se revela através de cálculos chamativos. Mencionarei, por
exemplo, que com um crescimento econômico planetário de um 1%
anual, a riqueza gerada se multiplicará por dois em 70 anos, e com
um crescimento de 3,5% aumentará 31 vezes em um século, e 961
vezes em dois séculos,371 com base no que Latouche, citando um de
seus colegas, chama “o terrorismo do juro composto”372. Para garantir
o bem-estar geral, o Banco Mundial considera que a produção deve-
ria ser, em 2050, quatro vezes maior que a de hoje, o que exigiria um
crescimento anual de 3% acompanhado, naturalmente, de práticas
de boa governança. Os limites do planeta nos obrigam a concluir, no
entanto, que é inconcebível um PIB mundial de 172 bilhões dólares,
que é o que se registraria em 2050 (frente aos 43 bilhões de hoje).373
No cenário pré-colapso, um recuo em termos de crescimento e
industrialização (também na tecnologia) parece indesejado. A ideia
de que os problemas se resolvem com o crescimento é uma supersti-
ção. Quando uma economia excede as possibilidades oferecidas pelo
meio natural em que se desenvolve, os custos derivados do esgota-
mento de recursos e da contaminação não podem ser compensados
por esse crescimento.374 É inevitável que este último sofra, por outro
lado, com a mudança climática e, mais ainda, com o esgotamento das

371 LAVIGNOTTE, S. La décroissance est-elle souhaitable?. Paris: Textuel, 2009,


p. 20.
372 SERREAU, C. Solutions locales pour un désordre global. Arles: Actes Sud, 2012,
p. 231.
373 LATOUCHE, 2006, op. cit., p. 45.
374 GREER, 2008, op. cit., p. 5.

96
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

matérias-primas energéticas. Não esqueçamos que, segundo certa es-


timativa, dois terços do crescimento registrado nas três “décadas glo-
riosas” do século XX foram devidos à queima de combustíveis fósseis
(o outro terço foi produto de trabalho e de investimentos). É difícil
imaginar, portanto, que o declínio da energia não será acompanhado
por outro de natureza geral.375

375 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 56-57.

97
3. O cenário pós-colapso

“A morte de nossa civilização já não é uma


teoria ou uma possibilidade acadêmica: é o
caminho em que estamos”
(Peter Goldmark, presidente da Fundação
Rockefeller)

“Nossas civilizações sabem agora que


somos mortais”
(Paul Valéry)

Este capítulo apresenta uma inequívoca e inexorável dimensão es-


peculativa. Acredito que não poderia ser de outra maneira. A partir
deste ponto, vou tentar explicar alguns dos traços principais que se po-
deriam atribuir à ordem ou à desordem que, provavelmente, emergirão
depois do colapso. É fácil intuir que a tarefa será tão difícil quanto
arriscada. Em primeiro lugar, porque não estamos em condições de
responder a muitas incógnitas. Por exemplo, quais serão as maiores
causas do colapso? As possíveis respostas nos remeterão a pensar sobre
os efeitos da mudança climática, o esgotamento das matérias-primas
energéticas ou nos obrigarão a prestar atenção a outros fatores? Esse
colapso terá um caráter mais ou menos repentino ou, pelo contrário, se
desenvolverá de forma paulatina? Suas manifestações serão razoavel-
mente similares nas diferentes regiões geográficas ou se revelarão con-
forme pautas eventualmente diferentes? Quais serão as características
que o colapso assumirá? A sociedade se valerá do que aqui chamamos
de movimentos pela transição ou assumirá, de maneira inquietante, os
perfis de uma forma de ecofascismo? Ainda que a questão, em suma,
exiba um interesse limitado, temos de perguntar pela duração do perí-
odo pós-colapso ou o senso comum anuncia uma era tão prolongada
que seus limites temporais pouco importarão?376

376 Sobre as sequelas a longo prazo, veja ZALASIEWICZ, J. The Earth After Us:
What Legacy Will Humans Leave in the Rocks? Oxford: Oxford University, 2009.

99
Carlos Taibo

Mesmo considerando a impossibilidade de responder a todas es-


sas perguntas, fica claro o rigor da análise que se segue, pois creio
firmemente que num texto desta natureza não poderia faltar uma
referência, por mais superficial e arriscada que seja, aos traços da
sociedade pós-colapso (entendida como a que criará corpo imedia-
tamente depois do colapso). Mas, não sem antes me aproximar de
uma questão delicada: quando será o colapso? Sobre isto, tentarei fazer
diferentes abordagens. Se, por um lado, prestarei atenção às supostas
características gerais dessa sociedade, com ênfase especial na carac-
terização do que pode ocorrer nas áreas urbanas e no meio rural,
num segundo momento considerarei, de forma sucinta, algumas das
possíveis concretudes do colapso numa área mais precisa: a Península
Ibérica. Nos capítulos posteriores me interessarei, também, por es-
sas duas respostas ao colapso que já mencionei: os movimentos pela
transição e o ecofascismo.

Quando será o colapso?


Não é possível responder, sem margem para a dúvida, à pergunta
relativa a quando vai acontecer o colapso de que trata este livro. Ain-
da que no capítulo inicial eu tenha tentado delimitar o conceito de
colapso, devo reconhecer que tal conceito segue impreciso, pois está
relacionado a problemas do contexto que acabo de mencionar. E se
quisermos, se poderiam multiplicar, ainda mais, as incógnitas. Por
exemplo: qual a sequência cronológica dos fatos que se sucederão?
Em quantos graus terá que aumentar a temperatura média do plane-
ta? Que possibilidades existem para a substituição, parcial ou total,
dos combustíveis fósseis? Quais serão os efeitos deste processo para
o sistema financeiro?
Direi de outra forma: é impossível identificar com rigor o con-
junto de fatores que afetam a vulnerabilidade de sistemas complexos
como o que aqui me interessa.377 No entanto, é possível estabelecer
graus de probabilidade que convidam à reflexão e à ação. Nesse senti-
do, é importante lembrar que a ausência de certezas de modo algum

377 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 154.

100
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

indica que a ameaça seja mais fraca.378 Por outro lado, é difícil inter-
pretar os dados: os sinais anunciadores podem se revelar como um
ponto cego seguido de um colapso ou, ao contrário, este último pode
se registrar sem ser precedido de nenhum sinal evidente.379 Por outro
lado, acumulam-se dados que sugerem que a capacidade de resiliên-
cia de um sistema se reduz na medida em que o tempo necessário
para que ele se recupere aumenta.
Muitos especialistas estimam que se as regras do jogo não forem
mudadas drasticamente, o colapso poderá acontecer entre os anos de
2020 e 2050.380 A esse respeito são citadas, em particular, as conse-
quências da mudança climática, que nos colocarão ante um cenário
caracterizado por um aumento de mais de dois graus centígrados
na temperatura média mundial em comparação com os níveis pré-
-industriais, e a sucessão de picos das principais fontes energéticas
que usamos. Se considerarmos os fenômenos que aceleram os aconte-
cimentos, poucos motivos existem para o otimismo, pois é necessário
um grande esforço para colocar em marcha mecanismos que sirvam
como um freio genuíno e eficaz diante dos riscos que nos ameaçam.

As características gerais
Antes de fazer uma descrição das possíveis características da so-
ciedade pós-colapso, convém sublinhar que muitas dessas caracte-
rísticas já estão presentes na sociedade atual. Mais adiante, quando
tratar, por exemplo, das cidades do pós-colapso, muitas vezes será di-
fícil distinguir o que supostamente ocorrerá nelas e o que já acontece
em vários lugares. Diante disso, parece inevitável concluir que muitos
dos aspectos que vou mencionar seguirão diferentes pautas de acordo
com as regiões do planeta e com altos e baixos que não permitirão
ocultar a decadência geral do sistema.

378 Idem.
379 Ibidem, p. 153.
380 PRIETO, 2004, op. cit., p. 4.

101
Carlos Taibo

1. A natureza em convulsão. Já comentei como o aumento das tem-


peraturas afetará muitas regiões do planeta e se traduzirá em problemas
graves, que alcançarão tanto o meio rural como o urbano (mais adian-
te, abordaremos os possíveis danos em ambos). Vale chamar a atenção,
também, para as consequências da elevação do nível do mar em mui-
tas regiões costeiras, com maiores efeitos em países como ­Bangladesh,
China, Egito, Estados Unidos, Indonésia, Japão e Vietnã,381 e para a
destruição paralela de muitas regiões litorâneas, como resultado da su-
perpopulação e da excessiva exploração dos recursos naturais. Além
das regiões costeiras, entendidas como áreas de terra limítrofe com o
mar, também é preciso tratar das áreas adjacentes. Segundo estimativa,
75% da pesca nos Estados Unidos depende, em algum momento, do
ciclo vital das espécies afetadas nos estuários dos rios.382
Se o aumento do nível do mar é a principal explicação para o cres-
cimento do número de refugiados ambientais, outros apontam que o
incremento geral das temperaturas, o avanço dos desertos, a escassez
da água e a poluição também devem ser considerados.383 Um dos da-
nos previsíveis desse acúmulo de circunstâncias será a migração em
massa em busca de regiões mais tranquilas, fundamentalmente no
Norte – Canadá, Rússia, países escandinavos –, mas também, como
já assinalei, no Sul do planeta – Chile, Argentina, África do Sul,
Austrália, Nova Zelândia. American Exodus [Êxodo americano], o li-
vro de Giles Slade, parte da premissa de que a migração em massa de
mexicanos para os Estados Unidos, a partir de 1982, é um primeiro
estágio dos fluxos migratórios que conduzem pessoas para o norte
em busca de condições climáticas melhores.384

2. A energia. Já sabemos que uma das explicações para o colapso


se refere às fontes de energia, sua escassez e consequente encareci-
mento das matérias-primas. Temos que nos preparar para enfrentar

381 BROWN, 2011, op. cit., p. 75.


382 HOLY, N. Deserted Ocean: A Social History of Depletion. Bloomington: Au-
thorHouse, 2009, p. 132.
383 BROWN, 2011, op. cit., p. 75-80.
384 SLADE, G. American Exodus: Climate Change and the Coming Flight for
Survival. Gabriola Island: New Society, 2013, p. XIV.

102
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

os efeitos do esgotamento do petróleo, do gás natural, do carvão e


do urânio, com consequências dramáticas sobre toda a economia na
forma de cortes no fornecimento de eletricidade, gás e água (tanto
nas cidades como no campo) e de problemas crescentes nos sistemas
de saneamento. Ainda que seja verdade que a carência das maté-
rias-primas energéticas diminuirá, numa primeira leitura, o nível das
agressões que dão origem à mudança climática, essa diminuição não
ocorrerá na intensidade desejável e nem com a urgência necessária.
O esgotamento das fontes de energia afetará de maneira visível
os sistemas de transporte e de fornecimento e, também, a poderosa
indústria turística. Nessa ordem de coisas, o que primeiro se anuncia
é uma deterioração geral do transporte público e privado, que alcan-
çará também as infraestruturas correspondentes. Não apenas faltará
gasolina: haverá problemas para conservar estradas, pontes, estações
de serviço, caminhões, depósitos,385 num cenário que, acima de tudo,
se traduzirá num franco retrocesso sobre o uso do automóvel privado.
Outro aspecto importante é a substituição, verificada nas últimas dé-
cadas, das atividades econômicas tradicionais por importações, o que
terá consequências em algum momento. Os contêineres que chega-
vam por via marítima representam hoje 90% do comércio mundial,386
mas já não estarão disponíveis. Isto provocará a ruptura de cadeias
de fornecimento de diversos produtos, dentre eles os alimentos, que
ficarão mais caros. Em certo sentido, a ruptura de muitos dos pro-
cedimentos de transporte provocará a quebra do próprio processo
globalizador, num caminho de genuína desglobalização, descrita por
muitos especialistas. Cabe predizer, ainda, que haverá certa recupe-
ração de setores econômicos de países do Norte, como a siderurgia,
por exemplo, que se veem prejudicados pela deslocalização e pelo
barateamento dos custos de transporte, em proveito de economias
mais autossuficientes, que farão um uso maior da força de trabalho,
de matérias-primas locais e de práticas de reciclagem e reparação.387

385 GREER, 2008, op. cit., p. 87.


386 KREPINEVICH, A. F. 7 Deadly Scenarios: A Military Futurist Explores War
in the 21st Century. New York: Bantam, 2009, p. 240.
387 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 154-155.

103
Carlos Taibo

Previsível é, em suma, que o turismo busque destinos mais seten-


trionais.388 Sua crise será também a das companhias aéreas, pois mui-
tos aeroportos terão que fechar, assim como boa parte do transporte
marítimo, sem que deixe de haver efeitos sobre o próprio transporte
terrestre. Apenas o trem e o transporte fluvial sairão ganhando com-
parativamente mais espaço em um cenário no qual o uso do automó-
vel privado retrocederá significativamente.

3. Centralização e tecnologia. Graças à escassez de energia, todo


o universo de centralização e de tecnologia entrará em crise na so-
ciedade pós-colapso. E com essa crise se manifestarão infindáveis
problemas no que diz respeito à preservação de muitas das estrutu-
ras de poder e dominação hoje existentes. Essa circunstância, como
tentarei explicar mais adiante, será um dos previsíveis obstáculos na
implantação do projeto ecofascista.
O colapso colocará em evidência diversos problemas em maté-
ria de armazenamento, processamento e distribuição de informação.
Os efeitos serão singularmente significativos nos Estados opulentos
do Norte, pois essas tarefas ficaram, quase exclusivamente, em suas
mãos, enquanto a produção de bens e a geração de serviços foi tras-
ladada para os países do Sul.389 Em relação a essas disputas, somos
obrigados a recordar que vivemos sob o domínio de uma crença: a
de que as tecnologias informáticas têm reduzido sensivelmente as
exigências em matéria de fornecimento energético. Ainda que possa
haver algo de verdade nisso, o surgimento dessas tecnologias está
estreitamente vinculado à era do petróleo barato.390 É fácil prever, em
qualquer caso, a manifestação de graves problemas para a Internet,
que depende de grandes nodos de conexão e armazenagem de infor-
mação, cada vez mais difíceis de manter. Uma conjuntura delicada

388 KOHN, M. Turned Out Nice: How the British Isles will Change as the World
Heats Up. London: Faber and Faber, 2010, p. 14.
389 GREER, J. M. The Wealth of Nature: Economics as if Survival Mattered. Ga-
briola Island: New Society, 2011, p. 155.
390 Ibidem, p. 156.

104
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

será disparada em matéria de estabilidade e de potência elétrica, e


também no que diz respeito à manutenção das infraestruturas.391
Greer considera que no pós-colapso é possível que o governo –
não sabemos, certamente, se existirá algo que merecerá tal nome – se
encarregue de garantir a manutenção, de alguma forma, da Internet,
que provavelmente será precária.392 Cabe supor, em qualquer caso,
que o uso da web recuará sensivelmente. É lícito adiantar, contudo,
que as estratégias de manipulação e de uniformização da informação,
hoje ao alcance dos meios de comunicação do sistema, encontrarão
um freio, e é lógico que o conhecimento relativo ao que ocorre em
lugares distantes recue sensivelmente (algo que, no sentido contrário,
pode se converter, certamente, numa ferramenta a serviço de no-
vas manipulações). Não se pode descartar, entretanto, que para além
das restrições das operações tecnológico-energéticas, a limitação do
uso de Internet se converta numa operação premeditada, urdida por
diferentes instâncias de poder. Como boa parte da economia con-
temporânea depende estreitamente de processos centralizados que
reivindicam o concurso de procedimentos complexos nos setores
tecnológico e energético, o natural é que, aqui também, assistamos a
um colapso paralelo.
Fernández Durán e González Reyes concluem que, no melhor
dos casos, passaremos da era da Internet para a do rádio.393 As difi-
culdades de preservação da rede elétrica terão consequências visíveis,
não apenas sobre os meios de comunicação, mas também sobre ins-
tâncias tão díspares como os bancos, a distribuição de água, os hos-
pitais, as fábricas, os trens e os serviços administrativos.394 Tudo isso
se somará à imaginável perda de controle em áreas muito delicadas
como as da genética, a nanotecnologia e a robótica, e também sobre
os efeitos bem conhecidos da Internet que, em sua dimensão nega-
tiva, tem provocado muitas vezes uma infantilização da população,

391 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 291-292.
392 GREER, 2011, op. cit., p. 157.
393 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 292.
394 Idem.

105
Carlos Taibo

uma progressiva dissolução de identidades e o retrocesso de mui-


tos hábitos culturais respeitáveis. Além da rede e seus tentáculos, o
que cabe prever é uma grave deterioração de muitos dispositivos.
­Servigne e Stevens recordam que, no calor da crise de 2008, redu-
ziu-se a atividade dos trens alemães e, como resultado, muitos vagões
e locomotivas deixaram de operar. A decisão de voltar a colocá-los
em funcionamento, um ano depois, teve custos enormes de manu-
tenção.395 O mesmo cabe dizer das vias férreas e das estradas. Com
prudência, temos que falar de um risco imenso – evidente na agri-
cultura, mas também na indústria – de perda de conhecimentos bá-
sicos. Muitos dispositivos já não são reparados, e quem no passado
se envolveu na tarefa de reparação comumente não conhece os novos
dispositivos, marcados por tecnologias que dificilmente maneja.

4. O Estado em crise. A sociedade pós-colapso enfrentará proble-


mas severos em matéria de manutenção das instituições políticas, dos
próprios Estados e de sua dimensão territorial, e, em muitos casos,
haverá uma proliferação de Estados falidos, incapazes de satisfazer
às necessidades mais elementares. Não está claro, por outro lado, se
ficarão os termos geográfico-políticos que hoje são empregados para
descrever as diferentes realidades territoriais. Caso sejam mantidos
esses termos, não terão um significado diferente do que hoje lhes
outorgamos?
É provável, sim, que as velhas instituições intentem reagir com
fórmulas hiper-repressivas que, no entanto, seriam dificultadas, em
sua implantação, pelo próprio colapso. Cabe intuir, de qualquer modo,
que será produzida uma tensão entre fluxos centralizadores e hiper-
controladores – as características do ecofascismo, do qual nos ocupa-
remos mais adiante – e fluxos descentralizadores e libertadores. Não
há sequer um motivo para concluir que os primeiros obedecerão ao
propósito de garantir o bem-estar de todos, mas muitos para deduzir
que atenderão ao objetivo de preservar os privilégios de poucos. Tam-
pouco convém descartar a proliferação de miniestados que intentem
reproduzir, em âmbitos reduzidos, a lógica – inclusive a repressiva

395 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 196.

106
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

– dos Estados tradicionais, do modo como ocorreu em determina-


dos lugares da Europa no século XII nos movimentos urdidos pela
nobreza e pela Igreja frente ao que significavam as cidades livres.396
A instituição Estado terá que enfrentar, por outro lado, uma agu-
da crise fiscal: as entradas serão reduzidas sensivelmente ao mesmo
tempo que o gasto aumentará – resgates, subsídios de desemprego,
conta de luz, manutenção de infraestruturas –, num cenário em que
a dívida e as limitadas capacidades de financiamento serão decisi-
vas. Uma das previsíveis consequências será a quebra dos distintos
monopólios, formando o que Fernández Durán e González Reyes
chamam de “Estado-nação fossilista”: o da elaboração das leis, o dos
serviços públicos, o da regulação do dinheiro ou, inclusive, o da arre-
cadação de impostos.397 Nos bastidores, é fácil que se revelem, como
agora, inquietantes confusões entre o público e o privado. Sobre os
aparentes fortalecimentos do setor público – para impor a ordem ou
restaurar algum tipo de regulação da economia –, o mais provável é
que sejam em proveito dos interesses privados. Como bem se pode
imaginar, é de esperar também uma ativa privatização de serviços
policiais e de segurança, dificilmente distinguíveis, em muitos casos,
de bandos criminosos e grupos armados. O mais plausível, contudo,
é que proliferem diferentes instâncias que, descentralizadas, tenham
uma estrita dimensão local. Os procedimentos de planejamento do
futuro experimentarão, entretanto, um encurtamento, de tal forma
que muitas instituições, simplesmente, viverão o dia a dia sem se
preocupar com o futuro.
O cenário de que me ocupo pode ser acompanhado de outros
dois elementos. O primeiro proporciona uma quebra dos meios de
comunicação, o que, presumivelmente, não impedirá que a informa-
ção seja muito maior do que a registrada em situações do passado
que guardam algo de parecido com o mundo do colapso, como é o
caso do que aconteceu durante a gripe espanhola de 1918.398 O se-

396 ORLOV, D. The Five Stages of Collapse: Survivor’s Toolkit. Gabriola Island:
New Society, 2013, p. 139.
397 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 281.
398 KREPINEVICH, 2009, op. cit., p. 98.

107
Carlos Taibo

gundo trará o auge dos movimentos religiosos, sem que fique claro
se terão um caráter disperso e local ou se, pelo contrário, haverá
um fortalecimento das organizações tradicionais. Kunstler entende
que, enquanto as grandes empresas perecerão, não sucederá o mes-
mo com as igrejas, que bem poderão assegurar o seu poder até se
converterem nas únicas das velhas instâncias que sobreviverão.399 É
fácil, como se pode intuir, que ganhem terreno, também, movimen-
tos racistas e xenófobos.

