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Tema 1: Interface entre Psicologia e Direito

Introdução
Neste primeiro capítulo, abordaremos a definição de Psicologia, o
Direito e Psicologia Jurídica. Partimos de pressupostos que a Psicologia e
o Direito são disciplinas distintas, diferem no seu objeto formal, pois a
Psicologia volta-se para o mundo do ser, já o Direito para o mundo do dever
ser, mas ambas possuem o mesmo objeto material, interesse pelo
comportamento humano. Enquanto ciências aplicadas elas procuram
compreender e predizer a conduta humana.

Exploraremos a Psicologia do senso comum e a ciência psicológica,


na atualidade uma das preocupações da Psicologia é com a cientificidade,
buscando evidências empíricas do comportamento humano e dos
processos mentais. A ciência psicológica, possui várias facetas,
possibilitando várias as áreas de conhecimento.

Outra temática a ser explorada neste capítulo é o Direito, que cria


regras para regular o comportamento humano, considerando o que é certo
ou errado para a convivência humana.

A Justiça necessita tanto da Psicologia como do Direito, que acabam


se interligando profissionalmente através da Psicologia Jurídica, fazendo
compartilhamento de conhecimentos para conseguirem responder
demandas do poder judiciário para a compreensão do comportamento
humano e seu bem estar.

1 SOUZA, M.B.
Psicologia: senso comum e ciência
Muito se ouve que “de Psicólogos todos temos um pouco”, ou que ao
precisar de ajuda podem recorrer a um amigo solicitando conselhos,
atribuindo esse papel também aos Psicólogos. Entretanto, esses ditos
populares fazem parte do cotidiano do ser humano e configuram o senso
comum, sem solicitar qualquer tipo de comprovação ou embasamento
científico.

A vida de todo ser humano acontece no dia a dia; é no viver diário que
se sabe que está vivo, se sente a realidade dos afetos e dos
acontecimentos, mantendo relações como os demais seres. Nessa vivência,
vai se adquirindo alguns conhecimentos, principalmente os gerados pela
observação, execução e repetição, podendo inclusive ser passado de
geração para geração. Para fazer ciência, também se utiliza desse mesmo
cotidiano, entretanto se afasta da realidade em si para compreender além
das aparências e sair do “achismo”: aprofunda-se sobre o tema utilizando
um viés investigativo, caracterizando-o como objeto de estudo e permitindo
então gerar conhecimento científico.

2 SOUZA, M.B.
Por exemplo, Newton é um físico que utilizou de experiências do dia
a dia para transformar uma informação em ciência. Ao perceber que a maçã
caía da árvore, ele foi em busca de respostas para o ocorrido. Em um
primeiro momento, não existiam dados científicos acerca disso, eram
apenas situações cotidianas. Entretanto, ele formulou a lei da gravidade
para provar cientificamente como esse fato se dava. Ou seja, Newton
converteu um fato cotidiano em um fato científico. O que precisa ficar claro
é que só após a legitimação do ocorrido é que se fez ciência.

O senso comum faz parte do que é viver em sociedade; a população


em geral sabe o tempo a atravessar uma avenida movimentada sem

3 SOUZA, M.B.
necessariamente usar uma ferramenta para realizar um cálculo que
sustente isso. Quando a criança escuta de seus responsáveis: “Cuidado
para atravessar a rua!” ou “Tenha certeza que dará tempo antes de iniciar a
travessia!”, ela está atenta ao que está acontecendo, observa e reproduz, e
através da repetição irá aprender como atravessar a rua. Essa informação
será passada de geração para geração. Para esse conhecimento dá-se o
nome de senso comum, que é mais intuitivo, espontâneo e muito ligado às
tentativas e erros do nosso comportamento. É um conhecimento popular e
muitas vezes culturalmente aceito, mas não está relacionado com a sua
validade ou invalidade.

4 SOUZA, M.B.
A ciência, diferente do senso comum, possui um objeto específico de
estudo e exige linguagem rigorosa, além de possuir métodos e técnicas
específicas para obtenção de conhecimento que permitem a verificação de
sua validade. Isso faz com que se estabeleça um processo contínuo e
cumulativo: um novo conhecimento é produzido a partir de algo previamente
estabelecido. Outrossim, a produção científica anseia por objetividade, não
sendo passível da interferência da emoção. Essas questões fazem da
ciência uma área que ultrapassa eminentemente o conhecimento obtido
através do senso comum.

A Psicologia, junto com as demais ciências humanas, estuda o ser


humano, entretanto, essa é uma definição muito ampla. Diferentes
profissionais da área da Psicologia definiriam o objeto específico a ser
estudado nesse contexto de maneiras distintas, podendo ser o pensamento
humano, o inconsciente, o comportamento, a consciência, a personalidade,
etc.Isso pode ser justificado pelo fato de que apenas no final do século XIX
a Psicologia foi compreendida e aceita como campo científico, a partir do
momento em que conseguiu se diferenciar da Filosofia. Para mais, esta área
de conhecimento possui um detalhe bastante relevante: o pesquisador está
passível de confundir-se com seu objeto de estudo. Isso porque o objeto a

5 SOUZA, M.B.
ser estudado, de maneira mais ampla, é o ser humano, e o pesquisador
também faz parte desta divisão. Nesse sentido, a concepção de ser humano
do cientista pode interferir em sua pesquisa.

