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iWPensamento
a·i!R'·fPensamento
Criminológico Criminológico 12
VOLUME 1 Crimino~a Cri1Q~",'1:
Introdução à Cri~, _;
A/essandro Baratta
VOLUME 2 Difíceis GanhQs ·f_~f;.:<'t;·
Drogas e Juv1erm.-e"1'OIRi
Vera Ma/aguti B~ti:Sf4.11
VOLUME 3 Punição e~ EstII_.5.
Georg
VOLUME 4
numinismo "~_
VOLUME 5
VOLUMf6
VOLUME 7
VOLUME 8
VOLUME 9
VOLUME 10
VOLUME 11
Coleção Pensamento Crüninológico
Alessandro De Giorgi
~
Instituto
Carioca de
Criminologia
Editora Revan
M!Uili'Pensamento
Criminológico
Direção SUlnário
Prof. Dr. Nilo Batista
5
De Gíorgi aposta nessa crítica materialista da pena: "o fio condutor da força de trabalho desqualificada; elas prescindem explicitamente da consu-
economia política da pena é construído pela hipótese geral segundo a qual a mação de um delito, das características individuais de quem está envolvido
evolução das formas de repressão só pode ser entendida se as legitimações nele e de qualquer finalidade reeducativa ou correcional, para orientar-se no
ideológicas historicamente atribuídas à pena forem deixadas de lado". Seu sentido da 'estocagem' de categorias inteiras de indivíduos considerados de
trabalho cumpre, então, a função fundamental de desativar o dispositivo do risco". Ele se vale então da idéia do cárcere atum'ial, a partir das "represen-
dogma da pena. Existe nos dias de hoje uma polissemia de discursos, uma tações probabilísticas baseadas na produção estatística de classe, simula-
saturação de informações que conduzem à transformação de toda a con- cros do real: imigrantes clandestinos, afro-americanos do gueto, tóxÍco-
flitividade social em problema penaL A discursividade vai acompanhando dependentes, desempregados". É o atuariaJismo penal que vai produzir as
então a pauta da reprodução deste capital de barbárie: a imigração é crimina- metrópoles punitivas.
lizada, bem como as estratégias de sobrevivência da pobreza em todas as Esta obra é de uma riqueza impressionante para nós que pensamos a
::: partes do mundo. As políticas criminais de droga, as operações "anti-cor-
,I' questão criminal na periferia do capitalismo, na nossa gigantesca instituição
:'.11'
,'I
rupção", as cruzadas contra o crime organizado e a lavagem de dinheiro são de seqüestro, como vaticinou Raúl Zaffaroni, na sua busca das penas perdi-
nada mais nada menos do que expansão dos territórios de ocupação física e das. Nós, os indignados, os resistentes a esse gigantesco projeto de
virtual pelo capital financeiro soberano. assujeitamento aos desígnios do capital, podemos contar com a munição
O autor avança também na crítica à contradição estrutural da sociedade proposta pela presente retlexão, que transformou nossas favelas/prisões em
capitalista, a partir de Marx: o paradoxo entre a idéia da igualdade formal em campos de extermínio e tortura, numa escala até então nunca vista. O livro
relação a uma desigualdade fundamental: "o objetivo, coerentemente, é o de da Alessandro De Giorgi vem aprofundar e substancializar a nossa luta e a
reproduzir um proletariado que considere (r sn~rio Como justa retribuição nossa clareza acerca das funções reais do sistema penal e dos discursos
do próprio trabalho e a pena como justa medida dos seus próprios crimes", punitivos nos dias de hoje. Como se fora pouco, o Íivro vem com uma
diz ele acerca da ideologia retributiva-legalista do fordismo. genial interlocução, "discussão à guisa de prefácio", desenvolvida por Dario
O trabalho de De Giorgi ultrapassa os limites da economia política da Melossi, revigorando ainda mais a análise de De Giorgi, atualizando aquela
penalidade fordista, quando a pós-industrialização se apresenta como uma proposta pelo já clássico Cárcere efábrica. Regalai-vos, pois, criminólogos
explicitação do excesso de mão-de-obra, o regime do excesso. Isto quer e penalistas críticos brasileiros: esta obra tem novidades!
dizer que temos que nos livrar das permanências subjetivas, da maneira de
pensar o mercado de trabalho e o sistema penal e encarar as transformações
Rio de Janeiro, setembro de 2005.
a que o capital submete a mão-de-obra, o trabalho da multidão l . O demônlo
que o capital vídeo-financeiro persegue é o tempo livre da força de trabalho,
num modo de produção quejá descartou completamente as ilusões do pleno
emprego. É aí que o dogma da pena e a criminalização da pobreza e dos
conflitos sociais, da luta de classes, são discursos estratégicos à reprodu-
ção desse capital.
Nessa direção, a análise de De Giorgi aponta para os novos dispositivos
dirigidos "à contenção de uma população excedente e de um surplus de
I O conceito de multidão aqui utilizado, na trilha de Negri, abre espaço para uma
Dario Melossí
deste texto, ver a introdução à edição italiana (D. Melossi, "Mercato deI lavoro,
disciplina, controllo sociale: una discussione deI testo di Rusche e Kirchheimer",
in G. Rusche e O. Kirchheinler, Pena e struttura sociale. Bolonha, II Mulino, 1978)
e a introdução à edição francesa (R. Levy e H. Zander, "Introduction", em G.
Rusche e O. Kirchheimer, Peine et structure sociale. Paris, Cerf, 1994). (N. do T.:
a
edição brasileira Punição e estrutura social. Rio de Janeiro, RevanfICC, 2 ed.,
2004, tradução e apresentação de Gizlene Neder].
2 Michel Foucault, Sorveg/iare e punire. Turim, Einaudi, 1977 [N. do T.: edição
u
brasileira Vigiar e pUllir: nascimento da Petrópolis, Vozes, 26 ed., 2002;
tradução de Raquel Ramalhete].
que, à época, foram descritas como "subalternas"3 à fábrica, em particular a Giorgi apresenta aqui. A primeira é reconstruir o percurso da econo-
instituição carcerária. política da pena tal como vejo se desenvolvendo até os dias de hoje. A
é procurar fornecer uma contribuição original a esse desenvolvi-
O texto de Rusche e Kirchheimer, que na atmosfera imediatamente ante-
!flen,to, estendendo-o do período que De Giorgi chama de "fordista" até o
rior à guerra foi quase ignorado (salvo algumas louváveis exceções, registradas
afualmente consagrado como "pós-fordista".
mais no campo da história econômica do que no da criminologi(4 ), permitia
uma releitura da história da pena numa perspectiva marxista. O texto de .0 ponto de partida de De Giorgi, de uma perspectiva empírica, é absolu-
~arnente macroscópico em termos de história das instituições penais. Desde
Foucault, a apenas sete anos de distância, oferecia a possibilidade não só de
dar a sua contribuição àquela interpretação, mas também de ir além dela, a primeira metade dos anos 1970, em particular no interior das instituições
ingressando num espaço que escapava dos esquemas mais rígidos da leitura penais dos Estados Unidos, assistimos a um impressionante crescimento
marxista5 • Após o trabalho de Foucault, desenvolveu-se uma ampla literatu- tanto da população penitenciária quanto da parcela da população que é sub-
ra, sobretudo em língua inglesa, amplamente influenciada pelo reaparecimento ll1etida, de um modo ou de outro, às diversas autoridades definidas como
das hipóteses de Rusche e Kirchheimer, que procurou checar a veracidade !'colTecionais". Esse crescimento é de tal monta que a probabilidade de um
empírica da hipótese de uma relação entre variáveis estruturais fundamen- homem afro-americano terminar sob o controle de uma dessas "autoridades
tais, especialmente as de natureza socioeconômica, e a evolução das institui- correcionais" no decorrer da sua vida já está se aproximando daquela de se
penais 6 . obter "cara" na brincadeira de "cara ou coroa".
Se, portanto, ainda em Donald Cressey, ao o levantamento de Esse fenômeno, que mudou profundamente as frends anteriormente obser-
campo de uma "sociologia da pena", relacionou um número de obras que vadas, foi cada vez mais notado por um grande número ele observadores9 ,
~as as razões são muito complexas para serem exploradas exaustivamente.
podiam ser contadas nos dedos de uma mão ou no máximo de duas 7 , no final
do século XXjá dispúnhamos de uma vasta literatura8 • Um filão fundamental E certo que na época elas não eram esperadas. Uma das conseqüências da
dessa sociologia é exatamente aquele que De Giorgi iden.tifica como "econo- crítica radical às instituições totais e em particular às instituições carcerárias
mia política da pena", isto é, uma interpretação da história da penalidade na que, note-se, OCOlTeram imediatamente al1tes desse aumento impressionante,
qual o objeto fundamental consiste em !'clacionar as categorias de derivação foi que, ainda no início dos anos 1970, tanto as principais orientações políti-
marxista à reconstrução dos processos de desenvolvimento das principais cas nos Estados Unidos e nos outros países desenvolvidos quanto as princi-
instituições penais. Ao menos duas são as contribuições centrais do trabalho pais leituras dos fenômenos previam uma obsolescência mais ou menos ve-
loz da instituição carcerária, bem como um aumento dos sistemas de contro-
le extra-institucionais, "em comunidade", como se costumava dizer.
3 Dario Melossi, "Istituzioni di controllo sociale e organizzazione capitalistica de!
Assim, Andrew Scull pôde intitular um importante trabalho de sua lavra,
lavoro: alcuni ipotesi di ricerca", in La questione criminale, 2, 1976, pp. 293-317, lançado em 1977, de Decarceration; Ivan Jankovic e eu pudemos escrever,
in primis, naturalmente, aquelas que eram então chamadas de "instituições to- no mesmo ano, sobre a probation como a forma penal do futuro, enquanto o
tais", como em E. Goffman, Asylums. Turim, EinaÚdi, 1968 (cd. orig. 1961).
4 Para mas detalhes, ver as introduções citadas na nota l.
9 Entre outros, ver N. Christie, Il business penitenziario. La via occidentale al
5 A minha leitura não concorda aqui com a de D. Garland, Pena e società moderna.
Gulag. Milão, Eleuthera, 1998 (ed. orig. 1993); M. Tonry, Malign Neglect: Race,
Milão, II Saggiatore, 1999 (ed. orig. 1990), capítulos IV ao VII. Crime and Punishment. Nova Iorque, Oxford University Press, 1995; M. Mauer,
6 Sobre esta literatura, remeto à exaustiva seção no texto de De Giorgi que se Race to lncarcerate. Nova Iorque, The New Press, 1999; Lore Wacquant, Parola
segue Unfra, Capítulo 1). d'ordine: tolleranza zero. La trasformazione dello stato penale nella società
7 D. R. Cressey, "Hypothesis in lhe Sociology of Punishment", in Sociology and neoliberale. Milão, Feltrinelli, 2000 (ed. orig. 1999), e o mesmo De Giorgi. Zero
Social Research, 39, pp. 394-400. Tolleranza. Strategie e pratiche della societá di cOlltrollo. Roma, DeriveApprodi,
8 Ver, além de D. Garland, Pena e società modema, cit., os ensaios na antologia 2000. Ver também o número especial da revista Punishment and Society dedicado
por mim organizada, The Sociology of Punis/unellt. Aldershot, Ashgate, 1998. ao tema "Mass Imprisonment in the United States" (2001).
11
10
reconhecido criminólogo - absolutamente não marxista - AI Blumstein es- ótica que poderemos chamar de "neo-marxista", que procurei desenvolver
creveu sobre uma substancial "estabilidade" nas taxas de encarceramento, na seção que me foi confiada de Cárcere e fábrica 13, era possível aplicar a
remetendo-a a explicações funcionalístas, de inspiração durkheimiana lO • E no grade interpretativa marxista clássica - derivada sobretudo do Livro Primei-
entanto, o que já estava em curso naqueles anos era, ao contrário, o mais ro de O capital, centrada sobre a gênese do modo de produção capitalista e
notável aumento da população de detentos na história moderna das institui- na qual se destaca o conceito de "acumulação primitiva"I4 - à história da
ções penitenciárias, que com toda razão poderia ser comparado ao "grande instituição penitenciária. Essa instituição foi, de fato, criada contemporanea-
internamento" sobre o qual Michel Foucault escreveu em História da loucu- mente aos processos de acumulação primitiva ou original, nos lugares onde teve
ra na Idade Clássica, a propósito da França do século XVIl ll . Mais uma vez início o modo de produção capitalista, numa conexão não casual e weberiana
nos Estados Unidos, mas não apenas lá, depois da suspensão devida a uma com os locais onde o protestantismo se revestiu das suas formas mais radicais.
decisão da Corte Suprema entre 1972 e 1976, ocorreu uma retomada firme O cárcere tivera como antepassado a "casa de trabalho", espécie de ma-
na cominação e na condenação à pena capital, primeiro de modo mais ou nufatura reservada às massas que, expulsas dos campos, afluíram para as
menos simbólico e em surdina, depois de maneira cada vez mais maciça até cidades, dando lugar a fenômenos que preocupavam as elites mercantis (e
atingir o número de 98 condenações executadas em 1999. É bem verdade proto-capitalistas) da época: banditismo, mendicância, pequenos furtos e,
que esse movimento foi caracterizado desse modo tão ostensivo somente last but not [east, recusa a trabalhar nas condições impostas por essas elites.
nos Estados Unidos. Para os países europeus, verificou-se um certo aumen- A casa de trabalho um "proto-cárcere" que seria depois tomado como
to nas taxas de encarceramento, mas nem de longe comparável ao 110rte- modelo da forma moderna do cárcere no período iluminista, isto é, quando
americano, nem generalizado a todos os países (e com exceções bastante oconeu a verdadeira "invenção penitenci:iria" não parecia ser outra coisa
relevantes, como a Alemanha c a Itália até o início dos anos 1990). senão uma instituição de adestramento forçado das massas ao modo de pro-
Os primeiros autores que procuraram dar conta desse fenômeno retoma- dução capitalista; afinal, para elas, esse modo de produção era uma absoluta
ram alguns dos elementos desenvolvidos por aqueles que, alguns anos antes, novidade (e nesse sentido, a casa de trabalho era uma instituição "subalter-
na" à fábrica).
tinham diagnosticado um aumento da probation, e os usaram para explicar o
que estava acontecendo nas prisões. Talvez a contribuição mais importante Não por acaso, Cárcere e fábrica encerrava essa reconstrução ao final
nesse sentido tenha sido a de Stanley Cohen, que escreveu sobre a tendência histórico desse movimento originário, por volta da primeira metade do sécu-
do sistema correcional de "widening the lU!!" - "ampliar a rede" -, e também lo XIX. Tratava-se, todavia, de uma leitura que, assim como no caso das
sobre a nova lógica penitenciária vista enquanto uma lógica de "warehousing", outras leituras "revisionistas", permitia reconstruir a história do cárcere da
i.e., de "armazenamento" dos detentosl 2 • perspectiva da crise da fábrica tradicional que se estava verificando naqueles
Mas procedamos com ordem, ainda que de forma extremamente sintéti- anos, e portanto da perspectiva da crise da relação entre cárcere e fábrica.
ca, ao percorrermos as etapas desta "economia política da pena". Segundo a Do mesmo modo que, naquele momento, era possível desnaturalizar a fábri-
ca como ela era então conhecida, e vê-Ia inscrita no interior de uma parábola
que estava conhecendo o seu êxito final, era lógico aplicar esse mesmo modo
10 A. SeuIl, Decarceration. New Brunswiek (NJ), Rutgers University Press, 1977;
de pensar a uma instituição como a carceráría que fora criada - como mal
r. Jankovic, "Labor Market and Imprisonment", in Crime and Social Justice, 8,
1977, pp. 17-31; Dario Melossi, "Strategies of Social ControI in Capitalism: A
13 Dario Melossi, "Carcere e lavoro in Europa e in Italia nel periodo della formazione
comment on reeent work", in Contemporary Crises, 4, 1980, pp. 381-402; A.
deI modo di produzione capitalista", in Dario Melossi e Massimo Pavarini, Carcere
Blumstein e J. Cohen, "A Theory of the Stabilíty of Punishment", in Joumal of
efabbrica. Bolonha, n Mulino, 1977 [N. do T.: edição brasileira Cárcere efábrica.
Criminal Law and Criminology, 64, 1973, pp. 198-207.
Rio de Janeiro, Revan/ICC, 2006, tradução de Sérgio Lamarão).
II Michel Foucault, Storia della follia nell' età classica. Milão, Rizzoli, 1963 (ed.
14 Karl Marx, II capitale, vol. I. Roma, Riuniti, 1964 (ed. orig. 1867) [N. do T.: edição
orig. 1961). (N. do T.: edição brasileira História da loucura na Idade Clássica.
brasileira O capital: critica da economia politica. Rio de Janeiro, Civilização
São Paulo, Perspectiva, 1989, tradução de José Teixeira Coelho NettoJ.
Brasileira, 1970-71,74. 6v.].
12 S. Cohen, Visions Social Controlo Cambridge, Polity Press, ·1985.
12
tínhamos descoberto! - juntamente com a fábrica. Por conseguinte, parecia do acentuado aumento da população carcerária que começou exatamen-
lógico que ela seguisse o seu destino. (Note-se, porém, que, como bem naquele período. Para dizer a verdade - e isso dever ser sublinhado -, a
havia esclarecido Bentham, na sua "Introdução" a um Panopticon que, nes- ~ ...~ ...,- que' via na probatioll a forma de intervenção penal tendencialmente
se meio tempo, Foucault havia tomado famoso, o cárcere não era senão a rredominante revelou-se exata do ponto de vista da proporção relativa às
mais "completa" das instituições que "têm por finalidade manter muitas pes- intervenções correcionais. Com efeito, o aumento do número de pessoas em
soas sob vigílância"l5, dos cárceres aos hospitais psiquiátricos, das manufa- liberdade submetidas a controle foi amplamente superior, também nos Esta-
turas aos hospitais tout court, das escolas aos quartéis). Daí a hipótese, dos Unidos, ao número daquelas sob controle dentro das prisões. A veloci-
elaborada sob diversas formas por vários autores, de que, assim como a dade com que as várias formas de controle em liberdade aumentaram tam-
fábrica tomava-se cada vez mais social e se difundia para fora de muros bem bém na Europa superou, sem dúvida, o aumento das detenções, dramático
marcados - o início da transição ao pós-fordismo -, o cárcere teria seguido nos EUA, e bem mais discreto nos países europeus.
esse mesmo percurso.
Porém, o que não estava previsto era o aumento excepcional, ainda que
Portanto, não era tanto a pena pecuniária, como havia predito Kirchheimer, em virtude da grave crise fiscal dos anos 1970 e 1980, do compromisso
que se colocaria como substituta do cárcere na época contemporânea, mas com o setor penal, de tal forma que Lorc Wacquant pôde descrever as trans-
sim as várias formas de controle extra-institucional que haviam surgido, já formações ocorridas naqueles anos como uma verdadeira passagem do "Es-
há várias décadas, nos países de língua inglesa, e que pareciam se multipli- tado social" para o "Estado penal"l7. O aumento nas formas de probatiol1
car, sobretudo quando escrevíamos Cárcere e fábrica. A "crítica do cárce- ocorria, pois, juntamente com um aumento dramático, nos Estados Unidos,
re", que emanava das revoltas generalizadas em todo o Ocidente (mas não das outras penais mais e com um aumento da no
apenas nele), seja da literatura "revisionista", parecia colher, portanto, uma ori- seu interior. Assim, quanto mais prisões, mais severos eram os regimes
entação tendencial do próprio capitalismo em organizar-se não mais sob a for- detentivos e mais se lançava mão da pena capital.
ma-fábrica e sob a forma-cárcere subalterna, mas sim através deformas de
Nas páginas que se seguem, Alessandro De Giorgi avança num terreno
controle "em comunidade", como então se dizia, in pri11lis, as várias formas de
ainda amplamente inexplorado, em língua italiana e em outras línguas, ten-
probation, ou "confiança na prova", como a lei de 1975 traduziu em italiano. Tal
tando verificar a possibilidade de a "economia política da pena" dar conta
desenvolvimento parecia estar bem de acordo com um outro fenômeno que
deste último período, disso que aconteceu a partir daquelas transformações
se desenhava cada vez mais claramente naqueles anos e que está na base do
que comumente são localizadas nos primeiros anos da década de 1970 e que
texto de Andrew ScuU, isto é, a "crise fiscal do Estado", no sentido em que
ele reúne sob o termo de "pós-fordismo". Certamente sem estar fazendo
já haviam explicado Habermas e O'Connor 16 • De acordo com essa visão, o
justiça à sua complexidade, para a qual remetemos o leitor às páginas do livro
Estado parecia não estar mais em condições de "núÍnter juntas" as funções
propriamente dito, parece-me que a tese que De Giorgi apresenta pode ser
que garantiam, ao mesmo tempo, a legitimação e a acumulação, ou seja,
resumida na idéia de que, numa situação de expulsão permanente e estrutural
aquilo que depois passou à História como a "crise do Welfare State".
da força de trabalho do processo produtivo e, ao mesmo tempo, de pro-
Porém, as coisas não caminharam exatamente desse jeito, pelo menos funda transformação do modo pelo qual a força de trabalho vem sendo cons-
nos Estados Unidos, em virtude do fenômeno, como já recordamos no iní- tituída na fase atuaI-, a "subalternidade" das principais instituições de con-
trole social em relação à fábrica está de algÍJm modo perdida e se teria torna-
15 Jeremy Bentham, Panopticoll, ovvero la casa d'ispezione. Veneza, Marsilio, do obsoleta. O ensinamento disciplinar não tem mais sentido na sociedade
1983 (ed. orig. 1787). [N. do T.: edição brasileira O panóptico, Belo Horizonte, pós-industrial/pós-fordista porque não há mais ensinamento a propor; por
Autêntica, 2000, tradução de Tomaz Tadeo da Silva]. isso, as instituições que foram criadas na modernidade com esse objetivo
16 J. Habermas, Legitimation Crisis. Boston, Beacon Press, 1975 [N. do T.: edição perdem progressivamente a razão de ser. Resta apenas aquilo que Cohen
brasileira A crise de legitimação no capitalismo tardio. Rio de Janeiro, Tempo
Brasileiro, 1980, tradução de Vamireh Chacon]; J. O' Connor, La crisiflscale delto
stato. Turim, Einaudi, 1977 (ed. orig. 1?73). Lo"is Wacquant, Parola d'ordine: tolleranza zero, cito
14
chamou de warehousing, o "annazenamento" de sujeitos que não são mais úteis ~Q'stentava suas mercadorias o cartaz "help wanted", "precisa-se de empre-
e que, portanto, podem ser administrados apenas através da incapacitation, da :~~~âo". E a essa distraída observação corresponde o fato de que nestes mes-
Ilcutralizazzione ["neutralização"], como se diz em italiano l8 • ,'ffios centros do Império a taxa de desemprego caíra quase aos seus mínimos
Essa afirmação é tanto mais verdadeira se considerarmos que aquilo que, 'hÚ;tóricos e isso por um período de tempo bastante longo, capaz até de
por um lado, é "excesso" de força de trabalho - com relação aos estratos 'colocar em dúvida, aos estudiosos dos ciclos econômÍcos, o primado da
sociais expulsos da produção -, é, ao mesmo tempo, "excesso" de força década de 1960 como os anos de maior prosperidade do capitalismo recente.
produtiva em relação ao tipo de força de trabalho que se tomou cada vez É claro que aqueles cartazes de "help wantecf' nutrem um processo de de-
mais central ao processo produtivo numa época na qual a profecia marxista senvolvimento e de ocupação que foi definido, com um bruto mas eficaz
dos Grundrisse, de uma força de trabalho que vai desenvolver a função de neologismo, de "macdonaldização"22.
general intellect do capitaP9, parece enfim ter encontrado concretização. Isso quer dizer que a oferta de trabalho certamente não se dirige para o
Uma vez que a realidade atual do modo de produção vê como central a esse tipo de emprego perdido nos anos 1970 e 1980 - trabalhos relativamente
processo um reservatório de capacidades intelectuais que excedem continu- bem pagos, estáveis, sindicalizados, em grande parte masculinos, com bene-
amente as possibilidades de exploração, controle e contenção da parte da fícios generosos de tipo assistencial (pensões e assistência médica) e cen-
razão capitalista, qualquer forma de "disciplinamento", mesmo que do tipo trais ao processo produtivo -, mas sim para um novo tipo de emprego,
mais refinado, perde toda a razão de ser (se vocês me perdoem o nada casual muitas vezes part-time, flexível, com pouca ou nenhlJma proteção, em gran-
jogo de palavras). de parte feminino e "marginal" ao percurso produtivo. Isso tanto é verdade
A tese é fascinante, mas, parece-me, não completamente convincente. E que uma das teses mais sérias propostas no interior da academia criminológica
isso ocorre por múltiplas razões, algumas das quais podem provavelmente norte-americana para explicar o inegável decréscimo da criminalidade na
ser resumidas na sua excessiva tendencialidade, no seu deslocamento talvez segunda metade dos anos 1990 - tese alternativa ao estardalhaço feito a
para muito além do calor da (futura) observação, correndo o risco de perder propósito da "tolerância zero", tão característica da Nova Iorque de Rudolph
contato com o que podemos observar hoje, à nossa volta. Não é possível, Giuliani e que foi reproduzida de modo mais ou menos análogo em quase
nas poucas páginas de um prefácio, confrontar completamente a riqueza da todas as outras grandes cidades norte-americanas no mesmo período!23 -
análise de De Giorgi, menos ainda de um ponto de vista crítico. Oferecere- baseava-se exatamente no fato de que aqueles anos assistiram a uma oferta
mos apenas alguns temas de discussão. sustentada de trabalho que se dirigia para os estratos sociais marginais, jo-
Começamos olhando à nossa volta. Até alguns meses antes do 11 de vens e em geral "étnicos de cor", que tinham sido os protagonistas, alguns
setembro de 200po, quem vagasse pelas ruas principais das metrópoles do anos antes, de um inusitado aumento de violência, ligado às batalhas pelo
centro do Império - para usar uma metáfora que recentemente reencontrou controle do crack entre as várias gangues 24 •
um uso intenso 21 - ou seja, Nova Iorque, Londres, as principais cidades da Isso, em outras e breves palavras, que acontece entre os anos 1970 e
Califórnia, teria visto em muitas vitrinas nas quais o Império orgulhosamente 1990, pode ser interpretado também como fase "cíclica", e em particular
como a fase descendente de um "ciclo longo" da economia, aquele tipo de
ciclo que é acompanhado por transformações muito profundas do modo de
18 T. Bandini, U. Gani, M. LMarugo e A. Verde, Crimillologia. Milão, Giuffre, 1999,
produção capitalista em termos de setores económicos de ponta, tecnologias,
pp. 651-757.
