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Para Léia, Guilherme e Fernando com carinho.
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Agradecimentos
Aos meus pais, Márcio e Marite, e meus irmãos, Murilo e Felipe, pelo apoio irrestrito
sempre.
Ao orientador Prof. Dr. Fernando Hashimoto pela confiança e pelas preciosas
intervenções.
Aos professores que integraram as bancas de qualificação, recital e defesa do mestrado,
José Alexandre Carvalho, Budi Garcia, Leandro Barsalini e Carlos Stasi.
A família Marçal (Armando e Niltinho).
Aos amigos Rodrigo Morte, Guilherme Marques, Guca Domenico, Rodrigo Marinonio,
Leandro Lui, Rogério Boccato, Deni Domenico, Nelton Essi, Rodolfo Arilho, Osvaldo
Bigaram, Vana Gierig, Antonio de Almeida (Toniquinho) e Glaúcia Vidal que
estiveram presentes desde o principio do me ajudando com o projeto.
Aos meus professores Rui Carvalho (meu primeiro incentivador), Eduardo Gianesella,
Luis Caldana, Luiz Guello (pela sugestão do tema), John Boudler, Carlos Stasi, Alberto
Ikeda e Gersinho da Banda.
A todos que gentilmente, sem medir esforços se dispuseram a participar com inúmeras
contribuições, Barão do Pandeiro, Beto Cazes, Oscar Bolão, Paulinho Bicolor, Vitor
Pessoa, Sérgio Barba, Danilo Moura, Teco Martins, Lua Lafaiette, Hélio Cunha. Mário
Séve, Profa Liliana Bollos, Camila Bonfim, Fábio Prado, João Mauricio Galindo e
Sérgio Freddi.
A todos os entrevistados que muito contribuíram para essa pesquisa, especialmente
Marcos Alcides da Silva (Esguleba) que nos apoiou e ajudou com as entrevistas e
ensinamentos.
A Contemporânea e seu diretor Roberto Guariglia.
Carlo Careqa que nos introduziu a Chico Buarque, bem como Vinicius França, Mário
Canivello pelos esforços em fazer essa intermediação.
$0DUN/DPEHUWXP³LUPmR´TXHJDQKHLKiPXLWRVDQRV, que se dispôs a entrar na fase
final para ajudar com as entrevistas realizadas com Caetano Veloso e Chico Buarque.
Aos amigos e companheiros de mestrado, Paola Albano, Nath Calan, Igor Brasil.
Aos amigos e músicos excepcionais participantes desde sempre que enriqueceram meu
sonho, Daniel Allain, Gabriela Machado, Rubinho Antunes, Fernando Corrêa, Sidnei
Borgani, Marinho Andreotti, Wesley Vasconcellos, Luiz Guello, Danilo Moura, Nelton
Essi, Deni Domenico e Leandro Lui.
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E ao Prof. Dr. Fábio Oliveira, amigo e conselheiro que muito me ajudou.
Obrigado a todos que participaram direta ou indiretamente para finalização do trabalho.
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RESUMO
A presente dissertação investiga a atuação do músico Nilton Delfino Marçal (Mestre
Marçal), tendo como enfoque sua performance como ritmista. Apesar da atuação de
Mestre Marçal em vários instrumentos de percussão, essa pesquisa é delimitada
somente a sua execução ao tamborim. O período que engloba essa pesquisa se encontra
entre os anos de 1963 e o final da década de 1980. São discutidos alguns procedimentos
musicais adotados pelo músico de forma recorrente, a serem tomados como aspectos
distintivos em sua performance e, portanto, vistos como traços característicos de seu
estilo. O cruzamento de dados provenientes de transcrições e análises musicais com
dados oriundos da história oral, que compõe a base para esta discussão, tem por objetivo
responder a hipótese central deste trabalho, que considera Mestre Marçal um dos
principais pontos de contato entre duas gerações, uma relacionada com seu pai
Armando Marçal e Bide, ambos da Turma do Estácio, e a outra relacionada
posteriormente com a Turma do Cacique de Ramos.
Palavras-chave: Mestre Marçal;; tamborim;; percussão brasileira;; estudo interpretativo;;
performance.
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ABSTRACT
This dissertation deals with the musician Nilton Delfino Marçal (Mestre Marçal) with
emphasis on his performances as percussionist. In spite of Mestre Marçal having a great
career playing all kinds of Brazilian percussion instruments, this research is focused on
his work with the tamborim. The period in which this research encompasses goes from
WRWKHHQGRIWKH¶V5HFXUUHQWPXVLFDOSURFHGXUHVDGRSWHGE\0HVWUH0DUoDO
will be discussed and taken as a distinctive aspect of his performance and seen as
characteristic of his style. The crossing of data provided by transcriptions and musical
analyses with data collected through oral history serve as basis for this discussion. The
main objective is to respond to the central hypothesis of this research, which considers
Mestre Marçal to be one of the main links between two generations, one that includes
his father, Armando Marçal and Bide, both from the Turma do Estácio, and the later one
from the Turma do Cacique de Ramos.
Keywords: Mestre Marçal;; tamborim;; Brazilian percussion;; interpretative study;;
performance.
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ix
Figura 55: Frase de tamborim grave. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.compassos 11 a 42. .............. 87
Figura 56: Frase de tamborim tocado na madeira. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali. ........................ 87
Figura 57: Frase do tamborim grave com mudança de acento. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali. .... 88
Figura 58: Manuscrito da partitura de Jobimniana, de Cyro Pereira.compassos 133-138. ............................... 89
Figura 59: Frase de tamborim de teleco-teco. .................................................................................................. 89
Figura 60: Entrada tamborim Jobimniana. Cyro Pereira .................................................................................. 91
Figura 61: Tamborins: Hércules e Dininho. Não é assim, 1993. 0:00-0:09 (faixa 5 do CD). .......................... 95
Figura 62: Tamborins de Celsinho Silva. Domingo na Geral, 2002. 0:35-0:47 (faixa 6 do CD). .................... 97
Figura 63: Microfone Sennheiser 421. ........................................................................................................... 102
Figura 64: Transcrição de Sandroni (2001a) da música Na Pavuna............................................................... 108
Figura 65: Introdução de Leva Meu Samba, 1941. 0:01-0:10 (faixa 7 do CD)............................................... 109
Figura 66: Tamborim na entrada de voz, Leva Meu Samba, 1941. 0:11-0:20 (faixa 8 do CD). ..................... 109
Figura 67: Introdução de Vira Esses Olhos pra Lá, 1943. 0:03--0:13 (faixa 9 do CD). ................................. 110
Figura 68: Levada principal de Vira Esses Olhos pra Lá. 0:13-1:09 (faixa 10 do CD). ................................ 110
Figura 69: Primeira variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:10-1:14 (faixa 11 do CD). .......... 111
Figura 70: Segunda variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:43-1:49 (faixa 12 do CD). .......... 111
Figura 71: Última variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:53-1:58 (faixa 13 do CD).............. 111
Figura 72: Introdução, tamborim, Não diga a Minha Residência. 1944. 0:01-0:10 (faixa 14 do CD). .......... 112
Figura 73: Tamborim, entrada de voz, Não diga a Minha Residência. 0:10-0:20 (faixa 15 do CD). ............. 112
)LJXUD³&RPHQWiULRV´GHWDPERULPNão Diga a Minha Residência. 0:37-0:47 (faixa 16 do CD). ......... 113
Figura 75: Final, tamborim, Não Diga a Minha Residência. 2:28-2:38 (faixa 17 do CD). ............................ 113
Figura 76: Introdução, tamborins, Deixa Essa Mulher pra lá. 0:01-0:10 (faixa 18 do CD). .......................... 114
)LJXUD7DPERULQV³SHUJXQWDVHUHVSRVWDV´Deixa Essa Mulher pra lá. 1:38-1:43 (faixa 19 do CD). .... 114
)LJXUD³&RQYHUVD´HQWUHWDPERULQVDeixa Essa Mulher pra lá. 2:00-2:05 (faixa 20 do CD). ................ 114
Figura 79: Variação de levada de tamborim, Deixa Essa Mulher pra lá. 2:21-2:30 (faixa 21 do CD). ......... 115
Figura 80: Caixeta ou wood block. ................................................................................................................. 116
Figura 81: Tamborim utilizado na gravação de Tamborins, Batucada Fantástica (1963). ............................. 118
Figura 82: Primeira parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:12-0:27 (faixa 22 do CD). ............................ 119
Figura 83: Segunda parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:27-0: 41 (faixa 23 do CD). ........................... 121
Figura 84: Terceira Parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:42-0:56 (faixa 24 do CD). ............................. 123
Figura 85: Robertinho Silva tocando tamborim. ............................................................................................ 124
Figura 86: Robertinho Silva tocando caxixis.................................................................................................. 124
Figura 87: Sapato de Trecê, entrada do tamborim, 1:13-1:26 (faixa 25 do CD) ............................................ 125
Figura 88: Sapato de Trecê, segunda seção. 1:27-1:40 (faixa 26 do CD). ...................................................... 126
Figura 89: Sapato de Trecê, terceira seção. 1:41-1:52 (faixa 27 do CD). ...................................................... 127
Figura 90: Sapato de Trecê, quarta seção. 1:53-2:05 (faixa 28 do CD) ......................................................... 128
Figura 91: Sapato de Trecê, final. 2:47-2:59 (faixa 29 do CD). ..................................................................... 129
Figura 92: Introdução de Pára-raio ................................................................................................................. 130
)LJXUD³3HUJXQWDHUHVSRVWD´GH3iUD-raio, melodia com percussão. 0:51-0:57 (faixa 31 do CD). .......... 130
Figura 94: Exemplo de variações cadenciais de Pára-raio. 0:57-1:04 (faixa 32 do CD). ............................... 131
Figura 95: Melodia junto com aro e semicolcheias de Pára-raio. 1:10-1:23 (faixa 33 do CD). ..................... 132
Figura 96: Imparidade rítmica em Amor Barato. 0:08-0:12 (faixa 34 do CD). .............................................. 132
Figura 97: Fraseado de imparidade rítmica. ................................................................................................... 134
Figura 98: Imparidade 7+9, tamborins, introdução de Amor Barato. ............................................................. 134
Figura 99: Introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:01-0:08 (faixa 35 do CD). ......................................... 136
Figura 100: Repetição introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:08-0:11 (faixa 36 do CD). ....................... 137
Figura 101: Parte final repetição, Vai Passar, Chico Buarque. 0:12-0:15 (faixa 37 do CD). ......................... 137
Figura 102: Primeira variação cavaco e tamborim. Vai Passar. 0:45-0:50 (faixa 38 do CD) ........................ 138
Figura 103: Segunda variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 0:49-0:58 (faixa 39 do CD). ....................... 138
Figura 104: Terceira variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 1:38-1:41 (faixa 40 do CD). ........................ 139
Figura 105: Uníssono de tamborins, Vai Passar. 2:46-3:05 (faixa 41 do CD). .............................................. 140
Figura 106: Frase de tamborim, Coração oprimido. 0:41-0:51 (faixa 42 do CD). ......................................... 141
Figura 107: Repetição frase de tamborim 2, Coração Oprimido. 1:06-1:15 (faixa 43 do CD). ..................... 141
Figura 108: Final tamborins, Coração Oprimido. 3:03-3:10 (faixa 44 do CD). ............................................. 142
Figura 109: Introdução, Esta Melodia, tamborins. 0:00-0:06 (faixa 45 do CD). ............................................ 143
Figura 110: Tamborins em Esta Melodia, compassos 48 a 50. 0:53-0:56 (faixa 46 do CD) .......................... 144
Figura 111: Tamborins uníssonos, Esta Melodia. 1:44-1:47 (faixa 47 do CD) .............................................. 144
)LJXUD³3HUJXQWDHUHVSRVWD´WDPERULP O Meu Guri. 0:18-0:25 (faixa 48 do CD). ............................. 145
x
Figura 113: Acentos do tamborim junto com a melodia. 1:10-1:15 (faixa 49 do CD) ................................... 146
Figura 114: Exemplo do ritmo de cabula extraído de Oliveira (2008). .......................................................... 146
Figura 115: Variação de levadas de surdos. Fonte: Costa e Gonçalves (2012). ............................................. 147
Figura 116: Três tamborins. Fonte: Bolão (2003). ......................................................................................... 147
Figura 117: Três tamborins, O Meu Guri. 0:49-0:57 (faixa 50 do CD). ......................................................... 148
Figura 118: Luna, Mestre Marçal e Elizeu gravando em estúdio. .................................................................. 148
)LJXUD³&RPHQWiULRV´GHWDPERULPGRIUDVHDGRGH0HVWUH0DUoDO ...................................................... 149
Figura 120: Toque de aro e pele do fraseado de Mestre Marçal ..................................................................... 149
Figura 121: Levadas sem utilização dos aros. ............................................................................................... 150
Figura 122: Levadas de duo. Mestre Marçal e Luna. ..................................................................................... 150
Figura 123: Levadas do trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal. .......................................................................... 151
Figura 124: Variação de tamborins utilizadas por Luna, Elizeu e Marçal. ..................................................... 154
Figura 125: De Mamadeira, tamborins. 0:49-0:59 (faixa 51 do CD). ............................................................ 155
Figura 126: Tamborins, Beto Cazes, Leviana. 0:01-0:09 (faixa 52 do CD). .................................................. 157
Figura 127: Beto Cazes e Mestre Marçal gravando em 1986. Fonte: Arquivo Beto Cazes. ........................... 158
Figura 128: Transcrição de melodia e tamborins, Nas Asas da Canção. 1:13-2:07 (faixa 53 do CD). .......... 161
Figura 129: Tamborins de São Mateus. .......................................................................................................... 163
Figura 130: Tamborins, Grupo Cadeira de Balanço. 0:10-0:26 (faixa 54 do CD). ......................................... 165
Figura 131: Tamborins, chamada, Cadeira de Balanço. 0:45-0:49 (faixa 55 do CD). .................................... 165
xi
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional .................................................................. 11
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações Sobre seu Uso ....... 40
2.1. Os Tamborinistas .................................................................................................................. 48
2.1.1 Alcebíades Maia Barcelos ± Bide ............................................................................ 48
2.1.2 Armando Vieira Marçal ........................................................................................... 49
2.1.3 Bucy Moreira, Arnô Canegal e Raul Marques ........................................................ 50
2.1.4 Roberto Bastos Pinheiro .......................................................................................... 53
2.1.5 Elizeu Félix .............................................................................................................. 54
2.1.6 O Trio ...................................................................................................................... 55
2.2 O Tamborim na Escola de Samba .................................................................................... 60
2.3 O Tamborim Além da Escola de Samba e da Roda de Samba ........................................ 67
2.4 O Tamborim Utilizado na Música Contemporânea ......................................................... 81
2.5 O Tamborim na Orquestra ............................................................................................... 85
2.6 A Execução do Tamborim Por Outros Músicos Não Considerados Tamborinistas ........ 93
2.7 Técnicas de Gravação do Tamborim em Registros Sonoros da MPB ........................... 101
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um
Estudo Interpretativo ............................................................................................................................. 106
3.1 O Tamborim Antes de Mestre Marçal ........................................................................... 107
3.2 Traços Idiomáticos da Performance do Mestre Marçal ................................................. 117
Capítulo 4. O Legado ...................................................................................................................... 152
Considerações Finais ....................................................................................................................... 167
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 171
Introdução
1
Introdução
2
Introdução
Devido à extensa e diversificada carreira musical de Mestre Marçal e à
impossibilidade de realizar um levantamento completo e definitivo de gravações durante
o período dessa pesquisa, a pesquisa ficou delimitada à atuação de Mestre Marçal em
somente um instrumento: o tamborim ± e seu uso em diversos contextos musicais. Esta
decisão deve-se à importância do tamborim para o samba, assim como pela contribuição
peculiar de Mestre Marçal no desenvolvimento do instrumento. O tamborim foi um dos
primeiros instrumentos de Mestre Marçal, bem como um dos mais utilizados em
gravações.
O tamborim tem função muito importante dentro do samba, seja num grupo
pequeno ou numa escola de samba. Na avenida, além das coreografias, o tamborim
executa difíceis trechos musicais devido à complexidade das frases, além da velocidade
atual das baterias, que exigem muita habilidade do ritmista. Numa formação menor, a
µlevada¶3 do tamborim é um dos fios condutores da música. Cabe a ele a função de
marcar o padrão que identifica o samba. Um exemplo são as levadas do cavaquinho no
samba e até mesmo a levada que acabou servindo a João Gilberto, que a incluiu em seu
violão na Bossa-Nova, FRQIRUPH FRQWD 0HQHVFDO ³A batida dele [João Gilberto] me
surpreendeu e era tudo o que queríamos para tocar o samba. Ele criou o estilo passando
a batida do tamborim para o violão´0(1(6&$/
Assim, busca-se verificar, através do levantamento de dados provenientes da
análise musical, combinados com informações coletada junto a fontes primárias,
especialmente oriundas de história oral, em que medida as contribuições musicais de
Mestre Marçal tiveram impacto sobre tal geração de ritmistas. A parte central da
pesquisa tem por finalidade realizar um estudo interpretativo sobre a performance
musical de Mestre Marçal em gravações de áudio, com foco no tamborim.
Mestre Marçal tornou-se mais conhecido do público brasileiro a partir da
gravação do seu primeiro disco como cantor em 1978, numa homenagem ao seu pai,
3
³1D WHUPLQRORJLD GRV P~VLFRV SRSXODUHV D OHYDGD p XPD FpOXOD UtWPLFD RX UtWPLFR-harmônica, que
caracteriza determinados acompanhamentos da melodia principal, constituindo fator básico de
LGHQWLILFDomRGRVJrQHURVPXVLFDLV´. (TRAVASSOS, 2005, p. 18)
3
Introdução
Até mais ou menos a década de 1970, Mestre Marçal, juntamente com
Bastos (Luna) e Elizeu, seu pai Armando Marçal e os músicos Bide, Bucy Moreira,
Arnô Canegal, Raul Marques, Heitor dos Prazeres, João Machado Guedes (João da
Baiana) e Angenor de Oliveira (Cartola) representavam os principais nomes da
percussão no samba. Deve-se citar seus seguidores e companheiros das gerações atuais
de percussionistas, como José Belmiro Lima (Mestre Trambique), Ovídio Brito,
Marçalzinho (filho de Mestre Marçal) e Marcos Alcides da Silva (Esguleba) o qaul faz
um relato sobre o Mestre Marçal:
4
Introdução
E a gente, acho que todos, o rapaz aí que começou a tocar, eu, que
tenho 51 anos de idade agora, que começou querer a ser batuqueiro, se
inspirou no Marçal. O Marçal era uma pessoa importante;; além de ele
ser um grande músico, era uma pessoa que dava chance de você poder
ouvir ele tocar [...] Eu me inspirei muito no Mestre Marçal [...].
Mestre Marçal pra mim continua sendo o melhor ritmista do Brasil, é
imortal, nunca vai sair da mente do brasileiro (SILVA, M., 2015).
Chico Buarque completa:
Conforme já observado, a escolha de Mestre Marçal como objeto deste
estudo deve-se à grande diversidade de funções por ele desempenhadas ± ritmista de
estúdio, integrante de grupos atuante em shows, diretor de bateria de escola de samba, e
por ser uma referência unânime entre os músicos. Ao longo da pesquisa, observamos
uma escassez de material sobre Mestre Marçal, tanto em vídeo como em áudio,
principalmente no período de 1953 (sua primeira gravação em estúdio) até o final dos
anos 1960.
Um possível motivo dessa dificuldade pode ter relação com determinadas
gravações desse período em que se estabeleceu a Bossa Nova, em que a maioria das
situações, apresenta uma instrumentação básica em formato de trio (piano, baixo,
bateria). Quando havia percussão, era discreta. E até mesmo o baterista possuía uma
função de pouco destaque, sendo as vassourinhas sua maior companhia4. Os ritmistas
4
³Escovinhas 7HUPREUDVLOHLURVI3O3OXUDOGHµHVFRYLQKD¶GLPLQXWLYRGHµHVFRYD¶&RQMXQWRGHILRV
GH DUDPH ILQRV FRP R PHVPR FRPSULPHQWR HP PpGLD ´ DPDUUDGRV RX IL[DGRV QXPD GDV
extremidades de modo que na extremidade livre as pontas tendam a se afastar, tomando a forma de um
kQJXOR TXH VH DEUH FRPR XP OHTXH RX DEDQR 6mR XWLOL]DGDV SDUD SHUFXWLU LQVWUXPHQWRV GH µSHOH¶
5
Introdução
VREUHWXGR µFDL[DV¶ H µSUDWRV¶ SHORV µEDWHULVWDV¶ (VVD WpFQLFD GH H[HFXomR VXEVWLWXLQGR DV µEDTXHWDV¶
WUDGLFLRQDLVWHYHRULJHPFRPRVLQVWUXPHQWLVWDVGHµMD]]¶QDSURFXUDGHXPDSHUFXVVmRPDLVVXDYHHGH
XPD IULFomR OHYH GD µSHOH¶ SDUD DFRPSDQKDU DV IUDVHV PXVLFDLV S. Prokofieff [sic] XVD µHVFRYLQKDV¶ QR
µSUDWRVXVSHQVR¶HPµ3HGURHR/RER¶). Na música popular brasileira podem ser usadas percutindo
R µFDVFR¶ GH µWLPEDV¶ FRP XPD GDV PmRV HQTXDQWR D RXWUD SHUFXWH D µSHOH¶ &RQKHFLGDV WDPEpP FRPR
µYDVVRXULQKD¶ VmR FKDPDGDV GH µEUXVKHV¶ µUK\WKP EUXVKHV¶ RX µZLUH EUXVKHV¶ >LQJO@ µVSD]]ROD¶
µVSD]]ROH¶µVSD]]ROLQR¶µVFRYROR¶µVFRYRORGHILO¶RXµVFRYRORGHIHUUR¶>LWDO@µEURVVHHQILOGHPHWDO¶
µEDODL¶ RX µEDODL PpWDOOLTXH¶ >IU@ µ6WDKOEUVWH¶ µ'UDKWEUVWH¶ µ-D]]EHVHQ¶ µ%HVHQ¶ H µ%HVLQ¶ >DOHP@
µHVFRYLOODV¶>HVSDQ@HµPHWsORFKND¶>UXVVR@9HUWDPEpPµUXWH¶´ (FRUNGILLO, 2003, p. 120).
5
³5HSLTXHGHDQHOFRQVLVWHHPXPUHSLTXHGHHVFRODGHVDPEDFRPSHOHGHFRXURHPDPERVRVODGRVGH
afinação grave e preso ao pescoço com um talabarte. Ao mesmo tempo que percutimos com uma das
mãos a membrana inferior, com anéis ou dedais nos dedos da outra mão tocamos no corpo de metal do
LQVWUXPHQWR2GHGRSROHJDUGHVVDPHVPDPmRpXWLOL]DGRQDSHOHGHFLPDSDUDID]HUYDULDo}HVQRULWPR´
(BOLÃO, 2003, p. 45).
6
³5HSLTXHGH PmR6HXFULDGRU8ELUDQ\ Felix Nascimento, do grupo Fundo de Quintal, conta que, não
havendo um instrumento disponível pra tocar, utilizou-se de um tom-tom de uma bateria que havia na
casa. Mais tarde, num pagode na quadra do bloco Cacique de Ramos, encontrando-se na mesma situação,
começou a fazer ritmo num repique comum de escola de samba. Por causa da excessiva ressonância do
instrumento, resolveu tirar a membrana de um dos lados, dando-lhe, assim, a forma definitiva que hoje
conhecemos. Colocado sobre a perna, o repique é perFXWLGRFRPXPDGDVPmRVQDSHOHHRXWUDQRIXVWH´
(BOLÃO, 2003, p. 51).
6
Introdução
Figura 1: Repique de anel. Figura 2: Repique de mão.
Naquela época, como se pode observar em fichas técnicas encontrados em
trabalhos de samba, e mais tarde confirmado por músicos e técnicos, existiam músicos
especialistas em um único instrumento. Além dos já citados acima, vale destacar nomes
bastante comuns nas fichas técnicas, como por exemplo Beterlau no agogô, Geraldo
Bongô (que, apesar do nome, era especialista em congas ou atabaques), Wilson Canegal
no chocalho, Zeca da Cuíca, e Jorge José da Silva (Jorginho do Pandeiro), entre outros.
A motivação para realizar essa pesquisa teve início há dez anos, em
conversa sobre samba e especificamente sobre o tamborim, durante ensaios da
Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo, com o baterista e percussionista Roberto da
Silva (Robertinho Silva). O músico é um dos nomes consagrados da história da música
brasileira e reconhecido por suas significativas contribuições à banda do cantor e
compositor Milton Nascimento, bem como por trabalhos com João Donato e Egberto
Gismonti, assim como contribuiu muito na divulgação do uso em trio de tamborins
pelos músicos Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Robertinho Silva gravou vários discos
autorais.
Robertinho me mostrou, nesses ensaios, algumas das levadas de tamborim
que Mestre Marçal utilizava, as quais conheceu após conversa com Marçalzinho, filho
de Mestre Marçal. A partir desse momento iniciei uma busca por material sobre a
7
Introdução
Figura 3: Frase de tamborim em Making Memories, de Vana Gierig.
A ³OHYDGD´ citada acima, muito usual no samba, era desconhecida por mim,
e a descoberta veio através de Robertinho Silva, que tinha Mestre Marçal como
referência habitual. Outras levadas tiveram o mesmo efeito, ou seja, a assimilação e
inserção em outros estilos musicais. Essa influência sobre sambistas fez com que eu
escolhesse Mestre Marçal como figura principal a ser estudada mais profundamente, de
modo a divulgar aos futuros percussionistas e ritmistas sua importância no cenário
musical brasileiro.
