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PSICOLOGIA GERAL

AMÂNCIO DA COSTA PINTO


ISBN: 978-972-674-605-8
Amâncio da Costa Pinto

PSICOLOGIA GERAL

Universidade Aberta
2001

© Universidade Aberta
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TEXTOS DE BASE; N.o 227


ISBN: 978-972-674-605-8

© Universidade Aberta
AMÂNCIO DA COSTA PINTO

Doutorou-se em 1985 na especialidade de Psicologia Experimental e é desde 1993 professor


catedrático na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e
regente da cadeira de “Aprendizagem e Memória”. É autor de vários artigos publicados em revistas
científicas na área da “memória humana” e dos livros Metodologia da Investigação Psicológica,
Psicologia Experimental: Temas e Experiências e Temas de Memória Humana.

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Psicologia Geral

13 Prefácio

1. Psicologia: Introdução Geral

19 Definição e âmbito da psicologia

21 Marcos da história da psicologia

25 Psicologia e ciências afins

27 Métodos psicológicos

27 Observação naturalista
28 Estudo de casos
29 Questionários

29 Método correlacional
31 Método dos testes

32 Método diferencial

34 Método experimental

37 Perspectivas de investigação psicológica

38 Perspectiva bio-psicológica

39 Perspectiva evolucionista

42 Perspectiva sócio-cultural

44 Perspectiva cognitiva

45 Áreas de especialização psicológica

46 Psicologia clínica

46 Psicologia educacional

47 Psicologia organizacional

47 Psicologia cognitiva e experimental

47 Psicologia social

48 Psicologia do desenvolvimento

48 Organização e plano da obra

49 Conceitos psicológicos referidos no capítulo

49 Perguntas de auto-avaliação

49 Sugestões de leitura

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2. Aprendizagem

53 Âmbito, definição e tipos

55 Habituação

56 Condicionamento clássico
56 Pavlov: procedimento experimental
60 Generalização e discriminação
61 Relação temporal entre EC e o EI
62 Condicionamento de respostas emocionais

66 Explicações do condicionamento de Pavlov

67 Condicionamento operante
68 Thorndike: procedimento experimental
69 Características de aprendizagem
70 Leis de aprendizagem
71 Skinner: procedimento experimental
72 O papel do reforço
73 Tipos e programas de reforço
74 Comportamento supersticioso
75 Reforço e punição
76 Reforço ou punição?
79 Condicionamento de fuga e evitação
80 Extinção da resposta de evitação
80 O desamparo aprendido
81 Moldagem do comportamento

82 Limitações biológicas do condicionamento

86 Condicionamento clássico e operante


88 Condicionamento e cognição

93 Aprendizagem por observação

95 Observação e imitação
98 Aprendizagem verbal

99 Materiais e parâmetros de avaliação

100 Tarefas de aprendizagem verbal


102 Tipos de aprendizagem verbal

104 Aprendizagem e cognição

105 Conceitos de aprendizagem

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105 Perguntas de auto-avaliação

106 Sugestões de leitura

3. Memória

109 Âmbito e perspectivas

111 Referências históricas de memória

116 Sistemas e processos de memória


118 Distinções de memória

119 Curva de posição serial

121 Estados de amnésia


122 Memória a curto prazo

123 A capacidade da MCP

125 A codificação na MCP


126 Duração e esquecimento na MCP

130 Memória operatória

132 Memória a longo prazo


132 Modelos de MLP

135 Codificação na MLP

137 Retenção na MLP


138 Categorização e hierarquização
140 Formação de imagens

143 Recuperação da informação na MLP


144 Provas de memória

148 O problema do esquecimento

149 Teoria do desuso


151 Teoria da interferência

154 Incongruência contextual

156 Recalcamento
158 Esquecer é recordar

159 Recordação e reconstrução

163 Conceitos de memória


164 Perguntas de auto-avaliação

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164 Sugestões de leitura

4. Inteligência

167 Âmbito e definições

170 Medidas de inteligência


170 História breve dos testes de inteligência

173 O significado do QI

175 Inteligência geral: o factor g


175 Características psicométricas de um teste
176 Fidelidade e validade

177 Estabilidade e previsão dos testes de inteligência


179 O efeito Flynn

180 Testes de inteligência: prós e contra


180 Limitações dos testes
181 Vantagens dos testes

182 Teorias e modelos de inteligência

182 Teorias psicométricas


183 Spearman: o factor g

183 Thurstone: habilidades mentais primárias

184 Guilford: o cubo da inteligência


185 Cattell e Horn: inteligência fluida e cristalizada

185 Carroll: a teoria dos estratos de inteligência

186 Jensen: o factor g de inteligência


188 Estrutura de inteligência e análise factorial

189 Teorias de processamento de informação

190 Haier: inteligência e o metabolismo da glucose


190 Nettelbeck: inteligência e tempo de inspecção

191 Jensen: inteligência e tempos de reacção de escolha

191 Hunt: inteligência e acesso lexical


192 Simon: inteligência e resolução de problemas

192 Sternberg: inteligência e analogias

194 Teorias de desenvolvimento cognitivo

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195 Teoria de Piaget
196 Teoria de Vygotsky
196 Teorias contextuais
197 Sternberg: teoria triárquica de inteligência
198 Gardner: teoria das inteligências múltiplas
200 A inteligência emocional

201 O problema da hereditariedade-meio

202 Factores genéticos


204 Adopção de crianças

204 Factores ambientais e sócio-culturais

206 Interacção hereditariedade-meio


208 Observações complementares

209 Conclusão

210 Conceitos de inteligência


211 Perguntas de auto-avaliação

211 Sugestões de leitura

5. Motivação

215 Definição

216 Conceitos motivacionais

218 Teorias da motivação

219 Teorias biológicas


219 Teoria dos instintos
220 Teoria sociobiológica
221 Teoria de Freud
222 Teorias comportamentais
222 Teoria de redução de impulsos
224 Teoria da excitação
226 Teoria do incentivo

227 Teoria humanista de Maslow

229 Teorias cognitivas


230 Teoria da dissonância cognitiva de Festinger
232 Modelos de atribuição causal

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233 Teorias da aprendizagem social
234 Teoria da expectativa x valor
234 Teoria de Nuttin
235 Modelo de Bandura
236 Motivação intrínseca e extrínseca
238 Não há uma teoria …
239 Conclusão

240 Conceitos de motivação


240 Perguntas de auto-avaliação
240 Sugestões de leitura

6. Emoção

243 Âmbito da emoção

244 Funções da emoção


245 Conceitos emocionais
247 Emoções primárias e secundárias
249 Teorias da emoção
249 Teoria de James-Lange
250 Teoria de Cannon-Bard
251 Teoria de Schachter e Singer
255 Teoria cognitiva de Lazarus
257 Expressão e feedback facial da emoção
259 Perspectiva neurológica
259 Modelo de LeDoux
260 Modelo de Damásio
262 Emoção e cognição
266 Emoção e terapia
267 Cognição e congruência emocional
269 Conclusão
270 Conceitos de emoção
270 Perguntas de auto-avaliação

270 Sugestões de leitura

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7. Personalidade

274 Teorias da personalidade

274 Teorias psicodinâmicas


275 Freud
276 Mecanismos de defesa
277 Erik Erikson
280 Teorias humanistas
280 Carl Rogers

282 Teoria dos tipos e dos traços


282 Tipos de personalidade
283 Traços de personalidade
284 Modelo de Hans Eysenck
286 Modelo de Cattell
287 Modelo dos cinco grandes factores

290 Teorias beavioristas


291 Teorias situacionistas

294 Teorias interaccionistas

296 Teorias e conclusão


297 Instrumentos de medida da personalidade

297 Métodos projectivos

298 Questionários e inventários


301 Avaliação comportamental

301 Origem das diferenças de personalidade

304 Conclusão

305 Conceitos de personalidade

305 Perguntas de auto-avaliação

306 Sugestões de leitura

309 8. Referências

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Prefácio

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Os temas e as áreas de investigação psicológica são muito mais vastas do que
pode sugerir uma leitura apressada do Índice deste livro de Psicologia Geral.
Há já muitos anos que os conhecimentos psicológicos são de natureza
enciclopédica, de modo que um livro desta dimensão terá de ser
necessariamente uma selecção de temas que pela sua relevância e diversidade
possam ser considerados fundamentais em psicologia. Os temas seleccionados
estão incluídos nas principais publicações deste tipo e tentam representar um
certo equilíbrio em termos da aprendizagem da psicologia entre as dimensões
mais cognitivas do comportamento humano com três capítulos sobre
Aprendizagem, Memória e Inteligência e os aspectos mais afectivos e
emocionais com capítulos sobre Motivação, Emoção e Personalidade.

A redacção deste livro foi para mim uma oportunidade e um desafio. Um


desafio porque não sendo eu um especialista em algumas das áreas focadas
neste livro (na verdade não há ninguém que o seja actualmente em qualquer
parte do mundo em psicologia geral) tive necessidade de actualizar conhe-
cimentos, ganhando assim a oportunidade de obter uma visão mais actualizada
e abrangente da investigação psicológica que se pratica actualmente. Na
realidade esta tarefa foi mais delicada do que inicialmente julgara, ao verificar
a pouco e pouco que escrever uma obra generalista é mais complexo do que
escrever uma obra específica sobre um tema da nossa especialidade.

Um livro de autor, ao contrário de um livro organizado por um autor-editor, é


um livro que permite desenvolver uma perspectiva. Este livro tem subjacente
a perspectiva de que a psicologia é uma ciência empírica e o seu objecto não
se reduz ao das ciências afins.

A psicologia é uma ciência empírica; não é um enlatado de psicologia popular,


senso comum, conselhos da avòzinha e especulação de gabinete sob a forma
de sugestões, conselhos e horóscopos para revistas e jornais. A psicologia é
uma ciência constituída por modelos e teorias, racionalmente desenvolvidas e
empiricamente fundamentadas, cuja natureza condiciona a recolha de dados
comportamentais que por sua vez vão apoiar ou desconfirmar os modelos e
teorias subjacentes sobre o funcionamento da mente humana. É esta perspectiva
que está subjacente às apreciações críticas dos vários modelos e explicações
psicológicas descritas ao longo do livro.

A psicologia é uma ciência autónoma face à biologia e medicina ou à sociologia


e antropologia. Neste livro não há capítulos específicos sobre condicionalismos
biológicos e sociais do comportamento humano, embora estas variáveis sejam
consideradas e às vezes valorizadas em várias secções desta obra. Apesar dos
condicionalismos a que o comportamento humano está sujeito, a psicologia é
sobre a psique, a mente, as estruturas e processos mentais que ultimamente
são os responsáveis pela tomada de decisões humanas no dia a dia. Os seres
humanos têm um passado, uma história de desenvolvimento, uma estrutura

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mental, valores, planos e projectos futuros. Não estão agrilhoados a cadeias
biológicas ou sociais, mesmo quando em certos casos as pessoas parecem agir
ou reagir em função das suas pulsões instintivas ou da sua honra familiar.

É a mente humana em toda a sua organização e complexidade que avalia a


informação que tem ao dispor para dirigir o comportamento. Sou fortemente
crítico em relação às orientações psicológicas que desvalorizam os processos
cognitivos em detrimento do papel concedido às influências sociais e biológicas.
Se a realidade fosse aquilo que defendem certas orientações psicológicas, as
cadeias estavam vazias, porque haveria sempre justificações biológicas e sociais
atenuantes para os actos humanos. Do mesmo modo ninguém valorizaria o
comportamento pacífico e ordeiro da maior parte das pessoas, assim como os
prémios e as recompensas pelas realizações humanas brilhantes. Às vezes até
parece que uma concepção humana deste tipo apenas é ensinada e discutida
nos cursos de filosofia, direito e economia. Por complexos de saber em relação
a outras ciências ou mesmo por ignorância, a redução da psicologia, da mente
e do comportamento às influências biológicas e sócio-culturais tem tido uma
divulgação exagerada e infeliz, mesmo por parte daqueles que deveriam
defender mais de perto a especificidade do conhecimento psicológico.

A redacção deste livro tem por objectivo dar a conhecer aos estudantes
universitários no início da sua formação um conhecimento fundamentado e
actual sobre alguns dos temas mais centrais da psicologia. O livro é o resultado
de um convite feito pela Universidade Aberta, por intermédio do meu colega
e amigo Félix Neto a quem agradeço especialmente, com restrições específicas
no que se refere ao formato e extensão da obra. A ordem dos capítulos do
livro não é arbitrária e há alguma vantagem na leitura sequencial para efeitos
de aprendizagem escolar. Apesar de tudo, creio que o leitor ocasional
interessado apenas num ou noutro capítulo específico não será especialmente
afectado em termos de compreensão. Todo o esforço foi feito para expor os
temas de forma clara e interessante. Se o consegui ou não, a última palavra
pertence naturalmente ao leitor. Um agradecimento especial ao Dr. Nuno
Gaspar pela leitura das provas tipográficas e pelas correcções sugeridas.

Esta obra foi o resultado de cerca de um ano de trabalho intenso. Foi durante
este período que faleceu o meu pai, Manuel Pinto. À memória do meu querido
pai e à vida e saúde do meu amado filho João, que me causou tantas interrupções
e chamadas de atenção com os seus ternos 5 anos, dedico este livro.

Porto, 21 de Junho de 2000


amancio@psi.up.pt

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1. Psicologia: Introdução Geral

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De psicologia todos sabemos um pouco. Pelo tom da voz, pelo aspecto do
rosto, pela posição corporal somos capazes de perceber se o nosso interlocutor
está feliz ou triste, nos quer ajudar ou fazer mal. O que o comportamento dos
outros revela parece ser uma indicação das intenções ou planos que têm para
connosco e dessa percepção e interpretação organizamos os nossos
comportamentos e respostas para melhor nos adaptarmos e interagimos com
as pessoas e o meio. Em geral somos bem sucedidos nestas tarefas, mas às
vezes cometemos erros graves. Escolhemos para amigos pessoas que se vêm
a revelar falsas e enganadoras, confiamos o nosso voto a dirigentes corruptos,
enamorámo-nos da pessoa errada e divorciámo-nos da pessoa que no fundo
nos amava de verdade. Podemos desculparmo-nos destes ou de outros erros
dizendo que o comportamento humano é em grande parte um mistério, mas
rapidamente nos damos conta de que o nosso comportamento não deixa de ser
menos misterioso. Assim porque é que esta manhã acordei tão bem disposto e
agora à tarde estou tão irritadiço, porque é que ainda não cumpri as intenções
do Ano Novo de fazer ginástica, deixar de fumar, estudar mais ou tentar um
melhor relacionamento com a família?

O conhecimento psicológico que possuímos sobre nós e os outros parece ser


paradoxal. Por um lado, temos algum conhecimento de psicologia ao
conseguirmos adaptarmo-nos às pessoas e ao meio apesar das adversidades,
de contrário a espécie humana teria já sido extinta. Mas, por outro, damo-nos
conta rapidamente de que o conhecimento que possuímos é tão escasso e
limitado que é uma sorte termos chegado onde chegámos.

1.1 Definição e âmbito da psicologia

A psicologia é o estudo científico do comportamento e da mente em termos de


organização e diversidade. A função da psicologia é constituir um corpo
coerente de enunciados, empiricamente fundamentados, de forma a explicar o
comportamento e a organização mental das pessoas e proporcionar previsões
correctas. A psicologia é uma ciência que tem por objectivo descobrir leis e
regularidades entre fenómenos de modo semelhante às ciências físicas e
biológicas. A psicologia é ainda uma ciência, porque formula modelos e teorias
consistentes para compreender, explicar e prever os fenómenos humanos e
depois avalia, modifica, retém ou abandona tais modelos explicativos se não
forem capazes de resistir às provas empíricas, à replicação dos resultados e ao
escrutínio dos especialistas, ao contrário da psicologia popular e do senso
comum que apresentam um corpo de saberes praticamente imutável ao longo
de gerações.

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A psicologia científica e a psicologia popular podem ter alguns aspectos comuns
em termos de conteúdo, mas são saberes de natureza diferente em termos de
pesquisa de dados, organização do saber, previsão e controlo da acção. O
saber não-científico de natureza popular, que se reclama de psicologia, é
contraditório nas suas afirmações, não tem consistência interna, as fronteiras
do saber são obscuras e indefinidas, as circunstâncias da sua aplicação são
vagas e confusas, e falta-lhe precisão na capacidade preditiva. Nesta pers-
pectiva, a psicologia científica tem uma especificidade própria e não precisa
de se preocupar em servir de contraponto à psicologia popular e ao senso
comum (e.g., Pinto, 1999).
Qual é o âmbito da psicologia científica? Como antes foi dito, a psicologia é o
estudo científico do comportamento, das funções da mente e da sua organização
mental. O objecto da psicologia é analisado sob diferentes perspectivas com o
objectivo de se vir a obter um dia uma perspectiva integradora. Estas
perspectivas são a biológica, a comportamental, a cognitiva, a sócio-cultural,
a psicanalítica e a fenomenológica. Como exemplo das diferentes perspectivas
de investigação psicológica na análise do comportamento humano, considere-
-se a investigação sobre o comportamento de ira ou cólera.
Na perspectiva biológica, a ira pode ser analisada a partir da activação de
certos circuitos neuronais do cérebro, lesões cerebrais provocadas pelo parto,
alterações cromossomáticas ou genéticas e da presença ou ausência de certo
nível hormonal no organismo.
Na perspectiva comportamental, a ira pode ser analisada a partir dos gestos e
expressões faciais produzidos, do rubor da face e dos estímulos externos que
precederam e acompanham a manifestação da ira.
Na perspectiva cognitiva, a ira pode ser analisada a partir das experiências
passadas vividas, do modo como um indivíduo as organiza, representa e
manifesta, e ainda do modo como tais vivências afectam a maneira de pensar
e raciocinar em situações específicas.
Na perspectiva sócio-cultural, a ira pode ser analisada a partir da pertença a
certos grupos sociais, meios residenciais ou ainda em contextos em que há ou
não um público presente. Os acessos de ira são raros na ausência de público.
Na perspectiva psicanalítica, a ira pode ser analisada a partir de conflitos
parentais não resolvidos na infância, de traumatismos de natureza sexual que
foram depois reprimidos pela pessoa para evitar a ansiedade daí resultante,
podendo no entanto irromper de forma inesperada e abrupta.
Na perspectiva fenomenológica, a ira tende a ser analisada a partir da história
de vida de uma pessoa, tendo em conta os ultrajes e afrontas vividos e sofridos,
da imagem que se tem de si próprio e do controlo que se julga ter sobre as
situações.

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A ira está associada a guerras, violência e agressões entre pessoas, grupos e
nações. É um fenómeno que foi estudado desde a antiguidade clássica por
filósofos como Aristóteles na “Ética a Nicómaco” e Séneca em “De Ira”. A ira
é um fenómeno comportamental e social de enorme complexidade, cuja análise,
compreensão e explicação científica constituiria um avanço considerável para
o saber psicológico. Quer em relação a este, quer a outros fenómenos psico-
lógicos, a psicologia fez já bastantes progressos, mas ainda há um longo caminho
a percorrer em termos de formulação de teorias integradoras das diversas
perspectivas de análise.

1.2 Marcos da História da Psicologia

Nos dias de hoje a psicologia é um ramo do saber bastante popular e um dos


cursos universitários mais escolhido pelos estudantes nos países desenvolvidos.
É uma ciência que aparece no entanto para muitos estudantes como sendo um
produto americano ou anglo-saxónico, tal é o número de referências biblio-
gráficas atribuídas a investigadores destes países nos dias de hoje. No entanto
a psicologia, cientificamente falando, é uma construção cultural europeia. Surgiu
e desenvolveu-se na Europa, onde se verificaram nos finais do séc. XIX e na
primeira metade do séc. XX algumas contribuições notáveis por parte de muitas
figuras da história da psicologia, das quais destaco a seguir as mais importantes.

Na Alemanha, Wundt (1832-1920) fundou em 1879 o primeiro laboratório de


psicologia experimental, possibilitando a autonomização da psicologia como
ciência; Ebbinghaus (1850-1909) realizou importantes estudos experimentais
sobre memória e esquecimento. Na Áustria, Freud (1856-1939) atribuiu ao
inconsciente um papel fundamental na origem das desordens do compor-
tamento e propôs a psicanálise como método de tratamento. Na Rússia, Pavlov
(1849-1936) fez importantes descobertas no domínio do condicionamento com
aplicação ao estudo da aprendizagem. Na Inglaterra, Galton (1822-1911)
investigou e desenvolveu o importante tema das diferenças individuais. Em
França, Binet (1857-1911) elaborou uma escala de medida da actividade
intelectual, cujos desenvolvimentos e ramificações posteriores, influenciaram
a psicologia aplicada ao longo do século XX. Na Suíça, Piaget (1896-1980)
fez descobertas notáveis no domínio do desenvolvimento intelectual da criança
e do adolescente. Outros psicólogos e investigadores europeus notáveis
poderiam ainda ser referidos, mas tal será feito ao longo dos capítulos do
presente livro.

Ebbinghaus afirmou que a psicologia tinha um longo passado, mas uma curta
história. De facto, o passado da psicologia remonta a algumas questões já

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reflectidas e pensadas pelos filósofos gregos na antiguidade como o problema
da relação entre mente e o corpo, o problema da consciência, o livre arbítrio e
a percepção da realidade. Por sua vez, a história da psicologia é mais recente
e oficialmente remonta a 1879 com a criação do primeiro laboratório de
psicologia experimental por Wundt na cidade de Leipzig na Alemanha.

Wundt definiu a psicologia como a ciência da consciência e propôs a intros-


pecção como método de estudo da experiência imediata. Muito do trabalho
realizado no laboratório de Wundt foi sobre sensação, percepção e tempos de
reacção. Num estudo sensorial, uma pessoa provava um alimento, por exemplo,
e depois esta experiência imediata era analisada através da introspecção em
elementos simples, como o sabor amargo, doce ou ácido presente na
consciência.

À maneira do químico, a psicologia partia depois para a síntese dos elementos


em compostos e para o estabelecimento de leis e princípios que governavam
estes compostos e estruturas psicológicas. Assim a psicologia de Wundt e do
seu discípulo americano Titchener (1867-1927) ficou a ser conhecida por
psicologia estruturalista. No início do séc. XX a introspecção foi fortemente
contestada, enquanto método de observação dos próprios estados da cons-
ciência, devido em grande parte ao facto dos dados obtidos por introspecção
divergirem bastante entre si, mesmo quando obtidos por observadores
treinados.

Por volta da segunda e terceira décadas do séc. XX, um grupo de psicólogos


alemães, nomeadamente Wertheimer, Köhler e Koffka, questionaram a
conclusão dos estruturalistas de que a experiência imediata era elementar e
defenderam a posição de que os fenómenos perceptivos eram antes percebidos
imediatamente no seu todo (em alemão gestalt) em vez de serem percebidos
nos seus elementos constituintes. Este sistema de investigação ficou conhecido
por psicologia da forma ou gestaltismo. Os gestaltistas propuseram ainda que
o todo era mais do que a soma das suas partes. Este enunciado pode ser melhor
entendido, se se olhar para uma série de pontos, onde é possível perceber às
vezes linhas, círculos ou outras figuras geométricas, conforme o conhecimento
e a atitude da pessoa, em vez de se perceber pontos meramente isolados entre
si e carecidos de qualquer organização perceptiva.

Paralelamente nos EUA no princípio do séc XX surgiu o beaviorismo, uma


perspectiva radicalmente diferente das perspectivas psicológicas europeias da
época, proposta por John Watson (1878-1958) num célebre artigo publicado
em 1913 com o título “A psicologia vista por um beaviorista” (Watson, 1913).
Para o aparecimento do beaviorismo muito contribuíram os estudos pioneiros
do americano Thorndike (1874-1949) e do russo Pavlov sobre aprendizagem
animal, ao introduzirem um tipo de investigação experimental que apresentava

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maior rigor e objectividade na obtenção de dados e revelava grandes
similaridades com os métodos usados nas ciências naturais da época.

O beaviorismo de Watson rejeitava qualquer recurso à instrospecção e pretendia


reduzir a psicologia a uma ciência natural que tinha por objecto apenas e
somente o comportamento observável, excluindo do seu âmbito a consciência
e os processos mentais que aí tinham lugar, como a atenção, a memória, a
inteligência e a vontade. Segundo Watson (1913), a consciência era um
fenómeno privado. Só o comportamento da pessoa era uma resposta pública
que podia ser observada por outra qualquer pessoa. A ciência analisa dados e
fenómenos públicos e observáveis como o comportamento de uma pessoa
numa situação. A ciência não se interessa por fenómenos privados, estados de
consciência, cujo acesso só é possível através da introspecção.

Watson e os beavioristas posteriores como Skinner (1904-1990) concentraram-


-se apenas na investigação do comportamento observável, fixando-o numa
cadeia que se iniciava com um estímulo (E) e terminava com a resposta (R)
produzida, dando origem à expressão psicologia do E-R. A maior parte deste
tipo de estudos foi realizado com animais, nomeadamente, ratos, pombos,
cães e macacos. De acordo com os beavioristas mais radicais, entre o (E) e a
(R) há como que um vazio, ou uma caixa-negra. Se há ou não há consciência,
atenção e memória para atender, registar e recordar os estímulos, são temas
que não interessam. O que interessa é apenas e somente a resposta do organismo
a um estímulo ou situação.

O beaviorismo e o uso que fez do modelo animal na investigação psicológica


propagou-se rapidamente pelas escolas de psicologia americana, tendo domi-
nado a maior parte da psicologia que se produziu nos EUA na primeira metade
do séc. XX.

Na Europa da primeira metade do séc. XX, o beaviorismo teve uma influência


mínima e circunstancial. Havia a desconfiança no dizer de Marx e Hillix (1973)
de que “a soma de informação gerada pelos quilómetros percorridos pelo rato
[no labirinto ou gaiolas de investigação] durante os últimos 50 anos não era
grande”. Embora esta desconfiança fosse exagerada, os estudos de psicologia
realizados na Europa até à década de 60 raramente faziam uso do modelo
animal, concentrando-se antes em problemas humanos.

Em Inglaterra, os problemas de investigação psicológica relacionavam-se com


a memória, a cognição e o papel dos factores humanos como a atenção na
interacção homem-máquina (Bartlett e Broadbent), assim como o estudo
psicológico das diferenças individuais, da inteligência e da personalidade
(Spearman, Burt, Hans Eysenck). Na França, os problemas diziam respeito à
relação entre cérebro e pensamento (Piéron) e na Bélgica à percepção da
causalidade (Michotte) e motivação (Nuttin). Na Suíça, os temas foram a

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memória e as desordens de reconhecimento mnésico (Claparède) e o
desenvolvimento intelectual da criança (Piaget). A psicologia da personalidade
e o seu desenvolvimento na perspectiva de Freud e do movimento psicanalítico
teve também uma aceitação bastante generalizada na Europa deste período.
Neste período, em Portugal, a investigação psicológica foi praticamente
inexistente, apesar dos esforços pioneiros de Alves dos Santos que em 1913
fundou o primeiro laboratório de psicologia experimental em Portugal na
Universidade de Coimbra e de Sílvio Lima que em 1928 publicou uma tese
notável de doutoramento no domínio da memória humana e do reconhecimento
sob a direcção do suíço Claparède.

Em meados do séc. XX, a explicação beaviorista do comportamento passou a


ser objecto de contestação crescente e vigorosa. Algumas das críticas vieram
do interior do sistema beaviorista, como as objecções feitas por Tolman (1886-
1959) ao introduzir variáveis cognitivas, como expectativas e mapas cognitivos,
na explicação da aprendizagem dos ratos em labirintos. Outras críticas foram
feitas por jovens investigadores, como o psicolinguista Chomsky (1959) que
tentou provar com grande eficácia que a maior parte dos dados sobre a
linguagem não podia ser explicada e compreendida em termos de associação
entre estímulo e resposta (E-R), como propunham os beavioristas.

A visão simplista do ser humano, que o beaviorismo pressupõe, foi


substancialmente refutada por George Miller et al. (1960) no influente livro
Planos e Estrutura do Comportamento onde defenderam que o ser humano é
um processador e um intérprete activo do seu meio ambiente, respondendo
em função da própria experiência que tem do meio, em vez de reagir de forma
mecânica e irreflectida. As pessoas, longe de serem meros figurantes passivos
que reagem ao meio, são antes vistas como organismos activos que no
comportamento do dia a dia usam planos, estratégias e regras de acção.

Esta nova perspectiva veio a ser cunhada de psicologia cognitiva por Neisser
(1967) no livro com o mesmo título, onde define a psicologia cognitiva como
“o estudo dos processos pelos quais uma pessoa capta, retém, manipula e
recupera a informação”. Os temas que organizam os capítulos deste livro de
Neisser foram os temas ignorados pelos beavioristas, como a atenção, a
percepção, a memória, a linguagem e o pensamento. A importância central
dos processos cognitivos em relação ao comportamento foi-se desenvolvendo
nos anos seguintes a ponto de Chomsky numa entrevista dada em 1986 afirmar
que “a psicologia não é a ciência do comportamento, mas antes o estudo da
mente, da organização mental e das estruturas mentais, servindo-se dos
comportamentos enquanto dados de estudo” (Baars, 1986, p. 347).