5. A violência. A sociedade do pós-colapso se verá constantemen-


te marcada por uma violência geral acompanhada de desengano, so-
frimento, privação de posse e raiva.400 Entre as principais vítimas
dessa violência cabe supor que se encontrarão, então como agora, as
mulheres,401 num quadro de fortalecimento das regras da sociedade
patriarcal e, também, de crescente estratificação e hierarquização. Já
fiz referência ao risco de uma extensão da delinquência e dos bandos
criminosos.
Outra manifestação da violência assumirá a forma de agressões
dos Estados do Norte e de algumas das economias emergentes em
busca de matérias-primas energéticas, de água e de terras cultiváveis.
Já sabemos que o cenário geral será de uma desaforada competição
internacional para tomar posse de recursos escassos e, em particular,
dos vinculados com a energia. A isso se somarão, previsivelmente, as
consequências de uma multiplicação de guerras civis, com a proli-
feração nuclear nos bastidores. Certo é que, quanto mais agressivas
forem as forças armadas dos países, mais estes padecerão do esgota-
mento das matérias-primas energéticas.
É difícil que sobrevivam, entretanto, ao menos com seus perfis
atuais, instâncias internacionais como a Organização das Nações
Unidas, o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Mun-
dial. Isso à parte, os procedimentos de aparente ajuda externa que

399 KUNSTLER, 2005, op. cit., p. 259.


400 BAKER, C. Navigating the Coming Chaos: A Handbook for Inner Transition.
New York: iUniverse, 2011, p. 489.
401 Ibidem, p. 50.

108
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

hoje, bem ou mal, conhecemos, e entre eles a cooperação para o de-


senvolvimento, a assistência em casos de desastre ou as próprias ope-
rações que se autodefinem como de manutenção ou criação de paz,
perderão, na lógica, parte de seu vigor contemporâneo.402

6. A tessitura econômica geral. Com toda evidência, a sociedade


pós-colapso se caracterizará por um significativo retrocesso em ma-
téria de crescimento econômico, vinculado estreitamente aos danos
da mudança climática e dos aumentos de preços das matérias-primas
energéticas. O fechamento em massa de empresas dará lugar a um
desemprego generalizado, a uma provável expansão do trabalho em
tempo parcial, a salários cada vez menores e a jornadas laborais exte-
nuantes. Como cabe esperar nessas circunstâncias, os resquícios dos
estados de bem-estar vão se diluir em nada, como também acontece-
rá com muitos dos sistemas de pensões. Para completar o panorama,
os preços dos produtos básicos aumentarão e, claro, as dificuldades de
acesso a estes se incrementarão.
Em semelhante cenário, ficarão visivelmente desnudas as disfun-
ções e incapacidades do mercado, enquanto se tornará ostensiva uma
bancarrota geral dos sistemas econômico e financeiro, e também do
sistema fiscal. Ao amparo de uma crise sem fundo da sociedade de
consumo, e da própria condição dos consumidores, é de se esperar
que se verifiquem, claro, mudanças antropológicas radicais. O que
tem dado sentido a muitas economias se diluirá da noite para o dia403
num magma de relações humanas muito díspares. Tanto pode se
imaginar um cenário de compreensão e de apoio mútuo, como ou-
tro, marcado por uma agressividade extrema derivada de um mundo
visivelmente hostil.

7. O sistema financeiro. No que se refere à derrocada do sistema


financeiro, a primeira coisa que se deve comentar é que, na ausência
de um vital crescimento econômico, o sistema correspondente entrará

402 ORLOV, 2013, op. cit., p. 196.


403 CRARY, D. The Kunstler Cast: Conversations with James Howard Kunstler.
Gabriola Island: New Society, 2011, p. 84.

109
Carlos Taibo

em quebra. As dívidas se estenderão e, com elas, a perda de confiança


no sistema como um todo. É esperado, ademais, que na sociedade do
pós-colapso os bancos deixem de funcionar, ao mesmo tempo que o
dinheiro, que perderá boa parte de sua condição de meio de troca,
começará a faltar; as poupanças acumuladas de nada servirão. O de-
saparecimento do dinheiro pode ter, ainda assim, efeitos díspares. Se
esta perspectiva se converterá num obstáculo decisivo para a implan-
tação cotidiana de práticas de usura, suborno ou fraude, outra diferen-
te pode ser um estímulo para estas práticas. Em geral, a confiança nas
instituições, públicas e privadas, e nas próprias pessoas, se desvane-
cerá. Em compensação, serão fortalecidos os vínculos com as pessoas
mais próximas e que, em consequência, merecem essa confiança.
Há que se acrescentar que as companhias de seguro, submetidas a
um sem-fim de demandas, também quebrarão. Ao mesmo tempo, se
produzirão graves alterações no mercado imobiliário, pois em con-
sequência da inadimplência de hipotecas e aluguéis, muitas ações de
despejo irão proliferar.

8. Uma crise social muito aguda. Já fiz referência à previsível quebra


sistemas de previdência. Convém que se faça agora menção ao que
acontecerá com a saúde e a educação. Ainda que, no que se refere à
segunda, seja fácil intuir uma rápida descapitalização acompanhada
de ativas estratégias privatizadoras, as consequências mais dramáti-
cas afetarão a primeira. Cabe anunciar que os hospitais ficarão sa-
turados, sobrecarregados por déficits de energia e pelas dificuldades
de manter tecnologias complexas,404 e marcados pela ausência de
profissionais, de medicamentos e de vacinas. Em muitos lugares,
apenas sobreviverão os serviços de urgência, superlotados e mal apa-
relhados. A redução dos orçamentos dedicados à saúde coincidirá
com a manifestação de novas enfermidades e com o reaparecimento
de outras que se acreditavam erradicadas. Enfermidades como o có-
lera, a disenteria e o tifo se estenderão. Em termos gerais, haverá que
falar do regresso a condições de saúde próprias dos séculos XVIII

404 ORLOV, 2013, op. cit., p. 198.

110
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

e XIX,405 com aumentos importantes na mortalidade infantil e na


mortalidade provocada por enfermidades infecciosas, e, em geral,
por um estado de saúde relacionado com o alcoolismo, as drogas, a
violência e a desnutrição.406
Boa parte dos serviços de saúde anteriores ao colapso serão pre-
servados, porém em hospitais privados que, em muitos casos, estarão
militar ou policialmente protegidos.
As principais vítimas do cenário descrito serão, naturalmente, as
crianças407 e os idosos. Em relação aos primeiros, é possível que se
produzam, como reação, frequentes condutas hiperagressivas.408 Mas
também estarão entre os perdedores os integrantes das minorias de
origem estrangeira, pobres e condenados a padecer das consequên-
cias de surtos de racismo e xenofobia. Dificilmente nos surpreenderá
que nesta lista de prejudicados despontem as mulheres, que confor-
me certa percepção serão vítimas de agressões ainda maiores que as
que hoje padecem em todos os âmbitos.409 Sofrerão os efeitos do
empobrecimento geral, perderão seus postos de trabalho, seguirão
recebendo salários inferiores e encabeçarão muitas famílias monopa-
rentais. Não alcançarão, como é habitual, os escalões superiores nas
empresas e no que restar das administrações públicas. E, tal e qual já
sugeri, muito vulneráveis,410 serão as principais vítimas de uma vio-
lência que se anuncia ainda maior que a de hoje.

9. As cidades. Qualquer reflexão sobre as cidades na era do pós-


-colapso deve partir de uma certificação do prévio crescimento des-
mesurado das mesmas. No princípio do século XX, apenas 2% da
população mundial vivia em cidades. Se no ano 2000 a porcentagem
correspondente era de 50%, algumas estimativas afirmam que, se não

405 GREER, 2008, op. cit., p. 100.


406 Idem.
407 Ver BAKER, C. Love in the Age of Ecological Apocalypse: Cultivating the Rela-
tionships We Need to Thrive. Berkeley: North Atlantic Books, 2015, p. 21 et seq.
408 HEINBERG, 1996, op. cit., p. 52.
409 BAKER, 2015, op. cit., p. 47.
410 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 216.

111
Carlos Taibo

mudar o panorama, em 2050 essa porcentagem poderá situar-se em


75%.411 Nesse processo de crescimento das cidades, o último acon-
tecimento foi, talvez, a decisão chinesa, nas últimas décadas, de des-
montar o esquema de preservação da vida rural em proveito de uma
nova articulação de grandes urbes.412
As cidades saíram demasiadamente do nosso controle. Mui-
to distantes elas se acham da condição dos burgos medievais que
Lewis Mumford admirava, produtos de uma história muito longa
e compassada, de dimensões reduzidas, que permitiam aos cidadãos
caminharem para qualquer um de seus lugares, com ruas irregulares
e um espaço central no qual as pessoas se viam, se reuniam, falavam
e comercializavam, num cenário marcado por uma vida comunal e
associativa. Além desse horizonte, acabou por se impor a cidade bar-
roca e imperial, a da disciplina e do poder, impregnada de linhas re-
tas e coordenadas visuais, rigorosa e geométrica, expressão da era da
exploração e do auge dos Estados-nação, da autoridade centralizada,
das burocracias e dos exércitos.413 Bookchin recorda que “na socieda-
de burguesa, a comunidade se dissolve entre manadas que competem
entre si e se vê permeabilizada por uma mediocridade espiritual que
escraviza e gera insegurança e unilateralidade”414. Um dos traços das
cidades anteriores às da era barroca e imperial era a fusão com o
campo. O crescimento do intercâmbio acabou, no entanto, com as
velhas relações e permitiu que o mercado se convertesse no centro
da vida econômica.415 Ao converter os seres humanos em máquinas,
instalaram-se a monotonia e o tédio, enquanto a vida social e cívica
se deteriorava.416
Paquot lembra que a cidade do passado, acessível a todos, foi inva-
dida por um sem fim de hábitos seletivos e segregadores, de tal forma

411 CHEW, 2008, op. cit., p. 84.


412 PAQUOT, T. Désastres urbains: Les villes meurent aussi. Paris: La D
­ écouverte,
2015, p. 12.
413 BIEHL, J. Mumford Gutkind Bookchin: The Emergence of Eco-Decentralism.
Porsgrunn: New Compass, 2011, p. 13-14.
414 Citado por BIEHL, 2011, op. cit., p. 17.
415 BIEHL, 2011, op. cit., p. 18.
416 Ibidem, p. 19-20.

112
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

que em seu interior foram forjados fortes residenciais autárquicos. A


cidade perdeu seu eventual caráter hospitaleiro, aberto e generoso.
Não apenas isso: entregou-se a uma genuína invasão das terras limí-
trofes, a ambiciosas operações de desvio dos rios, à geração de mon-
tanhas de resíduos, a uma formidável e enlouquecida expansão das
estradas limítrofes e, em suma, a um inquietante exercício de mer-
cantilização de todas as relações que nos distancia da identificação de
um espaço comum e propicia uma “cidade privada”417. A propriedade
privada e o automóvel marcam poderosamente a derrota das cidades
em detrimento dos espaços públicos e do transporte coletivo e geram
relações pessoais cada vez mais difíceis num entorno marcado pelo
dinheiro e pela comunicação mecanizada.418 As cidades são o cenário
mais adequado para a implantação da democracia representativa e
das oligarquias políticas.419 O próprio Paquot, que se guia neste caso
pelas análises de Mumford, tem-se referido ao trânsito que parte
da “polis” grega para as “metrópoles”, para as “megalópoles”, para as
“parasitópoles” do capitalismo despudorado, para as “patópoles” das
grandes aglomerações e, por fim, em pleno imaginário do colapso,
para as “necrópoles”.420
Dificilmente nos surpreende o fato de que as cidades são, do
ponto de vista ecológico, recintos muito problemáticos: maiores
consumidoras de energia, produtoras manifestas de CO2 e respon-
sáveis pelo esgotamento de recursos minerais básicos, pela conta-
minação e pelas agressões contra os solos, além de que, no início
do século XXI, absorviam 75% da energia mundial e geravam cerca
de 80% das emissões de gás de efeito estufa.421 As grandes cidades
são, em muitos casos, mais um produto da era do petróleo barato.422
Os meios urbanos têm experimentado um trânsito desde a produ-
ção de bens até a de mercadorias.423 São hoje o núcleo principal de

417 PAQUOT, 2015, op. cit., p. 132-133.


418 HEINBERG, 1996, op. cit., p. 23.
419 Idem.
420 PAQUOT, 2015, op. cit., p. 164.
421 Ibidem, p. 12.
422 KUNSTLER, 2012, op. cit., p. 47.V
423 PIGNATTA, V. L’insostenibile leggerezza dell’avere. Bologna: EMI, 2009,
p. 257.

113
Carlos Taibo

implantação da lógica do consumo, de tal forma que separar este


daquelas se mostra uma operação pouco afortunada. E configuram
o cenário no qual têm ganhado terreno, com maior vigor, as políticas
de privatização, por um lado, e de repressão e controle, por outro.
Oferecem mais espaço para a instalação de megaprojetos e para am-
pliar fórmulas que visam à aniquilação das marcas da natureza. Ain-
da que não haja nenhuma dificuldade em admitir que esse tipo de
aberração se manifesta mais claramente nas cidades estadunidenses
que nas europeias, não deixa de surpreender a idealização da vida
cotidiana de muitas destas últimas, que se revela nos textos de tantos
autores norte-americanos.424
Embora o número de habitantes de uma cidade não seja um dado
definitivo na hora de determinar se ela é viável ou não, não há nenhu-
ma dúvida de que não são viáveis nem as megalópoles, nem muitos
centros urbanos que excedem os 200.000 habitantes. O critério de
definição da inviabilidade é, por demais, nebuloso, de tal forma que
há estudiosos que estimam que acima dos 20.000 habitantes muitos
dos problemas seriam não encaráveis em caso de colapso. São escas-
sos, de qualquer modo, os exemplos de cidades nas quais o habitat
possa ser saudável, o transporte coletivo adequado, a dependência do
petróleo pequena e a relação com o meio rural fluida.
Uma aproximação do perfil da cidade pós-colapso foi realizada
por Ugo Mattei, que recorda o que ocorreu em Nova York quan-
do, por efeito de um apagão, a megalópole esteve sem eletricidade
durante vários dias. Houve quem morresse de fome, os caixas auto-
máticos e os cartões de crédito deixaram de operar, a falta de con-
fiança entre os vizinhos reduziu as possibilidades de socorro mútuo
e o deslocamento por distâncias respeitáveis se fez impossível. Pela
primeira vez, muitos nova-iorquinos se deram conta da importância
da cooperação e do quão delicadas são muitas das dependências que
se estabelecem nas sociedades complexas.425 Se a deterioração das re-
lações humanas é um indicador fidedigno da condição de vida, tanto
nas cidades que antecedem o colapso como nas que se seguirão a este,

424 Ver, por exemplo, KUNSTLER, 2005, op. cit., p. 96.


425 MATTEI, U. Beni comuni: un manifesto. Bari: Laterza, 2012, p. 66.

114
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

outras consequências relevantes serão a ingovernabilidade, a quebra


do grosso das relações econômicas, a extensão dos problemas sociais
e o geral retrocesso do público.
Cabe entender que as conjunturas delicadas em matéria de gover-
nabilidade nos espaços urbanos aumentarão num cenário no qual se
farão presentes com singular força, maior ainda que hoje, os serviços
de segurança privada e as redes do crime organizado. Parece plausí-
vel, no entanto, que os próprios sistemas de vídeo-vigilância venham
abaixo e, com eles, muitos instrumentos de controle. Já fiz referência
ao panorama das relações econômicas, lastreado pelo fechamento de
numerosas empresas, o desemprego, significativas reduções nos salá-
rios, mercadorias que não chegam e instituições financeiras na ban-
carrota. Os problemas sociais aumentarão, mesmo em detrimento
dos que já existem em relação às mulheres, crianças e idosos. E com
eles hão de vir as desigualdades, tanto que o lógico é que proliferem
ilhas de prosperidade, hiperprotegidas, em proveito das classes pu-
jantes. Ficarão evidentes, ademais, as consequências do desapareci-
mento, graças a uma descarada aposta pela vida privada, de espaços
públicos e sociais.426 E outro tanto ocorrerá com os efeitos, dramáti-
cos, sobre a aposta realizada no passado em benefício dos megapro-
jetos e, em particular, de gigantescos centros comerciais, comumente
localizados longe dos núcleos urbanos tradicionais. A dependência
que os megaprojetos e centros comerciais mostram em relação a altas
tecnologias com caráter energético anuncia que o que foi o produto
de uma busca obscena por benefício se converterá, na era do colapso,
numa fonte de problemas inevitáveis.427
É verdade, ainda assim, que nem todas as cidades responderão ao
colapso da mesma forma. Ficarão piores aquelas em cujas proximi-
dades faltam superfícies agrícolas e cuja água deve ser transportada
de lugares mais ou menos distantes. Resistirão melhor, no entanto,
as cidades mais tradicionais e mais velhas, em boa medida porque
manifestam menor dependência no que toca a tecnologias recen-

426 CRARY, 2011, op. cit., p. 29.


427 PAQUOT, 2015, op. cit., p. 80.

115
Carlos Taibo

tes e matérias-primas energéticas.428 A muitos dos subúrbios – que,


para Kunstler, configuram a maior manifestação de designação equi-
vocada de recursos da história429 – das cidades grandes e a muitas
cidades-dormitório caberá, talvez, a pior parte. Ao amparo de sua
dramática dependência para com a era do petróleo barato, ficará em
evidência a louca falta de previsão de quem planejou esses espaços,
na maioria das vezes irrecuperáveis ou necessitados de investimentos
tão gigantescos quanto impensáveis.430 Do mesmo modo, dificilmen-
te surpreenderá a afirmação de que muitos dos habitantes dos meios
urbanos procurarão abrigo, em condições delicadas, em meios rurais
próximos ou distantes.
É bem ilustrativo da futura deriva de muitas cidades a derrocada
contemporânea de Detroit, nos Estados Unidos. Centro da indústria
automobilística norte-americana, Detroit veio abaixo após a crise de
2008 para se converter no que Charlie LeDuff descreve como um
“sarcófago pós-industrial”431. O que era a vanguarda do “modo de
vida norte-americano” se converteu numa massa disforme de fábricas
e casas abandonadas, povoada por pessoas esquecidas e sem trabalho.
O próprio LeDuff diz que Detroit é o primeiro caso de um colapso
urbano ao qual seguramente outros seguirão.432 Claro que a crise de
Detroit vem de antes, num cenário marcado pelas maiores taxas de
assassinatos nos EUA por causa de um conflito racial não ocultado e
de uma progressiva redução da população.433

10. O meio rural. No que diz respeito ao meio rural, primeiramen-


te convém anotar o que em muitos lugares são as sequelas de uma
péssima gestão dos solos: o pastoreio extensivo acabou com muitos

428 KUNSTLER, J.H. The Geography of Nowhere: The Rise and Decline of Ame-
rica’s Man-Made Landscape. New York: Touchstone, 1994, p. 140.
429 GREER, 2009, op. cit., p. 125.
430 KUNSTLER, 2012, op. cit., p. 46.
431 LeDUFF, C. Detroit: An American Autopsy. New York: Penguin, 2014, p. 3.
432 Ibidem, p. 4.
433 BINELLI, M. The Last Days of Detroit: Motor Cars, Motown and the Collap-
se of an Industrial Giant. London: Vintage, 2014, p. 8-9.

116
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

dos elementos da cobertura vegetal, as erosões geradas pela água e


pelo vento aumentaram a vulnerabilidade das terras, num cenário
em o que os adubos químicos e os pesticidas deixaram seu rastro.
Como resultado, a agricultura e a pecuária tradicionais retrocediam
visivelmente, ao mesmo tempo em que se estendia a monocultura e
que a biodiversidade recuava.
Com base no colapso, é inevitável que se revele uma crise da agri-
cultura industrial, que por lógica dará lugar à implantação de mo-
delos menos intensivos em energia, mais diversos e mais conectados
com a satisfação das necessidades das regiões próximas.434 Aos pou-
cos, se tornará evidente a insustentabilidade da agricultura tecnoló-
gica e mercantilizada, muito dependente de subvenções, fertilizantes
e maquinaria, imersa no emprego intensivo do petróleo, lastreada
pela monocultura e empenhada na comercialização dos produtos
em lugares distantes. Os problemas serão maiores, em particular, nas
grandes explorações, nas quais a quebra da agricultura industrial, que
terá tido uma vida breve, se fará ostensiva.435
Nesta ordem de coisas, parece inviável um modelo como o retra-
tado por Yves Cochet, que lembra que a alface procedente do vale
de Salinas, na Califórnia, se desloca por estrada nada menos que
5.000 quilômetros para chegar a Washington, consumindo 36 vezes
mais energia – em forma de petróleo – do que contém em calorias.
Quando a alface chega, enfim, a Londres, terá consumido 127 vezes
mais energia do que corresponde às calorias que incorpora.436 Mas
também será inviabilizado o modo abraçado pela Política Agrária
Comum (PAC), empenhada em garantir a soberania alimentar da
União Europeia: ainda que essa soberania tenha sido alcançada no
que se refere às cifras globais, as fórmulas aplicadas alteraram com-
pletamente o esquema, razoavelmente autárquico, das economias lo-
cais, que hoje, de modo algum, poderiam se mostrar autossuficientes
num cenário de colapso.437 Como era de se esperar, os responsáveis

434 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 158.


435 KUNSTLER, 2005, op. cit., p. 242.
436 LATOUCHE, S. Vers une société d’abondance frugale: Contresens et contro-
verses sur la décroissance. Paris: Fayard, 2012, p. 78-79.
437 Baily em SERREAU, 2012, op. cit., p. 84.

117
Carlos Taibo

da União Europeia têm outorgado formidáveis subvenções a um


punhado de privilegiados, enquanto reduziam as possibilidades ao
alcance das coletividades locais.
Ainda que pareça fora de discussão que, em termos gerais, após
o colapso o mundo rural será mais suportável do que o urbano, con-
vém não idealizar a situação característica do mesmo. As dificuldades
para deixar para trás o cenário da mecanização e da mercantilização,
as sequelas, em muitos lugares, do aumento dos incêndios e do des-
matamento, e os efeitos do geral envelhecimento da população serão
somados aos derivados de uma chegada, que se anuncia em massa, de
habitantes procedentes das cidades. Nessas condições, sobram razões
para afirmar que resistirão melhor as comarcas com baixa densidade
populacional, com água e de vida rural sólida, como também as mais
distantes dos centros urbanos mais populosos.