19 Karl Marx, Lineamenti fondamentali delta critica deli 'economia política. Flo-
rença, La Nuova Italia, 1970 (ed. orig. 1857-1858). Ver sobretudo pp. 400-403. 22 G. Ritzer, Ilmondo alla McDollalds. Bolonha, II Mulino, 1997 (ed. orig. 1993) .
• 20 Nesse momento já era mais do que claro, para quem quisesse ver, que estava
23 A. De Giorgi, Zero Tolleranza. Strategie e pratiche della società di controlto, cit.
ocorrendo uma recessão de uma certa consistência nos Estados Unidos.
24 A. Blul1lstein e R. Rosenfeld, "Explaining Recent Trends in U.S. Homicide Rates",
21 M. Hardt e A. Negri, Impero. Milão, Rizzoli, 2002 (ed. 2000) [N. do T.: in The Journal ofCriminal LaIV a/Ul Críminology, 88, 1998, pp. 1175-1216 (ver,
edição brasileira Império. Rio de Janeiro, 2001, tradução de Berilo Vargas]. sobretudo, pp. 1210-121 R. "Crime Decline", in Context (no prelo).
16 '17
transformações SOCiaIS conexas etc. 25 . O que De Giorgi chama de "pós- ~;~~'ceu. as eleições). Mas não foi só isso. Ela contribuiu também, ainda que
fordísmo" poderia também corresponder a uma fase cíclica da economia, s.xrpbohcamente, para um processo de disciplinamento social geral, que foi
mais do que ao tipo de transformação "tópica" que parece transparecer das acompanhado por uma profunda reestruturação da economia. Vale recordar
suas palavras e da literatura na qual se inspira. Isso teria também conseqüên- que nos cerca de 20 anos da "virada", de 1973 aos primeiros anos da década
cias relevantes do ponto de vista das "estratégias do controle social", se é de 1990, o salário médio horário do trabalhador norte-amcricano foi reduzi-
que estamos nos referindo ao controle social de tipo formal e penal em par- do em aproximadamente 20%, e o motivo pelo qual a l·cnda das famílias
ticular, como me parece ser o caso de De Giorgi. permaneceu basicamente a mesma foi a cntrada maciça e sem precedentes
das mulheres no mundo do trabalho assalariad0 21i •
Mas avancemos na ordcm cronológica. Na passagem dos anos 1960
para os 1970 desenvolve-se um embate duríssimo em muitos países, em ,Ao mesmo tempo, os estratos mais fortes da classe operária foram ex-
particular nos Estados Unidos, que envolve o conjunto da "fábrica social", plllsos do processo produtivo e, por conseguinte, perderam a centralidade
como se dizia então. No que concerne aos EUA, devemos recordar a situa- de que desfrutavL~m no passado. Essa centralidade foi transferida para a
ção de insubordinação geral, aguda e contemporânea que afetava não tanto e força de trabalho mtelectual que se tornou crucial no interior do novo pro-
não somente as fábricas (como ocorria, cada vez mais, na Europa), mas c~sso produt~vo "guiado" pela informática, mas que é mínima do ponto de
também as minorias étnicas, os estudantes, o Exército, os jovens em geral, :1sta.ocupaclOnaJ, ao passo que a maior parte dos empregos teve luaar no
as mulheres. A "criminalidade" - que em alguns dos seus aspectos especial- mtenor dos "serviços" que eram oferecidos às margens desta junta Pl~duti
mente preocupantes para a classe média chamado street crime) havia au- va central e que, em grande medida, nada tinha a ver com um "tcrciário
mentado sensivelmente no correr dos anos 1960 -- foi icada por conta da avançado". isso sim, da oferta no mercado de todas atI Vl-
referida insubordinação. A começar pelo primeiro mandato presidencial de dades que anteriormente eram desenvolvidas, em grande parte, por meio do
Richard Nixon, o martelamento da propaganda esteve na ordem do dia, asse- tra~alho doméstico não pago (que agora as mulheres executam, cada vez
melhando-se bastante àquilo a que fomos submetidos na Itália antes das mats, també/:t fora de casa), pelos serviços de restauração veloz, aqueles ao
últimas eleições: o crime não é outra coisa senão a "ponta do iceberg" de encargo dos Jovens e dos velhos em toda uma série de serviços de entreteni-
uma insubordinação e de uma falta de controle de "certos" estratos sociais mento - em resumo, exatamente a "macdonaldização".
(nos quais, num códice não tão críptico, deviam ser reconhecidas as mino- ES,ta~nos seguros de que é possível afirmar, com relação especialmente a
rias de cor, nos Estados Unidos, e os imigrados, na Itália) que colocam em estes ultulloS estratos sociais, que não existe mais "projeto de disciplinamento"
risco a ordem social e em relação aos quais é necessário tomar providências por~ue eles não constituem categorias "centrais" ao processo produtivo, no
para restaurar o bom tempo passado, que corre o risco de ir-se embora para sentido de que I~O executam aquelas funções do "general intelect", em que
sempre se não houver uma intervenção imediata.
A repetição deste refrão por cerea de 20, 25 anos, conduziu a um tre-
26 W. C. Peterson, The Silcnt Depressioll: The Fafe of lhe Americall Drcal11. Nova
mendo aumento da penalidade, a que já nos referimos acima (nos Estados
Iorque, Norton, 1994; J. B. Schor, The Overworked American. Nova Iorque, Basic
Unidos; na Itália, conforme se verá, por causa de algumas contradições de Books , 1991', tDa" I ' "G azctte 01' M ' and Social Whip: Punishment,
IO M C OSSt, oraltty
certa importância neste campo, no interior da coligação conservadora que i~gemony and lhe Case 01' the USA, 1970-1992", in Social & Legal Studies, 2,
.93, pp. 259-279 (pode-se notar, en passant, como este é o "segredo" do extraor-
25 Para a aplicação desta abordagem ao tema da exclusão pcnal, ver Dario Melossi,
dmár" ' I d e partlclpaçao
. ~o lllve " - 110 mercado de trabalho nos Estados Unidos que
"Punishment and Social Action: Changing Vocabularies 01' Punitive Motive Within hOJe e apresentado como um modelo a ser atingido pela economia italiana!). Esse
a Politicai Business Cycle", in Current Perspectives 0/1 Social Theory, 6, 1985, pp. também é o motivo pelo qual, no último ensaio citado, eu propus relacionar as
169-197; C. Vanneste, Les Chiffres des Prisolls. Paris: L'Harmattan, 2001. As con- taxas ~e encarceramento na Itália com o nível da "performancc" requerida à classe
tribuições de Hobsbawm, Kalecki, Kondratieff e Schumpeter encontram-se entre ~perána em seu conjunto n~ma determinada fase, ao invés de remetê-Ias apenas
as mais conhecidas que podem ser remetidas, ainda que de modos diversos, a a taxa de desemprego, como a literatura da "economia política da pena" geralmen-
essa perspectiva. te procede.
18
os conceitos de capital variável e capital fixo "entraram em colapso", por "çiclo das hipóteses de Rusche e Kirchheimer que aqui são propostas, à in-
assim dizer, em conjunto. Mas se cada vez faz menos sentido a distinção ;y~rsão ocorrida por volta da metade dos anos 1990 no campo das relações
entre capital fixo e capital variável, entre trabalho "produ~ivo" e trabalho socioeconômicas, em direção a uma nova fase ascendente.
"improdutivo" - visto que, no final das contas, aqueles que mventam n~vos O que pretendo afirmar, em outras palavras, é que o cárcere parece per-
algoritmos para o software continuam a ter necessidade de quem cozmhe durar obstinadamente como uma espécie de grande portão de ingresso ao
seus hambúrgueres, lave suas camisas e lhes garanta um certo relaxamento contrato social, ou mesmo como introdução à forma de trabalho subordina-
à noite, diante de um aparelho de televisão ou em qualquer outro local - se, do. É um pouco COlHO se a descoberta dos comerciantes holandeses (e de
em suma, é o mesmo "processo de vida real"27 que constitui a base da repro- outros similares), no inÍCio do século XVII - isto é, a descoberta de que eles
dução capitalista, como podemos afirmar que o emprego "pós-fordista" é podiam "utilmente" "pôr para trabalhar", juntamente com os seus capitais,
aquele emprego que não necessita mais de um aparato "suba1tern~" a u~a os pobres, os mendigos, os vagabundos, os Iadrõezinhos, os rebeldes que o
"fábrica social" em vias de desaparecimento, e que, por consegmnte, nao processo de racionalização da agricultura estava expulsando dos campos -
requereria mais estratégias de "disciplinamento"? continuasse a se reproduzir junto com a "colonização" capitalista de "novos
Na minha opinião, o enorme processo de encarceramento que se verifi- territórios", territórios que podiam estar dentro de uma jurisdição política e
28
cou nos Estados Unidos nas "décadas da crise" - para citarHobsbawm - soeml específica. Um exemplo dessa situação é o deslocamento dos negros
deveria ser reconsiderado a partir deste ponto de vista, ainda que não haja americanos do sul para o norte dos Estados Unidos entre o primeiro pós-
nenhuma dúvida de que, no seu interior, tenhai11 convivido e ainda convivam guerra e os anos 1950, ou a entrada em massa no mercado de trabalho das
tendências de tipo meramente "detentivo-neutralizante" e tendências, ao con- mulheres, especialmente as de cor, dos anos 1970 em diante. Vale notar que
trário, de tipo "autoritário-ressocializante". As segundas, na minha opinião, as taxas de encarceramento feminino nos Estados Unidos, embora ainda
estão mais presentes exatamcnte em virtude da superação da fase mais nítida bastante baixa em termos absolutos, aumentaram de modo sensivelmente
de reestruturação da economia, nos anoS 1970 e 1980, e de retomada no maior do que para os homens.
período posterior, no qual o tema da re-emissão de nova força d~ trabalho n.o Há também as situações externas, como é o caso da imigração africana,
interior de uma nova fase de desenvolvimento se impôs com maIOr peso. EIS asiática, latino-americana e do Leste europeu para a América do Norte e a
que nos anos 1990 começam a reaparecer preocupações que são apresenta- União Européia. É como se, nas "margens" do desenvolvimento, o processo
das com todas as letras, como "neo-paternalístas", como nos trabalhos de de "acumulação primitiva" continuasse incessantemente no seu percurso de
La~rence Mead29 ; eis também que na segunda metade de 2000, pela primei- "colonização" de "mundos" "outros"31. Se considerarmos, por exemplo, no
ra vez desde 1972, registrou-se uma diminuição na população de preso's30 (e nosso pequeno mundo "italiano", o modo pelo qual o fenômeno da imigração
o uso da pena capital torna-se, novamente, matéria de discussão entre as fez reviver, em certo sentido, a instituição carcerária - que no Centro-Norte
elites norte-americanas). EsSéS acenos de uma inversão de tendência na es- e com respeito a "usuários" específicos, como os menores de idade, está
fera do controle social pareceriam responder, segundo a leitura de longo literalmente se "especializando" na direção dos estrangeiros -, compreende-
se então como "a crise do cárcere" dos anos 1960 e 1970, as suas aparente-
27 Karl Marx, Lineamenti fondamentali della critica deli 'economia política, cit.,
mente manifestas obsolescência e antiguidade estão ligadas a um "público"
particular que vinha sendo concebido como "além" do cárcere. A situação
p.403.
28 Eric Hobsbawm, Il secolo breve. Milão, Rizzoli, 1995 (ed. orig. 1994). [N. do. T.:
mudou de forma dramática a partir dos primeiros anos da década de 1990,
edição brasileira A era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Paulo, quando teve início um processo de imigração de alguma relevância (também
Companhia das Letras, 1998, tradução de Marcos Santarrita). Vale destacar que ..
também para o aumento nas taxas de encarceramento o ano da virada é 1972. 31 J. Habermas, Teoria dei agire comunicativo, vaI. 2. Bolonha, II Mulino, 1986
29 L. Mead (ed.), The New Paternalismo Washington D. c., Brookings Institution (ed. orig. 1981), pp. 951-1088 [N. do T.: edição brasileira Agir comunicativo e
PJ:~ss, 1997.
razão destrancendentalizada. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2002, tradução
30 U. S. Department of Justice. Bureau of Justice Statistics, Prisoners in 2000. de Lúcia Aragão].
I 20
por causa naturalmente de mecanismos jurídicos particulares como os da Essas descrições se baseiam, naturalmente, também em "fatos reais"
permissão de estadia, mas é dos efeitos sociais que aqui nos ocupamos e não
da sua legitimação jurídica).
visto que o processo de desenvolvimento capitalista ocorre geralmente ck
modo um tanto anárquico e irracional, e o deslocamento dos futuros operá-
Parece-me difícil, em suma, ignorar o caráter "cíclico" que tão bem des- rios do campo para as cidades não é nem automático nem indolor, provocan-
creve, embora não explique, esses fenômenos, também no que diz a do fenômenos de inserção de alguns dos novos que chegam no interior dos
uma "filosofia da história" diversa, organizada em torno de uma sucessão de mercados do chamado "ilícito" (que, por outro lado, faz parte daquele mer-
transformações "tópicas". Em certos níveis de "poder", adquiridos pela for- cado "efetuaJ", no interior do qual também se necessita de mão-de-obra,
ça de trabalho - poder que ao mesmo tempo é de tipo político-tecnológico- como ocorre hoje na Itália com a droga e a prostituição), e igualmente de
sindical no interior da esfera mais diretamente produtiva e de tipo político- rejeição e de hostilidade da parte dos estratos sociais, também operários,
político, no seu exterior -, o trabalho se torna um limite ao desenvolvimento precedentes. Por conseguinte, o excremento, a classe perigosa, a 11l1derclass
capitalista, determinando portanto uma "crise" dentro da qual ocorre tanto será encerrada (e "cultivada") no interior de um sistema carcerário que,
uma "reorientação" produtiva, em direção a um modo de produção que se reencontrando seus próprios hóspedes preferidos de sempre - ex-campone-
livre da hipoteca do poder do trabalho, quanto um notável redimensionamento ses que se dirigem à cidade, mesmo que a sua cor, a sua língua ou a sua
também do poder político da classe operária. Ao mesmo tempo instrumento religião sejam agora diferentes -, se sentirá renascer, reconhecendo nos no-
e sinal de tais processos de reestruturação, emerge uma nova classe vos recém-chegados os próprios "eternos hóspedes", por assim dizer a linfa
ria, ou novos setores da classe operária, exatamente como se vital da qual o sistema se nutre (não obstante a ingenuidade ocasional de um
dizia no bojo da do desenvolvimento quer esse ou outro que, tomando ao ela letra a forma do tentou
desenvolvimento se dirija para o mercado de trabalho "interno" Uovens, são, llesse meio tempo, hóspedes por assim dizer "inespera-
mulheres, ex-trabalhadores agrícolas, ex-pequenos proprietários e empresá- dos", mas isso acabou não dando certo!). Porém, como já acontecera no
rios), quer para o "externo" (países há pouco, e de vários modos, incorpora- passado com aqueles velhos operários (e os seus pais e os seus avós), que
dos por um deseiwolvímento capitalista mais direto e dinâmico). agora maldizem a "incivilidade" dos recém-chegados, assim também estes
Esses novos segmentos sociais vão constituir uma "classe operária em ~Itimos crescerão juntamente com o tipo de desenvolvimento em que foram
formação"32, e em formação pelo menos em dois sentidos: porque se está Imersos e encontrarão, de acordo com formas solidárias e organizativas, o
inserindo no interior de processos de trabalho correspondentes a projetas modo de considerar a si mesmos, e a outros como eles, não mais como
empresariais novos ou renovados (macdonaldização, transformações indus- excremento mas como seres humanos, e daí a pouco também como seres
triais, "novo mercado"); e porque não tem nenhum sentido de si enquanto tal humanos dotados de um celta poder.
(os clássicos teriam dito que lhes "falta consciência de classe"). É destino Como dizia uma palavra de ordem que circulava entre(;s trabalhadores
comum desses setores da "classe operária em formação" serem normalmen- da província de Reggio Emilia, há cerca de um século atrás, "unidos somos
te descritos - pelo ressentimento das "velhas" categorias operárias, ajudadas tudo/divididos somos canalha"33. Para que tal modo de pensar se torne um
nisso por vários tipos de agitadores e por comentaristas "autorizados", que modo de pensar largamente compartilhado, isso depende não somente do
se encarregam de racionalizar este ponto de vista - como "excremento", esforço infatigável de organizadores e ativistas, mas também, e naturalmen-
"classe perigosa", subproletariado, underclass, para usar um termo norte- te, dos acontecimentos registrados no desenvolvimento das forças produti-
americano recente. vas (muito embora as duas coisas não possam ser separadas uma da outra).
O fato é que, quando isso acontecer, e la canaille não for mais a canalha,
este será também o momento em que novamente o cárcere será visto como
32 Sobre o caso italiano atual, ver a minha "Introdução", em Dario Melossi (org.),
Paris, 1676.
Não obstante numerosas providências, todo o restante dos mendigos
continuou a viver em plena liberdade em toda Paris e nos subúrbios; eles
chegavam ali provenientes de todas as províncias do reino e de todos os
países da Europa. O seu número crescia dia após dia, até sc constituírem
como um povo independente, que não conhecia nem lei, nem religião, nem
autoridade, nem polícia; a crueldade, a baixeza, a libertinagem era tudo que
i-einava entre,eles. No dia 13, uma missa solene ao Espírito Santo foi cantada
na igreja da Pitié e no dia 14 a reclusão dos Pobres foi levada a bom termo
sem nenhuma perturbação.
Naquele dia toda Paris mudou ele aspecto, tendo a maior parte dos mendigos
se retirado para as províncias, e os mais espertos pensando em encontrar
sustento com as suas próprias forças. Houve, indubitavelmente, um ato da
proteção divina sobre esta grande iniciativa, porque não se poderia jamais
acreditar que se chegaria a um resultado tão feliz com tão pouco esforço I .
Nova Iorque, 1997.
Grafites e outros sinais da desordem estavam por toda parte. Durante os
anos 1970 e boa parte dos anos 1980, não havia um único vagão do metrô da
cidade que não estivesse completamente coberto daquilo que alguns,
Í,mpropriamente, definiam como uma forma de arte urbana, os grafites. As
~stações do metrô transformavam-se em bidonvilles para os llOmeless, e a
esmola alTogante crescia, exacerbando um clima de medo. Assim, mal você
colocava os pés em Manhattan, dava de cara com o estandarte não oficial da
cidade de Nova Iorque: a epidemia dos lavadores de carros. Bem-vindo a
Nova Iorque. Estes tipos tinham sempre nas mãos um trapo sujo, e empor-
Q
acima é que pouca coisa mudou nos três séculos que separam a Paris do a~iOPOlí~ica organiz~ um poder-efica~ sob:e a. vi.drt,- ~gn.lpa um c~~~Tu~to--de
Hôpital Gélléral da Nova Iorque da Zero Tolerance. O autor anônimo do tecnologIaS de govell10 que contrapoem a dlsslpaçao e ao esbanjamento
opúsculo do século XVII e o ex-chefe de polícia de Nova Iorque, que foi o (dos corpos, das energias, dos recursos, mas também do poder) uma gestão
principal artífice das estratégias da Zero Tolerance, parecem se inspirar na racional das forças produtivas:
mesma filosofia: idêntico é o desprezo pór aquela pobreza extrema que, de a adequaçuo da acumulação dos homens à do capital, a articulação
modo desabusado, ousa mostrar-se, contaminando o ambiente metropolitano; do elos grupos humanos com a das
idêntico o entrelaçamento entre motivos morais e alusões produtivas e a repartição diferencial do lucro se tornaram possíveis
idêntica a hostilidade contra tudo aquilo que perturba o quieto e ordenado em parte devido ao exercício do biopoder, em suas formas e com os
fluir da vida produtiva citadina, defendendo-a da infecção do não-trabalho, proeedimentos os mais variados. O investimento do corpo vivo, a
do parasitismo econômico, do nomadismo urbano; idêntica, sobretudo, a sua valorização e a gestão distributiva das suas forças foram, naquele
implícita equação entre marginalidade social e criminalidade, entre classes momento, indispensáveis4.
pobres e classes perigosas. Todavia, a uma observação mais atenta, esta
:InIllig!JJ-ª.:!i~, assim, modelo de controle social disciplinar que carac-
impressão se revela completamente inexata.
tenzará toda a fase de expansão da sociedade industrial, até o seu apogeu,
O opúsculo anônimo se coloca historicamente no limiar da transição de du.ran~e o período do capitalismo fordistgSerá, de fato, no decorrer da
um regime de poder, que Michel FoucauJt define como "soberano", para um pnmeIra metade do século XX que o projeto de uma perfeita articulação
modelo de controle de tipo "disciplinar". Diante do espetáculo da mendicância, e.nt~e disciplina dos corpos e governo das populações se completará, mate-
ta pobreza e da dissolução moral oferecido pelos pobres na Europa entre os nahzando-se no regime econômico da fábrica, no modelo social do Welfare
séculos XVII e XVIII, as estratégias do poder mudam lentamente, passando -State e no paradigma penal do cárcere "correcional".
de uma função negativa, de destruição e eliminação física do desvio, a uma
Zero Tolerance e as práticas de discurso que a acompanham já se situam
função positiva, de recuperação, disciplinamento e normalização dos num contexto radicalmente mudado, marcado pela crise e pelo progressivo
diferentes. É aqui que se inicia a era do "grande internamento". Pobres,
vagabundos, prostitutas, alcoólatras e criminosos de toda espécie não são
mais dilacerados, colocados na roda, aniquilados simbolicamente através da
destruição teatral dos seus corpos. 3"Poder-se-ia dizer que o velho direito de fazer morrer ou deixar viver foi substituído
porum poder de fazer viver ou de rejeitar a mortc"(Michel Foucault, La volOl/là di
'dapere, tr~d. it. Milão, Feltrinelli, 1997, p. 122) [N. do T.: edição brasileira História
2 W. J. Bratton. "Crime is Down in NJ3w York City: Blame the Police", in N. Dennis
a sexualzdade 1: vontade de saber. São Paulo, Graal, 1977, tradução de.María
(cd.), Zero Tolerance. Policing a Free Society. Londres, Institute of Economic Thereza da Costa Albuquerque e 1. A. Guilhon Albuquerque].
4 Idem, p. 125.
Affairs, 1997, pp. 33-34.
26
abandono do grande projeto disciplinar da modernidade capitalista. Aqui, as Aqui se detennina, por conseguinte, uma nítida separação entre biopolítica
tecnologias do disciplinamento não são mais um instrumento eficaz de controle disciplinaridade, na qual a primeira se expressa, paradoxalmente, através
e governo da dissipação e do desperdício da força de trabalho (talvez porque negação da segunda. Resta a instalação biopolítica de um poder entendido
dissipação e desperdício não existam mais)~ Pobres, desempregados, mendi- 'mais como regulação de populações produtivas, como controle dos fluxos
gos, nômades e migrantes representam certamente as novas classes perigosas, da força de trabalho global num espaço tornado imperial, e menos como
"os condenados da metrópole", contra quem se mobilizam os dispositivos de aquela "anatomo-política do corpo" da qual nos fala Foucault, aquele "fazer
controleS, mas agora são_empregada'Lestmtégij!)tçliferenteS nesse confrontÕd yiver" produtivo que integra, ao nível dos indivíduos singulares, a regulação
Trata-se, antes de tudo, de i.nc!~!ShlflJL~ª-:-lg~?~.~C:12ªDi:los..das~~çlª~.se~)ªQQ[im'jlL das populações no seu conjunto.
Esta taF~[a é, de fato, bastante simRI-º3i numa metrópole produtiva, na qual a Também têrn menos espaço aquelas tecnologias de :·;ujeit(ficação que
contínua precarização do trabalho, o emprego - que se toma cada vez mais perseguiam o objetivo de transformar os indivíduos por meio de um controle
flexível, Íncel10 e transitório -, e a constante Supe11JOsição entre econornia "legal" 'individualizado. Em outras palavras, filão se trata mais de "fazer viver ou
e economias submersas, informais e também ilegais, determinam uma repelir a morte", mas talvez de "fazer ~ver através do repelir a morte~Este
progressi va solda entre trabalho e não-trabalho e entre classes laboriosas e classes "n:~p~lir a morte", imposto a uma parte da força de trabalho global, parece
perigosas, a ponto de tomar qualquer distinção praticamente impossível. Trata- constituir-se hoje no pressuposto para "fazer viver" a produtividade social
Sj;;,~12ºj~.,_de.rneutralizar a "periculosidade" das classes perigosas através de conjunta do capitalismo pós-fordista. Falamos aqui de uma morte que se
técnicas de ]'irevenção do risco, que se articulam principalmente sob as formas concretiza na violência institucional dos dispositivos de controle que sustentar11
de vigilância, segregação urbana e contenção carcerária] o domínio capitalista, de uma morte que incide sobre a existência afetiva,
Se voltarmos o olhar às tecnologias de controle que emergem no ocaso social e econômíca dos indivíduos e que se apresenta como limitação das
do século XX e anunciam a aurora do século XXI, podemos certamente exp~ct~tivas s.ubjetiv~ls, como e~ropriação de p~ssibilidades, como negação
falar de um segund.º_grªndgjJ!t~l~lgm~nJP.De um internamento urbano, que do dll'elto de CIrcular hvremente.,Antes e ainda 111aIS do que da morte biológica,
tem a forma do gueto, de um internamento penal, que tem a forma do cárcere, falamos da morte como experiencia biográfica da força de trabalho con- \
e de um internamento global, que assume a forma das inumeráveis "zonas de temporânea, que se materializa na biografia dos migrantes que morrem nos I
espera", disseminadas pelos confins internos do Impéri06 • Porém, diferen- confins da fortaleza européia, na tentativa de exercitar um "direito de fuga" (
nega~o7, nas biografias dos dois milhões de prisioneiros encerrados no gulag
temente do internamento do qual nos fala Foucault, a sua reedição atuaI não
parece cultivar nenhuma utopia de tipo disciplinar. O novo int~J:llamento se .amencano ou nas daqueles para quem ohorizonte de vida tende a coincidiri
configura mais do que qualquer outra coisa comofl!!na tentativa d~dcl'mir Gom a fronteira de um gueto.
lum espaço de contenção, de traçar um perímetro material ou imaterial em . Michel Foucault reconstruiu a genealo..gia de um poder disciplinar que se
! torno das populações que são "excedentes;";') seja a nível global, seja a nível inscreve na formação do modo de produção capitalista e que se estende até à
metropolitano, em relação ao sistema de Produção vigente. época da sociedade industrial fordista. A disci plinaridade pode ser compreendida
,ap~nas a partir da constituição da produção industrial, do seu nascimento ao seu
~~,S1ínio. Por sua vez, o desenvolvimento do capitalismo industrial não pode ser
s~ncebido se prescindim10s das estratégias de produção de subjetividade e de
5 S. Palidda, Polizia pos/moderna. Etnografia dei IlUOVO controlto sociale. Milão,
.força de trabalho que se concretizam nas técnicas disciplinares. Mas aquilo que
Feltrínellí,2000.
