Você está na página 1de 12

01

00
Potenciais biotecnológicos do
látex de Hancornia speciosa
Gomes (mangabeira)

Luciane Madureira Almeida


UFG

Elisa Flávia L. Cardoso Bailão


UEG

Paulo Henrique de Oliveira


UEG

Pablo José Gonçalves


UFG

10.37885/210203063
RESUMO

A bioprospecção de recursos naturais é um tópico de grande interesse nas ciências bio-


médicas modernas. Pesquisas recentes mostraram que o látex de Hancornia speciosa,
uma frutífera nativa do Cerrado brasileiro, possui atividade cicatrizante, angiogênica,
osteogênica, anti-inflamatória, antifúngica e antioxidante. Nesse trabalho foi realizada
uma revisão sobre caracterização química, uso popular e as propriedades medicinais do
látex de mangabeira. Os resultados apresentados sugerem que o látex de H. speciosa
tem alto potencial biotecnológico e esforços devem ser realizados para melhor utilização
desse recurso natural.

Palavras-chave: Anti-Inflamatório, Angiogênese, Antioxidante, Bioprospecção, Osteogênese.


INTRODUÇÃO

O interesse econômico e científico sobre a frutífera nativa do Cerrado Hancornia spe-


ciosa (mangabeira) vem crescendo nos últimos anos, devido principalmente à comercializa-
ção de seu fruto e extração de compostos naturais com alto potencial farmacológico. Entre
as diferentes partes da planta, existem perspectivas para a bioprospecção do látex obtido
do tronco da mangabeira para obtenção de produtos para uso medicinal. Até o momento,
os resultados obtidos mostram que o látex de H. speciosa possui potencial angiogênico
(D’ABADIA, 2016; ALMEIDA et al., 2014; D’ABADIA et al., 2020), osteogênico (FLORIANO
et al., 2016; DOS SANTOS NEVES et al., 2016); anti-inflamatório (MARINHO et al., 2011);
antifúngico (SILVA et al., 2010), antioxidante (D’ABADIA et al., 2020); além de não causar
toxicidade celular em humanos (COSTA, 2020); camundongos (ALMEIDA et al., 2014) e
cebola (RIBEIRO et al., 2016). Além disso, como outros materiais poliméricos, o látex dessa
espécie pode ser usado como plataforma para inserção de fármacos para entrega dirigida
destas substâncias. O uso desse material para desenvolvimento de produtos agrega valor
econômico a H. speciosa, a qual, até o presente momento, vem sendo explorada apenas para
utilização de seus frutos. A proposta desse trabalho é realizar uma revisão sobre as caracte-
rísticas físico-químicas dessa substância e suas propriedades biológicas e biotecnológicas.

Látex e o uso popular do látex de mangabeira

O látex é uma secreção leitosa liberada de algumas plantas após a ocorrência de


uma lesão cuja função principal é a de defesa contra o ataque de patógenos. Em contato
com ar, essa secreção sofre oxidação e, ao cobrir ao tecido vegetal danificado, auxilia na
cicatrização tecidual da planta (KONNO et al. 2011). Com relação ao aspecto, geralmente
o látex é uma seiva branca, mas há exceções e, em alguns casos, é transparente ou com
cor distinta (KONNO, 2011). A composição do látex varia entre as espécies, mas em geral
é composto de carboidratos, proteínas, alcaloides, amidos, taninos, óleos, resinas e bor-
racha (DOMSALLA E MELZIG, 2008). O látex foi relatado em aproximadamente 20.000
espécies de plantas, sendo mais comumente encontrado nas famílias Euphorbiaceae e
Apocynaceae (KONNO 2011). Dentre eles, o látex obtido da seringueira (Hevea brasilien-
sis), uma Euphorbiaceae, é o mais explorado comercialmente pois é a principal fonte de
borracha natural no mundo.
O látex tem se mostrado muito versátil no desenvolvimento de produtos para distintas
aplicações. Além de sua importância na indústria pneumática, encontram-se uma infinidade
de produtos que utilizam a borracha derivada do látex para fabricação de brinquedos, ma-
terial esportivo, produtos hospitalares, vedação em geral, dentre outros. Outro exemplo de
emprego de látex por humanos é na área medicinal. Um dos usos mais antigos do látex é