11. A população. Não é possível responder uma pergunta relativa a


quantos seres humanos poderão viver nas condições do pós-colapso.
E não é porque a resposta correspondente depende de quais sejam as
características precisas dessa nova etapa e qual a natureza da reação
que se desenvolva. Como mais adiante veremos, a discussão demo-
gráfica apresenta perfis muito diferentes se nossa opção for pelos
movimentos pela transição ou, pelo contrário, se houver a ascensão
do que nesta obra entendermos como ecofascismo.
Graças ao incremento da mortalidade, inclusive a infantil, e ao
descenso da natalidade, o lógico será prever que a sociedade pós-
-colapso se caracterizará por uma redução do número de habitantes.
Essa redução será produto do cenário propiciado pela mudança cli-
mática, pela crise econômica geral, pela expansão das enfermidades,
pela deterioração do sistema de saúde, por uma alimentação defi-
ciente e, enfim, pela ausência de projetos de futuro.

12. Quem vai se dar bem? Não é fácil responder a uma pergunta
relativa a quem vai se sair bem e quem, pelo contrário, perderá no
colapso. Tem sentido, ainda assim, formular duas ideias gerais. Se a
primeira tenta identificar os âmbitos nos quais os problemas encon-

118
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

trarão um relativo freio, a segunda procura chamar a atenção para o


que se entende como paradoxos vinculados com o que, numa leitura
inicial, são cenários de prostração e pobreza.
Conforme a primeira dessas aproximações, pode-se concluir que,
no que diz respeito à crise provocada pela escassez das matérias-
-primas energéticas, se darão melhor as pessoas de rendas altas, as
administrações com finanças saudáveis, os lugares que mostram uma
baixa dependência em relação aos combustíveis fósseis, os que utili-
zam a energia de maneira mais eficiente, os que implantaram fontes
renováveis de energia, os que têm economias menos abertas, os que
exibem um tecido econômico diversificado e, enfim, os que podem
presumir de uma significativa coesão social.438 Para efeito, também
serão fatores positivos a disponibilidade de capital, a existência de
reservas de combustíveis e de outros recursos importantes, um im-
pacto reduzido das consequências da mudança climática, o peso dos
valores coletivos e, em suma, uma baixa densidade populacional.439
No que, de fato, se refere aos países do Sul, e interesso-me pela
segunda das considerações anunciadas, a situação será mais sustentá-
vel no caso de que disponham de sistemas ferroviários razoavelmente
assentados – ocorre na maioria das velhas colônias britânicas e nas
antigas repúblicas soviéticas – e quando boa parte da eletricidade
consumida for de origem hidroelétrica.440 Também resistirão melhor
os países menos industrializados, as economias menos dependentes
do exterior e, sobretudo, os produtores de matérias-primas energé-
ticas (serão vítimas, porém, do esgotamento progressivo destas e se
converterão em objeto da cobiça alheia). Países como Zâmbia e Ma-
lawi, que têm sabido desenvolver uma agricultura ecológica, padece-
ram muito menos dos efeitos dos problemas alimentares provocados
pela crise de 2008 pelo fato de sua conexão com a economia mundial
ser bastante frágil.441

438 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 133.


439 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 261.
440 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 311.
441 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 195.

119
Carlos Taibo

A Península Ibérica
Agregarei algumas breves apreciações sobre o cenário previsível na
Península Ibérica no caso do colapso. Como muitas das consequên-
cias planetárias às quais acabo de me referir são de aplicação estrita
na área geográfica mencionada, dedico este item a chamar a atenção,
exclusivamente, sobre eventuais elementos singularizadores.
Um primeiro dado importante obriga à identificação das seque-
las de uma herança muito delicada que reúne, no caso espanhol,
o abandono das energias renováveis, o exagerado consumo de ele-
tricidade, uma escassa eficiência energética, uma lamentável aposta
pela alta velocidade ferroviária e das rodovias e um escasso emprego
do trem no transporte de mercadorias.442 Uma herança à qual se
adicionam os efeitos de uma baixa produção de matérias-primas
energéticas acompanhada de um alto consumo de petróleo, com ca-
pacidades de financiamento muito limitadas e com uma dívida nos
bastidores. Nessas condições, o esperado é que se produza uma geral
deterioração das estradas e do sistema ferroviário e, em particular,
das vias de alta velocidade.
A mudança climática fará valer também suas consequências, mui-
tas vezes dramáticas. A principal será um aumento particularmente
significativo das temperaturas na metade meridional da Península.
Segundo certa versão dos fatos, esse aumento será mais perceptível
durante as noites do que durante o dia, maior no inverno do que
no verão e mais notável no interior do que no litoral.443 Em muitos
lugares, os verões serão insuportáveis, enquanto os invernos resul-
tarão razoavelmente toleráveis. No que diz respeito aos primeiros,
cabe destacar o antecedente dos verões quentes registrados em 2005
e 2015, com um incremento significativo da mortalidade, principal-
mente dos mais velhos. As ondas de calor serão mais frequentes, com
maiores facilidades de expansão de doenças infecciosas e a presença
crescente de cânceres. O ar condicionado estará ao alcance de uma
minoria da população, num cenário de carestia de eletricidade e de

442 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 307.


443 ACOT, 2004, op. cit., p. 261.

120
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

apagões.444 Os cortes afetarão também o fornecimento de água. As


temperaturas no sul da Península serão similares às bem conhecidas
do norte da África, com seca de rios e lagos, plantações destroçadas
pelo calor, incêndios florestais muito comuns e mudanças no que se
refere aos padrões de crescimento das plantas.445 É certo que as secas
estarão muitas vezes acompanhadas de chuvas torrenciais e de inun-
dações, igualmente nocivas, sem descartar a presença ocasional de
tormentas tropicais, que se manifestaram pela primeira vez em 2005
nas costas do sul de Portugal e na província espanhola de Huelva.
Não faltarão, tampouco, os problemas nas zonas montanhosas
próximas das grandes cidades – Guadarrama, em Madrid; Pirineus,
em Barcelona e Zaragoza; a serra da Estrela, em Lisboa; mas tam-
bém áreas próximas a localidades como Sevilha e Valência –, onde o
progressivo desaparecimento dos bosques dificultará a retenção dos
recursos hídricos num cenário no qual se espera que o volume de
água que chega às cidades será menor, em particular no verão.446 Al-
guns especialistas consideram, contudo, que é muito provável uma
redução da temperatura em Portugal, Galiza e costa Cantábrica,
como resultado do enfraquecimento progressivo da corrente do Gol-
fo, vinculado ao degelo do Ártico.
É fácil intuir, desse modo, a falência de muitos destinos turísticos
nas costas do Mediterrâneo e nos arquipélagos. Os deslocamentos
maiores de população serão destinados para o norte, tanto dentro da
Península como fora dela. Se o meio rural, em geral, acolherá as pes-
soas que fogem das cidades, cabe esperar então um renascimento das
redes de solidariedade familiar. O fenômeno alcançará cotas maiores
na parte setentrional da Península, que será receptora de muitos des-
pejados. Somam-se os efeitos da chegada de pessoas procedentes do
norte da África. Com a ordem pública em perigo, as autoridades – ou
o que restará delas – terão problemas para frear a chegada em massa
de imigrantes procedentes do sul e para encaminhar, em tempo, as
migrações internas.

444 LYNAS, 2007, op. cit., p. 75.


445 Ibidem, p. 72.
446 FLANNERY, 2006, op. cit., p. 132-133.

121
Carlos Taibo

Vale destacar, ainda que numa primeira leitura, que o cenário


ibérico não será tão tétrico como o de muitos países pobres. As de-
pendências energéticas e tecnológicas próprias de dois Estados do
Norte opulento – Espanha e Portugal –, ou do que restará deles,
multiplicarão os problemas. Como resultado, a Península não ficará
de modo algum à margem desse turbilhão de falências de empresas,
exploração laboral, empobrecimento, crise financeira, desnutrição,
deterioração da saúde e descrédito das instituições, que acontecerão
no resto do planeta.

122
4. A resposta alternativa

“Um dos grandes presentes da crise é o fato


de que nos obriga a distinguir o que é essen-
cial do que não é”
( John Michael Greer)

“Quando alguém te aponta uma arma e te


diz ‘a bolsa ou a vida’, não parece que seja
uma escolha difícil”
(Barbara Kingsolver)

O cenário do colapso pode suscitar várias respostas que discorram


desde o individualismo mais extremo até a reaparição de projetos de
cunho coletivista ou comunista. Ainda que haja individualismos não
agressivos, como o de quem procura se salvar por sua conta – constrói
bunkers, armazena víveres e outros produtos de primeira necessidade
– sem buscar em princípio nenhum mal para os demais, em termos
gerais cabe asseverar que o triunfo do individualismo confirmará os
piores prognósticos, como de uma mortalidade significativa, da rati-
ficação do padrão da luta do homem pelo homem447 e de desigual-
dades lacerantes. Nesse quadro, a distância do que diz respeito ao
ecofascismo não parece muito grande. É bem verdade que a metade
do caminho, talvez, entre as duas grandes posições de que me ocupo,
há uma terceira, que teria seu reflexo no papel que, segundo muitos
estudiosos do pós-colapso, poderia corresponder ao que chamam de
“família extensa”448.
Os movimentos que me interessam neste capítulo,449 e que iden-
tificarei genericamente como movimentos pela transição ecossocial, têm

447 GREER, 2011, op. cit., p. 191.


448 ORLOV, 2013, op. cit., p. 240.
449 Ver ASTYK, S. Depletion and Abundance: Life on the New Home Front. Ga-
briola Island: New Society, 2008; BATES, A. The Biochar Solution: Carbon Farming
and Climate Change. Gabriola Island: New Society, 2010; CHAMBERLIN, 2009,

123
Carlos Taibo

uma vocação coletiva e altruísta – após as tragédias é frequente que


proliferem condutas solidárias e colaborativas –, o que, em certo sen-
tido, remete à consideração de Dmitry Orlov: “os grupos que mos-
tram suficiente coesão social, que contam com um acesso direto aos
recursos naturais e com suficiente riqueza cultural [na forma de rela-
ções cara a cara e de tradições orais] sobreviverão, ao mesmo tempo
que os demais perecerão rapidamente”450. Não falo de comunidades
isoladas e fechadas, assentadas numa versão semicoletiva do salve-se
quem puder – lifeboat communities (comunidades de bote salva-vidas),
em inglês –: o que tenho em mente, pelo contrário, é, em muitos
âmbitos, o renascimento interconectado, de formas de propriedade
coletiva que constituam uma resposta, tanto à situação atual como ao
próprio colapso. Os integrantes desses grupos procurarão esquivar a
condição de vítimas com vistas a se converterem em sobreviventes.451
Ou, dizendo de outra maneira, buscarão fazer da necessidade uma
virtude, de tal forma que um processo de transição forçado exiba
muitos elementos de voluntariedade e desejo. É lícito imaginar que
muitas pessoas concluirão que o tipo de sociedade que preconizam
os movimentos empenhados em mudanças, como as que aqui me in-
teressam, não deve produzir rechaço, na medida em que conduz a um
horizonte mais generoso, em muitas áreas, do que temos hoje. A esse
respeito, tem-se assinalado, frequentemente, que a combinação das
relações humanas mais diretas, num entorno no qual o local desfrute
de mais peso, com determinadas possibilidades tecnológicas – isto
anoto com mais ceticismo – e com certas ferramentas de comuni-
cação, pode provocar efeitos saudáveis.452 O cenário correspondente
convida, no entanto, a discutir o bom sentido de uma velha máxima
de Marx: a que, para descrever a sociedade comunista, recomenda
que cada um contribua segundo suas capacidades e receba segundo

op. cit.; HOLMGREN, 2009, op. cit.; HOPKINS, 2008, op. cit.; HOPKINS, 2011,
op. cit.; MURPHY, 2008, op. cit.; PRIETO, 2004, op. cit.; RÍO, 2015, op. cit.; SLAU-
GHTER, 2015, op. cit.; TRAINER, 2010, op. cit. e DOLDÁN GARCÍA, 2013, op.
cit. Sobre o cenário de relações humanas e emocionais, ver BAKER, 2011, op. cit. e
BAKER, 2015, op. cit.
450 ORLOV, D. Societies that Collapse. Boston: [s.n.], 2014, p. 168.
451 BAKER, 2015, op. cit., p. 99.
452 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 19.

124
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

suas necessidades. Porque, antes, é preciso determinar o que signifi-


cam essas necessidades, ao mesmo tempo que se impõe a adaptação do
conceito à realidade do pós-colapso.
A contraposição entre individualismo e coletivismo, ou comunis-
mo, que tenho exposto, não implica, contudo, que não exista a ne-
cessidade de fortalecer a dimensão individual de muitas condutas.
A primeira coisa que temos que evidenciar, no que diz respeito às
mudanças no comportamento individual, é que estas podem ter con-
sequências maiores do que uma leitura superficial convida a concluir.
Pat Murphy calculou, por exemplo, que nos EUA 67% do consumo
energético depende de decisões individuais que se fazem valer na
área do transporte, da habitação e da alimentação.453 Muitos dos con-
selhos que remetem a mudanças importantes afetam a nossa vida co-
tidiana. Aí estão os que preconizam poupar energia, empregar fontes
renováveis, reciclar os resíduos, pensar na origem do que comemos,
relocar a economia, apostar pela sobriedade…454 Mas, tão importan-
te quanto a ação coletiva é a mudança individual.455 Por certo esta
última coloca num lugar central as mulheres, que de fato ficam a
cargo do grosso das tarefas vinculadas ao espaço da vida privada,
enquanto a pública fica genericamente nas mãos dos homens.456 É
evidente que, no processo de transição que aqui me interessa, o peso
das mulheres na resolução dos problemas, hoje enorme, aumentará.
Sharon Astyk evidencia outras dimensões do papel correspondente
às mulheres. Assim, nos Estados Unidos, nada menos que 90% das
compras realizadas nos domicílios correspondem a elas, e também
muitas das decisões relativas à locomoção e à calefação.457 O círculo
se fecha com o lembrete de que as mulheres parecem fadadas a pa-
decer com maior intensidade os efeitos da mudança climática, tanto
mais quanto são geralmente mais pobres que os homens. Entre as
camadas mais castigadas da sociedade, estão as mães solteiras e as

453 Citado por DOLDÁN GARCÍA, 2013, op. cit., p. 17.


454 ROSNAY, J. de. 2020: Les scénarios du futur. Paris: Fayard, 2008, p. 120-121.
455 ASTYK, 2008, op. cit., p. 24.
456 Ibidem, p. 25.
457 Ibidem, p. 34.

125
Carlos Taibo

anciãs. As sequelas dessa pobreza geral se fazem valer diretamente


nos descendentes imediatos, os quais outorgam para as mulheres,
novamente, um papel central no cenário da transição.
Certo é que se revelam diferentes posições ante o que hoje deve-
mos fazer. Há quem pense, por exemplo, que resistir ao colapso ou,
num sentido distinto, tentar postergar sua manifestação é um erro.
Melhor colapsar agora e evitar aglomerações, como reza com ironia
o título de um livro de Greer,458 que vem sugerir que tomar consci-
ência, antecipadamente, tem suas vantagens. Quem abraça posições
como essa estima que, sem o colapso ou sem alguma modalidade
deste, será muito difícil que mude para melhor a conduta de muitas
pessoas. Mas há também quem veja no colapso um negócio, um ar-
remedo do capitalismo verde que se manifestaria por meio da oferta
de novos bens e serviços, da construção de bunkers e da preparação
de guias de sobrevivência.459 E há gente, enfim – volto mais uma vez
a este argumento –, que tem vivido sempre em colapso.
Tentarei prestar atenção, contudo, a algumas consequências ca-
racterizadoras da proposta, das práticas, dos movimentos pela tran-
sição. E o farei ainda com conhecimento de que essas consequências
podem ser muito diferentes, segundo os lugares em que esses movi-
mentos estão germinando.

Os perfis do projeto alternativo


1. Energia, mobilidade, matérias-primas. O cenário do pós-colapso
se caracterizará por uma menor disposição de energia. Isso se tradu-
zirá na reaparição de tecnologias e hábitos que acreditávamos fazer
parte do baú da história. Em termos gerais, ganharão espaço a ener-
gia hidroelétrica e as renováveis. Dentre estas terão maior peso as
que necessitam de menos recursos – e recursos, por sua vez, mais re-
nováveis – para sua extração. Pensemos na lenha, nos pequenos moi-
nhos de água e de vento, ou na energia solar, junto com o trabalho

458 GREER, J.M. Collapse Now and Avoid the Rush: The Best of The Archdruid
Report. [S.l.]: Founders House, 2015.
459 ORLOV, 2013, op. cit., p. 2.

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Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

humano e animal. Terão menos sorte, no entanto, os painéis solares


fotovoltaicos, as grandes turbinas eólicas e hidráulicas, ou os carros
elétricos.460 Como adiantaram Fernández Durán e González Reyes,
“a segurança energética passará pelo baixo consumo, pela produção
descentralizada, pela diversidade de fontes locais e pela capacidade
de armazenamento”461. Reaparecerão, além disso, medidas para pou-
par energia como as que apontam para o aproveitamento, nas casas,
do sol para permitir seu aquecimento. Continuará fazendo-se valer,
embora de forma limitada, o peso dos combustíveis fósseis e, em
particular, o carvão, presente em muitos lugares.
As restrições de uso de energia afetarão, claro, a mobilidade.462
Os deslocamentos serão menos numerosos, mais próximos e mais
lentos. Certo é, ainda assim, que uma parte da população assumirá
uma conduta em algum sentido nômade, e, no caso de poder fazê-lo,
talvez trocará de lugar de residência no inverno e no verão. Se im-
porá, em paralelo, o turismo de proximidade, que busca outras coisas
diferentes das que demanda o de massa, e que não depende de longos
e custosos deslocamentos. A concepção do transporte e os movimen-
tos deixaram de se considerar como um objetivo em si mesmo para
lhes devolver sua condição de instrumento a serviço de uma vida
melhor para a maioria.463
O automóvel retrocederá, sua manutenção será muito custosa e o
uso que se lhe dará, em um quadro geral de redução dos deslocamen-
tos, será muito menor que o de hoje.464 Como resultado, o emprego
de combustíveis fósseis recuará sensivelmente. Mas também vai ser
afetado o transporte público, ainda que conservem vigor o trem con-
vencional, os elétricos e as comunicações fluviais. Não se esqueça que
o transporte fluvial consome quatro vezes menos energia e emite 3,5

460 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 202-203.
461 Ibidem, p. 208.
462 Ver GILBERT, R.; PERL, A. Transport Revolutions: Moving People and
Freight Without Oil. Gabriola Island: New Society, 2010.
463 Enrique Peñalosa citado por CHAMBERLIN, 2009, op. cit., p. 73.
464 KUNSTLER, J. H. Home from Nowhere: Remaking Our Everyday World for
the 21st Century. New York: Touchstone, 1998, p. 79.

127
Carlos Taibo

vezes menos CO2 do que o transporte por estrada.465 Será eviden-


te, de qualquer modo, o absurdo dos trens de alta velocidade, que
necessitam investimentos enormes, altos consumos energéticos, são
inúteis para efeitos do transporte de mercadorias e estão voltados ao
serviço das grandes cidades e das classes ricas.
Em paralelo, os materiais mais apreciados serão aqueles que mos-
trem disponibilidade e estejam em condições de substituir os não
disponíveis. É o caso do sódio, do magnésio, do alumínio, do silício,
do potássio, do cálcio, do ferro, do hidrogênio, do carbono, do nitro-
gênio, do enxofre e do cloro.466 Uma fonte de abastecimento princi-
pal serão as cidades, convertidas em genuínas minas que fornecerão,
acima de tudo, ferro, cobre e alumínio.467

2. A tecnologia. A crise energética arruinará muitas das tecnologias


insustentáveis que hoje utilizamos. Como resultado, teremos que re-
duzir nossa dependência no que diz respeito a dispositivos como o
automóvel, a televisão, o celular ou os computadores. Ao mesmo tem-
po, verificaremos um retrocesso inevitável na pesquisa, compensado
em parte pela possibilidade de que, com o passar do tempo, sejam
recuperadas fórmulas marginalizadas em sua época – por exemplo, a
bicicleta, as pás, as blusas de lã ou a bomba alimentada com energia
solar.468 O mesmo acontecerá com muitos dos conhecimentos que
se foram com nossos avós ou bisavós, além de serem disponibiliza-
das novas tecnologias que permitam não incorrer em velhos erros.
Kunstler lembra que a Apolo 11 chegou à Lua com instrumentos
informáticos muito inferiores aos de um modesto telefone celular de
hoje em dia, sem deixar de acrescentar que o cérebro humano é um
excelente computador.469

465 PAQUOT, 2015, op. cit., p. 98.


466 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 210.
467 Ibidem, p. 211.
468 ASTYK, 2008, op. cit., p. 48.
469 KUNSTLER, 2012, op. cit., p. 242.