Em artigo escrito ao jornal Folha de São Paulo, publicado no dia 27 de
janeiro de 1988, Jorge Caldeira afirma sobre Mestre Marçal que ³seu trabalho tem, por
si só, uma função pedagógica que não deveria ser desprezada, ao menos em função do
8
Introdução
Vinte e um anos depois de sua morte, já quase não se fala em Mestre
Marçal e seus discos não foram reeditados. Para ter acesso à suas
gravações é preciso uma atenta e dedicada pesquisa. Quando, na
verdade, seus discos deveriam estar sendo tocados constantemente em
emissoras de Rádio e Televisão, e seu nome reverenciado a cada
carnaval, assim como os nomes de tantos outros sambistas relegados
ao esquecimento. Mestre Marçal é uma lenda a ser contada e
recontada por todos até o dia em que sua obra brilhe e seja cultuada na
intensidade que merece (LUNA, 2015).
É oportuno destacar também a opinião do escritor Tárik de Souza a respeito
da importância que Mestre Marçal exerceu na percussão do samba no meio musical
EUDVLOHLUR³6HKiRXQkQLPHSUtQFLSH3DXOLQKRGD Viola na dinastia do samba, Mestre
Marçal seria o duque do baralho, como o Ellington do jazz, um mestre dos timbres
inauditos. Senhor das misteriosas afinações de ganzás, cuícas, tamborins e surdos.´
(SOUZA, 2003, p. 81).
Essa dissertação foi organizada da seguinte maneira: no Capítulo 1, realiza-
se um levantamento da trajetória profissional de Mestre Marçal;; no Capítulo 2 e seus
subcapítulos, enfoca-se o tamborim desde sua constituição física, incluindo uma
listagem sucinta do seu emprego em diversos contextos musicais;; o Capítulo 3 consiste
no estudo interpretativo de alguns procedimentos relacionados à performance de Mestre
Marçal no período em que a pesquisa foi delimitada. Esses procedimentos foram
organizados em: a) utilização de rim shot no tamborim;; b) o uso do tamborim fazendo
³FRPHQWiULRV´;; c) o uso do tamborim como solista;; d) tocando tamborim em duo;; e)
tocando em trio;; e por último, apresentamos as considerações finais.
Para discorrer sobre os procedimentos selecionados foram utilizadas
transcrições e análises musicais. Este material musical levantado a partir das
9
Introdução
10
11
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Nilton Delfino Marçal, mais conhecido como Mestre Marçal, era o segundo
de uma tríade de percussionistas consagrados no cenário musical brasileiro (juntamente
com seu pai e seu filho). Nasceu no Rio de Janeiro, no dia 7 de setembro de 1930, no
bairro de Ramos, vindo a falecer no dia 9 de abril de 1994. Mestre Marçal era o segundo
de três irmãos;; Iara, a irmã mais velha, faleceu quando tinha 12 anos e o outro irmão,
Valdir, faleceu com um ano e meio de idade. Seu pai foi Armando Vieira Marçal,
compositor, ritmista da Rádio Nacional, lustrador de móveis e parceiro de Alcebíades
Barcelos, o Bide. Armando e Bide formaram uma das duplas de maior sucesso na
música brasileira, segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira
(2015). A terceira geração veio através do seu filho Armando de Souza Marçal,
conhecido como Marçalzinho. Considerado um dos percussionistas de maior destaque
na música brasileira atual, Marçalzinho tem um currículo invejável, tendo trabalhado
com os artistas internacionais Pat Metheny, Stefano Bollani e com praticamente todos
os artistas da nossa MPB, dentre eles João Bosco, Djavan, Gal Costa, Lulu Santos, entre
outros, segundo ainda o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira (2015).
Como forma de esclarecimento ao leitor, ressaltamos que neste texto nomeia-se Nilton
Delfino Marçal como Mestre Marçal. O nome Armando Marçal refere-se ao seu pai e
Marçalzinho, a seu filho, Armando de Souza Marçal.
Mestre Marçal esteve próximo da música desde criança. Com sete anos,
começou a tocar tamborim e ganhou de presente uma cuíca feita por seu pai. Como o
próprio Mestre Marçal conta:
Eu comecei no samba com 9 anos de idade. Eu nasci em 30, em 39 eu
comecei a militar no samba. Me lembro que meu primeiro ano de
desfile foi na Escola de Samba Recreio de Ramos. Nessa época, o
desfile era na Feira de Amostra. A feira de Amostra lá no Rio era onde
hoje é o Monumento dos Pracinhas. Depois de lá, nós vínhamos pra
Praça XI. Onde tinha o famoso Samba Duro. O cara ia buscar o outro
lá fora, metia a perna no crioulo pra ver, tu ver aquela montoeira de
pano no alto, era pra ver que o crioulo tava descendo. Era famosa a
batucada, não existe mais, acabou (Entrevista de Mestre Marçal ao
produtor Fernando Faro no Programa Ensaio, TV Cultura, 1991).
12
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
O ambiente musical da casa promovia o aprendizado. Todo final de semana,
Mestre Marçal ficava observando seu pai e Bide tocando e compondo;; conforme
FRPHQWD³o pagode em casa começava QRViEDGRHDFDEDYDQDVHJXQGD´. Os µEDPEDV¶
do samba da época, Paulo da Portela, Bucy Moreira, Carlos Galhardo, Gilberto Alves,
também frequentavam sua casa, e era no quintal que eram realizados os ensaios da
escola de samba. Além disso, Mestre Marçal ia sempre aos programas de rádio para
assistir a seu pai tocar (CABRAL, 2011, p. 400).
Uma história curiosa relatada por Mestre Marçal no programa Ensaio da TV
Cultura, mostra o caminho que ele iria trilhar:
Eu me lembro de uma ocasião... O coroa me deu um dinheiro para eu
pagar a mensalidade da escola. E eu saí com o dinheiro para pagar a
mensalidade. Cheguei na Rua das Missões e vinha descendo um
bloco. Eu não tinha nada na mão. Entrei em uma casa de instrumentos
e comprei um pandeiro, entrei no bloco e me desengomei, mas alguém
PH³FDJXHWRX´. &KHJXHLHPFDVDHHOHGLVVH³escuta aqui, você foi na
escola?´ Eu disse: ³IXL´. ³Você pagou a escola?´ Digo: ³paguei´
³Cadê o recibo?´ Eu digo: ³perdi [risos]´. Aí o bicho pegou... Alguém
Mi WLQKD PH ³FDJXHWDGR´ que eu estava num bloco. Não tinha nada...
Na rua, estou vendo a rapaziada ciscando no tapete, eu comprei um
pandeiro e fui à luta também (Entrevista de Mestre Marçal ao produtor
Fernando Faro no Programa Ensaio, TV Cultura, 1991).
Mestre Marçal desfilou no Carnaval até 1942. Ao mesmo tempo, continuou
se aperfeiçoando em vários instrumentos de percussão, como o surdo e o pandeiro, além
da cuíca e do tamborim.
No dia 20 de junho de 1947, seu pai, então com 44 anos, foi à RCA Victor
para receber pagamentos de direito autoral e, dando um sorriso, caiu no sofá e morreu.
Mestre Marçal, que já havia perdido a mãe muito jovem, perdeu então o pai. Nesse dia
se desfazia a dupla Bide e Marçal, a qual tinha composto mais de 120 músicas. Bide
nunca mais compôs uma música sequer após a morte do parceiro. O que Bide fez em
realidade foi ³adotar´ Mestre Marçal como filho. Foi Bide quem conseguiu seu primeiro
emprego, tendo-o indicado para o posto de seu pai na Rádio Nacional.
13
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Mestre Marçal foi testado, e aprovado, pelo baterista Luciano Perrone, e a
partir de então, Mestre Marçal passou a tocar ao lado de Heitor dos Prazeres, João da
Baiana, Bide, Tião, Caboré e Joça no pandeiro. Tocava nos programas de César
Augusto e Paulo Gracindo. Paralelamente, tocava com Herivelto Martins ou em
gafieiras, onde também cantava, segundo relata Cabral (2011, p. 401).
Luciano Perrone foi muito importante para Mestre Marçal: em primeiro
lugar por tê-lo aceito na Rádio Nacional, seu primeiro emprego como músico
profissional, e em segundo lugar por proporcionar sua primeira gravação, em 1953.
Perrone nasceu em 08 de janeiro de 1908 e faleceu em 13 de fevereiro de 2001, e é
reconhecido por ser peça central no uso da bateria no Brasil, bem como pela execução
de música brasileira no instrumento. Perrone construiu uma carreira sólida, tocando em
cinemas, shows, realizando turnês e tocando em programas de rádio. Sua batida de
samba ficou notabilizada a partir de 1927, quando tocava na Orquestra de Simon
Bountman. Durante uma viagem, conheceu o maestro, arranjador e compositor
Radamés Gnattali, com quem trabalhou desde o início da Rádio Nacional. Conselheiro
de Radamés, Perrone fez sugestões que mudaram a concepção de arranjo no Brasil, e
suas sugestões, sem dúvida, ajudaram a mudar, pelo menos em parte, a concepção
musical da época. Não poderíamos deixar de falar de Luciano Perrone.
³1D5iGLR1DFLRQDODRUTXHVWUDQmRSRVVXtDPXLWRVULWPLVWDV/XFLDQR
Perrone, baterista da orquestra, se esforçava em suprir o vazio causado
pela falta de mais percussões e pediu ao maestro que transferisse a
marcação rítmica para os instrumentos de sopro. Em atendimento ao
companheiro, a partir de 1937, Radamés começou a utilizar desenhos
rítmicos da percussão nos demais grupos de instrumentos da
orquestra. Luciano narra com detalhes a história: Íamos, eu e
Radamés, andando na Rádio Nacional, em direção à sala do
$OPLUDQWH TXDQGR SHGL D HOH XP DUUDQMR ³GLIHUHQWH´ 5DGDPpV FRP
DTXHOHMHLWRGHOHFRPHoRXDSHUJXQWDU³'LIHUHQWHFRPR"2TXHpTXH
YRFrTXHUTXHHXIDoD"´([SOLTXHLTXHVHHVFUHYHVVHULWPRGHVDPED
para os instrumentos de sopro a minha vida ficaria mais fácil na
bateria. Quando chegamos na sala do Almirante, havia uns papéis de
música na escrivaninha. Radamés pegou e foi logo escrevendo. No dia
seguinte, no ensaio da rádio, os pistons, trombones, etc. estavam
tocando dentro do ritmo do samba. Nas gravações, porém, o primeiro
arranjo desse jeito foi meVPRSDUD³$TXDUHODGR%UDVLO´(OLIVEIRA
& MARTINS, 2006, p. 181)
14
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Logo após ter entrado na Rádio Nacional, Mestre Marçal foi convidado por
Luciano Perrone a fazer sua primeira gravação. No livro Escolas de samba do Rio de
Janeiro (CABRAL, 2011), seu autor, Sérgio Cabral, pergunta a Mestre Marçal se ele se
lembra de quando ocorreu a gravação: ³Claro que lembro. Foi um samba da Unidos da
Capela chamado Abre Alas, gravado por Jorge Goulart, na Continental, em 1953. Quem
me levou foi o baterista Luciano Perrone. Toquei tamborim.´ (CABRAL, 2011, p. 401).
Infelizmente, não conseguimos documentos que comprovassem outras
gravações realizadas por Mestre Marçal nesse período. Somente tem-se a informação
dessa gravação por ter sido relatada pelo próprio Mestre Marçal.
A escassez de documentos sobre a vida de Mestre Marçal, aliada à falta de
informação nos encartes dos LPs da época, criam um hiato que deixa senão, uma
dúvida: Mestre Marçal atuou em diversas gravações nesse período ou não? Nesse
mesmo período pré bossa nova, houve grande produção musical de samba com Zé Keti,
Geraldo Pereira, Adoniran Barbosa e Nelson Cavaquinho. Logicamente que a percussão
se fazia presente, diferentemente das gravações do começo dos anos de 1930, em que é
difícil distinguir quais instrumentos foram utilizados. No período dos anos 1950 é
possível distinguir quais instrumentos de percussão foram empregados, apesar de não
haver informações sobre os participantes das gravações.
Na década de 1960, de acordo com nosso levantamento, encontramos
pouquíssimas gravações com a participação de Mestre Marçal. Duas dessas gravações
ocorreram com o mesmo grupo, Sambistas do Asfalto: uma de 1960, no disco Assim é o
Samba, e outra de 1967, no disco Sambistas do Asfalto, com Astor Silva (maestro e
arranjador) nos arranjos.7 Como dissemos anteriormente, não é possível identificar qual,
ou quais, instrumentos Mestre Marçal tocou nessa gravação. No ritmo estavam três dos
seus antecessores (Arnô, Bucy e Raul), que talvez tenham sido fonte de inspiração para
7
Disponível em: http://www.toque-musicall.com/?p=159. Acesso em: 14/02/1984.
15
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
16
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Figura 4: Capa do LP Batucada Fantástica, de Luciano Perrone.
Uma das poucas gravações na qual fica identificada claramente a atuação de
Mestre Marçal com destaque, é o LP Na Batida do Samba, s/d, de Alberto Paz, onde
Mestre Marçal inusitadamente aparece como timpanista. Em conversas informais com
ritmistas da velha guarda é possível perceber o orgulho ao comentar essa ousadia, de
colocar um instrumento de orquestra sinfônica, como os tímpanos, na avenida junto a
uma escola de samba. Não há informação exata de quando isso ocorreu, mas intui-se
que foi em meados dos anos de 1960, como relata o Mestre Marçal:
Minha vida é a escola de samba. É um negócio assim, meio [...] vim
vindo, vim vindo, vim vindo, passei pela Recreio de Ramos, Unidos
da Capela, depois fundamos uma escola de samba em Olaria que saiu
com o nome Esquina do Pecado, depois fui pro Império Serrano onde
lancei os tímpanos, instrumento de orquestra sinfônica, lancei no
samba (Entrevista de Mestre Marçal ao produtor Fernando Faro no
Programa Ensaio, TV Cultura, 1991).
A Figura 5 mostra a capa do LP de Alberto Paz, em que Mestre Marçal é a
figura inspiradora da capa, além de executar os tímpanos na gravação. Observando-se a
17
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
capa do disco, nota-se que as baquetas ilustradas na foto se parecem com aquelas usadas
na escola de samba para os surdos e não com baquetas tradicionais de tímpanos.
Figura 5: Capa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz.
Figura 6: Contracapa do LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz.
18
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Figura 7: Ampliação dos nomes dos ritmistas da gravação. LP Na Batida do Samba, de Alberto Paz.
Não podemos afirmar se essa gravação ocorreu antes ou depois da aparição
do instrumento em desfiles na avenida. À convite de Natalino José do Nascimento, mais
conhecido como Natal da Portela, Mestre Marçal mudou do Império Serrano para
Portela. Por um bom tempo ele permaneceu tocando tímpanos até se tornar o diretor de
bateria.
Conforme matéria do Jornal do Brasil GH GH IHYHUHLUR GH ³O
Império será a sétima escola a desfilar, contando como trunfo para vitória sua bateria,
que virá com Marçal destacando-se nos WtPSDQRV´.
19
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Figura 8: Foto do desfile do Carnaval de 1969. Império Serrano. Fonte: Acervo O Globo.
Marçal ³[...]tocou o mesmo tímpano sempre alugado à Rádio Nacional até
1977, quando ascendeu à direção da bateria da Portela.´ (matéria na Revista VEJA, 2 de
maio de 1979).
Ainda no final da década de 1960, é possível encontrar algumas gravações
com mais informações sobre os percussionistas. O LP Gente da Antiga, de Clementina
de Jesus, Pixinguinha e João da Baiana, conta com a presença não só de Mestre Marçal,
mas também de Luna e Elizeu. O produtor foi Hermínio Belo de Carvalho que, em
conversa, conta sobre o projeto desta pesquisa e sobre o trio de ritmistas:
Trabalho, aliás, que se faz mais do que oportuno. Costumo dizer que,
sem esse trio [Luna, Elizeu e Marçal] e os conhecimentos de Elton
Medeiros e Paulinho da Viola, dificilmente eu teria conseguido
produzir os discos de Clementina de Jesus. Acrescente-se outros
nomes, por justiça: Maestro Nelsinho, e um trio imbatível de cordas:
Canhoto, Dino e Meira (CARVALHO, 2013).
20
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
períodos: das 9:00 às 15:00, das 15:00 às 21:00, e das 21:00 às 3:00, praticamente todos
os dias. Interessante notar que apesar das gravadoras terem seus músicos contratados, às
vezes, eles só sabiam com quem iriam gravar quando chegavam ao estúdio.
Nesse período, o nome de Mestre Marçal já era relevante nas gravadoras.
Ele trabalhou em estúdio com os mais variados artistas: Beth Carvalho, Alcione, Tião
Motorista, Jair Rodrigues, entre outros. É importante ressaltar que procuramos
diversificar e restringir os nomes de músicos e artistas com quem Mestre Marçal
conviveu, uma vez que em sua longa e rica trajetória, foram muitos os músicos e artistas
com quem conviveu.
Em 1972, em comemoração aos 50 anos de carreira, Luciano Perrone
gravou outro disco, Batucada Fantástica ± Vol. 3. Os tamborinistas desse disco eram
Luna, Elizeu e Mestre Marçal, que também tocou cuíca em Cuícas loucas. Nessa faixa,
0HVWUH0DUoDOJUDYRXXP³GXHOR´ com outro grande nome do instrumento, o Ministro
da Cuíca (José Santiago da Silva). O Ministro da Cuíca foi um dos maiores cuiqueiros
das décadas de 40 e 50 e um dos mais requisitados em estúdio. Participou de vários
filmes, dentre eles o longa Jangada, de Orson Welles. (Revista VEJA, 27/11/1971, Ed.
167)
Na faixa Tamborins Envenenados é possível ouvir todos os tamborins, cada
XPWRFDQGRVXD³levadD´. Em um determinado momento, cada um deles tem um espaço
para fazer um solo improvisado. Curiosamente, o LP Batucada Fantástica ± Vol. 2 não
foi gravado por Luciano Perrone;; trata-se de um LP com várias escolas de samba e não
está claro quem foram os responsáveis por essa gravação.
Uma das gravações mais comentadas, que sairia dois anos depois, em 1974,
foi o lançamento do primeiro disco de um dos maiores sambistas de todos os tempos,
Agenor de Oliveira, mais conhecido como Cartola. Gravou seu primeiro disco pelo selo
de Marcus Pereira em 1974, pelo o qual ganhou vários prêmios. (CENTRO
CULTURAL CARTOLA, 2015)8 O disco foi produzido por João Carlos Botezelli, o
8
Disponível em: http://www.cartola.org.br. Acesso em: 09 jan. 2015.
21
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Pelão, que conta que precisou implorar para que Marcus Pereira gravasse o disco. Após
a gravação, Marcus Pereira reclamou com Pelão que latidos de cachorro tinham sido
vazados na gravação, mas quando foram ouvir, o ³ODWLGR´ no disco nada mais era que a
cuíca de Mestre Marçal. Em entrevista, João Carlos Botezelli nos disse: ³Esse cara
[Marcus Pereira] não entendia nada de música mesmo.´ (BOTEZELLI, 2014).
As Figuras 9 e 10 abaixo mostram a cuíca de barrica utilizada por Mestre Marçal
na gravação citada acima. Pelão nos relata que a ganhou de presente após
aproximadamente 10 anos de insistência, como presente de Mestre Marçal, e que a
guarda com grande carinho em seu escritório.
Figura 9: Foto da cuíca de Mestre Marçal. Figura 10: Pelão com o presente de Mestre Marçal.
Em 1975, surge o grupo Partido em 5, liderado por Candeia. O grupo
gravou um disco com o mesmo nome, com a intenção de representar uma roda de samba
sem muitas pretensões, mas a recepção foi tão positiva que gravaram mais dois álbuns,
o primeiro dos quais foi gravado no mesmo ano de 1975. Mestre Marçal e Luna
participaram do sucesso desse projeto. No ano seguinte, vários ritmistas resolveram
criar o grupo Os Baluartes. Formado por Luna, Elizeu, Mestre Marçal, Doutor,
Marçalzinho e Toninho (cavaquinho), com produção musical do baterista Hélcio Milito,
gravaram o disco Nira Gongo.
22
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Devido ao grande nível de execução instrumental, essa raridade, depois de
muito tempo, foi disponibilizada na internet. Hoje em dia esse LP é tido como
referência para a nova geração de percussionistas/ritmistas. Marçalzinho relata sobre o
grupo:
A criação desse grupo foi uma vaidade que eles tinham, mas
infelizmente não foi para frente. Ensaiavam toda semana e até fizeram
paletó numa famosa alfaiataria de Ipanema para a capa do disco. Não
chegaram a fazer nenhum show sequer. Como o conjunto não era
sobrevivência para eles, acabou não dando certo;; talvez, se fosse o
contrário, tivesse vingado (MARÇALZINHO, 2014).
Figura 11: Capa do LP Nira Gongo, do conjunto Os Baluartes.
Nessa JUDYDomR p SRVVtYHO RXYLU XPD ³aulD´ de tamborins. Luna, Elizeu e
Mestre Marçal tocam com muita precisão e velocidade, não mais que Doutor, que
também gravou magistralmente o seu repique de anel, que acompanha o trio nessa
gravação. Os trabalhos em que o trio estava envolvido conferiam a eles bastante
liberdade criação, e possivelmente, por serem todos líderes do grupo, infelizmente esse
grupo não seguiu por muito tempo junto, não realizado nenhuma outra gravação além
desse primeiro LP.
23
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Em 1978, o produtor Fernando Faro teve a ideia de gravar o primeiro disco
solo de Mestre Marçal com o aval do então diretor da Odeon, Milton Miranda. Ele
escolheu para o disco Nelsinho do trombone e o Regional do Canhoto. Esse projeto
surgiu após Faro ter ouvido Mestre Marçal cantando num programa da TV Cultura, em
que cantava músicas de seu pai Armando com parceria de Bide. Para o coro foi sugerido
um grupo profissional: a sugestão era que Mestre Marçal convidasse os cantores
amigos, mas ele disse que faltava coragem para o convite. Faro acabou entrando em
contato com todos e, no dia em que apareceu o coro, Mestre Marçal ficou emocionado
com aquele que seria talvez o coro mais caro da história da música brasileira até hoje
(TACIOLI, 2002).
Nas décadas de 1970 e 1980, muitos discos relevantes tiveram a
participação de Mestre Marçal na percussão. Ele realizou gravações com artistas do
porte de Chico Buarque, João Nogueira, Milton Nascimento, Paulinho da Viola,
Martinho da Vila, Clara Nunes, Elton Medeiros, Dona Ivone Lara, Gisa Nogueira,
Gonzaguinha, Cristina Buarque, Miúcha, Paulo Cesar Pinheiro, Conjunto Nosso Samba,
Roberto Ribeiro, entre tantos outros. Importante relatar que os artistas citados acima
fizeram parte do coro do primeiro disco de Mestre Marçal.
Intitulado de coro milionário, esse grupo de artistas se recusou a receber
pela gravação. Todos, sem exceção, estavam ali para fazer uma homenagem ás
contribuições prestadas por Mestre Marçal em suas gravações. Realmente, ter músicos e
cantores desse porte em um disco que celebrou seus 30 anos de carreira, foi algo
fantástico para o Mestre Marçal (CABRAL, 2011, p. 402). Nesse disco, além de cantar,
Mestre Marçal toca tamborim, cuíca e surdo. A respeito dessa gravação, Chico Buarque
nos relata a lembrança daquele momento: ³Foi uma festa, éramos todos fãs e amigos do
Marçal. Nessa época eu já convivia com ele, viajava com ele por toda parte, ia com a
nossa banda comer feijão na casa dele em Pilares. O disco dele tinha esse clima de
confraternização.´ (BUARQUE, 2015).
24
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Figura 12: Capa do LP Marçal, de Mestre Marçal.
Uma situação curiosa que ocorreu durante as gravações desse LP:
O Marçal trocava a letra. A µPlimeira¶. µNão, Marçal, é Primeira¶,
então era refeito somente essa palavra. Marçal tinha esse problema
com a troca do L pelo R. Isso ocorria quando vinha após uma
consoante. Ele até recebeu um convite quando precisava de dinheiro
para gravar um comercial para uma caderneta de poupança e a frase
seria µpoupe na letra que será preta¶ ,QIHOL]PHQWH QmR GHX FHUWR´
(ACERVO O GLOBO, 19 de janeiro de 1988)9.
Mestre Marçal já cantava havia muitos anos e, a respeito da demora em
gravar um disco, ele relata a Sérgio Cabral:
9
Disponível em:
http://acervo.oglobo.globo.com/busca/?tipoConteudo=artigo&pagina=2&ordenacaoData=relevancia&all
words=mestre+marçal&anyword=&noword=&exactword=&decadaSelecionada=1980. Acesso em: 28
ago. 2014.
25
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Há uns seis ou sete anos que venho pedindo pra fazer esse disco. Um
dizia que ainda não era hora, que esperasse mais um pouco, outro
alegava que a direção da casa era contra porque me conhecia como
ULWPLVWD H QmR FRPR FDQWRU ³Você há de convir que disco é um
LQYHVWLPHQWR´, justificavam os produtores que eu procurava
(CABRAL,1979, p. 35).
Antes da gravação de seu primeiro disco solo, Mestre Marçal participou de
gravações de música instrumental brasileira, fato diferenciado do foco de sua forte
ligação com artistas da MPB. A lista de gravações com cantores ligados ao samba já foi
bastante delineada nesse texto, mas a incursão de Mestre Marçal na música instrumental
(isentando o projeto de Luciano Perrone, em que havia somente percussão) pode ter
ocorrido antes de 1963, ano da gravação de Batucada Fantástica de Luciano Perrone,
apesar de não termos encontrado em nosso levantamento gravações antes de 1974. Um
exemplo dessa atuação, pode ser atestada no disco Guitarra Fantástica, de 1976, do
violonista paraense Sebastião Tapajós, que foi lançado somente no exterior e, pelo que
consta, não foi relançado aqui no Brasil. Merece destaque a música Samba em Berlim,
em que se sobressai o tamborim e a cuíca de Mestre Marçal, que foi gravada duas vezes
no final da música.