Produtos Naturais e Suas Aplicações: Da Comunidade Para o Laboratório 11


para se obter o ópio (Papaver somniferum). Os alcaloides extraídos da papoula são utilizados
para fabricação de drogas como: morfina, codeína, tebaína, papaverina e noscapina. Além
do látex de Papaver somniferum, diversas espécies lactíferas podem ser usadas com fins
medicinais, entre elas o látex de Hancornia speciosa.
H. speciosa, popularmente conhecida como mangabeira, é uma árvore pertencente à
família Apocynaceae, encontrada no bioma Cerrado brasileiro (LEDERMAN et al., 2000). O in-
teresse na cultura da mangabeira vem crescendo nos últimos anos, sendo o principal inte-
resse comercial o fruto, a mangaba (ALMEIDA et al., 2016). Além dos frutos, outros impor-
tantes subprodutos podem ser extraídos dessa planta, como o látex obtido do tronco (Figura
1). O látex de H. speciosa tem aparência leitosa, coloração ligeiramente rosada e pH alcalino
(ALMEIDA et al., 2016).

Figura 1. Imagens da espécie frutífera do Cerrado Hancornia speciosa (mangabeira). Imagem principal: árvore com seus
frutos. Imagens menores: a coleta e aspecto leitoso e rosado do látex. Todas as imagens foram obtidas pelos autores.

Em relação ao uso popular, pesquisas etnobotânicas relataram o uso tradicional do suco


leitoso do fruto e látex do tronco para o tratamento de doenças de pele, acne, verrugas,
doenças fúngicas, tuberculose, úlceras gástricas e fraturas ósseas (POTT & POTT 1994,
GUARIM NETO, 1997; NETO & MORAIS 2003, MACEDO & FERREIRA 2004, SAMPAIO &
NOGUEIRA 2006, SANTOS et al. 2007).
Características químicas do látex de H. speciosa;

O látex representa o conteúdo citoplasmático de um sistema de células especializadas,


conhecidas como laticíferos (AZZINI et al., 1998). O látex é uma solução coloidal polidispersa,
onde as partículas de borracha (poli-isopreno) encontram-se dispersas em um meio aquoso
onde a água é o principal constituinte com cerca de 50 a 70% do peso/volume. As camadas
lipoprotéicas representam cerca de 3 a 5% do peso/volume do látex e são compostas por

12 Produtos Naturais e Suas Aplicações: Da Comunidade Para o Laboratório


substâncias do tipo não-borracha, como os aminoácidos, sais inorgânicos, ácidos nucléicos,
carboidratos, ácidos graxos e metabólitos secundários (PERRELLA, 2002).
Recentemente, foi relatada a eficácia e o potencial dos metabólitos secundários na
prevenção ou atenuação de doenças (DZIALO et al., 2016). Considerando que a ativida-
de biológica pode estar associada a presença de metabólitos secundários, foi realizada a
fitoprospecção do látex de H. speciosa e foi observada a presença de flavonas, flavonois,
flavanonas e taninos; no entanto, cumarinas, alcaloides e antraquinonas não foram detec-
tados (D’ABADIA et al., 2020).
Além dessa caracterização inicial, outros estudos de cromatografia líquida de alta
eficiência e de espectrometria de massa foram realizados para detectar os principais cons-
tituintes do látex de H. speciosa. Os resultados obtidos identificaram os seguintes compos-
tos no látex: ácido clorogênico, naringenina-7-O-glucosídeo catequina e procianidina (dos
SANTOS NEVES et al., 2016; D’ABADIA et al., 2020). Os ácidos clorogênicos (CGAs) são
ésteres formados entre os ácidos caféico e quínico e representam um grupo abundante de
polifenóis vegetais (LIANG E KITTS, 2015). As evidências revelam que os CGAs exibem
atividades antioxidantes, antimutagênicas e antiinflamatórias e são capazes de modular
numerosas vias metabólicas importantes (LIANG E KITTS, 2015).