Os cognitivistas não são necessariamente anti-beavioristas, como às vezes se


ouve ou lê, antes consideram o beaviorismo um sistema incompleto em termos
de explicação do comportamento. O comportamento não pode ser explicado

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© Universidade Aberta
apenas através das suas características métricas mais salientes, como a
frequência, intensidade ou robustez da resposta. A explicação do compor-
tamento tem de ter em conta as explicações ao nível dos processos e represen-
tações mentais da pessoa, crenças e intenções.

Sem a perspectiva cognitiva em psicologia não seria possível caracterizar e


explicar satisfatoriamente os processos mentais como o reconhecimento e a recor-
dação, a atenção, a linguagem, o pensamento, o raciocínio e a tomada de
decisões. Para melhor se perceber este aspecto, Chomsky propôs uma analogia
com a ciência física. Se a física não é a leitura métrica dos fenómenos, mas antes a
compreensão e explicação das forças da matéria, assim também a psicologia
não é a leitura métrica do comportamento, mas antes a compreensão das estru-
turas e processos mentais que afectam o comportamento (in Baars, 1986, p. 347).

Desde a década de 60 até ao presente, a psicologia cognitiva alargou progres-


sivamente a sua influência a todos os ramos e actividades da psicologia, de
modo que se pode dizer que poucos são hoje os investigadores que não se
consideram cognitivistas, pelo menos em sentido lato. Em contraste, a influência
do beaviorismo foi diminuindo progressivamente ao longo dos últimos
30 anos. Segundo Robins et al. (1999) o equilíbrio entre estes dois sistemas,
em termos de publicações próprias e importância explicativa, terá sido atingido
durante a década de 70, altura onde se terá verificado um cruzamento da função
ascendente da perspectiva cognitiva com a função descendente da perspectiva
beaviorista.

Robins et al. (1999) analisaram ainda a influência da psicanálise e das neuro-


ciências na literatura psicológica e concluíram existir, no que se refere à psica-
nálise uma influência diminuta mas constante ao longo dos últimos 30 anos;
no que se refere às neurociências, houve um aumento progressivo ascendente
nas últimas duas décadas, mas bastante aquém do que se poderia pensar, tendo
em conta a popularidade existente em certos círculos académicos.

1.3 Psicologia e ciências afins

A psicologia não é a única ciência a estudar o comportamento humano e animal,


nem o cérebro e a mente, o que torna confuso para muita gente perceber quais
as áreas de investigação psicológica e as práticas de intervenção. A psicologia
apresenta similaridades com outras ciências afins, nomeadamente a sociologia,
antropologia e biologia, cujas relações são referidas a seguir.

A sociologia estuda o comportamento de grupos de pessoas em larga escala,


nomeadamente sociedades, culturas e sub-culturas. A antropologia estuda a
espécie humana e o modo como esta forma comunidades, sociedades e nações,

25
© Universidade Aberta
e como evoluiu ao longo dos tempos em termos somáticos, raciais, étnicos e
geográficos. A biologia estuda a origem, o desenvolvimento, as funções, as
estruturas e a reprodução dos organismos vivos.
A psicologia estuda o comportamento de animais e pessoas, individualmente
ou em pequenos grupos. Estuda ainda a organização mental da pessoa, as
suas estruturas e funções e o modo como estas afectam o comportamento. Em
termos metodológicos, a sociologia usa mais frequentemente métodos
observacionais e correlacionais; a antropologia cultural aplica métodos
qualitativos e descritivos; a biologia e a psicologia utilizam além destes ainda
o método experimental.
Psiquiatria e psicologia, nomeadamente a psicologia clínica, são por vezes
confundidas pelo público em termos de áreas de intervenção, na medida em
que ambas as especialidades diagnosticam e tratam problemas comportamentais
e desordens mentais. Mas estas profissões diferem em pontos importantes.
A psiquiatria é uma especialidade médica, estuda o comportamento dito anormal,
como as desordens comportamentais e mentais e os profissionais estão auto-
rizados a receitar medicamentos para efeitos de tratamento. A psicologia clínica
é uma especialidade obtida numa licenciatura e pós-graduação em psicologia,
e em princípio estuda, diagnostica e orienta terapias psicológicas específicas
em todos os tipos de problemas de comportamento, dito normal ou anormal.
Em termos práticos, a diferença mais nítida entre psicologia e as outras
especialidades afins é a obtenção de um grau superior a nível universitário e a
pertença a uma sociedade científica que torne credível o grau académico obtido.
Houve no entanto algumas excepções notáveis no passado. No estudo dos
problemas psicológicos houve investigadores brilhantes que não possuíam
qualquer grau académico ou pertenciam a qualquer sociedade psicológica.
Os pais fundadores da psicologia nos finais do séc. XIX foram filósofos,
fisiologistas e físicos, como William James, Wundt e Fechner, cujas
contribuições constituiram um avanço notável para a ciência psicológica. No
século XX houve ainda fisiologistas como Pavlov, prémio Nobel da medicina
em 1904, que marcou profundamente a psicologia da aprendizagem; médicos
como Freud que propôs um modelo de organização mental e um tipo de
tratamento das desordens mentais que influenciou toda a prática de intervenção
psicológica; biólogos e epistemólogos como Jean Piaget, que renovou
radicalmente a psicologia do desenvolvimento; economistas como Herbert
Simon (n. 1916), prémio Nobel da economia em 1978, que contribuiu de forma
marcante para a psicologia cognitiva; grandes analistas e humanistas como
Erik Erikson (1902-1994) que nem sequer tinha um grau universitário e no
entanto repôs o desenvolvimento da personalidade numa nova perspectiva.
Daqui se conclui que ao longo do séc XX, o conhecimento psicológico avançou
imenso com a contribuição das investigações realizadas em ciências afins à

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psicologia. Tudo leva a crer que no séc. XXI os temas, os problemas e os
procedimentos de investigação psicológica continuem a ser arejados e renovados
não só com o esforço e a criatividade dos estudantes de psicologia, mas também
com as contribuições e o saber dos estudantes das ciências afins.

1.4 Métodos psicológicos

Método refere-se a procedimentos ou técnicas específicas para recolha e análise


de dados. A investigação científica não implica um único método ou abordagem
de estudo, porque os métodos de investigação variam de problema para
problema e de disciplina para disciplina. Para responder cabalmente a uma
questão pode haver procedimentos científicos mais apropriados do que outros
e a resposta dada está limitada pela natureza do método seguido. No entanto
fazer investigação científica significa muitas vezes usar métodos quantitativos
e estes métodos incluem de uma maneira geral a observação sistemática, um
controlo experimental exigente, instrumentos de medida e recolha de dados
fieis e precisos, a aleatoriedade das amostras de sujeitos e uma análise estatística
rigorosa (e.g., Pinto, 1990).
Os métodos psicológicos de recolha de dados mais usados são a observação
naturalista, o estudo de casos, os questionários, o método correlacional, o
método dos testes, o método diferencial e o método experimental. Uma descrição
abreviada de cada um destes métodos será apresentada a seguir.

1.4.1 Observação naturalista

A observação naturalista é um dos métodos mais antigos e refere-se à recolha


atenta e cuidada de dados de animais e pessoas no seu ambiente natural. A
observação é realizada de modo flexível de forma a tirar partido, não só de
todos os comportamentos sob observação, mas também de acontecimentos
inesperados, que eventualmente possam ocorrer. Os comportamentos sob
observação não estão limitados a quaisquer restrições humanas de movimento
e acção e tanto podem ser o comportamento de nidificação e reprodução de
uma ave rara, como o comportamento competitivo e agressivo dos rapazes no
recreio da escola, ou o comportamento dos condutores de automóvel no meio
de um engarrafamento matinal de trânsito.
Margaret Mead (1901-1978) foi uma das primeiras investigadoras a aplicar o
método da observação naturalista ao estudo do comportamento humano. Esta
antropóloga viveu durante algum tempo no meio de uma tribo asiática,
observando e registando várias informações sobre o comportamento do dia a

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dia dos membros da tribo e tirando ilações sobre o sistema de organização
social, distribuição do poder, divisão do trabalho, sistema de parentesco e valores
culturais e religiosos.
Os métodos naturalísticos têm sido também usados em psicologia para estudar
o comportamento humano em diversas situações. Algumas das observações
mais frequentemente efectuadas em psicologia foram o estudo do
comportamento social das crianças na sala de aula ou no recreio, o
comportamento dos condutores em cruzamentos, estradas e em situações de
engarrafamento de trânsito, manifestações de violência em locais desportivos,
o impacto psicológico e social causado nas populações por desastres naturais
ou industriais, o comportamento de fumar em locais proibidos, entre outros.

1.4.1.1 Estudo de casos

O estudo de casos refere-se à descrição detalhada de um único indivíduo em


termos de passado e história, usando às vezes a entrevista, efectuando
avaliações ou aplicando testes e discutindo os resultados. É um método muito
usado em psiquiatria, em psicologia clínica e em neuropsicologia. Freud foi
talvez o investigador que inicialmente mais contribuiu para o uso e divulgação
deste método. Um exemplo de estudo de casos foi a análise efectuada por
Freud em 1909 de uma fobia num rapaz de 5 anos, de nome Hans (Freud,
1909/1955). Mais recentemente, o russo Luria e o inglês Oliver Sacks
descreveram alguns casos famosos usando também o método dos casos. Luria
(1968) descreveu o caso de S., um homem com uma memória excepcional e
Sacks (1990) referiu o caso de um paciente com um problema neurológico
grave que o levava a confundir a mulher por um chapéu. Em geral são relatos
verídicos e fundamentados, normalmente muito expressivos e de leitura
estimulante, sobre aspectos específicos do comportamento de uma pessoa.
O estudo de casos tem sido considerado como o menos científico de todos os
métodos empíricos usados pelos psicólogos. A justificação apresentada refere que
este tipo de método envolve apenas o caso específico de uma pessoa que é única
e não pode ser reproduzido; interpreta o comportamento sob uma certa perspectiva
teórica; implica em muitos casos uma relação de tipo terapêutico, que pela sua
natureza de ajuda dificilmente pode ser objectiva em termos de análise.
Há estudo de casos em que a análise é meramente qualitativa sem qualquer
tipo de medição ou análise estatística como no caso de Freud ou Sacks. Noutros
estudos, como o de Luria, foram feitos registos e medições de natureza
quantitativa para se saber até que medida a memória era ou não excepcional
em relação a casos considerados normais e estabelecido algum controlo sobre
certas variáveis.

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1.4.1.2 Questionários

Os questionários são formados por um conjunto de perguntas planeadas sobre


um certo tema para serem administradas a um grande número de pessoas a fim
de se obter informação sobre atitudes, opiniões e comportamentos. Um exemplo
destes é o questionário de metamemória de Zelinski et. al. (1980). Estes investi-
gadores estudaram a frequência do esquecimento e a qualidade de recordação
em várias situações do dia a dia, como a memória para nomes, faces, encontros,
entrevistas, datas, tarefas, direcções e números de telefone, entre outros aspectos.

Os questionários têm a vantagem de permitir recolher muita informação em


pouco tempo de um grande número de pessoas, mas têm grandes limitações.
O investigador parte do pressuposto de que os participantes respondem
honestamente a todas as perguntas. Se é possível que a maioria das pessoas o faça,
é preciso contar também com a eventualidade de um pequeno número não ser
assim tão franco e honesto. Sondagens efectuadas à boca das urnas, depois da
votação sobre a escolha política ter sido efectuada, revelaram discrepâncias
significativas entre os resultados oficiais da eleição e os resultados da sondagem
e cuja explicação pode ser em parte devida à ocultação da verdade por parte
dos eleitores.

Os questionários estão ainda sujeitos a limitações resultantes do contexto em


que são administrados, do sexo do entrevistador e do modo como este obtém
a cooperação do entrevistado e formula as perguntas. Mesmo que estes factores
sejam devidamente controlados resta ainda a eventualidade do problema em
estudo estar sujeito a variações cíclicas ou passageiras, como acontece provavel-
mente com o caso dos comportamentos sexuais ou de atitudes face ao aborto,
pena de morte, imigração e racismo, restringindo assim temporalmente as
conclusões obtidas.

Os questionários estão ainda sujeitos a um problema que é comum a toda a


investigação psicológica: Será que as avaliações feitas são fieis, isto é consis-
tentes, e válidas, isto é precisas? No caso dos questionários de meta-memória,
o grau de fidelidade é elevado, quando expresso pelo grau de correlação das
avaliações do mesmo instrumento efectuadas entre dois momentos distanciados
no tempo, mas apresentam um grau de validade reduzido, quando as avaliações
são comparados com provas objectivas de memória a curto prazo (memória
de números) ou a longo prazo (evocação de listas de palavras).

1.4.2 Método correlacional

Os estudos correlacionais ultrapassam a simples fase de contagem e descrição


de dados e representam um nível superior de conhecimento face à observação

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naturalista e ao estudo de casos. Quando um investigador observa que os pais
com mais livros em casa têm filhos com melhor rendimento escolar, que as
crianças que vêem mais horas de televisão são mais violentas e agressivas, ou
que o grau de poluição industrial está relacionado com o declínio cognitivo, e
for ainda capaz de efectuar medições quantitativas precisas de cada variável,
então o investigador fica em condições de determinar qual o grau de relação e
de direcção entre as variáveis observadas.
Os estudos correlacionais têm por objectivo determinar uma relação entre duas
ou mais variáveis e esta relação pode ser positiva, negativa ou inexistente. O
tipo de relação é determinado a partir de uma análise estatística, o teste de
correlação. Os valores de correlação variam entre -1 a +1. Quanto mais as
variáveis estiverem relacionadas entre si, tanto mais o coeficiente de correlação
se aproxima de +1 ou de -1. Se a relação for nula, o coeficiente de correlação
aproxima-se do zero.
O coeficiente de correlação descreve de forma precisa e quantitativa o grau de
relação verificada entre duas variáveis. A direcção do relacionamento é dada
pelo tipo de sinal positivo ou negativo que acompanha o coeficiente. Um sinal
positivo significa que os valores da grandeza de uma variável estão positiva-
mente relacionados de forma linear com os valores da outra variável e um
sinal negativo significa que o relacionamento dos valores das duas variáveis é
linearmente negativo.
O coeficiente de correlação traduz a força da ligação linear entre duas variáveis.
Quando a ligação entre variáveis não é linear mas curvilínea, o coeficiente de
correlação pode estar próximo do zero, mas mesmo assim existir uma relação
forte entre duas variáveis. O teste estatístico para medir tal relação é que terá
de ser outro.
O método correlacional é útil no domínio da psicometria, tendo sido possível
determinar satisfatoriamente os traços comuns de um determinado estilo de
personalidade (por ex., a introversão ou a extroversão) ou de uma habilidade
cognitiva (por ex., o raciocínio espacial ou fluência verbal). O método
correlacional é ainda usado com frequência em psicologia na determinação
dos índices de fidelidade (isto é, a consistência entre várias aplicações do mesmo
teste) e de validade (isto é, a medição adequada daquilo a que o teste se destina)
dos questionários e testes de inteligência e de personalidade.
O método de correlação tem todavia limitações, a maior das quais é a incapa-
cidade de se estabelecer uma relação causal entre variáveis que apresentam
um coeficiente de correlação elevado. Neste caso pode-se suspeitar da presença
de alguns factores causais comuns, mas não é possível afirmar que uma variável
é a causa de outra. Esta dificuldade pode ser ilustrada a partir de uma ocorrência
grave verificada na década de 80 em Itália onde se registaram uma série de
mortes sem haver uma explicação clara. No entanto as mortes estavam

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significativamente relacionadas com o consumo de azeite, o que levou o governo
a concluir que o azeite vendido era tóxico. No entanto estudos mais
aprofundados indicaram que a causa das mortes tinha sido a ingestão de tomates
contaminados com pesticidas e comidos em saladas temperadas com azeite.

Numa outra situação verificou-se que o coeficiente de correlação entre o tempo


de estudo e o desempenho escolar universitário era baixo e negativo (-0.10).
Se o coeficiente fosse interpretado em termos causais, então a conclusão óbvia
seria deixar de estudar para se obter um bom desempenho académico! Uma
leviandade que nenhum estudante responsável seguirá. Então porque é que o
coeficiente de correlação foi tão baixo e negativo? Possivelmente porque muitos
alunos tentam compensar através de um maior tempo de estudo algumas das
limitações que têm à partida em termos de preparação académica ou de recursos
cognitivos. Outros estudantes, que se consideram melhor preparados à partida,
usam métodos de estudo mais eficazes, ou fazem uma gestão mais económica
do tempo de estudo.

Estes dois exemplos, entre muitos outros, mostram que um coeficiente de


correlação significativo não prova que uma variável é a causa de outra, antes
indica que as variações no valor de uma variável prevêem até certo ponto
variações noutra variável. A determinação da causa de um fenómeno só é
possível a partir de uma investigação experimental.

1.4.3 Método dos testes

Para ser valorizada ou denegrida, a psicologia é muitas vezes associada aos


testes psicológicos. Os testes constituem a única indústria que a psicologia
produziu até hoje e estão sujeitos a controvérsias cíclicas. Os testes são porém
métodos objectivos de observação e medida de variáveis. Os testes são
constituídos por tarefas uniformes administradas individualmente ou em grupo
com o objectivo de medir uma ou mais variáveis ou construtos teóricos. Os
testes são instrumentos que permitem obter facilmente um grande número de
dados sobre as pessoas, sem lhes provocar transtornos de maior em termos de
rotina diária ou exigir meios complexos de aplicação como acontece por vezes
a nível laboratorial.

Historicamente a expressão teste mental surgiu num artigo publicado pelo


americano Cattell em 1890, que juntamente com o inglês Galton e o francês
Binet são considerados os pioneiros da avaliação mental e psicológica. Em
1905, Binet e Simon publicaram uma escala de inteligência, um instrumento
elaborado a pedido do Ministério da Instrução francês a fim de permitir detectar
deficiências intelectuais em crianças de idade escolar. A função básica dos

31
© Universidade Aberta
testes era medir diferenças entre indivíduos de forma a permitir uma classi-
ficação de natureza mental e comportamental.

Em psicologia há centenas de testes, escalas e medidas que podem dividir-se


em vários grupos: Testes de aptidão e inteligência; testes de realização; medidas
de personalidade e escalas de valores e atitudes. Através de testes elaborados
para o efeito podem ser analisadas variáveis de comportamento, como a
ansiedade ou o autoritarismo; a inteligência geral ou aptidões específicas, como
a fluência verbal ou o raciocínio espacial; realização escolar, como o nível da
leitura ou de aritmética; atitudes, como as crenças e predisposições face à
religião, grupos étnicos ou o aborto.

Os testes são importantes instrumentos de medida em psicologia, principalmente


após terem sido normalizados e aplicados a amostras representativas. A cons-
trução e normalização de um teste é uma tarefa muitas vezes longa e complexa
em termos de preparação dos itens do teste, aplicação a amostras representativas,
aferição e normalização, sendo a descrição das respectivas fases e procedi-
mentos objecto de uma literatura bastante especializada.

Desde o começo do século XX, os testes psicológicos são uma área importante
da psicologia com aplicações ao nível da selecção e classificação escolar, militar,
profissional e organizacional. Porém a importância dos testes não se limita
apenas à psicologia aplicada, tendo ainda um papel importante ao nível da
investigação.

Assim os testes podem esclarecer, quer na medição das diferenças individuais


ou nas diferenças de grupo, qual o nível de desenvolvimento intelectual de
uma criança desde a infância até à adolescência, ou o eventual declínio cognitivo
de uma pessoa durante a vida adulta. Os testes são ainda um meio indispensável
para ajudar a esclarecer diferenças de grupo em função de variáveis como a
instrução ou o meio sócio-cultural. Quando um investigador pretende saber se
um programa de instrução aplicado a um grupo de alunos é melhor do que
outro programa alternativo, precisa de estabelecer uma equivalência entre os
participantes dos dois grupos em diversas variáveis cognitivas, nomeadamente
ao nível da inteligência. Ora o grau de inteligência determina-se com a aplicação
de um teste.

1.4.4 Método diferencial

O método diferencial tem por objectivo investigar o desempenho de dois ou


mais grupos que se distinguem na base de uma variável pre-existente, seja o
género, a idade, os anos de escolaridade ou um traço de personalidade como
a ansiedade.

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© Universidade Aberta
Um exemplo de estudo diferencial é a análise dos resultados de uma prova de
memória entre dois grupos, um do género masculino e outro do género femi-
nino. O género é a variável independente, isto é, a variável responsável pela
definição dos grupos. O desempenho de memória registado é a variável
dependente.

Um problema com o método diferencial é a dificuldade de controlo das variáveis


que concorrem com a variável independente. No exemplo anterior, os grupos
podem diferir na base de outras variáveis para além do género, a variável
independente medida. Se os grupos diferem à partida numa determinada
variável, como o género, é muito provável que também se diferenciem noutras
variáveis que possam afectar os resultados, como a idade, o número de anos
de escolaridade, o raciocínio, o estilo cognitivo, entre outras. Nesta situação a
obtenção de diferenças de memória entre o género masculino e feminino seria
um resultado artificioso.

Na investigação diferencial, as diferenças entre os grupos pré-existem ao início


da investigação propriamente dita. Assim a variável independente não é mani-
pulada pelo investigador como na investigação experimental, mas apenas
medida. Sendo a variável independente apenas medida e não manipulada não
é possível ir além do grau e direcção de relacionamento das variáveis estudadas,
isto é, do grau de correlação registado. Este método torna a investigação dife-
rencial muitas vezes mais difícil de interpretar do que a investigação experimen-
tal, pois não é possível usar os controlos típicos da investigação experimental.

Na investigação experimental, a distribuição aleatória dos sujeitos pelos


diferentes grupos proporciona uma equivalência inicial dos grupos em todas
as variáveis (teoricamente falando) que concorrem com a variável independente.
Neste sentido a investigação diferencial é, em termos de explicação, concep-
tualmente semelhante à investigação correlacional.

A investigação diferencial substitui por vezes a investigação experimental,


como acontece na área da educação. Em educação não é viável distribuir
aleatoriamente os estudantes de uma escola, metade pelo método X e a outra
metade pelo método Y para se verificar se um método é melhor ou pior do que
outro.

Se se quiser comparar os efeitos de dois métodos de instrução é habitual


comparar duas escolas que adoptaram tais métodos de ensino, e depois esperar
que os estudantes que as frequentam sejam equiparáveis nas variáveis mais
relevantes, exercendo-se todo o controlo possível ao nível da equivalência de
tais variáveis. O método de ensino é a variável independente que diferenciava
as escolas e é responsável pela definição dos grupos que existiam antes da
experiência começar; os resultados escolares finais dos alunos de cada escola
são a variável dependente.

33
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1.4.5 Método experimental

A investigação experimental tem um papel crucial na investigação científica.


O método experimental é considerado o único método científico em que é
possível estabelecer-se uma relação de causalidade entre duas ou mais variáveis
ou fenómenos. A análise dos fenómenos por meio de uma experiência é a
aspiração de muitos cientistas.

Caixa 1.1

Um Estudo Experimental

Quer a partir da simples observação da relação mãe-bebé, quer a


partir do modelo teórico de Freud sobre o desenvolvimento das
crianças, é possível formular a hipótese de que a alimentação é o
factor crucial no desenvolvimento da ligação afectiva entre a mãe e
a criança. Mas será de facto o factor alimentação? Não será antes o
contacto corporal que a mãe estabelece com a criança durante a
amamentação? Harlow (1959) tentou investigar esta hipótese através
de uma experiência científica realizada com oito macacos recém-
nascidos. Harlow produziu dois modelos de “mães substitutas”, um
modelo em que o corpo do animal era formado por uma estrutura
de arame, cabeça de madeira e rosto meio tosco e um outro modelo
em que uma estrutura semelhante era revestida de tecido aveludado.
Os oito macacos foram colocados em gaiolas individuais com acesso
igual às “mães substitutas”, recebendo metade deles o leite da “mãe
de arame” e a outra metade da “mãe de veludo”, em ambos os
casos através do bico de um biberão, parcialmente escondido no
corpo de cada modelo. Durante o período de observação, os macacos
beberam uma quantidade de leite equivalente e obtiveram um peso
semelhante, no entanto passaram a maior parte do tempo agarrados
ao modelo de veludo, independentemente de terem sido ou não
alimentados por este modelo. Este estudo desconfirmou a hipótese
da importância da alimentação no desenvolvimento da ligação
afectiva em favor da importância do contacto corporal.

Na sequência deste projecto, Harlow verificou ainda que os macacos,


quando se sentiam ameaçados pela aproximação de um urso
mecânico, refugiavam-se todos no modelo de veludo. Noutra
situação quando tinham a oportunidade de pressionar uma alavanca
que permitia abrir uma janela para observarem ou um macaco real
ou o modelo de veludo, os macacos pressionavam igualmente a
alavanca de cada janela, mas não mostravam qualquer interesse

34
© Universidade Aberta
pelo modelo de arame. Estes resultados provaram que o modelo de
veludo é capaz de reduzir a ansiedade dos jovens macacos e atrair
a atenção de modo equivalente ao de um macaco real. O modelo de
veludo mostrou-se no entanto inadequado em termos de desenvol-
vimento social. Os macacos, “criados” pelo modelo de veludo, mas
mantidos isolados, tornaram-se socialmente inaptos ao crescerem.
Todavia quando os macacos “criados” pelo modelo de veludo tive-
ram a oportunidade de brincar uma hora por dia com três outros
macacos, o crescimento e desenvolvimento deles tornou-se indife-
renciável dos macacos criados pelas mães naturais, provando ainda
que um factor importante no desenvolvimento saudável dos macacos
era o contacto social.

Em termos gerais, uma experiência é um arranjo de condições, procedimentos


e equipamento com o objectivo de se avaliar uma hipótese e mantendo sob
controlo todos os restantes factores. Em termos específicos, uma experiência é
uma observação objectiva de um fenómeno que é forçado a ocorrer numa
situação rigorosamente controlada, e em que um ou mais factores são
manipulados enquanto os restantes são controlados (Zimney, 1961).

As variáveis manipuladas designam-se por variáveis experimentais,


independentes ou de tratamento e os resultados da experiência designam-se
por variável dependente. É crucial em qualquer experiência estabelecer-se
condições de controlo das variáveis concorrentes face à variável independente
e ainda uma distribuição aleatória dos diferentes factores.

Um exemplo de estudo científico de acordo com o método experimental está


descrito na Caixa 1.1, onde se referem vários factores que tiveram de ser
controlados para se conseguir descobrir uma relação de causa e efeito sem
ambiguidade entre os factores estudados. Estes controlos são necessários para
se obter uma conclusão definitiva sobre o tipo de antecedentes que causam e
originam um evento subsequente. Além do controlo das variáveis, o
experimentador manipulou sistematicamente variáveis no ambiente em que
decorria a experiência de forma a observar o efeito desta manipulação em
certos tipos de comportamento. A manipulação sistemática dos valores da
variável independente tem por objectivo demonstrar um efeito causal directo
na variável dependente.

Os pontos fortes da investigação experimental são o controlo das variáveis, a


precisão das medições obtidas e a possibilidade de se estabelecer uma relação
causal entre variáveis. Uma experiência tem validade interna, quando os
resultados obtidos resultam única e exclusivamente da manipulação da variável

35
© Universidade Aberta
independente, conseguindo-se controlar toda a influência de outras variáveis
concorrentes. Frequentemente este grau de controlo é apenas conseguido através
de recursos laboratoriais com a apresentação das condições da variável inde-
pendente, controlo das variáveis concorrentes e registo preciso da variável
dependente.

Mas as circunstâncias que tornam forte a aplicação do método experimental


têm a contrapartida de o fragilizar em termos de aplicação dos resultados a
outros sujeitos, situações e contextos. Assim quando o método experimental é
forte em termos de validade interna costuma ser fraco em termos de validade
externa ou validade ecológica.

Por exemplo, Ebbinghaus (1885) obteve alguns princípios ou efeitos de


memória importantes, como a curva de esquecimento, usando sílabas sem
significado. No entanto, Bartlett (1932) sublinhou a falta de validade externa
deste tipo de estudos ao usar-se material verbal sem significado. Em contraste,
Bartlett usou figuras e contos populares, um tipo de material verbal mais próximo da
aprendizagem e memória que ocorre no dia a dia das pessoas. O estudo de
Ebbinghaus era forte em termos de validade interna, mas fraco em termos de vali-
dade externa; por sua vez, os estudos de Bartlett foram acusados do contrário.

A discussão sobre a importância da validade externa da investigação


experimental é por vezes mais um problema para certos especialistas de
metodologia do que para os investigadores que fazem investigação laboratorial
a sério no dia a dia. No caso da investigação efectuada por Harlow (1959), os
modelos “mãe de arame” e “mãe de veludo” não têm qualquer represen-
tatividade em termos de aplicação dos resultados ao meio ambiente da selva.
Na selva não há “mães de arame” ou “mães de veludo”. São situações labora-
toriais de uma artificialidade extrema. No entanto este estudo pôs irremediavel-
mente em causa o factor alimentação considerado até então como o factor
essencial no estabelecimento da ligação afectiva entre a mãe e a criança.