Outra gravação relevante é o LP Confusão Urbana, Suburbana e Rural, de
1976, um trabalho do saxofonista e clarinetista paulista Paulo Moura, que mostra grande
variedade rítmica. O destaque para Mestre Marçal está na faixa Dois sem vergonha, na
qual ele toca tamborim. Essa gravação é ³considerada um divisor de águas,
principalmente para a música instrumental brasileira devido à fusão de instrumentos de
origens completamente opostas, caso da cuíca coPYLROLQR´10.
Ainda, outra gravação que merece ser lembrada é da música Equilibrista, do
disco Circense (1980), do piaQLVWD(JEHUWR*LVPRQWL$OLD³EDWXFDGD´ de Luna, Doutor,
Robertinho Silva e Mestre Marçal dão um brilho todo especial. Logicamente, as
músicas que Mestre Marçal gravou eram todos sambas$OLiVKiGHVHIULVDU³O coroa
10
Disponível em: http://www.institutopaulomoura.com.br/discos.html. Acesso em: 16/03/2015.
26
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
só tocava samba e nem queria aprender a tocar outra coisa, só samba. Igual a chorão que
VyWRFDFKRUR´ (MARÇALZINHO, 2014).
Nesse mesmo período, a cantora norte-americana Sarah Vaughan, por
muitos críticos considerada uma das maiores divas do jazz, além de amante da música
brasileira, gravou um disco chamado O Som Brasileiro de Sarah Vaughan (RCA/BMG,
1978), produzido por Aloysio de Oliveira e Durval Ferreira. Ao encontrarmos o nome
de Mestre Marçal na ficha técnica da faixa Someone to light up my life (Se todos fossem
iguais a você), uma bossa-nova, nota-se que além de Mestre Marçal, constavam ainda
nomes de outros percussionistas, como Chico Batera, Ariovaldo e Luna. Nesse arranjo
não se ouve nenhuma percussão, trata-se de uma balada com uma orquestra de cordas e
seção rítmica. Imaginando um erro de grafia, notamos que não há no disco nenhuma
utilização dessa formação. Na tentativa de descobrir uma possível falha de impressão,
ouvimos o restante do álbum, e de fato não encontramos esse tipo de formação em
nenhuma das outras músicas. Relato este fato para mencionar quão inexatas são as
informações contidas nesses encartes de LP encontrados.
De volta ao samba, no mesmo ano em que gravou o primeiro disco, Mestre
Marçal chegou ao cargo de Mestre de Bateria na Portela. Em 1978, Mestre Marçal ± que
era diretor da Bateria ± chega ao cargo de mestre e resgata parte da batida da escola.
Somente em 1980 é que divide o cargo com Mestre Quincas, ficando na escola até
198611.
A década de 1980 pode ter sido a que mais lhe deu exposição na mídia. Em
1980, começou a trabalhar na Orquestra da Rede Globo, na qual permaneceu por muitos
anos. Em 1982, foi convidado a integrar a banda de Chico Buarque de Holanda, mesmo
ano em que ganhou o título de Cidadão Samba do Rio de Janeiro.
Em 1984, participou de um projeto de Toquinho na Itália chamado ³&DQWD
%UDVLO´, show que mostrava uma síntese da história da Música Popular Brasileira.
Dentre os inúmeros convidados estavam Dominguinhos e Raphael Rabello, e Mestre
11
Disponível em: http://www.portelaweb.com.br/escola.php?codigo-11&cod_cat=3. Acesso em
14/06/2015.
27
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Marçal tocava e cantava nesse show. Toquinho relata que na temporada ocorreu uma
coisa curiosa com Mestre Marçal:
Na época desse show, ele tinha de desfilar na Portela, onde era diretor
de bateria, sob pena de o Franco Fontana (empresário) ser ameaçado
de morte na próxima vez que pisasse no Brasil se não o liberasse. O
Franco ficou apavorado: ³(VFXWD TXH p LVVR GH PRUWH"´ ³Você
morre, simplesmente, da SUy[LPDYH]TXHIRUDR%UDVLO´HXH[SOLFDYD
³(OH SUHFLVD YROWDU´ O desfile da Portela era na segunda-feira, e o
Marçal já com idade. Domingo à noite, depois do show, uma limusine
o esperava para levá-lo ao aeroporto. Chegou segunda feira de manhã
no Rio, desfilou pela Portela, e na terça-feira estava em Roma para o
espetáculo. E a bateria da Portela recebeu nota 10 (PECCI, 2003, p.
221).
Esse tipo de situação só poderia realmente acontecer com músicos da
grandeza de Mestre Marçal. Sua presença tornou-se imprescindível em ambos os
contextos. Sete anos depois, em 1985, lançou pela Barclay o seu segundo álbum solo,
Recompensa, que chegou à marca de 20 mil cópias (Acervo o Globo. Ao Mestre com
carinho. Eliane Lobato 19 de janeiro de 1988. Segundo Caderno, pag. 6)12. Mestre
Marçal assina uma composição no final desse álbum, intitulada O bicho vai pegar. Na
música Peço a Deus, Mestre Marçal tem como convidado especial, para dividir os
vocais, o grande amigo Caetano Veloso. Caetano Veloso, em depoimento, fala um
pouco sobre o Mestre Marçal:
12
Disponível em: http://acervo.oglobo.com/busca/?tipoConteudo=artigo&ordenacaoData=relevancia&allwords.
Acesso em: 20 dez. 2014.
28
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Figura 13: Capa do LP Recompensa, de Mestre Marçal.
Na capa do disco aparece Mestre Marçal à frente da bateria da Portela,
escola que no ano seguinte iria expulsá-lo, mesmo tendo sido agraciado com o
Estandarte de Ouro do Carnaval de 1986. O presidente da escola Carlinhos Maracanã o
proibiu até mesmo de frequentar a quadra da escola. O Estandarte de Ouro é uma
premiação criada pelo jornal O Globo em 1972 para coroar os destaques dos desfiles das
escolas de samba do carnaval carioca.
Nesse mesmo ano, Mestre Marçal gravou mais um disco, Senti firmeza. Em
poucos dias o disco já tinha boas vendas. Talvez o tenha ajudado bastante, a inclusão da
música Facho da esperança na trilha sonora da novela Roda de fogo, da Rede Globo.
29
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Figura 14: Capa do LP Senti Firmeza, de Mestre Marçal.
Em 1987, já em outra gravadora, a Polydor, e tendo se tornado diretor da
Escola de Samba Unidos da Tijuca, onde ficou por dois anos, gravou o LP Sem meu
tamborim não vou, uma possível homenagem à música ± sucesso dos anos 1940 ± de
seu pai Armando Marçal com J. Portela.
Figura 15: Capa do LP Sem meu tamborim não vou, de Mestre Marçal.
30
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
O ano de 1988 foi, sem dúvida, um ano muito especial para Mestre Marçal.
Nesse ano ele completou 40 aos de carreira e ninguém menos que seu fã declarado,
Chico Buarque, idealizou a homenagem à carreira de Mestre Marçal. O carinho que eles
tinham um pelo outro pode ser percebido nos calorosos elogios declarados por ambos
nas entrevistas. Chico resolveu fazer uma homenagem na casa de shows Canecão
localizada no Rio de Janeiro, onde Mestre Marçal, segundo ele próprio, jamais teria
pisado se não fosse por Chico. O show aconteceu no dia 17 de setembro e contou com a
presença de alguns dos grandes nomes da MPB, dentre eles Paulinho da Viola, Beth
Carvalho, Simone e Alcione, além, é claro, do próprio Chico. Marçalzinho esteve
presente e pôde tocar com o pai.
Com o LP Sem meu tamborim não vou, Mestre Marçal foi ganhador do 1º
Prêmio da Música Brasileira na categoria samba.13 Seu quinto disco solo, A Incrível
Bateria de Mestre Marçal foi lançado nesse mesmo ano de 1988.
Figura 16: Capa do LP A incrível bateria, de Mestre Marçal.
Esse disco foi lançado em vários países da Europa e também no Japão. A
única faixa do lado A, intitulada A Incrível Bateria, de aproximadamente 19 minutos, é
13
Disponível em: http://www.premiodamusica.com.br/historySite/show/2234 - Acesso em: 24 nov. 2014.
31
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
uma parceria de Mestre Marçal com Durval Ferreira. Como Durval era o produtor e
arranjador do disco, pode-se imaginar que foi ele quem sugeriu a variação e organização
dos solos dentro da obra e daí a sua coautoria.
Nesse mesmo disco há uma música que gerou um desentendimento entre
Mestre Marçal e o cantor Elymar Santos. Nesta época, Mestre Marçal estava movendo
um processo pelo uso indevido das bases da música Os Sertões, que foram utilizadas no
disco Missão Ato de Amor, de Elymar lançado dois anos depois pela Odeon, em 1990.
Mestre Marçal reclamou que nunca fora consultado sobre o uso do material e que não
recebera nada relativo aos direitos autorais. Elymar, por seu lado, alegou que tudo fora
feito dentro da lei e que o problema estava com a gravadora, a Polygram, que não havia
repassado o dinheiro ao Mestre Marçal. O próprio advogado de Elymar tratou de dizer
que fora feito tudo de acordo com a lei e que o Mestre Marçal deveria cobrar de sua
gravadora (Polygram), que, por sinal, já havia afirmado que o assunto estava encerrado
e que não haveria reembolso. Mestre Marçal acabou entrando na Justiça numa situação
em que não haveria necessidade alguma. Após esse episódio desagradável, ficou
sugerido que tomasse o assunto por encerrado14 (O GLOBO, 1990, p. 07).
Em 1989, já com uma nova gravadora (BMG/Ariola), Mestre Marçal gravou
Pela Sombra e, como de costume em seus discos, regravou um sucesso de seu pai, a
composição Não Diga a Ela Minha Residência. Assim, ele permaneceu gravando
músicas de seu pai, disco sim, disco não. As participações especiais aparecem em duas
músicas. Desalento é XP GXHWR FRP VHX ³SDUFHLUR´ Chico Buarque, tendo como
destaque a maravilhosa cuíca que Mestre Marçal tocava com muita sutileza e elegância.
Essa música tinha um valor especial segundo o empresário de Chico, Vinícius França,
que recorda que era a música de abertura do show Francisco, de Chico Buarque.
(DOMINGUES, 2002) Outra convidada especial foi Alcione, uma das mais respeitadas
cantoras de samba, na belíssima canção Impossível Recomeçar, de Anésio, Wilson
Bombeiro e Vera Lúcia.
14
Disponível em:
http://acervo.oglobo.globo.com/busca/?tipoConteudo=artigo&ordenacaoData=relevancia&allwords=+me
stre+marçal&anyword=elymar+santos&noword=&exactword=&decadaSelecionada=1990 ± Acesso: 28
out. 2014.
32
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
O lançamento do disco ocorreu na famosa casa de shows People, no Rio de
Janeiro, com direção e roteiro de Paulinho da Viola.
Figura 17: Capa do LP Pela Sombra, de 1989, Mestre Marçal.
O sexto disco consecutivo de Mestre Marçal, Entre Amigos de 1990, o
sétimo de sua carreira e segundo pela BMG, trouxe uma novidade: Mestre Marçal
gravou uma música de sua autoria em parceira com o cavaquinista, cantor e compositor
Mauro Diniz, chamada Três palavras.
Nesse mesmo LP, Marçal gravou uma música que se tornou importante
dentro do seu repertório, Leviana, grande sucesso de Zé Keti. Em agosto de 1991, o
disco já havia vendido 30 mil cópias segundo o jornal Folha de São Paulo de 24/08/91,
³PDLVGRTXHRGREURGDVH[SHFWDWLYDVGDJUDYDGRUD´.
33
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Figura 18: Capa do LP Entre Amigos, de 1990, Mestre Marçal.
No mesmo ano foi lançado o disco de Chico Buarque Ao Vivo Paris ± Le
Zenith. Gravado em maio de 1989 e ganhador do Disco de Ouro, esse disco dá um
destaque mais do que especial ao Mestre Marçal.
Além de tocar, Mestre Marçal foi convidado a ir à frente do palco para fazer
dueto com Chico em duas músicas. A primeira, que se tornou imortal em sua voz, é Sem
Compromisso, de Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro, e a outra é Deixa a Menina, de
Chico. É possível encontrar na internet o vídeo dessa performance dos dois e é fácil
perceber a felicidade de ambos. É incomum ver um ritmista sair do fundo do palco e ir à
frente, ao lado do artista, para cantar e dançar. Antes mesmo de começar a cantar, Chico
chamou o Mestre Marçal para mostrar alguns passos de samba, dizendo ser um aluno do
µMestre¶. Chico dizia que quando Mestre Marçal estava ao seu lado, passava segurança
e que cada vez que cantava, ele interpretava de maneira diferente.
Na edição da Revista Veja de 03/10/1990, encontramos uma declaração de
que ³a participação de Mestre Marçal confere brilho especial a um LP em que a seleção
musical privilegia o samba e canções de amor´.
34
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Nesse mesmo ano, Mestre Marçal foi convidado a comentar o carnaval pela
extinta TV Manchete: Fez duras críticas ao desfile, aos sambas e também à falta de
técnica dos instrumentistas15. Em 1991, Mestre Marçal continuou comentando o
carnaval pela TV Manchete, mesmo tendo se envolvido em desentendimentos com
algumas escolas.
Para Mestre Marçal, a parte mais emocionante do carnaval daquele ano foi
o momento em que a bateria da Portela o reverenciou quando da passagem em frente ao
camarote onde comentava o desfile. Segundo o Jornal do Brasil, edição de 13/02/91,
ele se derramou em lágrimas.
O Carnaval de 1991 não foi bom para a escola de samba Caprichosos de
Pilares, e no ano seguinte, Mestre Marçal foi convidado a dividir o comando da bateria
da escola com Mestre Paulinho Botelho. Mas essa junção acabou não dando certo.
Havia divergências entre os dois e isso gerou muitas brigas. Mestre Marçal, após um
ensaio, foi vaiado na quadra da escola e, consequentemente, pediu demissão após três
meses de trabalho à frente da bateria16. Ele acabou voltando a comentar pelo terceiro
ano consecutivo o carnaval para a TV Manchete.
No ano de 1993, Mestre Marçal participou da gravação dos discos
Paratodos, de Chico Buarque, e Paulinho da Viola Ensemble ± Samba e choro negro
para um selo alemão, em que ele tocou cuíca num total de cinco faixas. Paulinho da
Viola recorda-se dessa gravação e demonstra sua admiração pelo Mestre Marçal:
Ele já estava doente. Eu gravei um disco que é um projeto que não foi
lançado aqui no Brasil. Esse disco foi escolhido por um grupo alemão
e eu [fui escolhido] como artista brasileiro para fazer parte desse
projeto [...] Cada país tinha um artista que representava, aí me
escolheram. [...] Mestre Marçal veio como convidado na cuíca.
Fizemos até uma foto juntos. Eu acho que essa foi uma das últimas
15
Fonte: Acervo O Globo. O novo disco do Mestre Marçal. 17 out. 1990, matutino. Jornais do Bairro, p.
23. Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com/consulta-ao-
acervo/?navegacaoPorData=199019901017>. Acesso em 23/ 07/2014.
16
Fonte: Jornal do Brasil, 14 fev. 1992. Marçal Deixa a Caprichosos Após Três Meses. Por Mariucha
Monero.
35
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
gravações que ele fez. Mas era uma pessoa muito generosa, muito
exigente com ele mesmo e com os outros. Diretor de bateria também,
ele era muito exigente. Era acima de tudo um excepcional
instrumentista e ritmista (FARIA, 2015).
Após um hiato de três anos de discos solo, Mestre Marçal gravou aquele que
seria seu último disco. Pela gravadora Velas (1993), com produção de João Carlos
Botezelli (Pelão) e Argemiro Ferreira, gravou Sambas-enredo de todos os tempos.
Figura 19: Capa do LP Sambas-enredo de todos os tempos, de Mestre Marçal.
Pelão relatou que nas produções que fazia, sempre que podia, usava a
percussão de Mestre Marçal:
36
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
[...] Marçal foi o maior ritmista de samba de todos os tempos ± disse o
MRUQDOLVWD6pUJLR&DEUDOSDUDTXHP³FRPDPRUWHGe Marçal, o samba
perdeu a elegâQFLD´± ele tocava todos os instrumentos de percussão e
tinha o sangue azul do samba correndo nas veias. [...] Cerca de 500
pessoas acompanharam o enterro. A cantora Gal Costa foi ao velório à
noite e Paulinho da Viola esteve no cemitério de manhã (O GLOBO,
11 de Abril, de 1994).
Realmente isso foi uma perda irreparável para a percussão e para o samba
no Brasil. Até hoje Mestre Marçal é tratado pela maioria dos ritmistas como ídolo. Seja
numa roda de samba na periferia ou em lugares mais badalados, sucessos ficaram
imortalizados em sua voz, no trio de tamborins que tinha com Luna e Elizeu ou até
mesmo nas frases de elegância de sua cuíca. Ainda se fala muito do cantor e ritmista.
Homenagens nunca faltaram e possivelmente nunca faltarão.
Uma das homenagens póstumas mais destacadas é a que seu filho
Marçalzinho organizou juntamente com Moacyr Luz: um show realizado em São Paulo,
no SESC Pompeia, em homenagem a Bide, Armando Marçal e Mestre Marçal em 04 e
37
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
05 de agosto de 2006. Além de muitos convidados, o que mais chamou a atenção foi
sem dúvida a participação especial de Elizeu, o único remanescente do famoso trio de
tamborins, que, após relutar em voltar a tocar, não deixou de fazer parte dessa bela
homenagem. Esse repertório seria posteriormente gravado em CD com o nome de Sem
Compromisso pela Deck Disc em 2007.
No CD O Som Sagrado de Wilson das Neves (CID, 1986), o compadre de
Mestre Marçal, Wilson das Neves, o ritmista Mestre Trambique e Paulo César Pinheiro
gravaram uma música chamada Mestre Marçal, com as frases de efeito que Mestre
Marçal usava com bastante frequência. Essa música foi regravada pelo Grupo Semente
em 2014. Mauro Diniz, parceiro na composição de Três Palavras, também prestou sua
homenagem no CD Samba com Realidade, em 2000.
Dias após o falecimento de Mestre Marçal, Paulinho da Viola fez uma
homenagem no disco Bêbado Samba e no Festival Heineken Concerts (FARIA, 1994).
³Em uma homenagem sensível e totalmente merecida, Paulinho voltou mais uma vez ao
palco para lembrar Mestre 0DUoDOPRUWRQR~OWLPRViEDGR´, relatou Carlos Calado para
a Folha de São Paulo em 13 de abril de 1994.
Oscar Bolão também prestou uma bela homenagem ao trio de tamborins.
Ele escreveu uma peça para três tamborins chamada Era Luna, Elizeu e Marçal, na qual
incluiu frases de tamborins que eram utilizadas por eles.
Em Rio das Ostras (RJ), foi inaugurado em 1994 o CIEP (Centros
Integrados de Educação Pública) Mestre Marçal, que faz parte de um programa de
educação do governo do Rio de Janeiro. Essa unidade foi mais uma das homenagens
prestadas a Mestre Marçal. Como se vê, as homenagens ultrapassaram o âmbito da
música.
38
Capítulo 1. Mestre Marçal: vida e trajetória profissional
Figura 20: Logomarca do CIEP Mestre Marçal, Rio das Ostras.
Em 2014 fui convidado a participar do VI Encontro Internacional de
Percussão de Tatuí para apresentar uma palestra e um concerto. Ambos foram
direcionados à figura de Mestre Marçal. Além da homenagem aos 20 anos da morte de
Mestre Marçal, foram arranjadas especialmente para o evento as músicas Agora é
Cinza, que completou 80 anos em 2014, e A Primeira Vez. Ambas escritas pelo
arranjador, percussionista, pianista e violonista Lua Lafaiette (Anderson Lafaiette), com
arranjos para percussão e Big Band com duas das mais famosas parcerias de seu pai,
Armando Marçal, com Bide.
39
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e
Considerações Sobre seu Uso
40
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Sobre a constituição física do tamborim temos inicialmente as seguintes
descrições:
TAMBORIM (s.m.) Instrumento de percussão. Tambor pequeno. Usado no
Brasil especialmente nas danças cantadas de origem africana: cucumbis, maracatus
(QUERINO, 1922, p. 58).
Morais Filho relata o tamborim como próprio das danças e manifestações dos
cucumbis (MORAIS FILHO, s.d., p. 158 ± manuscrito).
Afonso Cláudio, citado por Luciano Gallet, refere-se ao instrumento traduzindo-o
por adufe, um pequeno pandeiro quadrado com pele dos dois lados (GALLET, 1934, p. 60).
O tamborim também é descrito como um pequeno aro de metal ou acrílico
recoberto com pele em um dos lados e percutido com baqueta ou vareta de bambu ou madeira. É
instrumento indispensável na batucada e no samba. Mário de Andrade cita o verso de Paulo
&DUGRVR ³e QD EDtucada / Onde impera o tamborim´, do samba Deixa a Nega Pená
(DICIONÁRIO MUSICAL MÁRIO DE ANDRADE).
Segundo Frungillo:
41
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
O tamborim e a cuíca não tinham o mesmo formato físico dos que
conhecemos hoje em dia. Com o passar do tempo, esses instrumentos, considerados
antecessores ao tamborim, foram se desenvolvendo, modernizando e encontrando uma
maneira singular de se adaptar ao estilo do samba. Nas Figuras 21 a 24 temos algumas
réplicas que retratam os diversos modelos de tamborins ao longo do tempo, até chegar
ao formato físico atual que pode ser visto na Figura 24.
Figura 21: Tamborim com pele de Figura 22: Tamborim com pele fixada
cobra e cabo. por tachinhas metálicas.
Figura 23: Tamborim sextavado com Figura 24: Modelo atual de tamborim.
afinadores individuais.
42
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 25: Duty Free, Aeroporto de Guarulhos. Figura 26: Tamborins em exposição, Duty Free,
Aeroporto de Guarulhos.
Outra curiosidade relatada pelo diretor da Contemporânea, Sr. Guariglia,
relacionada ao mercado brasileiro, mas que não diz respeito ao contexto musical
profissional, é a demanda por parte de empresas que costumam fazer eventos
17
Neste trabalho, identificaremos Osvaldo Barro pelo seu nome artístico, Osvaldinho da Cuíca.
43
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
De acordo com o depoimento de Guariglia (2014):
44
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
O tamborim sextavado tinha muita demora em fabricar. O som não era
bom, e enquanto se fazia um destes, do tradicional, eram trinta. Os
tradicionais eram de madeira, metal e fórmica com 12 tarraxas para
afinação. Para o mercado japonês, foi feita uma adaptação de
WDPDQKR2QRUPDODTXLpGHFPHSDUDRPHUFDGRMDSRQrVGH´
Isso credita-se possivelmente pelo tamanho das mãos, e que também
não influencia na qualidade do som do instrumento (GUARIGLIA,
2014).
Possivelmente o relato mais antigo sobre a utilização do tamborim no
carnaval seja o depoimento prestado ao Museu da Imagem e do Som (MIS) por João da
Baiana (João Machado Guedes, nascido no Rio de Janeiro em 1887 e falecido também
naquela cidade em 1974). Em um trecho desse depoimento, ele dá destaque ao
tamborim:
[...] na época o pandeiro era só usado em orquestras. No samba quem
introduziu fui eu mesmo. Isto mais ou menos quando eu tinha oito
anos de idade e era Porta-PDFKDGRQR³'RLVGH2XUR´HQR³3HGUDGR
6DO´$WpHQWmRQDVDJUHPLDo}HVVyWLQKDWDPERULPHDVVLPPHVPo era
tamborim grande e de cabo (DICIONÁRIO CARVO ALBIN DA
MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, apud GIANESELLA, 2009, p.
155).
Logicamente não podemos nos esquecer de Alcebíades Barcelos, o Bide.
Cabral conta que foram os sambistas Bide e Bernardo, os criadores do tamborim. Bide
foi um dos fundadores da Deixa Falar. Segundo Cabral a ³'HL[D)DODUDSULPHLUDHVFROD
de samba, nunca foi escola de samba. Foi, na verdade, um bloco carnavalesco (mais
tarde, um rancho) no bairro de Estácio de Sá´ (CABRAL, 2011, p. 41). A Deixa Falar
foi muito importante para o desenvolvimento da percussão no samba. Foi ali, em 1928,
ano de sua criação, que surgiram o surdo e a cuíca.
O próprio Bide não tem certeza se foi ele que inventou o tamborim e o levou
para a escola de samba, como mostra a seguinte citação na entrevista dada a Cabral
(2011) ³6HL Oi 5HVROYL ID]HU (QFRXUHL HVTXHQWHL H UHVROYL WRFDU 7RFDYD QD UXD
45
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
mesmo, sem bloco nem nada. Bem, o tamborim eu encontrei, eu não tenho certeza se fui
HX TXH LQYHQWHL´ No entanto, algumas fontes da internet ainda insistem em creditar a
criação do tamborim a Bide.
Nas próximas seções desse capítulo, apresentamos alguns exemplos em que
o tamborim desenvolve um papel diferente daquele encontrado na atuação do tamborim
na roda ou escola de samba.
Primeiramente, na Seção 2.1, mencionamos alguns grandes tamborinistas,
que foram os primeiros a deixar um legado para o instrumento. Posteriormente, citamos
alguns grandes nomes de tamborinistas da atualidade com o intuito de traçar um
panorama dos instrumentistas, assim como fornecemos informações que possam servir
de fonte para possíveis pesquisas futuras.
Na Seção 2.2, abordamos alguns aspectos relevantes do uso do tamborim na
escola de samba.
Já a Seção 2.3 mostra o emprego do tamborim fora do contexto do samba,
em direção ao contexto da música pop (no caso, o pop-rock brasileiro). Elucidamos,
através de transcrições das duas primeiras inserções da sua utilização, que isso ocorreu
através do filho de Mestre Marçal, o Marçalzinho. Em contexto semelhante, já no rock
americano, comentamos a introdução dD ³iUYRUH´ GH WDmborins pelo percussionista
brasileiro Mauro Refosco. Ambos utilizaram o instrumento e a rítmica do samba no
rock.