Propriedades angiogênica e cicatrizante do látex de H. speciosa;

O mecanismo de formação de novos vasos a partir de células endoteliais consiste no


processo de angiogênese fisiológica, um evento biológico essencial para o desenvolvimento
de órgãos, cicatrização de feridas e respostas inflamatórias (FOLKMAN, 2003). O processo
de angiogênese vem sendo foco de investigações científicas, uma vez que os materiais
que induzem a angiogênese são importantes para a engenharia de tecidos, pois aumen-
tam a proliferação celular ou estimulam a cicatrização de feridas em pesquisas (ALMEIDA
et al., 2014). Por outro lado, materiais que inibem a angiogênese são interessantes para
tratamento de câncer. A terapia antiangiogênica do câncer consiste no uso de drogas para
interromper o suprimento sanguíneo às microrregiões tumorais, resultando em hipóxia e ne-
crose nos tecidos tumorais sólidos e consequentemente sua morte por inanição nutricional
(WEISS et al., 2012).
Diferentes estudos têm empregado o ensaio da membrana corioalantoide de ovos
de galinha fertilizado (Figura 2) para comprovar o potencial angiogênico de biomembranas
produzidas a partir do látex de H. speciosa (ALMEIDA et al., 2014), bem como da fração
aquosa desse látex (D’ABADIA et al., 2020).

Produtos Naturais e Suas Aplicações: Da Comunidade Para o Laboratório 13


Figura 2. Imagens dos ensaios com a membrana corioalantóide de ovos de galinha fertilizado mostrando a atividade
angiogênica da biomembrana de látex de H. speciosa. 1) esquema de análise de imagem obtida com o Programa Imagem
J; 2) látex com amônia 0,01%; 3) látex com água 1:1; 4) Regederm® (controle positivo); 5) água (controle negativo); 6)
dexametasona (inibidor). Todas as imagens foram obtidas pelos autores.

A angiogênese é uma etapa inicial e fundamental no processo de cicatrização de feridas


(IBRAHIM et al. 2017), o qual pode ser didaticamente dividido em quatro fases que podem
se sobrepor no tempo e no espaço: hemostasia, inflamação, formação de tecido e remode-
lamento de tecido (MAJEWSKA; GENDASZEWSKA-DARMACH, 2011). Especificamente,
no processo de cicatrização, a angiogênese envolve o crescimento de novos capilares para
formar o tecido de granulação (HONNEGOWDA et al. 2015). Outra etapa importante durante
a cicatrização da ferida é o remodelamento da matriz extracelular que é danificada devido
à lesão (XUE E JACKSON, 2015). Recentemente, um estudo in silico mostrou que o ácido
clorogênico presente no látex de H. speciosa pode interagir com proteínas, tais como as
metaloproteinases e estimular o remodelamento da matriz extracelular e, consequentemente,
estimular o processo de cicatrização de feridas (D’ABADIA et al., 2020).
No modelo animal, a propriedade angiogênica das biomembranas de látex de H. spe-
ciosa foram reportadas recentemente por Pegorin et al. (2020). Neste trabalho os autores
mostraram que a biomembrana de látex recruta as células inflamatórias nos dias 2 e 7 pós-
-operatório, o que é importante para que ocorra uma boa cicatrização, bem como para limpeza
do tecido, contribuindo para a morte dos agentes invasores e manutenção da integridade
da pele. Além disso, os autores lembram que para que ocorra a cicatrização adequada da
ferida, deve haver aumento da inflamação inicialmente, mas não por muito tempo, segui-
do pela formação de tecido de granulação e fibroplasia concomitante, colagênese e, por
fim, uma contração dos fibroblastos juntamente com a reepitelização das bordas da ferida
promovendo seu fechamento completo. Os resultados obtidos mostram que biomembrana
de látex de H. speciosa estimula as células inflamatórias e a angiogênese, aumentando