Noutro aspecto, por exemplo, é altamente improvável que as leis do condi-


cionamento, descobertas por Pavlov e Skinner em situações laboratoriais
extremamente artificiais de que falaremos no capítulo seguinte, fossem alguma
vez estabelecidas, se estes investigadores se tivessem limitado a observar
simplesmente o comportamento do cão do vizinho ou o do rato no sótão da
casa de campo.

Dito isto, não se pretende insinuar que a investigação experimental deva


desinteressar-se da generalização dos resultados a situações reais do dia a dia.
Os investigadores estudam propositadamente os comportamentos das pessoas
em ambientes simplificados de forma a obter um maior controlo das variáveis
e conseguirem testar os princípios gerais que explicam os comportamentos
animais e humanos. Os investigadores esforçam-se tenazmente por evitar a

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artificialidade na investigação, planeando experiências que simulem o mais
possível a natureza e a realidade externa, mas quando têm de sacrificar algo,
preferem fazê-lo em termos de validade externa, mesmo sendo acusados de
artificialismo, do que em termos de validade interna, para evitar arruinar a
experiência e ficarem impossibilitados de testar e avaliar adequadamente as
hipóteses experimentais.

O estudo experimental ideal será aquele que permite manipular as condições


da variável independente e obter resultados em situações de controlo efectivo
das variáveis concorrentes e ao mesmo tempo estudar os comportamentos dos
sujeitos em situações e contextos quotidianos e reais. Não há nada de errado
na aplicação do método experimental à investigação psicológica. O que é
preciso é engenho e criatividade no planeamento dos estudos de forma a
conciliar o controlo mais elevado e a generalização mais extensa dos resultados.

Na literatura psicológica não há muitos estudos que consigam preencher


simultaneamente os dois requisitos de validade interna e de validade externa,
mas uma excepção notável é o estudo de Sheriff (1956). Sheriff, numa
experiência realizado com rapazes de 11 e 12 anos num campo de férias,
estudou o aparecimento de conflitos e preconceitos entre-grupos por razões
de competição; a seguir estudou a redução desses mesmos conflitos através da
participação em objectivos essenciais para a comunidade da colónia de férias.

O recurso à investigação experimental nem sempre é o mais adequado. Há


razões práticas, éticas e dificuldades de controlo que impedem a aplicação
generalizada da metodologia experimental a muitos problemas, alguns deles
com um real interesse de investigação. No entanto só a investigação experi-
mental é capaz de reduzir ou eliminar interpretações controversas sobre uma
eventual relação causal entre variáveis.

1.5 Perspectivas de investigação psicológica

Ao longo da história da psicologia, o objecto e a definição da psicologia não


foi, nem parece ser tão cedo, consensual. Uns concentram-se na análise do
comportamento, outros consideram este objectivo limitado se não se tiver em
conta a influência dos processos mentais. Outros pensam ainda que o
comportamento pode ser explicado, ou em termos genéticos ou em termos
sócio-culturais, dando origem a duas perspectivas antagónicas: a bio-
psicológica e a sócio-cultural. Em contraste, outras perspectivas alternativas
foram apresentadas de modo a valorizar o papel da mente e dos processos
mentais na génese do comportamento, como a perspectiva evolucionista e
sobretudo a perspectiva cognitiva.

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1.5.1 Perspectiva Bio-Psicológica

A bio-psicologia é uma área de estudo e investigação psicológica que tenta


explicar o comportamento numa base orgânica. Para o efeito, a bio-psicologia
procura analisar os factores que iniciam e condicionam os comportamentos
individuais a partir da análise do sistema nervoso, sistema glandular,
organização e funcionamento do cérebro, genes e bioquímica celular. É uma
área também conhecida por psicofisiologia, neuropsicologia e genética
comportamental. Neste sentido a bio-psicologia partilha muitas das técnicas
de investigação com a fisiologia, a biologia e a genética.

A bio-psicologia é uma área importante e muito activa em termos de


investigação, tendo o interesse crescido proporcionalmente com os avanços
tecnológicos que se foram registando nos últimos 20 anos em termos de exames
imagiológicos do cérebro. O recurso crescente e valioso a equipamento
altamente sofisticado, como a electroencefalografia (EEG), o microscópio
electrónico, a tomografia axial computadorizada (TAC), a obtenção de imagens
por ressonância magnética (MRI), a tomografia por emissão de positrões (PET),
entre outro equipamento do género, permitiu estudar o corpo e o cérebro das
pessoas em estado de vigília e a realizar tarefas específicas. No passado, quando
um investigador pretendia estudar o corpo e o cérebro, apenas o podia fazer
através da cirurgia ou de uma autópsia. Actualmente o investigador pode
observar directamente a actividade do cérebro em descanso ou a realizar uma
actividade cognitiva específica sem causar danos ou incómodos de maior à
pessoa que está a ser examinada. A importância deste equipamento para a
observação biológica do corpo humano é de tal ordem elevada, que o seu
papel já foi comparado ao da descoberta do telescópio na revolução do
conhecimento em astronomia.

O electroencefalograma é o registo da actividade eléctrica do cérebro e é


importante para se compreender os estados de vigília e sono e certas doenças
como a epilepsia. As imagens obtidas por TAC e MRI permitem uma
observação de natureza anatómica e as imagens por PET uma observação
mais de natureza neuronal. Assim é possível através de um TAC detectar-se
tumores e obstrução de vasos sanguíneos, através de MRI detectar casos de
esclerose múltipla e através de PET zonas e níveis de actividade metabólica
cerebral específica, como as relacionadas com o reconhecimento da fala ou
do reconhecimento de um rosto humano, de memórias recentes e memórias
antigas e doenças como a esquizofrenia.

Alguns dos temas mais importantes estudados no âmbito dos fundamentos


biológicos do comportamento e integrados na área da bio-psicologia são o
sistema nervoso central com relevo para a estrutura e a organização do cérebro,
o papel das diferentes áreas cerebrais e dos neurotransmissores em relação

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com as funções cognitivas de percepção, atenção, memória, linguagem e
raciocínio; o sistema nervoso autónomo com funções de controlo sobre
diferentes órgãos e sistemas como o digestivo, respiratório, circulatório e as
implicações a nível do comportamento emocional; o sistema endócrino e os
efeitos das várias hormonas sobre a actividade geral do organismo; o papel
dos genes e da hereditariedade, não apenas a nível corporal como a cor e a
altura, mas principalmente ao nível das características psicológicas como a
inteligência e o raciocínio, ou características de personalidade como a
ansiedade, tomada de riscos, felicidade e estabilidade emocional.

No estudo dos fundamentos biológicos do comportamento, há duas grandes


perspectivas: Uma de natureza correlacional procurando identificar as
correspondências ou correlatos fisiológicos do comportamento deixando para
a psicologia e para outras ciências humanas, a elaboração de explicações
complementares e alternativas; Outra mais extrema, de natureza reducionista,
reivindica a explicação final da cognição e do comportamento com base em
processos fisiológicos e genéticos. É a corrente que pretende reduzir a psico-
logia à biologia, prevendo que o futuro da psicologia ficará limitado apenas às
explicações que a genética não for capaz de proporcionar.

Embora os genes, a produção hormonal, a fisiologia e a organização cerebral


tenham uma influência importante no comportamento e na personalidade de
cada um, esta influência não é decisiva. Os genes condicionam a altura de
uma pessoa, mas não é o facto de um homem ter uma altura de 2,10 metros
que o torna um jogador de basquetebol amador ou de elite, ou até mesmo
interessar-se por basquetebol. Os genes determinam também a raça, afectam a
tomada de riscos e a estabilidade emocional, mas pertencer ou não a uma
determinada raça não torna um indivíduo mais agressivo ou pacífico, mais
inteligente e empreendedor ou mais socialmente dependente, mais depressivo
ou mais feliz. É antes o conjunto das informações internas e externas, assim
como a interpretação das experiências passadas, que levam o cérebro e a mente
humana a estabelecer um critério de comportamento e de acção e a tentar
alcançar o equilíbrio que uma pessoa julga mais adequado para se adaptar ao
meio onde habita.

1.5.2 Perspectiva evolucionista

Darwin defendeu que as plantas e animais evoluiram ao longo de milhares e


milhares de anos, acumulando características que os tornaram mais capazes
de sobreviver e de se reproduzir. No final do seu livro A Origem das Espécies
publicado em 1859 Darwin afirmou que um dia a psicologia instituir-se-ia
sobre uma nova base ou fundação.

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A psicologia evolucionista é uma perspectiva psicológica desenvolvida nos
últimos anos que, ao assumir o legado de Darwin, procura integrar as
explicações do comportamento na série causal da biologia evolucionista. A
psicologia evolucionista defende que os processos psicológicos como a
percepção, a memória, a linguagem e o pensamento, e mecanismos como a
atracção sexual, relações parentais, a escolha e adaptação aos alimentos, entre
muitos outros, evoluiram ao longo de milhões de anos por meio de um processo
de selecção natural. A selecção natural é considerada como o único processo
causal conhecido capaz de produzir organismos funcionalmente complexos.

As características que no passado ancestral da espécie humana se revelaram


úteis em termos de resolução de problemas associados com a capacidade de
sobrevivência e com o aumento das probabilidades de reprodução foram sendo
incorporados no património genético ao longo de milhões de gerações. Em
termos globais isto significa que a mente e os processos cognitivos são melhor
compreendidos e explicados no âmbito das forças da biologia evolutiva
expressas ao nível dos genes.

Uma das reacções humanas que foi objecto de uma boa explicação por parte
da psicologia evolucionista foi a do mal-estar matinal ou doença das grávidas.
Uma grávida sente habitualmente por volta do segundo e terceiro meses de
gravidez enjoos frequentes e aversão a certos alimentos. Freud explicou este
comportamento dizendo que o mal-estar significava a aversão que a mulher
tinha pelo marido e o seu desejo inconsciente de abortar o feto pela boca. Por
sua vez a medicina propôs uma explicação de natureza hormonal, mas esta
explicação parece insuficiente. Afinal porque é que as hormonas provocam
especificamente enjoos e mal-estar em vez de induzir agressividade ou
sedução? Margie Profet (1992) propôs uma explicação alternativa, afirmando
que este período de mal-estar deveria trazer algum benefício à mãe e ao feto
compensando os custos de uma alimentação mais reduzida ou de uma menor
produtividade.

Segundo Profet, durante o período de mal-estar os vómitos protegiam a mulher


de comer alimentos, muitos deles portadores de toxinas, cuja ingestão
prejudicaria o desenvolvimento do feto. No passado ancestral humano a
alimentação era constituída à base de plantas, mas as plantas para sobreviver
produziam toxinas e venenos. Profet apoiou a sua hipótese explicativa numa
série de resultados dos quais destaco os seguintes:

A mesma dose de vegetais portadoras de toxinas pode ser tolerada por um


adulto, mas provocar um aborto ou defeitos no feto; as grávidas evitam
alimentos novos e bastante temperados e condimentados, os que têm mais
probabilidades de conter toxinas; os vómitos ocorrem mais frequentemente
no período em que os órgãos do feto estão a ser criados e desaparece quando
os órgãos estão quase formados e aumenta a necessidade de maior quantidade

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de ingestão de alimento; o olfacto torna-se hiper-sensível neste período, mas
fica menos sensível no período seguinte; as grávidas que sentem um mal-estar
mais agudo são as que têm menos probabilidades de abortar ou de ter bebés
com defeito; o mal-estar da gravidez ocorre em todas as culturas humanas. O
conjunto destas e de outras observações sugerem que o mal-estar nos primeiros
meses de gravidez é uma reacção geneticamente programada de forma a
aumentar as probabilidades de reprodução humana.

Explicações do comportamento humano em termos de psicologia evolucionista


foram, entre outras, a preferência por alimentos e o comportamento sexual.
Assim a preferência humana por alimentos doces teria origem no passado
ancestral em que a procura de frutos com sabor mais doce e maior valor nutritivo
faria aumentar as hipóteses de sobrevivência. No que se refere ao compor-
tamento sexual, vários estudos indicaram que dentro da nossa cultura os homens
desejam ter em geral uma maior variedade de parceiros sexuais do que as
mulheres, verificando-se esta mesma tendência no caso dos homossexuais em
relação às lésbicas. Nesta perspectiva psicológica, o comportamento dos
homens seria explicado em termos do aumento de disseminação reprodutiva
dos seus genes, cujos custos em tempo e gasto de energia seriam reduzidos.
Em contraste, o comportamento selectivo das mulheres teria a vantagem
reprodutiva de assegurar o parceiro que se revelasse não só como o mais apto,
mas também o mais colaborante no longo processo de gestação, nascimento e
crescimento dos filhos.

Steven Pinker (1997), psicólogo cognitivo e adepto da psicologia evolucionista,


defendeu que o que está inscrito nos genes, resultante do nosso passado
ancestral, não são comportamentos específicos como o egoísmo, o altruísmo
ou o adultério que os genes se encarregariam de manipular à maneira de
marionetas. O que estaria efectivamente inscrito nos genes seria antes a
organização da mente e dos processos e mecanismos mentais que processam a
informação e são responsáveis pela tomada de decisão.

A mente é uma adaptação biológica resultante da selecção natural, mas isto


não significa que todos os processos cognitivos que ocorrem na mente sejam
biologicamente adaptativos. Em termos de propagação e disseminação dos
genes, as pessoas cometem muitas “asneiras”: Umas ficam solteiras, outras
usam contraceptivos, não querem ter filhos, ou têm o menor número possível.
A mente humana foi planeada para gerar comportamentos que no passado
ancestral se revelaram, em média, adaptativos, mas qualquer acto realizado no
presente é o efeito de dúzias de causas. Analise-se o caso do adultério.

Mesmo que o desejo de adultério seja um produto indirecto dos nossos genes,
há também outros desejos opostos que também são o produto indirecto dos
genes, como ter uma relação matrimonial ou de acasalamento estável. O
comportamento adúltero é o resultado de uma série de cálculos e decisões

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mentais que têm a ver com a presença de um parceiro disponível que tenha o
mesmo desejo, a conveniência ou não da manutenção de um casamento feliz
ou os riscos de um divórcio. Segundo Pinker (1997) o comportamento não
evoluiu; o que evoluiu foi a mente.

A psicologia evolucionista tem vindo a receber uma grande atenção nos anos
mais recentes. Grande parte desta atenção está relacionada com a escolha de
certas questões, que além de populares têm um papel importante em termos de
sobrevivência e reprodução humana, como a escolha sexual, as relações
parentais, as interacções sociais e a escolha de alimentos. Veja-se Crawford e
Krebs (1997) para uma revisão actualizada deste tema.

No entanto, a psicologia evolucionista não está isenta de apaixonadas contro-


vérsias, sendo a razão de muitas delas a tese de que é o comportamento que
está directa ou indirectamente inscrito nos genes. Mas segundo Pinker, não é
o comportamento que está inscrito nos genes nem é adaptativo, mas apenas a
mente e os programas mentais que processam a informação. Ao privilegiar-se
o papel adaptativo da mente sobre o comportamento, torna-se possível
incorporar mais facilmente os efeitos da cultura e da sociedade no aumento do
grau de sobrevivência e de reprodução bem sucedida da espécie humana.

As explicações do comportamento humano em termos evolutivos não estão


isentas de dificuldades. Repare-se no caso da alimentação e do vestuário que
têm um papel enorme em termos de adaptação humana ao meio, mas não
parecem ser programados pelos genes, pelo menos de modo significativo.
Antes parecem ser adquiridos em cada geração e sociedade pelo processo de
aprendizagem. Por outro lado, a fala, que nos humanos tem uma origem
significativamente genética, está quase inteiramente sujeita no seu desenvol-
vimento ao meio sócio-cultural de pertença da pessoa.

A psicologia evolucionista defende, e creio que provavelmente de modo


correcto, que a selecção natural moldou a mente humana e o seu modo de
funcionar no mundo em que actua de forma a assegurar uma maior capacidade
de sobrevivência e reprodução. Durante o processo de evolução, a mente e o
mundo evoluíram conjuntamente e em interacção. No entanto se as escolhas
comportamentais feitas aqui e agora são ou não adaptativas, quem por último
selecciona e é responsável pelas decisões tomadas é a mente e não os genes.

1.5.3 Perspectiva sócio-cultural

O comportamento depende do meio sócio-cultural em que a pessoa habita,


cresce e se desenvolve. A família, a classe social, a raça, a comunidade religiosa,
a organização social e política, a geografia, o país e a cultura são factores

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importantes que afectam o comportamento das pessoas e diferenciam não só
grupos e comunidades, mas também pessoas que moram no mesmo prédio,
irmãos que habitam na mesma casa e gémeos que possuem o mesmo material
genético. Assim a perspectiva sócio-cultural ressalta o papel que os factores
sociais e culturais têm na origem e permanência do comportamento da pessoa.

A perspectiva sócio-cultural em psicologia usa e adapta conceitos e temas das


ciências sociais, nomeadamente da sociologia e da antropologia. Um destes
conceitos é a socialização, um processo através do qual uma pessoa aprende
as regras ou “normas” da sociedade. A aquisição destas regras por parte de
uma pessoa e a influência social em geral condicionam a escolha de um grupo,
o estabelecimento de relações interpessoais, a aprendizagem da língua materna,
a maneira de pensar, o grau de persuasão a que se é receptivo, a expressão de
emoções, a criação de atitudes mais individualistas ou mais sociáveis, a
formação de estereótipos e crenças em relação a raças, povos e religiões, o
desenvolvimento da identidade e a construção da personalidade.

Porém a socialização tem um reverso que se chama etnocentrismo, isto é, a


tendência para considerar as normas culturais e étnicas do grupo de pertença
como base da definição do que é correcto e natural. A atitude etnocêntrica está
na origem de comportamentos exacerbados que no passado e no presente têm
originado desconfiança, conflito e ataques contra povos, raças, grupos, religiões
e até mesmo contra pessoas, cujos comportamentos por vezes específicos ou
peculiares são considerados por uma razão ou por outra anormais e repulsivos.

O ramo da psicologia que serve de interface entre o comportamento da pessoa


e a influência que nele exerce a acção de outras pessoas e grupos é a psicologia
social. Segundo Gordon Allport, a psicologia social procura compreender e
explicar o modo como o comportamento e o pensamento dos indivíduos é
influenciado pela presença real ou implícita de outras pessoas.

O comportamento está sujeito a influências do meio-ambiente, que segundo


uns pode ser definido como tudo o que não é genético e hereditário na pessoa.
É certo que o comportamento humano é afectado pela hereditariedade e pelo
meio, mas também é certo que o comportamento não é redutível a estas
abordagens científicas. Se o fosse, a psicologia não teria qualquer papel no
comportamento ficando este apenas dependente da genética e biologia por um
lado e da cultura e sociedade por outro. No entanto, uma coisa são as diferenças
entre grupos, onde se revela a presença destas variáveis importantes, outra
coisa são as diferenças individuais entre pessoas de cada grupo.

Com base em estudos de grupo talvez seja possível afirmar que em média ou
em geral os rapazes adolescentes são competitivos, os jovens instáveis e as
mulheres passivas, para já não falar em resultados médios que comparam raças
e povos em termos de grau de inteligência ou de violência. No entanto todos

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conhecem excepções, ou circunstâncias de excepção a estas médias ou
generalidades a começar mesmo na nossa própria casa. Por maior que seja a
influência da hereditariedade ou do meio, o comportamento é no final sempre
o resultado de uma avaliação e decisão que o cérebro e a mente de uma pessoa
individual fazem da situação. É nesta decisão e nos seus condicionalismos
que se centra a psicologia.

1.5.4 Perspectiva cognitiva

A perspectiva cognitiva está subjacente às objecções referidas nas perspectivas


anteriormente apresentadas. A perspectiva cognitiva reivindica a primazia da
“psique”, ou da mente humana, na organização do comportamento. As pers-
pectivas anteriores defendem que o comportamento humano é afectado por
um lado por variáveis de natureza genética, hormonal e organização cerebral,
e por outro lado por variáveis sociais, culturais, económicas e geográficas. É
de crer que nenhum psicólogo cognitivo, nem ninguém com uma formação
psicológica por mais enviesada que seja, negue a influência conjunta que estas
variáveis têm no comportamento.

É no teatro da mente que as diversas influências ocorrem, mas o comportamento


não está directamente dependente dos genes ou da cultura. O comportamento
humano é dependente sobretudo da mente, isto é, da decisão resultante do
desenvolvimento e da organização mental da pessoa. A mente gera compor-
tamentos, umas vezes de forma mais autónoma, outras vezes de forma mais
condicionada por influências várias, mas a primazia é mental.

A primazia da mente nunca é de mais ressaltar. Muitos estudantes de psicologia


em Portugal andam tão obcecados com as influências genéticas ou da cultura,
que às vezes fica-se com a impressão de que os juristas são os únicos
profissionais que acreditam na mente como causa do comportamento e por
conseguinte na especificidade da psicologia. Se a mente tivesse um papel tão
diminuto na génese do comportamento, os crimes julgados em tribunal seriam
quase todos absolvidos em função das atenuantes genéticas ou sócio-culturais.
Mas não são e creio que de modo correcto. O panorama é semelhante, se se
passar do comportamento desviante para o comportamento normal, que inclui
a maior parte dos comportamentos das pessoas no dia a dia.

Repare-se no exemplo seguinte: “Onde vais?” – “Vou buscar o carro para ir


ao emprego da minha mulher convidá-la para almoçar num restaurante junto
ao mar. Lembrei-me agora de lhe fazer uma surpresa!” Os genes, a fisiologia
e as hormonas podem “lembrar-me” sobre a necessidade de comer, mas esta
necessidade pode ser satisfeita com uma sandes e uma cerveja no bar do

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emprego. Por sua vez, a sociedade e a cultura não exercem qualquer pressão
para ir a um restaurante à beira mar em vez de ir a um restaurante num centro
comercial ou junto a um parque florestal. Se pressão existe, ela vai até nos
tempos que correm no sentido de deixar o carro na garagem para não poluir o
ambiente. E se esta pressão fosse determinante e o carro tivesse de ficar na
garagem, a deslocação até ao emprego teria de ser anulada, porque a esta hora
não haveria tempo para ir a pé e fazer a surpresa do convite.

A perspectiva cognitiva defende, em síntese, que o comportamento humano


no dia a dia depende do modo como a mente humana processa e interpreta a
experiência que tem do meio, quer interno quer externo. As pessoas não
respondem ao meio ambiente de forma mecânica e irreflectida. Pelo contrário,
o comportamento no dia a dia é sobretudo organizado e sujeito a planos e
regras de acção, que as pessoas pensam serem as mais adequadas para uma
adaptação satisfatória e uma existência digna e autónoma.

1.6 Áreas de especialização psicológica

A organização de um curriculum de estudos superiores de psicologia


normalmente compreende um ciclo inicial e um ciclo de especialização numa
área para se poder obter a licenciatura em psicologia. No ciclo básico é
frequente a leccionação de disciplinas de psicologia cognitiva, social, fisiológica,
diferencial, psicologia do desenvolvimento e da personalidade, avaliação
psicológica e disciplinas complementares de biologia, genética e estatística.
No segundo ciclo, as áreas de especialização variam conforme os recursos de
docência e de investigação de cada curso de psicologia. Há cursos superiores
de psicologia que se especializam numa única área, como a psicologia clínica
ou psicologia educacional, enquanto outros cursos têm possibilidades de
oferecer estas ou ainda outras alternativas de especialização.

Após a obtenção da licenciatura em psicologia, os diplomados são aconselhados


a inscreverem-se em associações profissionais de psicologia. A dimensão e
organização interna destas associações profissionais varia de país para país.
Em Portugal havia em 1999 cerca de uma dúzia de cursos superiores de psico-
logia, privados e estatais; um número estimado de cerca de oito mil licenciados
em psicologia e várias associações da classe. Nos EUA, o país onde a psicologia
está melhor organizada e desenvolvida, a associação americana de psicologia
(APA) contava em 1999 com cerca de 160 mil membros, distribuídos por 54
divisões ou áreas de especialidade.

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Um pouco por todo o mundo, a área da psicologia clínica é a área de
especialização profissional que costuma atrair o maior número de alunos. As
outras áreas a seguir representadas são a psicologia educacional, a psicologia
organizacional, a psicologia cognitiva e experimental, a psicologia do desen-
volvimento e a psicologia social e da personalidade. O panorama é semelhante
em termos de áreas de especialização de doutoramento. Uma breve descrição
de cada uma destas áreas ao nível da intervenção profissional e de investigação
é a seguir apresentada.

1.6.1 Psicologia clínica

O psicólogo clínico tem por função o diagnóstico, tratamento, aconselhamento


e ajuda de pessoas com problemas de natureza emocional e comportamental.
Os problemas podem variar desde dificuldades simples de ajustamento e
relacionamento social até casos mais graves de stress, depressão, ansiedade,
disfunções sexuais, paranóia, esquizofrenia e outras doenças mentais. Os
adultos são o grupo etário onde a intervenção clínica mais se faz sentir, mas
em princípio qualquer pessoa ao longo do ciclo de desenvolvimento humano
pode ser cliente do psicólogo clínico. A intervenção clínica pode ocorrer em
ambientes tão diferentes como a clínica privada, centros de saúde, hospitais,
internatos e prisões. Relacionada com a psicologia clínica existe a área da
consulta psicológica voltada especialmente para problemas de jovens e
adolescentes no meio escolar.

1.6.2 Psicologia educacional

O psicólogo educacional exerce a sua actividade junto do sistema de ensino


em geral, embora possa fazê-lo também no âmbito privado de uma clínica. As
principais funções incluem o diagnóstico e aconselhamento de crianças e
adolescentes e a realização de estudos e investigação sobre problemas ocorridos
no meio escolar. Entre estes problemas contam-se a avaliação cognitiva e
afectiva dos alunos; o diagnóstico e acompanhamento de alunos com neces-
sidades específicas em termos de aprendizagem e relacionamento social;
elaboração e participação em programas de ensino especial; aconselhamento
vocacional; levantamento, análise e propostas de resolução de problemas
educacionais.

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1.6.3 Psicologia organizacional

A psicologia organizacional tenta analisar e resolver os problemas que surgem


no âmbito de uma organização industrial, militar, escolar ou de serviços. A
maior parte dos problemas que o psicólogo organizacional enfrenta são proble-
mas de selecção de pessoal para a ocupação de funções específicas, procurando-
-se escolher a pessoa mais capaz para uma determinada função, usando-se
testes, entrevistas e análise curricular. As organizações enfrentam outros pro-
blemas que requerem a atenção do psicólogo organizacional como sejam
problemas de motivação e criação de incentivos para uma maior e melhor
produtividade, questões de ajustamento das pessoas às funções e das pessoas
entre si no grupo de trabalho, estados de fadiga real resultantes do trabalho
realizado ou induzido a partir de problemas pessoais e familiares, faltas,
alcoolismo, stress, embaraço e perseguição sexual entre colegas de trabalho.

1.6.4 Psicologia cognitiva e experimental

A psicologia cognitiva é considerada por muitos psicólogos como o núcleo da


psicologia e uma das áreas centrais da investigação psicológica ao focar as
actividades mentais de nível superior como a percepção, a aprendizagem, a
memória, o uso da linguagem, o raciocínio e resolução de problemas. No
estudo destas actividades ou processos mentais, a metodologia experimental e
o recurso à investigação laboratorial são procedimentos frequentes e comuns.
A psicologia cognitiva assumiu os temas e métodos de investigação que no
passado constituiram o âmbito da psicologia experimental. Presentemente
outras áreas da psicologia, além da psicologia cognitiva, reclamam e aplicam
o método experimental, como acontece com a psicologia social, a psicologia
do desenvolvimento e a psicologia da educação.

1.6.5 Psicologia social

A psicologia social estuda o modo como o comportamento individual é afectado


no contexto das interacções com outras pessoas e grupos. A maior parte do
comportamento humano tem lugar num contexto social e a nossa personalidade
é influenciada a diversos níveis pelas pessoas que nos rodeiam. Os grupos e as
pessoas constituem uma das mais importantes classes de estímulos que a mente
humana tem de processar para agir e adaptar-se com eficácia ao meio onde

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vive. Alguns dos problemas mais importantes estudados pela psicologia social
são a formação e mudança de atitudes, estereótipos e preconceitos, a persuasão,
obediência, imitação e conformidade social, a agressão, formação de grupos,
coesão e conflitos.

1.6.6 Psicologia do desenvolvimento

A psicologia do desenvolvimento estuda o comportamento humano ao longo


do ciclo da vida desde o nascimento até à morte, tendo em conta os factores
físicos, cognitivos, afectivos e sociais que afectam as diversas fases de cresci-
mento, maturação e declínio. Como estes factores não actuam isoladamente,
um problema importante é a análise da interacção dos factores biológicos com
os factores cognitivos e sociais na génese dos comportamentos, como a
aquisição da linguagem e o desenvolvimento cognitivo, social e afectivo.
Houve um tempo em que a infância e a adolescência constituiram o principal
período de estudo, porque neste período ocorria a fase mais acentuada do
desenvolvimento humano. No entanto o âmbito da psicologia do desenvol-
vimento inclui actualmente todo o ciclo da vida humana, agrupando-se em
áreas mais específicas como a psicologia da infância, a psicologia dos adultos
e a psicologia do idoso, cada uma com os seus problemas próprios que requerem
respostas específicas.