Na Seção 2.4, mostramos a utilização do tamborim na música orquestral,
bem como em grupos de percussão e em duos de percussão, onde o enfoque está na
maior variedade de timbres possível.
Na Seção 2.5 ³2 WDPERULP QD RUTXHVWUD´ diferentemente das outras, a
abordagem será a utilização do tamborim ao realizar um samba em um conjunto
orquestral. Os exemplos ocorrem em dois contextos diferentes, um mais direcionado à
46
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
escrita e outro de total liberdade de criação. Outro aspecto que destacamos é a relação
entre o tamborim e um instrumento que exerce uma função parecida dentro do samba, o
cavaquinho.
Para finalizar esse capítulo, iremos mostrar outro aspecto que muitas vezes
não é valorizado e que faz muita diferença no resultado final em produções musicais,
que é participação do técnico ou engenheiro de som. Para essa seção, foi entrevistado o
responsável por inúmeras gravações em que Mestre Marçal esteve presente e que estava
QDSULPHLUDJUDYDomRGR³QRYR´VDPEDIHLWRSHORVP~VLFRVGR&DFLTXHGH5DPRV
47
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
48
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
No final da década de 1920, deixou a profissão de sapateiro,
profissionalizando-se na música. Além de projetar-se como compositor, Bide tornou-se
um dos primeiros ritmistas brasileiros a gravar em disco. Ele participou na gravação de
Na Pavuna, lançada no carnaval de 1930. Cabral (2011, p. 53) UHODWDTXH³PHVHVGHSRLV
do lançamento de µNa Pavuna¶, ele [Bide] estreava como tamborinista num estúdio de
gravação, integrando o conjunto Gente do Morro, que também fazia sua estreia em
GLVFR´ Em outras gravações, Bide também tocou outros instrumentos de percussão,
como ganzá, surdo, e cuíca. Naquela época, muitos ritmistas faziam aparições em
filmes. Bide aparece tocando cuíca no filme Alô, alô, Carnaval, de 1936, em que a
cantora Aurora Miranda (irmã de Carmen) interpreta a música Molha o pano. Nessa
música, Bide faz um solo em dois tempos em um compasso de 2/4. No entanto, o
instrumento que ficou mais emblemático em suas performances foi certamente o
tamborim.
49
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Formou com Alcebíades Barcelos (Bide) uma das mais importantes duplas
de compositores da Música Popular Brasileira, além de serem considerados a maior
dupla de tamborins nos estúdios de rádio e gravação.
Primeiro de uma tríade de grandes ritmistas, Armando teve em sua família o
filho Nilton Delfino Marçal, mais conhecido como Mestre Marçal, e o neto Armando de
Souza Marçal (Marçalzinho), que não chegou a conhecer e que deu continuidade à
dinastia, representando-a muito bem. Em fins dos anos de 1970, já era possível
encontrar o nome de Marçalzinho destacado em vários projetos.
Bide e Marçal, além de parceiros, compositores e ritmistas, foram
GHILQLWLYDPHQWH R SRQWDSp LQLFLDO GD DVFHQVmR GR WDPERULP QD HYROXomR GR ³QRYR´
samba da Turma do Estácio.
50
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Considerado por todos, como excelente ritmista, Bucy foi contratado pela
Columbia e depois pela Continental para acompanhar cantores. Os ritmistas da
Continental eram Bucy, Osvaldo Caetano Vasques (Baiaco) e Cartola da Mangueira.
Além desse trabalho como ritmista, ele passou a integrar vários grupos no Brasil e fora
do país, apresentando-se, por exemplo, no Uruguai, em 1947 e 1952. Lana Turner, que
VH ID]LD SUHVHQWH ³VDPERX DR VRP GD FXtFD GH 0LQLVWULQKR H GR WDPERULP GH %XF\
Moreira.´19
Arnaud Canegal (Arnô) nasceu em 12 de janeiro de 1915 na cidade do Rio
de Janeiro, onde faleceu em 21 de março de 1986.
No início da década de 1940, integrou a orquestra do maestro Fon-fon
como ritmista, seguindo com o grupo em excursão pela Argentina e
Uruguai. Participou de várias excursões com Zacarias e sua Orquestra.
Trabalhou como ritmista da Escola de Samba de Herivelto Martins e
do Trio de Ouro, em espetáculos no Cassino da Urca. Participou da
ILOPDJHPGH³-DQJDGD´ILOPHLQDFDEDGRGH2UVRQ:HOOHVJUDYDGRQR
Brasil. Em 1942, seus sambas Só Você em parceria com Ari Monteiro,
e Doce de Coco em parceria com J. Batista, foram gravados na Victor
por Cyro Monteiro. (DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA
POPULAR BRASILEIRA, 2015b)
Irmão de outro grande ritmista, o Wilson Canegal, Arnô também participou
de gravações com Pernambuco do Pandeiro (Hermeto Pascoal era o acordeonista nessa
gravação), com os Sambistas do Asfalto em Assim é o Samba (1960) e Sambistas do
18
Segundo Sandroni, a importância atribuída a Tia Ciata pelos cronistas do samba se deve especialmente
a Pelo Telefone, que, embora tenha Donga com autor oficial, essa música teria sido na verdade uma
produção coletiva gestada em sua casa, e considerado unanimemente como a primeira composição
GHQRPLQDGDµVDPED¶DDOFDQoDUXPDPSORVXFHVVRQDP~VLFDSRSXODU6$1'5ONI, 2001. p. 100).
19
Exposição, libreto e show musical, uma realização do Coletivo de Produção Cultural Aracy de Almeida
e Família de Bucy Moreira, em parceria com a Arte Nova Produções Artísticas.
51
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Asfalto (1967), entre outros. Reiterando a ressalva sobre as fichas técnicas, observa-se
no disco de Jamelão (Continental, 1980) a seguinte LQIRUPDomR ³5LWPLVWDV Marçal-
&DQHJDO´ $ ILFKD QmR LQIRUPD TXDO GHOHV VH :LOVRQ RX $UQ{ Canegal. Também não
informa qual Marçal, se Nilton ou Armando. Esse tipo de registro foi observado
diversas vezes durante a pesquisa.
Raul Marques nasceu no dia 24 e agosto de 1913 no Rio de Janeiro (no
bairro da Saúde) e faleceu em 1991.
[...] Raul Gonçalves Marques teve a sua fase áurea como compositor
nos anos 40: era de sua autoria cerca de oitenta por cento dos sucessos
do cantor Jorge Veiga. Como ritmista, além de participar de gravações
de disco, integrou vários grupos, como o Favela, criado pelo cantor
Francisco Alves e que mais tarde, com a incorporação do Trio de
Ouro, passou a chamar-VH³&KLFR7rio de Ouro e Escola de Samba´
Pouco depois, Raul Marques participou de um grupo de sambistas
liderado pelo grande compositor Geraldo Pereira.
Não foi apenas como compositor que desfrutou dos benefícios
profissionais que a ascensão das escolas de samba possibilitava. As
gravadoras foram buscar no seio das próprias escolas os
instrumentistas de que necessitavam para as gravações de samba. E
Raul Marques foi um dos ritmistas mais requisitados, fazendo uma
carreira tão longa quanto vitoriosa (História das Escolas de Samba
Vol. 4, Som Livre)20 (informação disponível no BLOG RECEITA DE
SAMBA, 2014).
Raul nos dá importantes informações sobre o contexto profissional de sua
época em entrevista a Cabral (2011, p. 349):
20
Disponível em: <http://cliquemusic.uol.com.br/escolas-de-samba>. Acesso em: 15 abr. 2015.
52
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Raul: Muito cedo. Comecei a trabalhar com o Mister Evans, que era
diretor artístico da RCA Victor. Trabalhei muito com o Simão
Boutmann também. Gravei muito com a Carmem Miranda na Odeon.
C: Quais eram as craques do ritmo, os caras que estavam em tudo que
era gravação?
Raul: O Bide, o Armando Marçal, o Valdemar Silva, o Bucy Moreira,
eu mesmo, o falecido Chico da Marcelina, e o Baiaco de vez em
quando. Os mais assíduos eram o Bide e o Marçal.
Até no cinema esse trio trabalhou junto. Em 1943, participam do inacabado
filme Jangada, de Orson Welles (não foi possível descobrir quais instrumentos
tocavam). Posteriormente, Raul (tocando tamborim), Bucy (também no tamborim) e
Arnô (tocando cuíca) participaram do filme Pif-Paf, estrelado por Adoniran Barbosa e
Walter D¶Ávila (Cinédia, 1945).
Posteriormente ao trio formado por Bucy Moreira, Arnô Canegal e Raul
Marques, apareceu um dos mais famosos trios de tamborins, que era o trio formado por
Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Infelizmente, não encontramos vídeos dos três juntos em
nosso levantamento.
Luna, ElizHXH0HVWUH0DUoDOHUDPFKDPDGRVQRPHLRPXVLFDOGH³7ULRGH
2XUR GR 5LWPR´ RX ³6DQWtVVLPD 7ULQGDGH GR 5LWPR´ 5HDOL]DU XP levantamento
preciso e definitivo da discografia desse grupo de músicos é uma tarefa difícil. Em
primeiro lugar, devido à falta de ficha técnica dos discos e, em segundo lugar, devido à
enorme lista de gravações de que participaram desde os anos de 1950 até meados de
1990. Nosso intento não foi realizar nessa dissertação um levantamento extensivo e
completo das gravações que esse trio atuou.
Roberto Bastos Pinheiro é mais conhecido como Luna. Com uma invejável
lista de participações em discos, é considerado até hoje pelos sambistas como um dos
53
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
maiores ritmistas do país. Infelizmente, além das fichas técnicas de discos, há muita
dificuldade em encontrar informações mais pertinentes sobre sua carreira e até mesmo
sobre sua data de nascimento e falecimento. Não foi possível encontrar muitas
informações sobre ele, seja por entrevistas ou por registros em vídeo. Podemos
constatar sua presença no Especial de Paulinho da Viola para a TV Tupi, realizado em
1981, com Marçal nos tamborins.
Talvez uma das últimas aparições dele tenha ocorrido no Heineken Festival
de 1993, tocando surdo com Rafael Rabello, e também acompanhando o mesmo artista
no programa Ensaio da TV Cultura, ao tamborim. Cristina Buarque supõe que a última
gravação de Luna tenha sido no CD Resgate (de Cristina Buarque) em 1990, lançado
para o mercado japonês, e depois relançado no Brasil em 1994.. Cristina relata que Luna
H[FODPRX ³6y YRFr PHVPR SUD FKDPDU D JHQWH QXQFD PDLV WLQKD WRFDGR MXQWR.´
(BUARQUE, 2013)
Segundo Neves (2014), Luna tocava de tudo, até mesmo bateria. Em nossa
pesquisa encontramos somente um vídeo na internet onde Luna toca pandeiro em um
regional de choro21. Trabalhou na Rádio Mauá no grupo do violonista Cesar Faria
acompanhando cantores e calouros, onde se destacava Jacob do Bandolim e,
posteriormente juntamente com o mesmo Jacob, teve participações na Rádio Nacional
do grupo de Cesar Moreno.
21
Vídeo do YouTube https://www.youtube.com/watch?v=VFLWysjZZpY. Acesso: Junho 2015.
22
Não conseguimos obter o nome do irmão de Elizeu Félix.
54
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Desiludido, Elizeu se tornou flanelinha nas ruas do Rio de Janeiro, até ser
reconhecido pelo compositor Paulo César Pinheiro, com quem já havia gravado vários
discos e feito participações em algumas produções musicais. Diante da dificuldade de
Pinheiro em convencer Elizeu a voltar a tocar, a cavaquinista Luciana Rabello, esposa
de Pinheiro, foi ao encontro de Elizeu e, no ano de 2003, conseguiu que ele voltasse a
gravar e tocar. Após essa gravação, houve algumas participações de Elizeu em shows.23
(Acervo O GLOBO, 9 de junho 2003)
Em 2006, Elizeu foi convidado a participar do show de lançamento do CD
Sem Compromisso, de Marçalzinho e Moacyr Luz, que ocorreu no SESC Pompeia em
homenagem à família Marçal. Um momento ímpar em que os percussionistas mais
jovens puderam ver e ouvir, após muitos anos de reclusão, um dos principais
protagonistas da percussão brasileira. Diante das dificuldades financeiras e problemas
de saúde, Elizeu foi morar no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro, onde permaneceu
até sua morte.
2.1.6 O Trio
Luna, Mestre Marçal e Elizeu possivelmente se conheceram na Rádio Clube
do Brasil. A partir daí, nascia o trio de percussão que mais gravou no samba;; eles
praticamente ³moravam´ nos estúdios. Gravavam com Wilson das Neves na bateria,
que relata que as sessões de gravação começavam às 9 da manhã e duravam até as 3 da
manhã do dia seguinte, quase que diariamente. Wilson era quem fazia dobra de
tamborim (quando necessário) junto com o trio.
Os três brigavam bastante entre si. Há uma gravação em que os três
não se falavam, mas tocaram olhando um para o outro. O respeito e
afinidade entre eles eram enormes, quando um não podia, o outro não
gravava o tamborim, mesmo conhecendo D ³OHYDGD´ ³2XWUR GLD HOH
YHPHJUDYDDGHOH´³O único que sentava na cadeira quando um não
ia era o das Neves´ (MARÇALZINHO, 2014).
23
Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/consulta-ao-
acervo/?navegacaoPorData=200020030609 ± Acesso: 03 mai. 2014.
55
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
56
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
57
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
musical atual, citaremos alguns músicos que representam, ou representaram, tão bem
esse instrumento, quer seja através de gravações ou de performance ao vivo.
No Rio de Janeiro:
Em São Paulo:
58
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Certamente iremos cometer injustiças com alguns músicos que não
conhecemos ou esquecemos, mas apresentamos somente uma pequena lista de grandes
percussionistas que desempenham um grande trabalho no tamborim em São Paulo e no
Rio.
Vale registrar, de forma breve, dois outros momentos importantes para o
tamborim. Deocleciano da Silva Paranhos, o Canuto, e outro ritmista conhecido
somente pelo apelido de Andaraí foram os tamborinistas da primeira gravação em 1929
da música Na Pavuna, segundo Henrique Foréis Domingues, mais conhecido
popularmente por Almirante. João da Silveira, da União Parada de Lucas, foi eleito o
melhor tamborinista do carnaval de 1938, promovido pelo jornal A Pátria.
59
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Sobre a atuação dos tamborins nas escolas de samba encontramos a seguinte
descrição:
O tamborim é a prima dona da bateria. É ele quem toca os famosos
floreios, que fazem com que algumas escolas de samba se destaquem
pela criatividade rítmica. Sempre guardando novidades debaixo da
manga, os tamborins costumam dar shows à parte sob as cabines dos
jurados. Os bons improvisadores no instrumento são os virtuoses do
samba. Como o centroavante aparece mais aos olhos da torcida porque
é ele quem faz os gols, o tamborim é um dos instrumentos favoritos da
arquibancada, pois seu som, mais agudo que dos outros instrumentos
de membrana, salta aos ouvidos. Por causa dessa necessidade de
cantar alto, ele costuma ser percutido com baquetas que se ramificam
em dois ou três pedaços. O teleco teco do tamborim é o cartão de
visita de todas as modalidades de samba, e sua voz, improvisada, tem
a ginga mais genuína: aquela que é guiada mais pela inspiração do
sambista do que pela necessidade de manter o ritmo. (RODHIA -
Projeto Cultural, Coordenação Ricardo Ohtake e texto João Gabriel de
Lima, Instrumentos Musicais Brasileiros [198-]).
Hoje em dia o mais importante é a velocidade e a quantidade de
intervenções que o tamborim faz. Quando se realiza uma busca textual na internet com
o termo tamborim, o que se encontra com maior frequência, com pouquíssimas
exceções, são vídeos e instruções de como se tocar o tamborim em escolas de samba,
não havendo menções aos princípios básicos do instrumento, ou seja, como se toca
numa roda de samba.
Segundo Cabral (2011, p. 96)³UDUDPHQWHXPDEDWHULDFRQWDYDFRPPDLVGH
15 ritmistas, HHUDPSRXFDVDVTXHFRQVHJXLDPUHXQLUPDLVGHFRPSRQHQWHV´+RMH
em dia, a maioria das escolas sai com no mínimo 300 ritmistas.
Como afirmado anteriormente, o tamborim era quadrado, sextavado ou
oitavado, tocado com pele de animal, que alguns ritmistas dizem ser de gato, outros de
cabra, ou ainda de boi.
60
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Mestre Marçal comentou que o tamborim usava couro de boi, não couro de
gato, como afirmado por muitos sambistas. Para Mestre Marçal, o couro de gato seria
um mito. No seu depoimento ao pesquisador Carlos Didier, ele fala a respeito:
Na fabricação de seus tamborins de couro, a fábrica de instrumentos
musicais Contemporânea utiliza a pele de cabra, que é mais fina do que a pele de boi.
O couro na época influenciou também a sonoridade, pois produz um
resultado sonoro diferente do nylon utilizado hoje. Mudou também a
baqueta, que era menor, com aproximadamente 10 cm, e de espessura
de aproximadamente 3 mm, sem cabeça diferenciada, o que produzia
um som mais aveludado. Atualmente a baqueta de tamborim é
comprida, mede de 30 a 50 cm de comprimento, dependendo do
fabricante, e o nylon que substituiu o bambu é flexível, resultando em
um som semelhante a um estalo. Com a flexibilidade da baqueta,
transformou-se também a maneira de tocar. Antigamente, tocava-se o
tamborim de lado, a batida se encaixando no conjunto do restante da
bateria. Havia improvisação, enquanto hoje o arranjo é padronizado.
Nas palavras GH 0HVWUH 0DUoDO ³RV WDPERULQV GH DJRUD SDUHFHP
metralhadoras.´ (CABRAL apud ZEH, 2006, p. 170).
Osvaldinho da Cuíca (BARRO, 2014) relata que eram usadas várias
³OHYDGDV´GLIHUHQWHV³DGRVDPEDEDLDQRDWHOHFR-teco que era carioca, e variedade tem
que ter a síncopa, outro variando e pode ter outro dobrando. Além da afinação, e
QLQJXpPID]PDLVLVVRKRMH´3RVVLYHOPHQWHHVVDV³OHYDGDV´VHULDPXPDGDVLQIOXrQFLDV
adquiridas pelo trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal. O percussionista Edison Martins, ao
relatar suas experiências em escolas de samba, informa que, ao chegar à Mangueira, viu
61
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
24
2 WRTXH ´FDUUHWHLUR´ GH WDPERULP IRL LQWURGX]LGR HP 6mR 3DXOR SHOD EDWHULD GD 1HQr>«@7DO WRTXH
consiste na execução de 4 notas (semicolcheias) por tempo (de semínima) com a movimentação do
tamborim no eixo do braço. A primeira nota é tocada com a pele posicionada para cima, bem como a
segunda, após a execução da segunda nota, o tamborim é virado, e a terceira nota é tocada com a baqueta
incidindo na pele pelo lado oposto, desvirando o instrumento. A quarta nota é tocada com o tamborim
QRYDPHQWHFRPDSHOHSDUDFLPD(VVHWRTXH³SUHHQFKH´DEDWXFDGDLVWRpFRQGX]HPDUFDRULWPRFRP
as subdivisões do pulso (MESTRINEL, 2009, p. 173).
62
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
25
$FRQWHFHTXDQGRRVWDPERULQVH[HFXWDPXPDIUDVHFRPWHUFLQDVSDUD³FKDPDU´DHQWUDGDGRFDUUHWHiro
e de outros instrumentos menores como cocalho e agogôs.
63
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
GRGHVILOH1mRKiLQIRUPDo}HVVREUHTXHPFULRXHVVDEDTXHWD³$VEDTXHWDV~QLFDVGH
madeira migraram para baquetas de bambu mais longas e maleáveis na década de 60, e
depois para material plástico, na década de 70.´ 68'2+ 0DUFHOR, apud Julio Cesar
Farias, p. 85).
Esse modelo novo de baqueta surgiu primeiramente com a intenção de se
encontrar um material mais resistente.
(VVH SUREOHPD FRQVWDQWH OHYRX DOJXQV ³WDPERULQLVWDV´ D SURFXUDU
soluções com outros tipos de baqueta. Na escola de samba Imperatriz
Leopoldinense, uma nova baqueta foi introduzida no final dos anos
70. Um dos ritmistas, responsável pelo naipe, procurou um material
mais estável, porém flexível, que não quebrasse. Ele encontrou um
PDWHULDO FKDPDGR ³DFHWDO´ TXH VHUYLX ao propósito: Arredondou as
pontas, afinou um lado e cortou em 45 a 50 cm de comprimento (as
anteriores mediam por volta de 30 a 35 cm). Por ser de uma vara só,
VHPUDPLILFDo}HVHQmRQDIRUPDGH³YDVVRXUD´GHWUrVDRLWRYDUDV
como usada na maioria das escolas, ela ficou conhecida como a
baqueta típica da Imperatriz (ZEH, 2006).
O posicionamento e afinação dos tamborins variam de mestre para mestre.
A Mangueira, por exemplo, é uma escola que utiliza o naipe de tamborins posicionados
no corredor com 34 ritmistas desde 2007. Trouxe inovação em 2014, com a parada da
bateria, que ficou somente com os surdos de marcação, enquanto o resto da bateria
trocou seus instrumentos por tamborins. Por volta de um minuto, a bateria contou com
254 tamborinistas fazendo frases em uníssono, e com um efeito de LED nas peles que
ao serem percutidas se acendiam. Mestre Odilon Costa costuma intercalar as afinações
usando grave e agudo. Diz ele que, no resultado final, cria-se a sensação de mais
ritmistas. Na Escola Unidos de Vila Maria, em São Paulo, o Mestre de bateria Rodrigo
Neves Alves (Mestre Moleza) usa afinação mais grave nos tamborins desde 2014.
A utilização dos tamborins mais graves pode ser favorável para distinguir de
forma mais clara com relação às caixas, que são bastante agudas;; podendo gerar maior
distinção entre ambos. Os tamborins estariam deste modo, num estágio intermediário
entre os instrumentos agudos (chocalhos, caixas e repiques) e graves (surdos).
64
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
De acordo com o Mestre Odilon Costa, em seu livro Batuque Carioca,
encontra-se a seguinte informação:
A distribuição geográfica dos instrumentos de uma bateria varia de
escola para escola, mas algumas regras parecem ser seguidas pela
maioria delas. Os instrumentos leves (pandeiros, tamborins,
chocalhos, cuícas, etc.) costumam vir na frente da bateria (COSTA,
GONÇALVES, 2000, p. 14).
Uma invenção que acabou não dando muito certo, pelo menos na avenida,
IRL D ³iUYRUH´ GH WDPborins. Foi criada a fim de possibilitar que uma única pessoa
pudesse tocar vários tamborins ao mesmo tempo, gerando maior massa sonora. Sua
primeira versão era uma estrutura de ferro com três tamborins de cada lado. Cada mão
tinha uma alavanca ligada a um cabo de aço, que ao ser acionada moviam as baquetas
de plástico na extremidade suspensas em frente ao instrumento. Assim, poderiam ser
tocados vários tamborins ao mesmo tempo.
Essa estrutura ficava presa na cintura, e talvez fosse incômoda devido ao
peso e também ao tamanho da fantasia utilizada durante o desfile. Infelizmente, não é
possível afirmar em qual ano e escola esse artefato foi utilizado. Mas, fora da avenida, é
SRVVtYHOHQFRQWUDUHVVD³iUYRUH´HPGLYHUVRVJUXSRVGHGLYHUVRVHVWLORV(VVDHVWUXWXUD
foi aperfeiçoada, tornando-se fixa numa estante, já não sendo mais necessário prendê-la
ao corpo.
Algumas empresas de percussão já fabricam esse artefato, hoje podendo
chegar até 10 tamborins no total. O nome mais conhecido é tamburica, mas também já
ouvimos o nome de politamborim. Este último nome foi supostamente dado pelo
inventor26, que, quando foi registrá-lo, descobriu já haver outro registro com o nome de
tamburica.
26
https://www.youtube.com/watch?v=v2huDDJx4NM
65
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 27: Tamburica com 8 tamborins.
66
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
2.3 O Tamborim Além da Escola de Samba e da Roda de Samba
67
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
predominância do teleco teco, seja com suas variantes dentro de um contexto melódico,
seja improvisando.
A Figura 28, mostra um exemplo de notação utilizada por Oscar Bolão em
seu livro Batuque é um Privilégio (BOLÃO, 2003). Ele foi muito feliz ao desenvolver
uma forma de escrita na qual os toques realizados com os dedos são colocados na linha
inferior, ou seja recebendo grande importância, tanto quanto as notas tocadas através da
baqueta na pele que são escritas na linha superior da partitura.
Figura 28: Notação para tamborim (BOLÃO, 2003).
Partindo do conceito de Gianesella (2009, p. 168):
Partindo de uma pesquisa que se encontra ainda escassa, decidimos seguir
uma sugestão encontrada na dissertação de mestrado do baterista Hélio Cunha (2014),
que por sua vez, baseou-se na escrita de Carlos Stasi para representar os sons de
platinela do pandeiro. As notas percutidas com os dedos na parte inferior do
instrumento serão representas com a figura da haste como no exemplo da Figura 29
abaixo. A diferença entre a que escolhemos com a de Cunha está na relação entre a
escrita que sugerimos para as notas percutidas na parte superior da pele. Permanecemos,
portanto, utilizando a figura da nota acima da linha. Diferentemente de Cunha, que
utiliza a nota na parte inferior.
Abaixo iremos exemplificar as duas maneiras de escrita.
68
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 29: Exemplo de escrita de complemento executado com os dedos percutindo a parte inferior do
tamborim.