14 Produtos Naturais e Suas Aplicações: Da Comunidade Para o Laboratório


significativamente a colagênese e melhorando a qualidade da cicatrização em ensaios com
camundongos. Dessa forma, essa biomembrana tem se mostrado um biomaterial seguro
e biocompatível com potencial cicatrizante, tornando-se uma alternativa eficaz e de baixo
custo para o tratamento de feridas cutâneas.

Propriedade osteogênica do látex de H. speciosa;

O osso é um tecido dinâmico apesar de sua dureza e resistência. A sua plasticidade


torna-o capaz de se remodelar em resposta às forças aplicadas e regenera-se em condições
favoráveis (JUNQUEIRA E CARNEIRO, 2011). A osteogênese é um processo de forma-
ção óssea por osteoblastos de origem mesenquimal, seguido de mineralização da matriz
extracelular (ossificação). A necessidade de estimular a formação óssea está presente em
diversas situações clínicas.
Recentemente foi demonstrado que o látex de H. speciosa estimula a osteogênese e
regeneração óssea em modelos de cálvaria de coelhos (FLORIANO et al., 2016) e de ra-
tos (dos SANTOS NEVES et al., 2016) com maior bioatividade em relação ao padrão ouro
(PTFE, polytetra-fluoroethylene), que foi utilizado como controle positivo. Além da atividade
osteogênica, as biomembranas de látex também apresentaram comportamento elastomé-
rico, com alto alongamento e mais resistente a tensão na ruptura (FLORIANO et al., 2016).

Propriedade anti-inflamatória do látex de H. speciosa

A inflamação é a resposta de proteção normal do corpo a uma lesão. Essa lesão


pode ser causada por agentes biológicos (vírus, bactérias, fungos e parasitos), substâncias
químicas, agentes físicos (radiação, choques mecânicos, temperaturas extremas) e outros
(FREITAS et al., 2019). Além das lesões, muitas doenças possuem um importante compo-
nente inflamatório (MUNN, 2016), o que geralmente causa dor e agrava o quadro de saúde
dos pacientes. Existem medicamentos eficazes no tratamento desses distúrbios, mas muitos
deles causam efeitos colaterais deletérios (MARINHO et al., 2011). Dessa forma, alternativas
usando compostos naturais para respostas anti-inflamatórias podem contribuir para melhora
da saúde desses pacientes.
O potencial anti-inflamatório do látex de Hancornia speciosa foi demonstrado usando
como modelo feridas nas patas de camundongos e ratos em analgesia (lambedura induzida
por formalina, contorções induzidas por ácido acético e placa quente) e modelos de infla-
mação (lambedura induzida por formalina, edema de pata e bolsa de ar subcutânea, com
medição de migração celular, volume de exsudato, extravasamento de proteína, óxido nítrico,
prostaglandina E2, TNF-α e IL-6, e expressão das enzimas óxido nítrico sintase induzível e
ciclooxigenase-2 (COX-2) (MARINHO et al., 2011). Os resultados mostraram que o número

Produtos Naturais e Suas Aplicações: Da Comunidade Para o Laboratório 15


de contorções e o tempo que o animal passou lambendo a pata injetada com formalina foi
significativamente reduzido. O látex também teve ação anti-edematogênica reduzindo o
edema da pata. Além disso, o látex inibiu a inflamação induzida por injeção subcutânea de
carragenina, migração celular, volume de exsudato, extravasamento de proteínas, aumento
dos níveis de mediadores inflamatórios (óxido nítrico, prostaglandina E2, TNF-α e IL-6) e
aumento da expressão das enzimas óxido nítrico sintase e ciclooxigenase 2. Os autores
concluíram que o látex obtido de H. speciosa apresenta atividade anti-inflamatória significa-
tiva por meio da inibição da produção de óxido nítrico, PGE2 e citocinas, confirmando o uso
popular dessa planta como agente anti-inflamatório.