1.7 Organização e Plano da Obra

Uma obra de Psicologia Geral deveria em princípio abordar todas as questões


referidas nas diversas áreas de especialização psicológica acima mencionadas.
Todavia se tal projecto fosse concretizado, o resultado seria uma enciclopédia
da psicologia em vários volumes. Justifica-se portanto uma selecção de temas.
Os temas seleccionados para esta publicação foram alguns dos mais importantes
temas da psicologia, que são habitualmente incluídos em obras similares
publicadas no estrangeiro e constituem os próximos capítulos deste livro: a
aprendizagem, a memória, a inteligência, a motivação, a emoção e a perso-
nalidade.

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1.8 Conceitos psicológicos referidos no capítulo

Psicologia científica, psicologia popular, psicologia estruturalista, psicologia


da forma, psicologia beaviorista, psicologia cognitiva, métodos psicológicos,
observação naturalista, estudo de casos, questionários, método correlacional,
método dos testes, método diferencial, método experimental, variável
independente, variável dependente, validade interna, validade externa,
perspectiva bio-psicológica, perspectiva evolucionista, perspectiva sócio-
cultural, perspectiva cognitiva, psicologia clínica, psicologia educacional,
psicologia organizacional, psicologia cognitiva, psicologia experimental,
psicologia social, psicologia do desenvolvimento.

1.9 Perguntas de auto-avaliação

1. Qual é o objecto da psicologia científica? Justifique a perspectiva


que adoptar.

2. Como foi historicamente abordado o objecto da psicologia pelas


várias escolas?

3. Como diferencia a psicologia da psiquiatria, sociologia, antro-


pologia e biologia?

4. Justifique a diversidade de métodos de investigação psicológica.

5. Refira e comente uma explicação de tipo correlacional e uma


explicação de tipo causal.

6. Analise a natureza pretensamente artificial da investigação


experimental.

7. Avalie o papel crucial da mente humana na explicação do


comportamento em contraste com outras perspectivas concorrentes.

1.10 Sugestões de leitura

O livro de Gleitman (1986/1993) é uma tradução para português de uma


obra extensa, de qualidade e muito bem organizada sobre psicologia geral.
Os leitores familiarizados com a língua inglesa poderão preferir as edições
inglesas mais recentes deste mesmo autor, ou em alternativa os livros de
Atkinson et al (1996) e de Malim e Birch (1998).

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2. Aprendizagem

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O que se quer dizer quando se fala de aprendizagem? Para a maioria das pessoas,
aprendizagem significa adquirir novos conhecimentos e comportamentos, como
acontece com a criança quando aprende o nome das cores, a cantar uma canção,
a guiar uma bicicleta, a ser simpática com as amigas da mamã e a resolver
operações de aritmética. Mas para os psicólogos, a aprendi-zagem não é apenas
isto. A aprendizagem compreende a descoberta de leis e princípios e a análise
dos factores e processos próprios dos diversos actos de aprender. Assim os
psicólogos estão mais interessados em investigar “como é que a aprendizagem
funciona”, do que em analisar “os conteúdos ou resultados da aprendizagem”.

Âmbito, definição e tipos

O âmbito da aprendizagem é bastante mais vasto do que habitualmente se


supõe. A aprendizagem está envolvida em qualquer área do conhecimento e
comportamento. Ao longo da vida uma pessoa aprende conhecimentos factuais,
habilidades motoras, expressões emocionais, regras sociais, valores morais e
até mesmo aprende a saber morrer com dignidade.

A aprendizagem nem sempre é correcta e adequada. A criança pode aprender


erros na escola, ou por distracção confundindo o que o professor diz, ou lendo
informações erradas nos livros que os autores inadvertidamente julgavam
correctas e fundamentadas. Pode ainda aprender a ser egoísta, violenta e
agressiva, ou a ter medo da escola, ou porque foi castigada, ou porque os
colegas não a aceitam. E os adultos podem aprender de forma inadequada a
sentar-se ou a levantar volumes pesados produzindo com o passar do tempo
roturas na coluna e dores de costas.

A maior parte das vezes, aprender não é um acto deliberado e intencional,


como acontece com o estudante na escola ou com o adulto num curso de
formação. A maior parte da aprendizagem no dia a dia resulta da observação
acidental de acontecimentos e pessoas que mesmo sem saberem que estão a
ser observadas, atraíram por uma razão ou por outra a nossa atenção e constituem
temas eventuais de conversa posterior, se a ocasião se proporcionar. Todas
estas informações ocasionais diariamente obtidas permitem uma actualização
permanente do nosso meio ambiente e por conseguinte uma melhor adaptação.

A aprendizagem não se observa directamente, é antes inferida indirectamente


através do desempenho numa tarefa. Se a tarefa escolhida for adequada e
sensível, o desempenho na tarefa traduz aproximadamente o valor da aprendi-
zagem subjacente. Mas há circunstâncias em que o valor do desempenho
subavalia o valor da aprendizagem, como acontece nas situações de cansaço,
fadiga, stress e doença, e ocasiões em que a aprendizagem é sobreavaliada,

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como ocorre quando um estudante copia as respostas de exame pelo colega
do lado.

Em termos gerais, a aprendizagem define-se como “uma mudança relati-


vamente permanente no comportamento e no conhecimento devido à prática
ou experiência”. As mudanças operadas na aprendizagem ocorrem devido à
prática anterior ou experiência passada e distinguem-se de outros tipos de
mudanças comportamentais resultantes da maturação dos organismos, de
doenças, estados de ansiedade e tomada de drogas.

A aprendizagem verifica-se quer ao nível do comportamento, como acontece


quando o pombo dá uma bicada num círculo em vez de um quadrado para
obter alimento numa experiência de condicionamento, quer ao nível do
conhecimento, como se verifica quando a criança aprende que o vermelho do
semáforo significa obrigatoriamente parar.

Historicamente foi a escola beaviorista que primeiro analisou de forma


sistemática a aprendizagem. Esta investigação foi realizada na primeira metade
do séc. XX preferencialmente com organismos não-humanos, quer por razões
de controlo experimental, quer devido à crença de que as principais leis de
aprendizagem eram comuns a todos os organismos. As teorias de aprendizagem
elaboradas no âmbito da escola beaviorista focaram principalmente as mudanças
no comportamento, isto é, as mudanças naquilo que os organismos fazem.

Na segunda metade do séc XX, a perspectiva cognitiva passou a ter uma


aceitação crescente entre os investigadores em detrimento da perspectiva
beaviorista. Assim a investigação em aprendizagem passou a considerar cada
vez mais as mudanças no conteúdo e estrutura do conhecimento representado
na memória, isto é, as mudanças naquilo que os sujeitos sabem. As pessoas
passam a ser os sujeitos preferenciais da análise do processo de aprendizagem,
procurando os investigadores examinar o modo como o conhecimento é
adquirido, organizado e integrado no conhecimento prévio do sujeito.

Com a psicologia cognitiva, o comportamento deixa de ser o objectivo final


da aprendizagem para ser um meio ou índice para se inferir a organização do
conhecimento de que os seres humanos são portadores. Na perspectiva
cognitiva, a aprendizagem torna-se num acto de aquisição de conhecimento.
O conhecimento é a informação construída pelo sujeito a partir da sua estrutura
cognitiva. Na natureza não há conhecimento, há apenas informação.

As investigações sobre aprendizagem costumam organizar-se segundo quatro


tipos diferentes de acordo com o grau de complexidade: (1) A habituação; (2)
O condicionamento clássico; (3) O condicionamento operante; (4) A
aprendizagem observacional; (5) A aprendizagem verbal.

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A habituação é a tendência para ignorar um estímulo que se tornou familiar e
cujo aparecimento não apresenta consequências de maior. O condicionamento
clássico envolve a aquisição de uma nova resposta face a um estímulo que
inicialmente não a produzia. O condicionamento operante abrange um tipo de
resposta voluntária, seleccionada em função dos efeitos ou consequências
produzidas e observadas. A aprendizagem observacional consiste na
observação e imitação posterior do comportamento de um modelo. A
aprendizagem verbal refere-se à aquisição e recordação de itens verbais.

2.1 A habituação

Quando um estímulo novo ocorre no meio ambiente é vantajoso do ponto de


vista evolutivo um organismo prestar-lhe atenção ou reagir imediatamente,
sob pena de perder vantagem e ser eventualmente destruído. Mas quando o
mesmo estímulo aparece com alguma frequência sem apresentar consequências
negativas de maior, o organismo passa a habituar-se, a tolerar a sua presença e
por fim a ignorá-lo.

Esta diminuição de frequência de resposta a um estímulo familiar caracteriza a


habituação, um fenómeno que é considerado uma das expressões mais simples
de aprendizagem. É um fenómeno que ocorre com grande frequência nas
mais diversas espécies de animais desde os moluscos marinhos até aos seres
humanos. A aplysia, um molusco marinho, contrai fortemente as guelras para
dentro da concha quando se toca numa das suas partes chamada sifão. Mas ao
fim de 10 a 15 toques, o reflexo, que inicialmente é bastante forte, praticamente
desaparece.

O processo de habituação observa-se também nas pessoas. Ao fim de algumas


horas, dias ou semanas as pessoas ignoram o tic-tac do relógio de sala, o bater
de horas no relógio da igreja, o tráfego da rua e a passagem do comboio
nocturno, o chilreio dos pássaros às primeiras horas da madrugada na primavera.
O organismo tende ainda a responder cada vez mais em menor grau ao cigarro,
vinho ou calmantes que em pequenas doses inicialmente surtem um grande
efeito, mas com o tempo e a repetição passam a exigir doses maiores para
atingir um efeito equivalente. Nos recém-nascidos verifica-se também que na
primeira vez que um rosto ou um objecto novo é visto há uma fixação do
olhar por um período de tempo maior do que nas ocasiões posteriores, sendo
o tempo de fixação um índice de familiaridade e por consequência de
habituação (e.g., Bornstein e Benasich, 1986).

A habituação nem sempre foi considerada uma forma de aprendizagem. Por


um lado a aprendizagem requer a permanência da mudança de comportamento

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e a habituação não parece ser permanente. Por outro lado, a aprendizagem
envolve uma associação entre dois eventos e a habituação parece envolver
apenas a repetição sucessiva de um único estímulo.

Pode-se argumentar no entanto que a permanência da mudança no organismo


refere-se à tolerância cada vez maior deste face a um estímulo específico. As
pessoas habituam-se ao ruído tolerando-o cada vez mais a ponto das reacções
estabilizarem até certo grau. Quanto à associação inerente ao processo de
aprendizagem, a habituação implicaria uma associação, não tanto entre dois
estímulos ou acontecimentos, mas antes entre o organismo e o ambiente ou
contexto em que se insere. A habituação parece de facto ser específica do
ambiente experimental ou do contexto em que ocorre.

2.2 Condicionamento clássico

Condicionamento clássico é um procedimento de investigação experimental


estudado por Pavlov (1849-1936), na sequência dos estudos realizados sobre
secreções digestivas nos cães e que lhe valeram o prémio Nobel da medicina
em 1904. Durante os estudos que vinha a efectuar sobre secreções digestivas,
Pavlov observou que os cães salivavam muitas vezes quando não parecia
haver qualquer razão fisiológica para o fazer. Quando Pavlov trabalhava com
o mesmo cão repetidamente verificou que o cão salivava aos estímulos
associados ao alimento como a visão do prato ou a presença da pessoa que
regularmente o trazia.

Pavlov decidiu efectuar uma análise experimental sistemática sobre estas


secreções psíquicas, isto é, sobre os factores psicológicos que levavam a
produzir a salivação, elaborando um projecto de investigação que o tornou
ainda mais conhecido do que os estudos iniciais sobre secreções digestivas
(e.g., Windholz, 1997). Este projecto de investigação levado a cabo por Pavlov
e pelos seus colaboradores entre 1903-1908 permitiu definir e estabelecer os
principais conceitos do condicionamento, como o reflexo condicionado, a
extinção, a generalização e a discriminação (e.g., Todes, 1997; Windholz,
1992).

2.2.1 Pavlov: procedimento experimental

O elemento que Pavlov seleccionou para efeitos de investigação e que se revelou


crucial em termos de aprendizagem foi o facto do cão aprender uma associação
entre alimento e um sinal casual que precedia imediatamente o alimento. Na

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experiência de Pavlov, o cão era imobilizado por arreios e colocado numa sala
à prova de som e com temperatura e iluminação constantes a fim de garantir
que variações acidentais nas condições ambientais não viessem a afectar o
curso da experiência. O cão era ainda sujeito a uma pequena operação cirúrgica
às glândulas salivares introduzindo-se aí um pequeno tubo por onde passava a
saliva, tornando possível medir de forma exacta a quantidade produzida. Veja-
se uma ilustração do procedimento experimental na Figura 2.1, feita em 1907
por Nicolai, discípulo de Pavlov.

Uma vez o cão familiarizado com o dispositivo experimental, introduz-se a


seguinte sequência de acontecimentos: Emite-se um som produzido por uma
campaínha ou pelo clic de um metrónomo e com o som ainda presente, fornece-
se carne em pó ao cão. A sequência som-carne é repetida durante vários
ensaios. Após cerca de 20 ensaios de emparelhamento entre o som e a carne,
o cão começa a salivar logo que ouve o som, dando origem àquilo que Pavlov
chamou um reflexo condicionado. A partir de um certo número de ensaios, o
cão saliva ao aparecimento do som, quando no início da experiência não o
fazia.

Figura 2.1 - Procedimento experimental do condicionamento de Pavlov.


Ilustração do discípulo G. F. Nicolai da Universidade de Berlim.

Pavlov chamou estímulo incondicionado [EI] à apresentação do alimento e à


salivação por ela provocada o reflexo incondicionado [RI]. O EI é um estímulo
que evoca uma resposta específica. O RI é uma resposta reflexa ou
involuntariamente produzida por um estímulo.

Estímulos como o cheiro a cânfora, uma luz, o som de uma campaínha ou o


clic de um metrónomo são designados por estímulos neutros [EN], porque

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não produzem respostas específicas antes da experiência ou logo no seu início,
quando muito uma resposta de orientação para a origem do sinal. Embora o
som da campaínha esteja associado historicamente ao condicionamento de
Pavlov, é curioso notar que Pavlov (1906) ao referir-se pela primeira vez à
campaínha em língua inglesa tenha afirmado que este som não era muito eficaz
na produção da resposta condicionada porque tendia a espantar o cão e a
alterar-lhe o comportamento.

A associação repetida entre o som e o alimento transformou o estímulo


inicialmente neutro num estímulo condicionado [EC] passando a produzir
uma resposta de salivação sob a forma de resposta condicionada [RC]. A
totalidade do processo experimental acabado de descrever recebeu o nome de
condicionamento de Pavlov, mais tarde denominado condicionamento clássico
por Hilgard e Marquis (1940). O condicionamento de Pavlov consiste portanto
na aquisição e estabelecimento de uma associação entre um estímulo
inicialmente neutro com um estímulo incondicionado, que ao fim de vários
ensaios adquire o poder de produzir uma resposta condicionada. No início da
experiência o cão não reage por meio da salivação ao som da campaínha. No
fim da experiência o cão produz uma resposta de salivação ao som da
campaínha. No repertório de respostas, o cão adquiriu portanto uma nova
resposta, mudando de comportamento em função da experiência a que fora
submetido. Trata-se da aquisição de uma nova aprendizagem pelo processo
de associação.

Suponhamos que após a aquisição e estabilização da resposta condicionada, o


som do metrónomo deixa de ser acompanhado de alimento. Neste caso observa-
se uma diminuição progressiva da quantidade da resposta salivar, dando origem
ao fim de alguns ensaios ao desaparecimento e extinção experimental da RC.
A extinção é uma diminuição na grandeza da resposta com a repetição de
ensaios não reforçados. Veja-se uma ilustração na Figura 2.2.

Quando o cão é liberto do dispositivo experimental para um período de


descanso, verifica-se, no regresso posterior do animal à situação experimental,
que a emissão do som é suficiente para recuperar a resposta condicionada em
cerca de 70%. O reaparecimento da RC recebeu o nome de recuperação
espontânea. Durante o período de extinção e de recuperação espontânea, o
EC não é seguido do EI. A recuperação é um processo em que uma resposta
considerada extinta volta a readquirir algum do seu valor após um período de
descanso. Durante o processo de extinção, a associação entre EC e EI não é
totalmente abolida, ocorrendo antes uma inibição transitória da resposta
condicionada, podendo esta associação ser reactivada após um intervalo de
tempo.

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Figura 2.2 - Funções de aquisição, extinção e recuperação espontânea, típicas
da resposta condicionada de Pavlov.

No procedimento típico de condicionamento de Pavlov, as respostas incon-


dicionadas e respostas condicionadas são respostas de salivação nominalmente
idênticas, mas substancialmente diferentes. Investigações recentes, usando
instrumentos mais sensíveis e registos de resposta mais variados, indicaram
que a RC não é uma imagem ou réplica fiel da RI.

A RC é menos intensa e mais limitada na sua amplitude do que a RI. Face a


uma porção de carne de livre acesso, a resposta típica de um cão faminto é
salivar, aproximar a boca do prato, abocanhar rapidamente uma porção ou a
totalidade da carne, mastigá-la e depois engoli-la. A quantidade de saliva é
mais abundante e rica em enzimas digestivas. Porém a RC de salivação
produzida pelo clic de um metrónomo após umas dezenas de ensaios de
associação entre som e carne inclui apenas um ou dois destes componentes de
resposta. Na RC, o cão saliva, mas não mastiga ou engole uma porção de
carne imaginária.

A diferença entre RI e RC é ainda mais nítida no condicionamento de medo.


Quando um rato ou cão recebe choques eléctricos numa gaiola precedidos
por uma luz, a resposta ao choque (RI) é saltar, observando-se ainda um aumento
do ritmo cardíaco. Mas quando o animal vê a luz (EC) que precede o choque
(EI), a RC é bastante diferente. Em vez de saltar, o animal para, encolhe-se,
contrai-se e o ritmo cardíaco baixa. Isto faz sentido na medida em que o animal
reage como se se preparasse para fugir, enquanto na RI o animal tenta escapar
e fugir.

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2.2.1.1 Generalização e discriminação

Durante o processo de aquisição de uma RC, o EC permanece idêntico nas


suas características físicas ao longo dos ensaios da experiência. No entanto
quando a RC a um EC tiver sido adquirida, é possível que outros EC similares
ao EC original sejam capazes de produzir a mesma RC. Assim se um cão
aprende a salivar a um som com uma frequência de 1000 cps, o cão também
salivará a sons um pouco mais graves (900, 800, 700 cps) ou mais agudos
(1500, 2000, 2500) sem necessidade de qualquer condicionamento
suplementar. Quanto mais semelhantes forem os novos estímulos com o EC
original, mais fácil será a generalização condicionada e por conseguinte a
substituição dos novos estímulos pelo EC original.

A generalização condicionada é o processo pelo qual uma resposta condi-


cionada a um estímulo tende a ser emitida também com outros estímulos
similares. A generalização representa a habilidade de reagir a novos estímulos
e situações na medida em que são similares a situações passadas. As
investigações revelaram que o grau de generalização decresce de modo
ordenado à medida que o novo estímulo se torna cada vez mais dissimilar
relativamente ao EC inicial, produzindo uma função de intensidade de RC
para os novos estímulos com um formato de sino. Esta função é conhecida
por gradiente de generalização.

A discriminação, ou diferenciação, é um processo complementar da genera-


lização. Enquanto a generalização é uma resposta a similaridades, a discrimi-
nação é uma resposta a diferenças. Pavlov descobriu que podia usar pratica-
mente qualquer estímulo como EC. Chegou mesmo a treinar um cão a salivar
perante um metrónomo, regulado para 100 batimentos por minuto (EC+). Como
seria de esperar, e graças ao processo de generalização, o cão também salivou
ao metrónomo regulado para 80 batimentos por minuto. Então, Pavlov continuou
a fornecer carne (EI) com o estímulo positivo de 100 batimentos (EC+), mas
não com o estímulo comparativo (EC-) de 80 batimentos. Após dar algumas
RC ao estímulo de 80 batimentos, o cão parou. O cão mostrou ser capaz de
discriminar entre os sons de 100 e de 80 batimentos produzidos pelo metrónomo.

Prosseguindo no treino, a marcação de 100 batimentos foi sempre acom-


panhada de carne, mas nos ensaios sem alimento, Pavlov alterou o metrónomo
para 85 batimentos. Após alguns ensaios o cão voltou a salivar apenas ao som
de 100 batimentos. A discriminação do cão foi ainda testada com a mudança
para 90 e finalmente para 96 batimentos. Mesmo com uma diferença tão
reduzida de quatro batimentos por minuto, o cão foi ainda capaz de distinguir
entre as duas marcações.

A discriminação é o processo que leva a responder a certos estímulos que são


reforçados e a não responder a estímulos similares que não foram reforçados.

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A discriminação é portanto a habilidade para reagir a pequenas diferenças
entre os estímulos apresentados, quer se trate de sons, cores, grandezas ou
distâncias.

Quando a discriminação exigida se torna excessivamente subtil, o cão parece


sofrer de uma “perturbação ou colapso nervoso”, que Pavlov denominou
neurose experimental. Pavlov descreve como treinou um cão a discriminar
um círculo de uma elipse. O círculo era seguido de carne (EI+), a elipse não. A
proporção entre os diâmetros horizontal e vertical da elipse começou em 9:5 e
tornou-se cada vez mais semelhante ao círculo à medida que a experiência de
discriminação prosseguia. Quando a proporção entre os diâmetros da elipse
chegou a 9:8, os cães mostraram-se agitados, perturbados e com o
comportamento desorganizado. Perderam todas as vantagens do treino anterior
e passaram a reagir ao acaso quer ao círculo quer à elipse, mesmo face às
discriminações iniciais mais diferenciadas.

2.2.1.2 Relação Temporal entre EC e o EI

Nas experiências de condicionamento clássico, o EC (campainha) precede


normalmente o EI (alimento). Este é considerado o procedimento padrão,
embora outras sequências temporais tenham sido investigadas. Nas experiências
realizadas com animais verificou-se que o intervalo óptimo entre o aparecimento
do som e o aparecimento do alimento para se obter uma resposta condicionada
mais forte situa-se em torno de 0,5 segundo. Se o intervalo for maior, a resposta
condicionada é mais fraca. Se o som aparece depois do alimento, a resposta
condicionada não se estabelece.

Este intervalo óptimo verifica-se também com pessoas em experiências de


condicionamento da resposta palpebral, a ponto de um intervalo de dois
segundos já não possibilitar qualquer RC. A proximidade temporal entre o
EC-EI na ordem de 0,5 segundo foi considerado uma prova do princípio de
contiguidade temporal e a condição mais determinante para a ocorrência do
condicionamento de Pavlov até à década de 1960, provando de certo modo
experimentalmente o princípio de contiguidade de aprendizagem formulado
por Aristóteles.

A importância do intervalo temporal entre EC-EI como determinante do


condicionamento foi no entanto posta em causa pelas investigações de Garcia
e colaboradores (e.g., Garcia et al. 1966), ao verificarem que a resposta
condicionada podia ser obtido com intervalos temporais de várias horas, em
vez de minutos ou segundos, em experiências de condicionamento aversivo
relacionadas com o sabor. A partir da década de 1960, considerou-se que,

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mais importante do que o intervalo de tempo em si, era o significado que os
animais atribuíam à proximidade temporal entre os estímulos.

2.2.2 Condicionamento de respostas emocionais

O procedimento de condicionamento usado por Pavlov não se restringe ao


cão ou a outros organismos não-humanos, mas aplica-se também a pessoas,
onde se efectuaram estudos relacionados com o reflexo palpebrar, o reflexo
rotular, salivação, náusea e aversão ao álcool e tabaco. Os resultados obtidos
em muitos casos foram satisfatórios a ponto de o procedimento experimental
de Pavlov ser por vezes adoptado em psicologia clínica com o objectivo de
modificar o comportamento das pessoas numa determinada direcção (e.g.,
Wolpe e Plaud, 1997).

O primeiro estudo de aplicação do paradigma do condicionamento de Pavlov


a seres humanos foi realizado por Watson e Raynor durante o inverno de
1919-1920. Watson e Raynor (1920) planearam uma experiência para verificar
se seria possível condicionar uma criança a ter medo de um rato, que à primeira
vista não despertasse qualquer receio. Tentaram ainda determinar a duração
da reacção de medo e o grau de generalização a outros animais ou objectos
inanimados.

Watson e Raynor escolheram uma criança saudável de 9 meses, chamada


Albert. Nesta idade não revelou qualquer medo quando lhe foi mostrado
sucessivamente animais vivos (rato, coelho, cão e um macaco), ou alguns
objectos inanimados (algodão, máscaras humanas, papel de jornal a arder).
Todavia a criança assustava-se e sentia medo quando um martelo batia
inesperadamente numa barra de aço por trás da cabeça.

Dois meses após esta observação, Watson e Raynor tentaram condicionar a


criança a ter medo de um rato branco. No primeiro ensaio aproximaram o rato
da criança e no momento em que a criança lhe tocava, produziram com um
martelo uma forte pancada numa barra de aço por trás da cabeça da criança.
Após 7 associações do rato e do som do martelo, o pequeno Albert tremia,
agitava-se, chorava e gritava logo que o rato era apresentado mesmo quando
já não era acompanhado pela presença do som.

Cinco dias após a sessão anterior, rato foi apresentado à criança juntamente
com alguns animais e objectos familiares como um coelho, um cão, blocos de
madeira, novelos de algodão, um casaco de pele de foca, as cabeças invertidas
de Watson e de duas assistentes (de forma que a criança pudesse tocar-lhes no
cabelo) e uma máscara do Pai Natal com barbas.

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© Universidade Aberta
A criança sentiu um medo intenso em relação ao rato, coelho, cão e casaco de
pele de foca; uma ligeira resposta de medo ao algodão; uma resposta negativa
(ausência de medo) ao cabelo de Watson e das assistentes, aos blocos de madeira
e à máscara do Pai Natal. Estes resultados revelaram a capacidade da criança
para generalizar e discriminar. Embora o medo do rato se tenha generalizado a
outros animais e objectos, a criança no entanto foi capaz de discriminar entre
objectos geradores e não geradores de medo.

Caixa 2.1

Dessensibilização sistemática

A dessensibilização sistemática é uma técnica frequentemente usada


no tratamento de estados de forte ansiedade associados a
determinados situações ou estímulos fóbicos. Esta técnica envolve
a associação de um estado agradável de relaxamento com uma série
gradual de estímulos que desencadeiam o comportamento a
modificar. Ansiedade e relaxamento são estados incompatíveis, que
não é possível experienciar ao mesmo tempo. Numa fase inicial o
terapeuta treina progressivamente o cliente nas técnicas de
relaxamento corporal e estabelece uma hierarquia de estímulos
desencadeadores de ansiedade, por exemplo, o medo das alturas
que pode levar uma pessoa a recusar-se a andar de avião, atravessar
uma ponte ou a viver em prédios altos.

Uma hierarquia de estímulos inclui primeiro um grupo de situações


imagináveis e depois um grupo de situações reais. Uma hierarquia
simplificada pode incluir as situações seguintes: 1. Olhar para
fotografias de um parque tiradas de um prédio alto e depois de
avião. 2. Ver um vídeo do parque ou da cidade tirado de avião. 3.
Subir ao primeiro andar de um arranha céus e olhar pela janela;
depois ao terceiro, décimo e vigésimo andar. 4. Subir ao cimo da
torre mais alta da cidade e olhar para baixo. 5. Atravessar uma ponte
alta. 6. Entrar num avião, sentar-se e apertar o cinto. 7. Sentir o
avião a levantar voo e ganhar altitude.

O terapeuta começa por treinar o cliente a aprender a relaxar os


vários músculos do corpo até sentir um estado de sonolência, conforto
e bem-estar. Em seguida o terapeuta mostra a primeira fotografia da
hierarquia de estímulos ao cliente. Se o cliente não sentir qualquer
ansiedade, o terapeuta passa à situação seguinte na mesma sessão;
se porém o cliente sentir ansiedade, o terapeuta retira a fotografia e
regressa à situação de relaxamento profundo. A fotografia é

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repetidamente emparelhada com o estado de relaxamento até o
cliente conseguir observá-la sem sentir ansiedade. O terapeuta
avança na hierarquia de estímulos e situações ansiosas, usando o
estado de relaxamento para dessensibilizar cada situação imaginada
e cada uma das situações experienciadas. O terapeuta pode ainda
complementar esta técnica com a aprendizagem observacional,
apresentando ao cliente em cada fase da hierarquia de estímulos,
videos de pessoas a passar por cada uma das situações geradoras
de ansiedade.

A fim de determinar o tempo de permanência da resposta de medo na criança,


Watson e Raynor realizaram provas similares passado um mês. Nestas provas
a criança ainda sentiu medo quando tocou na máscara do Pai Natal, no casaco
de pele de foca, no rato, coelho e cão. Às vezes a tensão da criança era visível
entre afastar-se ou aproximar-se do coelho e do casaco. Ao contrário do que
referem algumas descrições desta experiência, Watson e Raynor não
procederam à extinção ou descondicionamento da resposta de medo do pequeno
Albert e pelos 12 meses, a mãe retirou a criança do hospital onde se realizara
a experiência (e.g., Harris, 1979).