128
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Um bom exemplo de mudança saudável seria um maior uso da


bicicleta, a qual oferece mais vantagens em comparação com o au-
tomóvel. Vou me limitar a sublinhar que a primeira, diferentemen-
te do segundo, dura mais, não necessita altas tecnologias, pode ser
reparada com relativa facilidade e não exige energias que, além de
escassas, chegam de muito longe. Admitirei, ainda assim, que não
podem faltar incógnitas em relação ao futuro. O que será de nós, por
exemplo, sem os telefones celulares, ou com menores possibilidades
de uso deles? Assistiremos ao reaparecimento dos telefones fixos e
dos hábitos de comunicação correspondentes, com uma recuperação
paralela de formas de relação que acreditávamos perdidas? Vão-se fa-
zer valer formas do que Putnam chama cyberapartheid 470, isto é, o uso
restrito dos dispositivos, em proveito de uma minoria da população?
Ainda que não haja maiores motivos para fugir da tecnologia e da
ciência, empenhadas em satisfazer as necessidades vinculadas ao ar
e à água limpos, a uma terra fértil e ao trabalho humano,471 devemos
partir da presunção de que a ciência e a tecnologia devam ter menos
importância do que o atual discurso dominante sugere. Nesse senti-
do, há que se considerar, em particular, os efeitos desumanizadores
do reducionismo científico e as consequências, sempre lamentáveis,
do emprego da tecnologia a serviço da ambição e dos interesses co-
notados.472 É razoável supor que os países que conservam uma vida
agrícola rica e diversificada se desenvolverão melhor. Irão impor-se,
enfim, as tecnologias intermediárias, nas quais o trabalho humano
desempenhará um papel importante, e que exigirão, por outra parte,
poucos recursos e energias externas.473
Além disso, a perspectiva dos movimentos pela transição rei-
vindica desprender-se de uma enlouquecida economia global que,
a serviço de uns poucos, se caracteriza pela primazia do consumo
e pela implantação de formas abrasivas de controle. Nesse sentido,
se pronuncia pela liberação das capacidades em proveito do mundo

470 PUTNAM, R. D. Bowling Alone: The Collapse and Revival of American


Community. New York: Simon & Schuster, 2000, p. 175.
471 GREER, 2009, op. cit., p. 211.
472 Ibidem, p. 213.
473 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 223.

129
Carlos Taibo

local e da propriedade coletiva e em detrimento de instâncias centra-


lizadas que, em si próprias, são uma fonte de problemas. Os sistemas
centralizados resultam ser – não se esqueça – muito mais custosos
em termos de dinheiro, energia e recursos.474 O efeito maior dessa
aposta deveria ser a configuração de um sem fim de economias locais
diferenciadas num cenário marcado pela descentralização e pela re-
cuperação de muitas atividades que a globalização deslocou.

3. As relações econômicas. No que diz respeito às relações econô-


micas, a primeira consideração a fazer é uma crítica à controvérsia
relativa ao trabalho na sociedade pós-colapso. Nela se trabalhará me-
nos ou se trabalhará mais? Se a primeira das respostas recebe o apoio
de um sem-fim de teorizações que nos convidam a sair do modo de
vida escravo de que falei, a segunda evidencia os imperativos que se
derivarão do desaparecimento de muitas tecnologias que, ao menos
numa primeira e discutível leitura, haviam contribuído para reduzir
o tempo de trabalho e para mitigar a dureza deste.
Ainda que seja previsível, de acordo com muitos conceitos, que
o trabalho seja mais duro, cabe intuir que o entorno será mais su-
portável. Assim, não será preciso presumir longos deslocamentos, o
ritmo será mais pausado e não faltará o exercício físico. Será mais
importante o desejo de garantir, simplesmente, a autossuficiência.
Os empresários e a exploração desaparecerão. Ademais, se revelará
uma aposta na divisão equitativa do trabalho, inclusive do trabalho
doméstico, num quadro de economia cooperativa e não lucrativa. Em
qualquer caso, a era do pós-colapso obrigará a recuperar-se a imagem
do trabalho humano como fonte principal de energia, que é o que
ocorre em muitos países do Sul. Bem poderíamos falar, então, de
uma terceira mundialização das economias do Norte. Desta forma,
vão desaparecer, enfim, muitos empregos inúteis, como os vinculados
à burocracia ou os dos intermediários, ao mesmo tempo em que apa-
recerão outros: demolidores de edifícios, reparadores de dispositivos,

474 GREER, J. M. Decline and Fall: The End of Empire and the Future of Demo-
cracy in 21st Century America. Gabriola Island: New Society, 2014, p. 239.

130
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

mecânicos de automóveis, especialistas em compostagem e perma-


cultura, instaladores de placas solares.
Em relação ao consumo, irá se manifestar uma redução signi-
ficativa do número de produtos ofertados e, também, de produtos
importados, com um aumento geral no preço de muitos desses bens.
Teremos mais disponibilidade de comida fresca, localmente produzi-
da e mais saudável, vinculada à necessidade de saber de onde procede
o que ingerimos e como chegou às nossas mãos, com o objetivo de
driblar os intermediários e o propósito de planificar cuidadosamente
os alimentos, fruto do desejo de outorgar a estes um caráter social,
coletivo e compartilhado.475 Teremos que depender, por outro lado,
de uma água obtida de fonte muito mais próxima, sem contar com
condutos muito onerosos e difíceis de manter. Desaparecerão, ao
mesmo tempo, muitos bens de consumo supérfluo e de luxo, num
cenário marcado pela sobriedade e simplicidade voluntárias. Depois
de ter desenvolvido uma reflexão séria a respeito, boa parte de nossas
necessidades, autolimitadas, serão resolvidas por nós mesmos. E não
precisaremos da publicidade para escorar uma sociedade que estará
emancipada da ordem do consumo.
O dinheiro perderá o seu peso toda vez que as relações econô-
micas de proximidade, baseadas no intercâmbio e na solidarieda-
de, ganharem espaço. Proliferarão, por outro lado, as moedas locais,
que permitem um maior controle sobre a economia mais próxima,
facilitam a autossuficiência e propiciam relações mais diretas.476
“Quando convertemos dinheiro das moedas fiduciárias em proveito
de moedas locais e alternativas, diluímos os riscos e estimulamos a
economia local”477, lembra Holmgren. Expandirão também a barga-
nha, os bancos de tempo e outras fórmulas de economia associativa,
com base num peso crescente da economia da dádiva, que tem suas
recompensas em termos de satisfação pessoal e de segurança. O im-
portante não será ter dinheiro ou posse, e sim dispor de um meio de
vida e de uma comunidade acolhedora em um cenário no qual desa-

475 BAKER, 2015, op. cit., p. 106.


476 HEINBERG, 1996, op. cit., p. 197.
477 HOLMGREN, 2013, op. cit., p. 23.

131
Carlos Taibo

parecerão, por sorte, as grandes corporações. Os bancos serão antes


lugares para depositar as poupanças – existirá realmente o dinheiro?
– do que instâncias entregues à tarefa de conceder empréstimos,
uma tarefa talvez substituída pela presumível extensão de fórmulas
de micromecenato.478
Parece fora de discussão que na sociedade pós-colapso faltará
uma informação estatística solvente. Haverá que se operar, de qual-
quer modo, uma mudança radical no que se refere aos indicadores
hoje empregados, e em particular ao PIB. Não se esqueça de que este
último privilegia a atividade econômica das cidades e, pelo contrário,
rebaixa a do campo. Contribuem para o aumento do PIB a especula-
ção, a obsolescência programada, o consumo de tabaco, as prisões, o
napalm, o gasto militar, a polícia, os gargalos do tráfego e os aciden-
tes de automóvel. Não estão contabilizados no PIB a reposição dos
recursos naturais que gastamos, os direitos das gerações vindouras, o
trabalho doméstico desenvolvido preferencialmente pelas mulheres
ou os alimentos destinados ao autoconsumo. Já sublinhei, por outro
lado, que a progressiva terceirização da economia não tem se tradu-
zido na redução no número de mercadorias em circulação ou no vo-
lume das matérias-primas imersas em sua produção. De fato, as eco-
nomias que exibem maior presença do setor de serviços são as que
trazem consigo uma maior pegada ecológica.479 Muitas das práticas
novas – por exemplo, comer em casa, produzir os próprios alimentos,
prescindir da publicidade – operam num sentido contrário ao dos in-
crementos do PIB, que, ademais, nem distingue entre esbanjamento
e luxo, por um lado, e a satisfação de necessidades básicas, por outro,
nem leva em consideração a distribuição de custos e benefícios,480
nem dá atenção alguma à divisão da riqueza e à igualdade.

478 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 251.
479 GADREY, J.; MARCELLESI, F.; BARRAGUÉ, B. Adiós al crecimiento: Vi-
vir bien en un mundo solidario y sostenible. Barcelona: El Viejo Topo, 2013, p. 74.
480 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 255.

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Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

4. As relações sociais, a saúde, a educação. Sob a perspectiva dos mo-


vimentos pela transição, uma das tarefas prioritárias da sociedade
pós-colapso deverá consistir em recuperar a vida social que temos
dilapidado, absorvidos que estamos pela lógica da produção, da com-
petitividade e do consumo. Frente ao mundo que nos será entregue,
haverá de se fazer valer a lógica da cooperação e do apoio mútuo –
ganhará terreno, como já sugerido, a cultura da barganha e da dádiva
solidária de bens ou de tempo, com uma recuperação de muitas das
vantagens das sociedades tradicionais –, que é também a lógica da
horizontalidade. O cenário social experimentará uma rápida igual-
dade, de tal maneira que as velhas categorias – a classe média, por
exemplo – deixarão de servir ou terão uma utilidade menor. O êxito
e a realização são palavras que adquirirão significados diferentes num
terreno marcado pelo menor temor à pobreza e ao abandono. A co-
munidade outorgará a segurança e as certezas em virtude de um es-
quema que fará com que boa parte das necessidades sejam satisfeitas
por pessoas amigas.481 A partir desta perspectiva, o cenário, ao menos
nesta dimensão, nada terá de trágico: será assentado na certeza de
que podemos viver melhor com menos, acrescentando o peso da vida
comunitária, desmercantilizando o trabalho, reduzindo o estresse,
buscando uma relação mais fluida com o meio natural, consumindo
produtos saudáveis e próximos, respeitando os direitos dos animais e,
em último termo, desenvolvendo uma vida soberana.
Para que tudo isso ganhe corpo, haverá que se libertar de muitas
das dependências que arrastamos conosco. Não se esqueça que hoje
os pais passam duas horas diárias com seus filhos, frente a seis que se
dedicam a ver a televisão.482 É preciso acabar com um regime como
esse. Temos que apostar, em paralelo, em uma progressiva revitaliza-
ção dos valores femininos e, com eles, do papel social das mulheres,
com uma maior consideração do trabalho doméstico e das tarefas
reprodutivas.483 As cargas derivadas do novo cenário recairão de ma-
neira distinta sobre as diferentes gerações. Se o colapso acontecesse

481 ORLOV, 2008, op. cit., p. 157.


482 MURPHY, 2008, op. cit., p. 243.
483 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 336.

133
Carlos Taibo

agora, os grupos geracionais que hoje têm entre 20 e 60 anos supor-


tariam o grosso da carga derivada da quebra do sistema. As pessoas
entre os 40 e os 60 anos padeceriam, principalmente, da destruição
do emprego fixo e da redução dos gastos sociais, e dificilmente po-
deriam manter suas pensões. Claro que pior seria a situação de quem
hoje tem entre 20 e 40 anos, vítimas da precariedade, das consequên-
cias do endividamento e do desaparecimento de todo horizonte de
futuro.484 É que, mais do que nos sacrificarmos por nossos filhos,
pedimos que se sacrifiquem por nós.
Agregarei alguma observação sobre a saúde e a educação. No que
diz respeito à primeira, se imporá a prevenção, com a primazia da
atenção primária e da saúde pública, e com uma significativa des-
centralização. Necessitaremos menos medicamentos e deixaremos de
estar à mercê dos interesses da indústria farmacêutica. Mas é inevitá-
vel que se produzam retrocessos. Se, por um lado, muitas tecnologias
serão, como já assinalei, difíceis de se manter, por outro a escassez
de energia fará com que a calefação seja mais rara, e que aumente,
em consequência, a mortalidade. A conservação e a distribuição de
alimentos também resultarão mais difíceis. A água, cuja presença, em
muitos casos, depende da eletricidade, muitas vezes ficará escassa.485
No que diz respeito à educação,486 parece evidente que boa parte
do conhecimento acumulado no sistema educativo deixará de servir.
Haverá que se contestar abertamente o que hoje supõe a educação
em matéria de formação de escravos da sociedade industrial, legiti-
mação de hierarquias e desigualdades, estímulo à competição mais
descarada, geração de consumidores acríticos e de pessoas passivas e
dóceis.487 Num quadro geral de recuperação da lentidão frente à ob-
sessão produtivista, se fará necessário restaurar muitos conhecimen-

484 Ibidem, p. 315.


485 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 288.
486 WOOD, N. L. Community Colleges: A Vital Resource for Education in the
Post-Carbon Era. In: HEINBERG, R.; LERCH, D. (ed.). The Post Carbon Reader:
Managing the 21st Century’s Sustainability Crises. Healdsburg: Watershed Media,
2010, p. 419-426.
487 TRAINER, 2010, op. cit., p. 193-194.

134
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

tos práticos para enfrentar um problema ostensivo hoje em dia: pou-


cas pessoas sabem como construir uma casa488 ou como trabalhar no
campo. A falta de dinheiro público nos faz supor que muitas escolas
– a maioria delas – serão financiadas pelas comunidades de base e au-
togeridas. Como as sementes plantadas na educação não podem ger-
minar de forma rápida, parece que o mais sensato no momento em
que estamos é, para queimar etapas, apostar numa preparação para o
pós-colapso. Diante de tal quadro, torna-se vital o papel dos anciãos,
possuidores de conhecimentos que recuperarão a atualidade, capazes
de se mover com mais liberdade num quadro de relações econômicas
mais próximas, no caso das famílias estendidas, e menos impregna-
dos pela lógica dos mercados globalizados.489 Em certo sentido, será
verificada uma reintegração dos anciãos à força de trabalho.
Não quero deixar de lado, já que se trata de uma área próxima,
alguma consideração sobre a habitação. Até onde for possível, as ha-
bitações deverão satisfazer suas próprias necessidades, através, por
exemplo, de calefação solar, de fórmulas de impermeabilização – a
maioria de nossas casas são mal isoladas –, do aproveitamento dos re-
síduos, da recuperação de técnicas de construção tradicionais ou, em
contrapartida, do apoio das hortas adjacentes. Estaremos muito lon-
ge do cenário próprio das arquiteturas extravagantes e dispendiosas
que conhecemos, em particular, nas últimas décadas. Outra maneira
de dizer o mesmo consiste em identificar a desejável implantação de
práticas biofílicas que incorporam a luz e os materiais naturais, ao
mesmo tempo que buscam uma conexão com a natureza que promo-
va saúde e, também, o trabalho em lugares próximos.490 Em termos
gerais, as habitações terão que experimentar, evidentemente, uma
adaptação à ordem natural. Não está claro, ademais, quais habitações
resistirão melhor, as mais antigas ou as mais recentes. Convém, em
todo caso, ter em mente que muitas habitações dependem do uso de
automóveis, de tal forma que se estes desaparecerem, ou ao menos
tiverem uma presença menor, o seu futuro será delicado. Parece fora

488 HEINBERG, 1996, op. cit., p. XVI.


489 GREER, 2011, op. cit., p. 229.
490 ORR, 2009, op. cit., p. 170.

135
Carlos Taibo

de discussão que será preciso assumir, enfim, uma radical e solidária


revisão da ordem da propriedade.

5. A vida política: autogestão e democracia direta. A maior consequên-


cia da vida política será talvez que, graças às transformações radicais
que hoje conhecemos, e em boa medida pela via da descentralização,
recuperaremos o comando de nossas vidas e procuraremos nos esqui-
var ao caminho da delegação. Se não será, obviamente, o cenário mais
propício para partidos, parlamentos e governos, o mais fácil é que o
próprio conceito de país recue ou, ao menos, experimente transfor-
mações radicais. Talvez esse conceito passe a exibir uma dimensão
ecológica que agora somente lhe corresponde tangencialmente.
A capacidade de se auto-organizar e de descomplicar será tra-
duzida em melhoras em matéria de resiliência, permitirá uma maior
adaptação a cenários díspares e propiciará uma maior biodiversidade
ideológica.491 Parece que há motivos sólidos para concluir que a resi-
liência aumenta a cooperação em recintos marcados pela defesa do
comum. Aumentam também a autossuficiência, o cuidado com os
membros, a busca da igualdade, o respeito pelo meio e a organização
não hierárquica.492 É óbvio que a lógica do mercado destrói os laços
correspondentes. A ordem empresarial atual, que é a da propriedade
privada e do privilégio, desaparecerá, ou ao menos perderá muitas
capacidades, até o ponto de que somente no horizonte do ecofascis-
mo cabe imaginar a sobrevivência das grandes corporações, embora
submetidas a travas. Em muitos sentidos, mas não em todos, o pro-
jeto político que acompanha os movimentos pela transição beberá
de práticas bem conhecidas nas sociedades que frequentemente nos
empenhamos em descrever como primitivas e atrasadas. Essas socie-
dades – que de algum modo remetem ao passado: 1% da população
mundial se configura hoje em dia de coletores/caçadores –493 têm
mantido, na maioria das vezes, uma relação fluida com o meio natu-
ral e rejeitado a obsessão do crescimento. Mas o projeto de que me

491 DIEDEREN, 2010, op. cit., p. 39.


492 TRAINER, 2010, op. cit., p. 164.
493 HEINBERG, 1996, op. cit., p. 5.

136
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

ocupo acarretará também o desígnio de recuperar as culturas locais,


renegadas por uma globalização dramaticamente uniformizadora.

6. A desurbanização. Já tomei contato com a realidade das cidades


em relação ao debate sobre o colapso. É certo que a maioria das dis-
cussões correspondentes têm muitos séculos e conduzem à mesma
disputa de sempre. Aos olhos de Virgílio, e numa tradução contem-
porânea, opõem-se ao trabalho laborioso e honesto do camponês os
problemas sem conta das cidades – superpopulação, pobreza, delin-
quência –, e as disfunções técnicas que os acompanham – congestio-
namentos, poluição, abastecimentos –, sem falar dos conflitos políti-
cos em uso.494 Nos bastidores, e nas palavras de Alain Musset, temos
assistido a um “enfrentamento entre dois modos culturais e econô-
micos: o da cidade industrial, em que a modernidade é forjada em
detrimento das necessidades e das aspirações reais do ser humano, e
o da aldeia, que favorece os laços de sociabilidade no centro de uma
comunidade de iguais”495. O próprio Musset se refere a um romance,
La fine del mondo storto [O fim do mundo torcido], de Mauro Corona,
que ilustraria o sentido de fundo de boa parte do processo de transi-
ção: após o misterioso desaparecimento de todas as fontes de energia,
o topo da pirâmide social passaria a ser ocupado por camponeses e
artesãos, ao mesmo tempo que os habitantes das cidades correriam
para os povoados mais distantes e pediriam que lhes ensinassem a
cultivar a terra com ferramentas rudimentares.496
Para resgatar um único dado, o colapso ou, melhor dizendo, o
tecnocolapso será seguido por uma ativa desindustrialização, de
tal forma que as cidades mais vinculadas com a indústria e as de
desenvolvimento mais recente, tecnificadas e energívoras, serão as
que mais padecerão. Surpreende-nos que, ante semelhante panora-
ma, continuem se construindo arranha-céus. Estes, muito custosos
e antiecológicos, dificilmente recicláveis no cenário do pós-colapso,
consomem grandes quantidades de energia, dependem de altas tec-

494 MUSSET, 2012, p. 120-121.


495 Ibidem, p. 121.
496 Ibidem, p. 245.

137
Carlos Taibo

nologias e são tão desumanos quanto antiurbanos.497 Esses genuínos


símbolos do progresso e da modernidade se converterão, com o pas-
sar do tempo, em testemunhas mortas do absurdo que conduziu ao
colapso final, tal e como é revelado em High Rise [Arranha-céus], o
romance de J.G. Ballard.498
Diante de um panorama como o resumidamente descrito aqui,
não parece difícil identificar os fundamentos da proposta apresen-
tada pelos movimentos por transição. De pronto, teremos que acei-
tar que o tamanho das cidades deverá se reduzir. É impensável, em
particular, um exercício de relocalização de grandes cidades que são,
literalmente, irrelocalizáveis499. O cenário geral, de redução da ativi-
dade de importação e exportação,500 operará como um estímulo para
que as cidades percam tamanho. Deverá ser verificado, ao mesmo
tempo, um trânsito progressivo, mas eficiente, do espaço urbano para
o rural; um e outro espaço acabarão por se confundir. O processo de
rerruralização das cidades deverá se completar com a transformação
destas em “biorregiões urbanas”501, que fortalecerão, diante do rolo
compressor globalizador, os elementos singularizadores e que permi-
tirão um sentimento de lugar não definido por fronteiras, e sim por
realidades naturais e biológicas. Os biorregionalistas mostram um
interesse constante pelas espécies animais e pelas plantas locais, pela
história natural e pelos povos originários.502
Se tentarmos voltar ao antigo, na forma de algumas mudanças
precisas, uma delas será um enverdecimento geral das cidades, do qual
participarão as ruas, os pátios e os terraços, com uma especial proli-
feração das hortas urbanas. Não é demais recordar que nos momen-
tos delicados, como as duas guerras mundiais, foi um movimento de
mulheres que se encarregou, nos EUA, de propiciar que esse tipo de

497 PAQUOT, 2015, op. cit., p. 115-116. Também KUNSTLER, 2012, op. cit.,
p. 51 et seq.
498 PAQUOT, 2015, op. cit., p. 128.
499 FLANNERY, 2006, op. cit., p. 134.
500 TRAINER, 2010, op. cit., p. 317.
501 PAQUOT, 2015, op. cit., p. 164.
502 HEINBERG, 1996, op. cit., p. 198-199.