Propriedade antifúngica do látex de H. speciosa

Alguns fungos são capazes de causar doenças em animais e vegetais, colonizando


áreas de seu organismo. As drogas antifúngicas geralmente utilizadas são: sulfonamidas,
cetoconazol, itraconazol, fluconazol e anfotericina B, as quais necessitam de tratamentos
prolongados e algumas são de natureza nefrotóxica (AMARAL et al., 2005). Além disso, o
uso indiscriminado de antifúngicos estimula a seleção de patógenos tolerantes, o que, é
prejudicial a toda a população (ABADIO et al., 2011). Assim, compostos naturais podem ser
alternativa para enfermidades causadas por fungos.
A atividade antifúngica do látex de H. speciosa contra a espécie de fungo Candida
albicans foi relatada por Silva et al (2010). Os pesquisadores excluíram que essa atividade
antifúngica possa estar associada a outros microrganismos presentes no látex, mas sugerem
cuidado no uso popular do látex da planta, o qual pode apresentar contaminantes prejudi-
ciais ao organismo.

Propriedade antioxidante do látex de H. speciosa

Os radicais livres são moléculas que possuem elétrons desemparelhados na última


camada eletrônica. Este fato torna os radicais livres instáveis e altamente reativos na busca
por atingir a estabilidade pela transferência de seus elétrons para outras moléculas na célula,
tais como proteínas, lipídios e ácidos nucléicos. Apesar de as reações de oxido-redução ter
papel fundamental para o bom funcionamento do organismo, quando em excesso, os radi-
cais livres passam a oxidar células saudáveis. As principais consequências do excesso de
radicais livres são a peroxidação dos lipídios das membranas celulares, o desequilíbrio da
homeostase, a formação de resíduos químicos, as mutações gênicas no DNA, a disfunção
de certas organelas, bem como o surgimento de doenças devido a lesão e/ou morte celular
(OLIVEIRA; SCHOFFEN, 2010). Dentre as várias propriedades terapêuticas das plantas,
o potencial antioxidante, ou seja, a capacidade de bloquear, atrasar ou reparar a ação dos

16 Produtos Naturais e Suas Aplicações: Da Comunidade Para o Laboratório


radicais livres nas células e tecidos (LINS NETO, 2015), tem atraído a atenção tanto da co-
munidade científica como da indústria farmacêutica. Recentemente, D’Abadia et al. (2020)
mostraram que o látex de H. speciosa possui atividade antioxidante e assim pode atuar na
redução de radicais livres.

Biocompatibilidade e ausência de toxicidade celular

Biocompatibilidade é a habilidade de um material em ser compatível com tecidos vivos,


em especial, o corpo humano. A biocompatibilidade tornou-se o principal requisito para a
aplicação médica de materiais e dispositivos. Dentre os parâmetros para determinação da
biocompatibilidade estão a determinação da toxicidade, citotoxicidade e genotoxicidade des-
se composto. Essas análises fazem parte do processo de avaliação inicial estipulado pelas
normas ISO (10993-3; 10993-5). Os resultados obtidos em três modelos diferentes, Allium
cepa (RIBEIRO et al., 2016), fibroblasto de camundongos (ALMEIDA et al., 2014) e células
dentrídicas humanas (COSTA, 2020) mostram que o látex puro, ou em solução aquosa não
são citogenotóxicos. Uma pequena genotoxicidade foi observada quando se usa a amônia
para estabilizar o látex após a coleta (ALMEIDA et al., 2014). O potencial tóxico da biomem-
brana de látex de H. speciosa com diferentes concentrações de nanopartículas de prata
também foi avaliado por Almeida et al. (2019) em ensaio com Allium cepa. Os resultados
mostraram que a adição de AgNP na concentração mais baixa não causa efeito tóxico nas
células vegetais e pode melhorar a atividade farmacológica do látex.