6 M. Hardt e A. Negri, Impero. 1l I1UOVO ordine della globalizzione, trad. iL Milão, -~--------------------------------------------
Rizzoli, 2002 [N. do T.: edição brasileira Império. Rio de Janeiro: Record, 2001, ·'7Sobre "direito de fuga" (entendido, também, significativamente, como exercício
tradução de Berilo Vargas]. Pensamos aqui, obviamente, nos processos de controle de uma "crítica prática" da divisão internacional do trabalho), ver S. Mezzadra,
implementados em relação aos migrantes. Sobre esse tema, ver particularmente S. "Migrazioni", in A. Zanini e U, Fadini Corg.), Lessico postfordista. Dizionario di
Mezzadra e A. Petrillo (org.), ] confilli delta Lavoro, idee della fIlutazionc. Mijão, Feltrinelli, 2001, pp. 206-211; e S. Mezzadra, Diritto
cittadinanw. Roma, Manifestolibri, 2000. di fuga. ciUadinallza. Verona, Ombreeorte, 2001.
28 29
temos hoje diante de nós é precisamente a superação do modelo capitalista pergunta significa, necessariamente, fazer convergir a análise do controle
fordista para o qual aquelas tecnologias foram por tanto tempo destinadas 8• com aquela, complementar, da força de trabalho contemporânea, até o ponto
~ercebemos sinais inequívocos desta superação. Dispomos de descrições,
de fundir as duas.
análises e definições que, sobretudo nos últimos dez anos, foram condensadas Entra aqui em o conceíl21J~lI)damentaI,de "multidão", com o qual se
numa já extensa literatura9 • O termo "pós-fordismo" - em uso tanto na lin- pretende exprimir o compósito, enraizado e múltiplo da força de trabalho
guagem sociológica, política e econômica, quanto no léxico comum - indica- pós-fordista, em ~l qual um conjunto de e
nos saltos de paradigma e transições radicais, que reescrevem a fundo a séparações, referenciáveis à classe operária, parece perder progressivamente
nossa experiência da contemporaneidade. Ao mesmo tempo, emergem ten- consistência. Vale dizer porém que o conceito de multidão não pretende aludir
tativas de reconstrução das mutações que investem a geografia do controle a uma subjetividade auto-consciente, à emergência de um novo sujeito revolu-
social. Termos como "sociedade de controle" e "sociedade da vigilância" cionário, ou à formação de uma identidade paradigmática da força de trabalho
parecem indicar o epílogo e a superação do regime disciplinar, uma transição contemporânea. Ao contrário, o termo multidão define um processo ele
que se consumiria a partir do esgotamento da estrutura produtiva fordista. subjetivação em andamento, um "tornar-se múltiplo" das novas formas de
Todavia, enquanto o trabalho de Michel Foucault inscrevia a análise do trabalho sobre as quais convergem as tecnologias do controle pós-disciplinar.
"controle disciplinar" diretamente na materialidade das relações de produção Multidão indica, sobretudo, a impossibilidade de uma reductio ad IlllWrtOaS
capitalistas, nos processos de constituição do proletariado e nas formas de diversas subjetividades produtivas comparáveis àquela que permitia individua-
produção de da força de trabalho industrial, as análises das lizar, na classe a forma de subjetividade hegcmônica durante a
do "controle social" custam a assumir uma metodo- cio capitalismo fonEsta.
análoga, limitando-se essencialmente a uma fenomenologia ele A partir do conceito de multidUo veremos então que aquela que, à primeira
Em outros termos, podemos afirmar que ã discÍ plinaridade se revela cada vez vista, se revela como inadequação das tecnologias disciplinares em relação
mais inadequada com }elação às novas fõrmas de produção e impotente para ao novo horizonte produtivo, configura-se, na realidade, como um excesso
exercitar práticas de controle eficazes no confronto com as novas subjetividades daquilo que deve ser controlado (a nova força de trabalho social) no que
do trabal~jporém, não estamos em condições de reconduzir essa inadequação concerne aos dispositivos de controle, uma nova constituição do trabalho
e essa impotência aos processos de transformação em curso na produção. que transgride continuamente as determinações e as formas de subjetivação
Chegamos assim ao 9bjeto des~~ livro., que consiste na individualização impostas pelo domínio. Será então possível afinnªL~}ã construção de um
de algumas hipóteses para preencher este aparente vazio. O ~P, um modelo de governo do excesso expressa pela multidão prõdlltiva pós-fordista
tanto ambicioso, consiste em iêíescrever algumas mutações OCOl:rldaS nas torna-se uma prioridade das atuais estratégias de control~Será preciso, porém,
formas do controle a partir da enrergência de un1:Í nova articulação das relações articular estas transições seguindo uma certa ordem e situá-las num contexto
de produção, perguntando-se de que modo as estratégias atuais de controle histórico mais geral.
se inscrevem no contexto produtivo pós-fordist~No entanto, fazer essa A economia política da penalidade parece poder-nos oferecer esta possi-
bilidade. Trata-se de uma orientação da criminologia cl-ítica, de derivação princi-
palmente marxista e foucaultiana, que investigou, sobretudo a partir dos anos
8 "A abordagem foucaultiana permite ler o desenvolvimento da sociedade modema
1970, a relação entre economia e controle social, reconstruindo as coordenadas
e a relação nela existente entre Estado e sociedade até o momento histórico do
da relação que parece manter juntas determinadas formas de produzir e
fordismo (... ) Mas é este, exatamcnte, o ponto crucial. Esta configuração é arrastada,
determinadas modalidades de punirlo. Como veremos, ela concentrou suas
faz tempo, numa crise aparentemente sem saída, pelo desmoronamento do seu eixo
central, vale dizer, do valor social paradigmático da disciplina de fábrica de tipo 10 O texto fundamental, do qual depois foram derivadas mais ou menos diretamente
fordista" (L. Ferrari Bravo, "Sovranità", in Zanini e Fadini (org.), LessÍco postfordista, todas as análises posteriores, é G. Rusche e O. Kirchheimer, Pena e struttura sociale,
cit., p.280). trad. il. Bolonha, II Mulino, 1978 LN. cio T.: edição brasileira: Punição e estrutura
9 .-: transição do fordismo ao pós-fordismo Ce as descrições desta transição) será social, Rio de Janeiro, Revan/ICC, 2' cd., 2004, tradução e apresentação de Gízlene
obJeto de uma seção posterior desta obra. Neder).
30
próprias análises particularmente nos nexos entre "cárcere e fábrica", entre Capítulo 1
"encarceramento e desemprego", questionando a relação entre dinâmicas do
mercado de trabalho e estratégias repressivas no interior de um cenário fordista.
Mas os instrumentos críticos produzidos pela economia política da penalidade Regime disciplinar e proletariado fordista
- tanto por meio da reconstrução histórica do nascimento da penitenciária e
da reclusão quanto através da análise da relação atuaI entre economia e pena
A primeirafill1çào era subtrair o tempo,
- constituem uma herança significativa, que deve ser recolhida e levada em fazendo com que o tempo dos homens,
conta para se empreender uma crítica do controle social pós-fordista. o tempo das suas vidas, se transformasse
Por conseguinte, gostaria de ter como ponto de partida a economia política em tempo de trabalho. A seglll1dafimçlio
da penalidade para nela individualizar as diretrizes teóricas fundamentais e consistia emfazer com o que o corpo
investigar sua dupla dimensão histórica e contemporânea. Emergirão, assim, dos homens se tornasse força de trabalho.
alguns limites deste paradigma de análise, ligados em particular às Afilllçào de transformaçào do corpo
transformações que, nestes anos, afotaram a produção social. Será, pois, emforça de trabalho corresponde àfi<nçlio
necessário voltar nossas atenções para estas transformações, para nelas de transformaçc7o do tempo em tempo de trabalho.
colhermos as tendências e os efeitos no plano da subjetividade produtiva. M. Foucault,
Apenas neste momento serão pesquisadas as formas de controle da multidão A verdade e as fo rlll as jurídicas
através das quais um regime de governo do excesso começa a se revelar.
*
Economia política do controle social
Parte deste trabalho constitui uma reelaboração de dois artigos: "OItre
I' economia politica deli a penalità: posfordisl11o e controIlo dellá moltitudine" A criminologia nasce como um saber inseparável das tecnologias de po-
["Além da economia política da penalidade: pós-fordismo e controle da mul- der que remetem ao universo criminal. Ela é produto daquilo que Foucault
tidão"], in Dei de/itti e delle pene, 1-2,2000, e "Società di controIlo: lavori in define como "civilização inquisitória". A sua genealogia faz parte do proces-
corso" ["Sociedade de controle: trabalhos em curso"], in DeriveAprodi, 20, so histórico de transformação no sentido "governamental" da razão de Esta-
2001. do que tomou forma entre os séculos XVIII e XIX. Neste período, a ciência
Desejo agradecer a Venere Bugliari, Richard Sparks, Stefania De Petris, de governo se especializa e se diferencia em seu próprio interior, dando vida
Thea Rinde, Dario Melossi e Sandro Mezzadra pelos seus preciosos co- a saberes sobre a população, tais como a estatística, a urbanística, a higiene,
mentários. a psiquiatria, a medicina social e a criminologia I J. O potencial "inquisitorial"
- que a criminologia acumula e, ao mesmo tempo, libera em relação ao des-
vio - produz, por conseguinte, uma ordem peculiar do discurso e um con-
junto de verdades que se concretizam historicamente nas figuras do homo
12
criminalis, do reincidente, do ambiente criminógeno e da classe perigosa •
Í:assaggetamenta dei carpi e ['elemento sfuggente CP. Della Vigna, org.). Milão,
.. Mimesis, 1994, pp. 43-67.
12 "A inquisição: fonua de poder-saber essencial à nossa sociedade. A verdade da
theorists parece incapaz de produzir resistências ao poder que não sejam Zabelling theorists no seu Per la sociologia. Rinnol'o e critica della sociologia
totalmente individuais e quase sempre oportunistas. Por outro lado, o poder dei /1ostri tempi, trad. it. Nápoles, Liguori, 1977. Seria simplista remeter as diver-
de definição do desvio só encontra algum fundamento nos processos de Sas orientações que se desenvolveram neste período no âmbito da criminologia
interação simbólica que têm lugar no microcosmo das instituições totais l4 . erítica apenas à influência teórica do marxismo. Surgem, por exemplo, correntes
~narquistas, que se consolidarão posteriormente no movimento abolicionista, e,
Esses aspectos tendem a prejudicar o potencial crítico da análise
sobretudo, silo lançadas as bases para o nascimento das diversas criminologias
"interacionista" em relação às estratégias punitivas, visto que restituem uma
feministas. Para uma reconstrução da história da criminologia crítica em todas as
suas correntes (embora limitada ao contexto europeu), das suas origens até a
metade dos anos 1990, ver R. Van Swaningen, CriticaI Criminoiogy. Visiol1s fram
filha de dike" (M. Foucault, I corsi ai College de France. I Resumées, trad. it. Milão, Europe. Londres, Sage, 1997.
Feltrinelli, 1999, p. 22) [N. do T.: edição brasileira Resumo dos cllrsos do College de ... M. Foucault, Sorvegliare e punire, trad. it. Turim, Einaudi, 1976 [N. do T.:
France: 197011982. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, tradução de Andréa Dahcr, edição brasileira Vigiar e punir: nascimento da prisc7o. Petrópolis, Vozes, 2002,
consultoria de Roberto Machado]. Sobre o nascimento da criminologia e sobre a sua 26" ed.; tradução de Raquel Ramalhete]; M. Ignatieff, Le origini del peninteziario.
relação com a "governamentalidade" e a disciplina, ver P. Pasquino, "Criminology: ··Sistema carcerario e rivoluzione industriaie inglese 1750-1850, trad. it. Milão,
the Birth of a Special Saviour", in ldeology and COI1SciOUSlless, 7, 1980, pp. 17-33. • Mondadori, 1982; Rusche e Kirchheimer, Pena e struttura socia/e, cit.; D. Rothman,
13 Sobre as teorias de etiquetamento, ver a coletânea de escritos publicados em E. The Discovery of the Asylum. Social Grder and Disorder ln the New Republic.
Rubington & M. \Veinberg (eds.) Deviance. The InteractionÍst Perspective. Nova Boston, Little Brown, 1971; D. Melossi eM. Pavarini, Carcere e fabbrica. B~lo
Iorque, MacMIIIan, 1973. )'lha, II Mulino, 1977 [N. do T.: edição brasileira Cárcere e fábrica. Rio de JaneltO,
14 E. Goffrnan, Asylums, trad. it. Turim, Einaudi, 1968. Revan/ICC, 2006, tradução de Sérgio Lamarão].
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rário. A análise se concentra, aqui, no papel desempenhado pelos aparelhos e pelo economicismo. Esse problema já era eficazmente ilus-
repressivos em relação às dinâmicas económicas atuais e, em particular, em ~'~.,H"<U"'ln por Georg Rusche em seu já célebre artigo de 1933, no qual definia as
relação ao funcionamento do mercado de trabalho nas sociedades industria- ~ .• H.111U'<" teóricas da economia política da pena:
lizadas.
É necessário que não se confunda a independência teórica do fenó-
A convergência dessas duas direções de investigação dá forma, final- meno criminal e da luta conduzida contra ele, empreendida por meio
mente, a uma crítica materialista da penalidade. O fio condutor da economia da argumentação histórica e econômica, com a completa clarifica-
política da pcna é construído pela hipótese geral segundo a qual a evolução ção do problema. As forças às quais se reconhece eficácia através
das formas de repressão só pode ser entendida se as legitimações ideológi- de uma análise deste tipo não são as únicas que contribuem para
cas historicamente atribuídas à pena forem deixadas de lado. A penalidade determinar o objeto da nossa pesquisa, que, por conseguinte, é im-
17
absorve uma função diversa e posterior em relação à função manifesta de perfeita e limitada em muitos aspectos .
controle dos desvios e defesa social da criminalidade. Esta função "latente" A ligação entre economia e penalidade não deve ser, pois, considerada
pode ser descrita situando-se os dispositivos de controle social no context<: corno resultado de um automatismo, como uma relação mecânica mediante
das transformações económicas que perpassam a sociedade capitalista e as
a qual a superestrutura ideológica da pena possa ser deduzida, de modo
contradições que delas derivam. Tanto a afirmação histórica de determina-
linear, da estrutura material das relações de produção. Ainda que ocupe uma
das práticas punitivas quanto a permanência dessas práticas na sociedade
posição de proeminência em relação a outros fatores sociais, o universo da
contemporânea devem ser reportadas às relações de produção dominantes,
economia simplesmente contribui para definir a fisionomia histórica dos
às relações econômicas entre os sujeitos e às formas hegemónicas de orga-
diversos sistemas punitivos. Porém, de acordo com Rusche, esta perspec-
nização do trabalho.
tiva materialista de análise da penalidade estava ausente de todas as corren-
A penalidade se inscreve num conjunto de instituições jurídicas, políticas tes criminológicas, de derivação sobretudo positivista, que lhe eram contem-
e sociais (o direito, o Estado, a família), que se consolidam historicamente porâneas:
em função da manutenção das relações de classe dominantes. Não é possível
Elas não mantêm nenhuma ligação com a teoria económica, e por-
descrever os processos de transformação que interessam a essas institui-
. tanto não se reportam à base material da sociedade, e nem sequer
ções se não se levar em conta os nexos que ligam determinadas expressões
são historicamente orientadas. Isso significa que elas pressupõem
da dominação ideológica de classe no interior da sociedade às formas de
uma constância na estrutura social que na realidade não existe e que
dominação material que se manifestam no âmbito da produção.
absolutizam de modo inconsciente, as condições sociais reais do
O controle do desvio enquanto legitimação aparente das instituições pe- 18
observador .
nais constitui, pois, uma construção socj91 por meio da qual as classes domi-
Trata-se, portanto, de superar uma dimensão teórica da criminologia
nantes preservam as bases materiais da sua própria dominação. As institui-
enquanto ciência da criminalidade, como saber-poder sobre as causas indi-
ções de controle não tratam a criminalidade como fenômeno danoso aos
viduais e sociais do desvio, e de construir uma crítica histórico-económica
interesses da sociedade em seu conjunto; ao contrário, por meio da reprodu-
da formação dos sistemas repressivos. A emergência de formas d~termi~~
ção de um imaginário social que legitima a ordem existente, elas contribuem
dás da penalidade é o resultado da convergência de forças culturms, polttt-
para ocultar as contradições internas ao sistema de produção capitalista. Em
ê::is e sociais, que embora não sendo o reflexo necessário de determinadas
outras palavras, numa sociedade capitalista o direito penal não pode ser co-
articulações das relações de produção, estão intimamente conectadas a es-
locado a serviço de um "interesse geral" inexistente: ele se torna, necessari-
amente, a expressão de um poder de classe.
Por outro lado, porém, o caráter complexo das relações entre estrutura 17 G. Rusche, "II mercato di lavam e l'esecuzione della pena. Riflessioni per una
económica material e instituições punitivas não pode ser subestimado caso sociologia deli a penale", trad. it. in La Questione crininale, 2, 1976, p. 522.
se queira evitar a recolocação de um paradigma teórico abalado pelo 18 Idem, pp. 521-522.
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sas últimas. A estrutura material da sociedade informa a geografia das rela- . Nascimento da sociedade industrial
de domínio e subordinação que aí prevalecem e, .ao mesmo tempo, e disciplinamento do proletariado
acelera o processo de consolidação das instituições sociais que reúnem con- As hip6teses centrais de Rusche são duas. A primeira é que qualquer
dições de favorecer a sua reprodução. A história da pena deverá, por conse- sistema repressivo necessariamente, numa de pre-
guinte, tornar-se uma história econômica e social dos aparelhos o objetivo das penas é dissuadir os criminosos em
que se constituem como dispositivos das de classe. Ela de violar as leis. Por outro Jado, porém, são as classes subordinadas que
é "algo mais do que uma história do suposto desenvolvimento particular de cometem esses crimes - sobretudo contra a propriedade - e é para elas que
uma 'instituição' legal qualquer. Ela é a história das entre as 'duas o sistema penal se seletivamente. A segunda hipótese é que as modali-
nações' [ ... ] que compõem a população, os ricos e os dades com as quais se concretiza () objetivo da variam historica-
Ocorre aqui, evidentemente, uma profunda ruptura com relação à mente em relação ao universo da economia e, sobretudo, à situação do mer-
historiografia jurídico-penal tradicional. As transformações históricas da pena .cado de trabalho:
representam não o resultado do progresso da sociedade, mas, pelo contrá- Ensina a experiência que os delitos são cometidos, em sua maior
rio, a evolução das estratégias com as quais a primeira das "duas nações" parte, por aqueles que pertencem às classes sobre as quais pesa uma
sempre impôs sua própria ordem social à segunda. Contando com a contri- opressão social mais forte [ ... ] A pena, portanto, se não se quer
buição de OUo Kirchheimer, Rusche escreverá a hist6ria destas duas ele tal modo que as
num livro de título PlIlliç{fo e estrutllra social. Publicada crimi
essa obra por muito A economia racional comcter as para
política da penalidade por aproximadamente 30 anos do hori- não serem vítimas de punição .
zonte criminológico e sóciorógico. Apenas em 1969, com a reedição desse As classes sociais despossuídas constituem, assÍm, o objetivo principal
livro, o programa te6rico de Rusche será finalmente retomado pela nascente das instituições penais. A hist6ria dos sistemas punitivos é, nessa perspecti-
criminologia crítica. va, uma hist6ria das "duas nações", isto é, das di versas estratégias repressi-
Não é difícil compreender as razões do esquecimento e da posterior \'vas de que as classes dominantes lançaram mão através dos séculos para
redescoberta. O texto de Rusche e Kirchheimer vem à luz pela primeira vez íevitar as ameaças à ordem social provenientes dos subordinados.
nos anos 1930, em circunstâncias históricas particularmente adversas ao , '. As diversas orientações da política penal se articulam a partir das condi-
marxismo nos Estados Unidos e às ciências sociais na Europa. O advento ~çÕes materiais das classes pobres. Para serem eficazes, as instituições e
dos regimes totalitários após o segundo conflito mundial e de uma recons- práticas repressivas devem impor, a quem ousa violar a ordem cOl1stitU'ída,
trução pós-bélica que enfatizará uma concepção tecnocrática dos proble- condições de existência piores do que as garantidas a quem se submeter a
mas sociais e, conseqüentemente, do desvio, certamente não estimulam o . cla. Numa economia capitalista, isso significa que será a condição do prole-
desenvolvimento das perspectivas críticas apresentadas em Pwziçc70 e es- tariado marginal que determinará os rumos da política criminal e, por conse-
trutura social. No entanto, no contexto muito diferente dos anos 1960 e guinte, o regime de "sofrimento legal" imposto àqueles que forem punidos
1970, parece finalmente estar colocado o espaço intelectual e político para por desrespeito às leis. Em outras palavras, "todo esforço em prol de uma
uma crítica materialista das instituições repressivas, um espaço no qual a reforma no tratamento do delinqüente encontra o seu pr6prio limite na si~u
criminologia crítica e a economia política da pena ganham uma posição de àção do estrato proletário mais baixo, socialmente significativo, que a SOCle-
destaque. ..... ~.
dade usa como parâmetro para quem comete açoes cnmll10sas .
'''21
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A evolução da penalidade não é, portanto, o resultado de reformas sociais ~universalização do princípio da troca de equivalentes, do outro, explicam a
e jurídicas cada vez mais ambiciosas e progressistas. Existe, de fato, um ':afirmação histórica paralela do contrato como fixação do tempo de trabalho
limite estrutural a qualquer processo de reforma e civilização das penaS, e ""ê:da sentença como fixação do tempo de reclusão 23 •
i
este limite é representado pelo princípio da less eligibility (isto é, da menor Punição e estrutura social desenvolve es'tas linhas teóricas e as emprega
preferibilidade) da pena, ao qual todo sistema de repressão deve adequar-se. na análise histórica dos regimes punitivos da Idade Média tardia até os anos
Nas economias pré-capitalistas, a condição das classes marginais era 30 do século XX. Neste contexto, o conceito da less eligibílity recebe uma
definida por fatores antes de tudo políticos, que estabeleciam as margens de elaboração mais complexa e é aplicado à análise de processos históricos tais
exploração da força de trabalho conforme uma estratificação social baseada como a transição da economia feudal para o mercantilismo e, posteriormen-
em laços de servidão e dependência pessoal das classes subalternas para te, o advento da Revolução Industrial.
com as classes dominantes. Porém, com a afirmação do modo de produção A origem da pena detentiva está inserida no contexto das transformações
capitalista, a condição do proletariado se torna uma função principalmente ,;I>ociais que ocorreram na Europa nos séculos XVI e XVII. Naquele período,
econômica: a condição material do proletariado é determinada diretarnente ÚrlIa repentina redução demográfica, ligada em parte à Guena dos Trinta
no interior dos processos de organização e de divisão do trabalho. Anos, havia determinado uma dramática carência de mão-de-obra, o que
São as dinâmicas invisíveis e anônimas do mercado que conferem à for- resultou na elevação progressiva dos salários. Essa situação induziu os go-
ça de trabalho o seu "preço justo", e é uma lei econômica que orienta a vernos dos países europeus economicamente mais avançados a rever as
fixação do preço: quanto maior for a oferta de trabalhq, menor será o seu suas políticas em relação à pobreza. Amadurecia a idéia de que os pobres em
valor e piores serão as condições do proletariado. Daí deriva, de acordo com condições de trabalhar deveriam ser obrigados a fazê-lo. Através da imposi-
o princípio da less eligibility, que os períodos históricos em que ocorre um ção do trabalho, tornava-se possível ao mesmo tempo, a praga
sllIplus de força de trabalho serão necessariamente caracterizados por um social da vagabundagem e a praga econômica do aumento dos salários, pro-
agravamento das penas. yocado pela escassez de força de trabalho.