Abaixo segue a sugestão para escrita do toque com a baqueta na pele.
Figura 30: Exemplo de escrita do toque com a baqueta na pele.
Dentro dessa proposta de escrita, ilustramos abaixo, uma forma mais ampla
de como ficariam alguns dos padrões característicos mais utilizados por Mestre Marçal.
Figura 31: Exemplo de levada de Mestre Marçal com a notação utilizada.
Quando executamos um toque com uma dinâmica extremamente baixa,
utilizaremos a cabeça de nota entre parênteses, comumente chamada de nota fantasma
(ghost notes), como mostram as Figuras abaixo.
Figura 32: Nota entre parênteses ou nota fantasma.
69
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 33: Levada utilizando notas fantasma.
Na Figura 34 há um exemplo onde toques simples com a baqueta convivem
com o toque de dedos da parte inferior do tamborim.
Figura 34: Exclusão do toque na parte inferior do tamborim.
Sobre a maneira de Mestre Marçal tocar essa levada, faremos uma
observação importante. Talvez seja a levada mais utilizada nas escolas de samba, a
chamada levada de carreteiro. Mestre Marçal não utilizava o procedimento GH³YLUDU´R
tamborim para tocar essa levada, por isso manteremos essa forma de escrita.
Figura 35: /HYDGDGH0HVWUH0DUoDOVHP³YLUDU´RWDPERULP
Para situações onde o ritmista toca a levada de carreteiro, iremos utilizar
uma outra grafia, na qual substituiremos a haste que representa o toque com os dedos na
parte parte inferior da pele, SHORWRTXH³YLUDGR´, como mostra a figura abaixo.
Figura 36: Grafia para toque virado.
70
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Essa mesma levada, ilustrada na Figura 35, quando tocada com o toque
³YLUDGR´, torna-se a levada demonstrada na figura 37 abaixo.
Figura 37: Escrita para tamborim virado.
Nas Figuras 38 e 39 temos respectivamente a ilustração do toque regular e
GRWRTXH³YLUDGR´1RWHTXHQRWRTXHYLUDGRRWDPERULP gira sobre seu eixo voltando a
pele para baixo, enquanto a baqueta percute o tamborim de baixo para cima, no curso do
rebote do movimento da baqueta.
Figura 38: Tamborim tocado de forma tradicional Figura 39: Tamborim tocado virado.
A levada de teleco-teco por conta de suas inúmeras variações pode ser
interpretada de diversas maneiras. Na Figura 40, vemos a levada que é mais presente na
obra de Mestre Marçal, com o complemento do toque com os dedos na parte inferior do
instrumento.
Figura 40: Levada de teleco teco.
71
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Uma segunda variação é a levada característica tocada na frigideira27,
conforme demonstrada na Figura 41.
Figura 41: levada de teleco-teco com o toque virado.
Abaixo segue uma ilustração da frigideira com a baqueta.
Figura 42: Frigideira utilizada no samba.
Temos ainda o exemplo do tamborim sendo tocado executando-se todas as
semicolcheias com a baqueta na pele com diferentes nuances de acentos dinâmicos. No
caso dos acentos, os dedos não abafam a pele, e para esse tipo de toque utilizaremos o
símbolo µ2¶ abaixo da nota específica. Quando executarmos o toque com baqueta na
pele abafada pelos dedos utilizaremos o símbolo µ+¶. Veja na Figura 43 um exemplo
desse caso.
27
,GLRISHUFV)SO ´IULJLGHLUDV´- Frigideira pequena de metal, utensilio usado para frituras culinárias,
FRPFHUFDGH´GHGLkPHWURVHJXUDGDFRPDPmRHVTXHUGDSHORFDERHSHUFXWLGDFRPXPDYDUHWDGH
metal na mão direita (originalmente era utilizada uma faca). Além de percutir o instrumento com
movimentos normais, foi desenvolvida uma técnica de rotação do cabo que permite a execução muito
UiSLGDGHVXEGLYLV}HVUtWPLFDV)RLPXLWRXWLOL]DGDQD³HVFRODGHVDPED´PDVVHXXVRTXDVHGHVDSDreceu
(FRUNGILLO, 2014, p. 128).
72
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 43: Acentos com sHPLFROFKHLDV³DEHUWR´H toque ³DEDIDGR´QRVWDPERULQV
Por fim, ilustraremos a notação do tamborim quando ocorre o toque
simultâneo de aro e pele, conforme mostra a Figura 44 abaixo.
Figura 44: Toque no aro e pele simultaneamente.
Os outros instrumentos que aparecem nas transcrições contidas nessa
dissertação foram grafados da seguinte maneira:
Anexo ao texto dessa dissertação, há um CD contendo trechos de várias
músicas analisadas nesse trabalho. O intuito, além de trazer ao grande público o
73
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
conhecimento de uma fonte de áudio já selecionada e muitas vezes de difícil acesso, é
ilustrar de forma mais completa, as transcrições incluídas no texto. A indicação no
número da faixa, bem como a minutagem onde se encontra o trecho tratado dentro da
faixa, encontram-se entre parênteses nas legendas das Figuras relacionadas, conforme
mostrado abaixo.
Figura 45: Tamborins e cuíca. Egotrip. Blitz 3 (1985). 3:15-3:22 (faixa 1 do CD).
Na Figura 45 acima, ilustramos o primeiro exemplo a ser tratado aqui, e diz
respeito à inclusão dos tamborins no cenário pop-rock brasileiro. Primeiramente,
0DUoDO]LQKRID]XPDIUDVHFRPRVHIRVVHXPD³FKDPDGD´GHWDPborim e, na sequência,
a cuíca aparece com duas notas tocadas na região aguda do instrumento. A entrada da
SHUFXVVmRRFRUUHORJRDSyVRYHUVRTXHGL]³FDQWDQGRRVDPEDGD0DQJXHLUD´.
Após quatro compassos de pausa, Marçalzinho retorna com os tamborins e
surdo, fazendo alusão ao surdo característico da escola de samba Mangueira, tocando
sempre no segundo ou no quarto tempo. Isso vai acontecendo aos poucos, com a entrada
em fade in28, enquanto a cuíca fica livre para improvisar. Após um determinado período
em que a melodia se repete várias vezes, a música segue com o propósito de fazer um
diminuendo para o final, ou um fade out29.
28
Fade in: recurso utilizado nos estúdios, onde através da mixagem o áudio pode fazer uma dinâmica
crescente.
29
Fade out: recurso contrário ao fade in, em que o trecho musical mixado vai sumindo até desaparecer.
74
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 46: Final da música Egotrip (1985). Tamborins e surdo. 03:28-04:18 (faixa 2 do CD).
O segundo exemplo é extraído do disco Selvagem do grupo Paralamas do
Sucesso, lançado em 1986 pela EMI. Na ocasião, Marçalzinho aparece em três faixas.
Aqui exploraremos a música Alagados, que foi a única em que ele usou somente um
instrumento de percussão do samba, o tamborim, diferentemente do exemplo anterior
com a banda Blitz, em que se usaram mais instrumentos de uma batucada. Em ambas,
ele pensou o tamborim da mesma maneira, ou seja, tocar os três com afinações
diferentes sem virar.
[...] Depois de tantos hits inspirados no rock inglês, aumentava o
interesse em se criar uma linguagem brasileira para o gênero. Os
ritmos africanos e caribenhos invadiam a Europa sob o rótulo de
³world music´ H DTXLOR Mi SDUHFLD PXLWR PDLV LQWHUHVVDQWH GR TXH DV
fórmulas desgastadas da new wave. E quando todos pensavam que as
bandas daqui já tinham explicado o que era o rock ao brasileiro, os
Paralamas resolveram confundir tudo30.
Na transcrição a seguir, ilustrado na Figura 47, o tamborim de Marçalzinho
nos faz lembrar as frases comuns utilizadas dentro da bateria de uma escola de samba.
Sobre essa gravação, Marçalzinho (2015) explica:
Foram 3 tamborins com afinações diferentes, fazendo o carreteiro sem
virar. Foi uma idéia minha. Aquela onda Jamaica (ritmo das congas)
do percussionista que tocava muito com o Steve Gadd, Ralph
30
Disponível em: http://osparalamas.uol.com.br/cds/selvagem-1986/ - Acesso em: 06 mai. 2015.
75
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 47: Tamborim de Marçalzinho. Alagados (1986), 1:00-1:06 (faixa 3 do CD).
Na parte final da música, podemos observar uma maior variação dessas
frases utilizadas no contexto da escola de samba. Enquanto Marçalzinho faz as levadas
conforme ilustrado na figura 48, a bateria continua com a levada de rock, conforme
mostra a figura 49.
76
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 48: Parte final de tamborim de Marçalzinho. Alagados (1986), 4:22--4:58 (faixa 4 do CD).
Figura 49: Levada de Bateria. Alagados. Paralamas do Sucesso.
Para demonstrar a importância da possibilidade de inclusão da percussão
brasileira no pop-rock nacional, citamos Marcos Esguleba, que se refere a Marçalzinho
como o grande representante dos ritmistas em outros contextos musicais além do samba.
Pra mim o melhor e maior percussionista/ritmista do Brasil é o Marçal
[Marçalzinho] [...] Porque ele é da nossa geração, ele é sambista igual
a gente, conseguiu abrir a porta pra gente pro rock. [...] Ele é
77
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
percussionista de tudo que se vê por ai, é nosso rei do samba igual a
gente [...] Primeiro se fala em Armando Marçal [Marçalzinho], depois
a gente. O pai [Mestre Marçal] deixou um cara para guiar a gente aí,
[...] O melhor cara que tem no Brasil de percussão, sem sombra de
dúvida (SILVA, M., 2015).
Deste modo, observa-se que após as primeiras incursões de Marçalzinho em
gêneros distintos do samba, outros instrumentos típicos do samba, como a cuíca e o
reco-reco, foram introduzidos em outros ritmos.
Percussionista radicado em New York desde 1990, Mauro Refosco foi um
dos primeiros a utilizar a tamburica no pop e no rock. Refosco foi para Nova Iorque
fazer mestrado na Manhattan School of Music em percussão clássica, e com o tempo foi
se tornando conhecido na música popular. Consequentemente, foi deixando a música
clássica de lado para trabalhar com grandes nomes da música popular americana.
Com sólida carreira, participou de trabalhos que vão desde o
acompanhamento da cantora Bebel Gilberto, até um grupo de forró ± Forró in the Dark,
que ele mesmo criou e que virou um sucesso na Big Apple. Mauro usa a tamburica em
grupos pop e, por muitos anos, tocou esse instrumento na banda do artista David Byrne,
ex-membro do Talking Heads. Por três anos, também usou a tamburica em uma das
bandas de maior prestígio no mundo do rock, o Red Hot Chili Peppers. Refosco
comenta seu uso da tamburica:
A primeira situação em que eu a utilizei, que não fosse no contexto de
música brasileira, foi numa turnê com o David Byrne em 2000/2001.
Tinha uma música que nós tocávamos, um beat meio dance music,
que no final da música, que era muito comprida, o meu roadie trazia a
máquina [de tamborins] montada numa estante de prato e eu tocava
alguns compassos do final dessa musica. O efeito sonoro e visual era
muito legal, pois a plateia ficava primeiro supercuriosa em saber que
porra era aquilo, e depois maravilhada pelo efeito sonoro e rítmico que
produzia. Com o Red Hot Chili Peppers, eu levei ao estúdio quando
fui gravar com eles. Como eram basic tracks, o input que eu tive foi
maior do que se eu fosse chamado para fazer overdubs depois que os
basic tracks estivessem prontos. Uma das primeiras músicas que
78
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
gravamos (aliás, era tudo gravado sem click e com poucos takes) foi a
musica Maggie, que acabou virando o single do disco e chegou ao
número 1 do Billboard Rock Charts. Maggie tem um ritmo meio New
Orleans, DC Gogo vibe. Gravei tudo meio de improviso, [usei] um
chequebalde, com cowbell fazendo uma linha bem tradicional de funk,
nos chorus coloquei pandereta e na bridge da música a maquininha de
tamborim foi o instrumento que mais casou com a vibe que tava
rolando. Acabei gravando uma linha de samba reggae, na linha que a
batera e o baixo estavam fazendo. Tive que botar um swing para
encaixar com o jeito que eles estavam tocando, mas é realmente uma
linha de samba. Como a banda é muito popular no mundo inteiro,
muitas pessoas vêm me perguntar que instrumento é esse, pois todos
ficam fascinados pela sua estética e efeito musical. Uso muito em
gravações no meu estúdio e está sempre à mão (REFOSCO, 2014).
O grupo Pedro Luís e a Parede, sediado no Rio de Janeiro e integrado por
C. A. Ferrari, Celso Alvim, Sidon Silva e Mario Moura, se caracterizam por ser um
grupo que faz a junção de instrumentos do samba com outros ritmos. A partir de então,
nasceu o grupo Monobloco.
Essa ideia de pegar os instrumentos da escola de samba e tocar outros
ritmos com ele já circulava no Rio de Janeiro, nos anos 90, com os
grupos Baticum e Funk em Lata. Quando o PLAP [Pedro Luís e A
Parede] foi convidado para fazer um workshop em 2000, no Sesc Vila
Mariana, pensamos em pegar os instrumentos do samba e transpor
para essa orquestração alguns grooves com o ritmo. Já no carnaval de
2001, rolou uma sensação muito bacana, pois conseguimos fazer um
baile bem diferente, que passeava por vários gêneros da música
brasileira31.
O Monobloco tem uma escola que ensina batucada e no carnaval, chegam a
colocar os alunos para tocar junto com os mais experientes. O grupo virou referência
entre as batucadas universitárias. Com grande sucesso, com muita frequência,
costumam lotar casas de espetáculo, com uma agenda repleta de shows no país e no
exterior.
O grupo é formado por 17 ritmistas liderados pelo percussionista Sidon
Silva, sendo 3 deles no tamborim.. No Monobloco, o tamborim é utilizado como uma
31
Dez vezes Monobloco. Guia da Semana. Disponível em:
<http://www.guiadasemana.com.br/shows/noticia/dez-vezes-monobloco>.
79
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
segunda caixa, respondendo àquela caixa de bateria que toca no segundo e quarto
tempos de um 4/4 (mais pop). Sidon disse que se juntou ao grupo, um especialista no
instrumento que veio da Mangueira, o Juninho, profundo conhecedor de muitos arranjos
para tamborim. A partir de então, começaram a desenvolver formas de tocar outros
gêneros. Por serem abertos à mudança todos podem oferecer sugestões. Nas músicas
TXH FRQWpP PHWDLV HOHV WHQWDP UHSURGX]LU DV OLQKDV QRV WDPERULQV )UDVHV GH ³8SD
1HJXLQKR´32 também são utilizadas. Outros exemplos imitativos, como citações
musicais, são utilizados, como por exemplo, o tema principal do filme Missão
Impossível, ou refrãos de músicas do Red Hot Chili Peppers. Quando tocam frevo,
geralmente o tamborim dobra com o chocalho ou triângulo, ou ainda transportam uma
³OHYDGD´GHFRQJDODWLQDSDUDo tamborim.
Os tamborins são utilizados com afinação bem alta, e a baqueta que eles
utilizam é, na verdade, uma haste com misturas de plástico e outro material, cuja
combinação eles mantêm em segredo. A microfonação do grupo também é bastante
peculiar. Como seus shows são muito agitados, eles desenvolveram uma microfonação
³PyYHO´ 8WLOL]DQGR PLFURIRQHV VHP ILR DPDUUDGRV DR EUDoR RSRVWR DR TXH SHUFXWH
ficando livres para maior mobilidade no palco, sem a necessidade de ficar somente num
lugar (SILVA, S., 2014).
Os padrões do tamborim de samba encaixam-se muito bem com os padrões
de música pop. O exemplo mais utilizado pelos percussionistas pode ser aquele que se
tornou mais famoso entre nós, que é o carreteiro.
32
³8SD1HJULQKR´HUDTXDVHXPDYLQKHWDTXHVHUYLDGHOLJDomRHQWUHDOJXPDVFHQDV>@. Ao apresentá-la
em cena, Guarnieri era acompanhado por um trio de flauta (Neném), violão (Carlos Castilho) e percussão
(Anunciação), já tendo a canção, na ocasião, a famosa introdução com o acorde de quinta diminuta sob a
TXDUWDQRWDTXHIXQFLRQDYDFRPRXPFKDPDPHQWRSDUDRUHIUmR³8SDQHJULQKRQDHVWUDGDXSDSUDOiH
SUDFiYLUJHTXHFRLVDPDLVOLQGDXSDQHJULQKRFRPHoDQGRDDQGDU´
< http://mpbartistas.blogspot.com.br/2006/07/upa-neguinho.h>
80
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 50: Parte de tamborim. Choros n. 6, Villa-Lobos.
A primeira peça escrita para um grupo de percussão que utiliza o tamborim
é a Variações Rítmicas de Marlos Nobre, escrita em 1963 para seis percussionistas e
piano. Na figura abaixo apresentamos um pequeno trecho da parte de tamborim. O
toque deve ser executado como estiver escrito, utilizando baqueta tocando na pele
regularmente, não sendo necessária a utilização dos dedos na parte inferior do
instrumento e respeitando a intenção composicional do compositor.
Figura 51: Parte de tamborim. Variações Rítmicas, Marlos Nobre.
Além de obras para grupos de percussão, posteriormente podemos observar
peças escritas para trios, duos e solo de tamborim. Nessas obras, observa-se muito do
81
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
que chamamos hoje em dia de técnicas estendidas. O tamborim passa a ser executado de
formas que irão além da tradicional que estamos acostumados a tocar, isto é, com uma
mão segurando o tamborim e a outra tocando com uma baqueta. Podemos observar na
Figura 52 algumas diferentes maneiras de segurar o instrumento.
Figura 52: Diferentes maneiras de segurar o tamborim.
Nessas obras, que classificamos como contemporâneas, o tamborim é
utilizado de forma a explorar intensamente suas potencialidades, com a maior amplitude
de timbres possível. É comum nessas obras encontrar a utilização de notação específica
para efeitos, utilização de gráficos como referência de execução. Quanto a mudança da
sonoridade regular do instrumento, encontramos recursos variados como por exemplo o
uso de fitas autocolantes no meio da pele. As técnicas também são variadas, como, por
exemplo, tocar com duas baquetas simultâneas, duas mãos com diversas regiões de
toque, utilização de abafamento com o corpo, entre outras técnicas instrumentais.
82
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Faremos uma explanação mais detalhada sobre esse aspecto, pois a forma de utilização
do instrumento se torna um pouco mais complexa.
Na obra Jegolino, de Carlos Stasi33, escrita para o Duo Ello, há um exemplo
da utilização de diferentes partes da mão para tocar o instrumento. Jegolino foi
composta em 2009 e tem sua estrutura dividida em duas seções. A primeira parte utiliza
dois tamborins e a segunda é escrita para zabumba e pandeiro tocado com um reco
reco34.
A primeira parte da obra é a que realmente nos interessa neste momento.
Essa seção começa em uníssono nos dois tamborins, que são tocados com as mãos, sem
utilização de baquetas. O compositor demanda o uso de tamborins com diferentes
tamanhos e afinações, em que ambos devem usar pele animal. A obra utiliza técnicas
não convencionais, como, por exemplo, percutir com a ponta dos dedos na borda do
instrumento, com o osso da mão no centro, raspar as unhas na pele enquanto embaixo se
aperta com a outra mão para gerar glissandos, tapas, entre outras técnicas.
Característica presente em suas obras, Stasi valoriza o uso do conceito de
³PHORGLDGHWLPEUHV´HRXVRGDLPSURYLVDomROLYUHHPDOJXQVWUHFKRVHVSHFtILFRV7XGR
é muito claro, podendo se distinguir todas as nuances. Predomina na obra um sentido
rarefeito, não dando uma sequência rítmica entre as passagens. Não é um samba, nem
uma referência (por causa dos uníssonos dos tamborins na escola de samba), mas tem
um impacto maravilhoso. Podemos destacar outras duas obras para tamborins: Três
Bambas de Lucas Rosa (2002) e Era Luna, Elizeu e Marçal, de Oscar Bolão (2003). A
obra de Lucas da Rosa, com duração de aproximadamente 8 minutos, utiliza diversas
técnicas estendidas para o instrumento como, por exemplo, toques em diferentes regiões
33
Carlos Stasi é professor de percussão na UNESP, onde dirige o Grupo de Percussão da UNESP ± PIAP;;
é também compositor e membro do Duo Ello ao lado do percussionista Guello (Luiz Carlos Xavier
Coelho Pinto), outro grande nome da percussão popular brasileira. Esse duo foi formado em 2000 e
lançou seu primeiro CD, Link, em 2005. Stasi possui uma obra extensa para percussão nas mais diversas
formações.
34
2FRPSRVLWRUGHVFUHYHDWpFQLFDGHVHQYROYLGDSDUDRFKDPDGR³SDQGHUHFR´GDVHJXLQWHPDQHLUDDPmR
esquerda segura o pandeiro em posição vertical, ou seja, em pé. Essa mesma mão segura uma baqueta de
plástico que passa sobre a pele do pandeiro desde a parte inferior até a superior. A mão direita segura um
tipo de reco-reco de superfície plana que raspa determinadas partes do pandeiro (aro, platinelas e a outra
baqueta da mão esquerda apoiada sobre a pele) e também percute a pele e outras partes do pandeiro de
distintas maneiras.
83
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
tanto na pele como no aro do tamborim, diversos tipos de rulo executados com dedos,
modificação de sonoridade através do abafamento ou semi-abafamento do instrumento
pelo corpo do próprio instrumentista. Na obra encontram-se bem definidas as partes
onde as técnicas tradicionais do tamborim são aplicadas em uma linguagem típica do
samba, como também, em contraposição, possui partes onde o principal é a exploração
tímbristica do instrumento em uma linguagem contemporânea com relação ao estilo
composicional. A obra de Bolão é caracterizada por uma linguagem típica do samba e
suas peculiaridades.
84
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
85
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
VLQDO³O´VLJQLILFDWRFDUDEHUWRHRVLQDO³´VLJQLILFDDEDIDGR(VVHVLVWHPDpFRPXP
numa bula de bateria, que se refere ao uso dos pratos de choque ou chimbal.
Ficou acordado entre o naipe de tamborins que os trechos em que surgissem
essas notações seriam interpretados aplicando o conceito de toque aberto e toque
abafado como descrito acima. Nas Figuras 53 a 55 apresentamos as três linhas de
tamborins que eram executadas sempre com repetição. Quanto à primeira levada,
demonstrada na Figura 53, ficou definido que os dois tamborins utilizados nessa frase
estariam com uma afinação mais aguda.
Figura 53: Frase de tamborim agudo. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali ± compassos 7 a 42.
A segunda levada, ilustrada na Figura 54, seria tocada com afinação média.
Figura 54: Frase de tamborim médio. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali, compassos 9 a 42.
A terceira levada, demonstrada na Figura 55, utilizou uma afinação grave.
Apesar de termos escrito somente dois compassos na Figura 55, a frase se desenvolve
continuamente como se fosse um deslocamento de três sobre quatro, onde temos duas
semicolcheias tocadas com baqueta mais uma pausa de semicolcheia, gerando um
deslocamento rítmico continuo.
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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 55: Frase de tamborim grave. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.compassos 11 a 42.
Em outra parte do concerto surgiu uma dúvida com relação à execução, pois
há uma indicação de toque na madeira do corpo do instrumento. Uma frase semelhante
ritmicamente com a primeira levada mostrada acima. Ver na Figura 56 a indicação de
toque na madeira.
Figura 56: Frase de tamborim tocado na madeira. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.
Em decisão conjunta com o maestro, ficou estabelecido que, ao invés de
tocar na madeira (o que causava certo desconforto), todos deveriam tocar na borda do
instrumento, na parte superior, percutindo na pele e no aro de madeira simultaneamente
(rim shot). Assim, os harmônicos se sobressaíam, de maneira similar ao que
caracterizava o estilo de tocar de Mestre Marçal.
Outra mudança ocorreu com a interpretação do terceiro tamborim (grave).
Ao invés de tocar somente os abertos e fechados, foi determinada a inclusão de um
acento a cada dois toques de baqueta, mudando assim a interpretação da levada. Essa
alteração corrobora com outra peculiaridade de execução ao tamborim de Mestre
Marçal, que iremos observar mais detalhadamente em outro capítulo. A
Figura 57 abaixo mostra a mudança. Tanto dos acentos como o da escrita
para a minha levada, dando ênfase à importância da utilização dos dedos na parte
inferior do instrumento.
87
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 57: Frase do tamborim grave com mudança de acento. Concerto Carioca n. 1, Radamés Gnattali.
Além dessa modificação, durante a gravação do Concerto n. 1, a levada de
três tamborins causou certo desconforto entre os solistas. As causas podem ter sido o
próprio distanciamento físico do naipe de percussão em relação aos solistas, ou até
mesmo uma dificuldade de compreensão das frases executadas pelo trio de tamborim.
Deste modo, nesses trechos, decidiu-se pela adição do surdo para auxiliar no
acompanhamento.
Semelhante à Gnattali, o outro exemplo vem do maestro Cyro Pereira ±
pianista, compositor, arranjador, músico de rádio e TV, e que assim como Gnattali era
gaúcho. Cyro foi professor de arranjo do Departamento de Música da UNICAMP, e
membro fundador da Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo, onde
permaneceu por mais de 20 como compositor residente e maestro titular.
A obra que iremos tratar de Cyro chama-se Jobimniana Fantasia e foi
composta sobre temas de Tom Jobim. Essa obra foi escrita para a Orquestra Sinfônica
Municipal de Campinas em 1980 e posteriormente acrescida de mais duas versões. A
que aqui ilustramos é a ultima versão escrita para a Orquestra Jazz Sinfônica, em que
tive oportunidade de trabalhar com o maestro por mais de dez anos, e onde, por diversas
vezes, tive o privilégio de tocar sua obra regida por ele próprio.