A extinção da resposta de medo foi pela primeira vez realizada por Jones
(1924) numa criança de nome Peter de 2 anos e a viver numa instituição de
caridade. Peter sentia um medo intenso, acompanhado por choro e convulsões
quando via ratos, coelhos, rãs e peixes, casacos de pele, penas, algodão. Em
relação a outros seres e objectos parecia ser uma criança bem ajustada. O
modo como Peter tinha adquirido este tipo de medo não é conhecido.

A fim de remover o comportamento de medo, Mary Cover Jones pôs o coelho


dentro de uma gaiola de arame em frente de Peter na altura da tomada de
alimento. Ao longo das primeiras 17 sessões, o coelho, preso na gaiola, era
trazido cada dia um pouco mais próximo para junto de Peter, enquanto tomava
a refeição preferida. Nas sessões posteriores o coelho era solto da gaiola e
deixado livre na sala. Nas últimas sessões, o coelho era colocado no colo de
Peter e até no tabuleiro da refeição. Ao fim de 40 sessões, que decorreram ao
longo de dois meses, Jones conseguiu que Peter tomasse a refeição com uma
mão e acariciasse o coelho com a outra.

Apesar do procedimento seguido por Watson e Raynor ser considerado


reprovável nos nossos dias do ponto de vista ético e não terem sido bem
sucedidas algumas tentativas para o replicar, acontece no entanto que as

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experiências de Watson e Raynor (1920) e Jones (1924) foram consideradas
marcos importantes nos estudos de aprendizagem emocional e da aplicação
do condicionamento de Pavlov.

A técnica de Jones de remoção e extinção do medo representa uma forma


inicial do método que mais tarde Wolpe (1958) designou por dessensibilização
sistemática. É um método usado com alguma frequência em terapia
comportamental com o objectivo de reduzir a ansiedade gerada por certos
estímulos e situações e extinguir se possível os medos e fobias inerentes. Veja-
se a Caixa 2.1.

O condicionamento de Pavlov é um procedimento que explica


satisfatoriamente o modo como os medos são espontaneamente adquiridos na
vida diária, como o medo do dentista, medo de ir à escola, medo de exames,
medo de falar em público, medo das alturas, medo de andar de elevador, medo
dos ratos, aranhas, baratas e cobras.

Veja-se o caso do medo do dentista. Para algumas crianças e adultos a ida ao


dentista é uma situação geradora de medo e ansiedade. Este medo foi adquirido
nas sessões passadas de ida ao dentista para tratamento dos dentes. Durante o
tratamento, o dentista usou a broca, que ao tocar no nervo do dente produziu
dor e como consequência comportamentos de evitação, medo e rejeição por
parte do doente. Nas sessões posteriores de tratamento dos dentes, o som
específico produzido pelo broca, mesmo sem haver ainda contacto da broca
com o dente, pode ser suficiente para provocar no paciente comportamentos
de evitação e medo. Em certas circunstâncias e com certos pacientes, sair de
casa para ir ao dentista ou até mesmo a simples audição da palavra dentista
provoca imediatamente ansiedade e calafrios.

Os conceitos usados por Pavlov aplicam-se a esta situação. Assim a broca do


dentista ao tocar no nervo do dente funciona como estímulo incondicionado e
a dor, evitação e medo gerado são respostas incondicionadas. O som da broca,
que na primeira sessão e antes de qualquer contacto da broca com o dente não
produzia qualquer medo (estímulo neutro), quando precedeu e foi associado à
dor produzida durante o tratamento, converteu-se em estimulo condicionado
capaz de produzir uma resposta condicionada de evitação, ansiedade e medo
similar em vários aspectos à resposta incondicionada.

Muitos dos medos que as pessoas sentem, mantêm-se por tempo indeterminado,
porque as pessoas evitam enfrentar as situações geradoras de ansiedade. Por
exemplo, quem tem medo de andar de elevador evita a todo o custo e por
todos os meios andar de elevador, suprimindo a oportunidade de desencadear
o processo de extinção deste tipo de medo.

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2.2.3 Explicações do condicionamento de Pavlov

Desde a sua descoberta por volta de 1903, Pavlov considerou os reflexos


condicionados como um processo de adaptação do organismo ao meio. O EC
era considerado um sinal de que o alimento, um factor de sobrevivência, estava
prestes a ocorrer. Assim o cão ficava na expectativa do aparecimento de
alimento. O condicionamento de Pavlov foi observado em moluscos marinhos,
abelhas, moscas da fruta, peixes, pombos, gatos, ratos, cães, macacos e pessoas,
o que sugere tratar-se de um mecanismo ou processo adoptado por praticamente
todos os organismos na tarefa vital de adaptação ao meio ambiente.

Pavlov descobriu que a aprendizagem podia afectar os comportamentos


reflexos e involuntários, como a salivação. Outros investigadores revelaram
depois que muitos comportamentos reflexos como os medos e fobias,
supostamente considerados inatos, podiam ser explicados pela acção do
mecanismo de condicionamento de Pavlov. As investigações de Pavlov tiveram
um enorme impacto na investigação psicológica, nomeadamente ao nível da
aprendizagem e ao contrário do que possam pensar alguns estudantes de
psicologia mal informados, o procedimento de Pavlov é um método de
investigação bem actual (Hollis, 1997).

O condicionamento de Pavlov tem sido explicado de forma diferente pelas


grandes teorias psicológicas, como o beaviorismo, a teoria da informação e a
psicologia cognitiva.

Para o beaviorismo, a aprendizagem ocorria devido à associação mecânica


entre o EN e o EI (som e alimento) e esta associação fortalecia-se e tornava-se
mais robusta à medida que o número de ensaios aumentava.

A teoria da informação defende que o condicionamento de Pavlov é mais


eficaz nas situações em que o EN prevê ou assinala a chegada do EI, ou
fornece informação sobre os próximos acontecimentos (Mackintosh, 1983).
Assim no condicionamento da resposta palpebral, a pessoa começa a pestanejar
(RC) em resposta a um som (EN), quando este proporciona informação de
que uma corrente de ar (EI) está prestes a atingir o olho. Nas situações em que
o EI tanto aparece como não aparece associado ao EN, verifica-se que o EN-
EC não produz uma RC. Para que a RC ocorra é preciso que o EI surja mais
de metade das vezes associado ao EN-EC. Nestas circunstâncias o EC passa
a ter valor informativo. Isto é, informa o sujeito de que um EI vai ocorrer em
breve e assim a pessoa pestaneja. Segundo a teoria informacional, o EC deve
prever a ocorrência próxima do EI, caso contrário é pouco provável que ocorra
qualquer tipo de condicionamento.

O modelo cognitivo explica a associação entre os dois estímulos (EN e EI)


pela mediação e intervenção dos processos cognitivos de percepção, memória,

66
© Universidade Aberta
reconhecimento e categorização, que ocorrem logo no primeiro ensaio de
condicionamento (Schwartz e Reisberg, 1991).

Assim no primeiro ensaio de condicionamento, ouve-se o som e meio segundo


depois surge o alimento. Para que haja algum efeito de condicionamento neste
ensaio, o cão tem de identificar e perceber os dois estímulos, o som e o alimento.
Assim um processo cognitivo mediador é a percepção. Além disto, para que o
cão forme uma associação entre o som e o alimento, quando o alimento surge,
é preciso que o cão se recorde que o som precedeu o alimento. Assim o segundo
processo cognitivo mediador é a memória.

No segundo ensaio de condicionamento, o som é uma vez mais emitido. Do


mesmo modo que no primeiro ensaio, o animal deve perceber o som. No
entanto, deve fazer algo mais; deve reconhecer que este som é muito semelhante
ao som do primeiro ensaio. Isto é, deve enquadrar as suas experiências
perceptivas, passadas e presentes, em categorias. Para o conseguir deve
recordar-se dos estímulos do primeiro ensaio (som e alimento) e compará-los
com os actuais estímulos. Assim um outro processo cognitivo mediador é a
categorização. Para a teoria cognitiva, os estímulos externos são identificados
e reconhecidos, depois processados em função das experiências passadas,
associados e integrados com outras experiências e por último activam respostas
apropriadas de adaptação ao meio.

O método de investigação de Pavlov constituiu um passo importante no avanço


científico do estudo da aprendizagem ao descobrir um importante mecanismo
pelo qual um estímulo neutro passa a obter um novo significado.

2.3 O condicionamento operante

O condicionamento operante é uma expressão introduzida por Skinner (1938)


para caracterizar um tipo de procedimento experimental, usado nos estudos de
aprendizagem associativa de respostas, que considerava ser diferente do usado
por Pavlov. O condicionamento operante envolve a aprendizagem entre uma
resposta e as suas consequências, ao contrário de Pavlov, em que a aprendizagem
envolvia uma associação entre dois estímulos. O condicionamento operante,
por vezes chamado skineriano, relaciona-se de perto com os estudos de
psicologia animal realizados por Thorndike (1874-1949) e que ficaram
conhecidos por condicionamento instrumental. Embora o condicionamento
instrumental seja considerado um caso especial do condicionamento operante,
as diferenças são bastante subtis a ponto dos investigadores incluírem os dois
tipos de condicionamento no âmbito do condicionamento operante.

67
© Universidade Aberta
2.3.1 Thorndike: Procedimento experimental

Os estudos de Thorndike sobre a aprendizagem foram iniciados com o seu


projecto de doutoramento concluído em 1898. O tema relacionava-se com a
inteligência animal, tendo estudado o modo como cães, gatos e mais tarde
macacos aprendiam a sair de uma caixa-problema para obter alimento, através
da manipulação de dispositivos mecânicos, como roldanas, fechos, ganchos
ou pedais. O procedimento experimental típico usado por Thorndike foi o
seguinte:

Figura 2.3 - Caixa-problema usada por Thorndike nas experiências de apren-


dizagem com gatos em 1898. Dentro pode ver-se o pedal que o
gato usa para sair da gaiola.

Um gato faminto é encarcerado dentro de uma gaiola fechada. A porta pode


ser aberta se o gato puxar um fio, suspenso do tecto da gaiola, ligado ao fecho
da porta, conforme a Figura 2.3. Numa situação destas, o gato manifesta no
início reacções diversas de tipo exploratório. Corre na gaiola, arranha as
paredes, tenta infiltrar-se entre as tábuas, fareja, ergue-se nas patas traseiras e
depois, um pouco por acaso, puxa o fio que move o fecho, sai da gaiola e
apodera-se do alimento. O acto, que foi bem sucedido e levou à abertura da
porta, passa a ser efectuado cada vez mais rapidamente e de forma precisa ao
longo dos próximos ensaios.

Quando se repete a experiência, o tempo que o gato leva para sair da gaiola
diminui progressivamente. Ao fim de um certo número de ensaios, o gato
maneja o trinco da porta logo que volta a ser colocado na gaiola. Nesta altura,
o tempo de realização da tarefa é o mínimo possível, sendo difícil verificarem-
-se ganhos de tempo com a realização de novos ensaios. Diz-se que a
aprendizagem da caixa-problema foi concluída.

68
© Universidade Aberta
2.3.1.1 Características de aprendizagem

Thorndike (1911) efectuou vários estudos em amostras de cães, gatos e


macacos em situações de controle laboratorial, com problemas padronizados,
fazendo observações e registos precisos e quantitativos sobre o desempenho
dos animais. Em cada ensaio media o tempo entre o momento em que o gato
entrava na gaiola e a altura em que se apoderava do alimento. Registando
depois os valores na ordenada de um gráfico, é possível representar o processo
de aprendizagem por uma função semelhante à da Figura 2.4, que representa
a curva de aprendizagem de um gato de Thorndike. Thorndike ressaltou três
aspectos deste procedimento experimental que estariam relacionados com
situações de aprendizagem:

Figura 2.4 - Curva de aprendizagem de um gato de Thorndike, representando


o tempo em segundos que um gato leva para escapar de uma
gaiola ao longo de vários ensaios.

A aprendizagem efectuava-se por ensaios e erros: O gato parece agir por


ensaios e erros, ou ensaios e êxitos, ou simplesmente tentativas, antes de
encontrar a solução para o problema criado. O gato não se encosta a um canto
da gaiola a pensar na elaboração de uma estratégia de fuga.

A aprendizagem é gradual: A aprendizagem desenvolve-se no decorrer dos


ensaios, ao verificar-se uma diminuição progressiva do tempo necessário para
soltar o fecho da porta. Os animais não resolvem problemas por instinto ou
raciocínio, mas através de uma aprendizagem gradual da resposta correcta.

69
© Universidade Aberta
A aprendizagem é motivada. Nesta situação experimental, o gato está enjaulado e
faminto e fora da gaiola existe alimento. Nestas circunstâncias, a necessidade
forte de alimento gera um impulso ou motivação para sair da gaiola.

2.3.1.2 Leis de Aprendizagem

Para Thorndike a aprendizagem é o resultado de ensaios e erros seguidos por


um sucesso acidental. O gato aprendeu a sair da gaiola cada vez mais
rapidamente, repetindo os comportamentos ou respostas que antes levaram à
saída e a não repetir aqueles que se revelaram ineficazes. A aprendizagem
estabelece-se quando ocorre uma conexão ou ligação entre um estímulo (ou
situação) e uma determinada resposta. Trata-se de um processo simples de
conexionismo, isto é, da conecção de uma resposta com uma situação. Neste
sentido Thorndike (1911) formulou duas leis de aprendizagem:

• A lei do exercício: As conexões entre uma situação e uma resposta são


reforçadas pelo exercício e enfraquecidas quando o exercício é
suspenso. Por outras palavras, quanto maior for o número de ensaios
ou repetição, maior é a força da conexão; quanto menor for o número
de ensaios ou repetições, menor será o vínculo da conexão.

• A lei do efeito: Numa dada situação, todo o acto que produz um estado de
coisas satisfatório é mantido ou reforçado. O acto que produz um estado
de coisas desagradável ou sem efeito ficará cada vez mais enfraquecido.
Assim se um estímulo for seguido por uma resposta e o resultado for
satisfatório, a conexão entre o estímulo e a resposta será fortalecida.
Se o resultado for nulo ou desagradável, a conexão será enfraquecida.
“Quanto maior a satisfação ou o desconforto, maior o fortalecimento
ou o enfraquecimento da conexão” (Thorndike, 1911, p. 244).

Na concepção de aprendizagem de Thorndike, será que todo o acto de


aprendizagem está dependente simultaneamente da lei do exercício e da lei do
efeito, ou a lei do efeito será suficiente? Isto é, a repetição será suficiente ou é
necessário que o acto leve a um fim satisfatório?

Inicialmente Thorndike considerou que a lei do exercício e a lei do efeito


exprimiam duas condições necessárias e interdependentes de toda a apren-
dizagem. Por alturas de 1931, Thorndike abandonou a lei do exercício,
considerando que esta só favorecia a aprendizagem nas situações que permitiam
a lei do efeito. Thorndike verificou que a repetição de uma resposta que não
fosse acompanhada da acção selectiva do resultado não provocava o seu
aperfeiçoamento.

70
© Universidade Aberta
Este argumento pode ser melhor entendido se um experimentador pedir a uma
pessoa de olhos vendados para traçar linhas de 15 cm numa folha de papel. O
simples tracejar de novas linhas (repetição) não melhora o desempenho da
pessoa, a menos que haja da parte do experimentador uma informação sobre o
bom ou mau desempenho obtido em cada traçado.

A partir de 1931 com a publicação do livro Human Learning, Thorndike afir-


mou que a lei do efeito passa a constituir a única lei explicativa da aprendizagem.
Thorndike modificou ainda ligeiramente por esta altura a lei do efeito, ressal-
tando a importância maior dos resultados satisfatórios em relação aos resultados
desagradáveis em termos de conexão do E-R. Os mecanismos do reforço e da
punição seriam de natureza diferente. O reforço fortalece a conexão, mas o castigo
não a enfraquece directamente. Se o castigo for efectivo no enfraquecimento
de uma resposta é porque produz maior diversidade de respostas, aumentando
a probabilidade de uma nova resposta surgida ser reforçada satisfatoriamente.

Em resumo, o modelo de aprendizagem de Thorndike vai um pouco mais


longe do que o modelo de Pavlov ao demonstrar que os estímulos que ocorrem
depois de uma resposta ser dada têm influência nos comportamentos futuros.
Ao ressaltar a formação de uma conexão entre um estímulo e uma resposta
através do resultado do reforço, este modelo converteu-se na perspectiva
dominante da psicologia da aprendizagem americana, tornando-se o ponto de
partida para qualquer discussão sobre aprendizagem (Hill, 1997, p. 36).

2.3.2 Skinner: procedimento experimental

O psicólogo americano Skinner (1904-1990) foi um ilustre investigador do


século XX. Foi porém um autor controverso, ao manter-se fiel ao sistema
beaviorista, defendendo-o mesmo quando este sistema perdera grande parte
da sua mística e atracção e os investigadores começaram a voltar-se cada vez
mais na direcção da psicologia cognitiva (Skinner, 1990). Skinner é autor de
uma vasta obra científica e de divulgação, estando alguns dos seus livros
traduzidos em Português.

Skinner elaborou e desenvolveu um procedimento de investigação de aprendi-


zagem em animais, nomeadamente em ratos e pombos, usando uma caixa ou
gaiola, que ficou conhecida por gaiola de Skinner. Veja-se a Figura 2.5.
A gaiola de Skinner é um instrumento adaptado aos animais para estes responder
e agir em vez de aprender a fugir como num labirinto. É no entanto um
instrumento que, à semelhança das caixas-problema de Thorndike e dos
labirintos de outros investigadores, representa uma forma do experimentador
exercer um controlo sobre a situação onde o animal se move e que não é
possível obter no meio natural.

71
© Universidade Aberta
Figura 2.5 - Exemplos de gaiolas de Skinner: à esquerda para estudar o
condicionamento operante em ratos com indicação da alavanca
para carregar e do tabuleiro onde cai o alimento; à direita para
pombos com indicação do disco de bicar e tabuleiro.

Numa experiência típica com ratos, Skinner coloca o animal faminto na gaiola,
no interior da qual existe uma barra e um tabuleiro. Quando o rato pressiona a
barra, movimenta-se um mecanismo que liberta uma das bolas de alimento arma-
zenadas num recipiente no exterior da gaiola para o tabuleiro situado dentro
da gaiola. Após o rato ter pressionado a barra uma vez por acaso, o número de
pressões na barra vai aumentando progressivamente por unidade de tempo.

Skinner (1938) distinguiu este tipo de condicionamento, a que chamou operante,


do condicionamento de Pavlov, a que chamou respondente ou reflexo. No
procedimento de Skinner, é o próprio animal que por sua actividade (pressão
na barra) obtém o alimento, ao passo que no procedimento de Pavlov, o animal
responde por uma actividade reflexa de salivação ao alimento que lhe é
apresentado.

O condicionamento operante exprime e descreve o aumento da probabilidade


de uma resposta ser emitida num determinado meio ambiente devido ao reforço.
Na sequência da lei do efeito de Thorndike, o condicionamento operante
defende que uma resposta é seleccionada por um organismo em função das
consequências que produz. Assim a aprendizagem consiste na modificação
das probabilidades de uma resposta ser dada a partir da manipulação dos seus
efeitos através de um sistema de reforço. O estímulo, a resposta e as suas
consequências constituem os três conceitos principais do sistema de Skinner.

2.3.3 O Papel do Reforço

A frequência de uma resposta pode aumentar ou diminuir se for ou não


reforçada. O reforço é um conceito central no condicionamento operante. Em

72
© Universidade Aberta
termos gerais, o reforço é uma situação satisfatória e gratificante. No entanto
para Skinner, reforço é definido operacionalmente e refere-se a qualquer estí-
mulo cuja presença ou afastamento aumenta a probabilidade de uma resposta.

O reforço pode ser positivo como na situação em que um rato obtém alimento
após pressionar uma barra; ou negativo, como numa situação em que a pressão
na barra pode evitar o aparecimento próximo de um choque eléctrico. O reforço
pode ainda ser contínuo, quando todas as respostas são reforçadas ou
intermitente, nas situações em que apenas algumas respostas são reforçadas.
O reforço intermitente (ou parcial) pode-se organizar de acordo com diferentes
programas de reforço e é mais interessante do que o reforço contínuo do ponto
de vista teórico e prático.

2.3.3.1 Tipos e Programas de Reforço

A aquisição de uma resposta condicionada (pressão na barra) é gradual e


progressiva, se a resposta for seguida de reforço. A extinção desta resposta
ocorre também gradualmente quando deixa de ser reforçada. O reforço contínuo
é necessário para se estabelecer um comportamento inicial, mas o compor-
tamento aprendido é mantido por mais tempo se ficar sujeito a um programa
de reforço intermitente.

Na situação de reforço intermitente, a frequência de respostas é bastante mais


elevada. Além de uma frequência maior, a resposta é também mais resistente à
extinção, na medida em que o número de respostas realizadas depois da
suspensão de todo e qualquer reforço é muito maior do que na situação em
que o reforço é constante. Um animal ou uma pessoa nunca sabem quando
vão ser, ou se ainda vão ser, novamente reforçados.

Ferster e Skinner (1957) efectuaram uma análise sistemática do reforço


intermitente e descobriram quatro situações de reforço, que se poderão dividir
em dois tipos diferentes com duas variáveis cada: Programas de proporção
(fixo e variável) e programas de intervalo de tempo (fixo e variável). Segue-se
uma breve descrição destes quatro programas:

Intervalo fixo: O reforço só é ministrado quando o animal responde


correctamente após um intervalo fixo, por exemplo, um intervalo de
20 segundos.

Intervalo variável: Estabelece-se um intervalo médio, de 20 segundos


por exemplo, variável de ensaio para ensaio e imprevisível (5 ou 30
segundos) no fim do qual uma resposta correcta é reforçada.

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© Universidade Aberta
Proporção fixa: O reforço só é atribuído após se ter produzido um
número fixo de respostas, por exemplo após 10 pressões na barra.

Proporção variável: Estabelece-se uma proporção média de respostas,


por exemplo 10 pressões, mas o número de respostas necessárias para
obter um reforço varia e é imprevisível, num caso pode ser cinco noutro
quinze.

Os programas de proporção produzem uma taxa mais elevada de respostas


em relação aos programas de intervalo de tempo, e são ainda mais resistentes
à extinção. A extinção pode ser bastante longa e demorada nos dois tipos de
programas de reforço variáveis. Nos programas fixos, a ausência de reforço
na altura prevista pode ser informativa, mas nos programas variáveis, a
atribuição do reforço é bastante mais imprevisível. Skinner verificou num
programa de intervalo variável que um pombo chegou a bicar um disco 10 mil
vezes sem retribuição de qualquer reforço.

Estes programas de reforço intermitente analisados com animais no laboratório


apresentam similaridades com o comportamento humano em situações do dia
a dia. Assim as situações humanas que se assemelham ao programa de intervalo
fixo são o pagamento à hora ou o teste trimestral. O programa de intervalo
variável assemelha-se à prática da pesca, ou ao pagamento irregular que os
trabalhadores por conta própria recebem dos clientes, como as costureiras e
alfaiates; ao programa de proporção fixa corresponde o pagamento à peça ou
por meio de comissões; o programa de proporção variável compara-se aos
jogos de sorte e azar, como a roleta.

Comportamento Supersticioso

Skinner (1948) demonstrou no laboratório o estabelecimento de um comporta-


mento arbitrário em seis pombos, num total de oito, que apelidou de supersti-
cioso. Na experiência, cada pombo recebia uma porção de alimento após
intervalos de 15 segundos, independentemente da resposta dada. Na altura do
aparecimento do reforço, os pombos apresentavam comportamentos comuns,
entre outros estar de pé a olhar numa certa direcção, levantar uma perna ou
virar-se para o lado. Provavelmente um ou outro destes comportamentos esteve
presente passados 15 segundos na altura da atribuição de um novo reforço.

Com o decorrer da experiência, um destes comportamentos passa a aumentar


de frequência, apesar do reforço ser atribuído em função do tempo e não em
função da resposta seleccionada pelo experimentador. Skinner observou que
os pombos “fixavam-se” em comportamentos arbitrários, como voltar-se
subitamente para uma lado, saltar de um pé para o outro, inclinar-se para a
frente ou levantar a cabeça. Eram comportamentos de natureza supersticiosa,

74
© Universidade Aberta
porque não existia uma associação entre comportamento e alimento, mas antes
uma associação entre tempo e alimento.

O comportamento supersticioso é uma resposta arbitrária comum do animal


reforçada pelo alimento e contrasta com a resposta seleccionada pelo
experimentador que é invocada pelo alimento. Estudos mais recentes revelaram
no entanto que o pombo apenas se “fixa” numa resposta quando esta se
relaciona com a evocação do alimento, como bicar a parede da gaiola acima
do tabuleiro (e.g., Timberlake e Lucas, 1985).

2.3.3.2 Reforço e Punição

A tese central de Skinner e do condicionamento operante é de que o


comportamento depende das suas consequências. Animais e pessoas
comportam-se de modo a obter satisfação e tentam afastar-se de situações
desagradáveis e punitivas. Qual é a relação e a eficácia do reforço e da punição?

O comportamento seguido de reforço é fortalecido e a frequência de respostas


aumenta. Em contraste, o comportamento seguido de punição é enfraquecido
e a frequência de respostas diminui. A relação entre reforço e punição é
complexa e depende quer dos efeitos da resposta quer do grau de atracção do
estímulo apresentado ou removido. Reforço e punição apresentam duas
modalidades cada: O reforço pode ser positivo ou negativo e a punição pode
ser física ou psicológica.

O reforço positivo refere-se à situação em que se atribui um estímulo agradável


e satisfatório após ser dada uma resposta. Nesta situação a resposta tende a ser
repetida. Exemplos de reforço positivo são o alimento na caixa de Skinner,
dinheiro, louvor e presentes.

O reforço negativo refere-se à situação em que um estímulo desagradável ou


aversivo é suspenso ou removido, após a emissão de uma resposta. A resposta
tende a ser repetida como acontece na situação de condicionamento de evitação
em que a pressão na alavanca provoca a suspensão do choque eléctrico, evitando
o seu aparecimento. Situações humanas que podem servir de exemplo são o
caso de universitários que estudam para passar de exame a fim de não perderem
a bolsa de estudos, ou para evitarem ser incorporados no serviço militar; crianças
que se portam bem para não serem espancadas; adultos que bebem para “afogar
as mágoas” e esquecer as agruras da vida.

A punição directa ou física acontece quando se atribui um estímulo aversivo


ou negativo após ser emitida uma resposta, produzindo uma diminuição da

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sua frequência. Exemplos são os castigos, a dor causada quando se põe a mão
no fogo ou em água quente ou se metem pregos nas tomadas eléctricas.

A punição indirecta ou psicológica ocorre na situação em que se suspende


um estímulo agradável após ser emitida uma dada resposta, causando uma
diminuição da sua frequência. Genericamente consiste na retirada de privilégios
adquiridos, como a suspensão do recreio ou do programa de televisão pelo
mau comportamento e multas por infracções de trânsito.

A punição indirecta é socialmente mais aceitável e constitui em geral uma


alternativa recomendável à punição física. Mas punição é punição e a punição
indirecta pode até ser mais dolorosa do que a punição física quando envolve
chantagem emocional, um procedimento às vezes adoptado pelos adolescentes,
namorados, famílias e pais entre outros.

2.3.3.3 Reforço ou Punição?

A punição, o castigo e a violência estão espalhados na nossa sociedade quer a


nível individual quer institucional. As infracções e crimes são punidos com
multas, prisão, brutalidade, maus tratos, insultos, humilhações e ofensas à
dignidade em doses variadas. Acontece por vezes infelizmente que os
comportamentos rudes, irritantes e insolentes das crianças e adolescentes são
punidos com sovas, tareias, bofetadas, pontapés e espancamentos. A punição
é uma forma controversa de controlar o comportamento e há objecções de
natureza ética e cultural cada vez maiores na nossa sociedade.

Porque será que a punição física é um situação tão frequente? A razão óbvia é
que a punição física é eficaz, pelo menos a curto prazo, para suspender um
comportamento desagradável. Quando educadores gritam à criança para deixar
de fazer asneiras, é provável que a criança interrompa a asneira por momentos.
Como a situação costuma ser bem sucedida, o resultado serve de reforço para
o educador que tende a repeti-lo. Certos educadores alegam ainda que uma
palmada nunca fez mal a ninguém; que se pode compensar mais tarde a criança
com um beijo ou um mimo para não se sentir rejeitada e ainda que punir é um
sinal de quem manda e assume a responsabilidade pela educação.

Há uma convicção crescente e fundamentada de que o castigo é desumano,


eticamente reprovável e viola os direitos humanos. É impossível estabelecer
um critério entre o bom e mau castigo, aplicá-lo de forma proporcional a
crianças sem defesa e numa relação de forças desigual. O castigo envia um
sinal à criança de que o uso da violência é legítimo e aceitável e modela as
relações humanas com base na força. Há estudos que referem que as crianças,
vítimas de prepotência e crueldade, são mais agressivas, têm uma menor auto-

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estima, revelam problemas na adolescência, conservam memórias de violência
pela vida fora e quando assumem o papel de educadores estão mais inclinadas
a usar o castigo e a violência, gerando-se assim um círculo vicioso.