As massas sem trabalho, que diante da fome e da necessidade tendem Essa nova filosofia inspira a construção das primeiras instituições desti-
a cometer delitos ditados pelo desespero, só podem ser contidas atra- nadas à reclusão dos pobres: Bridewell, na Inglaterra, Hôpital Général, na
vés de penas cruéis. Numa sociedade onde os trabalhadores são escas- !;'rança, e Zuchtlzaus e Spinhaus, na Holanda. A reclusão começa assim a ser
sos, a execução penal tem uma função totalmente diversa. Quando i'>f,0posta como estratégia para o controle das classes marginais. A sua utili-
alguém que quer trabalhar encontra trabalho, o estrato social mais bai- <~ade, independentemente das camadas da população às quais pode ser apli-
xo é formado por trabalhadores não qualificados e não por desempre- i~Ma (pobres, vagabundos, prostitutas, criminosos), consiste no fato de que
gados que se encontram numa situação de necessidade. A execução Ilgora o çerpo é valorizado por encerrar uma potencialidade produtiva, e os
penal pode, assim, contentar-se em obrigar ao trabalho quem a ele se sistemas de controle têm início concentrando-se nas atitudes, na moralidade,
recusa e ensinar aos delinqüentes que eles se contentem com o que é na alma dos indivíduos. Progressivamente, a detenção se afirmará como
2
suficiente para um trabalhador honesto vive/ •
O nascimento da prisão se coloca, portanto, na passagem de um regime
penal que aponta para a destruição do corpo do condenado, sobre o qual se
2i':iA privação da liberdade por um período determinado preventivamente pela sen-
t~nça do tribunal é a forma específica na qual [ ... ] o direito penal moderno burguês-
reflete o poder absoluto do monarca, para uma forma de punição que poupa 'capitalista realiza o princípio da retribuição equivalente. Trata-se de um meio Ín-
o corpo a fim de que, na sua produtividade, se evidencie o poder econômico }onsciente, mas profundamente ligado à idéia do homem abstrato e do trabalho
relativo do capitalista. Uma nova concepção do tempo, de um lado, e urna . humano abstrato medido pelo tempo" (K B. Pasohukanis, La teoria generale del
diritto e ii marxismo, trad. it. [N. do T.: edição portuguesa A teoria geral do
e o marxismo. Coimbra, Centelha, 1'972, tradução de Soveral Martins], in
22 Idem, pp. 526-527. Cerroni (org.), Teorie sovietiche deZ diritto. Milão. Giuffre, 1964, p. 230.
40
modalidade hegemónica da pUl1lçao, dando origem assim ao "grande çapital libera o trabalho dos vínculos servis e da dependência pessoal que,
internamento" de que fala Foucault. No momento em que esta hegemonia i:l.té aquele momento, o haviam refreado, por outro sujeita-o a uma nova
estiver definitivamente consolidada, o que vai mudar, segundo o princípio da . forma de subordinação. A "liberação" do trabalho advém de uma expropriação
less eligibility, serão os regimes de reclusão, isto é, as condições de vida "dos produtores que os submete a um nível mais alto de servilismo:
impostas aos detidos. o movimento histórico que transforma os produtores em
Uma vez as humanitúrias desempenham um papel com- operários assalariados se apresenta, de um lado, como sua libertação
pletamente secundário em tudo isso. As reformas sustam o passo, quando da servidão e da coerção corporativa; e para os nossos historiógrafos
não retrocedem, toda vez que o desemprego cresce, reduzindo novamente o só existe esse lado. l'vlas, por outro lado, esses recém-
valor do trabalho. Um exemplo significativo é dado pela Inglaterra do início libertos só se tornam vendedores de si mesmos após terem sido
do século XIX, quando um novo SU/1J1lls de força de trabalho orienta a política espoliados de todos os seus meios de produção e de todas as garantias
26
penal no sentido da reintrodução de métodos punitivos cruéis e destrutivos, para a sua existência, oferecidas pelas antigas instituições feudais •
que parecem decretar momentaneamente a falência dos ambiciosos projetos As massas de camponeses em fuga após o cercamento dos campos diri-
iluministas de reforma: gem-se para as cidades, engrossando as fileiras de vagabundos e pobres.
Já tínhamos observado que o movimento reformador encontrou Esta força de trabalho em potencial, expropriada dos poucos meios de sustento
um terreno fértil só porque os princípios humanitários em que se de que dispunha e separada violentamente do próprio ambiente, revela-se a
coincidiam com as necessidades da economia da princípio de adaptar-se ús novas de e reluta em
mas nos para dar se submeter ü nova do trabalho que se afirma nas fábricas.
essas novas o fundamento do qual nós havíamos partido Marx detém-se nas práticas repressivas que atingiam as massas expropriadas:
já havia, pelo menos em parte, deixado de existi/". Os pais da atual classe operária foram punidos, num primeiro mo-
Quando a utilidade eeonômica dos novos sistemas punitivos é menor, as mento, ao serem transformados em vagabundos e em miseráveis. A
mesmas medidas introduzidas pelo reformismo humanitário podem voltar a legislação tratou-os como delínqüentes voluntários e partiu do pres-
assumir a crueldade que as reformas pareciam ter confiado ao passado: suposto de que dependia da sua boa vontade continuar a trabalhar
27
O trabalho no cárcere torna-se, assim, um instrumento de tortura e llas antigas condições não mais existentes .
as autoridades mostravam-se cada vez mais hábeis em inventar novos Pena e subsunção real do trabalho ao capital
sistemas; ocupações de caráter exclusivamente punitivo tornavam- Uma vez mais, o problema é a constituição do proletariado, isto é, a
se extl]}mamente fatigantes! prolongadas por períodos de tempo transformação do trabalho em capital produtivo de mais-valia. A afirmação
• , . _5
absolutamente lI1suportavcls . do regime de fábrica dirige o processo que Marx define como "subsunção
No centro da análise de Ruscbe e Kirehheimer encontramos as trans- real" do trabalho: todas as formas do trabalho pré-capitalista são progressi-
formações descritas no primeiro livro do Capital. Na seção VII, Marx enfrenta vamente reduzidas à forma geral do "trabalho abstrato". Os produtores são
a questão da acumulação primitiva, estágio pré-histórico do capital, no qual o ~~sim transformados em força de trabalho social e o trabalhador coletivo
sistema capitalista teve criadas as condições para o seu próprio desenvolvi- sucede o trabalhador individual:
mento, ou seja, a destruição do sistema de produção agrícola-artesanal e a Com o desenvolvimento da submissão real do trabalho ao capital e,
transformação do trabalho aí empregado em força de trabalho assalariada. A por conseguinte, do modo de produção especificamente capitalista,
contradição constitutiva deste proeesso fica logo clara: se de um lado o o verdadeiro agente do processo de trabalho total não é o trabalhador
28 Marx, II capitale. Libro J. Capítulo VI. Inedíto, trad. it. Florença, La Nuova Melossi, "Criminologia e marxismo. AIle origini della questione penale nelÍa
Itália, 1969, p. 74. società de 'Ii Capitale'''. ln La questione criminale, I, 2/1975, p. 328.
29 Melossí e Pavarini, Carcere e fabbrica, cit., p. 70. 31 Melossi e Pavarini, Carcere e fabbrica, cit., p. 223.
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44
Esta dinâmica da produção de subjetividade através do regime carcerário é observável seja no universo econômico, no qual se exprime na relação
nos conduz diretamente às reflexões de Althusser sobre os "aparelhos a esfera da circulação (igualdade) e a esfera da produção (desigualdade),
ideológicos dé Estado". Segundo Althusser, é exatamente nos processos de .;;eja na instituição carcerária, onde se.tra?u~ no con~ito ins<:lúvel.ent~e o
subjetivação dos indivíduos, ao perpetuar as relações de produção nas quais . pfincípio de retribuição e as práticas dlsclphnares. A IdeologIa retn.blltl~a-
a subordinação material dos sujeitos se 111 que se baseia o legalista oculta a realidade de disciplina e violência que se produz no mtenor
funcionamento da da instituição penitenciária, assim como a ideologia .
esconde a realidade de exploração e subordinação que se produz na fábnca.
A instituição carcerária é pois, certamente, uma tecnologia repressiva,
uma vez que impõe ao detento uma situação de privação absoluta que faz O: objetivo, coerentemente, é reproduzir um proletariado que conside.re o
dele um sujeito totalmente dependente do aparelho de poder que o subordina. salário como justa retribuiçt70 do próprio trabalho e a pena como Justa
Mas é também um poderoso dispositivo ideológico, uma vez que lhe impõe medida dos seus próprios crimes.
a submissão ao trabalho como único caminho para sair desta condição. Revela- Encarceramento e desemprego na época fordista
se, assim, o paradoxo de um mecanismo que, de um lado, produz privação, A partir da segunda metade dos anos 1970, a criminologia marxista começa
falta, carência, e, de outro, impõe as próprias engrenagens disciplinares como ri utilizar os conceitos da economia política da pena na análise dos sistemas
remédio para esta condição. puhitivos contemporâneos. O paradigma materialista qu~ Ru~ch~.e Kir-
A prisão cria o statlls de detento e, ao mesmo tempo, ao indivíduo chheimer tinham elaborado para descrever as transformaçoes hlstoncas da
trabalho, obediência e disciplina constitutivos desse como penalidade é, para as entre sistema eco-
que devem ser fim de que possa, no nômico fordista c da repress{ío penal.
delas. Ela evoca nos uma representação A passagem da investigação histórica ii dimensão contemporânea
mesmos em relação à própria condição materiaL A privação extrema imposta comporta, porém, dois problemas. O primeiro diz respeito à "tradução" dos
ao preso é, assim, representada como conseqüência óbvia e quase natural da conceitos. Enquanto Rusche e Kirchheimer descreveram o processo de
recusa da disciplina do trabalho 33 . O princípio da troca de equivalentes torna ~volução da penalidade ao longo de um arco histórico que s~ estende d~
a instituição carcerária ideologicamente aceitável, do mesmo modo que torna ii afirmação do capitalismo, o horizonte deve redUZir-se agora a
"justo" um contrato de trabalho. Neste não há abuso ou excesso, mas sim h::lação entre economia e pena numa fase específica do capitalismo. Com? é
troca entre iguais e retribuição ao justo preço: possível aplicar hipóteses concebidas originariament~ numa p~rspect.lva
O conteúdo da pena (a execução) está, deste modo, ligada à sua histórica ii análise das políticas penais na sociedade industnal ou pós-mdustnal?
fonnajurídica, do mesmo modo que, na fábrica, a autoridade garante segundo problema é de ordem metodológica e diz respeito à construção de
. 34 /'
que a exp I oração pode aSSUl11lr o aspecto de contrato . eficazes" da economia e da penalidade contemporâneas. Em
Vemos emergir aqui uma contradição estrutural da sociedade capitalista: outras palavras, como podem ser individualizados instrumentos analíticos
a contradição entre uma igualdadefornzal e uma desigualdadefwulamental. âdequados para descrever a situação econômica atual, as estratégias repres-
;;ivas contemporâneas e o laço que as une?
32L. Althusser, Lo Stato e i suai apparafi, trad. it. Roma, Riuniti, 1997 [N. do T.: edição O percurso teórico através do qual se consegue dar uma resposta. a essas
brasileira. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos intelTogações está intimamente ligado às circunstfmcias históricas partIculares
de Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1987, 3aed, introdução crítica de J.A.Guilhon Albu- ~m que ocorreu este aggiomamento da econom~a pol~tica da p~n.a .. Estamos
querque, tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro]. no final dos anos 1970, nos Estados Unidos. E aqUI que se 111lcta, pouco
33 Ver também a definição althusseriana de ideologia: "Na ideologia encontra-se ~epois da publicação de Punishment and Social Structure, o processo de
representado não o sistema das relações reais que governam a existência dos in- atualização da perspectiva materialista.
divíduos, mas sim a relação imaginária destes indivíduos com as relações reais
nas quais eles vivem" (idem, pp. 185-186; itálico meu).
A reestruturação capitalista está em curso já há alguns anos e seus primeiros
34 Melossi e Pavarini, Carcere e fabbrica, cit., p. 87.
. efeitos começam a ser percebidos, sobretudo o aumento do desemprego que se
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46
segue à expulsão de uma ampla fatia do trabalho desqualificado do setor indus- refere-se à "severidade" das penas: o agravamento das condições
trial. Começa-se a se falar em surplus population, isto é, uma força de trabalho isto é, o aumento do desemprego, cOITesponde a uma maior
em excesso no que tange à capacidade de absorção do mercado de trabalho. das sanções penais, isto é, um incremento das taxas de encarcera-
Essa força de trabalho se configura cada vez mais como uma reedição, no O núcleo da argumentação está ancorado no princípio da less eligibility:
capitalismo tardio, do "exército industrial de reserva" marxista. Trata-se de uma as penas se tornam tão pesadas que, por piores que sejam as condições
massa de trabalho escassamente ou nada qualificada, expulsa pelo processo oferecidas ao trabalhador "livre", elas ainda são prcferíveis ao status de
produtivo porque é extremamente numerosa, mas ao mesmo tempo extrema- criminoso "punido".
mente eficaz como instrumento de eontrole das reivindicações salariais da A segunda hipótese diz respeito à "utilidade" das penas com relação ao
força de trabalho ativa. Ela é, portanto, a principal candidata ao posto de mercado de trabalho. O recurso ao encarceramento desempenha a função
"estrato proletário mais baixo" ao qual Rusche se referia em 1933. de "regulação" do slU1J1us de força de trabalho, com o objetivo implícito de
Paralelamente, ocorre nos Estados Unidos uma significativa inversão de consolidar o exército industrial de reserva de que fala Marx. Nas palavras
tendência na política criminal. As taxas de encarceramento, que desde a do próprio Jankovic:
depressão de 1929 ao final dos anos 1960 foram mantidas em níveis par- O que eu proponho é uma reformulação da hipótese da "severidade"
ticularmente baixos, a partir dos primeiros anos da década de 1970 começam avançada por Rusche e Kirchheimer: quando a economia está em
novamente a crescer, inaugurando uma tendência que assumirá proporções crise, as penas são mais severas ( ... ) A segunda hipótese a ser veri-
cada vez maiores nos anos subseqüentes. A economia política da pena co- ficada é aquela segundo a qual o aumento do encarceramento tem a
meça, então, a investigar conjuntamente esses fenômenos, indagando se eles de reduzir o desemprcgo. Esta hipótese de "utilidade" sus-
eram ou se, ainda quc não fosse possível indivi- tenta que os efeitos nas se refletem
dualizar, havia entre eles uma relação estruturaL no mcrcado de trabalho .
Um setor da criminologia marxista americana avança a hipótese de que o Jankovic separa nitidamente as suas análises do comportamento das taxas
aumento paralelo do desemprego e do encarceramento constitui o momento de criminalidade. O pressuposto inicial é que estes fenômenos são observáveis
inicial de um processo de redefinição conjunta da relação entre economia e independentemente da criminalidade e que a relação entre desemprego e
sistema repressivo. Delineia-se, assim, uma resposta aos problemas que se
colocavam antes. A solução consistirá em assumir o desemprego como pa-
râmetro da condição econômica e o encarceramento como medida da se- sobre os desenvolvimentos posteriores da economia política da penalida-
veridade do sistema penal. Richard Quinney oferece uma interpretação efi- A primeira é a de T. Sellin, "Research Memorando on Crime in the Depres:ion~, i~
caz das transformações em curso: Social Sciel1ce Research Cowzcil, Boletim 27, Nova Iorque, 1937. Essa publtcaçao e
/'
Incapaz de absorver o sUlplus no interior da economia política, o capi- 'i~portante porque, antes mesmo da publicação de Punishment and Social Structure,
talismo avançado pode apenas supervisionar e controlar uma população éonfere destaque às intuições de Rusche (Sellin trabalha com o ~rtigo de 193?~. ~:n
que agora é supérflua [... ] O sistema penal é o recurso moderno para o no capítulo VII (pp. 109 e ss.), SeIlin considera o conceIto da less eltglbzl!ty
35
controle do surplus de trabalho produzido pelo capitalismo tardi0 • um possível ponto de referência para os desdobramentos futuros da pesqUIsa
economia e sistema penal. A segunda contribuição é de L. T. Stern, "The Effect
Em 1977, Ivan Jankovic será o primeiro a tentar aplicar o paradigma de
the Depression on Prison Commitments and Sentences", in Joumal ofthe American
Rusche e Kirchheimer à situação americana36 • Ele parte de duas hipóteses. A of Criminal Law and Criminology, vol. XXXI, 1940-1941, pp. 696-7~1.
se propõe aqui, explicitamente, a testar as hipóteses de Georg Rusche, ven~
se à depressão econômica nos Estados Unidos correspondeu um endureCI-
35 R. Quinney. Class, State and Crime. Nova Iorque, Longman, 1977, p. 131.
das condenações à pena de detenção (o case study conduzido por Stern
36 r. Jankovic. "Labor Market and Imprisonment", in Crime and Social Justice, 8,
contudo, a duas penitenciárias do estado da Pensilvânia).
1977, p. 17-31. Na realidade, merecem ser citadas pelo menos outras duas contribui-
muito anteriores à de Jankovic, mas não tão centrais do ponto de vista da sua Jankovic, "Labor Market and Imprisonment", cit., pp. 20-21.
48
., . . ' ra mas ainda não produzira os efeitos dramáticos
38
trial certamente Ja se mlcm , c " 1 rb ., 1
encarceramento é, por conseguinte, direta . Todavia, examinando o caso ue só viriam a ocorrer no decênio seguinte. Alem diSSO, o assa to neo 1. eI.a
dos Estados Unidos entre 1926 e 1974, os resultados são ambíguos. De um q W lf'are State ainda não se abatera violentamente sobre as classes margmms.
lado, é confirmada a hipótese da "severidade": encarceramento e desemprego ao eJ' d'd concorrem, nessa
Isso significa que Estado e me 1 as . ., em certa
seguem, de fato, a mesma direção e esta tendência não é influenciada pelo ' 'l['l '1 do excesso de força de trabalho, dlvldmdo,
f ase, p, , " cai na rede
andamento das taxas de criminalidade. De outro, não se medida, as tarefas. toda ct I '
nenhum impacto das taxas de encarceramento no mercado de da penalidade. Parte d e 1a e' " geu"d'"a c o n1 . de lve'lClle
_ ,"e ., ,"
trabalho: a hipótese de um efeito imediato do aparelho repressivo em relação . 1 que de qualquer modo, começam a assumIr con~taçoes pUl1ltlvas,
ao sW7J1us de força de trabalho é desmentida. Com efeito, muito embora a soem" , Imposta aos
por exemplo, atraves da crescente .
carcerária constituída em grande parte por . , ' . e da '
CIarlOS dos pr'()cedimentos de acesso, .
trata-se sempre de uma muito limitada para que ela possa exercer um O criminólogo marxista Steven Spitzer descreve este processo COl:1 ~.~l-
dade, quando afuma que o surplll.~ de forç~ d~ ~rab,~lho po~e s~r ~ub~,l;~l~ d~
impacto significativo sobre as dimensões do exército industrial de reserva.
Entre os anos 1970 e 1980 entram em cena outros trabalhos que têm em socialjwzk e em social dynallllte. O pnmeIlo tc.uno s~ le,~e:e a p . n
como objetivo verificar as hipóteses de Rusche e Kirchheimer, e é uma vez o ulação desempreaada Que representa um "detnto socml , mofenslvo e,I
mais e sobretudo a criminologia crítica norte-americana que investiga a relação p p aos aparelbo~ do poder (e, portanto, passível de manobra por parte
entre desemprego e encarceramento. !vIas, também nesses casos, a hipótese do Welfare éa do ,
da severidade é sistematicamente confirmada e a da utilidade não encontra a ordem que deve sel
c,
base de . O incremento do
sistema . que
O fato é que, no em que essas análises, as medidas , I'! ao mas Sim ao ,
portanto, 19ac o .' ," d '1 constitlllda:
não constituem (ainda) o único dispositivo institucional de regulação atinge alguns estratos sociaiS. conslderad~s ~e:/gosos a 01' en
do swplus de força de trabalho. Estamos, vale repetir, entre o final dos anos minorias étnicas, imigrantes, Jovens margmms . ,
1970 e os primeiros anos da década de 1980, quando a reestruturação indus- No âmbito da economia política da pena delineia-se, nesse momento, <l
tendência a abandonar as hipóteses "ortodoxas" for~n~la~as por Rusc~le_ e
l
'etoluadas por Jankovic. A dificuldade de provar a eXlstenCIa de uma reblaç11ao
38 É desse ponto de vista que a investigação de lankovic se distancia notavelmen- . . d de tra a 10
de funcionalidade imediata entre slstema repreSSIVO e merca. o ( 'd d
te de outros estudos precedentes, os quais, embora tendo como hipótese uma
relação entre economia e encarceramento, assumiam que a criminalidade ali exer- suaere interpretações mais articuladas da relação entre economl: e penal!, a e
citasse um papel de mediação e que, conseqüentemente, fosse a verdadeira "cau- e ~ma reavaliação dos elementos Ç.Xtra-econômicos. A r.elaçao tel~d~ a l~:
sa" das mudanças do sistema repressivo. Ver, por exemplo, D. A. Dobbins e B. M. estabelecida cada vez mais em termos qualitativos, medIante a analise
Bass, "Effects of Unemployment on 'White and Negro Prison Admissions in
. ,,' Social Problems, voI.
Louisiana", in lO/trllOl of Criminal Law, Criminology and Pofice Science, 48, 40 S. Sptizer, "Toward a Marxian Theory of Devlance , ll1
1958, pp. 522-525. 22 "5 1975 . . 'd ad e,
39 Ver, sobretudo, D. Greenberg, "The Dynamics of Oscillatory Punishment Pro-
f' d" teraç'ío entre etmCl
41 Para um interessante sflldy case sobre o e eIto a ll1 • < G T Cl iricos
cesses", in The lournal of Criminal Lmv and Criminology, 4, 1977, pp. 643-651; . " d nos Estados Umelos, ver . ' 1
condição ocupaclOnal e IllVeIS e . Assessment" in
'0-
c • "
e "Penal Sanctions in Poland: a Test of Alternative Models", in Social Problems, e W D Bales "Unemployment and Pumshment: an Empmcal .,' c
XXVIII, 2, 1980, pp. 194-204; M. Yeager, "Unemployment and Imprisonment", in .., 701 724' G T Lessan "Macro-econOlD1C e
Criminology, voI. 29,1 4, 1991, pp.. - , . . ' '. Intlation Intluences
The Joumal of Crimillal Lmv and Criminology, vol. 70,4, 1979, pp. 586-588; D. terminants of Penal Policy: Estim~tll1g the ~nemPI~~m~~~;~~985'" in Crime, Law
Wallace, "The PoliticaI Economy of Incarceratiol1 Trends in late U. S. Capitalism: anel Imprisonment Rate Chang!Os 111 the Umted Sta . ' C I f' eld e E. E.
1971-1977", in The Illsurgent Sociologis!, vol. XI, 1, 1980, pp. 59-65. Para uma 177 198' G S BrIdges' R. D. rutc 1 1
anel Social Change, 16, 1991, pp. - .'..: . 'I '. . White anel Nonwhite
resenha que inclui trabalhos não considerados aqui, ver G. T. Chiricos & M. Simpson "Crime Social Structure and Cnmmal PUl1lS lment. 345
I 34 4 1987, pp. ss.
Delone, "Labor Surplus and Imprisonment: A Review and Assessment of Theory Rates of ,Impnsol1ment
" ,,' "
, 111 Soczal P/oblems, vo ., , ,
and Evidence", in Social Problems, vol. 39,4, 1992, pp. 421-446.
50
f?t~re~ s~ciais que convergem para a "qualificação" do desemprego: compo- O caráter relativamente limitado das taxas de desemprego norte-americano
slçao etmca da população, relações de gênero, transformações abrangentes nos anos 1980 e 1990 teria sido causado não pelas políticas de flexibilização
do me~cado de trabalho etc 42 • A hipótese de UlTl papel imediato das práticas e liberalização do mercado de trabalho (como sustenta a vulgata neoliberal),
repre~s~~as na gestão do exército industrial de reserva parecia, pois, perder mas sim pelo incremento vertical do encarceramento, que teria ocultado
plausIbIlIdade por conta da citada "divisão de trabalho" entre penalidade e welfare. uma parte da população desempregada, encerrando-a nas prisões americanas.
. Na r.ealidade, porém, uma conclusão desse tipo seria apressada. Nos úl- Por outro lado, porém, o efeito penalizante que o encarceramento exerce
tunos tnnta anos a situação nos Estados Unidos mudou profundamente, tanto sobre as possibilidades futuras de emprego da força de trabalho é tal que,
na vertente das políticas penais quanto na vertente das políticas sociais. O para poder manter os níveis atuais de desemprego, os Estados Unidos
aumento das ~a:as. de encarceramento, do qual Jankovic pôde entrever apenas deveriam intensificar o internamento em massa iniciado na segunda metade
o começo, fOI tao lIltenso que levou a população carcerária ao nível mais alto dos anos 1970, alimentando assim uma espiral cujo fim é difícil de se ver.
de toda a história contemporânea americana; o ataque neoliberal ao Estado Analisando a composição de classe da população carcerária dos Estados
do b~m~e:tar social prosseguiu ininterruptamente, até determinar, de fato, a Unidos, verificamos que a taxa de desemprego seria pelo menos dois pontos
substltUlçao do "Estado social" por Uln verdadeiro "Estado penal"43.
lnais elevada do que a indicada pelas estatísticas oficiais. O aumento do
Partindo dessas transformações, Bruce Western e Katherine Beckett re- percentual parece ainda mais significativo se levarmos em conta a população
colocaram a hipótese de uma relação de funcionalidade entre políticas penais afro-americana: incluindo os detentos nas estatísticas, a variação neste caso
~ mer~~do de trabalho nos Estados Unidos 44 • Retomando a hipótese da "uti- seria de 7%. Isso significa dizer que o encarceramento em massa teria reduzido
lIdade das penas, eles sugerem que o enorme aumento das taxas de encar- as taxas de desemprego dos afro-americanos em cerca de um terço. Enquanto
ceramento dos últimos anos exerceu um impacto sobre as taxas de nos europeus sobrevivem de política social voltadas
para a das distorções do mercado de trabalho e para remediar as
desigualdades sociais daí resultantes, nos Estados Unidos se observa a
. por exemplo, S. L. Myers e W. J. Sabol, "Dnemployment and Racial Differences tendência a substituir essas medidas sociais por políticas penais. A gestão do
ln Imprison~ent", in Review o! Black Political Ecol7omy, vol,. 16, 1-2, 1987, pp. desemprego e da precariedade social parecer ter passado, em suma, do
189,-~09. Para um exemplo maIS recente, que faz referência particular aos fatores universo das políticas sociais para o da política criminal.
pohtlcos como elemento ,?e mediação da relação entre economia e penalidade, ver
D. Jac.obs.e R. E. Helms, Toward a Politicai Model ofIncarceration: A Time-Series Mas se os Estados Unidos exibem a realidade sem disfarces de uma gestão
Examll1atlOn of Multiple Explanations for Prison Admission Rates" in American repressiva das novas pobrezas que se materializa na progressiva convergência
Joumal of Sociology, 2, 1996, pp. 323-357. ' entre precarização social e autoritarismo penal, hoje um cenário semelhante
43 "A d I - A'
.esregu amentaçao economlca e a hiper-regulamentação penal caminham, parece desenhar-se também na Europa. Nas últimas duas décadas, as taxas
na rea:l~ade, lado a lado. O desinvestimento social implica o super-investimento de encarceramento cresceram de forma aguda em todos os países europeus,
ca~ceran~, que r~presenta o único instrumento em condições de fazer frente às abatendo-se de modo desproporcional sobre a população desempregada, sobre
a:nbula~oes sUSCitadas pelo desmantelamento do Estado social e pela generaliza- os tóxico-dependentes e, nos últimos anos, sobre os imigrantes. Também na
çao. ~a ll1segurança material que, inevitavelmente, se difunde entre os grupos Europa, ademais, este processo de "hipertrofia" do sistema penal se produziu
s~clal~ colocados nas posições mais baixas da escala social" (L. Wacquant, Parola
d or~lI1e: tolleral1za zero. La trasformazione dello stato penale nella società
neollberale, trad. it. Milão, Feltrinelli, 2000, p. 101). segurança. A privatização dos cárceres é um fenômeno já consolidado nos Esta-
44 B. Western e K. Beckett, "How DnreguJated is the D.S. Labor Market? The Penal
dos Unidos, onde prisioneiros e serviços de segurança privada representam um
System as A Labor Market Institution", in American Joumal of Sociology CIV 4 dos mais promissores setores de emprego de mão-de-obra. Em suma, os pobres
1999, pp. 1030-1060. ' " encontram trabalho exatamente no prison-industrial COl11plex que nasce com o
45 :oder-se-ia acrescentar um outro efeito do encarceramento de massa, que é objetivo de encarcerar outros pobres americanos. Sobre a transformação do
retirar os das es tatlstlcas encarceramento em empresa, ver, necessariamente, N. Christie, 11 business
"
me d'lante o seu emprego na da
penitenzíario. La via occidentale dei Gulag. trad. it. Milão, Eleuthera, 1996.