138
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

horta proporcionasse boa parte dos alimentos necessários.503 Greer


lembra que, tal e qual foi demonstrado no calor do colapso da União
Soviética, as hortas urbanas não precisam nem de tratores, nem de
cavalos; demandam, simplesmente, ferramentas comuns e trabalho
humano.504 Serão revitalizados, por outra parte, os velhos centros
históricos e as zonas próximas aos rios. Num quadro de recuperação
da vida dos bairros e da democracia direta, também se verificará o
desaparecimento das grandes superfícies e a reaparição, paralela, dos
espaços comuns. O retrocesso da cultura do automóvel, acompanha-
do pela revitalização do transporte público em forma de metrôs e
bondes elétricos, resultará em mudanças radicais. Muitos planejado-
res urbanos parecem haver concluído que devem trabalhar pensando
nas pessoas e não nos automóveis.505
É certo que o panorama será diferente conforme a textura das
diversas cidades. Resistirão melhor aquelas cujas distâncias sejam
reduzidas e possam ser percorridas a pé ou de bicicleta. Será mais
fácil que perseverem aqueles núcleos urbanos que se encontram em
lugares interessantes, como os oferecidos por portos, determinados
espaços nos rios, os cruzamentos de vias de comunicação ou os re-
cintos estrategicamente importantes.506 A disposição de um entorno
agrícola próximo que forneça alimentos será, também, um elemento
decisivo. Ainda que as hortas urbanas possam proporcionar muitos
dos alimentos necessários, a produção de cereais demanda superfícies
muito maiores.507 Um argumento que tem me atraído é reforçado por
Greer, para quem as cidades tradicionais que não tenham acabado
de desenvolver um setor industrial importante e complexo levarão,
claro, a melhor parte.508
Importa evidenciar que, de maneira incipiente e não isenta de po-
lêmicas, dispomos já de experiências que se desenvolvem no âmbi-
to do que aqui me ocupo. Estou pensando nas chamadas Transition

503 ASTYK, 2008, op. cit., p. 31.


504 GREER, 2009, op. cit., p. 117.
505 HEINBERG, 2006, op. cit., p. 114.
506 KUNSTLER, 2012, op. cit., p. 48-49.
507 Ibidem, p. 59.
508 GREER, 2009, op. cit., p. 184.

139
Carlos Taibo

Towns (cidades em transição), cuja primeira referência foi, em 2004,


Kinsale, na Irlanda. O símbolo contemporâneo dessas localidades é
constituído, no entanto, por Totnes, no Reino Unido.509 A perspectiva
que guia as mudanças introduzidas em Totnes se assenta em várias
premissas. Se uma delas aponta que é inevitável reduzir o consumo
de energia, outra assinala que é muito conveniente preparar-se ex-
pressamente para isso. Ao mesmo tempo, parte-se da certeza de que
nossas comunidades carecem da capacidade de adaptação necessária
para assumir um cenário energeticamente mais pobre, e de que temos
que atuar de forma coletiva, e fazê-lo já, para buscar formas de vida
e de relações que, mais interconectadas e enriquecedoras, respeitem
os limites biológicos do planeta.510 Em Totnes, têm aberto caminho
ativas políticas de relocalização, de implantação de hortas urbanas, de
assentamento de moedas locais, de desenvolvimento de cooperativas,
de aplicação de projetos de permacultura e, enfim, de resiliência.
Existem, contudo, muitas outras experiências mais ou menos
próximas. Mencionarei, por exemplo, os casos de Feldheim, um po-
voado alemão energeticamente autossuficiente e que somente con-
some energia renovável, e da ecoaldeia Sieben Linden, também na
Alemanha, empenhada em alcançar um modelo de vida de mínimo
consumo.511

7. A rerruralização. A outra face da desurbanização é, natural-


mente, a que nos fala de uma progressiva rerruralização de nossas
sociedades. A terra aporta água, lar, sabedorias populares e energia,
ao mesmo tempo que permite reduzir dependências. Parece cada vez
mais absurdo, nestas condições, abandonar o meio rural para passar
a viver nas cidades. “Rerruralizar e reagrarizar o mundo não é uma
opção: é algo inevitável”512, afirma Xoán Ramón Doldán.

509 CHAMBERLIN, 2009, op. cit., p. 11.


510 HODGSON, J.; HOPKINS, R. Transition in Action: Totnes and District
2030. Totnes: Transition Town Totnes, 2010, p. 36.
511 URKIDI et al., 2015, op. cit., p. 34.
512 Xoán Ramón Doldán citado em DOLDÁN GARCÍA, 2013, op. cit., p. 53.

140
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

É óbvio que na sociedade pós-colapso o meio rural acolherá um


percentual mais alto da população do que hoje. Nele serão opera-
das agudas transformações, bem retratadas por Fernández Durán e
González Reyes: “se passará do latifúndio ao minifúndio, da mono-
cultura à policultura, do trator ao cavalo e à força humana, da irri-
gação ao seco, da água mineral à de chuva, das sementes híbridas e
transgênicas a variedades locais, dos alimentos fora da estação aos de
temporada, da produção para exportar à produção para o autoconsu-
mo e o mercado local”513. Serão impostas, por outro lado, pequenas
explorações e cooperativas, num cenário caracterizado pela recupe-
ração das terras comunais para usos agrícolas, pecuários e florestais,
e, naturalmente, também pelo desaparecimento das grandes empre-
sas. Segundo uma opinião muito disseminada, somente terá sentido
imaginar a existência de impostos locais vinculados a comunidades
que se beneficiarão de uma descentralização extrema.
Não faltam as discussões relativas ao tamanho ideal dessas comu-
nidades. Assim, Greer concebe, no caso dos Estados Unidos, uma
trama de povoados com 5.000-10.000 habitantes, e com cerca de
2.000 famílias como média, que farão um uso intenso de tecnologias
verdes e de fórmulas de permacultura.514 Outros autores entendem
que um mínimo de 2.000 habitantes parece aconselhável para os nú-
cleos de população, uma vez que localidades menores apresentariam
problemas óbvios.515 Segundo Pedro Prieto, cada habitante do meio
rural deverá desfrutar de pelo menos 5 a 8 hectares de terra fértil,
com água disponível. Entre 2 e 3 desses hectares terão um uso flores-
tal destinado a complementar fontes de energia renovável, como as
proporcionadas pela lenha e pelo estrume de animais. A vida deverá
se adaptar ao horário solar de verão e ao de inverno, da mesma for-
ma que haverá que reduzir, nos cenários mais frios, o tamanho das
habitações. Ainda que cada pessoa necessite de ao menos 20 litros
diários de água, haverá que ter mais água para a manutenção dos ani-
mais e para o desenvolvimento da irrigação. Os deslocamentos serão

513 FERNÁNDEZ DURÁN, R.; GONZÁLEZ REYES, L., 2014, op. cit.,
p. 255.
514 GREER, 2009, op. cit., p. 179.
515 PRIETO, 2004, op. cit., p. 12.

141
Carlos Taibo

reduzidos sensivelmente. Nesse contexto, densidades populacionais


muito altas gerarão problemas agudos.516
O mundo rural que aqui me interessa se caracterizará por um
renascimento da agricultura orgânica, por um menor uso de tecnolo-
gias complexas e por reduções significativas no consumo de energia.
Diminuirá, claramente, o emprego de fertilizantes e pesticidas, e rea-
parecerão muitas das formas da agricultura tradicional. Os caminhos
serão abertos também, naturalmente, para a permacultura, com a
“construção de ecossistemas artificiais, dando lugar a árvores e plan-
tas perenes que produzam alimentos e matérias-primas”, sob a pers-
pectiva da autossuficiência.517 A permacultura implica cuidado da
terra e das pessoas, assim como uma divisão justa dos recursos, com
utilização do necessário e compartilhamento do resto. Aumentará o
uso de compostagem, que permite converter os resíduos em recursos
úteis e transformar um processo linear em circular.518 Não esqueça-
mos que a maioria dos produtos químicos empregados na indústria
alimentar são baseados em recursos não renováveis, que demandam
quantidades significativas de energia.519 Parece certo que a agroeco-
logia, a permacultura e a microagricultura semi-intensiva permitem
rendimentos comparáveis, quando não superiores, aos rendimentos
da agricultura industrial, ao mesmo tempo que se utilizam de peque-
nas superfícies, reduzem os impactos sobre o clima e possibilitam o
assentamento das comunidades camponesas.520
É inevitável que nessas comunidades rurais se faça valer uma
maior presença do trabalho humano, acompanhado de uma recupe-
ração das sabedorias populares e de um manifesto impulso às tarefas
de caráter cooperativo. Ruim seria, contudo, que o maior emprego
dos animais nas sociedades em transição provocasse retrocessos em
seus direitos. Não seria saudável, em outras palavras, que o pouco
que temos avançado nesse âmbito, nas últimas décadas, fosse dilapi-

516 PRIETO, 2004, op. cit., p. 13-14 e 22-23.


517 GREER, 2009, op. cit., p. 203-204; HEINBERG, 2010, op. cit., p. 59;
BAKER, 2011, op. cit., p. 176.
518 GREER, 2009, op. cit., p. 107.
519 Ibidem, p. 112.
520 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 94.

142
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

dado com base na urgência de enfrentar problemas peremptórios521


e em enfoques inequivocamente antropocêntricos. Mark Lynas tem
lembrado a esse respeito que a espécie humana se apropria de 25%
a 40% da quantidade líquida de energia solar convertida, por meio
de fotossíntese, em matéria orgânica das plantas. Trata-se de um ní-
vel extraordinário para uma espécie que representa somente 0,5% da
biomassa animal da Terra.522
A nova vida rural se caracterizará, em suma, por uma menor de-
pendência, no que se refere aos recursos monetários e financeiros,
que a exibida nas economias urbanas e por uma maior proximidade
dos recursos naturais.523 A agricultura de proximidade que emergirá,
muito menos dependente de custosos sistemas de transporte, acar-
retará, em certo sentido, um regresso ao que ocorria há um século.
Teremos, claro, que deixar para trás, em paralelo, uma visão muito
disseminada que identifica os habitantes do meio rural como pessoas
retrógradas e ignorantes.

8. O conhecimento. É muito importante a presença de mecanismos


que permitam expandir os conhecimentos práticos adquiridos pelas
diferentes comunidades humanas,524 tanto quanto preservar muitos
dos conhecimentos acumulados no passado. Heinberg, que cita Ro-
berto Vacca, tem afirmado a respeito que necessitamos de “centros
de preservação cultural”525, não sem sublinhar que duvida das contri-
buições que podem ser dadas por certas instituições que estão, agora
mesmo, numa profunda crise. Ainda assim, limito-me a resgatar algo
que tenho apontado: parece urgente que o sistema educativo – ou o
que quer que seja – assuma a tarefa de transmitir conhecimentos no
que se refere aos métodos da agricultura ecológica e matérias afins.
Há quem sustente que deveremos atuar da mesma maneira que
os monges que, nos monastérios medievais, se empenharam em pre-

521 ZERZAN, J. Why Hope?: The Stand Against Civilization. Port Townsend:
Feral House, 2015, p. 97 et seq.
522 LYNAS, 2007, op. cit., p. 240.
523 HOLMGREN, 2013, op. cit., p. 21.
524 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 270.
525 HEINBERG, 2007, op. cit., p. 155.

143
Carlos Taibo

servar boa parte da cultura da Antiguidade Clássica. Uma das princi-


pais ferramentas pode assumir a forma, por certo, de um renascimen-
to das bibliotecas. Tenha-se presente que os livros são ferramentas
duradouras e que demandam para sua produção e manutenção de
tecnologias disponíveis e de um gasto de energia muito limitado.
Também nesse âmbito teremos a oportunidade de comprovar, em
outras palavras, como muitos dos instrumentos que esquecemos nas
últimas décadas recuperam seu peso. Putnam tem identificado na
sociedade estadunidense um estimulante renascimento dos grupos
de leitura, o que seria, claro, um renascimento do livro.526 Mas tem-se
que falar, assim mesmo, da proliferação de jardins botânicos e arma-
zéns de sementes que permitam enfrentar as agressões sofridas pela
biodiversidade. Ou, por que não, apesar das dificuldades que mencio-
nei oportunamente, de uma reimplantação descentralizada da rede,
de tal forma que estações autogeridas compartilhem procedimen-
tos técnicos e operacionais.527 Todos esses instrumentos permitiriam
manter – e, se necessário, forjar – uma cultura ancorada na realidade
mais próxima, longe da que hoje predomina, claramente voltada ao
serviço de poucos. Mesmo que haja quem se pergunte se vale a pena
preservar a nossa cultura...
A economia inquietantemente centralizada e mecanizada, mar-
cada por uma extrema especialização, pela hipercomplexidade e por
um uso intenso da energia,528 que herdamos, haverá que se contrapor
a uma progressiva desespecialização, de tal maneira que ampliemos
sensivelmente as reduzidas habilidades de que desfrutamos hoje.

Uma experiência prática: Cuba diante da


­escassez do petróleo
Faz sentido que se preste atenção a um caso preciso que ilustra
algumas das possibilidades que abririam caminho ao amparo dos
movimentos pela transição. Falo de Cuba, um país que na década de

526 PUTNAM, 2000, op. cit., p. 150.


527 GREER, 2009, op. cit., p. 155-156.
528 Ibidem, p. 137.

144
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

1990, e diante da repentina escassez de petróleo, assumiu mudanças


importantes em seu panorama econômico e energético.529 Parece que
as medidas implantadas vieram antes marcadas pelas circunstâncias
do que por uma política premeditada e buscada.
Os antecedentes principais do que ocorreu em Cuba foram dois.
Se o primeiro foi um prolongado bloqueio estadunidense, o segundo
deu corpo quando, nos últimos anos de sua história, a URSS decidiu
incrementar substancialmente o preço, até então subvencionado, do
petróleo que vendia para a ilha do Caribe. Enquanto o PIB cubano
reduziu 50% entre 1989 e 1993, as importações de petróleo recuaram
90%, a produção agrícola retrocedeu para a metade, por falta de adu-
bos e pesticidas, e o consumo de energia elétrica caiu 30%.530 Entre as
consequências desse cenário, foram revelados muitos problemas em
matéria de fornecimento de eletricidade e um significativo retrocesso
operado no número de passageiros transportados. Boa parte da carga
resultante recaiu sobre as mulheres e sobre seu trabalho no lar.531 É
bem verdade que a situação energética se viu moderadamente alivia-
da, anos depois, em virtude da eleição de Hugo Chávez na Venezue-
la, circunstância que não foi traduzida, no entanto, pelo abandono
dos planos de economia de energia.
A resposta das autoridades cubanas se registrou em três âmbitos
diferentes. No setor energético, primeiramente, despontou a inten-
ção de reduzir o consumo correspondente. É verdade, contudo, que
a economia cubana continuava dependendo das importações e, em
paralelo, do turismo, de tal forma que não se pode falar de uma plena
soberania energética, ainda mais quando as dependências no que diz
respeito ao exterior tinham minguado sensivelmente. Nessa tarefa,
é importante sublinhar a maior presença de energia gerada pelo sol
e pelos agrocombustíveis juntamente com os efeitos da aposta por
pequenas centrais geradoras de eletricidade.532 Com referência à mo-
bilidade, em segundo lugar, o número de automóveis foi reduzido
no país e a ocupação dos carros aumentando. Como a produção de

529 Ver DOLDÁN GARCÍA, 2013, op. cit., p. 243 et seq.


530 URKIDI et al., 2015, op. cit., p. 40.
531 Ibidem, p. 42.
532 BERMEJO, 2008, op. cit., p. 222.

145
Carlos Taibo

veículos retrocedeu, a reparação se estendeu.533 As bicicletas, entre-


tanto, tornaram-se onipresentes (também foi impulsionada, em ou-
tro âmbito, a reabilitação das habitações, pois os recursos destinados
a construir casas novas eram muito escassos). No que diz respeito
à agricultura, e em terceiro lugar, foi incrementada sensivelmente a
porcentagem da população que se dedicava a ela, até se situar em
15-25% (não se esqueça que nos princípios do século XX, 40% dos
habitantes se dedicavam à agricultura nos EUA)534. Procedeu-se,
ademais, à repartição das terras estatais para seu emprego em forma
de parcelas privadas, com regimes de propriedade muito diversos,
entre eles o vinculado às cooperativas. A produtividade dessas parce-
las resultou sensivelmente maior. A utilização de animais foi encora-
jada, tanto nas tarefas agrícolas como nas de transporte, enquanto era
estimulada a presença da agricultura urbana – responsável, segundo
uma estimativa, por 50% a 80% das verduras consumidas nas cida-
des.535 Houve também a migração de uma agricultura marcada pelos
pesticidas e adubos químicos para outra, de caráter agroecológico.536
A maioria dos produtos agrícolas e pecuários passaram a ser consu-
midos perto do lugar em que eram produzidos.
Em dez anos, as emissões de CO2 baixaram de 10 para 6,5 mi-
lhões de toneladas.537 É certo que as medidas mencionadas se tradu-
ziram – talvez isso fosse inevitável – num retrocesso no nível de vida
e na capacidade aquisitiva da população, acompanhado de reduções
no PIB. Considere-se, sem ir muito longe, que entre 1989 e 1995 as
calorias ingeridas diariamente por habitante caíram de 2.908 para
1.863. Ainda que os cubanos tenham perdido, em média, vários qui-
los – entre cinco e dez, segundo algumas versões –538, a presença de
doenças cardiovasculares reduziu-se sensivelmente, enquanto a saú-
de e a educação públicas mantiveram, apesar de tudo, níveis razoáveis
e a expectativa de vida não caiu. Os autores do Guía para o descenso
enerxético (Guia para a diminuição energética) concluem que o caso

533 ORLOV, 2008, op. cit., p. 119.


534 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 61.
535 Ibidem, p. 57.
536 BONNEUIL, C.; FRESSOZ, J., 2013, op. cit., p. 120.
537 Ibidem, p. 121.
538 Idem.

146
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

cubano demonstra que “é possível ter um índice de desenvolvimento


humano aceitável, com um sistema sanitário moderno e eficaz, com
uma educação universal e de qualidade, ao mesmo tempo que se evita
a fome no país, e com um consumo energético per capita de pouco
mais de um terço do existente hoje na Espanha”539.
É verdade que o caso cubano tem suscitado muitas polêmicas. O
sucesso, se bem que relativo, das medidas arbitradas, segundo alguns,
é devido ao caráter de imposição de um regime autoritário, que não
necessariamente contaria com o beneplácito da população, e, segun-
do outros, às consequências de políticas que de fato têm sido de li-
beralização econômica. Também há de resgatar o debate relativo ao
impulso dessas medidas: enquanto para uns as autoridades cubanas
têm estado sempre preocupadas com a questão da energia, aos olhos
de outros essa preocupação foi uma sequela material da dissolução
da ajuda soviética.
Terminarei este capítulo com o lembrete de que em todas as socie-
dades há exemplos de momentos e medidas que percorrem, de uma
forma ou outra, e com maior ou menor intensidade, caminhos como
os que querem percorrer os movimentos pela transição. Um desses
exemplos – que aqui foi mencionado de passagem – são os “Jardins da
Vitória”, que durante as duas guerras mundiais, nos Estados Unidos,
surgiram na efervescência de uma iniciativa em boa medida espon-
tânea. Mobilizaram cerca de 20 milhões de pessoas, em sua maioria
mulheres, que produziam entre 30% e 40% dos legumes consumidos
no país.540 A partir de 1945, eles desapareceram com rapidez para dei-
xar o caminho aberto ao processo de industrialização da agricultura
norte-americana.541 Durante a Segunda Guerra Mundial, também se
estenderam, nos EUA, as práticas de reciclagem e as fórmulas de ra-
cionamento.542 Também no Reino Unido se fizeram valer, então, cur-
sos de formação em criação de canteiros produtores de alimentos.543
Não há nada de novo sob o sol. Apesar das aparências.

539 DOLDÁN GARCÍA, 2013, op. cit., p. 247.


540 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 244.
541 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 58.
542 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 244.
543 HOPKINS, 2011, op. cit., p. 54.

147
5. O ecofascismo

“Há razões para estarmos inquietos, porque


agora sabemos que vivemos em um tipo de
sociedade que fez o Holocausto possível e
que não continha nada que pudesse evitar
que o Holocausto acontecesse”
(Zygmunt Bauman)

“O passo da barbárie à civilização exigiu


um século; o passo da civilização à barbárie
necessita de apenas um dia”
(Will Durant)

Assinalei anteriormente que os movimentos pela transição ecos-


social não são a única resposta imaginável diante o colapso. Há que
prestar atenção a outra resposta muito diferente, que alguns estu-
diosos chamam de ecofascismo. Este último se baseia na intuição de
que para encarar de maneira eficiente o problema geral da escassez
não resta outro horizonte senão propiciar uma rápida e contundente
diminuição no número de seres humanos que povoam o planeta. É
uma aposta que acarreta, claro, a marginalização e, talvez, o extermí-
nio de boa parte da população, ao amparo da implantação de crité-
rios delicados que permitam determinar quem fica e quem não. Se
por vezes a opção da marginalização e o extermínio se justifica em
virtude de códigos religiosos, outras vezes invoca um mero poder
material e em outras ocasiões faz valer exigências presumivelmente
naturais, mas sempre opera sobre a base de uma ideia matriz: a de
que na Terra não cabe mais gente.
Admitirei que produz alguma surpresa a utilização do prefixo e­ co-,
de conotação habitualmente positiva, para retratar uma realidade tão
negativa como a de que agora me ocupo. Terei a oportunidade de su-
blinhar, no entanto, que distintas manifestações da ecologia têm es-

149
Carlos Taibo

tado presentes, de forma indelével, nas formulações ideológicas e nas


práticas cotidianas de movimentos de corte fascista. Importa deixar
claro, contudo, que hoje, ao falar de ecofascismo, não estou pensando
– ou não estou pensando fundamentalmente – em eventuais versões
verdes de forças políticas da extrema direita, mais ou menos margi-
nais. Penso, pelo contrário, em concepções que surgem no centro de
instâncias políticas e econômicas de primeira ordem. Cabe discutir
que, falando com propriedade, o ecofascismo seja uma resposta ante
o colapso: parece antes, pelo contrário, uma manifestação precisa do
próprio colapso.

