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Sodeogas 7 7 ISSN: 1517-4522 Sociologias | 880" Universidade Federal do Reo Grande do Su Bras ‘Abers, Rebecca; von Balow, Marisa Movimentos sociais na teoria e na prética: como estudar 0 ativismo através da fronteira entre Estado ¢ sociedade? Sociologias, vol. 13, nim. 28, septiembre-diciembre, 2011, pp. 52-84 Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre, Brasil Disponivel em: hip redalyeorglatcule o4?id=86821 168004 Come citar este artigo ba) Namero completo Sistema de Informagao Ciena Mais artigos Rede de Revistas Cientificas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal to da inicativa Acesso Aberto Home da revista no Redalye Projeto académico sem fins lucrativos desenvolvido no amt Sec or ge 019 838 a. 201 9. S28 Movimentos sociais na teoria e na pratica: como estudar o ativismo através da fronteira entre Estado e sociedade? Resumo [Nas ckimas duas décadas, os estudiosos dos movimentos socials passaram a questonar as fronteiras do seu campo de pesquisa. Alguns defenderam a substitul- to do conceto de “movimentos socials” por “sociedade civil”, enquanto outros propuseram falar de “poltica do confit’. Em ambos os casos, argumentou-se {que 0 campo de estudos havia se tornado excessivamente lmitado, tanto em= pitica como teoricamente. © artigo discute esas iniciatvase identifica um pro blema comum: a falta de atencio dada as rumerosas formas de interagéo entre ativsts de movimentos soci situados dentro e fora do Estado, Argumentamos ‘que a pesquisa empirica que vem sendo realzada no Brasil ajuda a compreender melhor a telacio entre Estado e movimentos socials. Do ponto de Vista testo, Ga literatura recente sobre redes sacias que oferece pstasanaliticas sobre como pensar no ativismo a parr de dentro das estraturas do Estado, Palavras-chave: Movimentos sacias. Estado. Paticipacio. Sociedade cv. Politica do contito ‘order dos nomes das autora 6 ertamente lfabsica, no represenande derengas de parcipago na waberago da wabaho, qu fi fet em parr, Apdeceros m8 coment Fos feos por Margaret Keck, Arian Crea Lvallew um patectisa anénimo a uma versio tnverior deste tabaiho, * Profesora do tuto de Cicia Poltica da Universidade de rai, E-mail: rece + Protessora do nso de Gitacia Politica da Universidade de Brasta, E-mail vonbulow® tinh br Introdugao 0 dltimos dez anos, os debates teéricos e metodolégi- ‘cos sobre movimentos sociais passaram por profundas transforma etapa “pés-paradigmatica’, que rompeu com os gran- des marcos teéricos adotados desde os anos 60 Uasper, 2009). Para outros, a novidade é a tentativa de alcangarsinteses que pro- movam um mafor didlogo entre a literatura de movimentos socias e dis- s, Para alguns, os anos 2000 abriram uma ‘cusses mais gerais sobre acdo coletiva (Della Porta e Diani, 2006). Uma parte importante desse debate tem tide como foco questées ontol bi objeto de estudo daqueles que igicas cas, as quais estdo relacionadas com a delimitagdo das fronteiras do e Interessam em estudar © que tradicio- nalmente chamavamos de movimento social ssa discuss tem a ver com a prdpria definigéo de movimento so- cial. Nas tltimas s décadas, os movimentos sociais t8m sida compreen- didos como uma forma de aco coletiva sustentada, a partir da qual ato- res que compartlham identidades ou solidariedades enfrentam estruturas socials ou praticas culturais dominantes?, No entanto, o argumento recen- te de varios autores, que escrevem a partir de marcas te6ricos diferentes, que, ao delimitar nosso estudo a um tipo espi tornamos invisiveis formas importantes de organizacio ou ago social Neste artigo, localizamos dois movimentos analitices que acorte- co de agio coletiva ram na literatura, ambos no sentido de ampli as fronteiras da. nossa unidade de andlise: um pés o foco no papel de uma multplcidade de ‘organizacies da sociedade civil baseadas na soldariedade substituindo 2 Eta definiio genérica 6 comparthada por autores asiados 8 Reratra dos “novos movie ments soci" como Teuraine 1981, p25) e Meluc (7983, p57), e também por aqueles Tgados&chamada“abordagem do press polo", come