52
53
paralelamente ii reestruturação do ll'e(fàre, numa singular sÍmbiose entre
do "Estado penal" eo-dividem e estereótipos dominantes, que,
eonstrução do Estado penal e destruição elas garantias sociais.
por sua vez, são afetados pelas condições da economia. Agindo de modo
As análises críticas mais rccentes voltadas ao contexto europeu deixam particularmente punitivo para eom as classes subordinadas, os operadores
pouca à dúvida. Analisando o caso Stevcn Box c Chris Hale do sistema penal não a necessidades abstratas do capital, das
puderam
direta .
qUaiS, 1,., e'.
~11"lS Que
'1 eles tenham eles se limitam, isso
entre mercado ele
e de crise cconô- a tomar dcci de acordo com sobre a
n:ica, como o atravessado pela Inglaterra a partir dos primeiros anos da questão criminal e sobre as para enfrentá-la, entre elas a idéia de
decada ele 1970, correspondeu um incremento vertical das taxas de encarce- que quem vive em de pobreza e preeariedade está mais inclinado a
rmnellto a uma maior punitividade do repn~ssivo: cometer crimes.
A "radical" [ ... ] afirma que desemprego e encarceramento A entre descmprego e encarceramcnto é por conseguinte,
estão mas ao invés de olhar a criminalidade e as condenações por uma percepçâo da marginalidade social como ameaça à ordem constituída,
como elementos de mediação entre as duas, ela concentrou-se na visão que se torna hegemónica nos períodos de crise económica:
de que "o de~emprcg~ produz criminalidade" e nas maneiras pelas quais
Quando a crise económica se agrava, o Poder Judici<''irio manifesta
esta crença mt1uencla direta ou indiretamente as decisões elas cortes
crescente preocupação com a possível ameaça à orderTl social, pro-
os pareceres dos sociais c as da -\7 '
veniente til: , dos homens
rnais do qlH~ das dos
que pinUlll1 o
negros mal do que í ... L e
llcnte c CIIl de às cl' aumentando o recurso ao encarceramcntu, sobretudu no e~lSO de
. I" ,)
caplta ,.e e.stender a observação ao conjunto dos fatores ideológicos e cultu- delitos contra a na va de que uma
r~[s que InCIdem so~re a relação entre economia e pena 4il . O sistema punitivo deste tipo tenha um efeito inibidor e incapacitador, e que, em conse-
49
nao guarda autonomIa das dinâmicas ideológicas da sociedade: as instituições qüência, possa neutralizar a ameaça .
o limite da economia política da penalidade fordista
e.. Crisis ane! lhe Rising Prison Population in Enb"land Começa, assim, a delinear-se aquilo que nas primeiras páginas se anunciava
and Wales", C IS' l
" ll1 rtlllC .al1G oela Justice, 17, 1982, pp.20-35; S. Box e C. Halc, como o limiTe da economia política da penalidade. A tradução dos conceitos
Unemp!oyment, Impnsonmenl and Prison Overcrowding", in Call1el11pora r v Cri- de estrutura social e pena, nos termos ela relação entre desemprego e encar-
ses, 9, 1985, pp.209-~28; e S. Box e C. Hale, "Unemployment, Crime and Imprison- ceramento, que constitui uma constante ela criminologia marxista, restringe
ment, and lhe Endunng Problem of Prisons Overcrowding", in R. Mathews e J.
indevidamente o campo de observação da relação entre eeonomia e dispositivos
Young~
(ed.), Cal(frontinfJ Crill1e.~,.
Londres 1986 !J!1 7')-99' C H'lle "E-,COnonly~
• , . L -,' , ,_. ___ , • (,. ,
de controle. As transformações que afetam, sobretudo a partir dos primeiros
PUl1lshmcnt and Impnsonment , ll1 COlltcmporary Crises, 13, 1989, pp.327-349.
anos da década de 1970, os dispositivos de controle da sociedade conte111-
47 S. Box. Crime and PliIlishmcnt. Londres McMillan EdllC'Hion
1987,p.158. ' L , porànea, não podem ser referenciadas apenas às mutações do mercado (~e
4R Para .alguns. exemplos eleste "col1spiraciol1ismo", ver os trabalhos já citados de
trabalho e às taxas de desemprego. Na verdade, elas não constituem mms
Jankovlc, .Q1lll1~ey c Wallace e mais os seguintes: R. Vogel, "Capitalisrn and uma representação adequada da dinâmica capitalista atual.
:,ncarcera~!On", 111, Montlz(v Rev~ew, vol. 34, lO, 1983, pp. 30-41; M. Colvin, Em outras palavras, a evolução recente das tecnologias de controle
Contro~JlI1g the Surplus Populatlon: lhe Lalent Functions of Imprisonment anel deve ser inserida no contexto dos processos de mutação que perpas-
We.lfare 10 Late U. S. Capitalism", in B. D. Maclcan (cd.). Thc PoliticaI Ecollom)' af
Cnme. Ontano, PJ:~ntice Hall, 198~, pp. 154-165. Para uma perspectiva hist<5r'ic~,
~e,r C. P:dél!;lS0n, Toward a J'vIarXIaIl Pcnology: Caplive Criminal Population as
------------------------------------------
49S. Box c C Bale, "Uncmployment, Imprisonmcnt and Prisol1 Ovcrcroweling",
Economlcs rhrcats and Resources", in Social Problems, vol. 31, 4, 1984.
cit.,p.2l7.
54
55
No primeiro caso, delineia-se uma correspondência histórica e tendencial
san: a ."~strutura social" no seu conjunto. Estamos falando pois das . t;ntre relações de produção e sistemas de controle. No segundo, ficam claros
subJetlvld~des do trabalho, das formas de organização da ~rodd ão os termos em que esta relação se artícula ciclicamente diante de determinadas
~as ,modaltdades de exploração da força de trabalho contcmporã~ea' circunstâncias históricas. Ademais, o princípio da less eligibility constitui,
orem, do mesmo modo, deve-se também frisar que as taxas de encar~ de certo modo, o nexo de continuidade entre as tendências históricas de
ceraI~ento, que certamente constituem um indicador plausível d longo prazo e as contingências particulares da relação. Independentemente
~evcndade de um sistema penal, não são uma exemplificação exaustiv: das situações específicas, tal princípio define as fronteiras nas quais a condição
as de controle social que vemos desenvolver-se. de quem se submete voluntariamente à ordem constituída deve, em geral,
P~de-se as~im compreender em que sentido a economia olítica d' parecer preferível à de quem é punido por tê-la infringido,
penalidade
d t ' " fordlsta se revela inadequada para
< desc rever .<IS, f ormas de
p produção
< a Três elementos me parecem merecer aqui particular atenção. Em primeiro
Ae su }Jetl.vl~a~e que_se delineiam no horizonte do controle social pós-fordísta lugar, a relação entre estrutura social e penalidade é dinâmica. Tanto de um
,s suas a~al.lses nao levam em conta os processos de transforma ão d . ponto de vista histórico quanto do da análise do presente, a relação se inscreve
~:a~alhob' h1rmtando-se à observação do tratamento penal do deSempr;go dOo num processo de contínua transformação que recusa qualquer representação
nao-tra a ho". ' estática. O objeto da análise é constituído pela relação entre estrutura social
. O que devemos nos pergul1t ar. e' se este '" reduclOnismo" está f e formas de controle, respectivamente nas suas macro-trajetórias históricas
tlvmnente
R . I K' . . na pe rspec f lva materialista originalmente definidaepor
presente e- e nas suas micro-trajetórias cíclicass1 . Em outras palavras, se a análise da
história soei aI pré-capi talista e capi tali sta nos permite afirmar que cada sistema
m~~c ~~: inl;~.l~l;::~~~~l~ ~~~~cl~~O~t~:~:~~(;:té que p~n~o élPo~sívella.nçar de a formas de punir que correspondam às
Poder-se-h ' .' cnmmo ogIa marXIsta?
, ., • < ate a margem extrema do ismo relações de produção, a sobre o contexto capitalista nos permite
ate o ponto .de consecução. da '. f d'
ao pos- 01' lsmo que redesenha detectar as linhas ao longo das quais e~ta correspondência se modula de
em seu conjunto, a estrutura material da produção à qual a . .' quando em quando, em consonância com a mudança de determinados fatores
política
. da pena se d"Inge. T entamos, pois, aproximar-nos
< economIa
deste limiar econômicos e sociais.
retor~ando por um segundo ao paradigma de Rusche e Kirchheimer ar~ Além disso, a relação se revela complexa e tendencial. Por conta disso,
val~nzar algun~ de seus elementos que a criminologia marxista re mai~ não é possível estabelecer uma ligação definida e irreversível: os termos nos
cen e parece deIxar parcialmente de lado. - quais a relação se articula estão sujeitos a uma redefinição contínua, que
Nas páginas .iniciais de Puniçc10 e estrutura social propõe-se uma defini ã depende de circunstâncias políticas, sociais e culturais. Rusche fala expli-
_ ç o
geral do elo eXIstente entre relações de produção e ctormas d e repressao: citamente de correspondência entre sistemas de produção. e formas de punir
como uma tendência de longo prazer; e de forças sociais que influem sobre
Todo modo de produção tende a descobrir formas punitivas ue
corr~sponda.m às próprias relações de produção. É, pois, necessirio
aquela con·espondência. Enfim, o princípio da less eligibility não é traduzível
em um nexo imediato entre indicadores econômicos e indicadores penais, e
anahsar a ongem e. o des~ino dos sistemas peRais, o uso e o abandono
menos ainda, conseqüentemente, na simples relação entre taxas de desemprego
de certas penas, a mtensIdade das práticas punitivas, assim como se
e taxas de encarceramento. É a situação do estrato proletário mais carente
e~tes feno} menos ~or~m determin<;~os pelas forças sociais, in primis
que constitui o limite externo a qualquer reforma do regime penaL Isso significa
p r aque as economIcas e fiscais .
vim:~r out~~ ~dO, no j~ citado artigo de 1933, Rusche individualizava, como
, .' as .m ,as contmgentes de transformação deste elo nas form - 51Sobre a necessidade de distinguir as "macro-trajetórias" e as "micro-trajetórÍ-
SOCIaIS capItalIstas. açoes
as" da relação entre economia e penalidade, ver sobretudo D. Melossi, "Punish-
ment and Social Action: Changing Vocabularies ofPunítive Motive Within a politicaI
Business , in Current 011 Social Theory, VI, 1985, p. 186.
50 Rusche
. e K'Irc hh'
elmer, Pena e struttura ~f>,~inln cit., p. 46. 57
56
dize~ que, l:a .de~iniçã~ das frontei~'as nas quais a less eligibility opera, outros O conjunto das condições SOClUIS e políticas associadas ao ciclo
fatores SOCIaIS ll1tervem para delInear a condição do proletariado e a sua político-económico não é determinado por este nem lhe é secundário.
relação com o regime penaP2.
Ao contrário, são essas que tornam possível o seu desenvol-
:Vale dizer que a expressão "a situação do estrato proletário mais baixo vimento, Em outros termos, o vínculo entre ciclo económico e fe-
socIalmente significativo" requer uma interpretação muito mais extensa do nómenos político-sociais correlatos não é o produto de "leis" econó-
que a permitida pela ao ou ao mercado de micas que sobredeterminam o valor de outras
Ela rc.mete, na realidade, à composição da força de trabalho, às formas de vanaveís sociais. Ao contrário, o vínculo é resultado da obra de
organlza~ão da p:'odução e às de classe. em seu conjunto S3 • Isto é, atores sociais cUJo a interacão
->
faz tluluar 55os indicadores económicos,
dev~mos mtroduzlr no nexo entre estrutura económica e controle social aquele seguindo uma trajetória quase oscilante .
con~unto de transformações da produção que, ao definir a condição conjunta A sucessão destcs delos redefine continuamente tanto os termos da relação
da torça de trabalho contemporânea, inscreve este nexo no universo dos entre economia e penalidade quanto, e sobretudo, as formas de construção
modos de organização do trabalho, de governo, do conflito de classe e de social da própria relação, as quais se traduzeni por urna demanda social de
gestão da marginalidade social. severidade penal e de intransigência para com o desvi 0 56. Em outras palavras,
Podemos. então ampliar o horizonte do princípio da less eligibility e situá- durante os períodos de rec~ssão económica, de aumento de desemprego e
lo na encruz!lhada entre mercado de trabalho, governo do social e deterioração das condições de trabalho, entra em cena uma nova
Os dois meiros dctcrminam a I
(O estrato
Uma quc se mostra severa para com os fenómenos de desvio e
que, por sua define o de das constitui terreno fértil para as de Imv aml orc/er
de cO~ltrole54 isso significa il também a vertente da elites no . Este "clima moral" difuso na sociedade ser considerado
r~laçao entre economia e pena. Não é de fato possível definir a "sianificat'- como o tcrmo de mcdiação entre dinâmicas da economia e práticas de controle:
vldade social" dos estratos marginais se não se levar em conta ta;bém ;s A relação entrê economia e encarceramento não deveria ser concebida
p~'ocessos ideológicos e culturais mediante os quais o "valor social" dos como diretamente causal. Antes, dever-se-Ía conectar a mudança
dlversos segmentos da força de trabalho é socialmente definido. económica com o clima moral que costumeiramente a acompanha,
. :-- esse ponto, torna-se possível desenvolver linhas interpretativas que não se admitindo que as orientações empreendidas pelas partes envolvidas
JImItem a fornecer uma racionalização a po.'ite riori da correlação estatística entre no conflito económico estejam profundamente relacionadas a atitudes
57
desel~lprego e encarceramento, mas que, ao contrário, coloquem estas COf- sociais mais gerais e historicamente determinadas .
~'elaçoes entre os processos de mudança da ecol2Pmia em seu conjunto. Melossi Em períodos de crise económica, a criminalidade se torna o tema privile-
Jul~a. que estes processos têm um andamento cíclico e, por isso, refere-se a giado do discurso público, permitindo assim às elites políticas catalisar, sob
polItIcai busÍness cycles:
o do excesso
Antes de proceder a uma analise mais aprofundada dos processos de
transforma~ao da prodw;;ao e investigar as hovas coordenadas da relac;ao
entre essas transformac;6es e os processos de mudanc;a que afetam as
estrategias de controle, faz-se necessario estabelecer duas premissas.
A primeira, de ordem metodo16gica, diz respeito a utilidade do termo
"p6s-fordismo", ao qual recorro com tanta freqUencia neste trabalho. Como
dizia nas paginas introdut6rias, pas-fordismo e hoje uma expressao comum
tanto na lit;yratura economica (ao menos na nao ortodoxa) quanta no lexico
socio16gico e politico. Porem, a difusao de um termo, pOl' mais ampla que
seja, nao significa necessariamente ser sinonimo da sua eficacia explicativa e
da adequa<;ao para descrever os fenomenos a que se refere. "Pas" indica
sernpre urn processo de transic;ao "daquilo que nao e mais" para "aquilo que
ainda nao e"; isto e, denota dinamicas de transformac;6es que, se pOl' um lado
permitem pensar que nada e rnais como antes, pOl' outro nos surpreende
despreparados para clescrever a nova condic;ao em todos os seus aspectos.
~este sentido, p6s-fordismo e um termo que alude mais a determinadas
tendencias e ao espac;o indefinido que se estende entre 0 "nao mais" e 0 "nao
ainda", do que a consoliclaC;ao de um paradigma claramente definivel. Sera
portanto importante considerar as argumentac;6es presentes nas paginas que
se seguem como fruto da tentativa de identificar as tendencias paralelamente
63
observáveis nos universos da produção e do controle social e de explorar o
território, ainda confuso, no qual elas se desenvolvem. revisão radical das políticas keynesianas de apoio à despesa pública e de
intervenção pública na economia, que permitiam. mant~r ~u resta.belec~r,
A segunda premissa, ao contrário, diz respeito à necessidade de "qualificar" periodicamente, os precários equilíbrios das economIas capItalIstas oCldentms.
o modo pelo qual é usado o conceito de pós-fordismo. O próprio fato de se
Nesse meio tempo, muda também a geografia da produção capitalista em
referir mais à percepção de tendências do que à identificação de um modelo
nível mundial. O capital não é mais apenas transnacional, móvel, capaz de
definido faz com que ele possa ser utilizado para descrever fenôme!10s diversos
expandir-se e atravessar as fronteiras dos Estados, mas tam?ém globaL. Ele
entre si e muitas vezes até mesmo contraditórÍos60. Nestas páginas, o termo
criou um espaço de valorização sem confins, no qu~:l n~o. eXIstem fronteiras,
pós-fordismo descreve processos de transformação do trabalho e da produção
instituições nacionais soberanas e delimitações terntonms do poder. O novo
que, sobretudo no curso dos anos 1990, situaram-se no centro do debate
território do capital global é o Império, um "espaço lis~". no qual c.irculam
político-intelectual amadurecido no âmbito do marxismo neo-obrerista
61 fluxos de dinheiro, força de trabalho e informação, sUJeltos a reglmes de
itaJian0 • Trata-se, certamente, de uma perspectiva parcial- mas talvez mais
controle diferenciados 62 •
útil que outras, sobretudo por sua atenção às dinâmicas de conflito que sempre
se entrelaçam às transformações da produção a iluminar aqueles aspectos A passagem de um regime de pleno emprego para uma condição em q~e
da transição pós-fordísta que parecem incidir, de modo mais significativo, o desemprego' representa um fato "estrutural", a passagem de uma economIa
sobre o terreno do controle social. > orientada para a produção para uma economia da informação, a passagem da
centralidade da classe operária para a constituição de uma força de trabalho
Encontra-se, pois, em andamento um processo de transformação global
global (que, como veremos, assume as características c:e uma n:llltl~dâO)
da economia que sanciona o esgotaillento do modelo il/(lllstrial fordista e
não são fenômenos que perpassam somente os palses capitalistas
ao mesmo uma con de todo das cie
e os individualizados das suas forças de trabalho.
nova cnvolve, simultaneamente, os planos
As profundas que ,. entre os ,. de
em torno dos quais se desenvolveu o sistema capitalista ocidental a partir do
que prevalecem nas diferentes áreas geografIcas do Imp~n,? (~em con~o .no
segundo pós-guerra. De um lado, no que concerne aos sistemas produtivos,
interior de suas províncias) não indicam, de fato, a coexlst~n~Ia de esti~glOs
vemos consumar-se a progressiva "explosão" do paradigma taylorista de
diferenciados do desenvolvimento capitalista, como se estlvessemos dIante
organização do trabalho: a grande fábrica tende a desaparecer do horizonte
de um modelo pós-fordista no "Primeiro Mundo", fordista no "Segund?'.' e
da metrópole pós-moderna. De outro, e contemporaneamente, consuma-se
pré-fordista no "Terceiro". Essas diferenças são, acima de tudo, o efeIto
a crise da estratégia fordista de regulação da dinâmica salarial, isto é, rompe-
imediato das estratificações hierárquicas impostas à força de trabalho global
se o círculo virtuoso que, durante boa parte do século XX, permitiu manter
pelo domínio capitalista sobre a produtividade socia1 63 .
e!n conjunto o rendimento operário, a produtividade social e o consumo de
massa. A tudo isso se acrescenta, tfze last but llOt lhe least, um processo de Limitando o nosso discurso às tendências que determinam os efeitos de
maior alcance sobre o plano da relação entre dinâmicas da produção e formas
do controle, gostaria de me deter principalmente em dois aspectos da
transformação em curso. O primeiro, que chamaria de "quantitativo", refere-
uma interpretação "anglo-saxônica" do conceito de pós-fordísmo, ver, por
exemplo, W. Bonefeld e J. Holloway (eds.), Post-Fordism and Social Form. A se à progressiva redução do nível de "emprego" da força de trabalh? e,
Marxist Debate 0/1 lhe Post-Fordist State. Londres, MacMillan, 1991; R. Burrows conseqüentemente, à drástica diminuição da demanda de trabalho VlVO,
e B. Loader (eds.), Towards a Post-Fordisl1l Welfare State? Londres, Routledge, expressa pelo sistema produtivo a partir pelo menos da segunda metade dos
1994. Para uma ampla resenha do debate internacional, ver A. Amin, Post-Fordism. anos 1970. O segundo, que chamaria de "qualitativo", diz respeito às mudanças
A Reader. Oxford, Blackwell, 1994:
61Os momentos mais significativos podem ser reconstruídos através das revistas
Luogo comune, DeriveApprodi, Vis à Vis e Futuro Anteriore, que
62 Hardt e cito
no decorrer desses anos serviram de espaço para o debate. 63
p.288.
64
65
ocon'idas nas formas da produção, na composição da força de trabalho, nos Este processo teve início no começo dos anos 1970 e constitui, por um
processos de constituição das subjetividades produtivas e nas dinâmicas de lado, a resposta capitalista à recusa operária da disciplina de fábrica, à
valorização capitalista em que elas estão imersas. insubordinação e ao absenteísmo, à do trabalho assalariado
expressa pelos movimentos revolucionários dos anos 1960; por outro lado, a
A entre estes aspectos da nos permite descrever a
reação do sistema empresarial ~l e à dos
do fordismo ao como a passagem de um
carência desenvolvimento de um de estra- de bens
Já na metade dos anos 1980, a fábrica fordista se apresentava como um
orientadas para a disciplina da carência) a um regime produtivo definido
pelo e).:cesso Ce conseqüentemente, pela de orientadas deserto no qual o ecoar e das máquinas ao longo da
para o controle do Seria, de todo impróprio pensar que linha de foi substituído por
estas duas tendências (redução do trabalho necessário e mudanças nos pro- "inteligentes", que a de poucos
cessos de produção) se manifestem independentemente uma da outra, como crescentes da de trabalho, expulsas dos contextos produtivos cm
se fossem os extremos opostos da transição pós-fordista. Ao contrário, elas reestruturação, foram, assim, alimentar ó exército da população desempregada,
se inscrevem conjuntamente numa força de trabalho social afetada, con- não empregada e subempregada, ou preencher os vários nichos do setor
juntamente, por processos de transformação cujo efeito principal é exata- terciário, aqueles âmbitos complementares ao compartimento industrial, cada
mente a crise de um conjunto de disti cOllsolidadas. Pense-se nas dis- vez maiS zados ade dos
ti entre trabalho e entre produção e ,'p'~'·'-"1 entre dos rendimentos,
comunicativo. o
de incerteza, a
de descrever estas tendências e os seus efeitos separa-
porque isso nos permitirá, por um lado, esclarecer em que sentido nibilidade absoluta à e as novas que se tornarão um
68
se pode dizer que o pós-fordismo inaugura um regime de excesso e, por aspecto existencial, estrutural e paradigmático da nova força de trabalh0 . A
outro, identificar o sujeito de tal excesso, a nova força de trabalho social, restrição dos espaços de acesso ao emprego regular, sobre o qual converge
aquela multidão produtiva sobre a qual, como veremos, se recortam as novas o ataque político aos direitos sociais, produz uma hipertrofia das economias
estratégias do controle. submersas, dos circuitos produtivos paralelos aos quais aqueles que não têm
O excesso negativo
65 Pam uma análise (voltada para o caso italiano) da crise do paradigma fordista,
O primeiro dado, portanto, é que a economia pós-fordista parece depender
que leva em consideração tanto os aspectos ligados ii conflitualidgAe do trab.alho
cada vez menos da quantidade de força de trabalho diretamente empregada
quanto às disfunções internas ao sistema fordista derivadas da sua e, ainda,
~o processo de produtivo. A introdução de novas-tecnologias (principalmente
às dinâmicas de saturação dos mercados que, posteriormente, aceleraram os pro-
mfom:áticas) diminuiu progressivamente o quantum de trabalho vivo neces- cessos de reestruturação, ver mais uma vez Fumagalli, "Aspettti deli' accumulazione
sário à valorização do capital, até reduzi-lo a um mínimo:'
flessibile in Italia", ciL
O progresso tecnológico informático não amplia a produção, mas a 66 Uma descrição fascinante do processo de reestruturação que ocorreu na ~iat ~
reestrutura e a modifica através de um constante incremento de flexi- partir dos anos 1970 e sobretudo dos efeitos sobre a subjetividade operária fOI
bilidade. Tudo isso não cria emprego, mas, ao contrário, o destrói, feita por M. Revelli, Lavorare ln Fiat. Da Valletta ad Agnelli a Romiti. Opera!
O desemprego não é mais, portanto, um fenômeno puramente sindacati robot. Turi 111, Garzanti, 1989.
.
conJuntura,I mas'snn estrutural64 . 67 A. Gorz, Miserie del presente. Ricchezza dei possibile, trad. it, Roma,
Manifestolibri, 1998,
64A. Fumagallí, "Aspettti dell'accumalazione flessibile in Italia", in S. Bo!Oglla e 6" .
'o Para uma reconstrução dos efeitos "1'
)logra'I"ICOS "d este cI" 1se"'uro
eVlr 11. b '
!Jrecário
. .
A. FumagaIli Corg.), !l lavoro autollomo di seconda generazione. Scenari dei e flexível, ver R. Sennct, L' Homo jZessibile. Le cOllsegllenze dei /lliOVO capitalis-
posfordismo in Itália. Milão, Feltrinelli, 1997, pp. 137-138. mo sulla vira personale, tmd. it. Milão, Feltrinelli, 2000.