O ecofascismo primogênito:
a Alemanha ­hitleriana
Ecofascism Revisited [O ecofascismo revisitado], o livro de Janet
Biehl e Peter Staudenmaier544 é, acima de tudo, um estudo da pro-
posta ecofascista assumida pelos nazistas alemães. Nas páginas dessa
obra se recorda que no Partido Alemão Nacional-Socialista operou
um influente grupo de pressão ecologista entregue a tarefas como a
adoração da natureza, o renascimento da vida rural ou o vegetaria-
nismo.545 Essa corrente foi produto de uma síntese muito singular
entre naturalismo e nacionalismo de Estado, forjada no calor da in-
fluência do irracionalismo anti-ilustrado, próprio de determinadas
manifestações do romantismo alemão.546 Nos bastidores de muitas
destas posições era fácil apreciar, ademais, um vínculo entre pureza
do meio ambiente e pureza racial.547 As tradições e o idioma se rela-
cionavam então com uma paisagem ancestral que separava os seres
humanos a ela vinculados e outros completamente distanciados. Os
primeiros remetem, no caso, à “essência alemã” de que fala Rudolf
Bahro.548 Haveria que separar, então, e em virtude da lei natural,

544 BIEHL, J.; STAUDENMAIER, P. Ecofascism Revisited: Lessons from the


German Experience. Porsgrunn: New Compass, 2011.
545 Ibidem, p. 10.
546 Peter Staudenmaier em BIEHL, J.; STAUDENMAIER, P., 2011, p. 15.
547 Ibidem, p. 27.
548 Janet Biehl, em BIEHL, J.; STAUDENMAIER, P., 2011, p. 70.

150
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

umas culturas de outras, e privilegiar, como faz Herbert Gruhl, as


que têm melhores perspectivas em matéria de sobrevivência, as mais
armadas e as que sabem preservar seus recursos.549 Dessa perspectiva,
e com as percepções agregadas do autoritarismo e da repressão, é
possível entender o extermínio dos judeus europeus durante a Se-
gunda Guerra Mundial e o abrupto rechaço aos imigrantes. Biehl
conclui, com argumento certeiro, que “esta combinação de naciona-
lismo, autoritarismo e admiração por líderes carismáticos, legitimada
por uma ‘ecologia’ mística e biologicista, é potencialmente catastró-
fica na área social”550. Staudenmaier afirma que a guerra defendida
com estes fundamentos não foi só genocida: ela teve também um
caráter ecocida, plasmado em um formidável exercício de violência
contra a natureza.551
Biehl e Staudenmaier assinalam que seria, contudo, um equívo-
co interpretar que a corrente ecologista fosse um mero adorno em
meio à parafernália tecnocrática industrial dos nazistas. De fato, a
maioria dos ideólogos nacional-socialistas participava de um ro-
mantismo agrário e de um antiurbanismo que demandava um pro-
cesso de reagrarização.552 Em março de 1933 foram aprovadas leis
que acarretaram, em todos os níveis, programas de reflorestamento,
medidas de proteção aos animais e plantas e decretos que limitavam
o desenvolvimento industrial. Em 1935 criou corpo uma lei de pro-
teção da natureza encaminhada para salvaguardar a flora, a fauna e
os “monumentos naturais” do Reich.553 Convém sublinhar, contudo,
que o fenômeno que me atrai agora não foi de modo algum privativo
da Alemanha hitleriana. Fez-se valer também na Itália fascista, em
forma de políticas de desenvolvimento ruralizantes e de esforços de
reflorestamento, frequentemente ligados, como cabe esperar, a uma
ideologia nacionalista e racista.554 Os exemplos mencionados colo-
cam-nos de sobreaviso, claro, ante possíveis usos abjetos da ecologia.

549 Ibidem, p. 84.


550 Ibidem, p. 108.
551 Peter Staudenmaier em BIEHL, J.; STAUDENMAIER, P., 2011, p. 125.
552 Ibidem, p. 30.
553 Ibidem, p. 37-38.
554 Ibidem, p. 98-99.

151
Carlos Taibo

Convém, ainda assim, que se dê mais um salto e se formule alguma


consideração relativa ao contexto em que ganhou corpo o ecofascis-
mo primogênito. O melhor guia a esse respeito é, talvez, um livro de
Carl Amery, que leva o título de Hitler aus Vorläufer: Auschwitz – der
Beginn des 21 Jahrhunderts? [Hitler como precursor: Auschwitz, começa o
século XXI?]555. Em essência, Amery sublinha que seria um erro crasso
concluir que as políticas abraçadas pelos nazistas alemães remetem a
um momento histórico singularíssimo, conjuntural e, por isso, afortu-
nadamente irrepetível. Amery nos exorta a estudar em detalhe essas
políticas, pois podem reaparecer nos anos vindouros, não pelas mãos
de grupos neonazistas ultramarginais, e sim postuladas por alguns dos
principais centros de poder político e econômico, cada vez mais cons-
cientes da escassez geral que se aproxima e cada vez mais firmemente
decididos a preservar os recursos escassos em poucas mãos, em virtu-
de de um projeto de darwinismo social militarizado.
Sobram, ademais, razões para asseverar que existem estreitos vín-
culos entre o nazismo, por um lado, e o racismo e o imperialismo
característicos do século XIX, por outro.556 Zygmunt Bauman apon-
tou que “o Holocausto nasceu e foi executado na nossa moderna so-
ciedade racional, num alto estágio de nossa civilização e no bojo das
conquistas culturais do ser humano; por essa razão é um problema
de nossa sociedade, civilização e cultura”557. Theodor W. Adorno re-
putou ao nazismo a manifestação de uma barbárie “inscrita no mes-
mo princípio da civilização”558. Nessa trama toda, é muito relevante
o conceito de Lebensraum (espaço vital). Goebbels assinalou que o
objetivo da guerra era garantir aos alemães “um bom café da manhã,
um bom almoço e um bom jantar”559 de modo que para alcançar isso
não importava que os não alemães morressem de inanição. A pro-
messa de uma vida melhor circunscrita aos nossos demandava, nas

555 AMERY, C. Auschwitz: ¿comienza el siglo XXI?: Hitler como precursor. Ma-
drid: Turner; Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 2002.
556 TRAVERSO, E. La violence nazie: Une généalogie européenne. Paris: La fa-
brique, 2002, p. 25.
557 BAUMAN, Z. Modernity and the Holocaust. Ithaca: Cornell University, 1999,
p. 10.
558 TRAVERSO, 2002, op. cit., p. 54.
559 SNYDER, 2015, op. cit., p. 14.

152
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

palavras de Amery, um “programa assassino executado por um povo


superior” e que outorgaria a este “poder e bem-estar através de uma
agressão permanente, ao mesmo tempo que contrapesava a limitação
dos recursos do planeta mediante a correspondente submissão e dízi-
mo dos povos escravos”560. Em Hitler também se revelou a defesa de
uma espécie de “destino manifesto”, de um direito cuja legitimidade
não tinha que ser demonstrada, uma vez que beneficiava uma raça
ontologicamente superior.561 Na mesma toada, no ensaio Eichmann
em Jerusalém, Hannah Arendt recorda-nos que os nazistas desejavam
“decidir quem devia e quem não devia habitar este planeta”562. Nos
bastidores, e retornemos a Amery, os próprios nazistas demonstra-
ram uma formidável capacidade quando se tratava de amedrontar os
cidadãos alemães e transmutá-los em seres entregues à mais estrita e
irracional obediência.
Entre as consequências da aposta hitleriana estavam a autoatri-
buição de uma “missão civilizadora”563, a implantação de uma guerra
dupla – colonial, contra os eslavos, e anticolonial, contra os judeus
–564, um culto às raízes que se vincula com um rechaço xenófobo a
quem não as compartilha;565 a degradação da imagem das vítimas,
frequentemente convertidas em opressores; e um visível repúdio à
imigração acompanhado de uma obscena defesa da eutanásia. Como
resultado, reuniram natureza e política, ecossistema e lar, necessidade
e desejo.566 Nessa ordem das coisas, há que se assinalar – volto ao
argumento – que em muitas ocasiões o extermínio, ou a marginali-
zação, não se justificou sobre a base das necessidades do capital, e sim
em virtude das restrições que derivam da natureza.567

560 AMERY, 2002, op. cit., p. 14-15.


561 Ibidem, p. 42.
562 Citado por TRAVERSO, 2002, op. cit., p. 10.
563 KOLATA, A. L. Before and After Collapse. Reflections on the Regeneration
of Social Complexity. In: SCHWARTZ, G. M.; NICHOLS, J. J. After Collapse:
The Regeneration of Complex Societies. Tucson: The University of Arizona, 2010,
p. 208-221. [cit. p. 210.]
564 SNYDER, 2015, op. cit., p. 323.
565 ARIÈS, 2002, op. cit., p. 140.
566 SNYDER, 2015, op. cit., p. 326.
567 ARIÈS, 2002, op. cit., p. 38.

153
Carlos Taibo

Demografia e autoritarismo
O projeto ecofascista coloca em primeiro plano uma discussão
demográfica que tem o maior fundamento na ideia de que na Terra
existem muitos habitantes. Tem-se falado sobre isso e, por exemplo,
de uma possível população planetária de 1-2 bilhões de seres huma-
nos no ano de 2100,568 no entendimento de que esses índices não são
necessariamente o produto de um ecofascismo: eles poderiam cons-
tituir, simplesmente, uma resposta adaptativa a um cenário marcado
por numerosas restrições derivadas do colapso. Para Hamilton, numa
perspectiva próxima, a redução da população será produzida com ou
sem o ecofascismo.569
Mas convém mencionar, também, propostas como a que pretende
reduzir a população do planeta para 600 milhões de pessoas – um
número que seria compatível com a sobrevivência da biosfera –, pre-
sumivelmente apresentada pelo chamado clube de Bilderberg,570 no
rastro de muitas das iniciativas que retrata com ironia Susan George
em El informe Lugano [O relatório Lugano].571 George sugere que,
frente a uma crise geral, as mais altas instâncias haveriam chegado à
conclusão de que a única forma de salvar o sistema seria uma “estra-
tégia de redução da população”572. Estaríamos diante de uma forma
de resposta biológica do grande capital, que desfrutaria de um refe-
rendo adicional resgatado por Amery, para quem “se está partindo do
pressuposto de que a produção desejada da economia mundial pode
ser satisfeita por 20% da população planetária, graças às últimas ino-
vações técnico-científicas”573, com as consequências esperáveis. Na
mesma linha argumentativa há de se lembrar as numerosas teoriza-
ções que, na onda de Naomi Klein, apreciam nas catástrofes naturais
uma oportunidade, não para mudar drasticamente nossas formas de
vida e nossas relações, e sim para promover os negócios. Assinalarei

568 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 205.


569 HAMILTON, 2015, op. cit., p. 204.
570 LATOUCHE, 2006, op. cit., p. 56.
571 GEORGE, S. El informe Lugano. Barcelona: Icaria, 2001.
572 ARIÈS, 2002, op. cit., p. 13.
573 AMERY, 2002, op. cit., p. 172.

154
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

que aos olhos de Milton Friedman as consequências do furacão Ka-


trina em Nova Orleans ofereceram uma oportunidade única para
reformar de maneira radical o sistema educativo, na medida em que
levantaram muitos dos obstáculos que dificultavam as mudanças de-
sejadas.574 Outro tanto tem sucedido na reconstrução do Haiti, tão in-
teressante para um sem fim de empresas privadas.575 A própria lógica
do capitalismo verde, que concebe o meio ambiente como um negó-
cio, se encaixa sem fissuras nessas considerações. Talvez nada retrate
melhor o que significa simbolicamente o capitalismo verde do que
as gigantescas torres edificadas no meio do deserto, em Dubai, com-
pletamente insustentáveis, ainda que utilizem técnicas modernas em
matéria de economia de energia e recuperação de água.576
Já assinalei – e volto a fazê-lo – que se no passado a eutanásia dos
pobres era justificada com base nas necessidades do capital, agora co-
meça a se defender, para cimentá-la, um suposto compromisso com
o planeta e sua preservação.577 É certo que os critérios de seleção de
quem deve se salvar nem sempre são claros, por mais que se possa
intuí-los. Assim, entre os beneficiados estarão, seguramente, muitos
dos habitantes dos países ricos e das elites dos países do Sul – são fre-
quentes os exemplos de habitações de pessoas endinheiradas prepa-
radas para o colapso, com armazenamento de vacinas e medicamen-
tos. Já entre os perdedores se encontrarão a maioria da população dos
países pobres, as minorias estrangeiras, os velhos e os incapacitados.
Ainda que seja esperado que o grosso da população de determina-
dos espaços geográficos se salve, não cabe descartar, inclusive nesses
cenários, a implantação de medidas de proibição da imigração, de es-
trito controle de natalidade, de extensão do aborto e do infanticídio
no caso de malformações, de fechamento de horizontes vitais para os
velhos e de eutanásia voluntária.578 Em termos gerais, não interessará,
elites à parte, quem sequer sirva como força de trabalho ou, o que é
quase a mesma coisa, quem nem trabalha nem consome.

574 AZAM, 2010, op. cit., p. 130.


575 Ibidem, p. 131.
576 LORIUS, C.; CARPENTIER, L., 2010, op. cit., p. 117.
577 ARIÈS, 2002, op. cit., p. 38.
578 HEINBERG, 2010, op. cit., p. 118.

155
Carlos Taibo

Dificilmente surpreenderá a afirmação de que o ecofascismo


demanda um projeto político manifestamente hierarquizado. Cabe
supor que seus impulsores, autoapresentados como salvadores, se-
rão em alguns casos dirigentes carismáticos.579 Receberão o apoio
de camadas da população que preferirão perder direitos para man-
ter – ou para intuir que manterão – determinados privilégios. Esses
impulsores criarão novas instituições, que apontarão para uma franca
militarização da vida coletiva e estenderão o terror e o medo.580 Não
somente isso: apontarão para a ideia de que há de se fazer frente a um
sem fim de inimigos hostis. E provavelmente estimularão as divisões
religiosas, étnicas, linguísticas e de classe.581 É verdade, contudo – e
como tenho a oportunidade de lembrar em várias ocasiões nesta obra
–, que a quebra das relações de comando e controle que se seguirá ao
colapso, de uma forma ou de outra, será traduzida em problemas na
implantação de uma imaginável maquinaria ecofascista.

Impérios e países do Sul


Parece evidente que boa parte da discussão que acabo de expor
desvela uma história que vem de longe: a dos impérios e a da punição
por eles exercida nos países do Sul. Tentarei esboçar um argumento
para explicar como se vincula o horizonte do ecofascismo às lógicas
imperiais e ao espólio desses países.
Começarei pelos impérios, hoje em dia imersos numa irrefreável
fuga que se manifesta – e vou me referir a dois exemplos vinculados
com o conteúdo geral deste livro – no propósito de abrir uma nova
via de comunicação marítima no Ártico e na possível exploração de
novas jazidas de matérias-primas. A primeira coisa que se impõe
observar em relação aos impérios é a dificuldade de mantê-los,582
paralela à necessidade de empregar uma força que não está tão clara-
mente à sua disposição num momento de escassez geral de recursos.

579 HEINBERG, 1996, op. cit., p. 52.


580 MONGARDINI, C. Miedo y sociedad. Madrid: Alianza, 2007, p. 87.
581 HOMER-DIXON, 2006, op. cit., p. 3.
582 Ver, por exemplo, PARSONS, T. H. The Rule of Empires. Oxford: Oxford
University, 2010.

156
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Vaclav Smil tem sublinhado que os EUA se tornaram um império,


em boa medida, como resultado do emprego muito extenso de uma
energia583 que visivelmente faltará no futuro. A debilidade repentina
das tecnologias a serviço do ecofascismo pode ser traduzida, por outra
parte, numa maior violência num cenário marcado por um paradoxo:
os impérios mostram uma extrema dependência no que diz respeito
aos territórios dominados.584 O que durante muito tempo tem dado
força a eles, a centralização, tende a se converter num problema agu-
do, na medida em que o resultado é um sistema insustentável. Não
parece que o tipo de disseminação de instrumentos de intervenção
que se prepara, ao amparo de uma mescla de forças armadas regula-
res e exércitos privados ou mercenários que funcionarão de maneira
mais ou menos autônoma, permita encarar os desafios principais. Os
impérios terão que enfrentar fluxos regionais autônomos cada vez
mais significativos e, ao mesmo tempo, uma menor ligação entre as
diferentes áreas do planeta.
Faz sentido identificar alguns dos problemas militares que pre-
visivelmente se farão valer. No caso dos EUA, Greer estima que os
três maiores problemas serão o que poderá ocorrer com a dissua-
são nuclear, a sobrevivência de aliados como Israel e, em suma, o
controle da fronteira meridional do país.585 São óbvias, de qualquer
modo, as delicadas situações que podem se revelar no que se refere à
manutenção e uso das armas nucleares, que necessitam um contro-
le exaustivo e permanente.586 A isso se somarão, previsivelmente, a
perda de informação no que diz respeito à sua localização587 e as in-
cógnitas derivadas da proliferação deste tipo de armas. Junto às cinco
potências nucleares tradicionais, desponta hoje a presença de países
como Israel, Índia, Paquistão ou Coreia do Norte. Em um terreno
próximo, quem vai pagar pelos contratos dos técnicos e engenheiros
encarregados de manter as centrais atômicas?588 O que sucederá com

583 HOMER-DIXON, 2006, op. cit., p. 162.


584 GREER, 2014, op. cit., p. 151.
585 Ibidem, p. 161.
586 Ibidem, p. 165.
587 ACOT, 2004, op. cit., p. 258.
588 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 200.

157
Carlos Taibo

os arsenais de armas químicas e biológicas? Não se manifestarão pro-


blemas com barcos, aviões e submarinos, com altas tecnologias difi-
cilmente sustentáveis, com a informática como um delicado tendão
de Aquiles? Não terão sido, enfim, os sucessivos fiascos dos militares
estadunidenses no Afeganistão, no Iraque e na Síria uma antecipação
do que está pronto para acontecer em grande escala?
No que se refere aos países do Sul, encontramos também parado-
xos. Parece que são chamados a ser o cenário, antes que tudo, da ené-
sima operação de rapina imperial, graças a uma renovada pulsão que
tanto aspirará pelo controle de matérias-primas escassas como pela
ocupação de áreas geoestrategicamente importantes. Falo, ademais,
de regiões do planeta muito afetadas pela mudança climática e muito
vulneráveis ante eventuais aumentos nos preços da energia. Segundo
uma estimativa, um aumento de 10 dólares no preço do petróleo
provocará um retrocesso de 3% no PIB destes Estados.589 São países
muito mais permeáveis à expansão das enfermidades, cenários habi-
tuais de revoltas do pão, que arrastam graves problemas sociais que
afetam principalmente mulheres, crianças e idosos, com situações
particularmente críticas nas grandes cidades e com Estados falidos,
dotados de instituições muito frágeis, marcadas pela corrupção e pela
deterioração de todas as relações.590 Claro que nos países do Sul se
farão valer outras circunstâncias delicadas, como é o caso dos efeitos
do colapso no comércio mundial, de uma péssima situação para as
economias baseadas na exportação, da presumível expansão da pira-
taria, de um novo impulso experimentado pelas agressões ao meio
ambiente. Cabe prever, por exemplo, o franco desaparecimento de
grandes superfícies arbóreas, ou a ocorrência de migrações em mas-
sa em busca de regiões mais tranquilas, comumente encontradas no
norte do planeta, mas ocasionalmente também no sul (na Argentina
e Chile, na África do Sul, na Austrália e Nova Zelândia, ou até mes-
mo em algumas áreas da Antártida). Não faltarão, enfim, confrontos

589 RUBIN, 2010, op. cit., p. 238.


590 RAPPOPORT, L. Scarcity, Genocide, and the Postmodern Individual. In:
DOBKOWSKI, M. N.; WALLIMANN, I. (ed.). The Coming Age of Scarcity: Pre-
venting Mass Death and Genocide in the Twenty-First Century. New York: Syra-
cuse University, 1998, p. 269-282. [cit. p. 270.]

158
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

agudos, com ilhas protegidas – talvez as zonas mais altas e chuvosas


do continente africano – em proveito das classes abastadas.
Alguns elementos resistem ao vigor do tétrico panorama que
acabo de descrever. Ainda que historicamente os cenários de escas-
sez tenham sido propícios à implantação de genocídios, há algumas
razões de peso que convidam a concluir que o colapso pode bene-
ficiar indiretamente os fracos, ou pode ser menos prejudicial entre
estes que para os poderosos. Esse pode ser o caso de países pouco
dependentes de energia estrangeira e de tecnologias complexas, até
o ponto de não ser demais sustentar que quanto mais pobre for um
país, menores serão os problemas que, não sem paradoxo, ele terá que
enfrentar. Num mundo ao revés,591 em muitos lugares não haverá
multinacionais exploradoras, nem planos de ajuste do Fundo Mone-
tário Internacional, e as desigualdades recuarão. Kunstler afirma que,
ao recuperar o controle sobre seus recursos e deixar de padecer a de-
vastação cultural promovida pelo Ocidente, os países pobres optarão
espontaneamente por estilos de vida mais simples como os que, de
fato, desenvolveram durante muitos séculos.592

Frente ao colapso, servem os modelos


­autoritários?
Sou obrigado a encarar, mesmo que resumidamente, uma per-
gunta delicada: na hora de enfrentar o risco do colapso, ou o colapso
propriamente dito, não estariam as sociedades autoritárias e hierar-
quizadas em melhor posição que as sociedades que não exibem esse
caráter? Não é mais fácil que seja a China, e não as democracias
liberais – supondo que não sejam autoritárias nem hierarquizadas…
–, aquela que enfrentará de maneira convincente a mudança climá-
tica?593 Há estudiosos que, carregados de razão, entendem que no
mundo ocidental um dos principais problemas a esse respeito é o
fato de que as grandes empresas travam qualquer abordagem séria

591 WABERI, A. A. Aux États-Unis d’Afrique. Arles: Actes Sud, 2006.


592 James Howard Kunstler em BIZZOCCHI, 2009, op. cit., p. 210.
593 ORESKES, N.; CONWAY, E. M. The Collapse of Western Civilization: A
View from the Future New York: Columbia University, 2014, p. 70.