O trecho a ser comentado é exatamente aquele em que o tamborim é o
solista. O compositor deixa que o instrumentista execute o tamborim completamente à
vontade em todas as três versões da obra. A única diferença é a exclusão de um
compasso quando da entrada do tamborim, cuja mudança na partitura foi autorizada
pelo maestro Cyro Pereira.
88
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Neste trecho ocorre uma pausa para a orquestra toda: o compasso 133 é
seguido de um solo livre de cinco compassos, ainda na versão antiga, até a entrada da
melodia da tuba, com flautim tocando a melodia de Desafinado, como observado abaixo
na grade original escrita pelo arranjador.
Figura 58: Manuscrito da partitura de Jobimniana, de Cyro Pereira.compassos 133-138.
O que chama a atenção nesses cinco compassos é o cuidado que se deve ter
com a frase melódica que seguirá. A levada demonstrada na Figura 59 é a mais usual e a
que todos comumente FKDPDPGH³WHOHFR-WHFR´.
Figura 59: Frase de tamborim de teleco-teco.
Se a levada for tocada dessa maneira, no compasso 138 haverá um
GHVHQFRQWURHQWUHDPHORGLDHULWPRFKDPDGRQRPHLRSRSXODUGH³FUX]DPHQWR´
Posteriormente, o atual regente adjunto da Orquestra Jazz Sinfônica, Fábio
Prado, responsável pelas digitalizações das obras do maestro Cyro Pereira, confidenciou
que, na ultima revisão, o arranjador permitiu a exclusão desse quinto compasso. Assim,
89
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
caso ocorresse a utilização dessa mesma levada, não haveria mais problemas, já que a
IUDVHGDPHORGLDVHHQFDL[DFRPDSULPHLUDSDUWHGR³WHOHFR-WHFR´
Segundo Gianesella (2012):
Após Villa-Lobos, vários compositores já utilizaram os instrumentos
brasileiros de percussão no contexto orquestral, mas poucos ousaram
explorar mais profundamente seus recursos. Acreditamos que em
virtude de um desconhecimento geral do idiomatismo desses
instrumentos, e, portanto de suas técnicas e possibilidades sonoras, em
geral os compositores limitam-se a notar uma rítmica básica, deixando
por conta dos percussionistas a execução da articulação apropriada,
que realmente fará com que aquela notação simplificada soe
musicalmente apropriada. Porém, ao fazer isso, o compositor está
delegando ao percussionista uma grande responsabilidade, na
esperança de que o intérprete tenha o conhecimento empírico
necessário para realizar tal tarefa. Sabemos que mesmo no Brasil, a
profundidade do conhecimento técnico e estilístico sobre muitos
LQVWUXPHQWRV GH SHUFXVVmR GLWRV ³SRSXODUHV´ FRPR R SDQGHLUR
brasileiro, o atabaque, o repinique, o berimbau, a cuíca, a alfaia, o
tamborim etc. varia muito entre os percussionistas (GIANESELLA,
2012).
Devido a esse tipo de problema, o próprio maestro Fábio Prado, na
reorganização da grade, optou por inserir uma levada para o tamborim, visando auxiliar
um possível percussionista que não tenha familiaridade com a linguagem do
instrumento. Geralmente as obras do maestro Cyro Pereira são tocadas nas mais
variadas salas de concertos e não se sabe de antemão qual tipo de músico irá executá-la;;
por isso, a preocupação com a inserção da levada. Porém, cabe ressaltar que é uma
sugestão que pode ser ou não seguida.
90
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 60: Entrada tamborim Jobimniana. Cyro Pereira
Ainda, segundo Gianesella:
91
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Cyro sempre deu muita liberdade ao percussionista popular dentro da
orquestra. No entanto, quando ele realmente queria um determinado tipo de som, ele
escrevia a parte quase que na sua totalidade.
Essa é uma amostra sucinta de dois exemplos onde podemos perceber as
duas principais dificuldades de decisão interpretativa que surgem na interpretação de
instrumentos típicos brasileiros dentro da música orquestral: aquela em que o
percussionista fica à vontade para definir a execução do instrumento, e outra em que ele
deve ³UHVSHLWDU´RTXHRDUUDQMDGRU/compositor escreveu. Mas é possível imaginar que
Radamés era aberto a mudanças dentro de sua orquestração, fato que pode ser atestado
pela inclusão da bateria que ocorreu na primeira gravação dessa obra.
92
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Nesta seção, iremos relatar opiniões de alguns dos grandes músicos que não
têm o tamborim como primeiro instrumento, mas que tinham, ou têm com ele, uma
estreita relação de paixão e respeito, pois fizeram grandes registros com esse
instrumento em shows e gravações.
Especificamente trataremos de um baterista, um baixista, um pandeirista,
dois cavaquinistas e um cantor. A escolha desses músicos vem da admiração pelos
trabalhos que desenvolvem nas bandas dos cantores e sambistas Paulinho da Viola e
Zeca Pagodinho.
O primeiro a ser relatado entre eles chama-se Hércules Pereira Nunes35, um
baterista com 61 anos de carreira profissional. Há muitos anos faz do grupo de Paulinho
da Viola. Nós o encontramos num show em que tocava tamborim, e não bateria como
de costume. Notamos a desenvoltura com que manuseava o instrumento, haja vista que
em sua discografia consta uma dezena de aparições no tamborim (BANCO DE
MÚSICAS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E CULTURA, 2015).
Ao relatar sobre a maneira de tocar tamborim, Hércules aproveita e faz um
depoimento sobre o Mestre Marçal.
93
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Dininho toca com Paulinho da Viola desde 1970. Já tocou com João
Nogueira, Elton Medeiros, Rafael Rabello, entre outros. Ele relatou que seu primeiro
contato com a percussão foi com o pandeiro, aos 5 anos de idade, na Rádio Nacional,
onde seu pai (Dino Sete Cordas) tocava com Jacob do Bandolim. Dininho relembra seu
início como músico: ³2SDQGHLULVWDWRGDYH]TXHHXLDDVVLVWLUDRVVKRZVSHJDYDXP
segundo pandeiro e me botava na mão. Ficava nós dois tocando junto. E aí o ritmo foi
um negócio muito forte desde pequeno.´ (SILVA, H., 2015).
Em alguns discos de Paulinho da Viola, encontra-se uma grande quantidade
de faixas gravadas pela dupla, inclusive em algumas em que Mestre Marçal se faz
presente tocando cuíca. Dininho conta que, quando entrou na banda de Paulinho,
encontrou Mestre Marçal e seu parceiro Elizeu. Foi nessa oportunidade que ele,
observando, começou a aprender as levadas.
Então, muitas coisas eu fui vendo o jeito que ele tocava e como eles
combinavam dois tamborins, as vezes três, para não embolar, para não
ficar fazendo a mesma coisa. Eles tocavam cada um com uma batida
diferente, sendo que essas três batidas se entrelaçavam. Aqueles três
tocando [Luna, Elizeu e Marçal] davam a impressão de que tinha uns
quinze tocando [...] Então, quando a gente ia gravar, que o Luna era
incorporado, eu ficava vendo como eles faziam o tipo de batida e aí
aprendi isso. Vendo assim, então, às vezes eu toco com eles aqui no
conjunto (SILVA, H., 2015).
Eu acho que o tamborim é o que dá molho ao ritmo, é porque a
maioria dos instrumentos de ritmo são aqueles instrumentos quase que
VyQRPHVPRWLSRGHEDWLGDFRPRRVXUGR³SXPSXPSXPSXP´FRP
uma variação ou outra. Agora RWDPERULPID]³WDWDWiWLWDWiWFKL´ [...]
eles têm várias, eu adoro tocar tamborim justamente por isso, para
você ficar mais livre. Sempre respeitando aquilo que eu falei, senão
fica um rolo miserável todo mundo tocando. Você não pode pegar três
tamborins e todo mundo improvisar ao mesmo tempo, não dá [...] Aí,
se você está sozinho, aí é outro negócio (SILVA, H., 2015).
94
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Para ilustrar o idiomatismo da dupla Dininho e Hércules, iremos comentar
um pequeno trecho de uma gravação feita para um disco de Paulinho da Viola e
Ensemble, chamado Samba e Choro Negro. Trata-se de um disco para um selo alemão,
num projeto em que convidavam artistas de diversos países e Paulinho foi o artista
brasileiro escolhido. A faixa escolhida, Não é assim, traz participação de Mestre Marçal
na cuíca.
Figura 61: Tamborins: Hércules e Dininho. Não é assim, 1993. 0:00-0:09 (faixa 5 do CD).
Outro músico membro da banda de Paulinho da Viola, um dos fundadores
do grupo de choro Nó em Pingo D¶água e participante de tantos outros grupos, Celsinho
Silva (Celso José da Silva), é reconhecido por ser uma grande referência no pandeiro e
tem como influência o mestre e pai Jorginho do Pandeiro.
Celsinho pode ser ouvido tocando tamborim em diversas gravações. O que
chama a atenção foi a gravação do grupo Nó em Pingo D¶água em parceria com o
pianista e compositor Cristovão Bastos36, do ano de 2002, o CD Domingo na Geral
lançado pela Lumiar Discos.
36
Bem Transado, Clique Music UOL. Disponível em: <http://cliquemusic.uol.com.br/discos/ver/bem-
transado>. Acesso em: 14 jun. 2015a.
95
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
A partir de então começamos a dar maior atenção à sua maneira de tocar o
tamborim. Celsinho comenta como foi o começo por sua admiração pelo tamborim:
Eu ia nas gravações que meu pai ia fazer. Eu sempre acompanhava
meu pai e lá eu via o trio de Luna, Elizeu e Mestre Marçal tocando
tamborim e gostei muito. Na verdade aprendi tudo ali. Tudo que eu sei
fazer, de tocar aprendi vendo aquelas pessoas tocando, que era tudo ao
vivo, todo mundo junto. E me apaixonei pelo tamborim, gosto muito
de tocar. Aprendi aquelas levadinhas mais ou menos, tinham três
levadas (SILVA, C., 2015).
Como constatado, Celsinho também menciona Mestre Marçal como
referência. Isso possivelmente deve-se ao convívio de Celsinho com ele desde criança.
Seu pai, Jorginho, além de ter trabalhado com Mestre Marçal a vida toda, tinha com ele
uma grande amizade. ³E o que eu sabia era tudo em cima de Mestre Marçal, naquela
batida dele. Não é igual, não tenho pretensão nenhuma, mas eu tento fazer o melhor
possível da batida de Mestre Marçal [...]. Dei sorte de conhecer esses caras e aprender
[...]. Foi tudo vendo em gravação.´ (SILVA, C., 2015).
Nessa gravação, Celsinho gravou as duas linhas dos tamborins. A entrada
dos tamborins acontece logo após a introdução, por volta dos 35 segundos da faixa,
juntamente com a entrada da melodia. Na Figura 62, vemos a frase de início dos
tamborins.
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Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Figura 62:
Tamborins de Celsinho Silva. Domingo na Geral, 2002. 0:35-0:47 (faixa 6 do CD).
Cabe mencionar também Oswaldo Cavalo (Oswaldo Muniz Góes de
Carvalho), cantor e ritmista que faz parte do coro da banda do cantor Zeca Pagodinho há
décadas. Participou por muitos anos de inúmeras gravações de sambas-enredo para o
carnaval do Rio de Janeiro. Como corista, acompanhou também Dona Ivone Lara, o
grupo vocal As Gatas, MPB-4, entre outros. Mais recentemente, podemos observar
Oswaldo auxiliando a percussão nos vídeos de Zeca Pagodinho, seja nos caxixis,
xequerê, ou tamborim.
Oswaldo faz questão de ressaltar o trabalho que realizou na banda de Mestre
Marçal e fala da influência deste, quando afirma:
97
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
tamborim é um instrumento que tem um encanto. E eu toquei com um
cara chamado de Mestre Marçal e vi Luna e Elizeu tocar também [...]
aquele trio era incontestável (CARVALHO, 2015).
Oswaldo também menciona algumas levadas que aprendeu vendo alguns
ritmistas tocarem, como os que integravam a bateria da Escola de Samba Imperatriz
Leopoldinense do Rio de Janeiro. Menciona ainda uma levada que aprendeu ouvindo de
Jorge Benjor, além do teleco-teco. O cantor cita ainda que o ³tamborim tem várias
batidas, fui escutando, escutando e como você não lê nada, tem que prestar atenção em
tudo, ouvir o máximo possível em casa e tocar em casa também, pra poder fazer alguma
FRLVD´ (CARVALHO, 2015).
Paulinho Galeto (Paulo Soares) é cavaquinista profissional há muitos anos.
Gravou com inúmeros grupos de samba, dentre eles Samba Som 7, Originais do Samba
e Exporta Samba, e há muitos anos é membro da banda de Zeca Pagodinho.
Paulinho menciona que aprendeu muito com os mais experientes, entre eles
Belôba (Carlos da Silva Pinto), um dos mais requisitados percussionistas de samba do
Rio de Janeiro e que, segundo Paulinho, é um grande tamborinista. A respeito da
percussão e da relação entre tamborim e cavaco, Paulinho afirma:
98
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
gravadas por grandes nomes da música popular brasileira. Além disso, ele se diz muito
fã de Mestre Marçal.
Alceu diz que, quando começou a tocar profissionalmente como
cavaquinista, também começou a tocar tamborim num grupo de samba e conta que se
espelhava muito em certas gravações. Somente depois veio a saber que era Mestre
Marçal que tocava nessas faixas que ele estudava. Nas ocasiões em que tocava com esse
grupo de samba, havia momentos em que somente se fazia percussão para acompanhar
os dançarinos e, nesse momento, Alceu tocava tamborim, como disse ele.
A levada de cavaco de Alceu está muito explícita em nossos ouvidos, seja
em Vai Passar ou em Feijoada Completa, ambas de Chico Buarque, ou em Tô
Voltando, de Paulo César Pinheiro e Mauricio Tapajós, e imortalizada na voz de
Simone, somente para citar algumas canções. De volta ao tamborim, Alceu tece seu
ponto de vista sobre a relação de função musical entre tamborim e cavaquinho:
Eu vejo uma relação muito forte entre o cavaquinho e o tamborim.
Tem muito material didático no YouTube de péssima qualidade [...]
Mas tem coisa boa também. O estudante tem um material enorme na
internet e tem que saber filtrar o que é bom ou ruim. Uma das coisas
que muitos dos professores falam, e é uma coisa que quando eu dava
aula eu falava muito pros meus alunos, é justamente a relação entre o
tamborim e o cavaquinho (MAIA, 2015).
Assim como o fez Paulinho, Alceu chama a atenção para a levada do
tamborim de teleco-teco, para que ambos façam a mesma levada e para que sejam feitas
as acentuações em cima disso. Também fala da importância do instrumento dentro de
um grupo ou uma gravação.
E o tamborim é aquele instrumento que não aparece na base de muitos
instrumentos, quando você tem tantã, repique, surdo, reco-reco, dois
pandeiros, mas ele está ali. Ele dá aquele suingue do samba. Ele está
com sua personalidade marcada ali. A personalidade marcante dele
está fazendo presente ali naquela levadinha gostosa. Às vezes você
tem o samba rolando, e você está numa mixagem, você tira o
tamborim e muda o sentido todo do samba. Ele dá aquela divisão
característica. [...] Um instrumento muito fácil de tocar mal e muito
99
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
difícil de tocar bem [...] Se você vai fazer uma levada de samba-
enredo, uma coisa que o pessoal chama de carreteiro é uma coisa. O
teleco-teco é outra, e quando você grava três tamborins, você tem cada
um fazer sua batida certinha para não ficar embolado (MAIA, 2015).
Alceu também não deixou de mencionar Mestre Marçal:
Mestre Marçal primava pela elegância ao tocar, ele não tocava de
qualquer maneira, ele não tocava assim, tipo, vou tocar para ganhar
esse dinheiro. Ele tocava com o coração mesmo. Muito elegante,
colocar bem as frases do tamborim ou da cuíca que ele tocava
bastante. Eu tive a oportunidade de trabalhar com o Mestre Marçal na
banda da Clara Nunes quando eu estava começando, em 1977/78. Ele
sempre acolhia a galera mais nova, dando força e sempre com
dedicação. Ensaio chegava na hora, era um cara muito pontual,
também nessa coisa de profissionalismo mesmo. Sempre muito
elegante mesmo, não só no tocar, mas como se vestir, como falar. Ele
era muito querido por todo mundo e respeitado por sua competência e
pelo jeito de tocar (MAIA, 2015).
100
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
2.7 Técnicas de Gravação do Tamborim em Registros Sonoros da MPB
101
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Sobre o pessoal do Cacique de Ramos, T Reis tem a seguinte opinião:
A turma do Cacique mudou o som do samba. O samba tem uma
divisão, pós e antes do Cacique, que é muito diferente, a levada, a
tocada. Antigamente não tinha tapa no pandeiro, era liso. Hoje não
tem mais educação pra tocar com o swing de antigamente [...] A
transformação do samba foi comigo, antes desse tempo era tudo sem
muito peso, você pode observar isso (REIS, 2015).
T Reis gravou com todos os grandes ritmistas e Mestre Marçal foi um dos
que ele exaltou bastante como tamborinista e cuiqueiro. Sobre a utilização da
microfonação dos tamborins, ele ressalta a importância de gravar a batida dos dedos
embaixo da pele. T Reis resolveu captar o som, ao invés de colocar o microfone por
cima, por achar que a captação melhor era por baixo.
Sobre o desenvolvimento da gravação, T Reis afirma:
Isso foi uma parte importante da captação. A partir daí foi se
desenvolvendo outros estúdios também, outros técnicos foram
pegando a manha de captar o samba. [...] O som do instrumento era
uma coisa, o que ia pro disco era outra totalmente diferente. Hoje em
dia, com a tecnologia, com as pesquisas, ficou igual (REIS, 2015).
T Reis utiliza a mesma marca e modelo de microfone até hoje para fazer a
gravação embaixo do tamborim, que é um Sennheiser 421 ilustrado na Figura 62.
Figura 63: Microfone Sennheiser 421.
102
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
103
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
adversidades, a qualidade musical era bem superior a de hoje. Hoje é tudo mais fácil, se
errou, volta, copia um compasso e dispensa o músico. Reis ainda afirma:
Hoje é um toque por canal, outro em outro. Hoje em dia tem muita
facilidade, da gravar trezentos canais de tamborins se quiser. Aí você
vai lá escutar o trabalho, não gosta muito. Vai escutar o de
antigamente gosta mais, isso eu te garanto, muito mais legal [...] Gosto
de gravar toda base junta. Os tamborins é por causa da sala eu não
gravo junto, não cabe todo mundo junto. Por causa da grande
quantidade de instrumentos de região grave (surdo, tantã, baixo,
bumbo de bateria, repique de anel), o engenheiro tem que saber filtrar
as frequências e não fazer como pessoas que não conhecem o samba e
de pronto eliminam os graves.
Se você fosse gravar o tamborim de Mestre Marçal hoje, o som seria
outro. Ia ter a unha, o grave ia ser outro, ia ser uma batida mais fiel
possível do que ele fazia na época [...] Muita coisa se perde, coisa de
dedo, tapinha que nego dava se perde, antigamente a tecnologia não
permitia essas mudanças (REIS, 2015).
Alceu Maia, atuando como produtor, disse que a gravação ocorria de acordo
com a sala. Havia salas bastante grandes em que era possível gravar varias percussões,
mas como hoje em dia os estúdios são pequenos, as percussões são acrescentadas
posteriormente.
Mesmo na época que a gente ia gravar três tamborins, eram gravados
depois. Por um motivo de vazamento, para não vazar nos outros
instrumentos, nos microfones dos outros instrumentos, e também
porque você podia caprichar um pouquinho mais. Vamos nessa
primeira parte fazer essa levada, na segunda fazer outra, ou fica só um
tamborim na segunda parte [...] Acontecendo alguma emboladazinha
entre os três, que era muito difícil, aí parava e emendava, que na época
também era diferente. Você tinha que emendar de um certo lugar para
frente. Hoje em dia você emenda três segundos antes, hoje é muito
fácil (MAIA, 2015).
E sobre a gravação dos tamborins, ele compartilha da mesma opinião de T
Reis:
104
Capítulo 2. O Tamborim: Seus Executantes Mais Relevantes e Considerações sobre Seu Uso
Por incrível que pareça, hoje em dia você não consegue um trio de
tamborins que tenha a disciplina que os três tinham [Luna, Elizeu e
Mestre Marçal]. Difícil, hoje em dia você pode pegar três grandões,
ótimos músicos de tamborins e passar pra eles: fulano faz essa batida,
ciclano faz essa, e beltrano faz essa aqui pra ficar certinho. Mas eu
acho que não rola disciplina da galera. Eu já ouvi várias tentativas de
três tamborins, algumas bacanas, outras lamentáveis, de embolar
direto (MAIA, 2015).
105
106
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Este capítulo foi organizado com a intenção de expor dois tempos distintos:
1) o período anterior à atuação profissional de Mestre Marçal, com a identificação das
peculiaridades interpretativas que o tamborim apresenta no período que se inicia com o
lançamento de Na Pavuna, em 1930, até a primeira gravação de Mestre Marçal, que
ocorreu em 1953;; e 2) o período de atuação profissional de Mestre Marçal que se inicia
na década de 50 e vai até 1994, ano de sua morte ± o material utilizado para identificar o
idiomatismo da performance de Mestre Marçal ao tamborim foi baseado em uma
discografia selecionada, incluindo tanto o trabalho com artistas renomados da MPB
como seus LPs autorais.
3.1 O Tamborim Antes de Mestre Marçal
Apesar de termos na figura de Bide o protagonismo desse instrumento
durante esse período, justamente na primeira gravação do tamborim ele não se faz
presente, como atesta Sandroni (2001a, p. 9) em artigo sobre análise dessa canção:
Os intérpretes de Na Pavuna eram o ³Bando de Tangarás´, jovens
brancos de classe média do bairro carioca de Vila Isabel, capitaneados
precisamente por Almirante. Mas a grande novidade na gravação do
samba foi a utilização ostensiva de uma batucada no
acompanhamento: era a primeira vez que se pretendia registrar em
estúdio ³os sons dos batuques dos negros´. É difícil saber a
composição exata dessa batucada. Almirante, em seus depoimentos,
fala de ³pandeiros, tamborins, cuícas, ganzás, surdos etc., que as
escolas de samba utilizavam´. Jairo Severiano fala de uma ³ampla
seção de tamborins, cuícas, surdos, pandeiros e recos-recos´. Mas a
audição da gravação não mostra conjunto tão diversificado. Como diz
Cabral, ³destacam-se o tamborim e o surdo, ou seja, o agudo e o
grave´. Também é possível identificar um som médio que deve
corresponder ao pandeiro. De fato, quando Almirante detalha os
participantes da gravação, fala de ³Andaraí, preto forte, tão
compenetrado em seu instrumento que tocava tamborim de olhos
fechados, como em êxtase´;; e de Canuto, também preto, lustrador de
móveis e morador do morro do Salgueiro, também no tamborim aqui
não tinha nada, eu coloquei (SANDRONI, 2001).
107
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 64: Transcrição de Sandroni (2001a) da música Na Pavuna.
Os próximos exemplos apresentados nesse capítulo foram escolhidos
respeitando-se o período já mencionado, assim como gravações em que o tamborim
estivesse em evidência. Outro fator importante que observamos é a falta de fichas
técnicas com os nomes dos músicos dessa época.
Por ordem cronológica, iniciamos nossa lista de músicas com um dos
grandes cantores e compositores sambistas das décadas de 1940 e 1950, Ataulfo Alves,
mineiro de Miraí. Leva Meu Samba foi um de seus maiores sucessos e também gravado
por outros grandes nomes da música popular brasileira. Composta em 1941, foi uma das
108
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 66: Tamborim na entrada de voz, Leva Meu Samba, 1941. 0:11-0:20 (faixa 8 do CD).
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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 68: Levada principal de Vira Esses Olhos pra Lá. 0:13-1:09 (faixa 10 do CD).
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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Semelhante ao que observamos em Leva meu samba foram encontradas em
meio à levada principal, algumas pequenas variações, mostradas abaixo. Na Figura 69,
vemos a primeira variação que ocorre na minutagem de 1:10;; na Figura 70 a segunda
variação;; e na Figura 71 a terceira variação, que é seguida pela levada principal, que
seguirá até o final da música.
Figura 69: Primeira variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:10-1:14 (faixa 11 do CD).
Figura 70: Segunda variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:43-1:49 (faixa 12 do CD).
Figura 71: Última variação de tamborim de Vira Esses Olhos pra Lá. 1:53-1:58 (faixa 13 do CD).
O próximo exemplo é uma música também composta pela dupla Bide e
Marçal, Não diga a minha residência. Essa música foi um grande sucesso de Mestre
Marçal como cantor. Porém, Carlos Galhardo a gravou bem antes disso, em 1944, pela
RCA Victor, gravadora onde Galhardo começou a fazer parte do coro (DICIONÁRIO
CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, 2015d).
Nessa gravação encontramos uma forma diferenciada de utilização do
tamborim para época. Na introdução instrumental podemos observar uma nova levada,
mais precisamente para o trecho a partir do compasso 5, em que predominam as
semicolcheias, e que coincidem com a execução do pandeiro. Outro aspecto que merece
111
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 72: Introdução, tamborim, Não diga a Minha Residência. 1944. 0:01-0:10 (faixa 14 do CD).
Em outro trecho da música, mostrado na Figura 73, ocorrem frases que
comumente não são encontradas em execuções características do tamborim.
Figura 73: Tamborim, entrada de voz, Não diga a Minha Residência. 0:10-0:20 (faixa 15 do CD).
Na Figura 74, vemos um trecho em que uma variação daquela apresentada
na Figura 73 nos remete não a uma levada, mas sim a ³comentários´, como pergunta e
resposta da frase anterior.
112
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 74³&RPHQWiULRV´GHWDPERULPNão Diga a Minha Residência. 0:37-0:47 (faixa 16 do CD).
