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INSTITUTO POLITÉCNICO DE PORTALEGRE

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO


Mestrado em Jornalismo, Comunicação e Cultura
CIBERCULTURA - ABRIL DE 2011
ÂNGELA DA CONCEIÇÃO MENDES

Blade Runner – um film Noir futurista


No cinema, as visões futuristas aparecem quase sempre envoltas numa névoa de dias
escuros, frios e húmidos. A chuva impera nas ruas sujas. As novas construções que se avistam
na linha do horizonte fundem-se nos restos da civilização que foram ficando para trás ao nível
do solo.
As estruturas sociais e as vivências humanas, tal como as conhecemos, coexistem numa
espécie de apocalipse atmosférico e na desconstrução daquilo que é humano.
Ou somos invadidos por monstros alienígenas, ou completamente subjugados pelas nossas
próprias criações.
De uma maneira ou de outra, a civilização, na sua ânsia de evoluir, chegou
invariavelmente a um impasse. Ambiental, moral e até mesmo de identidade.
As personagens do futuro, não deixam no entanto de ser humanas, de sofrer e de se arrastarem
no mesmo lamaçal de vícios e depressões, de sofrerem e de possuírem ambiguidades morais ou
de se subjugarem ao que tem de ser feito. Como num Noir clássico, a nossa personagem é
chamada a cumprir uma missão, é atirada para o centro de algo que não desejou, mas que por
mais que tente não consegue combater.
Deckard aparece-nos assim como um Sam Spade do futuro, envergando a sua gabardine
“Bogartiana” em desalinho, perpetuando a luta entre o bem e o mal, com a linha a distinguir os
dois lados cada vez mais ténue.
E tal como num Noir, “Blade Runner” está povoado de personagens tipo: o arauto, Gaff, que vai
deixando pequenas peças de origami, mensagens, prenúncios… e que semeia a dúvida sobre a
natureza de Deckard, através do origami do unicórnio que ecoa o seu sonho ao piano de
Rachael. Será que ele próprio é um replicante?
A Femme Fatale, Rachael, um misto de inocência e perigo, que desafia o nosso Herói,
Deckard, coloca-o em dúvida, leva-o a agir e a fugir… como num Noir, o nosso herói não
consegue escapar ao seu destino, mesmo quando este sabe que está errado.
Há ainda a ambígua dupla de vilões, Roy Batty e Pris. Mas tal como num Noir, os
“maus da fita” criam empatia connosco. Os replicantes são máquinas, que criaram um espírito, e
ao descobrirem a inevitabilidade da sua morte, querem fugir-lhe. Fugir a essa condição de morte
anunciada.
“Batty: Quite an experience to live in fear, isn't it? That's what it is to be a slave.”

Quebram as barreiras e tomam-se subitamente de natureza humana. Na cena final do


filme sentimos isso, Empatia.
A máquina reconhece a beleza, sente o tempo, revive as suas memórias. Chora as suas
perdas. Criou uma alma.

“Batty: I've seen things you people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of
Orion. I watched C-beams glitter in the dark near the Tannhauser gate. All those moments will
be lost in time... like tears in rain... Time to die.”

Surge ainda J.F. Sebastian, metáfora do tempo ou da fatalidade que é saber que este se
está a esgotar. Sebastian é o espelho humano dos replicantes, também para ele há uma data
próxima para o fim, um destino marcado que não pode mudar.
“Blade Runner” é composto por diversas dimensões opostas. São os habitantes de
origem oriental que pedalam pelas ruas sujas de L.A. do futuro e os carros voadores que
vagueiam ao nível do céu.
Pris, misto de sensualidade e barbárie e Rachael, delicada e inteligente, a replicante que
pensava ser humana, que sentia as suas memórias como se as tivesse vivido e chora ao ficar
ciente da sua condição. As suas memórias são uma construção, mas afinal o que são todas as
memórias se não uma construção?
Deckard e Roy Batty, perseguidor e presa, presa e perseguidor. Roy que salva Deckard
nos últimos momentos de vida, deixando a Deckard apenas dúvidas sobre a sua condição.

“Deckard: [narrando]: I don't know why he saved my life. Maybe in those last moments he
loved life more than he ever had before. Not just his life - anybody's life; my life. All he'd
wanted were the same answers the rest of us want. Where did I come from? Where am I going?
How long have I got? All I could do was sit there and watch him die. “

Tyrell, o todo-poderoso inventor dos replicantes versus o resto da sociedade. O homem


versus a sua criação, que se sublimou e ultrapassou o criador.
São tantas as simbologias em “Blade Runner” que são apresentadas em diversas
camadas. Fico-me pela camada do film Noir. E não posso deixar de me espantar com o
inesperado que é encontrar tantas características de um género cinematográfico quase perdido
no final dos anos 50, num filme comummente aceite como sendo um filme de ficção científica.

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