67
66
garantia são obrigados a recorrer para se assegurar de fontes alternativas de . . st é aquelas que remetem à noção de trabalho no sentido
prod utlvas - I o , , , -' 1 'd
renda, Setores inteiros da produção começam, assim, a apoiar-se em mercados , ' ' d teI'mo _ nas quais os indiVIduas estao cont1l1uamente envo VI os,
propno o , ,.' ' h .d
não regulados, não tutelados, muitas vezes no limite da legalidade, em que e o limite imposto pelo sistema capitalIsta, a fun de que seja recon eCl o a
' 'dades o valor social de "trabalho". Em outros termos, o desemprego
domina o trabalho intermitente, temporário, flexível às exigências contingentes essas at IV1 . l 1-
de empresas que, de acordo com a filosofia do just IIZ time e da lecm-pro- se configura como a margem de excesso da p,rodutividade soc~a. em r~ a?ao
duction, contratam fora fases isoladas do processo de produção, É a rees- , _ i'f'cial entre trabalho e emprego Imposta pelo dommlO capitalista
a separaçao mIl • < - ' • 1
, . d d O desaparecimento do emprego nao eqUlva e,
truturação do setor industrial que determina estes processos, a SOCIe a e / f d'
produtiva, descentramento, outsourcing, downsizJllg e terciarização deses- na verdade, ao desaparecimento do trabalho. Ante~, no pos- or lsmo~ o
truturam a força de trabalho operária, fragmentando-a cm um arquipélago de trabalho, entendido como um conjunto de ações, pef1ormanc~s : p~'estaç~es
trabalhadores atípicosó 9 . ' cad'l vez Inal'" até integrar toda a eXlstencla socw1.
prod utlvas, <. , -
Aquilo que experimentamos, efetivamente, é uma radIcal se'pa~açao do
< < "
e
71 Ver por exemplo A. Gorz II lavoro debole. Oltre lc; società salarial , trad. dit.
, , , o problema a
69 Para uma análise dos efeitos de fragmentação e perda de segurança (econômi- 1994 Porém é preciso não esquecer que mesmo
R oma, L avo,ro ., . ' , t balho com
ca, cultural e existencial) que acompanha a transição do trabalho operário às falta de reconhecimento de determinadas prátIcas SOCIaiS como . r~ < ,
. , d 'd d ' conStitUI um terreno
novas formas de trabalho "atípico", ver S. Bologna, "Dieci tesi per la definizzione tudo aquilo que daí deriva em termos de dIreIto e Cl a ama, . ' tOdo
. ' d 'b lh Pensemos neste sen I ,
di uno statuto dei lavoro autônomo", in Bologna e Fumagalli (org.), Il lavora de conflito constante entre capital e força e tra a o. ' ' ,. . recO-
autol1omo di secollda cit., pp. 13-42. . ' _ 1 d trabalho e nas lutas para o
nas críticas feministas da dlvlsao sexua o
70 Miserie dei presente. Ricchezza del cit., p, 10. . b II como trabalho
nheclll1ento do tra a 10 69
68
- d 'l~ 'u do poder e do control~ que este excesso determina
exclusao a VlO enCh
fordista-keynesiano e do Estado social que fora construído sobre aquele , d ' b lh e por outro o fato de que, neste processo, o
pacto resolve-se numa crónica i nadequação por parte das instituições de sobr~ ~ força ~ tI a a o , 'negado, Isto é, este domínio se
governo da sociedade cm garantir inclusc/o por meio do trabalho. A domll110 do capital com a força de
entre constituição material da sociedade e formal das revela em toda a sua
é máxima. São todas as margens de entre trabalho
trabalho e O que permanece é um contínuo excesso da
institucionais destinados a
de governo da sociedade, o excesso
durante o quea da
a exclusão social e a existencial eram a do trabalho humano nee~ss:ir~o à , A
de um déficit, de uma inadequação dos indivíduos para um aspecto da transfounaçao em ," , sobre os
com um sistema que, todavia, tinha garantir, graças aos incide, de fato, diretamente sobre as propnas íOl~11as do t 'do da prestação
instrumentos políticos de mediação da relação entre economia e sociedade, processos de organização que a conforl~lal:l e ,~oble o cO~i~~r que o trabalho
inclusão e cidadania virtualmente universais, hoje isso não é mais possíveL ,~ t ra b'ci 1110 ' Desse
ue .,
de "qua ltatlvo , ~ aI
instrumentos de medi parece haver
tende a , , '
, " nado se tOln,u
'
d a su a relação 111stonca com um
, ' , que d'I f'ICI'I men te pode l'esolver-se no
,t criatiVO
Do ponto de vista capitalista, podemos dizer que o Welfare State pertence pelformance comumeatlva, a o ." da lntureza"
ob'eto imediato do , momento produtivo que ena uma segu~l c ~
à fase histórica na qual era o capital que se manifestava como excesso sobre
a força de trabalho, O desenvolvimento histórico do capitalismo industrial (aJvirtuan, ao invés de limitar-se a transformar o mundo natLllu:, ,
fordista necessita de aparatos de governo da população e de dispositivos de ~ordismo - e o tavlorismo como sua tradução orgamzatlva - se
Se o c '" _ , , ' ';' direção do trabalho e
controle social que permitam elevar ao nível das relações de produção uma fundava sobre uma nítida separaçao entre cllaçào,. 1 h ,', tal fazendo
força de trabalho "carente", inadequada, relutante, Vimos, a propósito do execução da tarefa, o pós-fordismo parece tornar este CIC o 0lIZ~~utiv~73
papel exercido pela prisão na produção do proletariado, que eram as carências, da inovação e da criação os fundamentos de todo processo pro ',,
as insuficiêneias, além da rebelião da força de trabalho, que se procurava - ' ca ao longo das ftleu as
A'
A repetição das operações, a coordel:açao Sll1CrOl:l. '- ';' ' , f r uica são
controlar, sob o manto da cooperação produtiva, do autocontrole dos produtivas pré-constituídas a partir ele cima e a subordmaçao hle~~ ~ valo~ na
indivíduos, da capacidade de inserção no processo produtivo. Nesse mesmo tay lorista do trabalho que tendem a per er c ,
cenário se inscrevia também a lógica profundamente disciplinar do Welfare
State, que permeava todas as instituições sociais, em primeiro lugar a prisão,
72 Essa vertente' é em si mesma controvertida: caso 'd ;-) emergem setores
Este tipo de dispositivo disciplinar cai por terra agora, e é o que se - d d t rminados 'lmbltos ela pi o UÇdC ~
progressiva automaçao e e e . , . d terciário desqualificado)
mostra carente em relação a uma força de trabalho tornada flexível, nômade, a estes em to o o , '''t' 'o)
muitas vezes _ ". . , (ens",se no Sudeste àSla lC ,
móvel: multidão, A multidão produtiva excede as relações de produção ou até mesmo em "sistemas de produçao lntelloS p . ~ .
capitalistas no momento em que vive diretamente a il1adequação do conceito em que a automação é quase inexistente, , "" d' 1993' e B.
de trabalho-emprego e experimenta em si mesma a violenta negação dos " -[/ t tnd it TUrim, Emau 1, '
73 Ver sobretudo T 011no, Lo splnto 0)'0 a, < .' , jJrassi deZ modelo
70
empresa flexível pós-fordista. Ao contrário, eles representam verdadeiros trabalho e tempo de não-trabalho. De um lado, na realidade, o tempo de
obstáculos à produtividade. A interdição imposta aos operários de se reprodução da força de trabalho imaterial torna-se tempo diretamente
comunicarem, que na fábrica fordista era sistematicamente acompanhada da produtivo, uma vez que a empresa pós-fordista confere valor a competências,
injunção de incrementar o rendimento conjunto dos mecanismos através de habilidades, atitudes que se desenvolvem (ou melhor, que se constituem)
parcializadas e perfeitamente sincronizadas no tempo e no espaço, sobretudo durante o tempo de "não-trabalho". Por outro lado, o trabalho
cede agora a vez para a do trabalho Illllltiskil/ed, cujo requisito principal imaterial se caracteriza exatamente como processo de produção daquelas
é exatamente a de não se repetir nunca, de não de relações e comunicativas nas quais se desenvolvem competências,
acordo com uma ordem predefinida: habilidades e atitudes a serem valorizadas.
Na da manufatura e depois o longo apogeu da fábrica O devir lingUístico do trabalho traduz-se, assim, em produção de sentido,
fordista, a atividadc de trabalho é muda. Quem tnlbalha, cala. A comunicação e laço social, i.e., em produção de subjetividade, em modo de
produção é uma cadeia silenciosa, na qual é admitida apenas uma subjetividade. Dissolve-se, destarte, a distinção tradicional entre estrutura
relação mecânica e exterior entre antecedente e conseqüente, ao material da sociedade - entendida como universo da valorização capitalista
mesmo tempo em que se impede qualquer correlação interativa entre das subjetividades e superestrutura - entendida como universo de formação
simultâneos ( ... ) Na metrópole pós-fordista, ao contrário, o processo daquelas mesmas subjetividades. Nas palavras de Negri e Hardt:
de trabalho material pode ser descrita, empiricamente, como conjunto A superestrutura colocada ~o trabalho e no universo em que vivemos
de atos lingUísticos, de interação simbólica. é um universo de redes lingUísticas produtivas. As linhas da produção
Em parte, [isso ocorre] porquc a do trabalho vivo se se cruzam e se confundeln !lO mesmo contexto
agora, ao lado do
( ... ) da
c mas o as evoluem de
processo produtivo tcm com0 :'matéria-prima" o saber, a informação, o capital constante tende a ser constituído e representado no interior
7
a cultura, as relações sociais .
do capital variável que está nos cérebros, nos corpos e na cooperação
• 75
O trabalho se torna lingüístico na medida em que a comunicação se toma dos sujeitos produtIVOS .
mercador~a (sob a forma da mercadoria-informação) e o imelecto, entendido Um exemplo significativo dos processos que estamos descrevendo é
como conjunto de faculdades comunicativas, expressivas e inventivas, torna- representado pelo "logo"76. Na economia pós-fordista dos signos, o logo não
se o /lOVO utensílio da produção pós~fordisra. Assim, os tempos e lucrares é mais apenas uma marca que permite distinguir um produto de outro, idêntico
que na sociedade-fábrica separavam o universo da produção da esfe;a da mas de fabricação diversa. Ao contrário, ele encerra o valor lingUístico ou
reproduçãó são desestruturados: o trabalho, progressivamente, retira-se do imaterial do próprio produto, torna-o parte de um estilo ~e vida e faz dele um
perímetro da instituição fechada. Ora, a produtividade não depende mais medillln da comunicação social. O logo contém em si uma experiência relacional
tanto de uma gestão racional e economicamente eficaz dos recursos internos - veicula e produz subjetividades. Mas o que faz dele um dispositivo de
à empres~ (dos seus fatores produtivos imediatos) quanto da capacidade
empresanal de colher, compreender, decodificar fluxos de conhecimento
resíduos de experiência social difusa - tais como modos, linguagens, rede~ 75 Hardt e Negri, Impero, ciL, pp. 356-357. Ver também M. Lazzarato, Lavoro
de relação (aquilo que se define como "externalidade posítiva") _ e conferir- immateriale. Forme di vira e produzione di soggettività. Verona, Ombrecortc,
lhes valor. Nesse com à nova de trabalho imaterial, 1997; P. Vimo, Mondanità. L'idea di "mondo" {ra sensibile e s/era
torna-se cada vez mais problemática uma real separação entre tempo de pubblica. Roma, Manifestolibri, 1994.
76 Ver, naturalmente, N. Klein, No Ecollomia globale e Illlova contestaziolle,
trad. it. Milão, Baldini&Castoldi, 2000 do T.: edição brasileira Sem A
"Lavara e h"·'"F-.''''~ , in Zanini e Fadini tirania das marcas em Hill vendido. Rio de Janeiro, Record, tradu-
Lessico
p.181.
de
72 73
produção de subjetividades é precisamente o fato de que ele mesmo é o . te o tempo e os recursos necessários à reprodução do utensílio
economlcamen / ' . 77
resultado da valorização de subjetividades. Em outras palavras, para ser eficaz de trabalho hegemônico na produção pos-forchsta, o mtelecto . .
- isto é, produtivo -, o deve poder captar, arrancar e interceptar Marx prevê as transformações que vemos .desenvolver-se e ~efll1e a
determinadas formas da relação social e valorizá-las como atributo de um nova capacidade produtiva social como generalmtellect. O !I1tellect
É nesse sentido que a empresa sta se caracteriza como é, de acordo com a uma nova
que valoriza fluxos de linguagem, símbolos c emerge à
transformando-os em mercadorias. Mas isso que a empresa valoriza social:
diretamente a esfera da do da existência social: O desenvolvimento do capital fixo mostra até que ponto o saber
se consuma o fim da disti entre estrutura material e social geral, knowledge, tornou-se produtiv~l .e, por
da sociedade. conseguinte, as condições do próprio processo VItal da SOCiedade
De outra é a vida inteira a ser ao a do são passadas para o controle do General Intcllect" e remode1ad~~ de
momento em que são as faculdades humanas mais comuns que constituem acordo com ele, até o ponto ele as forças produtIvas :or:m
o núcleo da produtividade pós-fordista: capacidade de linguagem, faculdade produzidas não apenas na forma do saber, m~s tamb~~11 como orgaos
de expressão e invenção, propensão à comunicação e à afetividade. imediatos da práxis social, do processo de vida real
A de das
dc
nos. I t es' COll1 <'I
e contrasan va da
capitalista. O comando empresarial se coloca diante desse~ p:"ocess<?s ~o"mo
Sea e a relacionalidade se tornaram elementos ,. externo como uma camisa de força que hlmta as mfl!1ltas
puro d oml1110 , . d t '0
constitutivos da produtividade, a cooperação social representa certamente a potencialidades da cooperação, ao mesmo tempo em que as encerra en [
sua forma de realização. Compreende-se, assim, por que o processo de da forma da valorização:
produção depende cada vez menos de prestações singularizadas às quais o O trabalho vivo é organizado no interior da empresa, independen-
comando capitalista pode impor uma organização racional do alto, como temente do comando capitalista e apenas num segundo tempo, e
acontecia na fábrica taylorista. A cooperação produtiva entre os do formalmente, esta cooperação é sistematizada ~10 comando. A coo-
trabalho pós-fordista se furta a qualquer lógica disciplinar que pretenda vinculá- peração produtiva se coloca como precedente e mdependente d.a fun-.
la a uma repetição, a uma sincronização, a uma ordem cuja é antitética ção empresarial. Portanto, o capital não se apresent~ como organ.lzad~l
ao processo de comunicar. A rede substitui a linha de montagem. A ~npresa da força de trabalho, mas como registro e gesta? da orga~lzaçd~
em rede obtém e valoriza uma cooperação que se produz de baixo e se alimenta autônoma da força de trabalho. A funçflo progreSSIva do capItal esta
79
de trocas lingüísticas e simbólicas, com relação às quais qualquer forma de terminada .
organização rígida representa um limite que dificulta o seu livre fluir.
forças da ciência e da
Mas se isso é verdade isto é, se a produtividade do trabalho depende 77 "De um lado ele [o capital] evoca, portanto, to d as as .
< , • - " 'fim de tornar a
cada vez mais daquilo que, no passado, seria definido como o universo do natureza bem como da combinação SOCIal e das relaçoes SOCIaiS, à 1
' . d' de trabalho ne a empre-
nâo-traballlO, e se além disso é a cooperaçâo (e não a competição) entre os criação da riqueza (relativamente) Independente o tempo < .' " TI
" '" forças SOClalS aSSll
sujeitos que constitui o pressuposto material deste sistema de produção -, g ado Por outro lado. ele pretende medir as glgantt:scas < - ' ·OS
. " ..,
evocadas a, medida do tempo , e apnslOna-las nos 11111
l' 't
e ques ,sao necessan ..
então, ao lado da crise das categorias tradicionais de que vimos falando, . I "t I" de/la cnttca
.'.'
para conservar o vaI 01 Ja cna"do (K Marx
., Linealllent! fonG
. amell
78 a I
40"))
perfila-se também a da "lei do valor". Quer dizer, do projeto capitalista de
dell' economia política, trad. it. Florcnça, La Nuova !taha, 19 ,p. -"
medir, através do tempo de trabalho, o espaço do desenvolvimento humano
78 Idem, p. 403.
que permite à produtividade social exprimir-se. Torna-se impossível quantificar
79 Hardt e Negri, Illavoro di Dioniso, cit., p. 103.
75
74
tempo, tanto os aspectos de hiper-inc1usão e centralidade do trabalho imaterial
o controle capitalista se exerce LI posteriori sobre esta nova força de
no que concerne à produção pós-fordista, quanto ao fato de que esta força
trabalho, não mais como determinação dos pressupostos organizativos que
de trabalho social alude, constantemente, à possibilidade de superar o
tornam possível a produtividade social, mas como pura expropriação
parasitismo do capitaL Isso prefigura um horizonte de produtividade livre e
(desvinculada, de fato, de uma troca de equivalentes tornada impossível) de
de cooperação social não comandada.
uma produtividade que tende, continuamente, a extrapolar as fronteiras da
valorização. Não há dúvida, ademais, que esta expropriação finalmente ocorra. Multidão
Não pretendemos, é certo, afirmar que agora a força de trabalho social esteja Pelo que foi dito até agora, poder-se-ia ter a impressão que existe uma
materialmente livre do comando capitalista. Ao contrário, o que devemos profunda separação entre aquilo que definimos ~or excesso negat.ivo e excesso
investigar é exatamente a formação de novas modalidades de controle da positivo. Isto é, poder-se-ia pensar que os dOIS termos - refendos, respec-
força de trabalho imaterial, tornadas necessárias pelo desenvolvimento de tivarnente, a processos quantitativos c qualitativos de transformação do tra-
uma cooperação social que excede a relação capitalista. balho descrevem aspectos até mesmo contraditórios da transição em curso:
Sabemos, por ora, que se trata de formas de controle que não remetem de um lado, a força de trabalho expulsa do processo produtivo, do outro, a
mais a um domínio capitalista "interno" ao processo de trabalho, mas sim força de trabalhoi1iper-integrada; de um lado, massas c:rescent~s de sujeitos
que se articulam a partir de um comando externo e que, portanto, materializam que excedem as exigências do sistema, do outro uma anstocrac.Ia do trabalho
um poder mais "político" do que econômico do capi tal. Definiria como político imaterial que se coloca exatamente no seu centro. Indo-se maIS longe nessa
o controle que o capital exerce hoje sobre o trabalho exatamente para evidenciar reflexão, poder-se-ia julgar que cxatamente a progressiva centralidade do
a retirada do domínio de um econômico fundado sobre trabalho c de alta contribui para a
a idéia de troca de para se a uma relação puro comando. exclusão e a estratos da de trabalho que
No fordista, a valorização capitalista estava ligada a formas de orga- apresentam como excesso com ao sistema
nização científica da fábrica que permitiam maximizar o rendimento do trabalho Se assim fosse, dever-se-ia talvez concluir que a transição ao pós-
operário a partir do interior do processo produtivo. Hoje, a valodzação depende fordismo representa uma vitória, provavelmente definitiva, do capital so~re
da possibilidade de controlar de fora e de impor a forma da competição (e, a força de trabalho. O domínio capitalista abandonaria o terreno do. c.onfllto
subrepticiamente, a lei do valor) a atitudes produtivas que, por sua natureza, contra o trabalho para deixar que ele se desenvolva entre os sUJeI~os d~
são cooperativas80 . trabalho. O mesmo raciocínio poderia ser estendido, em segUlda, a
O que definimos como "excesso pós-fordista" configura-se aqui como composição global da força de trabalho: à crescente informatização da
excesso constante de potencialidades produtivas, de laços de cooperação, de produção em alguns países capitalistas dominantes contrap?:-se, de fat~:. a
formas da comumcação com respeito às geografias da produção impostas deterioração das condições de vida e trabalho naquelas reglOes do Impeno
por uma racionalidade capitalista reduzida a domínio. O capital - não mais onde a autOIllação não ocorreu.
em condições de governar ativamente, a partir de dentro, a produtividade Este ponto de vista não é novo e representa o .11úcl~? :entral. da a;,gu-
social, visto que esta excede as formas capitalistas de racionalização do real mentação de todos aqueles que recusam a categona de pos-fordlsm~ ou
-limita-se a exercitar um controle, a expressar-se como puro limite externo contestam que esta reúna condições suficientes para descrever o ~conJunto
em relação a uma cooperação produtiva que prefigura a sua obsolescência. das transformações que atingem a força de trabalho conten:poranea. Em
Eu falaria, portanto, de excesso pós-fordista para evidenciar, ao mesmo resumo, quando se fala de pós-fordismo estaríamos nos refermdo apenas a
uma elite restrita do trabalho informatizado, deixando de fora tanto parcelas
crescentes da força de trabalho d os pmses' "domll1an
. te,s" quanto - e sobretudo
. .
80 "Com isso a contradição da exploração é deslocada para um nível altíssimo,
- slstemas produtIVOS ll1telros os pmses omll1a os "André
. . ' . d ' "d . d . Gorz sll1tetlza
onde o sujeito principalmente explorado (aquele técnico-científico, o cyborg, o eficazmente esta perspectiva quando afirma que "é insensato ~presentar
operário é reconhecido na sua subjetividade criativa, mas controlado na como fonte da da identidade e do desenvolvllnento de
da que exprime" (ibidem, p. 105).
77
76
I
todos um trabalho cuja função é a de com que haja cada vez mais de trabalho contemporânea se configura como totalidade produtiva indistinta,
menos trabalho e salário para todos "81, como conjunto de potencialidades cooperativas que escapam a qualquer
O nosso problema não é, certamente, contestar a validade destas regulamentação: nesse sentido, ela é uma multidão.
de fato, É indiscutível , Na teoria política clássica, o conceito de "multidão" se define em contra-,
crescentes ao de . No De Hobbes considera a incapacidade de dis-
não a "liber- entre povo e multidão como a estrada que leva à c,
temente, à queda dos governos. "Povo" é a entidade que exprime uma vontade
geral única por intermédio do querer de um único indivíduo que representa a
caracterizadas pela i e todos. "Multidão", ao é o conjunto indiferenciado dos sujeitos aos
da I~esr~a f~rma q~e an:plos setores da produção nos quais a infor- quais uma única vontade e uma única nção podem ser referidas. A sedição
matlzaçao nao se faz presente. E também verdade que o devir imaterial de nasce não quando o povo se rebela contra o soberano;mas sim quando os
alguns circuitos produtivos tenha, no máximo, possibilitado que outros con- cidadãos se revoltam contra a cidade, isto é, quando a multidão se ao
textos da produç~o pen~ane~am mais materiais do que nunca, ou que, final- pOVO
S3
.
mente, o trabalho lmatenal seja a forma de trabalho que atualmente "comanda" Referido, portanto, à realidade produtiva contemporânea, o conceito de
as outras.
multidão identificar uma de trabalhO dctcrmi-
De resto, é que, embora possam
frente ús tcnd.2ncias cm curso, - tais como expressa,
• A.~. • tempo de trabalho/tempo de não- e
trabalbo -mantem a sua vlgencla do ponto de vista dos efeitos que concretamente reprodução, emprego e Mas indica também,
pr~duzem sobre os indivíduos. Em outras palavras, não se pode negar que e ao mesmo tempo, que nenhum sujeito hegemônico, nenhuma "vontade
eXlst~ ~m ~la~o factual no qual a condição de desempregado, de empregada individual" ou ação individual tem condições de exprimir e representar comple-
~o~estlca !m~grante ou de trabalhador temporário comporte conseqüências tamente a complexidade desta força de trabalho. Nesse sentido, o conceito de
reaiS, tanglvels e concretas sobre as experiências biográficas subjetivas. multidão demonstra e supera a inadequação do conceito de classe, não tanto
POl~éI~, ~,possível afirmar que tudo isso seatém a uma percepção "feno- porque a classe opebSria tradicional perde hoje a própria centralidade produtiva,
menologlca do trabalho, a um ponto de vista que não nos permite colher o mas porque não é mais possível definir um lugar determinado de constituição da
excesso expresso peja força de trabalho contemporânea nem identificar o subjetividade do trabalho, de tornar extrínseca a sua produtividade e de expressão
seu p~tenc.ial "subversivo". O plano fenomenológico induz à reificação de da sua conflitualidade, como era possível paro a classe operária fordista M .
conceItos u~~ostos pela. rac~onalidade capitalista, tais como desemprego, O excesso negativo e o excesso positivo são entidades indistinguíveis
excesso, salano, e a cons:dera-Ios como características constitutivas da força sob o perfil da sua potencialidade produtiva. Tnclusão e exclusão, emprego e
de trabalho onde elas efetlvamente não estão. Não é no nível da fenomenologia
do tra?albo q~e podemos compreender o significado do excesso pós-fordista, R3 Th. Hobbes, De Ove, xn, 8. O conceito de "multidão" também está presente em
mas SIm no l1lvel da sua "ontologia": são os pressupostos da produtividade do N. Machiavelli, Discorsi sopra la prima deca de Tito Livio, l, 58, e em B. Spinoza,
trabalho que hoje excedem a relação capitalista e não as determinacões Tractatus Políticlts, III, 2, 6, 9.
B4 "Multidão é a forma hodierna do trabalho vivo não uma Babel de identidades
concretas desta produtividadé 2 • No nível constitutivo, ontológico, a f~rça
dispersas, mas tampouco uma nova classe operária 'sob invólucros pós-modernos. É
um conjunto de subjetividades cujo impacto produtivo é diretamente proporcional à
81 Gorz, Miserie dei presente. Ricchezza dei possibile, cit., p. 66. Uma ampla
sua capacidade relacional, lingUística e comunicativa, A linguagem, enquant~ algo
r~senha das análises que adotam esta perspectiva pode ser encontrada em Vis à
VIS, Altreragioni e Capital & Class. comum, é colocada a serviço dos muitos, do ser social inteiro, formação indefil1lda,na
cooperação lingUística" (A. Zanini, "Multidão", in Zanini e Fadini Corg.], Lessu:o
82 A.Negri, Fabbriche deZ soggetto. Livorno, Sec. XXI, 1987 (sobretudo pp.131-138).
pos(fordista. cit., p. 214).
78 79
às cate(Tonas . do d0l1uI1l0
' . po1'fI 1
co e econôrnic086 .
não-emprego, são categorias que, repetimos, produzem efeitos absolutamente A.
cntre a força de trabalho, a ser entcndida, neste contexto, como classe operária, e
as formas da soberania política do Estado que se constitucionalizam a partir do
conceito de povo: "A força de trabalho que comparece como totalidade social se
configura como povo no interior do mecanismo de reprodução do capital: o povo
é a força de trabalho constitucionalizada no Estado da sociedade-fábrica" (A.