Outras justificações são ainda acrescentadas contra o uso da punição. A punição


não surte frequentemente o efeito desejado e pode ser contraproducente. Portar-
se mal e ser rude pode ser uma forma de chamar atenção dos educadores. Em
vez de remover o comportamento indesejável, o castigo reforça antes o seu
aparecimento.

A punição mesmo quando reduz ou elimina o comportamento indesejável,


não assinala qual é o comportamento alternativo desejado. Os maus tratos na
família, o abuso sexual de menores, os roubos cometidos na adolescência são
reincidentes, mesmo quando punidos, porque raramente são ensinadas as
respostas alternativas aceitáveis.

A punição pode originar efeitos secundários inesperados e indesejáveis. Castigar


uma criança quando é insolente e atrevida suprime o comportamento no
imediato, mas a médio prazo pode originar, como efeitos secundários, timidez,
dificuldades de relacionamento, medo dos educadores, fuga de casa e até
suicídio.

A punição é uma experiência que fica associada ao contexto onde ocorreu e


às pessoas mais representativas que nele figuraram, originando por vezes actos
de retaliação. Quando a pessoa punida se confronta mais tarde com sinais de
ambientes similares àqueles em que foi vítima ou subitamente os recorda,
provavelmente sentirá fortes reacções emotivas e desejará “vingar-se do sistema”
e das pessoas que aí actuaram.

A punição como forma de regular o comportamento é reprovável, mas quando


administrada em certas circunstâncias e até certo grau poderá ser considerada
uma opção. Há situações de risco que rodeiam uma criança, como pôr a mão
no disco do fogão ou numa panela com água a ferver, brincar com facas,
fósforos, armas de fogo, introduzir pregos nas tomadas eléctricas, andar de
bicicleta ou jogar futebol na rua. Quando se grita à criança para parar, ou
mesmo quando se dá uma palmada na mão ou nas nádegas para assinalar ou
prevenir uma ocasião de perigo, está-se a punir efectivamente a criança para
que estes comportamentos diminuam de frequência. Todavia se, por laxismo
ou preconceito, a criança não for avisada do perigo eminente, as consequências
que poderá vir a sofrer serão muito mais dolorosas e nocivas.

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Caixa 2.2

A punição dos reforços

O título desta secção é a tradução livre do livro de Kohn (1993),


cuja tese principal refere que o reforço tem um efeito prejudicial na
acção educativa e nos negócios. Vários têm sido os investigadores
que defenderam que o reforço reduz a criatividade e o pensamento
divergente, baixa a qualidade do trabalho e diminui o interesse nas
tarefas a desempenhar, tornando-as estereotipadas. E neste sentido
avisam os pais, educadores e empresários do falhanço dos programas
de modificação de comportamento de pessoas sujeitos a sistemas
de incentivo em condições em que se pretende obter um
desempenho elevado e criativo numa tarefa. Recentemente
Eisenberger e Cameron (1996) efectuaram uma revisão da literatura
científica neste domínio e concluíram entre outros aspectos que os
efeitos negativos do reforço observados ocorrem em condições
experimentais muito específicas, havendo provas sobre o papel
positivo do reforço na criatividade. Neste sentido o estudo de
Eisenberger e Selbst (1994) poderá ser indicativo.
Estes investigadores solicitaram a seis grupos de crianças pré-
-adolescentes a tarefa de formar palavras a partir de uma sequência
de letras ao acaso. Metade das crianças formava apenas uma palavra
(pensamento divergente baixo), e a outra metade formava seis pala-
vras diferentes (pensamento divergente alto). Quando as crianças
completavam cada tarefa, obtinham todas a informação “correcto”.
Além disto, um terço das crianças recebia uma soma elevada de
dinheiro, outro terço uma pequena soma e as restantes não recebiam
qualquer quantia. A fim de se analisar o grau de generalização do pensa-
mento divergente em função do tipo de reforço, as crianças foram
solicitadas depois a realizar uma tarefa que consistia em desenhar
figuras a partir de pequenos círculos em branco que preenchiam a
totalidade das folhas que lhes eram entregues. As figuras feitas foram
avaliadas por um júri em termos de criatividade, expressa pela
originalidade da figura no conjunto das figuras produzidas.
Em geral os resultados indicaram que a criatividade foi por um lado
maior nas crianças que tinham realizado a tarefa de pensamento
divergente alto em relação à tarefa de pensamento divergente baixo;
por outro lado, a criatividade foi maior no grupo que realizou a
tarefa de pensamento divergente alto e recebeu um pequeno reforço.
A partir desta e de outras experiências similares, Eisenberger e Selbst
(1994) concluiram que o reforço facilita a transferência do processo
criativo de uma tarefa para outra diferente.

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Para se mudar o comportamento na direcção desejada, a sabedoria popular
sugere o “pau e a cenoura”, isto é, conseguir dosear a administração dos
estímulos agradáveis com os estímulos aversivos. Em contraste, os investiga-
dores defendem que o reforço positivo é a técnica melhor e mais eficaz em
termos de mudança e regulação dos comportamentos, ao estabelecer regras e
atribuir prémios e reconhecimento pelos comportamentos dados. Ao reforçar
a resposta desejada, indica-se a direcção certa e evitam-se reacções defensivas.

O reforço positivo tem também as suas limitações em termos de modificação


do comportamento. O condicionamento operante é considerado um sistema
de selecção de respostas e não um sistema de produção de novas respostas. As
respostas pretendidas e inovadoras não são espontâneas, demoram algum tempo
a estabelecer-se e em certas espécies nem sequer chegam a ocorrer por
contrariarem predisposições genéticas. Veja-se o tempo que demora e os
fracassos que ocorrem quando se pretende ensinar uma criança a dizer “se faz
favor” quando pede qualquer coisa, ou as dificuldades verificadas por Breland
e Breland (1961) para treinar um porco a depositar moedas num mealheiro,
um estudo descrito mais adiante. Há até mesmo investigadores que consideram
que reforçar as pessoas por aquilo que já fazem com prazer pode até
desfavorecer o interesse investida numa tal tarefa. Veja-se a Caixa 2.2.

2.3.4 Condicionamento de Fuga e Evitação

O condicionamento de fuga e evitação foi estudado num procedimento expe-


rimental, usado inicialmente por Miller (1948) com ratos e Solomon e Wynne
(1953) com cães e é constituído por uma gaiola de dois compartimentos, sepa-
rados por uma barreira transponível. Quando o soalho do compartimento A é
electrificado, o animal aí colocado aprende a refugiar-se no compartimento B.

Solomon e Wynne (1953) colocaram um cão num gaiola de dois compar-


timentos iguais. A divisória entre os compartimentos tinha uma abertura superior
que permitia ao cão saltar para o outro lado. Colocado num dos lados da
gaiola, o cão ouvia um som e 10 segundos depois sofria um choque eléctrico.
Se o cão saltasse para o outro lado da gaiola fugia ao choque e sentia-se seguro.
Em cada um dos primeiros 7 ensaios o cão não saltou a divisória durante o
período de segurança após ouvir o som e sofreu um choque eléctrico.

Mas a partir do oitavo ensaio, o cão conseguiu evitar o choque saltando a


barreira dentro do período de segurança de 10 segundos. Com o decorrer dos
ensaios a resposta de evitação foi cada vez mais rápida fixando-se em torno
dos 2 segundos após a emissão do sinal. Chama-se condicionamento de fuga
ou escape (por ex., saltar a divisória) quando uma resposta interrompe o efeito

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© Universidade Aberta
de uma situação aversiva; e condicionamento de evitação quando o animal
previne e se antecipa ao aparecimento do estímulo aversivo ou adia o seu
início.

2.3.4.1 Extinção da Resposta de Evitação

O tempo necessário para a extinção de uma resposta varia de acordo com a


frequência e programa de reforço usado na fase de aquisição. Assim quanto
maior for o condicionamento, maior será também a dificuldade de extinção. É
mais difícil extinguir o comportamento adquirido por meio de reforço negativo
do que através de reforço positivo. O medo da situação aversiva torna a
aprendizagem de evitação muito difícil de extinguir. Como se processa a
extinção da resposta de evitação, mesmo se o choque já tiver sido removido?
O animal continua a saltar logo a seguir ao sinal durante um longo período,
mesmo quando já não há qualquer razão para o fazer. O animal nunca espera
o tempo suficiente para verificar que o choque já foi removido.

Na experiência de Solomon e Wynne (1953), alguns dos cães deixados no


procedimento experimental continuaram a realizar centenas de saltos. A única
maneira de os impedir de saltar foi subir a barreira ou fechar a divisória. Este
é aliás um dos procedimentos mais usados para assegurar a extinção da resposta
de evitação. Assim o animal é forçado a permanecer no compartimento
anteriormente aversivo para verificar o fim dos choques eléctricos. Inicialmente
o animal agita-se ou comporta-se de forma rígida, mas a pouco e pouco começa
a acalmar-se indicando que a resposta de evitação foi extinta.

O Desamparo Aprendido

Um fenómeno importante associado ao condicionamento de evitação foi a


descoberta da aprendizagem do desamparo aprendido por Maier, Seligman e
Solomon (1969). Nesta experiência, em que foram usados dois grupos de
cães, os animais de um grupo sofriam uma série de choques, mas podiam
interromper a situação aversiva se pressionassem um painel com o nariz. Os
cães do segundo grupo sofriam um choque da mesma intensidade e duração,
mas não tinham qualquer controlo sobre a extinção do choque.

Mais tarde os animais dos dois grupos foram colocados numa nova situação
onde podiam escapar e evitar o choque saltando uma barreira entre dois
compartimentos. Apesar da fuga e evitação serem agora possíveis para todos
os cães, os investigadores verificaram que só os cães, que antes eram capazes
de interromper a situação aversiva e tinham controlo sobre a situação, conse-
guiram aprender a saltar a barreira e a fugir à estimulação aversiva durante o

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período de segurança de 10 segundos. Os cães do segundo grupo saltavam,
corriam e latiam quando sofriam o choque nos ensaios iniciais, mas a pouco e
pouco deixaram de o fazer, permanecendo sentados ou encostados e recebendo
passivamente qualquer choque que lhes era infligido. Após receberem choques
inevitáveis, os animais comportavam-se como se qualquer resposta fosse inútil.

Maier, Seligman e Solomon (1969) classificaram esta situação experimental


de efeito de desamparo aprendido. Este efeito verificou-se porque os cães
tinham sido expostos a choques inevitáveis, cujo termo não podiam controlar,
aprendendo que a produção de qualquer resposta era independente do decurso
da estimulação aversiva. Esta aprendizagem reduziu a motivação do animal
para escapar mais tarde a uma estimulação aversiva numa nova situação.
Verificou-se também que a exposição a estímulos aversivos incontroláveis
tem repercussões fisiológicas, como o aparecimento de úlceras no estômago
em pessoas e animais (e.g., Overmier e Murison, 1997).

Casos de desamparo aprendido observam-se também em seres humanos (e.g.,


Miller e Norman, 1979), nomeadamente em pessoas sem grandes meios para
agir, como os pobres, os doentes, os drogados, os idosos, os deprimidos e os
prisioneiros de guerra. Strassman, Thaler e Schein (1956) estudaram casos de
prisioneiros de guerra que adoptaram posições opostas face à situação em que
se encontravam. Enquanto uns adoptavam uma posição agressiva, esforçando-
se por subverter os planos dos captores, outros tornavam-se apáticos e sem
qualquer desejo de fuga ou resistência. A diferença entre os dois tipos estava
na atitude face à eficácia das respectivas acções. Os activos acreditavam que
podiam melhorar a situação se agissem, enquanto que os passivos acreditavam
que não havia qualquer esperança e que toda e qualquer acção da parte deles
seria inútil e perigosa.

2.3.5 Moldagem do Comportamento

Quando se coloca um rato pela primeira vez na gaiola de Skinner é pouco


provável que o rato pressione espontaneamente a barra durante os primeiros
30 minutos. No entanto o rato está activo ao longo deste período de tempo,
umas vezes corre, outras toca com a pata ou fareja as paredes. A resposta de
pressão na barra pode ser apressada se se reforçarem as respostas que se
aproximem progressivamente da resposta final desejada. Para tal o reforço é
atribuído no início quando o rato se volta na direcção da barra; nas ocasiões
seguintes somente quando se aproxima da barra e finalmente quando o animal
apenas toca e pressiona a barra.

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A moldagem é uma técnica de condicionamento operante e consiste na
recompensa de respostas ocasionais que se aproximam do comportamento
final desejado, utilizando uma mudança gradual nas condições do reforço.
Esta técnica deve necessariamente utilizar os comportamentos que tenham
uma probabilidade razoável de ocorrer. Por analogia com o oleiro que molda
progressivamente um pedaço de barro numa peça de olaria, assim o investigador
aplica a moldagem com o objectivo de modificar o comportamento numa
determinada direcção.

Para modificar o comportamento de animais e crianças, Skinner propôs um


método de três etapas: (1) Definir o objectivo ou habilidade a adquirir; (2)
definir o comportamento inicial a reforçar; (3) reforçar positivamente as
respostas dadas em cada etapa para atingir o objectivo desejado. A moldagem
funciona ao converter segmentos simples de comportamento emitidos
espontaneamente em habilidades ou padrões de resposta complexos através
do reforço selectivo.

A moldagem não se restringe ao laboratório e é a técnica adoptada para ensinar


a maior parte das habilidades que os animais de circo exibem. Breland e Breland
(1961) referem ter treinado dezenas de animais de várias espécies para espec-
táculos de circo, feiras, teatros e anúncios televisivos, algumas vezes com
bastante sucesso. Reconhecem porém que não é um processo seguro, como
se verá adiante. Os cães podem ser treinados para guiar cegos ou descobrir
droga e explosivos e Skinner conseguiu mesmo treinar pombos a jogar uma
forma modificada de ping-pong.

Na aplicação ao comportamento humano, a moldagem é uma técnica bem


sucedida sempre que comportamentos e habilidades humanas têm de ser
aprendidas de forma gradual, umas vezes de forma voluntária como nadar ou
andar de bicicleta, outras de forma mais implícita como expressões linguísticas
de deferência, tipo “obrigado” ou “se faz favor”. Em situações clínicas, a
técnica de moldagem foi ainda usada com algum sucesso em crianças autistas
que ao fim de várias sessões conseguiram articular algumas palavras inteligíveis,
quando no início eram incapazes de o fazer.

2.3.6 Limitações biológicas do condicionamento

Mark Twain uma vez afirmou que não se deve ensinar um porco a cantar. É
uma perda de tempo e incomoda o porco! Os investigadores descobriram
limitações biológicas que restringem o processo de condicionamento e
moldagem. Umas são óbvias como ensinar um porco a cantar, outras são uma
surpresa como ensinar um porco a depositar uma moeda num mealheiro.

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Breland e Breland (1961) publicaram um artigo intitulado O Mau Compor-
tamento dos Animais, cujo título pretendeu ser uma paródia ao livro famoso
de Skinner (1938) O Comportamento dos Animais. Neste artigo referem o
caso de uma falha no condicionamento de um porco para depositar moedas
num mealheiro. As coisas correram bem durante as primeiras semanas de treino.
Sendo os porcos animais de grande apetite, são fáceis de trabalhar e de
condicionar, excepto neste caso, em que a falha não ocorreu só com um porco
mas com vários. Segundo Breland e Breland (1961) verificou-se a situação
seguinte:

O porco corria ansiosamente para buscar a moeda de dólar, mas no


regresso em vez de a segurar e depositar simplesmente no mealheiro,
o porco deixava-a cair, foçava a terra, deixava-a cair novamente,
levantava-a, atirava-a ao ar, voltava a deixá-la cair, foçava novamente
a terra e assim por aí adiante.

Breland e Breland notaram que neste caso de mau comportamento, o porco


derivava para um comportamento típico da sua espécie, que era foçar a terra
para obter alimento. O porco revelou uma inclinação instintiva na direcção de
um comportamento típico da espécie ao relacionar-se com um objecto que
tinha adquirido o significado de alimento. Breland e Breland (1961) referiram
outros fracassos ocorridos com galinhas, gatos, coelhos, baleias e um guaxinim
e explicaram o insucesso devido a interferências instintivas próprias da espécie
na obtenção natural de alimento. Assim o reforço e a moldagem nem sempre
são bem sucedidos em situações de condicionamento operante.

Alguns anos depois, Garcia e Koelling (1966) provaram, numa experiência


notável, que o sistema nervoso dos animais estaria enviesado a formar certo
tipo de associações em vez de outras e que a associação poderia estabelecer-se
mesmo com intervalos de várias horas! O procedimento experimental deste
estudo foi constituído pelas três fases seguintes:

(1) A um grupo de ratos sequiosos era fornecido um soluto de água


misturada com sacarina para beberem através de um tubo. No
momento do contacto da língua com o tubo era activado um clic
sonoro e uma luz.

(2) Após intervalos de uma ou mais horas, os ratos eram injectados com
um produto que lhes provocava náusea. Após esta única experiência,
os ratos irão associar a náusea com a bebida, a náusea com som e a
luz, ou a náusea com os três estímulos? Qual destes estímulos irá ser
considerado precursor ou causador do estado de náusea pelos ratos?

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Caixa 2.3

Pode um doce tornar-se num bode expiatório?

Broberg e Bernstein (1987) aplicaram o procedimento do condicio-


namento clássico para reduzir os efeitos secundários da aplicação
da quimioterapia no tratamento do cancro em crianças. Vómitos e
náuseas costumam ser os efeitos secundários mais incómodos
referidos pelos doentes quando tomam medicamentos e que associam
em geral aos alimentos ingeridos na refeição anterior. A fim de evitar
a associação típica da náusea com alimentos da refeição, os investi-
gadores tentaram desenvolver uma nova associação com o sabor de
um doce tomado no final da refeição e que se apresentava com um
sabor bastante intenso.

A experiência ocorreu num só ensaio. O objectivo da tomada do


doce era funcionar como uma espécie de bode expiatório em relação
aos alimentos que constituíam a dieta habitual. Os resultados obtidos
indicaram que as crianças do grupo experimental que comeram o
doce, tomaram em média mais alimentos da sua dieta habitual nas
refeições seguintes do que as crianças do grupo de controle que não
comeram bolo nenhum. Esta experiência provou que é possível
redireccionar a aversão aos alimentos da refeição para um alimento
específico e de menor importância, que passaria a agir como bode
expiatório.

(3) A fim de verificarem se uma associação se tinha formado entre a


bebida aromatizada e náusea, Garcia e Koelling estabeleceram duas
condições: Numa condição deram aos ratos a beber o soluto sem o
som e a luz a acompanhar; os ratos recusaram bebê-lo. Na outra
condição foi fornecida água acompanhada do som e da luz; os ratos
beberam-na.

Nesta experiência foram incluídas ainda outras condições na segunda fase.


Metade dos ratos foi injectado com um tóxico e a outra metade sofreu um
choque eléctrico na pata. Na terceira fase da experiência, os ratos que sofreram
o choque beberam o soluto numa quantidade muito maior do que a água
acompanhada de som e luz. Em síntese, os ratos aprenderam facilmente a
associar o sabor novo do líquido com mal-estar e náusea, e o som e a luz com
o choque eléctrico.

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A experiência de Garcia e Koelling e outras que se seguiram sobre o
condicionamento de aversão a sabores (veja-se a Caixa 2.3), pôs em causa
algumas conclusões estabelecidas. Primeiro, provou que a aprendizagem pode
ocorrer definitivamente num único ensaio; não é apenas progressiva. Segundo,
provou que não é qualquer estímulo neutro que se torna num estímulo
condicionado (EC). Terceiro, a associação entre um EC-EI pode ocorrer com
intervalos de várias horas. Estas conclusões vieram a ficar conhecidas na
literatura científica por efeito Garcia.

As experiências de condicionamento aversivo revelaram ainda que é


praticamente impossível condicionar os ratos a associar o sabor com o choque,
ou o som e a luz com mal-estar e náusea. Verificou-se também que os pombos
aprendem facilmente a bicar um disco para obter alimento ou a bater as asas
para fugir ao choque, mas revelam grandes dificuldades em aprender a bicar
um disco para fugir ao choque ou a bater as asas para obter alimento.

Tudo isto faz sentido. Na vida selvagem os pombos bicam a terra para obter
alimento e batem as asas para fugir ao perigo. E os ratos, sendo animais
nocturnos com visão limitada, avaliam os alimentos em termos de sabor. Se o
sabor é comum como a água, provam sem dificuldades, o que torna difícil
condicionar os ratos a rejeitarem a água. Se o sabor é novo, os ratos provam
uma pequena porção, aguardam para ver os efeitos e só mais tarde retomam
ou não o alimento em função dos resultados observados. Talvez por isto o
extermínio dos ratos por envenenamento seja tão difícil de conseguir.

A série destes e de outros estudos prova que os princípios básicos de


condicionamento não se aplicam igualmente a todas as espécies e em todas as
situações. Há uma inclinação biológica bem definida para desenvolver uma
aversão condicionada a certos estímulos, o que leva a que só alguns
comportamentos de certas espécies de animais possam ser moldados pelas
técnicas do condicionamento e não todo e qualquer comportamento de qualquer
animal.

Apesar das predisposições biológicas limitarem a generalidade das leis da


aprendizagem a todos os animais, pode-se mesmo assim defender a um nível
mais profundo que toda a aprendizagem consiste numa adaptação do animal
ao seu meio ambiente. No processo de adaptação ao meio, os animais aprendem
rapidamente tanto os sinais que conduzem ao alimento como aqueles que
indicam perigo ou ameaça.

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2.3.7 Condicionamento clássico e operante

O condicionamento clássico e o condicionamento operante foram considerados


durante muito tempo dois tipos distintos de aprendizagem (e.g., Hearst, 1975).
As principais diferenças ou critérios apresentados para justificar esta distinção
foram os seguintes:

1. O condicionamento clássico é um sistema mais simples de


aprendizagem, associado a respostas de tipo reflexo ou involuntário
como a salivação, o reflexo palpebral e o aumento ou diminuição do
ritmo cardíaco. O condicionamento operante está associado a respostas
mais complexas de tipo voluntário como a pressão na alavanca, bicar
um disco ou saltar uma divisória.

2. O condicionamento clássico parece ser mais apropriado para a


aprendizagem que envolve um condicionamento emocional, como a
ansiedade e o medo e onde intervém o sistema nervoso autónomo.
Por outro lado, o condicionamento operante aplica-se mais às respostas
voluntárias do esqueleto e dos músculos sob a influência do sistema
nervoso central.

3. A associação principal é de natureza diferente nos dois tipos de


condicionamento. No clássico, a associação é feita entre dois estímulos
(EN-EI) e a resposta não tem um papel relevante. Se num ensaio o
cão não salivar, mesmo assim obtém alimento. No condicionamento
operante, a associação é feita entre uma resposta e o reforço (RC-EI).
A resposta tem um papel relevante, porque o rato só recebe alimento
(EI) se pressionar a barra (EC).

4. A relação entre RC e reforço é diferente nos condicionamentos clássico


e operante. No clássico, a RC depende directamente do EI (reforço)
escolhido pelo experimentador. O alimento (EI) determina o tipo de
resposta que será dada (salivação). No condicionamento operante, a
escolha da RC é independente do reforço. Se por exemplo o reforço
for alimento, a RC pode ser pressionar uma barra, bicar um disco ou
apoiar-se num pé.

A primeira diferença ou critério, baseado nas respostas produzidas por cada


tipo de condicionamento, foi durante algum tempo contestado ao provar-se a
implicação do condicionamento operante no funcionamento do sistema nervoso
autónomo. Numa revisão científica, Miller (1978) revelou que é possível
modificar, por meio do condicionamento operante, as respostas viscerais de
animais de forma a aumentar ou diminuir a pressão sanguínea, ritmo cardíaco,
a salivação e contracções intestinais. No entanto, uma revisão posterior da
literatura no domínio da aprendizagem animal indicou que o controlo operante

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de respostas involuntárias raramente era bem sucedido e o efeito era incerto
(e.g., Dworkin e Miller, 1986). A importância deste critério em termos da
distinção tradicional mantêm-se portanto em aberto. Nos seres humanos, o
controlo operante de respostas involuntárias teve maior sucesso, originando
mesmo uma nova indústria, chamada biofeedback (veja-se a Caixa 2.4)

Caixa 2.4

Biofeedback

Numa situação de biofeedback as pessoas são ligadas a aparelhos


que indicam de forma precisa o ritmo cardíaco, o estado da pressão
sanguínea, a conductibilidade da pele ou a frequência de ondas
cerebrais alfa. Habitualmente uma pessoa não tem um controlo
directo sobre estas respostas “involuntárias”, mas é capaz de fazer
aumentar ou diminuir a frequência deste tipo de respostas, e com o
treino estabilizá-las num certo valor recorrendo à formação de
imagens ou a contracções e relaxamentos musculares. Por exemplo,
o ritmo cardíaco aumenta se uma pessoa se deixa envolver em
fantasias sexuais ou se concentra em situações de ameaça e de perigo
eminente, ou diminui se fizer exercícios de relaxamento ou imagina
situações de conforto e bem-estar. O povo até tem uma expressão
adequado para este efeito, quando diz “Só de imaginar a situação,
fico com os cabelos em pé”. O biofeedback é uma técnica ou
procedimento psicofisiológico que permite às pessoas aprender a
controlar certas respostas fisiológicas observando o seu estado por
meio de aparelhos próprios.

As diferenças entre os dois tipos de condicionamento têm sido frequentemente


questionadas e os investigadores sentem dificuldades acrescidas em manter
esta distinção baseada nos critérios tradicionalmente aceites. As fronteiras são
fluidas. Há respostas, como a resposta palpebral, que podem ser sujeitas aos
dois tipos de condicionamento e tarefas de aprendizagem, como o condicio-
namento de evitação que envolvem processos quer ao nível do condiciona-
mento clássico quer ao nível do condicionamento operante. É controverso
afirmar portanto se as diferenças tradicionalmente apontadas são essenciais ou
acessórias. Houston (1991) interroga-se mesmo se estes tipos de aprendizagem
não serão o resultado de um processo comum ainda por descobrir.

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© Universidade Aberta
Quanto às similaridades entre condicionamento clássico e condicionamento
operante, os dois tipos de aprendizagem apresentam características análogas
ao nível dos processos de aquisição, extinção, recuperação espontânea,
generalização e discriminação, entre outros.

Na aquisição, o desempenho aumenta progressivamente com o número de


ensaios ou a prática e é expresso num formato de curva de desempenho
aceleradamente negativa. Isto significa que no início o aumento é maior e
mais rápido nos valores da RC, passando depois a diminuir até atingir um
patamar onde já não se observa quaisquer ganhos suplementares.

A extinção da RC é em geral similar, nomeadamente num procedimento de


aquisição de reforço contínuo. Assim o número de respostas diminui bastante
no início passando a ser mais lento posteriormente. O processo de recuperação
espontânea observado no condicionamento clássico também se verifica no
condicionamento operante. Assim se a resposta de bicar o disco para obter
alimento for extinta, verifica-se no regresso do pombo à gaiola após um período
de descanso a recuperação espontânea desta resposta.

No condicionamento clássico o cão generaliza a RC obtida com um som de


certa frequência para novos sons com frequências próximas do original
constituindo um gradiente de generalização. Também no condicionamento
operante, um pombo treinado a bicar um disco de determinada cor para obter
alimento generaliza as bicadas para discos com cores similares.

No que se refere à discriminação, no condicionamento clássico o cão é capaz


de responder diferencialmente a dois sons similares ou duas figuras
geométricas. Do mesmo modo no condicionamento operante um pombo é
capaz de aprender a discriminar entre dois discos coloridos independentemente
da posição, se o disco colorido A for reforçado com alimento e o disco colorido
B não for seguido de alimento.

Na comparação entre o condicionamento clássico e operante podem-se ressaltar


mais as similaridades ou mais as diferenças. As diferenças parecem ser mais
relevantes ao nível dos procedimentos de investigação adoptados por cada
tipo, enquanto as semelhanças verificam-se mais em termos substanciais em
relação aos processos comuns.

2.3.8 Condicionamento e Cognição

Segundo Skinner, o condicionamento é redutível ao robustecimento de uma


associação pela acção automática de um processo chamado reforço (Skinner,
1981). O reforço e a punição aumentam ou enfraquecem o comportamento de

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forma mecânica e automática. O organismo é considerado como uma máquina
cujo funcionamento organizado pode ser previsto apenas em função das forças
externas a que está sujeito. As teorias beavioristas da aprendizagem ressaltam
apenas a associação entre estímulos ambientais e respostas, e uma vez a
associação formada, os estímulos desencadeiam as respostas apropriadas de
forma mecânica e automática. Assim o papel do organismo é reduzido ou
nulo.

Skinner insistiu repetidamente que o comportamento é influenciado por factores


externos e não por sentimentos ou pensamentos internos ao sujeito. Os factores
mentais e cognitivos são irrelevantes para explicar a associação entre a resposta
dada e as consequências observadas. Entre a resposta e a sua consequência há
como que uma “caixa negra” que não é possível iluminar cientificamente.