159
Carlos Taibo

dos elementos causais do colapso. Cabe se perguntar, no entanto, se


num cenário como o chinês não emergiriam interesses e estruturas
da mesma natureza ou se a competição internacional na qual a China
está imersa não a conduz, de novo, a abandonar a luta contra a mu-
dança climática ou a implantação de medidas que permitam enca-
rar o esgotamento das matérias-primas energéticas. É verdade que a
China, para não sair deste exemplo, declarou que entre 2011 e 2015,
pelo menos no papel, a maior preocupação das instituições não seria
o crescimento da economia, e sim a qualidade do desenvolvimento,
que procuraria fórmulas que garantissem um menor uso do carvão e
uma maior eficiência energética.594 Os esforços das autoridades para
reduzir emissões foram anulados, no entanto, pelo rápido, e muitas
vezes irracional, crescimento da economia.595 Não convém esquecer,
isso sim, que boa parte das emissões chinesas de CO2 corresponde
aos produtos importados pelos países ocidentais.596
Rudolf Bahro, outrora representante de um singular e heterodoxo
marxismo na República Democrática da Alemanha, reconvertido no
principal teórico de uma forma de ecofascismo suave – permita-me
o oximoro – na Alemanha de hoje, estima que a crise ecológica deve
ser resolvida em virtude de mecanismos autoritários implantados
por um governo de salvação ou por um “Estado-deus”597. Murray
­Bookchin, que debateu no seu momento com Bahro, assinalou a
respeito, e eu tenho aderência ao seu argumento, que uma ditadura
ecológica – em virtude de que insólito processo ela veria a luz? – seria
qualquer coisa menos ecológica e acabaria com o planeta, além de
operar em proveito de uns poucos. Acarretaria a glorificação do con-
trole social, da manipulação, da coisificação dos seres humanos e da
negação da liberdade, tudo isso em nome da resolução dos problemas
do meio ambiente.598 Frente à réplica de Bahro, de que semelhante
afirmação não parecia prestar atenção ao lado negativo, o do egoísmo
e da competição, da natureza humana, Bookchin se perguntou por

594 HEINBERG, 2011, op. cit., p. 201.


595 HAMILTON, 2015, op. cit., p. 4.
596 Ibidem, p. 90.
597 Janet Biehl, em BIEHL, J.; STAUDENMAIER, P., 2011, p. 71
598 Ibidem, p. 77.

160
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

que se haveria de canalizar esse lado negativo através de sua institu-


cionalização pela via da força, da superstição, do medo e da ameaça,
e pela via, em paralelo, de ideologias bárbaras.599 Sobre as instituições
resultantes – a agregação é minha – não é razoável concluir que, lon-
ge de abraçarem qualquer procedimento encaminhado a afrontar a
crise ecológica, dariam renda livre – aí está a Alemanha hitleriana
para ilustrá-lo – ao lado negativo da natureza humana? Não se con-
verte a fórmula de Bahro em uma justificativa soterrada da domi-
nação, da exploração e da hierarquia que estão, paradoxalmente, na
origem da crise ecológica? Não estaremos frente à cópia de uma ideia
muito estendida, de raiz hobbesiana, que subentende que somente
um governo que faça uso de mecanismos coercitivos pode permitir
que se afrontem os problemas que estão na origem do risco de co-
lapso e, mais adiante, os que se farão valer uma vez verificado este?
A minha rejeição às vias hierárquicas e autoritárias se revela em
todos os âmbitos imagináveis. Não pode me parecer senão uma su-
perstição, por exemplo, a proposição de que os militares, por organi-
zação e disciplina, serão uma ajuda vital para fazer frente ao colapso.
É mais fácil imaginar que eles se voltem a serviço dos projetos de-
senvolvidos pelas classes dirigentes tradicionais. Tampouco gosto da
perspectiva de que se resolva algum problema relevante com a defesa
da necessidade de abandonar uma economia de mercado em provei-
to de outra dirigida600 – haveria que se colocar de acordo, claro, sobre
o que este adjetivo significa, pois as economias dirigidas podem estar
a serviço, também, de um projeto ecofascista. E mais, há algum sen-
tido em imaginar que a democracia liberal, claramente subordinada
aos interesses das grandes corporações, seria um mecanismo de sal-
vação, in extremis, e pela via de urgências inevitáveis, da humanidade?
Deixo ao leitor uma pergunta provocadora: haverá um ecofascismo
ocidental e outro chinês?

599 Ibidem, p. 78.


600 HOLMGREN, 2013, op. cit., p. 10.

161
6. As percepções populares
­sobre o colapso

“Se pensa que mitigar a mudança climática é


caro, prepare-se para não mitigá-la”
(Richard Gammon)

“Na partida disputada entre a crise energética


e a crise climática, os humanos têm preferi-
do reabrir, como acontece no País de Gales,
minas de carvão para responder à demanda,
em vez de limitar as emissões de CO2”
(Claude Lorius e Lorent Carpentier)

Um estudo realizado nos EUA em relação às percepções susci-


tadas pela mudança climática dividia os norte-americanos em seis
grupos: os alarmados (18%), os preocupados (33%), os cautelosos
(19%), os desentendidos (12%), os indecisos (11%) e os displicentes
(7%).601 Parece interessante abrir aqui um breve capítulo sobre uma
questão importante: a relativa a quais são as percepções populares
com respeito ao colapso. É importante porque remete a um dos ele-
mentos vitais do estado da questão correspondente, ao menos no que
se refere às possibilidades de ação e resposta. O que hoje ocorre com
essas percepções tem um destaque limitado, ou ao menos o tem se
damos por certo que a proximidade do próprio colapso seguramente
provocará mudanças na interpretação dos fatos básicos. Nas percep-
ções populares influi também a própria situação de cada momento
e lugar; é provável, por exemplo, que aquelas sejam mais recepti-
vas no que diz respeito ao que o colapso significa se ganham corpo
num cenário de crise prolongada. Meu propósito nestas páginas é,
em qualquer caso, modesto: me contentarei em tentar expor, com

601 HAMILTON, 2015, op. cit., p. 108.

163
Carlos Taibo

vocação estritamente pedagógica, algumas das diferentes percepções


populares que o colapso suscita.

Ignorância e negacionismo
Muitas vezes se dá como certo que as pessoas têm um conheci-
mento suficiente no que se refere à natureza dos elementos que justi-
ficam a conclusão de que um colapso sistêmico é possível. Há razões
demasiadas para concluir, no entanto, que não é assim. Recordarei,
por exemplo, que ainda que nos EUA 92% da população já tenha
ouvido falar da mudança climática e 90% pense que o país deveria
reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, isso não impediu que,
em 2009, entre as vinte maiores preocupações dos norte-americanos,
a mudança climática ocupasse o último lugar.602 O conhecimento
dessas matérias, comumente escasso, se traduz como um vago senti-
mento de inquietude, não materializado em angústia, nem em ação,
nem numa atitude preocupada. No melhor dos casos, se converte em
tema de conversação, quase sempre trivial, que surge da constatação
de fenômenos atmosféricos mais ou menos anômalos. Ainda que
possa se vincular com certa consciência de que algo anda mal, não
é infrequente que provoque conclusões lamentáveis, como a que faz
pensar que um aumento de quatro graus na temperatura média do
planeta pode ser saudável. Um ministro francês do Meio Ambien-
te retratou bem o cenário mental que agora me interessa: “A crise
ecológica suscita uma compreensão difusa, cognitivamente pouco
influente, politicamente marginal, eleitoralmente insignificante”603.
A alegação de ignorância – “eu não sei nada sobre isto” – pode
se converter numa afirmação que permite contornar desarmonias
emocionalmente delicadas. Ao que parece, nosso cérebro está pro-
gramado para calcular apenas o imediato, o concreto e o visível.604
Nessas condições, nem a mudança climática nem o esgotamento das
matérias-primas energéticas atraem suficientemente nossa atenção.

602 Ibidem, p. 120.


603 Citado por LATOUCHE, 2006, op. cit., p. 257.
604 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 220.

164
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Aos olhos de muitos, é preferível não crer no colapso porque essa


crença pode ser incapacitante. Ou, o que é o mesmo, é preferível
seguir atuando como se a fonte de risco não existisse. Nos sentimos
mais reconfortados confirmando nossas ideias do que as revisando,
e nos inclinamos por não perder em momento algum o otimismo e
manter a esperança. Pensamos que ocorrerá, simplesmente, o que de-
sejamos que ocorra,605 e deixamos de lado, então, o custo emocional
de aceitar que estamos equivocados: entendemos que é preferível, em
suma, mantermo-nos no erro.
O cenário mental de que falo guarda frequentemente relação com
as posições negacionistas, quase sempre enganosas e manipuladoras.
Como é sabido, o impulso principal destas tem sido oferecido por
percepções induzidas por grandes empresas – no caso, também, por
governos –, ao amparo de uma estratégia encaminhada a semear dú-
vidas e gerar ignorância. Por isso as empresas implicadas têm muda-
do a argumentação: se primeiramente negaram que houvesse limites
no planeta, mais adiante sugeriram que estes limites existiam, mas
estavam muito longe, para depois assinalar que o mercado e as tec-
nologias permitiriam enfrentar os problemas, e concluir que a única
solução segue sendo o crescimento econômico, que nos proporcio-
nará os recursos para encarar esses problemas.606 Essa ladainha de
argumentos adaptativos tem-se somado com frequência à lembrança
de que todos os prognósticos catastróficos do passado demonstraram
ser, no final, incertos.
O discurso negacionista tende a enfatizar que não há um con-
senso pleno dentro da comunidade científica. No que diz respeito
à mudança climática, o acordo sobre a sua importância e os perigos
dela derivados era, anos atrás, de apenas 97-98% dos trabalhos publi-
cados.607 Esse discurso aponta, em paralelo, que as questões tomadas
como objeto de discussão são demasiadamente complexas para per-
mitir que se extraiam conclusões definitivas, e acrescenta que, uma
vez que coletivamente não há, como resposta, nenhum projeto sério

605 James Howard Kunstler em BIZZOCCHI, 2009, op. cit., p. 32.


606 Dennis Meadows citado por SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit.,
p. 223.
607 GILDING, 2012, op. cit., p. 32-33.

165
Carlos Taibo

em curso, nada podemos fazer senão permanecer à margem. Esta


tem sido na realidade a posição que defenderam também os gover-
nantes norte-americanos, ou ao menos a que se fez valer nos anos de
presidência de George Bush Filho.608 O estabelecimento de ressalvas
científicas que, visivelmente abusivas, conduzem à conclusão de que
nada sabemos com certeza,609 foi, em certo sentido, estimulado pelo
discurso dos próprios cientistas, que geralmente são muito cautelo-
sos e se expressam através de canais que se ajustam a essa prudência.
Desse modo, nem sempre é fácil provocar mudanças significativas
nas percepções populares ou, em outro campo, influenciar poderosa-
mente os formuladores de políticas.

Um otimismo sem freio


Já antecipei o argumento que sugere que, em muitos casos, o que
se revela é uma fé cega no que desejamos que se torne realidade.610
Cremos, magicamente, que seguirá funcionando o que aparente-
mente tem funcionado até agora, sem nos perguntarmos, claro, o
que ocorreu no passado e quais são as consequências. A vida seguirá
adiante, como tem sucedido sempre, com maiores ou menores con-
tratempos. No fim, se a humanidade chegou até aqui, não há nenhum
motivo sério para concluir que não seguirá fazendo-o. Nos bastido-
res, aprecia-se um fenômeno delicado: tendemos a nos agarrar à in-
formação que nos é mais cômoda e a evitar a que não nos agrada. E
nos rodeamos de pessoas que fazem o mesmo.611 Primo Levi gostava
de citar uma máxima alemã que reza que “não podem existir coisas
cuja existência não é moralmente possível”612.
Essa percepção permite contornar todos os problemas. Ela tam-
bém nos sugere que as mudanças serão lentas, previsíveis e manejá-
veis,613 que já superamos situações piores ou que basta adotar algumas

608 KOLBERT, 2006, op. cit., p. 160.


609 Ibidem, p. 164.
610 James Howard Kunstler em BIZZOCCHI, 2009, op. cit., p. 32.
611 HAMILTON, 2015, op. cit., p. 96.
612 Ibidem, p. XI.
613 Ibidem, p. 29.

166
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

medidas menores – reciclar, por exemplo – para afrontar os desafios


principais e atenuar a nossa má consciência. Ademais, conclui-se
que quando os problemas se manifestarem com toda sua força rea-
giremos, sem dúvida, a tempo. As autoridades saberão melhor que a
gente o que haverá de se fazer, uma vez que, se estão onde estão, deve
ser por um bom motivo. O cenário futuro, enfim, não será tão nega-
tivo; do contrário, já veríamos sinais a anunciá-lo. Não é infrequente
que se cruze com distorções como as que derivam de visões místicas
dos fatos, distantes de qualquer análise empírica destes e carrega-
das de juízos de valor. Essas visões costumam arrastar, em particular,
uma manifesta ignorância em relação às consequências da conduta
­pessoal na sua deriva tecnológica e industrial.
Em socorro dessas percepções, acode com muita frequência a tec-
nologia: logo aparecerão – nos dizem – procedimentos e ferramentas
que permitam resolver os problemas que hoje nos parecem inabor-
dáveis. Conseguiremos frear a mudança climática e encontraremos
alternativas no campo energético. Assim, a tecnologia, idolatrada,
funciona como uma espécie de totem religioso que desvanece magi-
camente todas as situações delicadas.614 Não faz sentido, no bojo de
tais argumentos, invocar nenhum princípio de precaução que convi-
de, com prudência, a assumir um exercício de autocontenção para o
caso de que as tecnologias invocadas não apareçam. Quantas vezes
nos foi dito que a tecnologia resolveria todos os nossos problemas,
embora, de fato, eles tenham vindo muitas vezes a radicalizá-los?
O carpe diem é uma das consequências lineares desse estado de
otimismo perpétuo. Foi a posição adotada, ao que parece, por alguns
passageiros do Titanic que, mesmo sabendo que o navio estava indo
a pique, e na falta de melhor remédio, decidiram continuar bebendo
champanhe e bailando uma valsa. Em outras palavras, aproveitemos
o que temos e desfrutemos. Somente devemos nos preocupar com o
mais imediato e com o que está mais próximo. Em muitos casos, o
que se manifesta é uma primazia radical outorgada ao curto prazo em
detrimento do longo: estamos dispostos a lutar pelo mais próximo,
pois entendemos que podemos alcançar os objetivos esperados, mas

614 GREER, 2011, op. cit., p. 168.

167
Carlos Taibo

não atuamos da mesma forma com o mais afastado, que frequente-


mente nos parece inabordável. Em outras modulações do fenômeno,
o que se impõe é a ideia de que o colapso, ou a catástrofe que lhe
corresponda, não nos afetará, ainda que possa afetar nossos filhos ou
netos. Essa ideia é vista eventualmente acompanhada de uma aceita-
ção intelectual do risco correspondente que não dá lugar, no entanto,
a uma assunção emocional e prática do que significa.615 Há quem
tenha sugerido que nossa relação com o colapso guarda semelhanças
com a que mantemos com a morte: sabemos que, inevitavelmente,
vamos morrer, mas a morte somente nos marca de maneira poderosa
quando a temos próxima.616 Parece como se, em alguns casos, estivés-
semos afirmando, simplesmente, que somente levaremos o colapso a
sério quando o tivermos diante dos olhos.

A culpa e a conspiração
É claro que outras perspectivas parecem colocar no centro da dis-
cussão o conceito de culpa e se valem de uma ideia mil vezes repetida:
eu não sou culpado pelo que pode ocorrer, e fico eximido de qualquer
responsabilidade de atuar a respeito. Se com esta percepção esquece-
-se que, com frequência, somos corresponsáveis pelo que pode acon-
tecer, uma conclusão quase inevitável afirma que a ação individual é
inútil. Os problemas devem ser resolvidos, então, por aqueles que os
causaram: os governos, as empresas, os exércitos… Essa forma de ver
as coisas aproxima-se de outra, que afirma que não há sentido em se
opor a um colapso que se fará valer, façamos o que façamos. Em al-
guns casos, essa posição sugere que o colapso em questão não é senão
um castigo merecido, devido à conduta da espécie humana.
No entorno do colapso não faltam, como se poderia esperar, ver-
sões mais ou menos conspiratórias. Vou me limitar a reunir duas
delas. A primeira, que parece ser bem mais cética no que se refere ao
risco de um colapso sistêmico, promove uma discussão sobre se deve-
-se ou não falar do colapso. Conforme essa percepção, quem dirige o

615 HAMILTON, 2015, op. cit., p. X.


616 Idem.

168
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

planeta pode se valer do medo de um colapso como ferramenta para


sustentar seu poder: o medo da população justificaria, então, por si só,
que se fizessem concessões que se situariam na linha do ecofascismo.
Durante a Guerra Fria se fez evidente que a ameaça de uma catás-
trofe planetária gerava, interessadamente, um medo popular que era
aproveitado com inteligência pelos poderosos da época. Essa visão
dos fatos, que seguramente incorpora elementos de interesse, conduz
à conclusão suspeita de que é preferível não falar do colapso, uma vez
que a tese conspiratória poderia participar da própria conspiração:
esse silêncio é o que hoje defendem os círculos de poder. A segunda
das versões conspiratórias, da qual já me ocupei aqui, é a que aponta
a possibilidade de que o colapso seja, na realidade, um fenômeno
interessadamente provocado – de novo na linha do ecofascismo –, na
esteira dos processos retratados por Naomi Klein ao amparo da sua
doutrina do choque.
É importante, contudo, enfatizar o vigor de um paradoxo interes-
sante. Se na maioria das discussões relativas ao colapso aparece outra
discussão que se interessa por determinar qual é a condição, saudável
ou não, que devemos atribuir ao silêncio em torno do colapso, temos
que distinguir dois âmbitos distintos de manifestação dessa disputa.
Enquanto o primeiro, o dos círculos oficiais e dos meios de comu-
nicação repetidores, é caracterizado, pelo menos hoje em dia, por
uma manifesta marginalização de qualquer debate sobre o colapso, o
segundo, próprio da literatura e do cinema, é assentado na presença
significativa deste último. Basta ler o conteúdo presente nas páginas
de um livro extremadamente sugestivo como é A estrada, de Cormac
McCarthy. É verdade, contudo, que a maioria das manifestações do
colapso na literatura e no cinema obedecem a um propósito de en-
tretenimento e não a uma vontade de alimentar um discurso críti-
co. Não sei, enfim, se procede incluir nesta consideração das versões
conspiratórias outra que aparecerá de forma inesperada. Tenho em
mente os efeitos de um discurso de certa esquerda, que enfatiza que
a preocupação por estas matérias se vincula com as classes médias
estabelecidas, que preferem não se interessar pela pobreza, a explora-

169
Carlos Taibo

ção ou as condutas neocolonialistas.617 E conclui, em sintonia com a


proposta dominante, que não importa falar do colapso.

O ciclo de Elisabeth Kubler-Ross


Numa análise bem conhecida, Elisabeth Kubler-Ross referiu-se
a um ciclo de reação que, aplicado em relação ao colapso, e também
em muitos outros cenários, teria cinco etapas: a negação, a angústia, a
adaptação, a depressão e a aceitação.618 Se nesse ciclo é possível apre-
ciar momentos delicados, também se revelam outros que abrem a
porta de uma esperança com respeito ao futuro. Os protagonistas são
pessoas que, diferentemente da maioria dos seres humanos de que
temos falado neste capítulo, assumiram o horizonte de um colapso
possível. Quanto àqueles que, por diversos caminhos, têm preferido
se desinteressar do risco do colapso, parece operar uma conduta bem
retratada pela frase de Pascal: “corremos despreocupadamente para
o precipício, depois de termos colocado diante de nós algo para não
enxergá-lo”619.
Nos bastidores, o que frequentemente acaba prevalecendo é uma
extrema dificuldade na hora de romper, de maneira individual ou
coletiva, com um impulso geral de aceitação acrítica da realidade
existente. E por trás desta dificuldade se suspeita, claro, em boa parte
da população do Norte opulento a intenção de não renunciar a um
modo de vida no qual se tem investido tanto que desfazer-se do que
ele significa se torna uma tarefa impensável. Aos olhos de muitas
pessoas é inimaginável um horizonte de redução do consumo e de
abandono das percepções que este implica em termos de status social.
Para muitas pessoas, somente interessa saber, em outras palavras, se
poderão encher o tanque de gasolina. Desta matriz mental surge,
também, o propósito de buscar desesperadamente matérias-primas e
tecnologias que lhes permitam conservar aquilo de que dispõem, sem
se perguntarem se vale a pena, com efeito, preservar isso. Sobram

617 Ibidem, p. 113.


618 ORLOV, 2013, op. cit., p. 13.
619 GILDING, 2012, op. cit., p. 32-33.

170
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

razões para concluir que as coisas não ocorrem como deveriam, tal e
qual testemunham as depressões, as neuroses, o estresse e os suicídios
nos países do Norte. E não deixa de ser sugestivo que todas estas dis-
funções tenham sido disparadas nos países que têm experimentado
significativos crescimentos econômicos.620
O ciclo se fecha com uma recusa de pensar nas gerações vindou-
ras e nas demais espécies que nos acompanham na Terra. Continua
operando uma superstição de que já falei: a de que nossos governan-
tes sempre sabem o que fazer, têm soluções alternativas e de modo
algum estão sujeitos a funestos interesses imediatistas. O pouco co-
nhecimento do enredo que se articula em torno de partidos, parla-
mentos e instituições se revela à luz de uma reflexão como esta.