Negrí. La forma Stato. Per la crittica deli' economia delta costituzione.
Hardt e cit., p.
Milão, 1977, p. 87
81
80
M
Capítulo 3
Vigiar e punir constituem o contexto em que se dá a passagem do "suplício" A aquisição lstonca a Iações e sobre os fenome-
' 1d ocessos~obre as popu "
à "prisão", isto é, de um poder que destrói a um poder que transforma, Por de governo raCIOna os pr 'I ' a constituição de novos re-
f . 11am (eterm1l1a
nos econômicos q~e,os c?n Oll , lomerados de saber e de poder, q,ue
crimes de práticas' , lStO e, de novos ag _ saúde a sexualidade, a hlgle-
88 Numa conferência de 197 I, Foucault descrevia as linhas mais gerais da sua o 'd erno' a pro d uçao, a < , d
definem os obJetos o gov , ' , io de auto-conservação, que se tra uz na
investigação: "Pareceu-me interessante procurar compreender a nOSsa sociedade
ne, Um poder fundado no pnnCl? d ' uilo que constitui uma ameaça,
e a nossa civilização através dos seus sistemas de exclusão, de rejeição, de recu- possibilidade sem limites de repnmir tu o aq, t 'i político e as nascentes
sa, através daquilo que elas não querem, os seus limites, a obrigação de ter de cede lugar a uma troca de saberes entre o SlS em,
Suprimir um certo número de coisas, de pessoas, de processos, aquilo que elas
devem deixar cair no esquecimento, o seu sistema de repreSSão-supressão"
(Conversazione COll Michel Foucault, l!, coord, A, da1 ' "ver tra b alho de 1999,
M ' Dean,
Milão, Feltrinelli, 1997, p,38), 89 Sobre a "governamentahdade , . sobretudo
. o amplo
Londres,
' P owel, Qn d Rule 1/1, Model/l
Governmentallty, _ lt Pote ri e ,
Clt" p,
65 '
84
90 Foucault, " L a , m Foucau , 85
mento do aparato "governamental" e preservar o princípio de maximização
ciências
s sociais
" e biológicas
, ' a uma idéia' de pod er como motor dos proc
os, como SUjeIto atlvo de transformação da realidade 9j es- económica sobre o qual ele é regido. Falando dos dispositivos de segurança,
~'lS
Foucault se refere a um conjunto de práticas de controle e supervisão da po-
, O poder se torna então, progressi vamente reaula 10 - pulação, mas também à educação, aos que então despontavam, às
ves das quais o governo da so ' d d ' ',b ç, ,populaçoes atra-
, , ' .. ele a e e exercitado um aoverno 'd t' políticas de saúde pública, em suma, a tudo isso que permite a reprodução e a
que se mSll1ua na complexa intenç'lo entre f A' b pro LI IVO,
'o(lut' . 11 " ' , enomenos lJ[()ceSsos """",,,""'<1""'0 de de produtiva das
l)l lVO~ e UXOS VItaIS que não elevem ser ,.'
constrangidos, mas sim dirioidos .]' eI. . obsL:lcuhzados e As estratégias de controle social, e em, particular as penalidades e a
Ainda segundo Foucault: b . , CaiU lza os e orgal1lzados eficazmente.
criminal, integram igualmente estes aparatos de Aqui a análise da
governamentalidade se interliga à microfísica do poder disciplinar: as técnicas
~sclaboração ~l~. I~ro~Icl11a população-riqueza (nos seus diversos aspce- disciplinares, como Foucault não se cansa de repetir, não constituem um
concretos., tJ~calidaele, carestia, despovoamento ócio-v '
dagem)
p l'f constltlll
E , . uma das condi"ões
. IYlra a COI' 1
11açao ~ d a eCOnOITIIa
agabUl:-
prima com relação 11 "governamentalidade", uma fase anterior a esta e colocada
a meio caminho entre o esgotamento do modelo da soberania e a origem da
a~S;ã~~' ~ltlma ~
"f ' , , I'
,sjt,a se desenvolve quando nos damos conta que nova ciência de governo. Ao contrário, o controle disciplinar é imanente à
;xcl ,a le açao entre re::ursos e população não pode mais depender governamentalidade e 11 biopolítica. Nele se condensa, na realidade, um con-
A ... USlvamente de. um sistema de tipo rcaulal11entar' b' (.
e c oerclllvo.. 92 . junto de tecnologias e práticas de sujeição dos corpos a partir das quais pode
pclssagem da soberallla como poder a . forma uma do das
um que ordena "~ a I fi
Idade para assume
racionalidadceconômica
"'.lll C .I~ . d
JO'
I 1
1 ~'''";,,'
(ta LH:tlCla de fTO\"""ll()
aCll1ilivada
,'1
tl
c ,0 "cne cnel '1 c I
'. d ' , U 1 1 1 80 )crano quc .se colOC"V'l ac'llTIa c f'ora b "" .
ct , (
da soberania. Tambérn ela participa da difusão de uma concepção e
oman ava e substituída pela imanênch de que
interior dos processos. que l'egula( . A S le (~ ~Jm deste
. t'erencns governo p d que
, - se coloca - no
.
produüva.:k> poder. Assim, pode finalmente consumar-se a superação do suplí-
e O~~I~'~O
enquanto destina~ári~ ~~ll~:~~~~: :l;~I;~~~~:.e~t~odn~~~:l~pn~foó~~ ções totais. A penalidade torna-se, portanto, um processo mediante o qual
produzem-se indivíduos cuja utilidade - tanto como singularidades 94
quanto
p governamental" será('.ao c 011 t·'
população-riqueza um or "
rauo, "
constItUldo pela tríade território- como partes de uma população produtiva - se realiza no trabalh0 .
, ganlsmo complexo um cor o . I
consome recursos limitados. ' p SOCIa que produz e No entanto, o corpo permanece no centro. As diversas técnicas do poder
se exercem sobre o corpo, nele imprimindo as suas marcas. Sobre o corpo
Paralelamente à formação d t
positivos e práticas de e ' ~s a ~10va
clO
. /
r'2
;ullidade, consolidam-se dis-
s gUl ançd CllJ a funçao e garantir o COI'l'elo fu nClOna-
.
88
. 'cI I enraizando-se
. como conflito entre um potencial cle procI utlVl ac e qu~, ,'., .
o excesso negativo é representado como um conjunto de subjetividades valIa, . d 'JO vivo (comunicação, invençao, criatiVidade),
que excedem a lógica "governamental", uma vez que acentuam a contradi- diretamente nas atitudes o cOIl , r d'lde vazia de empresa
torna super / 'fl"IO
<
o comando'
capitalista, e uma raCIOna I < <
ção entre uma cidadania social ainda baseada 110 trabalho e uma esfera pro-
dutiva que cada vez tem menos necessidade de trabalho vivo. O excesso q ue , não obstante, a tudo s e , ," -,' lo nexo entre produçao e
,, _
poslflVO se por seu turno, como conjunto de subjetividades que exce- Para tentar delinear as novas conhg:H'açoes ( I' I' .. de tnl)'llho
IJ'lrtll' novamente c <l orça "
dem a racionalidade porque a entre uma devemos ' l
potencialidade produtiva ilimitada c cooperativa e um arranjo das relações de . dustrl' aI da chsse OIJerária, 11 multidão, ti nova c~ "i"
m ,," 'd / ' d "lpltal Isso slgm 1-
produção que cria obstáculos à autonomia do comando capitalista, impondo cuj~s det~rn~~naçõe~ produtivas :~c~~~~~~~e ~~1~1~:.~1ill~da~1~~e d:l ~acion,:lídade
às de produção lima valorização baseada na competição, cara anahsar dS nOV~lS .'! I ' c se lI1scre-
d' 'r isto é a partir cio esgotamento da 101'111a (e poc el qu, '
Quando falo ele exclusão ele desemprego, de marginalidade, refe c :SCl P ma~, ' de l'j'lll'l'for'ç'l de trabalho localizável no tempo e no espaço,
rindo esses termos a aspectos de um excesso negCllivo, procuro evidenciar vw no corpo ' < , ' '.
' 'd eh I)rodução industnal torchsta,
dois pólos de uma contradição que parece insolúvel nas condições atuais, De c1e f 1m os p , , ' 1'1 d ode r
, ;- é de forma alcruma, secundana. O moc e o e p
um lado, observamos uma sociedade cujas dinâmicas de inclusão são medi- A passagem !1dO , , b, t'tul'do sobre um. saber
1 '. d' sCII)!mares era cons 1
adas pelo trabalho entendido como emprego, como ocupação a tempo pleno, q ue informava as tecno • 1
OgI,lS •
1 . t i '
oso .,u ( o corpo, elos indivíduos e
garantida, continuada e cm resumo, uma sociedade que continua a proful1Cto e llnmlCl
~lS
subordinar a titularidade dos direitos de cidadania e, em última do
direito ii existência à concl trabalhador trabalhadora, De outro O de e
emerge uma estrutura das de que se funda tava-se, por como ~'. .',. ' I . Era um
exatamente na redução e na precarização do trabalho, cisa como cartografia exata das dinatmcas produtl ~<lS ~.o;s 1 10 interior da
" . do se tratava de Olgal1lZ,1- 01 ,
O acesso à renda, ii cidadania, à integração social e à própria existência saber retirado do C~IpO: q~e, quan , ' b a forma de prática disCl-
fábrica, voltava a lmprumr-se sobre o COlpO, so
é, em outras palavras, subordinado ü satisfação de um requisito que desapa-
rece progressivamente do horizonte de possibilidades da constituição mate- plinar e controle: " .' saber do ope-
Numa instituição como a fábrica, o trabalho opelall~ e ~ " . ue-
rial pós-fordista, Vejo aqui uma primeira vertente da contraclição, que as 'ário sobre o próprio trabalho, os melhoramentos tec111coS: àS peq
1 a i~ven ões e descobertas, as micro-adaptações ~ue eles tmham con-
atuais estratégias de controle se dispõem a conter, reprimir ou inibir devido
às suas conseqüências potencialmente subversivas da ordem social: a con- '~~ÇsãO de 1~lzer no curso do seu trabalho eram imed\atm~~nte anotado~,~
tradição entre os requisitos que a constituição formal da cidadania requer I '., ' .. ~ cia subtraídos de sua pratIca e acumu à
abstratamente, e os recursos que a constituição material pós-fordista pre- Id'eglst~~op~~~;t,~~:~~~~~dO: o trabalho do operário vem g~nhan(blo,.
dispõe concretamente, os p d ' '1' d· ou um certo sa el
ouco a pouco, um certo saber da pro utlVI( cl e, . 99
QtJãndo falo de trabalho imaterial, de intelectualização da produção, de P .. , , forço do controle '
técnico da produção que penmtlra um le . ,~
trabalho lingüístico e de general imellect, referindo-os a aspectos cio e:rcesso • 'reaíme do excesso e exatamente
(T
Mas o que acontece com a paSS<l:"e~11 ,\0 b '1 d "cxtl"lir" este saber
positivo, procuro delinear as características de lima contradição ulterior, , ' 't d .' 1stitUlçOes elo contIO e, e ' .
mas em tudo complementar à precedente, Refiro-me ü contradição entre a possibIlIdade, porpal e as lI, .. d ' dllt'lvI'da(!e" de que fala
, 1 'd;- O "saber . a pIO "
uma força de trabalho que possui, potencialmente, capacidades e atitudes cio corpo produtIVO da mu tI <lO, ' _ . t ,) d'l força de traba-
Foucault, permanece f 'lrmemen t e n,'IS, 111'10S
c
(e nas' men es c
produtivas que permitiriam superar o comando e a organização capitalista cio
trabalho e um sistema de relações de produção que, ao contrário, se impõe , ' . \' I ver R, Alquati, Lavoro e attivirà,
de fora, como domínio puro e comando parasitário, A contradição se define 9~ Sobre a distinção entre trabalho e àllVI( àC c, , M' 'f' ,tolibri 1997.
aqui como excesso da atividade enquanto cooperação social produtiva Per UlI 'anolisi dell(l schiavitii neomodenw, R~m,l, ,mi o;;S ,
., '. . ,'d' '\ " clt, I), 160,
autônoma - sobre o traballzo - enquanto produção hetero-dirigida de mais- 99 Foucault, "La venta c le fOI me glUl1 IC 1C, ,
91
90
lho pós-fordista, escapa aos dispositivos de controle recusa os seu '
tos de captura e s ' " , " ' , s apara- minuciosamente à norma porque não sabem exatamente de onde e quando
e mostw III edutl vel as c'ltecrorias que
trabalho ' - ' b emprecram' valor- serão observados. Ora, justamente esta concatenação de saber e poder que
' c~mpetlçao, tempo de trabalho e tempo de não-trabalh~ pr~duçã
e repro d uçao, ' ,o sintetiza toda a economia do sistema disciplinar parece estar sendo progres-
sivamente desarticulada para ceder lugar a tecnologias de controle que mi-
con~: 00 :oe~~lI~~ da carência podia ser definido, em termos fOllcallltíanos gram em direção a um regime de supervisão e contenção preventíva de
chegado l.nlveIso no qual se desenvolvia um poder-saber, talvez tenhal11o~ classes inteiras de sujeitos, renunciando, assim, a qualquer saber sobre os
ao momento ele que o rec' -I •
rr 'd"
1 Ica ca a vez mms como terreno d
",llne l o excesso pós-fontista se (lua-
,. el
indivíduos,
pelo nâo-saber As det'r 11' ,,_ , e exerclclO e um domínio caracterizado A metáfora do Pa/lopticol1 foi recentemente retomada em algumas análi-
ticas constituti ;'1S' ,,<.: I, !l1dç~eS ,concretas da mu ltidão, as suas caracterÍs- ses sobre as transformações do controle na sociedade contemporânea, Sus-
pode dar v' I f'
,. o,s seus pOsslveIS c_omportarnentos, as interações às quais tentou-se, por exemplo, que as atuais tecnologias de controle convergem
<' l!C a, as ~: n:a~ de, cooperaçao que constantemente alimenta esca-
pu< m a qua quer deÍll1lçao r cr' d ' • < para a construção de um regime pós-panóptico, definível como Synopticol1,
condição d - b o l,b,orosa ~ parte dos aparelhos de controle, Esta Na "sociedade do espet~ículo" contemporânea não seriam mais os poucos a
. _e nao-sa el qualifIca os dispositivos de contr I., , , ' "
uma funçao de supervis'Io d. r ' _ o e e os ollenta paI cl vigiar os muitos para obrigá-los a seguir as regras, mas sim os muitos, cons-
contenção do excesso, L , e 11111taçao do acesso, de neutralização e de tantemente transformados em "público", que admirariam as façanhas dos
poucos e interiorizariam valores, atitudes e modelos de comportamento, tor-
O controle da
nando-se assim indivíduos responsáveis e consumidores confiáveis l ()(), Do
mesmo sustentou-se que o Pallopticoll estaria sendo progressivamente
em tomo ela substituído um modelo de controle no grupos sociais
les que ',." '.' naque- restritos exercem um poder de
mbe' l' 'l" am, à passdgem de prallcas CQl1struídas sobre um
, , _ I G ISClp II1GJ para modalIdades de controle caracterizadas . restritos lOl , Estas descrições, embora bastante entre si, parecem
dlçao de não-saber, ' pO! uma con- concordar num ponto: o esgotamento da utopia disciplinar de um saber ab-
Não se trata de construir um novo paradicrma ou de I f 'o soluto do poder para com os indivíduos, e também o fato de que este grande
a~rangente de análise cio controle social. A; transform~~~:~l ~~1~c~~0,de~0 desenho da modernidade está sendo substituído hoje por tecnologias de con-
:l~ba~ho so~re as qua,is nos debruçamos afetam, de modo si~ni~lca:i~<~ ~ trole que renunciam explicitamente àquela utopia,
re a~ao entle economIa e controle, e sugerem a oportunidad: de ' ' 'o Se examinarmos as marcas desta renúncia, constataremos o vislumbre de
codI1Juntamente os instrumentos conceituais da economia política dalepe~sl~I tecnologias de controle orientadas para o internamento, para a vigilância e para
d a e, Trata-se po o~ ',' . < pelIa 1-
a limitação do acesso, Nas páginas que se seguem pretendo oferecer alguns
, ,l,em" como Ja se repetÍu mUltas vezes, de rocessos de
d
mudan~a t~l1dencJa!S, all1da não claramente definíveis, É porta~t
a tendencJa que de' o'. o I ' , o , no p ,l!10
vera seI co ocada a descnção das tecnolo cr ' .. ,
l'
.
primeiros elementos de descrição destas tecnologias, confelindo particular aten-
ção àqueles contextos em que me parece que elas começam a se manifestar de
que ganham forma a partir destas transformações, ",IaS de contlOle forma mais definida: o cárcere atuarial 102 , a metrópole punitiva, a rede,
mai~ :a:l~~Pticoll foi consi~erado por muito tempo como a exemplificação
, ,nte das tecnologIaS disciplinares de controle dos indi 'd A
Sua arqUltetura funde, plastícament 'b' .', VI uos, tOO T. Matbiesen, The Viewer Society: Michel Foucault's Panopticon Revisited, in
ra histórica eficaz do proce d f~' osa, e: e podel, e C?l:Stltu! uma metáfo- Theoretical Crilllinology, 1-2, 1997, pp, 215-234,
sso
dos cornos no espaço Nele e 01 n:,lçao das estrategws de organização lOl R, Post-Panopticism, in ECOIlOllly (/Iul Society, vol. 29, 2, 2000, pp,
I:"' ' , s e concretiza ') utoph d' "
uma obsel'vabl'll'dade
, ,
l'n' t
III errupta e o' <. I , mo elna e capitalIsta de 285-307,
absoluta dos ' plll1Clpa mente, de uma transparência Hl2 O termo "aluarial", como veremos nas páginas que se seguem, remete aos
nos olhos elo
tos porque sabe exatameme onde e quando que e às eCOn0l111CaS das empresas de seguro, Trata-se
92 atém de uma filosofia de cio risco e do
93
orisco aprisionado - Já é quase um lugar-comum colocar a crise do não violentos e, por menos graves: delitos contra a prop:ie~a
fordismo por volta da primeira metade dos anos 1970, mais precisamente de, contra a ordem pública, delitos que envolvem o consumo de substanCIas
e, no caso dos violações da disciplina sobre a
em 1973, ano em que explode a crise do petróleo. rígidas
assim se prestam, obviamente, a muitas críticas, a primeira das quais é a que
afirma não ser nunca sociologicamente individualizar o momento o emer!le daí nos info"rma claramente que o 1l1-
96
. . do m
' d'IVI'd ue, 'eIS reais da inte-
o recrutamento da carcerária ocorre com base na identifica- Por consegumte, a concretude
(mas melhor seria dizer "invenção") das classes de sujeitos consideradas . - SOCIa
laçao ~-o subs'j'tuídas
' 1, sa. ,l <
por probabilísticas baseadas
•
na
- " d
produçao estatlstlca e .. j"'Cl'OS
Slmu u do local' clundestmos,
de desviantes e para a ordem ' ,
Social Citizenship. Londres, Routledge, 1999. Criminology ()f Market Societies. Cambridge, Polity Prcss, 1999.
99
98
tre um poder de controle incapaz de exercitar qualquer função disciplinar de nhecimento recíproco dos indivíduos como parte de uma mesma força de
transformação dos sujeitos e uma racionalidade capitalista que, igualmente trabalho social 112 •
distante das dinâmicas da produtividade social, projeta-se sobre a força de Estes processos de construção social da diversidade ~on~o alg.o de risco
trabalho pós-fordista sob a forma de controle externo puro. (dos lugares, das situações, dos indivídl:os e d~ gr~pos ll1telfos: l~scl:evem
Convém, por outro lado, reconhecer que a lógica securitária, na qual as novas hierarquias na superfície da multIdão e lmpoem ~lOvas dlstan~Jas no
práticas do controle atuariai se inspi ram, não representa uma novidade abso- seu interior. Desse modo, a multiplicidade, a mistura de 11l1guagens, a Irredu-
luta. O Estado social pode ser, de fato, como um modelo de tibilidade das em suma, todas aquelas características que nos
regulação da sociedade que conjuga eficazmente o paradigma disciplJfmr'-ce permitem definir a força de trabalho contemporâne.a como lI.ma l.nllltidã~,
controle sobre os sujeitos com um sistema de socialização atum·ial dos riscos são redefinidas pelas estratégias de controle como fontes de ll1cer teza pe!-
que afetam as populações em seu conjunto. É a partir desta instalação manente, fobia do diferente e pânico pelo imprevisível I 13.
biopolítica que se compreende o nascimento dos sistemas sanitários nacio- Hoje, a conservação da ordem social parece invocar, insist~ntemente, a
nais, da previdência social, das legislações sobre acidentes de trabalho. Em implementação de uma estratégia de controle capa~ de d~sartlcular ex~lta
todos esses casos uma lógica securitária ióforma e racionaliza os dispositi- mente aquelas formas de socialização e de cooperaçao socwl que antes 1?~a
vos biopolíticos de regulação da população lll . O que hoje me parece decidi- necessário alimentar uma vez que constituíam o fundamento da produtlvl-
damente novo é o modo pelo qual a tecnologia securitária se conjuga às d;de fordista. E isso acontece porque hoje aquelas formas de coo.per~çã.o
novas estratégias de controle. Enquanto na tradução welfarista as técnicas escapam constantemente ao controle, fogem de qualquer cartografia .dISCI-
securitárias um mecanismo de regulação orientado para a plinar e assumem a de eventos de risco, que devem ser eVitados
dos riscos coJetivos alimentavam 1'Or111:1S ele social a prcçol14
fundadas l1a na c na as técnicas atuarillis
de controle contemporâneas operam cxatamente na elireção oposta, limitan-
do, neutralizando· e desestruturando formas da interação social percebidas
como de risco. Ao combinar sistematicamente estratégias políticas que alí- 112 Ver em particular P. Q'Malley, "Risk, Crime and Pru.dentialism R~v.isited", i~: K.
mentam a construção social de um imaginário da insegurança, do risco e da Stenson e R. Sullivan (eds.), Crime, Risk and JustIce. The Pollt/cs of CI /lne
ameaça criminal proveniente do "estrangeiro", as tecnologias atuariais se Contral in Liberal Del1locracies. Devon, Willan, 2001, pp. 89-103.
revelam, ao mesmo tempo, um instrumento de contenção da força de traba- 113 Para uma descrição dos processos de construção do "estrangeiro" e da, s~a
lho excedente e um dispositivo simbólico de desconstrução dos elos sociais função quanto à reproduç,ão,de um~ incerteza ex.istencial que legitil:1a o dOll111110,
da multidão pós-fordista. ver Z. Bauman La società dell'incertezza, tmd. It. Bolonha, II Mulmo, 1999.
114 Neste conte~to insere-se também o processo de "normaJizaç~o da, e.!:le~g31c~:'.' a
O encarceramento de massa, sustentado por retóricas de guerra, inva-
que assistimos na sociedade contemporânea. Estamos nos refenndo a]a slstemàtlc.~
são e assédio, permite atribuir ao excesso negativo a fisionomia da nova
classe perigosa e de de-socializar a multidão pós-fordista, substituindo os
recolocação de "emergências" criminais que permitem, ao mesmo tem p construll ?,
as novas classes perigosas (dar-lhes uma fisionomia reconhecível: pedofilos, sat~-.
laços de cooperação por aquilo que Pat O'Malley define como "novo nistas fundamentalistas islâmicos, hackers, albaneses, nômades elc.) e prod~Zll
prudencialismo", um regime de desconfiança universal que impede o reco- consel~so social em torno de novas medidas repressivas. Pode-se f~lar de.. nor~ahz~-
em dois sentidos: porque estas são cada vez ma~s frequent.e~" I~las
sobretudo porque, uma vez cessadas (isto é, desapareei~ias do cenáno mass-mldmt1co,
III É a François Ewald que devemos os estudos mais significativos sobre a rela- seu único plano de existência), as medidas repressivas adotadas p~ra fazer-lhes
· d f·t d r mitação das liberdades que
ção entre a emergência da lógica atuarial e o nascimento do Estado social. F. frente permanecem em normaI Izan o os e elos e I ... " ,."
Ewald, L'État-Providence. Paris, 1 F. Ewald, "Norms, Discipline and daí derivam. Ver em pm1icular L. Blisset Project, Nemici delta Stato. C.mlllllalt 110S1l1
the Law", in 30, 1 pp. 136-161: F. "Insurancc anel Ilella società di comrallo. Roma, Derive Approdl, 1999, e o meu
" . 19 2000 pp. 99-102.
Risk", in BUfchell, Gordon & Miller The Fo/{colllr pp. J 97-210. towle de! contro 11 o , ll1 "
101
100
A metrópole punitiva - constante na literatura
nova arquitetura urbana e as políticas de controle que nela se apóiam - quer
contemporânea, a cidade parece set candidata a representar o
se chame tolerância zero ou Ileiglzbollrhoodwatch, ou ainda vigilância ele-
das de controle mais das
trônica ou - alimentam uma social totalmente
individuais de uma
de classes de indivíduos defini-
"o
a tornar a
atual ( ... ] mas sim
de punitiva, l1ias sim se transforma, mesma, em dispositivo de viailância Pelo contrário, as classificações atumiais produzidas por esses processos
m~dal.id>ade de .uma repressão que exerce, uma vez, não m~s sobr~ que, por sua vez, as inspiram) não têm tanto a função de dete~tm~ pop~laçõ~s
?s mdtvlduos smgulares, mas sobre~c1asses inteiras de sujeitos. E ainda mais- a serem disciplinadas, reguladas ou "normalizadas"; sua funçao e mUlt? maIs
Importante, a cidade não parece fu:ucionar como um mecanismo orientado a de diferenciar as possibilidades de acesso a (ou de fuga de) determmadas
par~ ~e~erminar, nos indivíduos, a ~ntcríorização de valores disciplinares, n zonas da cidade.
a~ulS1çao de modelos de comportanãento regulados, a obediência a estilos de Em outras palavras, estas tecnologias se erigem como proteção dos guetos
VJda pr~-co~sti.tllí~os. Perpassada rior uma multidão produtiva que foge às
"voluntários" (centros comerciais, parques temáticos, aeroportos, gated
categonas dlsclplmares de normalidade e patologia social, conformidade c
C01ll11111llities) e "involuntários" guetos propriamente ditos) que compõem
. . . operosidade e periculosidade, abarcando todas, mas sem se deixar
a cidade pós-fordista, garantindo o respeito aos critérios que regulam os
identificar com nenhuma delas,·a cldade pós-disciplinar aquilo que,
fluxos de entrada ou saída de uns e outros. Desse modo, elas "indicam" as
com talvez dcfí~ir como uma "ordem' sem nprma" I IR. A l7o-go-areas disseminadas pela metrópole e assinalam visualmente que existe
e punire,
116 M D . C' , /. 119 M. Davis, Geografí"e della pOlira. Los . l'illlllwgÍnario colletivo dei
. aVls, ata { I quarzo. IndagclIrdo sul jiltllro ii! Los
Manifestolibri, 1999. trad. ir. Roma, disastro. Milão, Feltrinelli, 1999, p. 382. do T.: brasileira. do
117 medo. Los Angeles e a jábricaçâo de 11m desastre. Rio de Janeiro, Record, 2001,
por exemplo, S. Cohen, Puni tive City: Notes on lhe DispersaI of tradução de Aluízio Pestana da Costa].