Biomateriais poliméricos como plataforma para entrega dirigida de drogas

As biomembranas de látex, além de possuir diferentes atividades biológicas, podem ser


usadas como matriz polimérica que tem a capacidade de armazenar uma grande variedade
de drogas, proteínas e nanopartículas (GUIDELLI et al., 2013). Isso torna as biomembranas
altamente atraentes como um sistema de entrega de drogas. O objetivo de um sistema de
administração de drogas é fornecer medicamentos intactos a partes específicas do corpo
por meio de um meio que pode controlar a administração terapêutica por gatilhos fisiológi-
cos ou químicos. Os materiais poliméricos são alternativas importantes para o desenvolvi-
mento de sistemas de liberação de fármacos direcionados, principalmente devido ao seu
fácil processamento e à possibilidade de controlar suas propriedades físicas e químicas
(Herculano et al., 2010).
Recentemente, dois trabalhos reportaram a incorporação de nanopartículas de pra-
ta AgNP, as quais possuem conhecida atividade antimicrobiana, ao látex de mangabeira
(ALMEIDA et al., 2019; BONETE et al., 2020). O potencial cicatrizante desse biomaterial foi
avaliado em modelo de feridas abertas em dorso de ratos. A reação tecidual após implantação

Produtos Naturais e Suas Aplicações: Da Comunidade Para o Laboratório 17


subcutânea em dorso de ratos de membranas sem AgNP e com 0,05% e 0,4% de AgNP foi
comparada em 3, 7 e 25 dias. Não foi observada diferença estatisticamente significativa na
resposta tecidual dos diferentes biomateriais, indicando que o AgNP não interferiu na rea-
ção inflamatória (p > 0,05) ou na atividade angiogênica do látex. As biomembranas também
apresentaram atividade antimicrobiana contra Staphylococcus aureus, com crenação de
bactérias (0,05% AgNP) e ausência de deposição de biofilme (0,4% AgNP) (BONETE et al.,
2020). Portanto, este biomaterial apresenta propriedades interessantes para o processo de
reparo tecidual, podendo ser viável para futuras aplicações como curativo.

CONCLUSÕES

O látex da espécie Hancornia speciosa apresenta atividades angiogênica, cicatrizante,


osteogênica, anti-inflamatória, antifúngica, antioxidante, além de não ser citogenotóxico para
as células animais e vegetais. Além disso, o látex quando polimerizado pode ser matriz para
incorporação de drogas e atuar na entrega dirigida de fármacos. Esses resultados sugerem
que o látex de H. speciosa tem alto potencial biotecnológico e esforços devem ser realizados
para melhor utilização desse recurso natural.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem as agências de fomento a pesquisa FAPESP, CNPq e CAPES.


Também apoio da Universidade Estadual de Goiás e Universidade Federal de Goiás.

REFERÊNCIAS
1. ABADIO, A. K. R., et al. Comparative genomics al- lowed the identification of drug targets
against human fungal pathogens. BMC Genomics, v.12, p. 1–10, 2010.

2. ALMEIDA, L.M. et al. Hancornia speciosa latex for biomedical applications: physical and che-
mical properties, biocompatibility assessment and angiogenic activity. J. Mater. Sci. Mater.
Med., v. 25, p. 2153-62, 2014.

3. ALMEIDA, L.M. et al. The state-of-art in angiogenic properties of latex from different plant
species. Curr. Angiogenesis, v. 4, p. 10-23, 2016.