As teorias cognitivas da aprendizagem defendem o papel activo do sujeito na


formação de expectativas entre acontecimentos. Pessoas e animais formam
preferências, expectativas e relações causais entre acontecimentos associados
em maior ou menor grau. Um organismo aprende por exemplo que um
acontecimento X produz o resultado A e que o acontecimento Y produz o
resultado B, e que face a estes acontecimentos prefere o resultado A ao B. O
organismo escolhe a resposta que prefere e não a resposta que é forçado a
escolher face à situação. Assim em vez de um mecanismo automático, os animais
têm expectativas, aprendem relações causais, ou pelo menos previsíveis entre
acontecimentos e o que leva a quê.

A interpretação cognitiva do condicionamento é recente em relação aos estudos


de aprendizagem animal, mas tem em Tolman (1856-1959) um percursor ilustre
nas décadas de 1930 e 1940. Tolman foi um dos primeiros investigadores a
provar que a aprendizagem no condicionamento operante pode ocorrer na
ausência de reforço.

Tolman e Honzik (1930) manipularam o momento de fornecimento de reforço


na aprendizagem de um labirinto usando três grupos de ratos. Um grupo nunca
foi recompensado com alimento ao longo da experiência (sem reforço); Outro
grupo foi sempre reforçado (reforço) e o terceiro grupo apenas foi reforçado a
partir do 11º dia (reforço-11º dia). O resultado mais interessante verificou-se
no Grupo “Reforço-11º dia”. Nos primeiros 10 dias, este Grupo revelou um
desempenho semelhante ao Grupo “Sem reforço”, mas após a introdução do
reforço produziu um desempenho tão eficiente como o Grupo que foi sempre
reforçado desde o início. Veja-se o resultado na Figura 2.6.

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Figura 2.6 - Número médio de erros num labirinto (entrada em alas sem saída)
dados por três Grupos de ratos, onde um Grupo foi sempre
reforçado (c/ alim), o outro Grupo nunca foi reforçado (s/ alim)
e o terceiro Grupo foi reforçado a partir do 11º dia (11º dia),
segundo Tolman e Honzik (1930).

O reforço só foi importante na medida em que tornou manifesta e observável


a aprendizagem latente. A aprendizagem chama-se latente porque não se
manifestou nos primeiros dez dias no comportamento actual, isto é, no
desempenho. Com o aparecimento do reforço no 11º dia, a aprendizagem
previamente implícita do Grupo 3 revelou-se, permitindo a este Grupo conse-
guir alcançar rapidamente o desempenho do Grupo que foi sempre recom-
pensado. Esta experiência mostrou que os animais adquirem informação em
situações em que nenhum reforço é administrado, provando que a aprendi-
zagem está para além da simples associação entre uma resposta e um estímulo
reforçador. Além desta mera associação está a cognição.

Tolman propôs ainda que um animal ao explorar um labirinto aprende, além


de respostas a estímulos, expectativas e configurações de sinais. Colocado
num labirinto, o rato tem a expectativa de encontrar uma saída e obter alimento.
O rato adquire também uma espécie de representação mental do labirinto, ou
mapa cognitivo, que lhe permite encontrar um caminho alternativo quando
um caminho previamente usado e preferido estiver bloqueado.

Os estudos de Tolman demonstraram que um factor importante no condicio-


namento é aquilo que o animal conhece ou sabe. Assim em vez de se considerar
o condicionamento como uma mera associação mecânica entre dois estímulos,
ou entre uma resposta e um estímulo, seria preferível considerar factores

90
© Universidade Aberta
cognitivos, como expectativas e conhecimento memorizado. No condiciona-
mento clássico o animal cria a expectativa de que após o sinal (EC) segue-se o
alimento e no condicionamento operante o animal tem a expectativa de que a
pressão da barra será seguida por alimento.

Tolman estava correcto nas conjecturas formuladas sobre o papel da expectativa


e a formação de mapas cognitivos no condicionamento animal. Numa série de
estudos realizados a partir da década de 1960, Rescorla (1967, 1988) provou
que o factor crucial no condicionamento clássico não era o número de
emparelhamentos entre o EC-EI, mas antes o grau de probabilidade com que
o EC previa a chegada do EI.

Numa das experiências realizadas, Rescorla (1967) submeteu dois grupos de


cães ao mesmo número de choques eléctricos, que eram precedidos em
exclusivo ou não por um sinal sonoro. Cada um dos Grupos A e B recebeu o
mesmo número de sinais sonoros (EC) e também o mesmo número de pares
EC-EI nos mesmos ensaios da série de 1 a 16. No entanto os cães do Grupo 2
sofreram alguns choques adicionais na série de 16 ensaios. Veja-se a série na
Figura 2.7.

A principal diferença entre os dois Grupos foi a seguinte. Enquanto no Grupo


A o sinal precedia o aparecimento de todos os choques, no Grupo B o choque
ocorria tanto na presença como na ausência de sinal. Assim no Grupo A o
sinal tinha valor preditivo, embora parcial, em relação ao aparecimento do
choque, enquanto no Grupo B o valor preditivo do sinal era nulo.

Figura 2.7 - Representação da sequência dos estímulos condicionados (EC -


som) e incondicionados (EI - choque) apresentados aos Grupos
A e B na experiência de Rescorla (1967).

91
© Universidade Aberta
Em termos do condicionamento de evitação do medo, qual é o procedimento
mais eficaz, o do Grupo A ou o do Grupo B? Se se considerar que o condicio-
namento depende do processo de contiguidade, então o grau de condiciona-
mento seria equivalente, porque o número de pares EC-EI foi idêntico nos
dois Grupos. Todavia se se considerar o condicionamento em termos de
previsão ou contingência, isto é, a probabilidade de que um acontecimento se
segue a outro, então o grau de previsão é maior no Grupo A do que no Grupo B.

De facto a experiência demonstrou que o factor crucial era o grau de previsão


e não a contiguidade. Assim os cães do Grupo A aprenderam rapidamente a
evitar o choque, enquanto os do Grupo B falharam o desenvolvimento de uma
RC de evitação ao aparecimento do sinal sonoro. Estudos posteriores realizados
por Rescorla e colaboradores comprovaram que a relação preditiva entre EC-
EI é um factor mais importante do que a contiguidade temporal ou o número
de emparelhamentos entre EI-EC.

O condicionamento clássico, segundo Rescorla (1988), aplica-se tanto a


animais como pessoas e envolve a escolha do EC que melhor prevê o
aparecimento do EI. Esta conclusão baseia-se nas provas seguintes: (1) o EC
deve preceder o EI para o condicionamento ser efectivo; (2) o EC deve ser um
preditor seguro do aparecimento do EI; (3) o condicionamento é difícil de
ocorrer se já existir no meio um bom preditor. Este último aspecto é conhecido
pelo efeito bloqueador e significa que, se um EC (som) for capaz de prever
com eficácia um EI, e mais tarde for acrescentado um outro EC’ (por ex., uma
luz), a associação entre o novo EC’ e o EI não será aprendida. A força
associativa da luz com o EI foi bloqueada pela prévia associação entre o som
e o EI.

Os estudos de Rescorla revelaram que o condicionamento apenas tem lugar se


o EC for informativo em termos de previsão. Assim, um estímulo neutro como
a luz, som ou outro estímulo do género só se tornará num EC eficaz se conseguir
prever a ocorrência próxima de um estímulo (EI), como alimento, água, choque,
que seja importante em termos de sobrevivência para o organismo se aproximar
ou evitar.

Além dos conceitos de aprendizagem latente, mapas cognitivos e previsão


propostos para explicar o condicionamento em termos cognitivos, foram ainda
referidos os conceitos cognitivos de preparação, representação interna e relação
causal.

Seligman (1970) propôs o conceito de preparação para referir que os animais


estão biologicamente preparados a aprender acções relacionadas de perto com
a sobrevivência da sua espécie (por ex., aversão a alimentos) e que estas
reacções preparatórias seriam aprendidos depressa e com pouco treino. Bolles
(1972) acrescenta que os animais ao entrarem no procedimento laboratorial

92
© Universidade Aberta
trazem com eles as expectativas formadas a partir das respostas específicas da
espécie dadas no passado e que estas expectativas guiam as respostas no
laboratório.

Assim um animal recorre ao seu próprio comportamento passado como fonte


de informação sobre o provável relacionamento de uma resposta com um
acontecimento. A psicologia evolucionista chamou de facto a atenção para as
predisposições biológicas próprias de cada espécie animal, ressaltando que os
animais aprendem melhor as associações entre estímulos e respostas que são
semelhantes aos comportamentos dados no meio natural.

Mackintosh (1983) afirmou por sua vez que seria mais adequado pensar o
condicionamento em termos de detecção de relações entre acontecimentos,
por meio dos quais o animal tipicamente descobre o sinal ou a pista que assinala
ou causa os acontecimentos que são importantes na vida selvagem, como
alimento, água, perigo ou segurança. Em vez de se tratar a salivação, a pressão
na barra ou a fuga e evitação como respostas aprendidas, seria preferível
considerá-las antes como um índice importante detectado pelo organismo a
respeito de certas relações no seu meio ambiente. O condicionamento envolveria
a formação de uma representação interna de relações causais (ou pelo menos
de relações previsíveis) entre acontecimentos, em que por exemplo o
acontecimento A prevê ou assinala a chegada do acontecimento B.

A ideia de que os animais descobrem relações causais entre acontecimentos é


repudiada pelo beaviorismo, controversa mas não é implausível. O rato que
associa a náusea ao sabor da bebida, ou o choque sofrido na pata ao som e à
luz, pode estar a estabelecer eventualmente uma relação causal, já que aquilo
que se come pode causar mal-estar e as situações de ameaça e perigo têm
normalmente origem em estímulos externos. Em termos de psicologia
evolucionista e de sobrevivência da espécie, os organismos têm uma vantagem
acrescida se forem capazes de distinguir entre a simples proximidade temporal
entre estímulos por um lado, e a relação temporal de causa e efeito por outro,
que é uma relação mais útil e vital.

2.4 Aprendizagem por observação

O condicionamento clássico e operante são tipos importantes de aprendizagem,


mas não descrevem e explicam adequadamente o aparecimento de
comportamentos novos, isto é, comportamentos ainda não revelados pelos
sujeitos. Muito do que as pessoas aprendem de novo ocorre simplesmente
através da observação de outras pessoas e não através de reforços ou punições
em relação àquilo que fazem. Assim as crianças aprendem a estar à mesa

93
© Universidade Aberta
imitando o comportamento dos pais e os pais aprendem a lidar mais adequa-
damente com as bizarrias dos filhos imitando outros pais ou os actores de um
filme educativo que para eles actuam como modelos. A aprendizagem seria
um processo incerto e arriscado se as pessoas contassem apenas com o efeito
dos seus actos para as guiar no comportamento do dia a dia, como sugere o
condicionamento operante.

A aprendizagem observacional, também chamada aprendizagem social, é um


tipo de aprendizagem distinto do condicionamento, e parte da observação do
comportamento que as outras pessoas manifestam individualmente ou nas
interacções sociais. A aprendizagem seria mais afectada por aquilo que
observámos, percebemos e sabemos do que pelo condicionamento ou reforço
recebido. O que uma pessoa é capaz de fazer depende mais dos conhecimentos
e competências próprias do que de reforços e incentivos.

A aprendizagem observacional é uma teoria para cuja formulação e


desenvolvimento muito contribuíram os estudos de Rotter (1954) e Bandura
(1977, 1986). Desde a década de 1960, Bandura tem sido o principal respon-
sável pela investigação na área da teoria da aprendizagem observacional,
defendendo que uma parte importante da aprendizagem humana ocorre através
da observação, desde a aquisição da linguagem na criança até muitas das
respostas dadas no dia a dia. A aprendizagem observacional funciona a partir
da observação de modelos e entre os seus principais postulados contam-se os
seguintes:

1. Modelo seria a pessoa cujo comportamento é observado, e a


modelagem representaria o processo da aprendizagem observacional.

2. A aprendizagem ocorreria espontaneamente sem qualquer esforço


deliberado do observador ou intenção de ensinar da parte do modelo.

3. Para que a aprendizagem observacional tenha lugar é suficiente a


exposição ao modelo. Uma pessoa olha e aprende, e aprende obser-
vando. A aprendizagem acontece sem o reforço, mas o reforço fornece
o incentivo para a expressão do comportamento aprendido. O
observador não revela, no entanto, a aprendizagem adquirida se
desconhecer as consequências do comportamento a imitar.

Na sequência de Tolman, o reforço, assim como os incentivos e consequências


das respostas, apenas são importantes se facilitarem a passagem do saber ao
fazer, isto é, da aprendizagem para o desempenho, ajudando a seleccionar
uma resposta de entre o repertório de respostas possíveis. O reforço passa a
ser uma variável de desempenho em vez de uma variável de aprendizagem.

Segundo Bandura, a teoria da aprendizagem social explicaria o comportamento


humano em termos da interacção recíproca dos factores cognitivos,

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© Universidade Aberta
comportamentais e ambientais. Para que a aprendizagem por observação ocorra,
seria preciso o funcionamento dos quatro processos seguintes:

Atenção: A simples exposição ao modelo não é suficiente, se não se


prestar atenção aos elementos distintivos, afectivos e funcionais
representados pelo modelo. São ainda elementos a ter em conta da
parte do observador a sua sensibilidade sensorial, o grau de excitação
corporal, a tendência ou enviesamento perceptivo e os reforços
passados.

Retenção: O comportamento observado e desejado deve ser


adequadamente retido e memorizado, tendo em conta as operações de
codificação, repetição verbal e motora e organização cognitiva.

Reprodução motora: O comportamento a imitar deve ser preciso e de


fácil repetição sem limitações de maior ao nível das capacidades físicas.

Motivação: Os novos comportamentos adquiridos voltarão a ser


reproduzidos mais facilmente se estiverem disponíveis os incentivos
apropriados, quer sejam de natureza interna ou externa.

Satisfeitas estas quatro condições, e estando o observador na presença do


modelo que emite o comportamento desejado, a aprendizagem ocorre por
observação, mesmo que de momento não tenha oportunidade de imitar e
executar as respostas.

2.4.1 Observação e Imitação

Na sua forma mais simples, as primeiras experiências de Bandura sobre


aprendizagem observacional, foram realizadas com crianças de 3 a 5 anos
divididas num grupo experimental e num grupo de controlo (Bandura, Ross e
Ross, 1961). As crianças do grupo experimental observaram durante 10 minutos
um adulto a agredir violentamente um boneco de borracha num canto da sala
de brinquedos, pronunciando ao mesmo tempo expressões agressivas tais como
“dou-te um murro no nariz”, “atiro-te ao chão” ou “dou-te um pontapé”. As
crianças do grupo de controlo observaram o adulto a brincar com o boneco de
forma não-violenta.

Cada criança foi depois levada sozinha para o quarto de brinquedos onde
estava o boneco de borracha previamente agredido e os seus comportamentos
foram registados. Os resultados indicaram que as crianças do grupo experi-
mental cometeram um número significativamente maior de actos agressivos
do que as crianças do grupo de controlo. Estas e outras experiências efectuadas

95
© Universidade Aberta
por Bandura e colaboradores na década de 1960 provaram que as crianças
imitam espontaneamente o comportamento de um modelo, na ausência de
qualquer reforço manifesto.

Estudos posteriores procuraram analisar quais os factores que determinavam


o comportamento imitativo das crianças, tendo-se verificado que o factor mais
importante era a observação do modelo a ser reforçado ou punido pelo
comportamento expresso. Além deste factor, foram ainda identificados a
similaridade existente entre o modelo e o observador, o valor funcional do
comportamento a imitar e o grau de simpatia que o modelo inspirava. No
conjunto estes factores sugerem que uma pessoa tende a imitar os modelos
que considera bem sucedidos, por quem tem respeito e admiração e que
aparentam ser semelhantes a nós e por outro recusa imitar aqueles modelos
inconsistentes que dizem uma coisa e fazem outra.

Os estudos sistemáticos de aprendizagem por observação são difíceis de realizar,


quer por razões de ordem ética, quer devido às múltiplas influências a que o
comportamento humano está sujeito. Embora os estudos laboratoriais
apresentem provas claras sobre o efeito da observação do modelo no
comportamento humano, é possível ainda referir casos do dia a dia de inegável
dramatismo, nomeadamente ao nível da influência da televisão e dos meios de
comunicação social.

A representação que a televisão faz do comportamento humano fornece às


pessoas um conjunto de modelos que afectam em maior ou menor grau os
espectadores, nomeadamente os mais jovens que têm mais dificuldades em
distinguir a violência real da violência simbólica. A nível laboratorial, os estudos
realizados indicam claramente que a visão de filmes ou vídeos têm um forte
impacto no comportamento das crianças.

Bandura (1973) descreveu uma experiência em que grupos de crianças


observaram o mesmo tipo de comportamentos agressivos de um adulto em
relação a um boneco, em condições experimentais em que as cenas de agressão
eram vistas numa situação com o modelo ao vivo e noutras situações eram vistas
sob a forma de filme ou de desenhos animados. Houve ainda dois grupos de
controlo, um que via o modelo a agir de forma não agressiva e o outro grupo
não observava modelo algum. Os resultados indicaram que os grupos experi-
mentais que observaram as cenas agressivas produziram mais comportamentos
agressivos (cerca de 30 a 40% em média) do que os dois grupos de controlo.

Os resultados revelaram também que o número de respostas agressivas imitadas


foi maior no grupo que observou o modelo ao vivo em comparação com o
modelo filmado ou representado sob a forma de desenho animado. Um
resultado curioso observado neste estudo foi o valor de respostas agressivas
na ordem dos 50% dado pelo grupo de controlo que não tinha presenciado

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© Universidade Aberta
qualquer violência. Embora este resultado fique bastante aquém do valor médio
de cerca de 90% dos grupos que observaram as cenas violentas, não deixa no
entanto de ser um valor considerável e sugere a hipótese de que a violência
não resulta apenas de imitação, mas deve ter em conta também a personalidade
de cada criança.
Se os meios de comunicação social influenciam as crianças, não deixam de
influenciar também os adultos, quer em termos positivos quer negativos. Por
exemplo, o assalto e desvio de aviões era praticamente desconhecido nos EUA
até ao início da década de 1960. Quando a imprensa e televisão começaram a
noticiar os primeiros casos de desvio bem sucedidos, verificou-se uma onda
de assaltos e desvios de aviões que atingiu no final da década de 1960 uma
média de sete aviões por mês! Este número diminuiu drasticamente logo que
as autoridades passaram a usar medidas de segurança reforçadas nos aeroportos.
Uma onda de imitação semelhante aconteceu com raptos e sequestros de
pessoas. Depois do rapto bem sucedido de Patricia Hearst em 1974 nos EUA
verificou-se no espaço de um mês um aumento súbito de raptos de pessoas em
diversos países e continentes. Esta onda voltou a observar-se após o rapto e
assassinato do ex-primeiro ministro italiano Aldo Moro em 1978. Os vários
casos recentes de mortícínios em série em escolas americanas podem ser
também o resultado do comportamento imitativo.
Indivíduos que praticaram crimes violentos reconheceram mais tarde que a
ideia do crime resultou da informação obtida nos meios de comunicação social
sobre crimes anteriormente praticados por outros. Wharton e Mandell (1985)
descreveram o caso de duas crianças que deram entrada no hospital depois de
terem sido vítimas de sufocação por parte das mães. As mães usaram uma
almofada para fazer calar os gritos incessantes das crianças, imitando de certo
modo a cena de um filme que tinham visto na televisão nos últimos dois dias.
Há porém efeitos positivos na aprendizagem observacional e imitação. A
aprendizagem observacional permite não só reduzir medos e outras reacções
emocionais fortes, mas também transmite e ensina comportamentos positivos,
ou comportamentos pro-sociais. Basicamente é este um dos papeis mais
importantes dos pais, dos educadores e da sociedade em geral em relação à
educação dos mais novos.
A observação de figuras célebres nacionais e internacionais funciona como
um modelo bastante poderoso quer em termos de compra de produtos de
consumo, quer em termos de imitação de actos e comportamentos. Os anúncios
comerciais veiculam a informação implícita de que comprando determinado
produto torna a pessoa tão popular, admirada e atractiva como a do modelo do
anúncio. Na área da informação, as notícias e os programas transmitidos sobre
personalidades de valor moral elevado como Gandi, Luther King e Nelson
Mandela, ou sobre associações religiosas e civis como a Amnistia Internacional,

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© Universidade Aberta
contribuíram bastante para fazer da não-violência uma força poderosa de
mudança social.

A observação influencia as emoções que uma pessoa experiencia. Há pessoas,


que apesar de nunca terem visto cobras directamente na vida, têm pavor às
cobras depois de observarem o medo expresso por outras pessoas em relação
a cobras. Há pessoas ainda que se recusam a andar de avião, apesar de nunca
terem tido qualquer experiência de aviação, simplesmente por terem observado
ou lido experiências negativas ocorridas com outros. É um medo por substi-
tuição ou delegação de outrem, ou em termos técnicos, um condicionamento
vicariante. Uma pessoa torna-se condicionada de modo vicariante observando
simplesmente uma sequência repetida entre um estímulo e uma resposta
emocional expressa por outra pessoa, mesmo sem receber qualquer estimulação
directa de natureza positiva ou aversiva.

A aprendizagem por observação foi usada no tratamento de desordens


psicológicas, tendo sido bem sucedida em casos de redução de ansiedade e
medo. Crianças com medo de cães passaram a sentir-se melhor em comparação
com um grupo de controlo depois de verem uma criança da mesma idade a
brincar alegremente com um cão ao longo de oito curtas sessões (Bandura,
Grusec e Menlove, 1967). Noutro estudo, crianças e adolescentes sentiram
menos ansiedade face a uma operação cirúrgica após terem visto um filme em
que uma criança representava um papel sereno e confiante ao longo de todo o
processo cirúrgico.

Em síntese, a teoria da aprendizagem por observação ou aprendizagem social


é uma importante teoria alternativa ao condicionamento para explicar o
funcionamento da aprendizagem. No seu início na década de 1950 e 1960
esta teoria pretendeu chamar a atenção para variáveis de natureza mais cognitiva
no âmbito do sistema beaviorista prevalecente na época, mas com o tempo
tornou-se uma teoria cada vez mais cognitiva ao incluir na sua estrutura o
papel dos processos cognitivos de atenção, percepção, memória, pensamento,
além da acção e motivação (Bandura, 1986).

2.5 Aprendizagem verbal

Uma parte importante da aprendizagem do ser humano consiste na aquisição


de itens verbais sob a forma escrita ou falada, estando esta aquisição relacionada
com a grande maioria das tarefas realizadas no dia a dia, já que a escrita e a
fala são componentes importante destas tarefas. A aprendizagem verbal tem
um passado que remonta aos primórdios da psicologia científica, nomea-
damente aos trabalhos pioneiros realizados por Ebbinghaus (1885) e
publicados no livro Sobre Memória. Neste livro Ebbinghaus procurou estudar

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© Universidade Aberta
o modo como se formavam as associações entre estímulos verbais e o tempo
durante o qual permaneciam na memória das pessoas. Na continuação dos
estudos de Ebbinghaus, outros investigadores procuraram desenvolver o
paradigma de aprendizagem verbal usando como materiais de estudo estímulos
verbais que eram objecto de uma resposta verbal. A aprendizagem verbal refere-
se à capacidade humana para adquirir e recordar itens verbais.

O âmbito da aprendizagem verbal engloba a aquisição de itens verbais seguidos


de uma prova de memória, previamente conhecida ou não. Os itens verbais podem
variar conforme o tipo (por ex., sílabas com ou sem-significado, palavras, frases,
texto, figuras); o significado (por ex., fácil ou difícil; concreto ou abstracto); o
ritmo e frequência de apresentação (por ex., cada 1, 2, ou 5 segundos; uma
vez ou várias vezes); a modalidade (visual ou auditiva). A prova de memória
pode ser por evocação, reconhecimento, reaprendizagem ou reconstrução. O
intervalo de retenção, que se situa entre o final da apresen-tação do material
verbal e o início da prova de memória, pode ser nulo (imediato) ou diferido no
tempo por vários segundos, minutos, horas, dias ou períodos mais longos.

2.5.1 Materiais e parâmetros de avaliação

Os materiais usados em estudos sobre aprendizagem verbal são de dois tipos:


(1) Materiais não-significativos constituídos por sílabas sem significado,
formadas por uma consoante, uma vogal e uma consoante como DEN, COF
e XUG e por trigramas de consoantes, formados por siglas de três consoantes
como DTN, LXB e CZF; (2) Materiais significativos formados por palavras de
uma ou mais sílabas como Par, Trenó, Frenético e Dissolubilidade; por frases,
provérbios e texto; e ainda por materiais pictóricos, como desenhos e gravuras.

Os parâmetros mais usados na avaliação dos itens verbais significativos são:

• O significado, uma medida obtida em termos do número médio de


associações de uma palavra que uma pessoa é capaz de produzir durante
30 segundos.

• A frequência, uma medida objectiva, obtida a partir do número de


vezes num milhão que uma palavra aparece em várias publicações.

• O índice de concreteza-abstracção, definido a partir da maior ou menor


referência directa à experiência sensorial. Assim Mesa e Banco seriam
itens verbais mais concretos e Facto e Virtude mais abstractos.

• O índice de formação-de-imagens representaria a maior ou menor


facilidade das palavras sugerirem imagens mentais, nuns casos mais

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© Universidade Aberta
facilmente como Laranja e Casa e noutros mais dificilmente como
Zelo e Razão.

• A idade-de-aquisição de palavras, um índice estabelecido a partir da


estimativa feita sobre a idade em que uma palavra terá sido pela primeira
vez adquirida. Supõe-se que palavras como Casa e Bola tenham sido
adquiridos nos primeiros três anos de vida e que outras palavras como
Cone e Benzeno tenham sido adquiridas vários anos mais tarde.

Uma das conclusões mais sólidas dos estudos de aprendizagem verbal


estabelece que listas formadas por itens verbais bastante significativos são
mais fáceis de aprender e de evocar do que listas compostas por itens menos
significativos. Este resultado obtem-se quer o grau de significado seja
determinado pelo número de associações de uma palavra, pelo valor de
frequência da palavra num texto ou na linguagem falada, ou pela maior ou
menor facilidade de produzir imagens rapidamente. Será equivalente ou
diferenciada a contribuição destes três factores para uma aprendizagem verbal
bem sucedida? Para certos investigadores, nomeadamente Paivio (1971), o
valor de formação-de-imagens seria o factor principal.

2.5.2 Tarefas de aprendizagem verbal

No estudo da aprendizagem verbal, há certas tarefas que foram objecto de um


grande número de estudos experimentais e que se supõe estar relacionadas
com a aprendizagem de todos os dias. Estas tarefas são a aprendizagem seriada,
a aprendizagem de pares associados e a aprendizagem por evocação livre.

Na aprendizagem seriada apresenta-se uma sequência de itens verbais, um de


cada vez, e a tarefa dos sujeitos é evocar correctamente os itens de acordo
com a ordem apresentada. As situações quotidianas e escolares representativas
das tarefas de aprendizagem serial são a aprendizagem de um número de
telefone ou de um código, o alfabeto e os números, meses do ano, dias da
semana e estações, nome completo de uma pessoa, entre outros.

Ebbinghaus (1885) foi o investigador que primeiro estudou a aprendizagem


seriada de forma sistemática, tendo observado que a aprendizagem de uma
série até sete itens exigia em média uma única apresentação para ser evocada
correctamente e por ordem, mas se a série tivesse uma extensão superior a sete
itens exigia normalmente duas ou mais apresentações. Esta descontinuidade
em torno dos sete itens foi objecto de um grande número de estudos ao longo
do séc. XX (e.g., Miller, 1956), tendo-se verificado que a maior parte dos
adultos só conseguem evocar uma série correctamente, após um único ensaio
de apresentação, se o número de itens estiver compreendido entre 4 e 7.

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© Universidade Aberta
Na aprendizagem de pares associados apresenta-se uma sequência de pares
de itens que o sujeito deverá relacionar e associar entre si. O primeiro membro
do par é designado por estímulo e o segundo membro é designado por resposta.
Numa segunda apresentação dos itens, são apresentados apenas os itens-
estímulos e a tarefa do sujeito consiste em evocar a resposta emparelhada. As
situações quotidianas representativas deste tipo de tarefas são a aprendizagem
de vocabulário de uma língua estrangeira, a associação entre países e capitais,
nomes e símbolos; a associação entre caras e nomes de pessoas, nomes e
telefones, entre outros.

No âmbito desta tarefa foram investigados factores que fortaleciam a associação


entre pares de palavras (por ex., água-vinho) como a repetição e o número de
ensaios, além de factores que favoreciam a desaprendizagem dos pares a fim
de permitir o estabelecimento de novas associações (por ex., água-azeite).
Nesta área foram ainda estudados os importantes fenómenos de interferência
verbal e o âmbito e limitações da transferência em aprendizagem.

Na aprendizagem por evocação livre apresenta-se uma lista de itens verbais,


um de cada vez, e no final da apresentação solicita-se aos sujeitos para
recordarem os itens numa ordem qualquer. Situações representativas deste
tipo de tarefas podem ser a nomeação de exemplares das mais diversas
categorias desde frutos, animais, países ou cidades, a elaboração de listas de
compras ou tarefas a realizar.