Tarr (2009 9994), p21 lr, Fr Ae 0013, 28 20,0 Sk © termo “movimento social” pelo conceito de sociedade civib, e © outro voltou o olhar para uma ampla gama de processos pautados pelo conflito politico (Intreduzindo © conceito de contentious politics, ou a “politica do conflito"). Argumentamos que, apesar de positiva, a tendéncia atual de incorparacio de novos atores ¢ problemas ainda mantém na invisibi- lidade certos tipos de relagées socials que podem ser importantes para compreender a acio coletiva transformadora, Mais especificamente, argumentamos que a definicéo da nossa uni- dade de analise nio deve necessatiamente excluir atores que estio po- sicionados dentro da arena estatal. Na literatura que resenhamos, ora 0 Estado simplesmente nio é—e nem deve ser ~relevante, ora € visto como lum inimigo, frente a0 qual os movimentos socials ou a sociedade civil tm que medir forgas. Até mesmo aqueles que reconhecem que os atores estatais podem ser aliadas geralmente nao admitem que essas aliangas, Imuitas vezes, envolvem a construgio de redes que cruzam as fronteiras entre Estado e sociedade. Em alguns casos, esses vinculos geram ativismo tem prol dos movimentos socias a partir do préprio Estado. Para dar conta desses fendmenos, propomos que as fronteitas organizacionais da nossa Unidade de andlise néo deveriam ser definidas 2 priori, mas sim pelo for- ‘mato das redes de acdo coletiva que existem na praia, Na primeira parte do texto, apresentamos uma sintese das duas pro- postas anteriormente mencionadas, restringindo-nos as visGes de alguns dos seus principais autores, Em vez de apresentar essas contribuigées de forma completa, focamos a discussdo na maneira como as relagSes entre sociedade e Estado sio compreendidas. Em seguida, com base principal- mente no caso do Brasil, apresentamos varios exemplos de interseccoes entre movimentos socials ¢ Estado, Sugerimos que esses cam em xeque tanto o pressupasto de que o Estado € irrelevante camo © pressupasto de que alores estalais sfo necessariamente externos aos movimentos sociais. Na segio seguinte, propomos que a literatura que smplos colo- discute movimentos socias a partir da dtica de redes possbilta compre ‘ender ativstas dentro do Estado no apenas como interlocutores amigos, «sim como parte da nossa unidade de andlise. Terminamos o artigo apre- sentando uma proposta de agenda de pesquisa ¢ refletindo sobre as im- plicagées, para os estudiosos de movimentos sociais, da impossibilidade de separar de forma rigida Estado e sociedade civil 1. Dos Novos Movimentos Sociais & Sociedade Civil ‘A primeira proposta de ampliagio do campo de estudas dos movi- rmentos sociais aqui resenhada ai literatura dos “novos movimentos sociais", a qual, nas décadas anteriores, havia se dedicado a anilise de transformagées nas estruturas socials © ‘a0 papel social de novos sujeitos sociais (Della Porta e Diani, 2006, pp. 8-11), Sob a ini literatura sobre a importancia politica da vasta arena que se situa fora do Estado e fora do mercado, na qual existiiam (ou deveriam existt)teias interligadas de grupos e associagdes engajadas em praticas comunicativas ‘caracterizadas pelo tespeito miitue e pela solidariedade. ‘Como argumenta Alonso (2009), especialmente depois da publicagio do lio Chl Society and Political Theory, por Cohen e Arato (1992), 0 ter- ‘mo "novos movimentos sociais” fo sendo substituido pela nogio mais am- or0u ainda nos anos 90 e teve origem na rncia do pensame: lo habermasiano, apareceu uma pla de “Sociedade civil”. A Teoria dos Novos Movimentos Sociais “deixou, 1 Enquanto os “velhos movimentos soca se preacupatamfundamenclmente com redis= tuto, relagbe captaltrabalhoe conto sole o Eads, os “novos movinetoe sa” lomo Georg Simmel afmava er 1922, ueos inves pose tant lage ptm tis sj, oust cor as quae nda nascomose ue independ da nowsa vorlade mo fecindirae, aquelas que sio por née Inremente esolidas. As primes, ele denominava ‘aus orpnics ou natura da agdo cota e 8 seandas, ele denomava casas ona Segundo Simmel padao de vincalaio da era moderna se diferencia do predomiante lg a Age, 01,0828 ne 300,952.86 