4. Almeida LM, et al. Toxicity of silver nanoparticles released by Hancornia speciosa (Mangabeira)
biomembrane. Spectrochim Acta A Mol Biomol Spectrosc. v. 5; n.210, p.329-334, 2019.
doi: 10.1016/j.saa.2018.11.050. Epub 2018 Nov 19. PMID: 30472596.

5. AMARAL, A. C., L. et al. Therapeutic targets in Paracoccidioides brasiliensis: post-transcriptome


perspectives. Genet. Mol. Res. v. 30, p. 430–449, 2005.

18 Produtos Naturais e Suas Aplicações: Da Comunidade Para o Laboratório


6. BONETE, J. M. et al. Tissue reaction and anti-biofilm action of new biomaterial composed of
latex from Hancornia speciosa Gomes and silver nanoparticles. An Acad Bras Cienc. v. 16,
n. 92(4), e20191584, 2020. doi: 10.1590/0001-3765202020191584. PMID: 33206788.

7. COSTA A.F. Potencial irritante e alergênico ao látex de Hancornia speciosa. Dissertação Re-
cursos Naturais do Cerrado, Universidade Estadual de Goiás 2020.

8. D’ABADIA, P.L. et al. Hancornia speciosa serum fraction latex stimulates the angiogenesis and
extracellular matrix remodeling processes. An Acad Bras Cienc. v. 2, n. 92(2): e20190107,
2020. doi: 10.1590/0001-3765202020190107. PMID: 32556049.

9. DOMSALLA, A., GÖRICK, C., MELZIG, M.F. Proteolytic activity in latex of the genus Euphor-
bia--a chemotaxonomic marker? Pharmazie. v. 65(3), n. 227-230, 2010.

10. dos SANTOS NEVES, J.S. et al. Evaluation of the osteogenic potential of Hancornia speciosa
latex in rat calvaria and its phytochemical profile. J. Ethnopharmacol., v.183, p.151–158, 2016.

11. DZIAŁO, M. The potential of plant phenolics in prevention and therapy of skin disorders, Int.
J. Mol. Sci., v.17, n.2, p.160, 2016.

12. FLORIANO, J.F. et al. Comparative study of bone tissue accelerated regeneration by latex
membranes from Hevea brasiliensis and Hancornia speciosa. Biomed. Phys. Eng. Express,
v.2, n.4, 2016.

13. FOLKMAN, J. Fundamental concepts of the angiogenic process. Curr. Mol. Med., v.3, n.7,
p.643-651, 2003.

14. FREITAS, P. R. et al. Abordagens terapêuticas nas doenças inflamatórias: uma revisão. Re-
vista Interfaces, v. 7, n. 2, p. 318-324, 2019.

15. GUARIM NETO, G. Plantas utilizadas na medicina popular do estado de Mato Grosso. Minis-
tério da Ciência e Tecnologia, p.58, 1997.

16. GUIDELLI EJ et al. Silver nanoparticles delivery system based on natural rubber latex mem-
branes. J Nanopart Res. v.15, p.1-9, 2013.

17. HERCULANO, R. D. et al. Natural rubber latex used as drug delivery system in guided bone
regeneration (GBR). Mat. Res., São Carlos, v. 12, n. 2, p. 253-256, 2009.

18. HONNEGOWDA, T.M. Role of angiogenesis and angiogenic factors in acute and chronic wound
healing. Plast Aesthet Res, v. 2, p. 243-249, 2015.

19. IBRAHIM, A. H. et al. Angiogenic and wound healing potency of fermented virgin coconut oil:
in vitro and in vivo studies. Am J Transl Res. v. 15, n. 9(11), p. 4936-4944, 2017.

20. JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Basic Histology 13th edn (New York: McGraw-Hill), 2013.

21. KONNO, K. Plant latex and other exudates as plant defense systems: roles of various defense
chemicals and proteins contained therein. Phytochemistry, v.72, n.13, p.1510-1530, 2011.