A Figura 75 abaixo mostra o final da música, em que a introdução
instrumental é repetida, mas observa-se que as quatro primeiras frases são idênticas à da
introdução, apenas começando em lugares diferentes. Somente nos últimos quatro
compassos da música é que aparecem frases que lembram a síncope comumente usada
no samba.
Figura 75: Final, tamborim, Não Diga a Minha Residência. 2:28-2:38 (faixa 17 do CD).
A última gravação que iremos citar como exemplo é outra composição de
Ataulfo Alves, intitulada Deixa Essa Mulher pra Lá. Foi gravada em 1952, também
pela RCA Victor.
A novidade nesta gravação é a inclusão de um segundo tamborim. Na maior
parte da música, os tamborins tocam em uníssono. A transcrição abaixo se inicia no
terceiro compasso, em que a levada principal aparece, já que nos primeiros dois
compassos os tamborins tocam juntamente com os acentos da melodia.
113
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 76: Introdução, tamborins, Deixa Essa Mulher pra lá. 0:01-0:10 (faixa 18 do CD).
Na Figura 77, temos um trecho da música no qual, após uma grande
sequência dos tamborins tocando em uníssono, ocorre uma série de ³perguntas´ e
³respostas´, como podemos observar a partir do terceiro compasso da figura abaixo.
Figura 77: TaPERULQV³SHUJXQWDVHUHVSRVWDV´, Deixa Essa Mulher pra lá. 1:38-1:43 (faixa 19 do CD).
Na próxima seção da música, retratada na Figura 78, essa ³conversa´ entre
os tamborins tem uma dimensão maior. Entre uma seção e outra, a levada principal
permanece.
Figura 78³&RQYHUVD´HQWUHWDPERULQVDeixa Essa Mulher pra lá. 2:00-2:05 (faixa 20 do CD).
114
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Na última seção, a variação das levadas é maior, além de ser a primeira vez
em que podemos observar o acréscimo de acentos. Após essa seção, que agora conta
com oito compassos, a levada principal volta a ser como no começo da música,
seguindo assim até o final.
Figura 79: Variação de levada de tamborim, Deixa Essa Mulher pra lá. 2:21-2:30 (faixa 21 do CD).
Importante registrar que durante o levantamento de obras que continham a
execução do tamborim selecionamos, à exceção da canção Na Pavuna, lançado em
disco em 1930, as outras quatro músicas citadas foram gravadas nas décadas de 1940 e
1950. Após analisar dezenas de gravações datadas da década de 1930, não foi
encontrada nenhuma que utilizasse o tamborim. As poucas levadas encontradas nesse
período que poderiam ser do tamborim, ou seja, possuíam características de frases
semelhantes às executadas no tamborim, foram gravadas com uma caixa de madeira,
que pode ser chamada de caixeta ou wood block, instrumento esse ilustrado na Figura
80 abaixo.
115
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 80: Caixeta ou wood block.
Outro objeto de pesquisa foi o livro Samba de sambar do Estácio: de 1928 a
1931, de Humberto M. Franceschi, que foi relançado pelo Instituto Moreira Salles
(FRANCESCHI, 2010). Acompanha o livro, um DVD multimídia, que reúne 100
músicas. Ouvindo todas as músicas e na tentativa de encontrar mais exemplos,
constatamos apenas uma única música, a Homenagem, de 1940 de Carlos Cachaça na
interpretação de Cartola, O tamborim aparece em dois momentos da música e ambos
tocam a mesma levada de teleco-teco com variações.
116
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
117
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 81: Tamborim utilizado na gravação de Tamborins, Batucada Fantástica (1963).
Arquivo pessoal de Marçalzinho
A música Tamborins possui no início um crescente de instrumentação. O
surdo toca uma colcheia em anacruse, o que chamamos comumente no samba de
³HOHYDU´ H DSyV TXDWUR FRPSDVVRV ELQiULRV, tem-se a entrada da caixa executada com
vassourinha. O tamborim entrará somente oito compassos adiante.
Essa primeira seção, que podemos chamar de introdução, vai do inicio até a
entrada do tamborim solista e tem 12 compassos. Antes da entrada do tamborim, a caixa
já aparece com a levada que se pode destacar como elemento principal dessa música,
que é denominada dentro do samba de teleco-teco, levada imprescindível a qualquer
batucada. Abaixo na Figura 82 iremos exemplificar a partir da entrada do tamborim,
compasso 13. A levada da vassoura na caixa está exemplificada de forma reduzida, uma
vez que o que nos importa nesse momento é a parte rítmica sobre a qual faremos as
análises.
118
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 82: Primeira parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:12-0:27 (faixa 22 do CD).
O surdo permanece com a mesma levada, do principio ao fim da música. O
diálogo nessa música está entre a caixa e o tamborim. A forma da música apresenta três
119
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
37
³7DPEpP WHPRV D KHUDQoD GLUHWD QD QRVVD P~VLFD TXH SRGH VHU SHUFHELGD HP IUDVHV JHUDGDV SHOR
agogô no ritmo Cabula, antecedentes diretos do tamborim, presente no Samba de Roda da Bahia e do Rio
GH -DQHLUR´ 'LVSRQtYHO HP http://www.afreaka.com.br/notas/o-candomble-na-musica-brasileira. Acesso
em 13/06/2015.
38
Divindade da religião iorubana, intermediária entre os devotos e a suprema divindade, inacessível ás
súplicas humanas. Simboliza as forças naturais, e é lógico que suas atribuições sejam confundidas no
entusiasmo dos fiéis. Os orixás residem na costa da África e, atraídos pelo cântico e ritmo dos tambores
em sua honra, encarnam-se, apossam-se dos seus instrumentos vivos, médiuns, cavalos, intérpretes,
falando, tomando o aspecto que tiveram na terra e ainda têm nas paragens onde vivem [...] Os orixás tem
cada um, cânticos e ritmos dos tambores próprios, chamando-os ou anunciando sua presença no
candomblé. ( Cascudo, C. Luís. Dicionário do Folclore brasileiro. 10 ed.,2001;; p. 453.
39
Lulla Oliveira, Tania Vicente, Raul de Souza Ogan. Rio de Janeiro, 2008. p. 57.
120
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 83: Segunda parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:27-0: 41 (faixa 23 do CD).
121
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
40
Na teoria da música antiga, a proporção 3:. No Moderno sistema métrico, significa a articulação de dois
compassos em tempo ternário, como se fossem três compassos em tempo binário. Costuma ser usada em
danças barrocas, como a courante e a sarabanda, em geral imediatamente antes de uma cadência;; também
aparece na valsa vienense (ZAHAR, J. Grove, Dicionário de Música. Ed. 1994).
41
O Buzz Roll também conhecido como Rulo de PressmRGDtRQRPHGH³WRTXHUXODGR´PHQFLRQDGRSRr
Bolão, é um dos rudimentos mais importante da caixa clara. Como esse instrumento não tem uma grande
sustentação sonora o Buzz representa uma forma eficaz de produção de notas longas. No caso da execução
do samba esse era um recurso muito utilizado até a década de 1950 quando o ritmo era conduzido
basicamente na caixa (CUNHA, 2014).
122
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 84: Terceira Parte. Tamborins. Batucada Fantástica. 0:42-0:56 (faixa 24 do CD).
Nas próximas duas músicas que abordaremos, observa-se uma forma de
tocar não muito comum dos tamborinistas anteriores à Mestre Marçal, mas que é uma
característica dele. Marçal por vezes toca juntamente com a melodia ou com as frases
executadas na bateria. Trata-se de um estilo mais fraseado, que acrescenta um sentido
GHFRPSOHPHQWRGHIUDVHV³FRQYHUVDV´FRPa melodia ou com a bateria ou percussão.
123
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Sapato de Trecê é um samba médio, composto por João Nogueira e Nonato
Buzar, do álbum Bem transado, lançado no ano de 1983 pela gravadora RCA Victor. O
motivo da escolha dessa música é a utilização do tamborim juntamente com a bateria.
Normalmente, quando isso ocorre, seja em gravações ou shows, ouvem-se
FRPHQWiULRVGHSURGXWRUHVHP~VLFRVDUHVSHLWRGR³FKRTXH´que poderá ocorrer entre a
frase executado no aro de caixa e com a que é executada no tamborim. O que não é
verdade totalmente se ambos são familiarizados com o vocabulário, como acontece
nesta gravação com Robertinho Silva e Mestre Marçal. Robertinho é reconhecido por
sua carreira como baterista e percussionista, tendo participado de inúmeras gravações
com o famoso trio de tamborins Luna, Elizeu e Mestre Marçal. Gravou com eles em
produções de Egberto Gismonti e Milton Nascimento, entre outros. Robertinho gravou
vários CDs em carreira solo.
Figura 86: Robertinho Silva tocando caxixis
Figura 85: Robertinho Silva tocando
tamborim.
Como mencionado, a função do tamborim não é a de permanecer numa
levada característica do samba e sim de dialogar com a melodia e ritmo, deixando para a
bateria o papel principal na condução da música.
Logo no início da música podemos perceber que o tamborim faz um diálogo
que complementa a melodia. A característica citada anteriormente de tocar a nota no aro
do tamborim já aparece logo no segundo compasso.
124
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 87: Sapato de Trecê, entrada do tamborim, 1:13-1:26 (faixa 25 do CD)
Na segunda parte da música, a bateria passa a utilizar a baqueta cruzada
sobre a caixa tocando o aro. Mestre Marçal toca exatamente as mesmas frases, com
H[FHomRGRVFRPSDVVRVH(OHID]XPDHVSpFLHGH³SUHSDUDomR´HPFDGDTXDWUR
compassos. O restante do fraseado é igual, e tem a função de complementar o desenho
rítmico da melodia ou a de preencher os trechos em silêncio ou pausas do grupo. Já a
bateria permanece na mesma intenção do fraseado de tamborim durante o mesmo
trecho.
Observando a partir do compasso 11 até 13, a frase executada no aro de
bateria nos remete à levada dos tamborins de escola de samba, que normalmente é
GHQRPLQDGDSHORVULWPLVWDVGH³YROWDSDUDRWHOHFR-WHFR´
125
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 88: Sapato de Trecê, segunda seção. 1:27-1:40 (faixa 26 do CD).
Nas duas subseções apresentadas, percebemos que a bateria é a responsável
pelo fraseado que supostamente seria do tamborim. O baterista e percussionista Márcio
Bahia, que participou de muitos trabalhos com Maria Bethânia, Hamilton de Holanda e
Roberto Menescal, foi por várias décadas membro do grupo do multi-instrumentista
Hermeto Pascoal. Em depoimento a Bergamini (2014, p. 41), ele fala sobre a
importância do conhecimento da percussão pelo baterista:
Eu acho que nossos ritmos vêm todos da percussão, o que a gente faz
é adaptá-los para a bateria, mas eles vêm todos da percussão. Por isso
eu acho super importante que o batera toque percussão. Eu não tocava
tanto quanto depois que eu entrei para o grupo. Acho que o baterista
que toca percussão, ele vê a bateria de um outro jeito, vê mais amplo,
porque o universo da bateria pode ser muito restrito dependendo do
jeito que você focaliza. Então, se você pensar a bateria como
percussão, você tem várias possibilidades em cada peça individual, de
explorar o timbre de cada uma, assim como juntas também. A coisa de
tocar percussão mudou muito minha cabeça (BERGAMINI, 2014).
Na repetição desses oito últimos compassos, como demonstrado na Figura
89, a bateria reaparece nos compassos de 19 a 20 e executa a mesma levada que ocorre
nos compassos 11 a 13 (ver Figura 88), mas agora com o auxílio do prato nos acentos.
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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 89: Sapato de Trecê, terceira seção. 1:41-1:52 (faixa 27 do CD).
Na volta da música para a parte A, as funções se invertem;; ver a Figura 90
abaixo. O tamborim passa a ser o condutor e a bateria (tocando no aro) passa a ter a
IXQomR GRV ³FRPHQWiULRV´ 2 WDPERULP WRFDQGR HVVH JUXSR GH VHPLFROFKHLDV FRPR
condutor, nos remete a uma maneira bastante utilizada até fins dos anos de 1960 e que
hoje em dia não é muito frequente nas gravações.
127
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 90: Sapato de Trecê, quarta seção. 1:53-2:05 (faixa 28 do CD)
Na quinta subseção, que é a parte final da música, podemos perceber como a
performance de Mestre Marçal ao tamborim se relaciona com a melodia. Sem esse
entendimento, não seria possível analisar com amplitude as levadas, pois sua função é
de interagir completamente com a melodia. Em sua dissertação de mestrado, Cunha
(2014) relata os conceitos desenvolvidos por Stanyek e Oliveira (2011) sobre a
interação entre os músicos de samba.
O primeiro exemplo do conceito de Stanyek e Oliveira, que se encaixa nessa
subseção é o de variação. Esse é o termo utilizado para descrever uma variação em que
o músico completa os espaços deixados pela melodia
128
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 91: Sapato de Trecê, final. 2:47-2:59 (faixa 29 do CD).
A próxima música que analisaremos é Pára-Raio, que é um samba de
andamento médio e que faz parte do primeiro LP de Djavan, A Voz, o Violão, a Música
de Djavan, lançado pela Som Livre em 1976. Nessa música, como na maior parte do
LP, não há especificação exata de qual instrumento cada ritmista toca. Neste caso são
três percussionistas: Mestre Marçal, Luna e Hermes. Aliás, descobrimos essa música
devido a uma sugestão do próprio filho do Mestre Marçal, que nos relatou a forma
diferente com a qual o pai tocou tamborim na música.
Como foi visto anteriormente em Sapato de Trecê aqui o tamborim de
Mestre Marçal assume quase a mesma função, exceto em alguns trechos em que ele
mantém as levadas um pouco mais contínuas. Na introdução instrumental, podemos
notar a interação do tamborim com o agogô, repetindo a levada a cada dois compassos.
Somente no último tempo do oitavo compasso percebe-se a intenção de uma preparação
para uma nova seção.
129
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 92: Introdução de Pára-raio
Esse procedimento se torna muito recorrente durante a música toda. No
próximo trecho iremos abordar uma característica presente que podemos chamar de
³SHUJXQWDHUHVSRVWD´$PHORGLDpUHVSRQGLGDSHORVDFHQWRVGRFKLPEDOFRPWDPERULP
e agogô.
Figura 93: ³3HUJXQWDHUHVSRVWD´GHPára-raio, melodia com percussão. 0:51-0:57 (faixa 31 do CD).
O trecho acima é uma continuidade daquele mostrado na Figura 92,
portanto, podemos imaginar que houve uma preparação para uma nova seção. Stanyek e
Oliveira (2011) denominam isto como variações cadenciais, definidas como levadas
criadas com intenção de preparar uma conclusão.
130
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 94: Exemplo de variações cadenciais de Pára-raio. 0:57-1:04 (faixa 32 do CD).
Essa cadência pode ser percebida nos compassos 21 e 22 com o mesmo
sentido, os acentos juntos do chimbal e tamborim. Na repetição da volta da melodia, a
SURSRVWDGH³FRQYHUVD´HQWUHRWDPERULPHRDJRJ{FRQWLQXD
Mestre Marçal, nesses oito compassos, executa o tamborim com suas
peculiaridades. Primeiro, os acentos no aro e na pele de couro e a utilização de grupos
de semicolcheias, como mostra a Figura 95.
131
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 95: Melodia junto com aro e semicolcheias de Pára-raio. 1:10-1:23 (faixa 33 do CD).
A seguir vamos analisar os primeiros compassos da canção Amor Barato, de
Chico Buarque e Francis Hime, gravada em 1983 no álbum Almanaque. Mestre Marçal
teve nesta gravação a parceria com talvez alguns dos seus maiores parceiros: Luna,
Elizeu, Doutor e Wilson das Neves.
Na introdução da música surge o trio de tamborins nos primeiros oito
compassos. A cada dois compassos, acrescenta-se uma voz de tamborim tocando a
mesma levada do já familiarizado teleco-teco, sendo que nos compassos 7 e 8 não há o
acréscimo de um quarto tamborim. No trecho mostrado a seguir iremos elucidar a
melodia, isto é, o acompanhamento do violão com os tamborins.
Figura 96: Imparidade rítmica em Amor Barato. 0:08-0:12 (faixa 34 do CD).
Utilizaremos este trecho para mostrar outra maneira de analisar as
subdivisões presentes aqui, que é o conceito de imparidade rítmica, também já tratada
por Sandroni, e por autores como Simhá Aron no seu livro Polyphonies et
Polyrhythmies. (2004) Sandroni cita o estudioso de música africana A. M. Jones, que
fez a seguinte comparação:
132
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
[...] a rítmica ocidental é divisa, pois se baseia na divisão de uma dada
duração, como ensinam todos os manuais de teoria musical. Uma
semibreve se divide em duas mínimas e cada uma destas em duas
semínimas e assim por diante. Já a rítmica africana é aditiva, pois
atinge uma dada duração através da soma de unidades menores, que se
agrupam formando novas unidades, que podem possuir um divisor
comum (é o caso 2 = e e 3 = e) (SANDRONI, 2001, p. 26).
A subdivisão da frase rítmica pode ser observada na notação acima da
partitura como 7+9+9+7. Nota-se a antecipação do acorde na última semicolcheia.
Devido a essa entrada do violão, percebe-se que a frase do tamborim irá também mudar.
Ressalta-se a figura do compasso 10, que está diferente dos outros, dando a entender
que haverá uma mudança de fraseado, gerando, portanto, uma contrametricidade42. Se
mantivermos o PHVPR SDGUmR GR FRPHoR LUHPRV VHQWLU XP ³FUX]DPHQWR´ SDODYUD
muito comum no meio popular quando há um desconforto entre melodia e ritmo.
Numa conversa informal com o engenheiro de som T Reis, ao ouvir esse
trecho, ele nos confidenciou que a mudança da levada dentro da música seria
complicada. Portanto, ele sugere que tenha sido feita uma pausa e os ritmistas entravam
com uma nova levada;; no caso, começariam ao contrário e se ajustariam com o fraseado
da melodia.
Sobre a imparidade no samba, Sandroni (2001) descreve que:
1R VDPED HVVD ³LPSDULGDGH´ VH FRQILJXUD QDV IRUmas rítmicas das
levadas de tamborim, cuíca e agogô, por exemplo. Essa imparidade se
dá pela divisão das oito semicolcheias de um compasso binário ou das
dezesseis semicolcheias de dois compassos binários e grupos de dois
ou três gerando grupos como (3+2+2) e (+3+2+2+2).
Geralmente a divisão pode estar nas somas de 7+9 ou na sua inversão, 9+7.
42
Esse termo serve para entender o deslocamento rítmico estabelecido no samba. Num compasso binário,
onde 8 semicolcheias servem de base para o pulso de semínima. As semicolcheias impares (1,3,5,7) são
denominadas de cometricidade e as pares de (2,4,6,8) de contrametricidade.
133
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 97: Fraseado de imparidade rítmica.
Segundo Sandroni, esse padrão foi denominado pelo musicólogo Samuel
Araújo µciclo do tamborim¶ ou µpadrão do tamborim¶. Foi também adicionado ao choro
UHODWDGRSRU6qYHS³2VP~VLFRVGHFKRURTXHDWXDYDPQDVJUDYDo}HVGH
samba, acabaram por estar entre os mais importantes mediadores na assimilação do
novo paradigma rítmico.´
Em Amor barato, já na introdução, podemos pensar na imparidade 7+9.
Figura 98: Imparidade 7+9, tamborins, introdução de Amor Barato.
Pode parecer um pouco confuso em razão da última semicolcheia do
primeiro compasso fazer parte já da frase do segundo. Isso se dá pelo fraseado da
harmonia e melodia, como atesta Cunha (2014, p. 53):
O que deve ficar claro é que a imparidade se estabelece no fraseado do
ritmo do samba através de seus instrumentos característicos. A
execução desses instrumentos por agrupamentos de 2 e 3 subdivisões
mantém relação direta com melodia e acompanhamento. Como a
prática musical do samba é orientada por múltiplos pontos de
referência, tanto o ritmo melódico pode influenciar o ritmo dos demais
instrumentos como também ser orientado por eles. Independente da
RUGHP KLHUiUTXLFD R IDWR p TXH D ³LPSDULGDGH UtWPLFD´ VH PDQLIHVWD
como uma lógica rítmica e fraseológica tanto no ritmo harmônico
como no ritmo melódico do samba.
134
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Já é nítida essa semelhança, mas não custa enfatizar o que Sandroni relata
sobre a aproximação dos ritmos brasileiros com os africanos. Portanto, a fórmula aditiva
está muito mais relacionada com a rítmica brasileira do que a divisa.
As próximas duas músicas escolhidas para análise são Vai Passar, de Chico
Buarque e Francis Hime, e Coração Oprimido, de Paulinho da Viola. Diferentemente de
Pára-Raio e Sapato de Trecê, o principal foco aqui está em elucidar uma diversidade de
frases que estejam mais próximas da performance de um ritmista e das frases
características do Mestre Marçal.
Vai Passar foi gravada no ano de 1984 no disco Chico Buarque. Trata-se de
um samba de andamento rápido, considerado um samba-enredo, devido também às
levadas utilizadas pela percussão e cavaco. Nessa música o tamborim toca as levadas
mais à vontade, dentro do seu estilo mais tradicional. Na parte introdutória da música,
com repetição de oito compassos, percebe-se que o tamborim na segunda repetição
exerce uma função mais de improviso, enquanto na primeira ele aparece mais restrito à
figura do teleco-teco. No trecho mostrado a seguir na Figura 99, nota-se também a
interação entre o acompanhamento do violão com os tamborins.
135
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 99: Introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:01-0:08 (faixa 35 do CD).
A característica do fraseado do Mestre Marçal já está presente no segundo e
quarto compassos no retorno da introdução, como mostra a Figura 100.
136
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 100: Repetição introdução, Vai Passar, Chico Buarque. 0:08-0:11 (faixa 36 do CD).
Figura 101: Parte final repetição, Vai Passar, Chico Buarque. 0:12-0:15 (faixa 37 do CD).
Nos trechos mostrados abaixo nas Figuras 102, 103 e 104, notamos uma
variedade de frases atuando como variações da levada. Novamente, é possível notar
nesses exemplos como o cavaco interage com o WDPERULPQRFRQWH[WRGH³SHUJXQWDH
UHVSRVWD´
137
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 102: Primeira variação cavaco e tamborim. Vai Passar. 0:45-0:50 (faixa 38 do CD)
Figura 103: Segunda variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 0:49-0:58 (faixa 39 do CD).
138
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 104: Terceira variação cavaco e tamborim, Vai Passar. 1:38-1:41 (faixa 40 do CD).
Como podemos notar nos exemplos acima, o cavaco tem uma pequena
variação dentro da levada do samba-enredo, enquanto o tamborim está completamente
OLYUHSDUD³VRODU´'LDnte dessa afirmação, resolvemos perguntar ao próprio compositor
Chico Buarque se ele designava alguma função na hora de tocar ou gravar, já que o
0HVWUH0DUoDOFRQYLYHXFRPHOHDWpRILQDOGDFDUUHLUD%XDUTXHUHVSRQGHX³4XHPVRX
eu para designar funções ao Mestre Marçal? O diretor musical podia instruí-lo a entrar
QRFRPSDVVRWDOPDVGDtHPGLDQWHHUDFRPHOH´$LQGDVREUHDJUDYDomRRQGH0HVWUH
Marçal canta, BuarquHGL]³1RHVW~GLRGHSRLVGHJUDYDUDVSHUFXVV}HVHOHDLQGDILFDYD
para o coro, e não me esqueço da sua participação em Vai passar. A certa altura, por
FRQWDSUySULD HOHPDQGRXXP µRUDVHYDL¶ ,VVRHUDR0HVWUH0DUoDO (FRPR VHQmR
bastasse, ele ainda nos deixou o Marçalzinho.´ (BUARQUE, 2015)
Na parte final da música, em um determinado momento, onde já está
presente o coro adicionado a vários instrumentos de escola de samba, percebe-se vários
tamborins tocando a levada em uníssono em meio à melodia. Geralmente, essa maneira
de interagir dos tamborins é associada à letra da melodia, logicamente quando se trata
do contexto de escola de samba.
139
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 105: Uníssono de tamborins, Vai Passar. 2:46-3:05 (faixa 41 do CD).
Coração Oprimido, de Paulinho da Viola, foi gravada no ano de 1979 para o
álbum Zumbido. Trata-se de um samba de andamento médio, no qual o tamborim do
Mestre Marçal toca, na maior parte, variações da levada do teleco-teco. Esse caso já
mostra outra característica da performance do Mestre Marçal, que são as frases com as
quatro semicolcheias na variação.
140
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 106: Frase de tamborim, Coração oprimido. 0:41-0:51 (faixa 42 do CD).
Figura 107: Repetição frase de tamborim 2, Coração Oprimido. 1:06-1:15 (faixa 43 do CD).
141
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Se direcionarmos a atenção para os três últimos compassos da música, onde
começa a nota longa do final da melodia, podemos perceber a frase do tamborim
indicando já uma resolução. Para Stanyek e Oliveira esse trecho se caracteriza como
uma chamada, mas nesse caso é uma chamada final, determinada pelos músicos.
Figura 108: Final tamborins, Coração Oprimido. 3:03-3:10 (faixa 44 do CD).
A próxima música selecionada para análise é Esta Melodia, um samba de
andamento médio composto em 1951 por Bubú da Portela e Jamelão (José Bispo
Clementino dos Santos). Essa canção foi regravada várias vezes por grandes nomes da
música popular brasileira. A regravação à qual iremos nos ater é a de Cristina Buarque
no LP Prato e Faca, do ano de 1976, lançado pela RCA/Ariola, e relançado em 2004
em CD.43 Essa gravação foi a primeira que nos chamou atenção com relação à maneira
de tocar duas vozes distintas em dois tamborins.