Além do mais, o “ser humano” é diverso, existem inúmeras


perspectivas, o que implica na dificuldade de defini-lo melhor. Ao
estabelecer um padrão único de definição, o Psicólogo está selecionando
quem faz ou deixa de fazer parte do estudo. Parte de todas essas
especificidades do ser humano pode ser entendida pela subjetividade. A
subjetividade é o mundo construído internamente pelo sujeito, a partir de
suas relações sociais, de suas vivências no mundo e de sua constituição
biológica, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais, que
torna cada ser único. Por essas razões, somadas ao fato de que a Psicologia
como ciência é prematura, pode-se dizer que na realidade o que se tem são
Ciências Psicológicas em desenvolvimento.

De acordo com Bock (2001), a Ciência é um relação entre o


pensamento humano e a realidade por ele vivenciada, um processo
permanente de conhecimento do mundo.”, sendo assim, os acontecimentos
acerca do ser humano despertam motivação e interesse para Ciência, que
com seus métodos e técnicas específicos irá em busca de novas respostas.

6 SOUZA, M.B.
Direito e Psicologia Jurídica
A espécie humana necessita viver em sociedade e poder se relacionar
com seus semelhantes, a convivência proporciona a união entre os grupos
de homens. A convivência não é uma tarefa fácil, pois há necessidade de
não interferir na conduta e no espaço dos demais.

A convivência em comunidade nem sempre é pacífica, gerando


muitas divergências e conflitos, para harmonizar essa convivência grupal o

7 SOUZA, M.B.
homem social criou o Estado. O Estado cria normas e regras para a
convivência harmônica, que são cumpridas pela obrigação ou pela punição.

O Direito tenta sustentar a vida em sociedade através da:

1 - Busca da regulação do comportamento humano;

2 - Prevê e controla as condutas

3 - Tenta pensar em formas de solucionar os conflitos gerados


pela convivência.

Diante dessa realidade a Psicologia apresenta condições de auxiliar


o Direito, à literatura faz referência nos três caminhos para percorrer no
mundo psicojurídico:

8 SOUZA, M.B.
A Psicologia Jurídica apresenta como objeto de estudo o
comportamento e os processos mentais, tentando entender como eles
ocorrem ou podem vir a ocorrer.

9 SOUZA, M.B.
Ela também pode ser entendida como o estudo do comportamento
das pessoas ou grupos, que vivem e se desenvolvem em ambientes
regulados juridicamente, bem como a evolução das regulamentações
jurídicas ou leis enquanto o comportamento das pessoas e os grupos sociais
se desenvolvem.

Fonte: Autora

10 SOUZA, M.B.
Os psicólogos exercem suas atividades profissionais nos tribunais ou
fora dele, que dariam suporte para o mundo do direito. A Psicologia Jurídica
ocorre nesse campo de intersecção com o Direito, uma psicologia aplicada
para um melhor entendimento do exercício do Direito.

Desde do final do século XIX e início do século XX, surgiram os


primeiros estudos de Psicologia Jurídica, relacionados aos sujeitos
processos e aos testemunhos. Na década de 80, o Direito e a Psicologia se
voltaram para o entendimento da criança e adolescente que praticavam
algum ato infracional e as medidas que porventura poderiam decorrer dele,
ao mesmo tempo houve uma maior preocupação com a proteção integral,
respeitando os direitos e tentando coibir qualquer tipo de violência contra a
criança e adolescente.

As famílias estavam passando por muitas transformações, novos


conceitos e novas configurações familiares surgindo, gerando grande
impacto no direito de família, principalmente nas questões relacionados com
o divórcio dos casais e a guarda dos filhos.

11 SOUZA, M.B.
De acordo com o proposto por Clemente (1998), conforme a inserção
do psicólogo no mundo jurídico e a função profissional que irá exercer, pode-
se falar de várias Psicologias Jurídica na atualidade:

12 SOUZA, M.B.
A Psicologia Jurídica, na atualidade está num estágio de construção,
apresentando algumas vulnerabilidades, que possivelmente serão
superadas pelo desenvolvimento do diálogo com o Direito. Construindo um
novo espaço de atuação que Trindade (2017), denomina de “psicojurídico”.

Como disciplina em construção, especialidade que foi reconhecida


pelo Conselho Federal de Psicologia com a Resolução nº 14/00 em
22/12/00, apresenta alguns pontos que ainda não estão muito definidos e
delimitados, um desses pontos está relacionado com a controvérsia do livre
árbitro versus determinismo psíquico.

13 SOUZA, M.B.
Outro ponto a ser pensado, está relacionado na natureza dos fatos,
cada uma das disciplinas se define de maneira diferente os fatos. A
Psicologia irá trabalhar com o pressuposto da probabilidade, já o Direito
necessita trabalhar com um alto nível de certeza, para que as decisões
possam ser tomadas.

Para Trindade (2017), ainda existem muitos empecilhos na


aproximação da Psicologia e do Direito, sendo sintetizado pelo autor da
seguinte maneira:

Fontes: Trindade, 2017, p.37

Apesar desses entraves, a Psicologia tem muito que contribuir para o


conhecimento do homem, da sua relação com o mundo e os outros. Já a
Psicologia Jurídica, contribui no entendimento e na compreensão do homem
jurídico, podendo ajudar no estudo das leis e nas instituições jurídicas.

14 SOUZA, M.B.
Referências
BOCK, Ana Mercês Bahia. Psicologias.15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018

CLEMENTE, M (Coord.) Fundamentos de la psicologia jurídica. Madrid:


Pirámide, 1998.

FIORELLI, José Osmir. MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia


Jurídica. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2020.

ROVISNKI, Sonia Liane Reichert. Fundamentos da perícia psicológica


forense. 3ª ed. São Paulo: Vetor, 2014.
TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do
direito. 8ªed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.

15 SOUZA, M.B.

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