22. LEDERMAN, I.E. et al. Mangaba (Hancornia speciosa Gomes). Jaboticabal, SP: Funep, 2000.
35p.

23. LIANG, N., KITTS, D. D. Role of chlorogenic acids in controlling oxidative and inflammatory
stress conditions. Nutrients, v. 25, n. 8(1), 2015.

Produtos Naturais e Suas Aplicações: Da Comunidade Para o Laboratório 19


24. LINS NETO, J. R. Potencial antioxidante de plantas da flora pernambucana. Recife, Disserta-
ção de Mestrado, Bioquímica e Fisiologia pela Universidade Federal de Pernambuco, 2015.

25. MACEDO, M, FERREIRA, A. R. Plantas medicinais usadas no tratamento dermatológico da


Bacia do alto Paraguai, Mato Grosso. Rev Bras Farmacog, v. 14, p. 40-44, 2004.

26. MAJEWSKA, I., GENDASZEWSKA-DARMACH, E. Proangiogenic activity of plant extracts in


accelerating wound healing - a new face of old phytomedicines. Acta Biochim Pol, v. 58 n.
4, p. 449-460, 2011.

27. MARINHO, D.G et al. The latex obtained from Hancornia speciosa Gomes possesses anti-in-
flammatory activity. J Ethnopharmacol. v. 17; n. 135(2), p. 530-537, 2011.

28. MUNN, L. L. Cancer and inflammation. Wiley Interdisciplinary Reviews: Systems Biology and
Medicine, v. 9, n. 2, p. e1370, 2017.

29. NETO, G., GUARIM-MORAIS, R. G. Medicinal plants resources in the Cerrado of Mato Grosso
State, Brazil: a review. Acta Bot Bras, v.17, p. 561-584, 2003.

30. OLIVEIRA, M. C., SCHOFFEN, J. P. F. Oxidative stress action in cellular aging. Braz. Arch.
Biol. Technol., v. 53, n. 6, p. 1333-1342, 2010.

31. PEGORIN, G.S. et al. Physico‐chemical characterization and tissue healing changes by Han-
cornia speciosa Gomes latex biomembrane. J Biomed Mater Res. p. 1– 11, 2020.

32. PERRELLA, R. J. Caracterização biológica de uma fração angiogênica do látex natural da


seringueira – Hevea brasiliensis. Tese de Mestrado. Faculdade de Medicina de Ribeirão Pre-
to – USP, 2002.

33. POTT A & POTT VJ. 1994. Plantas do pantanal. EMBRAPA, Planaltina, 320 p.

34. RIBEIRO, T.P. et al. Evaluation of cytotoxicity and genotoxicity of Hancornia speciosa latex in
Allium cepa root model. Braz J Biol, v. 76, n. 1, p. 245-249, 2016.

35. SAMPAIO, T.S., NOGUEIRA, P.C.L.Volatile componentes of mangaba fruit (Hancornia speciosa
Gomes) at three stages of maturity. Food Chem, v. 95, p. 606-610, 2006.

36. SANTOS, P.O. et al. Investigação da atividade antimicrobiana do látex da mangabeira (Han-
cornia speciosa Gomes). Rev Bras Pl Med. v. 9, p.108-111, 2007.

37. SILVA, TF. Bacterial community associated with the trunk latex of Hancornia speciosa Gomes
(Apocynaceae) grown in the northeast of Brazil. Antonie Van Leeuwenhoek. v. 99, n. 3, p.
523-532, 2011.

38. WEISS, A. et al. Angiogenesis inhibition for the improvement of photodynamic therapy: The
revival of a promising idea. Biochim Biophys Acta. v. 1826, p.53–70, 2012.

39. XUE, M., JACKSON, C.J. Extracellular matrix reorganization during wound healing and its
impact on abnormal scarring. Adv Wound Care, v. 4, n. 3, p. 119-136, 2015.

20 Produtos Naturais e Suas Aplicações: Da Comunidade Para o Laboratório

Você também pode gostar