rndo oferece uma terminologia unificadora alternativa, como “sociedade civil" ou “politica do conflito’, Para boa parte dos autores cujas ideias resenhamos a seguir, a analise bascada em redes questiona se é possivel estabelecer, a priori, as fronteiras do conjunto de atores envolvidos na acio coletiva e, portanto, a fronteiras da nossa unidade de analise. (© uso do termo “tedes” associado a definigGes de movimentos sociais tem, porém, uma histéria que precede a década de 1990. Para Curtis e Zurcher (1973), por exemplo, movimentos sociaisformam campos multior- ganizacionais amplos, baseados em redes que sdo estabelecidas por vincu- los entre organizagées e/ou entre individuos. Por sua vez, Alberto Melucei vinculou a ideia de redes & sua visio teérica sobre os "novos movimentos socials", utizando 0 conceito para descrever de organizagao da acdo coletva, Estas se diferenciariam, por exemplo, das organizagies sindicais tradicionais ~ caracterizadas por rgidas hierarquias organizacionais- pela formagio de unidades diversificadas e auténomas, as quais se manteriam em contato por meio de redes de comunicagio (1996, p. 113) Para esse autor, é incl procurarfronteiras claras para os novos mo- vimentos socials, cujas formas “resemble an amorphous nebula of indistinct shape and with variable density” (bid, p. 114). Uma viséo desses movimen- tos como redes permitiria compreender melhor as mudangas na dindmica interna da ago coletiva. Em especial, possbiltaria analisar como os atores lidam com o persistente dilema da reconciliagio entre suas aspiracées por autonomia e as necessidades de coordenacio interna e representacao dos movimentos sociats ibid, p. 344-347). Em 1992, em um artigo que fazia uma revisio de varias definigées de ‘movimentos sociais, Mario Diani ressaltou trés aspectos em comum na lite o surgimento de novas formas ‘aldade Média porgse o individu pasa a poder sefilar a uma muliplidade de grupos, em ombinagSes infin tas que foram a aise de ees um enorme desan melodia pars os sienna soci Simmel 1922 19550, ratura: movimentos socials seriam (1) uma rede de interagSes informais en tre individuos e organizagGes que (2) se orientam de forma conflituosa em relacio a um adversitio definido e (3) tém uma identidade compartlhada (Diani, 1992), Nessa definicio, portanto, redes de interagées s6 podem ser caracterizadas como movimentos sociais na medida em que existe, 20 ‘mesmo tempo, orientagio confltuosa e formacio de identidade coletiva, Mais recentemente, a forte disseminagio do uso do conceito de “redes" tem tido como resultado um conjunto heterogéneo de andlises, Parte desses estudos softe de dois problemas: uma visio aprioristicamente positiva das redes como metifora para descrever novas formas de organi= zacio coletiva, supostamente menos hierdrquicas”, e uma visio tearica- mente pouco de os diferentes tipos de atores. Para compreender em que medida esta literatura pode nos ajudar ‘a analisar as imbricagées entre movimentas socials o Estado, € inte- ressante discutir especificamente segundo problema. Parte dos estudas nvolvida de redes que nao especifica os vineulos ent sobre redes argumenta que elas incluem nao apenas mavimentos sociais, ‘mas também ONGs, académicos, governos e organizagbes internacionais, E 0 caso, por exemplo, do estudo de Elizabeth Umlas (1998) sobre a criagio de uma rede ambientalista no México, © Comité Nacional para {Pare ox atores qe siz oconcsto para descrever uma tendnca geral em diego 3 Inovimentoe soca manos hirrquios» mae lxvel, reder to formas de organiagso que representa “a superar social marpholgy fr all urs acto’ (Castell 2000p. 15) eatio tomandose “a signature sement of gob organizing” (Anheet« Themudo 2002, p. 190. {sea compreensio& ass, sma & manele como on prptiosathas tim ulizadoo term oseucotidano, muse vezes dando o nome de weds» colts heteroptness como forma, USBOA, Armanda de Melo, Economia Solidéra: incubando uma outta socieda- ide, Proposta, 97, junho-agosto, p. 50-38, 2003, McADAM, Doug, 2003. “Een, What’s Up (with) DOC?” Claying the Program. 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