Social Contrai", in COl1temporarv 3, 1979, pp.
118 Z
B . 120 o. Sforia política dei filo Spil/Clto, trau. it. Verona, Ombrecorte, 200l.
. auman. Work COllslllnerislIl,and rhe NeIV Poor. Buckingham, 121 D. Lyon, SlIrveillollce MOI/flOriu!! Li{e. Opcn
University 2001, p. 85.
University Press, 2001, p. 54.
102
103
uma diferença fundamental entre "aqueles que la 'd d /
o aviso llo-go-area como 'eu _ " I Cl a e pos-moderna, lêem A reestruturação das cidades de acordo com linhas de fortificação e
nao quero entrar'" e "aqueles para q perímetros de segurança dá consistência plástica à separação entre classes
se traduz por 'eu não posso sair'''122. uem no go
A metrópole I) os-/ f 01'd'lsta Isola
, perigosas e classes laboriosas que constitui o único terreno colocado à
no seu interior es d I disposição dos dispositivos de controle para conter o excesso da multidão. A
desarticulam violentamente as l11uitíd-' . , " paços e rec usão que
ficial ente aquilo q I f ' oes, leplOduzlI1do uma separação arti- segregação dos migrantes nas cidades européias, a reclusão da força de
ue c e lI11J~l~S C~:11~ :xcesso negativo e excesso positivo, trabalho afro-americana, hispano-americana e oriental nas metrópoles dos
, clSPOSslbIlldadesdemo"Í'l' t ' - Estados Unidos e, em geral, a instituição de zonas urbanas de acessibilidade
aSSIm criada uma escol a soc· ai ,,' v .1 en o e lI1teraçao:
I, ,menSlll a vel de 'lcOl'do c . diferenciada alimentam um regime da cujo objetivo é a
acesso aos lugares simbolicamente e/ou e ' " om a c~pacldade ele
.. . , . conomlcamente valonzados"'2:> A desestruturação da multidão, a ruptura daqueles laços de empatia e cooperação
deíll1ltlvamente de envernar as vest~s d " / ,'" que, do ponto de vista do domínio, representam um perigo extremo. O efeito
para transformar-se num apanto d I::> e, O espaço publIco
observ1veis ii , I '
<
t; "
, ulS dncw.
O' " e captura e vigilância de populações
controle se ' t · · r.. .
é a segmentação da multidão através de uma ecologia do medo que, na cidade,
regula o encontro 111' ' I _ ma ena lZ,l lll.lrna arqllltetura que não se materializa na figura do estrangeiro, do imigrante, do desempregado, do
, ,IS o Impec e nao novern 't -
cu los a ela não dl'sc' l' ' b a a ln eraçao, mas cria obslâ- dependente de drogas,
,, . lp 111a as presenças mas t '. /
simbólicas e f' t', ' , ' , as orna 117V1S1VeiS, Barreiras A contenção do excesso negativo alimenta a sua construção social como
, ,lOn ellas materIaIs produzem assim exclusão e inclusão
classe perigosa, como entidade imprevisível. Aí se evidencia o crepúsculo
DIante da lllcupacÍebdc de °ove"IJar rcu I' r' 1 •
ele um poder disciplinar que cultivava a ambição ele produzir sujeitos úteis, e
tos da multidão, os I::> I . < , _ oU dr c ( iSClp. os comportamcn-
(O contlOlc urbano se limitam à vil::>uili'1I1Cl'U ,~ ~'l o alvorecer de um poder de controle que se limita a vigiar CUjaS
de massa, v ,
no das de vida não consegue colher. Em
externas lJue mostram de '", ,
/ ' de um espaço imperial virtualmellte livre de front '_ _ ~ ~~lclnte d<~ COnS~l1Ul- o visto no contexto da social, é,
tonas da força de trabalho crlob 1 b' '. ellas e as pressoes mlgra- mais projetado do que material mais temido do que
• b a so le os lImItes naciona' - R d I mais evitado do que contrastado, mais prevenido do que suprimido,
aqUi os novos contornos do crueL -b ,: ' . IS, e esen lam-se
dispositivo carcerário colo I::> o ur ano que, em slmblOse mortal" Com o Trata-se de uma esfera sociocognitiva completamente renovada, que
<, ca-se como garante das est t / , d f emerge do conflito bem delineado entre territórios governados e "ou-
tação e separação hierárquica da f d _ '_ ra egIaS e ragmen-
mente a diferença e a dist~'
. , 125
o:ç1a e ttabalho, restabelecendo artificial- tros pengosos' ,
, anCla SOCla entre "incluídos" e "exc1uídos"124,
A atribuição de uma função de controle ao espaço - dissociada das carac-
terísticas individuais dos sujeitos, separada das formas específicas da interação
123, cit., p, 70, entre eles, indiferente às modalidades de socialização concreta dos indivídu-
Razac, Stona política deZ filo spinafo cÍt 9 . , os e fundada sobre a construção social de perigos cujas características fo-
spazi VI/oti della metrojJO/i D' t. ~' '.1'" p:
1. VCI tambem M, Ilardi, Negli
, ' IS 11Iz.lOl1e {Isordllle t' r I' gem a toda e qualquer compreensão precisa - evidencia até que ponto a
Tunm, BolIati Borin ahieri 1999 A 'P' , I ac Imento {, ell IIltimo Homo,
" " " , c , etnllo L'I citt' -I L' ' lógica do risco é o resultado de uma perda de contato sobre o real da parte
{,IlInenSlOl/e urbana !leI mOIl I _ " a pen Ufa, echsse della
1~4 . , ' . ~' C,o contemporaneo, Bari, Dedalo, 2000. dos aparelhos de controle. Eles operam como pura inibição de processos de
" ' SO,bre d IdeIa de uma cqUlvalência funcional d
SimbIOse" entre Gueto e . L \V que escmboca numa verdadeira interação que não governam, renunciando a qualquer função positiva, produ-
'" vel ,acquant S b- , tiva e transformadora.
and Prison Mcet anel Mesh" e, il1 D Oe -I'
, d i ,111
d (
e d ) 1\ A'' [ \- ~ II _. ym 10051S:, When Ohetto
'
Vale dizer 'ice. IlpUsonment, Clt., pp, 82-J20
,
> , "
que em 1980 Dano Mclossí 'fia _ ' A rede imbricada Nesse meio tempo, a economia da rede reclama no-
e prenunciava a das de ple loLlJaVa ~stes, desenvolvil~entos vas formas de controle à altura das transformações que perpassaram a pro-
como substitutos das d UI bana e de guetlzação
'I . e controle através do Cf D ~"
I Per uno studio clelle cI'. ," Oltre
ventcsimo secolo'" r., I contlOllo socmle ncl dei 125 M,Lianos e and the End of Dcviancc, Thc InsLÍ-
, , 111 LlI questIone 1
pp,277-361. tutional Environment", in TÍle British ]ollmal 2,2000, p, 274_
104
105
o representa o âmbito de máxima da
produtividade informatizada, o "propriedade". No momento em que estende o domínio para além da
no qual se concretiza (ou se virtualiza) esfera do real, projetando-o sobre a dimensão virtual, o capital lança, paradoxal-
da mas também um terreno de conflito mente, as bases para a própria continuamente novas
frentes em que se materializa o excedente da de trabalho
procura agora assegurar comando Por os trabalhadores do imaterial devem ser de
que lhe ter acesso a que possam colocar em a exclusividade de
além do trabalho [ ... J suas uma relacionada aos de tratamento dos dados. O aCesso
que estão acontecendo a determinados informáticos deve ser subordinado à posse de uma
cativos elo comunicativo capaz de individualizar ou que demonstrem contar
com os requisitos que assegurem ao sistema um uso e não arris-
por que o controle se em torno da cado dos Voltam assim à mente as de Deleuze:
. do quanto e do como tcr acesso, com base em quais requisitos e
Nas sociedades de controle [ ... ] o essencial não é nem uma firma
com qUalS à às informações, à inovação, ao saber. O controle
nem um número, mas uma cifra: a cifra é uma uma vez
se exercita não tanto mais sobre o uso concreto de determinados recursos _
que as sociedades disciplinares são reguladas por palavras d.e ordem
l ... I. A do controle é feita de cifras que assmalam o
. encontramos mais diante
e
são amostras
torar, Controlar e censurar a comunicação e mais preci-
Estas estratégias de controle preventivo não no entanto, escapar
samente os comportamentos dos novos trabalhadores do imaterial
de uma contradição constitutiva, que as leva ao limite do paradox~. EI~s
sujeitos que se apropriam elo e da capacidade de inova~
pretendem estabelecer um reginle da previsibilidade absoluta, d.a anteclpaçao
adquirindo cada vez mais autonomia da organização do coman-
e da categorização, ali onde a produtividade da multidão se basew exatamente
do, e cujo uso das redes e do computador pode, a qualquer momen-
no oposto, i.e., na imprevisibilidade, no inédito, no que não se repete. Por
to, tornar disfuncional, transformar-se em sabotagem, conexão das
lutas, "desobediência civil eletrônica" 127. outro lado, porém, estas estratégias não podem manter-se sempre ~ora. dos
processos de comunicação e troca que animam os fluxos da prod~çao Virtu-
aqui, ~~rém, emergem algumas insanáveis, que al, configurando-se, conseqüentemente, como limite imposto ao livre desen-
revelam a vulnerabIlidade e a estranheza das formas do domínio na sua rela- rolar destes mesmos fluxos. Uma vez mais, porérn, este limite não pode ser
çã~ com a nova de trabalho imaterial: de um lado, apenas o acesso empurrado até se tornar imposição de uma verdadeira disciplina, porque esta
ul1lversal potencialmente indiscriminado e horizontalmente cO-dividido às
esgotaria os requisitos da própria produtividade.
. ..,. -:- aos d~dos, ao~. ao espaço virtual permite à produtividade
lmgmstlca e Imatenal expnmIr-se plenamente; cle outro lado, exatamente o A co-divisão horizontal de informações e o acesso indiscriminado aos
acesso e esta generalizada parecem minar os próprios fundamen- não-lugares nos quais elas são produzidas representam hoje as formas mais
tos da. expropriaç.ão e da valorização capitalista dos novos fatores produti-
vos, VIsto que pnvam ele sentido os mesmos conceitos de e
128 G. Delcuze, "La soeietà dei controllo", in G. Deleuze, POW]J(l rlers, trad. it.
Macerata, Quodlibet, 2000, p. 239 lN. do T.: edição brasileira COllversações, 1972-
a /1(1 CirclI irs of Slrugg/e in High- 1990. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992, tradução de Peter Pál Pelbart). Para uma
Technology
127 Univcrsity or Illinois 1999, p. 122.
resenha dos problemas de controle causados pelo desenvolvimento da rede, ver
Projcct, Nemici dei/o Stato, cit., p. 15. D. Thomas e B. Loader (eds.) Cybercrime. U/lV Enforcemcnl, ScclLriry {/nd Surl'eIl-
106 lance iI! the blj:or11wtioll Age. Nova Iorque, Routledge, 2000.
107
graves de atentado à apropriação capitalista dos meios de produção, e as Emergem, assim, progressivamente, um controle preventivo - porque,
n~vas estratégias de controle tentam, em meio a contradições e paradoxos, diferentemente da riqueza material, a riqueza imaterial só pode ser recupera-
dl~por desta apropriação. Compreende-se, assim, por que não é exagerado da quando alguém se tenha apropriado ou feito uso dela -, 1..111: contt:o~e
afIrmar que "a Internet é o mais importante bode expiatório dos nossos tem- difuso - porque, diferentemente dos recursos materiais, os recursos lmatenms
pos, a mãe de todas as novas emergências, ajihad que pressupõe e justifica não se localizam num espaço determinado, constituindo antes fluxos,
toda e qualquer guerra local"129.
éter e um controle atuarial - porque, diferentemente dos sujeitos da pro-
Tudo isso nos reporta, significativamente, aos albores do modo de pro- dução material, situáveis e disciplinarmente num espaço produ-
dução capitalista, quando na Inglaterra, na transição entre os séculos XVIII tivo definido, a multidão pós-fordista é uma entidade irredutível às formas de
e XIX, foi exatamente a difusão das manufaturas, das máquinas, dos esto- singularização típicas da produção fordista e às .conceituais qu: se
ques de mercadorias e dos negócios o que constituiu o pressuposto do nas- baseiam nelas. A produtividade fundada no saber dos IIlUltos excede, enfIm,
cimento da polícia moderna: o domínio fundado no nilo-saber do poder.
Es~es h~veres - constituídos por estoques, por matérias-primas, por Novas resistências
obJetos Importados, por máquinas, por oficinas - estão diretan:'lente
Em La volontà di saperc, Foucault se detém· nas formas de resistência
expostos ao roubo. Toda essa população de pobres, de desemprega-
que emergem na sociedade do controle biopolítico. Essas resistên~ia~ não se
dos, de pessoas que procuram trabalho, tem agora um contato dire-
enraízam, afirma ele, num "lugar da Grande Recusa", não delIneIam um
to, físico, com as fortunas, com a riqueza. O roubo de navios, o
"ânimo de revolta", nem sequer um "foco de todas as rebeliões" sobre as
das e dos ues, os tornam-se
uma "lei pura do revolucionário". Elas se
normais na no fina! do E exatamente o
grande problema do poder na Inglaterra nesta época é promover
espontâneas. selvagens, as, concertadas, estressantes,
mecanrsmos de controle que permitam proteger esta nova forma
matena. Id '
a nqueza 130
. irredutíveis, pontas ao compromisso, interessadas ou sacrificiais"132.
Se essas novas exigências de controle determinaram o nascimento de As resistências ao governo do excesso estão em processo constante.
uma polícia como nós a conhecemos hoje e alimentaram formas de oraani- Embora nem sempre seja possível dar-lhes um nome, ou consig~m n~mear
zação do trabalho no interior da fábrica fordista em que, ao lado do Obj:tivo se como tais, elas se desenvolvem numa molecuraridade de conflItos difusos.
da máxima produtividade, encontrava-se o do máximo controle sobre os É exatamente isso que, com o declínio da fábrica fordista e a implosão do
comportamentos operários, hoje talvez assistamos a uma evolução. Uma reaime de controle disciplinar, Foucault nos sugere, para dizer o menos,
renovada necessidade de controle se manifesta diante das novas formas de-' da~uele lugar da "grande recusa" á qual associamos ,a forma l:ist~ri~a _da
produção da riqueza social e das novas possibilidades de apropriação dos resistência e da insurgência operárias. Oriundos do penmetro de mstltUlço~s
recursos: "enquanto a era que está chegando ao término se caracterizava disciplinm:es fechadas, os conflitos que surgem em tor~)o .d~s novas estrate-
pelo controle da troca de bens, a nova era se caracteriza pelo controle da gias de controle pós-fordista se caracterizam pela multlpl:cl~ade_de fOfl;1as,
troea de conceitos"13l. pela irredutibilidade a qualquer práxis hegemôl:ica, pela hlbndaçao cont1l1ua
das práticas e pela amplitude com que se mal1lfestam.
Todo dispositivo de controle é constituído por um c~nj~nto de práticas,
Nel11ici dello Stato, cit., p. 11. estratégias e discursos que dão corpo a uma economia l~terna e a uma
!30 Foucault, "La verità e le forme giuridiche", cit., p. 146. Sobre o nascimento da racionalidade específica do domínio. As resistências se localizam exatamen-
polícia e sobre as transformações atuais ver ainda Palidda, Polida postoderna. te naquela economia e naquela racionalidade para sabotá-las, subtraí-las, torná-
del /lUOVO cOlltrollo cit.
131 J. Rifkin, L'era dell'acesso. La della New
Mondadori, 2000, p. 76. trad. ir.
132 Foucault, "La volontà di , cit., p. 85.
108
109
por dentro, quase um axiOlTHl daquilo que engrenagem de controle total sobre a força de trabalho se voltou, assim,
do nexo progressivamente, contra o domínio capitalista que a bavia montado e colo-
cado em ação. As mesmas posturas rígidas, as mesmas máquinas, as mes-
mas linhas de montagem, as mesmas sucessões hierárquicas que haviam
a alienação, a e a subordinação do corpo ao valor,
11J
pcrmitiam agora, à classe exercitar um cfctivo cm
Não se convém frisar, de que exista uma relação ao sistema produtivo. Quero dizer com isso que, dentro ou (ora da
e resistências, como produção, dentro ou (ora dos espaços definidos do controle, as resistências
formas de rebelião que nascem exatamente onde os poderes se apóiam, nutrindo-se daquelas
ao contrário, de mesmas características que fazem deles poderes "eficazes".
se Ora, as tecnologias do controle que vimos descrevendo nessas páginas
parece.r~.am quase consumar estas margens de resistência, porque substitu-
em lugares, indivíduos e relações subjetivas reais por simulacros, i1uxos de
dados e números, estatísticas e não-lugares, com respeito aos quais é difícil
a de resistência. A tabela e o
das áreas ele risco da
com base
com base no grupo
mos, permitia a da seu enraizamento no espaço físico e são alguns exemplos de atuanals que tornar
nas ~'eJ~ções de p~der-saber que lhe conferiam vigor. Esta resistência podia qualquer resistência porque a anulam na sua dimensão subjetiva, isto é, de-
expnmIr-se como exodo dos lugares do controle, isto é, como desejo de retirar- sestruturam aqueles sujeitos e aquelas formas de interação social que as tec-
~e ~esta localização (evasão do cárcere, fuga da ou da instituição psiqui- nologias disciplinares pretendiam transformar e regular. Em outras palavras:
~tr~ca), como desestrtltllraçlío por dentro (sabotagem industrial, prática do ob- A classificação atuarial, com o seu sujeito sem centro, parece elimi-
JctlVO, fO~'mas "atípicas" de greve), ou como prflxis de reapropriaçâo do espaço nar, antecipadamente, a possibilidade de uma identidade, de um auto-
~m:a destll1á-lo a um uso distinto do imposto pelo domínio (prMÍcas anti-psiqui- conhecimento crítico e de uma intersubjetividade. Ao invés de cons-
134
../ atncas, ocupação das fábricas, comunidades anárquicas). truir as pessoas, as práticas atuariais as desmantelam .
Os mesI~o~ mecanismos ela organização disciplinar que tornaram possí- Todavia, talvez seja possível considerar tudo isso não como a submissão
vel a grandIOSIdade do taylorismo nos anos Sessenta e Setenta representa- definitiva das resistências da parte de um poder de controle que refinou os
ra~l. o elemento de força de uma classe que começava a dar vida a próprios instrumentos de domínio, mas sim como a demonstração de uma
pratIcas de auto-valorização dentro e contra o capital. Toda aquela preciosa radical fetração do poder, de uma drástica perda de controle sobre as dinâmi-
cas sociais. A atuarialização, a vigilância, o internamento, as limitações de
acesso não impedem as resistências, simplesmente procuram ignorá-Ias,
133 .A~nd~t segundo ~oucault, é sempre no interior das relações de poder que as colocando as práticas de controle num plano diverso, onde no lugar de sujei-
reslstenclas se constituem. Não existe uma exterioridade absoluta da resistência tos reais encontramos imagens deformadas.
a~ poder, visto que as r.elações de poder são dispersas, difusas e "ubíquas". É
este. um dos pontos mais controversos (mas, na minha opinião, também mais
fascll1antes) da aná.lise foucaultiana, sobre o qual se mede a difícil relação entre
Foucault e o marXIsmo ortodoxo, pela recusa, por parte do filósofo de 134 J. Simon, "The Ideological Effect of Actuarial Practices", in La,v anel Society
toda representação estática, monolítica e vertical dos aparelhos de RevielV, II, 411988, p. 795.
110 111
Então, é aqui que podemos identificar um nexo singular entre estratégias va a ilusão de constranger a multidão em categorias definidas, de dispô-la
de c?l1trole do excesso e formas de domínio do capital sobre a multidão pós- segundo linhas hierárquicas, impondo-lhe uma ordem pré-concebida. Não
fordIsta. Do mesmo modo que o comando do capital sobre a força de traba- conseguindo exercer-se sobre o "tornar-se múltiplo" dos sujeitos, o governo
lho se ~esenvolve sob a forma de simulacro, como contínua imposição de do excesso os cristaliza, atribuindo-lhes violentamente uma identidade pré-
~ategonas que não compartilham nada com o caráter social e cooperativo da definida de imigrante, desempregado, criminoso - necessária para tornar
for?a. de trab~lIho a que pretendem aplicar-se (trabalho e não-trabalho, pro- possível o da vigilância. Mas à violência desta imposição de identida-
dutivIdade e Improdutividade, emprego e desemprego), o controle do exces- de acrescenta-se imediatamente uma outra, a distribuição das divcrsas clas-
so se desenvolve através da imposição de categorias virtuais e transcenden- scs de indivíduos nos não-lugares do controle: a imigração nas "zonas de
.tais ~omo a classe perigosa, o clandestino, o sujeito de risco, o fotograma do Império, o desemprego nos guetos metropolitanos, a precarieda-
e a Identidade biométrica.
de nas dobras do trabalho negro, o desvio no cárcere, o trabalho imaterial
/ Se, c~mo j~í foi dito muitas vezes, a consolidação das relações produti~as nas redes, as diversidades existenciais nas margens.
p~s-fordlstas representa a resposta a uma ofensiva operária que tinha preju- Porém, voltando o olhar para as formas de resistência emersas nos últi-
dIcado o processo da acumulação capitalista e a realização da mais-valia, mos anos em várias frentes da identidade sexual ao trabalho, da imigração
p~d~m~s pensar que a mesma dinâmica esteja ocorrendo na passagem da aos direitos da cidadania -, descobrimos que elas se configuram exatamente
dIscIplIna para o controle. Agora, os sujeitos, a própria matéria sobrc as como práticas de contestação dos dispositivos que obrigam os indivíduos a
as tecnologias disciplinares puderam se exercitar no aceitar identidades e, como a colocar-se em
cedem a uma multidão que que cnnl procura se retirar espaços nas resistências
dos espa(,;os delimitados da para 110 tecido social em seu que acabaram. por reconhecer que, através de processos
conjunto. O que vem~s.então não é mais a definição disciplinar de espaços e que definir de "auto-consciência", se
t~mpos de cOl:trole dlstmtos dos espaços e dos tempos do não-controle, mas penso muito mais nas resistências que emergem no quotidíano silencioso das
SIm _o exp~odll- d~ uma obsessão quase dese'sperada de vigilância total, de formas de vida e das experiências biográficas individuais. Penso nas resis-
gestao do impreVIsto, de antecipação do possível. tências que se enraízam na corporeidade de um trabalho hiper-explorado e
Quando afirmamos que o controle pós-fordista assume progressivamen- precário, nas expectativas de vida confinadas num gueto urbano ou no dese-
te a forma de um simulacro, não pretendemos desmaterializá-lo, nem mes- jo de fuga que esbarra num confim artificia1. "Exemplos de espécie", diria
mo.subestimar a violência que o inspira e as conseqliências factuais que daí Foucault; emergências singulares, muitas vezes subterrâneas, quase sempre
den~an:' As novas estratégias de segregação urbana, de destruição do espa- ocultas ou tornadas invisíveis pelos dispositivos do controle pós-fordista,
ço publIco, de encarceramento de massa e de limitação do acesso à informa- mas que delineiam uma nova cartograf.9 das resistências biopolíticas.
ção são fenômenos extremamente reais. Produzem sofrimento, isolamento, Penso nos migrantes, cujo desejo de mobilidade, de subtração, de fuga,
desespero, chegando mesmo, muitas vezes, a -impor aquela "morte bioaráfi- esbarra diariamente nos dispositivos de controle e de localização forçada da
ca" a ~~e eu m~ refe~ia nas p:-imeiras páginas. É impossível negá-lo. A<;sim multidão, expressando uma "crítica prática" a eles 135. As políticas de contro-
como e lmposslvel nao ver ate que ponto este arsenal de violência do contro- le das migrações se traduzem numa expropriação sistemática dos desejos,
le que vemos desenvolver-se na sociedade contemporânea demonstra toda a das motivações e das expectativas que inspiram os projetos migratórios. Na
sua pobreza diante da riqueza das subjetividades produtivas que pretende metrópole pós-fordista, é retirada a palavra ao migrante, a linguagem e a
controlm·.
possibilidade de comunicar a própria condição existencial lhe são tolhidas,
. _Aqui, a incapacidade de compreender e governar o real determina a tran- reduzindo-o, assim, à afasia. Vemos desenvolver-se aqui, de modo exemplar,
slçao a um poder de controle do excesso que l1el0 é mais produçel0, mas sim a racionalidade dos dispositivos de controle pós-fordistas. Ao mesmo tempo
pura de (1'1
< a, d o do
da guerra humanitária, ele cuIti- m Cf. Diritto di cit.
112
113
c1ass~at.rabalhadora e c1ass~ perigosa, excesso positivo e excesso negativo,
os :TIlbra~tes devem ser pnvados exatamente daquelas faculdades comuni-
catIvas, lmgüísticas c afetivas que deles uma subjetividade constitutiva
da f?rça de trabalho social. O objetivo é contrastar o auto-reconhecimento
de SI como part~ da multidão, de impedir a de laços e de Bibliografia
. SOCIal e que possam elar corpo à Os
C?l1stltuem então uma.imagem paradigmática da multidão pós-fordista e in-
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