Apesar de repetitiva, há diversos pequenos trechos que merecem ser
destacados. Podemos perceber com nítida precisão as diferenças (rítmicas e sonoras)
entre os dois tamborins. Aqui Mestre Marçal divide essa música com um dos seus
eternos parceiros, Elizeu. Sugere-se que o tamborim mais grave era tocado por Elizeu, e
43
Discografia selecionada e organizada por Maria Luiza Kfouri e disponível em
<http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/indice.htm>.
142
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
a levada é a mesma que ele tocava com trio de tamborins, segundo Marçalzinho.
(MARÇALZINHO, 2014) Com relação à escrita, manteremos a mesma forma. A única
diferença será a inclusão de mais um pentagrama, inserindo a linha do tamborim mais
grave.
Essas duas levadas são bastante mencionadas como as utilizadas pelo trio
Mestre Marçal, Luna e Elizeu. Podemos observar essa menção em Bolão (2003), na sua
peça de tamborim Era Luna, Elizeu e Marçal, bem como na citação de Wilson das
Neves no documentário As Batidas do Samba.
Figura 109: Introdução, Esta Melodia, tamborins. 0:00-0:06 (faixa 45 do CD).
Essas levadas serão bastante recorrentes dentro das gravações,
principalmente a da linha suplementar, utilizada no samba-enredo. No caso de Esta
Melodia, a levada do primeiro tamborim não se faz da virada na terceira semicolcheia,
recurso utilizado normalmente. Segundo Marçalzinho, seu pai nunca utilizou o recurso
de tocar o tamborim virado (MARÇALZINHO, 2014).
Retomando nossa análise, veremos uma característica muito utilizada
quando temos dois tamborins tocando juntos. Podemos constatar a figura da hemíola
agora nas duas vozes. Nota-se que, se fizermos uma comparação entre o primeiro
compasso do segundo sistema e posteriormente o segundo do primeiro, podemos
concluir que há uma imitação. Isso se percebe por um longo tempo dentro dessa seção.
143
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Essas frases da linha superior são recorrentes no estilo do Mestre Marçal, como
elucidado no exemplo da música Tamborins, na subseção B. A única diferença está na
variação dos timbres.
Figura 110: Tamborins em Esta Melodia, compassos 48 a 50. 0:53-0:56 (faixa 46 do CD)
Na parte final da música, ocorrem várias repetições até um diminuendo
(fade out). Na segunda repetição, trata-se da única vez em que ambos tocam em
uníssono. Isso nos remete a uma característica do instrumento nos dias atuais nas
escolas de samba (toque em uníssono), mesmo que num pequeno trecho. Isso, dentro do
conceito de Stanyek e Oliveira, é denominado de chamadas, que se incluem dentro de
seção de marcação. Essas chamadas, segundo os autores, servem como formas de
comunicação entre os músicos para finalizar ou começar uma seção. Neste caso um
recomeço da seção.
Figura 111: Tamborins uníssonos, Esta Melodia. 1:44-1:47 (faixa 47 do CD)
144
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Por fim, iremos analisar pequenos trechos da música O Meu Guri, de Chico
Buarque, do álbum Almanaque (1981). A primeira vez em que aparece o tamborim é
juntamente com a entrada da voz. Somente violão e flauta estão presentes durante
DOJXQV FRPSDVVRV 6H UHPHWHUPRV DR FRQFHLWR GH ³SHUJXQWD H UHVSRVWD´ SRGHPRV
associar a essa levada do tamborim, pois é perceptível a interação entre a frase principal
(tamborim) com os complementos na pele da parte inferior (dedos). Não foi possível
ouvir os dedos nas colcheias in box do primeiro tempo.
Figura 112³3HUJXQWDHUHVSRVWD´WDPERULP O Meu Guri. 0:18-0:25 (faixa 48 do CD).
O trecho mostrado na Figura 113 abaixo ilustra mais um conceito de
Stanyek e Oliveira, que foi denominado de imitação por variação. O músico deixa de
tocar a levada para tocar junto com a melodia. No caso abaixo, a melodia acentuada
fornece essa possibilidade ao músico para a imitação.
145
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 113: Acentos do tamborim junto com a melodia. 1:10-1:15 (faixa 49 do CD)
Os acentos tocados pelo primeiro tamborim aparecem exatamente junto com
a voz e cavaco tocando acorde de Si maior. O único lugar onde não acontece esse
³XQtVVRQR´pQD~OWLPDVHPLFROFKHLDGRVHJXQGRWHPSRRQGHQDPHORGLDDSDUHFHDQRWD
Mi ligada ao terceiro compasso. Portanto, a partir desse momento o tamborim já retoma
a levada.
A última seção é a que elucida o famoso trio com Luna e Elizeu, no qual
cada um usava afinações diferentes. Mestre Marçal era o que usava a mais aguda. Isso
nos remete ao candomblé, em que os atabaques são de tamanhos e afinações diferentes.
O rum é o mais grave (atabaque maior), rumpi, o médio e o lé são agudos (menor), além
do agogô. Como exemplo, iremos ilustrar as três levadas da cabula, ritmo que deu
origem ao samba. A primeira linha é o agogô, a segunda, o lé, a terceira, o rumpi e a
última, o rum.
Figura 114: Exemplo do ritmo de cabula extraído de Oliveira (2008).
146
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Outra semelhança em relação aos tamborins são as frases dos três surdos
utilizados na escola de samba, que, assim como os atabaques, são de afinações e levadas
diferentes.
Figura 115: Variação de levadas de surdos. Fonte: Costa e Gonçalves (2012).
Como primeiro exemplo da levada dos três tamborins, reproduzimos a
transcrição feita por Oscar Bolão durante uma seção de gravação que ele presenciou do
trio.
Figura 116: Três tamborins. Fonte: Bolão (2003).
147
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Finalmente, a Figura 117 abaixo mostra outra variação que transcrevemos
dos três tamborins de Luna, Mestre Marçal e Elizeu.
Figura 117: Três tamborins, O Meu Guri. 0:49-0:57 (faixa 50 do CD).
Figura 118: Luna, Mestre Marçal e Elizeu gravando em estúdio.
Os exemplos a seguir, Figuras 119 a 121, servem para ilustrar alguns dos
traços característicos de Mestre Marçal. Primeiramente na Figura 119 temos os
³FRPHQWiULRV´RVTXDLV podem ser observados principalmente nas músicas Pára-Raio
de Djavan e Sapato de Trecê de João Nogueira.
148
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 119: ³&RPHQWiULRV´GHWDPERULPGRIUDVHDGRGH0HVWUH0DUoDO
Na Figura 120, encontram-se ilustradas três diferentes levadas com a
utilização dRV WRTXHV ³HVWDODGRV´ GH DUR H SHOH HQFRQWUDGDs em músicas como
Tamborins de Luciano Perrone, Vai Passar de Chico Buarque e Francis Hime, dentre
outras.
Figura 120: Toque de aro e pele do fraseado de Mestre Marçal
Na Figura 121 temos várias levadas de tamborim comumente tocadas por
Mestre Marçal de maneira mais tradicional, ou seja, sem a utilização de aros e sem os
comentários entre tamborins. Essas levadas foram mostradas por Marçalzinho durante
uma passagem de som.
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Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 121: Levadas sem utilização dos aros.
Na Figura 122, em duo com Luna num programa com Paulinho da Viola
para a Tv Tupi nos anos de 1970. Mestre Marçal toca a primeira linha repetidamente,
enquanto Luna alterna as levadas.
Figura 122: Levadas de duo. Mestre Marçal e Luna.
Na Figura 123, um exemplo do trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal, que
Marçalzinho diz ter sido XP³PDQWUD´RXXP³SLQJSRQJ´HQWUH/XQDH(OL]HXSRUFRQWD
do deslocamento dos acentos entre os tamborins dois e três. Marçalzinho disse que
Mestre Marçal tinha a função de manter a levada como mostra o tamborim um. Em
alguns momentos, Mestre Marçal parava de tocar essa levada para ficar improvisando.
150
Capítulo 3. Peculiaridades e Inovação na Utilização do Tamborim por Mestre Marçal: Um Estudo
Interpretativo
Figura 123: Levadas do trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal.
151
Capítulo 4. O Legado
152
Capítulo 4. O Legado
Mestre Marçal foi sem dúvida uma grande influência para muitos
percussionistas, ritmistas e até cantores brasileiros. O objetivo deste capítulo é fazer um
breve relato de alguns dos grandes ritmistas/percussionistas que tinham relação próxima
ao Mestre Marçal, seja através do convívio próximo, tocando ou gravando, seja por
conhecê-lo somente através de gravações que serviram de influência e inspiração. Essa
influência será demonstrada através da identificação de traços idiomáticos da
performance de Mestre Marçal ao tamborim encontrados na execução dos músicos
citados a seguir.
A primeira música é de autoria do cantor e compositor João Bosco, artista
que teve em suas gravações a presença constante de Mestre Marçal. O título da música é
De Mamadeira do CD Malabarista do sinal vermelho, do ano de 2003, lançado pela
Sony Music. Nessa faixa os tamborins são tocados por Marçalzinho e também por
Robertinho Silva.
A influência de Mestre Marçal está aqui sintetizada em alguns poucos
compassos, valorizando a entrada dos tamborins, que ocorre no terceiro compasso da
volta da parte A, excluindo-se assim a introdução do violão e voz, que na partitura foi
adaptada para trombone. O violão aparece numa levada que sugere batida de partido
alto e, neste caso, mantém a regularidade da levada transcrita. Logo na primeira parte da
letra A aparece o primeiro instrumento de percussão, que é o Tantã44.
Na sequência aparecem os dois tamborins, cada qual com sua própria
levada, acompanhando a melodia e o violão. A levada do tamborim da linha superior
indica que este ficará mais constante, ou seja, uma forma mais padronizada em cima da
levada do teleco-teco como ilustrada nos compassos de números 5 a 8, como mostra a
Figura 123.
44
³'HDILQDomRJUDYHHOHWHPDIXQomRGHPDUFDURULWPRGDPHVPDIRUPDTXHRVXUGRQRVFRQMXQWRV de
VDPEDWUDGLFLRQDLV´%2/2S
153
Capítulo 4. O Legado
Já no tamborim da linha inferior, observamos maior liberdade em relação à
interpretação ± que, no curto trecho mostrado na Figura 122 remete em uma das
variações utilizadas pelo trio Luna, Elizeu e Mestre Marçal.
Figura 124: Variação de tamborins utilizadas por Luna, Elizeu e Marçal.
Nota-se que no compasso de número 9 aparece a haste com x, que denota o
rim-shot (pele e aro tocados simultaneamente), outro elemento característico do toque
de Mestre Marçal.
154
Capítulo 4. O Legado
Figura 125: De Mamadeira, tamborins. 0:49-0:59 (faixa 51 do CD).
Percussionista profissional desde 1976, Humberto Cazes (ou, como é
conhecido artisticamente, Beto Cazes) tem uma carreira bastante sólida, seja em estúdio
de gravação, seja nos palcos, tocando com grandes nomes da música popular brasileira.
O próximo exemplo é uma gravação de 1996 do CD Zé Keti: 75 anos de
samba (último antes da morte do compositor), produzido por Henrique Cazes e lançado
pela gravadora Rio Arte Musical. A música que iremos ilustrar é Leviana, com
participação especial do cantor e compositor Wilson Moreira. Somente a introdução
será mencionada aqui, apesar de a levada reaparecer no final da música. Optamos pela
introdução devido à interação de outros instrumentos com os tamborins ser menor e de
melhor compreensão.
155
Capítulo 4. O Legado
Beto nos confidenciou tempos atrás, em conversa informal, que aprendeu
essas levadas com o Mestre Marçal durante um período em que estavam gravando
juntos.
E o meu interesse e minha admiração pelo trabalho do Marçal, Nilton
Delfino Marçal, Mestre Marçal, começou mais ou menos em 1986.
Minha aproximação com ele foi quando comecei a produzir com um
pesquisador japonês, Katsunori Tanaka, que eu havia conhecido no
Japão em 1985. Em 86 a gente começou a fazer uns discos de samba
aqui no Rio. Fizemos um disco do Wilson Moreira, um do Nelson
Sargento e outro da Velha Guarda da Portela. Nos discos do Wilson
Moreira e Nelson Sargento, nós gravamos, eu gravava de pandeiro as
bases e chamávamos sempre o trio dos grandes percussionistas de
samba da época, Luna, Marçal e Elizeu, o trio mítico da percussão de
samba, e eles botavam os complementos de percussão, tamborins,
cuíca, agogô, etc. A gente gravava a base, eu de pandeiro, o gordinho
de surdo e depois eles botavam as percussões. E eu ficava muito no
estúdio olhando o trabalho deles, e tinha uma determinada batida que
os três faziam que se completavam e dava pra perceber, ouvindo de
uma gravação que eles tinham feito com o cantor Monarco na década
de 70. (CAZES, 2015)
Os tamborins da gravação de Leviana foram usados com diferentes
afinações, o primeiro com a afinação bastante alta, enquanto o segundo tamborim tem
afinação média, ambos com pele de couro animal. Ouvindo a gravação em estéreo, em 2
canais separados, são perceptíveis as diferenças e a junções entre ambos.
156
Capítulo 4. O Legado
Figura 126: Tamborins, Beto Cazes, Leviana. 0:01-0:09 (faixa 52 do CD).
Cazes descreve sobre a estrutura do trio de tamborins:
157
Capítulo 4. O Legado
Eu percebi nas gravações e na convivência com Marçal, Luna e Elizeu
(os três tamborins mais clássicos do samba) que eles faziam uma
célula. Geralmente dois desses tamborins faziam uma célula que era
repetida e que era deslocada dentro do compasso. Elas começam em
lugar diferentes essas células, que juntas se completavam
espetacularmente [...] Uma iniciava no tempo e a outra no
contratempo. Eles faziam isso instintivamente mas que dava um
resultado muito incrível. Em termos de polirritmia e de complemento
dentro do samba principalmente na gravação do samba enredo. [...]
Fazer a introdução com essa rítmica e eu gravei com dois tamborins
de couro, mas com afinações um pouquinho diferentes e gravando no
estéreo em 2 canais bem separados para notar mesmo essa diferença
dos dois e a junção. Tanto no começo da música como no final acaba
fazendo essa composição rítmica, que, embora sendo com a mesma
célula, ela deslocada dentro do compasso dá uma impressão
espetacular. Eles faziam instintivamente, isso era uma coisa que o
Mestre Marçal devia fazer desde que ele existia (CAZES, 2015).
Figura 127: Beto Cazes e Mestre Marçal gravando em 1986. Fonte: Arquivo Beto Cazes.
Marcos Esguleba e Mestre Trambique tocaram juntos na banda que
acompanhava Mestre Marçal. Músicos sempre presentes nas gravações de estúdios,
esses dois fazem dobradinha na percussão do Grupo Semente, cujo primeiro CD
homônimo foi lançado recentemente, e que com frequência acompanha a cantora de
samba Teresa Cristina. Neste CD do Grupo Semente aparece uma composição do
158
Capítulo 4. O Legado
Mestre Trambique em parceria com Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro. O nome
da música rende homenagem ao mestre ± titulo da música: Mestre Marçal.
Tomaremos como exemplo Nas asas da canção, composição de Dona Ivone
Lara e Nelson Sargento. A gravação é de 2001, do álbum Nasci pra sonhar e cantar, de
Dona Ivone Lara, para o selo Natasha Records. A participação de Esguleba e Trambique
aparece logo na introdução instrumental, onde há um diálogo entre os dois tamborins,
ambos utilizando pele de couro animal. O diálogo reaparecerá na entrada da voz de
Dona Ivone Lara. Ilustraremos o trecho em que somente estão presentes os tamborins,
juntamente com o surdo, a melodia e o acompanhamento do violão. Os tamborins neste
trecho são bastante perceptíveis, assim como em Leviana, pois a quantidade reduzida de
outros instrumentos ajuda no entendimento da execução.
159
Capítulo 4. O Legado
160
Capítulo 4. O Legado
Figura 128: Transcrição de melodia e tamborins, Nas Asas da Canção. 1:13-2:07 (faixa 53 do CD).
Na transcrição ilustrada na Figura 126 é importante ressaltar que os
tamborins transcritos se referem somente ao primeiro retorno, ou seja, casa 1 na forma
161
Capítulo 4. O Legado
da canção. O que seria a repetição da letra A (começo da música) não está transcrito e,
portanto, os tamborins foram omitidos, somente retornando no segundo pentagrama da
segunda página (casa 2). Observa-se aqui que somente no início e no final os tamborins
estão convencionados com a mesma frase.
Na zona leste da cidade de São Paulo, mais precisamente no bairro de São
Mateus, reduto de grandes sambistas e ritmistas, foi criado na década de 1990 o Trio de
Tamborins de São Mateus por Jorge Bernardino da Cruz (Jorge Neguinho), Gerson
Martins Dias (Gerson da banda) e Ivisson José Pessoa Bezerra (Ivisson Casca). Este trio
de tamborins pode ser ouvido nos discos do Quinteto Branco e Preto (grupo que ao
longo dos anos virou referência do samba em São Paulo, do qual Ivisson foi um dos
fundadores) e também do Berço do Samba de São Mateus e da cantora Beth Carvalho,
entre outros.
Gravado em 2001, Nome Sagrado é o CD da cantora Beth Carvalho,
lançado pela gravadora Jam Music em homenagem ao cantor e compositor Nelson
Cavaquinho. Dentre os ilustres convidados, está o Trio de Tamborins de São Mateus,
que Beth compara com a formação clássica, integrada por Luna, Elizeu e Mestre
Marçal45.
'LDVUHODWD³$JHQWHWHYHDKRQUDGHWHQWDUUHSURGX]LUDOJXPD coisa
dentro daquela ideia que o trio fazia. Foi um marco na vida da gente de cada um de nós
como músicos´ Também sobre o convite de Beth Carvalho para gravar, Bezerra (2015)
GHFODUD ³&ODUR TXH QXQFD YDL VHU D PHVPD FRLVD TXH HOHV ID]LDP LPSRVVtYHO SHOo
talento e genialidade que eles tinham. A gente tentou da nossa maneira aqui reproduzir e
até hoje tenta fazer o trabalho que eles faziam. No caso do ritmo a gente se inspira
muito neles´.
Durante uma sessão de gravação que participei com o Trio de Tamborins de
São Mateus, solicitei ao trio que reproduzisse as três inspiradoras levadas que eles
45
Disponível em:
<http://cultura.estadao.com.br/noticias/musica,beth-carvalho-canta-nelson-cavaquinho,20011009p6271>.
Acesso em: 26 mai. 2015.
162
Capítulo 4. O Legado
Figura 129: Tamborins de São Mateus.
Bezerra relata claramente a influência musical que Mestre Marçal tem em
sua formação:
Mestre Marçal foi importantíssimo na minha vida, porque os discos
dele influenciaram muito minha carreira musical, aprendi a escutar
muito nos discos dele, aprender os sambas, as levadas, também a
época do Carnaval quando ele era mestre de bateria, que via os
desfiles pela Rede Manchete das baterias que ele comandava e a gente
ficava maravilhado com a postura do Mestre Marçal e o respeito que
todo mundo tinha. Então, é... Tenho um agradecimento a esse mestre
porque ele foi essencial na minha vida e inspirou como sambista e
como artista (BEZERRA, 2015).
Registramos aqui a admiração de Gerson, que sempre elogiou Mestre
Marçal informalmente:
Grande importância na minha vida, na minha formação como músico.
Eu que desde criança já venho escutando aquelas gravações do Mestre
Marçal. Ora tocando pandeiro, ora tocando cuíca, enfim, era um multi-
ritmista (sic). E um bom gosto nas frases, e tudo que tocava, tocava
bem. Eu cresci nessa atmosfera do samba, ouvindo o Mestre Marçal.
Quando eu tive o contato com o trio Luna, Marçal e Elizeu, através
dos tamborins do disco do Partido em 5 e em várias outras gravações,
fiquei encantado (DIAS, 2015).
163
Capítulo 4. O Legado
Um grupo de jovens músicos de São Paulo resolveu formar em 2011 o
grupo Cadeira de Balanço, cuja finalidade era desenvolver uma maneira diferente de
tocar o choro com roupagem mais moderna, segundo um dos membros do grupo, o
percussionista Rafael Toledo. No ano seguinte, gravaram o primeiro CD, com o nome
de Bagunça Generalizada.
Além de Rafael, o grupo conta com dois outros grandes talentos na
percussão: Léo Rodrigues e Douglas Alonso. Este trio é bastante requisitado para os
mais diversificados projetos musicais da cena paulistana. Completam o grupo o flautista
Enrique Menezes, o violão de sete cordas Gian Correa e Henrique Araújo,
cavaco/bandolim. Segundo Toledo:
Escutando no samba, não tem como você não se identificar com o que
Mestre Marçal fazia, não se emocionar com o que ele fazia, tocando
tamborim, cuíca, diversos instrumentos de percussão [...] Sempre que
escutava eu ficava atento, tentando tirar o que ele fazia, as levadas que
ele tocava, às vezes só com tamborim, ou com o trio com Luna e
Elizeu. E isso é o que eu carrego na minha musicalidade. Daí pra
frente eu tentei colocar no máximo possível das gravações que eu
fazia e uma delas é num grupo chamado Cadeira de Balanço [...]
Dentro desse disco, eu e os outros dois percussionistas, Léo Rodrigues
e Douglas Alonso, resolvemos citar o trio de tamborim glorioso que
foi Luna, Mestre Marçal e Elizeu, fazendo uma levada que eles
costumavam fazer muito (TOLEDO, 2015).
A música a ser tratada aqui é O Mancebo, composta pelo acordeonista
Toninho Ferragutti. Após os oito primeiros compassos de introdução, os três tamborins
aparecem junto da primeira exposição da melodia, em uníssono com cavaquinho e
flauta. Rafael relata que foram definidas as afinações de acordo com a levada de cada
tamborim, como transcrito abaixo: o primeiro agudo, o segundo médio, e o terceiro
grave. A levada de carreteiro é encontrada na parte do segundo tamborim, na qual é
assinalado por um retângulo, e uma seta indicativa ց,
o
para o momento em que o
tamborim ³vira´.
164
Capítulo 4. O Legado
Figura 130: Tamborins, Grupo Cadeira de Balanço. 0:10-0:26 (faixa 54 do CD).
Como mostrado na Figura 129, nos compassos sete e oito, observa-se que os
tamborins tocam em uníssono como se fossem uma chamada para retornar ao tema.
Figura 131: Tamborins, chamada, Cadeira de Balanço. 0:45-0:49 (faixa 55 do CD).
Na volta ao tema dessa música identifica-se outra influência de Mestre
Marçal. Observa-se que dois dos três tamborins continuam mantendo uma das levadas,
enquanto o terceiro tamborim fica mais livre improvisando.
Como podemos observar nesses cinco pequenos exemplos, o legado deixado
pelo Mestre Marçal se estendeu por várias gerações: a geração de Mestre Trambique e
Robertinho Silva, nascidos na década de 1940, passando por Marçalzinho, Beto Cazes e
Marcos Esguleba. Todos esses tiveram convívio direto com o Mestre Marçal, no Rio de
Janeiro. Gerações posteriores receberam a influência indiretamente (através de discos
ou vídeos), como os paulistas da geração da década de 1970 do Trio de Tamborins de
165
Capítulo 4. O Legado
.
166
Considerações Finais
167
Considerações Finais
168
Considerações Finais
No final deste trabalho, observa-se que o papel de Mestre Marçal no samba
foi de fundamental importância, principalmente por ter vivido com várias gerações de
sambistas e ter desenvolvido uma maneira peculiar de tocar. Ao longo desta dissertação,
procuramos mostrar a extensão da sua influência e seu campo de atuação.
Mestre Marçal tocou com Luciano Perrone em rádio e gravações. Foi cantor
em bailes, mestre de bateria e comentarista de carnaval em televisão. De ritmista a
interprete de música inclusa em novela da Rede Globo. De passista e ritmista a
intérprete com Chico Buarque.
Classificar Mestre Marçal como um elo entre os músicos na história do
samba significa que ele se apropriou dos padrões de execução comuns até os anos de
1950, desenvolvendo-os com requinte e originalidade, e posteriormente seu
idiomatismo ao tamborim serviu de referência para a geração posterior.
As transcrições que fizemos sobre sua performance nos serviram de
ferramenta para compreender e retratar a virtuosidade e originalidade de Mestre Marçal.
Algumas delas, utilizadas na dissertação, elucidam minuciosos pontos técnicos, outras
proporcionam uma idéia mais ampla de conceitos musicais empregados por Mestre
Marçal.
Ao longo da dissertação, foi possível fazer uma análise compreensiva,
partindo das performances e primeiras gravações e relacionando-as com o legado que
seus traços idiomáticos característicos deixaram para gerações seguintes. É nítida a
contribuição de Mestre Marçal para o que ocorre hoje em dia na utilização do tamborim
como complemento melódico RXOLYUHSDUD³VRODU´MXQWRFRPDPHORGLD
O envolvimento com esse traço característico de Mestre Marçal já foi
assimilado, ultrapassando o samba e atingindo outros ritmos, em trabalhos que podem
ser encontrados no mercado.
169
Considerações Finais
O tamborim de Mestre Marçal também aparece em duo e em trio com seus
parceiros Luna e Elizeu, que tanto sucesso fizeram dentro das centenas de gravações. As
gravações desse trio também nos influenciaram na maneira de pensar diferentes linhas
para outros instrumentos e compreender a função que cumpriam em relação à
composição.
A utilização dos toques de aro com pele simultânea e as adaptações das
linhas de tamborins passaram com frequência a fazer parte do vocabulário musical,
independentemente do estilo, ajudando-nos a inseri-las em novos contextos criativos.
Gostaríamos de salientar que não tivemos a pretensão de obter conclusões
definitivas e nem de esgotar o assunto. Pretendemos, isto sim, que a pesquisa realizada
seja entendida como uma contribuição para a discussão dos problemas relativos à
percussão brasileira.
Temos certeza de que muitos outros trabalhos virão oportunamente para
enriquecer ainda mais o debate, acrescentando outras informações, abordagens e até
mesmo pontos de vista diferentes e contributivos.
170
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