620 James Howard Kunstler em BIZZOCCHI, 2009, op. cit., p. 56.

171
7. Conclusão

“A natureza e a humanidade podem sobre-


viver sem a civilização industrial, mas nem
a civilização industrial nem a humanidade
podem sobreviver sem a natureza”
( John Michael Greer)

“A característica mais significativa da


civilização moderna é o sacrifício do futuro
em proveito do presente. Todo o poder da
ciência foi prostituído com esse objetivo”
(William James)

Tenho que voltar aqui a uma discussão que me atraiu já no prólo-


go desta obra. É fácil, muito fácil, que um livro desta natureza provo-
que uma réplica trivial: a que sugere que, em suas páginas, se defende
uma tese lamentavelmente catastrofista, milenarista e apocalíptica.621
Eu acredito firmemente que não é bem assim. Vou me limitar a res-
ponder que nestas páginas não se invoca nenhum texto sagrado ou
profecia. Faço uso, pelo contrário, de opiniões expressas por cien-
tistas, desenvolvidas de forma racional e moderadamente plausíveis,
mesmo que não permitam estabelecer certezas absolutas. Também
não há nenhum impulso milenarista, ainda que com frequência eu
assuma – e reconheço isso – a ideia obscura de que o que nos espera
é, em grande parte, o resultado da lamentável linha de conduta pela
qual finalmente tropeçamos. Mesmo assim, essa ideia não leva ao
desespero de quem pensa que estamos irremediavelmente condena-
dos. Exige, pelo contrário, uma mudança radical na nossa maneira

621 Ver GREER, J. M. Apocalypse: A History of the End of Time. London: Quer-
cus, 2012. Sobre como se examina o futuro e quem o faz, ver STRATHERN, O. A Brief
History of the Future: How Visionary Thinkers Changed the World and Tomorrow’s
Trends are “Made” and Marketed. New York: Carroll & Graf, 2007; sobre os estu-
dos relativos ao futuro, ver SARDAR, Z. Future: All that Matters. London: Hodder
& Stoughton, 2013; sobre alguns dos prognósticos para uso, ver REES, 2004, op. cit.

173
Carlos Taibo

de ser, de agir e de nos relacionar, e não anuncia castigos divinos.


Como se pode ver, nestas páginas não se fala sobre o mal e os efeitos
do pecado, tampouco se apresenta um cenário de confronto do bem
contra o mal, não se defende nenhuma forma de salvação individual
e, de modo algum, se reivindica a ascensão de códigos religiosos que
ameaçam o fim dos tempos e enunciam profecias autorrealizáveis.622
Tal como sugeri no Prólogo, o que este modestíssimo livro sugere é
que é provável um colapso geral do sistema e que seria prudente que
agíssemos sobre o problema, estimulássemos o debate sobre ele e, se
fosse o caso, procurássemos soluções. Ainda que seja verdade que o
colapso terá muitas consequências negativas, nem por isso deixará
de existir a possibilidade de se reestabelecer relações bem sucedidas
entre os seres humanos, e entre estes e o meio natural em suas múl-
tiplas manifestações.
Minha impressão, além disso, é que recebemos a herança de uma
sociedade profundamente doente, de um “mundo equivocado” em
que, tal como afirmou Fabian Freyenhagen, ninguém pode se sentir
saudável e viver bem. Zygmunt Bauman, em ideia parecida, afirma
que nos tornamos “inválidos que olham através da janela do hospi-
tal”623. Este delicadíssimo cenário talvez se complete com mais três
fatos. O primeiro se refere ao fracasso geral da ideia de progresso e,
com ele, do projeto pensado: cada vez há mais motivos para con-
cluir que o que comumente se entende por progresso é uma forma
de encobrir a destruição do meio natural. O segundo fato se refere
à obrigação de se identificar processos dos quais nenhum lugar do
planeta está livre. Aí estão, para testemunhar, a mudança climática,
o esgotamento das matérias-primas energéticas, um retrocesso geral
na produção e no comércio, o aumento do desemprego, as dificulda-
des em matéria de produção de alimentos, as migrações em massa
ou as guerras. O terceiro, por fim, nos lembra que temos que ter
consciência de que, aconteça o que acontecer, a vida seguirá, claro, na
Terra, embora com transformações tão importantes que levará muito

622 ORR, 2009, op. cit., p. 135.


623 ZERZAN, 2015, op. cit., p. 128.

174
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

tempo para recuperar o regime característico do Holoceno.624 Outra


coisa é o que acontecerá, no entanto, com a vida humana…
De qualquer forma, gostaria de fechar este livro com meia dúzia
de observações que podem se configurar em um resumo, tanto da
tese defendida aqui como das conclusões que dela se convém extrair.

1. Eu tenho a intuição – que de modo algum se trata de uma


certeza – de que dificilmente poderemos evitar o colapso. O que está
ao nosso alcance é mitigar alguns dos efeitos mais negativos deste,
postergar um pouco o tempo da sua manifestação e nos preparar para
fazer a sociedade pós-colapsista o mais suportável possível. Embora
seja verdade que a afirmação anterior depende do que entendemos
por colapso, o mais provável é que, o que quer que façamos, chegare-
mos tarde. Nossas possibilidades de estabilizar o clima, de restaurar
os sistemas naturais, de conter a população e de erradicar a pobre-
za625 têm diminuído com o passar dos anos. A redução das emissões
poluentes, cheias de armadilhas, se mostra claramente insuficiente, o
plano de limitar o consumo energético praticamente não prosperou,
e não há planos sérios em matéria de reflorestamento ou de restau-
ração da vida marinha e dos aquíferos. Posto isso, e apesar do que
reza o discurso dominante em tantos lugares, a lógica do benefício
privado tem minado qualquer plano sério destinado a acumular co-
nhecimentos e habilidades que nos permitam construir comunidades
com dimensões menores, descentralizadas e sustentáveis, capazes de
garantir uma vida satisfatória. Parece evidente que as opções que os
poderosos dão à nossa presença na Terra vão por outro caminho.
Ademais, para encarar a maioria dos problemas que temos pela
frente precisamos de um longo período de tempo do qual, desgra-
çadamente, não parece que iremos dispor. Isto é particularmente
notório no caso do esgotamento das matérias-primas energéticas.
Para evitar o colapso deveríamos ter agido no momento certo, talvez
duas décadas antes da chegada do pico do petróleo.626 Na percepção

624 BONNEUIL, C.; FRESSOZ, J., 2013, op. cit., p. 38.


625 BROWN, 2011, op. cit., p. 96.
626 GREER, 2015, op. cit., p. 16.

175
Carlos Taibo

de Greer, nossa intervenção teria que ter acontecido em 1986.627 O


próprio Greer afirma que a percepção do que poderia acontecer de-
veria ter se tornado evidente década de 1970, quando ainda havia
um excedente de combustíveis fósseis que dariam um certo espaço
de manobra. O período entre 1980 e 2005 se caracterizou, conforme
o ponto de vista desse autor, por uma cegueira extrema.628 E o resul-
tado é hoje palpável: quando o motorista de um caminhão pesado
avista um perigo e decide frear de forma brusca, é inevitável que a
inércia do veículo o faça parar muito além do que é desejável.

2. Ao meu entender, é evidente a dramática falta de idoneidade


do mercado para enfrentar os problemas que me interessaram nes-
ta obra. No melhor dos casos, o mercado resolve os problemas de
escassez quando não há escassez… Ludibriado pela lógica do lucro
e pelo curto prazo, estimula uma competição indesejável, tem um
caráter hierárquico, é incapaz de se livrar do mito do crescimento
econômico e, em suma, aprofunda a importância desses problemas,
os vinculados à escassez, que acabo de mencionar.629 Os preços que
o mercado aplica são incapazes de levar em conta fenômenos como:
mudança climática, doenças geradas pela civilização humana ou os
custos das intervenções militares necessárias para manter o controle
sobre os campos de petróleo.630 Como apontou Gilbert Rist, as regras
do mercado permitem extrair os recursos de uma região, consumi-los
em outra e evacuar os resíduos numa terceira, com nítido benefício,
é claro, para a segunda dessas regiões. Nesse processo, e claramen-
te ignorando os efeitos em longo prazo, o mercado desconsidera a
diferença entre os bens renováveis e os não renováveis, ao mesmo
tempo em que alimenta a competição entre as economias de diferen-
tes lugares, impossibilitando qualquer aproximação para consertar os
problemas.631

627 Ibidem, p. 17.


628 GREER, 2009, op. cit., p. 13-14.
629 BAKER, 2015, op. cit., p. 80.
630 BROWN, 2011, op. cit., p. 8.
631 RIST, G. El desarrollo: historia de una creencia occidental. Madrid: Los Li-
bros de la Catarata, 2002, p. 216-217.

176
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

Não resta senão extrair uma conclusão: o capitalismo, longe da


aplicação de qualquer princípio de precaução, é um sistema incapaz
de se autolimitar632 e mostra capacidade imponderada de controlar
as tecnologias que emprega. Ainda que às vezes as decisões geno-
cidas e naturicidas do capitalismo estejam vinculadas a programas
claramente premeditados, em muitas ocasiões o sistema propicia o
genocídio e o naturicídio em virtude de um impulso inercial e es-
pontâneo, mal planejado. Com base nesta tese – a da inconsciência
de muitas políticas – levantam-se algumas das explicações que suge-
rem que o colapso pode ser um momento repentino que gera uma
crise selvagem, sem retorno. No entanto, convém acrescentar que a
responsabilidade da tragédia que talvez se aproxime não é exclusiva
dos estratos governantes do capitalismo: com diferentes níveis, ela
nos alcança a todos.
Imbuído de um curto-prazismo anormal, o capitalismo parece ter
perdido, além de tudo, os mecanismos de freio que no passado lhe
permitiram salvar a pele. Tem melhorado, porém, sua posição no que
diz respeito ao controle das mentes. Como rezava uma máxima di-
fundida nas redes sociais, devemos prestar atenção à reação daqueles
que se mostram indignados com a corrupção quando descobrirem o
que é a mais-valia…

3. Mas não se trata somente do mercado. Temos que falar, tam-


bém, de algo que o acompanha de maneira indissociável. Refiro-me
à propriedade privada, que multiplica as dimensões da desigualdade
claramente inseridas no cenário contemporâneo. Muitas vezes eu tive
que tomar nota de uma formidável superstição: a que sugere, contra
todas as evidências, que a propriedade privada e o mercado são as
garantias fundamentais contra o esgotamento dos recursos e contra o
próprio colapso. É surpreendente que, a essa altura, ainda haja quem
afirme que as grandes empresas são as primeiras interessadas em es-
tabelecer medidas ferrenhas que permitam fazer frente ao colapso.
Isso é o que, inesperadamente, pensa, por exemplo, Jared Diamond.633

632 AZAM, 2010, op. cit., p. 133.


633 DIAMOND, 2006, op. cit., p. 442.

177
Carlos Taibo

Parece que outra realidade é imposta: temos que enfrentar, nesses


momentos, processos muito delicados que, em mãos privadas, esca-
pam de qualquer intenção vinculada ao interesse geral. A sobrevivên-
cia, que tem que se tornar, forçosamente, o nosso primeiro objetivo,
não parece ser precisamente lucrativa, ainda que seguramente haverá
quem procure lhe outorgar este caráter. Estamos diante do que Greer
descreve como uma transição da economia da abundância para a eco-
nomia da escassez,634 com o bom entendimento de que temos que ad-
mitir que o cenário desta última é propício para o reaparecimento de
muitas fórmulas que não têm nada a ver, é claro, com a colaboração e a
solidariedade. Sendo assim, temos que admitir que a crise econômica
iniciada em 2007-2008 teve um efeito adicional delicado: o de adiar
muitas das discussões, e entre elas a dos defeitos que acompanham o
mercado e a propriedade privada, vinculadas ao colapso.

4. Não esqueçamos que, ao longo do século XX, o consumo de


energia foi multiplicado por 10; a extração de minerais industriais,
por 27; e a produção de materiais de construção, por 34.635 As so-
ciedades opulentas se caracterizam por uma insaciabilidade perma-
nente e, ao mesmo tempo, pela impossibilidade de dar satisfação a
necessidades que, muitas vezes, têm sido artificialmente criadas. Esse
desarranjo toma corpo, ademais, em um cenário marcado por um
profundo curto-prazismo e por um retrocesso geral do emprego e
dos salários, que obviamente se convertem em um obstáculo para a
desatinada expansão do consumo que o sistema postula.
Com esses antecedentes, sobram razões para concluir que, dados
os limites ambientais e de recursos do planeta, devemos abandonar a
lógica do crescimento econômico em proveito da busca pela qualida-
de da vida, da mesma forma que temos que nos distanciar da lógica
do consumo e dos desaforos que acompanham essa lógica. Enquanto
isso, temos que apostar pela igualdade em todos os níveis. Eu consi-
dero que o campo pelo qual caminho agora remete a códigos que vão
além dos estritamente econômicos:

634 GREER, 2011, op. cit., p. 193.


635 SERVIGNE, P.; STEVENS, R., 2015, op. cit., p. 36.

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Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

a dependência, de uma forma ou de outra, permeia todos os aspectos


da sociedade industrial. A dependência de álcool – de comida, de
drogas, de tabaco… – não é formalmente diferente da dependên-
cia de prestígio, de ascensão profissional, de influência mundial, de
riqueza, de necessidade de construir bombas mais complexas ou de
exercer um controle sobre tudo.636

A maior estratégia, bem projetada, do sistema é a que nos convida


a consumir um ou outro bem sem permitir – já fiz essa referência –
que perguntemos se esses bens são necessários ou nos interessam. A
maioria daqueles que se pronunciam sobre questões que me ocupa-
ram neste livro, como o esgotamento das matérias-primas energé-
ticas, parece dar por certo que uma tarefa primordial no momento
presente é a de buscar fontes de energia que nos permitam manter
– nesse caso, aprofundar – a condição de que hoje desfrutamos. Não
seria mais inteligente, no entanto, discutir primeiro se desejamos
manter essa condição para depois – e uma vez repudiadas muitas das
imposições que a rodeiam – discutir a quantidade de energia de que
precisamos? Estamos realmente interessados em preservar um mun-
do como o que a industrialização capitalista e os combustíveis fósseis
nos deram? Um mundo que Lewis Mumford entendeu ser uma vida
encapsulada, em virtude da qual passamos boa parte do nosso tempo
em um automóvel ou diante de uma televisão?637
No fim das contas, a lógica do sistema que nos é imposto é muito
singular. Bertrand Méheust descreve um exemplo muito esclarece-
dor a respeito. Suponhamos que a Rússia descubra no oceano Glacial
Ártico uma enorme reserva de gás e de petróleo que possa ser extra-
ída com custos muito razoáveis. Como resultado, a possibilidade real
de prolongar nossa orgia de consumo durante umas décadas é au-
mentada. Neste cenário mental, é muito fácil que todas as discussões
relativas à crise ecológica sejam adiadas. Como um alcoólatra que
volta a beber sem freio ao perceber que sua cirrose diminuiu, mesmo
que temporariamente, voltaríamos aos maus hábitos.638 Porque há

636 Morris Berman, citado por HEINBERG, 1996, op. cit., p. 49.
637 KUNSTLER, 1994, op. cit., p. 10.
638 MÉHEUST, 2009, op. cit., p. 85.

179
Carlos Taibo

poucas possibilidades de que, nessas condições, com mercados e pro-


priedades privadas envolvidos, aproveitemos a situação para usar de
maneira comedida os recursos encontrados e prever o que nos será
cobrado num futuro muito próximo.

5. As instituições políticas, nas democracias liberais e fora delas,


não contribuem com nada de interessante no que se refere ao debate
sobre o colapso. O que vem delas é uma combinação de cegueira,
pensamento de curto prazo e defesa obscena de óbvios interesses pri-
vados, com algum fogo de artifício no meio. No que diz respeito a
este último, penso, no caso espanhol, no manifesto “Última chamada”,
assinado em 2014 por um punhado de líderes das forças políticas da
esquerda que logo preferiram esquecer o seu conteúdo, tanto nas de-
clarações públicas como nos programas dos partidos que representam.
Permitam-me, contudo, tentar esboçar três dimensões – algumas
das quais acabo de mencionar – da política adotada pelas instituições
e, com elas, por certo, por organismos internacionais. A primeira as-
sume a forma de uma manifesta submissão aos interesses privados,
que desfrutam de um visível apoio oferecido pelas estruturas de po-
der. Se as multinacionais ditam as regras do jogo, aos Estados cabe a
tarefa de apontar um cenário propício para os interesses correspon-
dentes. Embora nesse cenário existam poucos estímulos para a mu-
dança e, pelo contrário, sejam muitos os que desejam manter o negó-
cio, o comum é que a ecologia seja considerada um projeto inimigo
da economia. Nos últimos anos, as respostas à crise só aumentaram
os problemas e os riscos no campo dos limites e recursos ambientais,
sob o amparo de políticas que, autodescritas como de austeridade, não
tiveram resultado prático, obviamente, no campo ecológico.
Em segundo lugar, a parafernália institucional não vai além do
capitalismo verde que, isso sim, ilustra a capacidade do sistema para
absorver iniciativas aparentemente alternativas. Limito-me a lem-
brar que o capitalismo verde acredita que a ordem principal está em
posição de resolver, tanto no campo técnico como no econômico, os
problemas relacionados à crise ecológica, de modo que a consciência
da possibilidade de um colapso não faz parte da sua agenda. Nos

180
Colapso
Capitalismo terminal, transição ecossocial, ecofascismo

bastidores, e como já sabemos, não há nenhuma vontade de contestar


nem o crescimento econômico, nem o estilo de vida ocidental.
Acrescento, por fim, que a maquinaria que me atrai, a das insti-
tuições, revela uma ignorância orgulhosa dos problemas de médio
e longo prazo. Os líderes políticos partem da certeza de que não
podemos renunciar à energia barata, ao crescimento econômico, aos
automóveis e a um sem-fim de produtos exóticos. Em consequência,
admitem disputas, em circuito fechado, sobre o regime enquanto as
rechaçam, por outro lado, quando se referem ao sistema. Nos meios
de comunicação controlados pelo capital é extremamente difícil en-
contrar alguma discussão que se interesse pelo trabalho assalariado,
pela mercadoria, pela alienação, pela sociedade patriarcal, pelas guer-
ras imperiais, pela crise ecológica e, naturalmente, pelo colapso. Pelo
contrário, é simples identificar os obstáculos objetivos, de todos os
tipos, que as instituições impõem à articulação de movimentos como
os que estão materialmente dedicados à transição pós-colapsista.

6. Quando me propus a tarefa de considerar a natureza das pro-


postas alternativas que, desde a igualdade e a solidariedade, foram
sendo formuladas diante da perspectiva do colapso, percebi o enorme
peso que nelas têm, de forma cristalina ou oculta, o que vou chamar
de tradição libertária. Como o leitor pôde ver no Capítulo 4, essas
propostas se baseiam, sem dúvida, na defesa da auto-organização das
sociedades, incluindo todos os grupos sociais, da autogestão, da de-
mocracia e da ação direta, e do apoio mútuo.
Trata-se, em última instância, de manter a esperança diante da
barbárie. Desejamos, em outras palavras, que nossas opções não se
reduzam ao mercado, à implantação de diversas formas de autori-
tarismo ou a uma previsível combinação de um e de outro. E que
descubramos, de forma agradável, que há outros horizontes distin-
tos dos ditados pelo capital, pelo mercado e pelo benefício privado.
Nada seria pior, em qualquer caso, que a opção em benefício de uma
instituição, o Estado, que arrasta consequências lamentáveis em ma-
téria de centralização, burocracia, desigualdade e repressão. É difícil
imaginar, em suma, que esta opção não acabe por servir a algum tipo
de ecofascismo.

181
Carlos Taibo

A alternativa que tentei descrever no capítulo relativo aos movi-


mentos pela transição se materializa, já hoje em dia, na construção
de espaços autônomos autogeridos, desmercantilizados e,
quiçá, despatriarcalizados (e em esforços direcionados para autogerir
e socializar, na medida do possível, os serviços públicos). Esses es-
paços, que devem lutar pela sua federação e por um aumento da sua
dimensão de confronto com o capital e com o Estado, tanto podem
servir para evitar o colapso – esta é a versão mais otimista – como
para nos preparar para o que está prestes a ocorrer depois do colap-
so – talvez a versão mais realista. Tanto em um horizonte como no
outro terão que fazer frente, de fora do capitalismo e das suas regras,
a um programa mínimo no qual se encontrarão verbos como decres-
cer, desurbanizar, destecnologizar, despatriarcar e descomplexar nossas
sociedades. Nas palavras de Richard Heinberg, “talvez a coisa mais
importante que tenhamos que preservar para as futuras gerações seja
a lição moral que acompanha o crescimento e o colapso da civiliza-
ção industrial”639.

639 HEINBERG, 2007, op. cit., p. 160.

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Este livro foi disponibilizado no site da Editora UFPR em
junho de 2020.

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