Numa tarefa de aprendizagem por evocação livre, a pessoa é livre de evocar


(recordar) os itens na ordem que melhor lhe convier, tornando-se possível
analisar os agrupamentos evocativos de itens formados pelo sujeito ao longo
de vários ensaios. Esta tarefa de aprendizagem por evocação livre permite
analisar de forma quantitativa as actividades organizacionais da pessoa, expressa
em termos de número de agrupamentos e do número de itens em cada
agrupamento evocativo (e.g., Bousfield, 1953; Tulving, 1962).

Considere-se a experiência seguinte: Apresenta-se uma lista de 20 palavras,


provenientes de diferentes categorias como animais, flores, metais, profissões
e edifícios, em que os exemplares de cada categoria são distribuídos ao acaso
ao longo da lista. No final da apresentação da lista solicita-se uma evocação
livre do maior número de palavras da lista. A análise dos resultados revela que
a evocação das palavras não é feita tendo em conta a ordem em que foram
apresentadas, mas antes de acordo com agrupamentos baseados nas categorias
seleccionadas. Neste caso o participante na experiência usa de forma activa
processos organizacionais mais ou menos complexos de forma a simplificar o
mais possível a tarefa de evocação ou recordação.

As tarefas de aprendizagem seriada e de pares associados foram objecto de


estudos sistemáticos durante a primeira metade do séc. XX, período em que a

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© Universidade Aberta
explicação associacionista foi predominante na aprendizagem verbal. Em
contraste, a tarefa de aprendizagem por evocação livre é mais representativa
dos estudos realizados na segunda metade do século XX no âmbito da psicologia
cognitiva, que fez ressaltar o papel activo da pessoa no acto de aprendizagem
e recordação e de que os agrupamentos são um indicativo do modo como a
mente humana organiza e estrutura os elementos do mundo que nos rodeia.
Apesar de cada tarefa de aprendizagem se prestar melhor a um tipo de
explicação do que outro, tal não significa que tanto os processos associativos
como os processos organizacionais não sejam importantes e necessários para
explicar conjuntamente o desempenho nas tarefas de aprendizagem deste tipo.

2.5.3 Tipos de aprendizagem verbal

Perante uma sequência de itens verbais, as pessoas adoptam procedimentos


diferentes de aprendizagem ou são orientadas na direcção de um tipo de
procedimento em detrimento de outro. A opção que é feita tem consequências
diferentes em termos de desempenho nas tarefas a realizar. No âmbito da
aprendizagem verbal foram estudadas as vantagens e inconvenientes de alguns
procedimentos, nomeadamente a aprendizagem intencional versus
aprendizagem acidental, a aprendizagem global versus parcial e a aprendizagem
compacta versus distribuída.

Na aprendizagem intencional a aquisição de itens verbais é feita em função de


uma prova de memória inicialmente prevista, enquanto que na aprendizagem
acidental a aquisição é realizada na ausência de informações explícitas sobre
a presença de uma prova de memória posterior. Ao contrário do que
habitualmente se supõe, o desempenho na aprendizagem acidental é em
determinadas condições tão bom ou até superior em relação ao obtido na
aprendizagem intencional.

Considere-se a experiência seguinte: Apresenta-se a um Grupo A uma lista de


45 adjectivos com instruções para evocar o maior número no final; A mesma
lista é apresentada a um Grupo B com instruções para aplicar cada adjectivo à
pessoa de cada um para efeitos de caracterização da personalidade, sendo este
Grupo inesperadamente solicitado no final a evocar também o maior número
de adjectivos. O desempenho de evocação do Grupo B é frequentemente igual
ou superior ao do Grupo A (e.g., Symons e Johnson, 1997; Pinto, 1998b).

A aprendizagem acidental é responsável por muitas das informações adquiridas


no dia a dia, apesar desta aquisição não ser efectuada em termos de uma eventual
recordação futura. Uma pessoa consegue recordar e descrever razoavelmente
bem como passou o fim de semana, onde esteve, as pessoas com quem falou,

102
© Universidade Aberta
onde estacionou o carro ou onde terá deixado o guarda-chuva. Uma parte
importante da informação quotidiana permanece na memória para além do
momento em que foi adquirida e representa uma papel importante de adaptação
ao meio. Por sua vez, a aprendizagem intencional, cujo desempenho se julga
superior, aplica-se normalmente a situações escolares, onde o grau de recordação
envolvido exige maior rigor e precisão, o qual para ser atingido requer um
tempo acrescido de estudo e prática.

Quando um estudante está perante materiais verbais extensos e complexos,


como um longo poema ou texto, os conteúdos de um livro ou um programa
escolar, a abordagem mais indicada será efectuar uma aprendizagem global de
toda a informação, repetindo-a uma, duas ou mais vezes até a aprendizagem
estar completa, ou será antes preferível dividir o todo em partes e começar a
aprender cada uma das partes de modo individual e sequencial? Em síntese, a
aprendizagem de itens verbais deverá ser efectuada globalmente ou por partes?

Os resultados experimentais não indicaram uma posição consensual. Há


situações em que a aprendizagem global é mais eficiente, porque a leitura e o
conhecimento do todo dá sentido às partes e por outro facilita a obtenção de
um plano de aprendizagem mais adequado. A aprendizagem parcial, no entanto,
requer menos tempo para se conseguir adquirir uma parte dos materiais verbais
e uma vez conseguida uma parte, este resultado pode servir de reforço para se
estudar e aprender o material restante. Em geral, as vantagens da aprendizagem
parcial são maiores, quanto maior for a quantidade de material a memorizar e
quanto mais diferenciadas forem as partes entre si.

A aprendizagem de materiais verbais extensos e complexos deverá ser


distribuída por várias sessões ou compactada numa única sessão? Desde os
primórdios da psicologia científica, os investigadores são unânimes em afirmar
que a aprendizagem distribuída é mais eficaz do que a aprendizagem maciça
ou compacta. Ebbinghaus (1885) verificou que estudar uma lista de sílabas-
sem-significado uma vez por dia durante seis dias consecutivos resultava num
desempenho superior de aprendizagem do que estudar a mesma lista seis vezes
no mesmo dia. Embora o tempo total de aprendizagem nas duas condições
fosse igual, verificou-se que a condição de prática distribuída originava um
desempenho superior em relação à condição de prática compacta ou maciça.

A superioridade da aprendizagem distribuída tem sido verificada com diversos


tipos de materiais desde sílabas-sem-significado, competências motoras como
dactilografia (e.g., Baddeley e Longman, 1978), até materiais complexos como
aulas de estatística (e.g., Smith e Rothkopf, 1984). Smith e Rothkopf (1984)
efectuaram um estudo em que apresentaram vídeos de estatística a estudantes
de acordo com duas condições: Numa condição os vídeos de estatística foram
concentrados num dia; noutra condição foram distribuídos por quatro dias. Os
resultados obtidos indicaram que o número médio de conceitos de estatística

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© Universidade Aberta
correctamente evocados foi superior na condição de espaçamento (4 dias) em
relação à condição compacta (1 dia).

Em termos de aquisição, a aprendizagem distribuída é mais eficaz porque


evita a fadiga e o aborrecimento, reduz o desenvolvimento da interferência
proactiva e facilita a concentração que em geral não pode ser mantida por
muito tempo numa situação de aprendizagem compacta. Em termos de
recordação, a aprendizagem distribuída é efectuada numa maior diversidade
de contextos orgânicos, emocionais, psicológicos, ambientais e temporais do
que a aprendizagem compacta, que é normalmente realizada no mesmo
contexto. Esta diversidade contextual permite que os itens verbais fiquem
associados a uma rede associativa mais extensa e diversificada, servindo de
pistas ou índices facilitadores na altura da recordação.

2.5.4 Aprendizagem e cognição

Os estudos de aprendizagem verbal realizados desde Ebbinghaus (1885) até


aos anos da década de 1950 enquadravam-se predominantemente no sistema
associacionista, onde as tarefas de investigação mais usadas foram a
aprendizagem seriada ou a aprendizagem de pares de itens. Neste tipo de
estudos, as variáveis que mais interessavam aos investigadores eram a extensão
das listas, a frequência, o grau de repetição, o intervalo de retenção e o modo
como estes factores afectavam o desempenho de aprendizagem. Em geral eram
factores externos ao sujeito e relacionados com a natureza, ritmo e tipo de
apresentação do material.

A aprendizagem verbal sofreu um forte impulso a partir da segunda metade


do séc. XX com o surgimento da psicologia cognitiva, ao conceber o ser
humano como um processador e um intérprete activo do seu meio ambiente.
Esta perspectiva levou os investigadores a interessarem-se por novas variáveis
no âmbito da aprendizagem verbal, nomeadamente a estrutura cognitiva do
aprendiz humano, o conhecimento prévio da pessoa e o contexto em que a
informação é apresentada e recordada. Neste período, a aprendizagem verbal
foi objecto de um desenvolvimento tal que os investigadores passaram a agrupar-
se progressivamente em áreas cada vez mais diferenciadas como a psicologia
da aprendizagem, a psicologia da memória e a psicologia da linguagem.

Numa perspectiva cognitiva em que a informação é processada ao longo das


fases de aquisição, retenção e recuperação, pode-se afirmar que a aprendizagem
e a memória estão intimamente relacionadas. A aprendizagem seria mais respon-
sável pelos processos de aquisição e organização de conhecimento, enquanto
que a memória seria mais responsável pelos processos de retenção e recuperação

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© Universidade Aberta
(ou recordação). No entanto, o conhecimento actualmente retido na memória
influencia a aquisição e aprendizagem de novas informações, quer pelo modo
como as identifica, interpreta e selecciona de entre as várias alternativas quer
pelo modo como as organiza para retenção e recuperação futura. É portanto
natural que o próximo capítulo seja dedicado à análise da memória humana.

2.6 Conceitos de aprendizagem

Aprendizagem, desempenho, comportamento, habituação, condicionamento,


estímulo incondicionado, estímulo condicionado, reflexo incondicionado,
resposta condicionada, estímulo neutro, aquisição, extinção, recuperação
espontânea, generalização, discriminação, neurose experimental, contiguidade
temporal, resposta emocional, dessensibilização sistemática; condicionamento
operante, ensaios e erros, conexionismo, lei do exercício, lei do efeito, reforço
positivo, reforço negativo, reforço contínuo, reforço intermitente, programas
de reforço, comportamento supersticioso, punição directa, punição indirecta,
reforço e criatividade, moldagem, condicionamento de fuga, condicionamento
de evitação, desamparo aprendido, limitações biológicas, condicionamento
aversivo, efeito Garcia, biofeedback, condicionamento e cognição,
aprendizagem latente, efeito bloqueador; aprendizagem observacional,
modelo, modelagem, condicionamento vicariante; aprendizagem verbal,
sílabas sem significado, trigramas de consoantes, intervalo de retenção,
significado, frequência, concreteza-abstracção, formação-de-imagens, idade-
de-aquisição, aprendizagem seriada, aprendizagem de pares associados,
aprendizagem por evocação livre, agrupamentos evocativos, aprendizagem
intencional, aprendizagem acidental, aprendizagem global, aprendizagem
parcial, aprendizagem distribuída, aprendizagem compacta.

2.7 Perguntas de auto-avaliação

1. O que é a aprendizagem? Comente os principais aspectos referidos


na definição.

2. Descreva o procedimento de Pavlov de obtenção de uma resposta


condicionada de salivação no cão, referindo expressamente os
elementos essenciais do procedimento experimental.

3. Descreva os processos de generalização e discriminação no âmbito


do condicionamento de Pavlov.

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4. Como é que a psicologia cognitiva explica a aquisição da resposta
condicionada?

5. Descreva as leis do exercício e do efeito de Thorndike e indique a


principal diferença entre o condicionamento de Pavlov e o de
Thorndike?

6. Refira as principais semelhanças e diferenças entre o


condicionamento clássico e o condicionamento operante e comente
alguns aspectos focados tendo em consideração o efeito Garcia.

7. Descreva o processo de moldagem usado no condicionamento


operante e comente a sua importância e limitações.

8. Comente a eficácia do reforço e da punição em termos de controlo


do comportamento.

9. Descreva e comente os mecanismos de funcionamento da


aprendizagem observacional segundo Bandura?

10 Descreva resumidamente, dando exemplos, as tarefas de


aprendizagem serial, pares associados e de evocação livre.

11. Explique porque é que a tarefa de aprendizagem por evocação


livre se adequa bastante bem à perspectiva cognitiva de estudo da
aprendizagem verbal?

2.8 Sugestões de leitura

Informação geral sobre aprendizagem pode ser lida em Schwartz e Reisberg


(1991); Sobre condicionamento clássico, em Pavlov (1976) e Graham Davey
(1987); Sobre condicionamento operante, em Mackintosh (1983); Sobre
aprendizagem observacional, em Bandura (1986); Sobre a aprendizagem
verbal, em Gordon (1989).

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3. Memória

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A memória é um dos processos mentais mais importantes que o ser humano
tem para se adaptar ao meio, porque está directa ou indirectamente envolvida
em qualquer aspecto do comportamento humano. Sem memória não seria
possível ver, ouvir e pensar no sentido mais global do termo. Talvez fosse
possível ver e ouvir sem memória, mas os conteúdos da visão ou audição
careciam de significado, do mesmo modo que carece de significado a visão
dos caracteres chineses ou a audição da fala chinesa por alguém completamente
desconhecedor desta língua.

Sem memória o comportamento inteligente não seria possível. Não seria possível
recordar ou usar o conhecimento do passado para dar sentido às acções do
presente. E sem este conhecimento do passado o mundo seria um lugar
assustador e perigoso. Sem memória não seria possível haver comunicação
nem linguagem para exprimir os nossos interesses, necessidades e estados
emocionais, provocando uma solidão total. Mesmo que um amnésico com
uma desordem profunda de memória seja capaz de usar a linguagem, a fala
tem uma densidade informativa quase nula.

Mais importante ainda, sem memória a pessoa não teria qualquer identidade e
personalidade própria. Como apropriadamente referiu Alves dos Santos (1923)
a personalidade humana “nem sequer se poderá conceber independentemente
da memória, porque seria a memória que tornaria possível e inteligível a unidade
e a identidade do eu”.

Âmbito e perspectivas

A memória é um sistema suficientemente amplo para reter e armazenar


estímulos, acontecimentos, experiências e conhecimentos de uma vida inteira.
Uma parte significativa desta informação é mais tarde recordada e usada nas
actividades do dia a dia. A memória representa a permanência e o uso que
fazemos das experiências passadas e dos projectos futuros. O conhecimento
de nós próprios e do mundo que nos rodeia é adquirido através da aprendizagem
e retido na memória para mais tarde ser recordado.

A aprendizagem e a memória tem sido estudadas e apresentadas separadamente


nos manuais escolares devido aos diversos tipos que a aprendizagem e a
memória implicam. Mas a aprendizagem e memória são interdependentes.
Esta interdependência ocorre porque a estrutura e significado do “material-a-
ser-aprendido” está em grande parte dependente do conhecimento actualmente
retido na memória, isto é, daquilo que a pessoa já sabe e é capaz de recordar.
O actual conhecimento de uma pessoa não só influencia a aprendizagem de
novos conhecimentos e informações, mas também o modo como o material
será organizado para retenção e recuperação futura.

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A memória não é um sistema único e unitário, mas é formada provavelmente
por vários sistemas ou sub-sistemas, cada um com funções próprias e
diferenciadas. Alguns destes sistemas poderão ser susceptíveis de se
deteriorarem mais do que outros, como acontece quando alguém afirma “a
minha memória já não é o que era”, mas é improvável que todos fiquem
inutilizados ao mesmo tempo, como sugere a expressão “eu perdi a memória”.
Se todos os sistemas e mecanismos de memória estivessem realmente
danificados e destruídos, a pessoa ficaria em estado de coma e nem sequer era
capaz de pronunciar a expressão “eu perdi a memória”. Porém uma deficiência
num ou noutro sistema ou mecanismo de memória pode ocasionar muitas
vezes dificuldades graves e permanentes de memória.

A memória é um sistema que armazena grandes quantidades de informação


para ser usada no futuro, tendo sido comparada a uma grande biblioteca ou
computador. Estas analogias permitiram conceber a memória como um sistema
complexo de funcionamento, onde operam os mecanismos, ou processos
mentais, de aquisição, retenção, processamento e recuperação.

Na analogia entre a memória e biblioteca, podem-se detectar as seguintes


similaridades de processos: Os livros dão entrada na biblioteca, são catalogados
e uma ficha é elaborada (aquisição e codificação da informação na memória),
depois são colocados na prateleira de uma estante (processo de armazenamento,
retenção e consolidação na memória) e posteriormente são requisitados e usados
pelo leitor (processo de recuperação e recordação na memória).

A analogia com o computador é mais extensa. No computador a informação


dá entrada no sistema através do teclado, disquetes e modem, e é codificada
de acordo com uma linguagem própria (aquisição e codificação). A informação
codificada pode ficar armazenada no sistema durante períodos de tempo breves
ou longos (retenção) e depois ser recuperada de forma integral (recordação).
A informação armazenada pode ainda ser objecto de diversos tipos de
processamento e os produtos deste processamento serem também armazenados.
Apesar das similaridades entre a memória humana e o computador, há
diferenças notáveis. No computador o acesso à informação é integral, enquanto
que na memória o acesso é muitas vezes parcial e imperfeito. Na memória a
aquisição de novas informações depende bastante das informações ante-
riormente armazenadas, mas no computador esta dependência é praticamente
nula.

A investigação sobre memória humana segue frequentemente uma perspectiva


estrutural ou uma perspectiva processual. Na perspectiva estrutural, a memória
é constituída por vários sistemas responsáveis pelo armazenamento e retenção
da informação, como a memória a curto prazo (MCP) e a memória a longo
prazo (MLP). Segundo a perspectiva processual, a informação dá entrada na
memória (aquisição), é objecto de diversos tipos de análise (processamento),

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os resultados são armazenados durante certo tempo (retenção) e por fim a
informação é usada e recordada (recuperação). Estas duas perspectivas vão
guiar a apresentação e análise dos principais resultados obtidos no âmbito dos
estudos de memória humana de que uma parte serão apresentados a seguir.

3.1 Referências históricas de memória

O estudo científico da memória humana foi iniciado pelo alemão Ebbinghaus


(1885/1964) que em 1885 publicou uma monografia de grande influência
intitulada Sobre Memória. Ebbinghaus aplicou o método experimental usado
nas ciências naturais ao estudo da memória, tendo obtido um grau de controlo
e de rigor muito elevado nas experiências realizadas a ponto de alguns dos
seus estudos serem ainda hoje citados nos manuais de memória.

Na preparação dos estudos de memória, Ebbinghaus teve de superar duas


grandes dificuldades respeitantes quer ao tipo de material a usar nas
experiências, quer ao modo de medir a retenção do material aprendido. Materiais
formados por palavras, frases e textos parecem ser à partida bastante adequados,
tendo em conta a sua variedade e disponibilidade. No entanto as palavras,
sendo as unidades aparentemente mais simples, apresentam um número de
significados e associações que é diferente de pessoa para pessoa, tendo em
conta a sua formação e experiência passada. Assim, se numa experiência se
quiser estabelecer situações homogéneas e equivalentes entre pessoas, a unidade
verbal não deveria ser significativa. Pensando assim, Ebbinghaus decidiu
remover o significado verbal inventando a sílaba-sem-significado, composta
por uma consoante, uma vogal e uma consoante, como por exemplo LOP,
XIB e NEJ. Seguindo esta regra, Ebbinghaus construiu cerca de 2300 sílabas,
seleccionando para cada experiência um número de sílabas ao acaso.

O segundo problema dizia respeito ao método de medição da memória. Se


Ebbinghaus aplicasse o método introspectivo vigente na época ao estudo da
memória, verificava que os estados de consciência relacionados com a memória
se sucediam e modificavam com tanta frequência, que se tornava improvável
estabelecer uma medição quantitativa do que tinha sido aprendido. A solução
encontrada foi estudar a memória, não directamente a partir dos estados de
consciência, mas indirectamente a partir dos resultados em provas de
reaprendizagem, dando origem à prova de memória, conhecida por método
de reaprendizagem.

A medição da memória através do método de reaprendizagem é obtida através


da seguinte sequência de procedimentos. Ebbinghaus seleccionava uma lista
de 16 sílabas, cada uma impressa num cartão diferente. Em seguida lia cada

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sílaba ao ritmo de um cartão cada 2 segundos medido pelo bater de um
metrónomo. No final da apresentação tentava recordar as sílabas na ordem em
que tinham sido apresentadas (aprendizagem seriada). Ebbinghaus efectuou
tantas apresentações e leituras da lista de sílabas quantas as necessárias para
uma reprodução perfeita, fixando no final o número total de ensaios feitos.
Algum tempo depois, que podia ser uma hora ou um dia, tentou reaprender a
mesma lista de sílabas segundo o mesmo procedimento e verificou o número
de ensaios necessários da segunda vez para obter uma reaprendizagem perfeita.

Normalmente o número de ensaios necessários na segunda vez é menor do


que na primeira, indicando uma poupança no tempo de aprendizagem e
revelando um certo grau de retenção que se mantém de uma sessão para outra.
O cálculo numérico da percentagem do grau de retenção foi obtido pela fórmula
Retenção = [(O-R) /O] x 100, em que “O” representa o número de ensaios
na primeira sessão e “R” o número de ensaios na segunda sessão. Se na
primeira sessão Ebbinghaus precisou de 10 ensaios para aprender a lista de 16
sílabas sem erros e na segunda sessão realizada 24 horas depois precisou
apenas de 6 ensaios para obter o mesmo desempenho perfeito, verifica-se de
acordo com a fórmula precedente uma poupança de 40% no grau de retenção,
{[(10-6) /10] x 100} = 40.

O método de reaprendizagem de Ebbinghaus, apesar de medir a memória de


forma precisa e quantitativa, foi considerado um método moroso e pouco prático
pelas gerações seguintes de estudiosos de memória, sendo substituído por outros
métodos de medição quantitativa como a evocação e o reconhecimento, que
são de aplicação mais fácil em situações escolares ou outras no dia a dia. No
entanto o método de reaprendizagem de Ebbinghaus foi reabilitado com o
desenvolvimento dos estudos de memória implícita a partir da década de 80,
sendo considerado o método mais sensível para se avaliar a recordação de
materiais há muito tempo aprendidos e de que actualmente já não se tem
consciência, como acontece com a maior parte dos materiais escolares
aprendidos há 10 ou 30 anos atrás.

Dos estudos experimentais realizados por Ebbinghaus, há dois que merecem


ser ressaltados. Um refere-se ao papel da repetição na formação e fortalecimento
das associações e o outro tem a ver com o grau de esquecimento em função do
tempo.

Para os pensadores associacionistas do séc. XIX a memória era considerada


uma rede complexa de associações entre ideias mais simples. A fim de testar
esta hipótese, Ebbinghaus aprendeu uma lista de 16 de sílabas, repetindo-a
um número variável de vezes que podia ir de 8 a 64 vezes conforme as
condições. Um dia após a aprendizagem inicial, Ebbinghaus voltou a
reaprender a lista prévia e mediu o tempo de reaprendizagem em segundos.
Os resultados da função que relaciona número de repetições no primeiro dia,

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representados na abcissa, com o tempo de reaprendizagem no segundo dia,
representados na ordenada, revelou uma função linear negativa, isto é, quanto
maior fosse o número de repetições, menos tempo era preciso para se obter
uma reaprendizagem perfeita. Ebbinghaus descobriu que repetindo uma lista
mais vezes do que seria necessário para uma perfeita reprodução obtinha uma
poupança na reaprendizagem da mesma lista, efectuada 24 horas depois,
proporcional ao tempo de repetição inicialmente dispendido. Assim com 8, 32
e 64 repetições o tempo de reaprendizagem diminuia de 19 minutos para 15 e
deste para 8 minutos respectivamente.

Entre os estudiosos da memória humana, Ebbinghaus é especialmente


recordado pelas investigações efectuadas sobre os efeitos do intervalo de tempo
no grau de retenção e que ficaram incorporados na sua famosa curva de
esquecimento. Esta função descreve um declínio progressivo no grau de
retenção de acordo com intervalos de tempo que variavam desde os 19 minutos
até um mês. A experiência consistiu numa aprendizagem inicial de listas de 13
sílabas e numa reaprendizagem das mesmas listas passados vários intervalos
de tempo. Se a reaprendizagem de uma lista pela segunda vez exigisse um
número menor de ensaios do que a aprendizagem inicial, então era de supor
que algo da aprendizagem inicial ainda se conservava intacto. Usando a fórmula
anteriormente descrita para medir o grau de retenção, Ebbinghaus observou
que o grau de retenção ia diminuindo progressivamente com o aumento do
intervalo de retenção de acordo com uma função aceleradamente negativa.
Veja-se a Figura 3.1. De modo inverso, o grau de esquecimento aumentava
com o intervalo de tempo. No entanto o esquecimento foi mais acentuado
para intervalos de retenção menores (19 minutos a 24 horas) do que para
intervalos maiores (24 horas a 31 dias).

Figura 3.1 - Curva de esquecimento de Ebbinghaus (ou grau de retenção) ao


longo de vários intervalos de retenção desde os 19 minutos e 1
hora até 31 dias de acordo com o método de reaprendizagem.

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Ebbinghaus é recordado por ter aberto uma nova área de estudo em psicologia
e fornecido um novo modelo de investigação que veio a ter um impacto
considerável nas futuras gerações de investigadores, a ponto de alguns
resultados continuarem a ser citados nos manuais mais recentes sobre memória
humana. Ebbinghaus conseguiu demonstrar admiravelmente bem que a
memória humana podia ser objecto de uma investigação experimental e
quantitativa, mas as experiências que efectuou, usando sílabas-sem-significado,
excluíram aquilo que parece constituir a grande maioria das recordações do
dia-a-dia, isto é, material com alto grau de significado e de interesse pessoal.

O inglês Bartlett (1932) foi o primeiro investigador a criticar o trabalho de


Ebbinghaus, por ter adoptado uma situação bastante artificial nas experiências
laboratoriais. Ebbinghaus foi acusado de estar demasiado virado para a natureza
do material em vez de se preocupar com as atitudes dos sujeitos e da sua
experiência prévia. Segundo Bartlett um material aparentemente simples, como
sílabas-sem-significado, não produz só por si uma situação de aprendizagem
simples. Pelo contrário, produz até uma situação de aprendizagem bem
complexa, já que os sujeitos de uma experiência face a uma lista de sílabas,
tipo XEB, LAC, BIR, ZUG, utilizam e recorrem a estratégias complexas de
aprendizagem a fim de memorizar um material verbal fora do comum, criando
assim uma situação de aprendizagem bem mais complexa do que seria de
prever antecipadamente.

Bartlett salientou que o esforço do sujeito feito na descoberta do significado


do material verbal a ser aprendido era um aspecto central numa situação de
aprendizagem. Por isso, quanto mais abstracto e sem-significado fosse o material
a aprender, maior seria o esforço dispendido pelo sujeito e mais complexa
podia vir a tornar-se a situação de aprendizagem. As críticas de Bartlett ao
trabalho de Ebbinghaus e à tradição de estudos nele baseados não tiveram
grande repercussão na década em que foram proferidas. Porém, na década de
70, verificou-se uma redescoberta da obra de Bartlett e uma avaliação da sua
importância nos estudos de memória humana, com o começo dos estudos
sobre memória semântica, a observação de erros e omissões no relato de
testemunhos oculares e o interesse crescente pelas estruturas e processos
cognitivos da pessoa.

Bartlett (1932) realizou vários estudos sobre memória a fim de verificar o


modo como as pessoas eram capazes de recordar tipos de materiais mais
consentâneos com situações do dia a dia, como faces, gravuras e histórias.
Bartlett estava disposto a sacrificar um certo grau de controlo experimental a
fim de obter resultados sobre o funcionamento da memória que pudessem ser
mais facilmente generalizáveis e com uma validade externa maior.

Num dos estudos, Bartlett leu um conto popular, extraído do folclore índio
norte americano, intitulado A Guerra dos Fantasmas, com uma extensão de

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cerca de 330 palavras (veja-se a reprodução em Osgood, 1973/1953, p. 651-
-654). É uma história invulgar, mas de fácil compreensão. É uma história que
apresenta algumas inconsistências lógicas no tipo de informação social descrita,
vistas pela perspectiva cultural de um ocidental. Quando uma pessoa reproduz
uma história que inclui alguns episódios invulgares e ambíguos, quer se trate
do conto A Guerra dos Fantasmas quer do relato de um filme, peça de teatro
ou um acontecimento que se presenciou na rua, há certas características comuns
presentes neste tipo de relatos efectuados. No estudo de Bartlett, sujeitos adultos
liam a história duas vezes seguidas e depois tentavam reproduzir por escrito o
seu conteúdo o mais fielmente possível passados 15 minutos e depois passados
alguns meses e anos (método de reprodução repetida). Bartlett sublinhou os
aspectos seguintes:

• Há uma coerência no relato do conto ao longo das reproduções da


mesma pessoa, mesmo que o relato seja diferente do original em certos
pontos e seja preciso acrescentar novos elementos.

• Há uma abreviação do conto ao longo do tempo com a omissão de


episódios, pormenores e elementos estilísticos próprios que não se
enquadram bem no fio da história, tornando-se a reprodução cada vez
mais convencional.

• A reprodução inclui geralmente acrescentos e alterações nos vários


episódios que compõem a história, ficando uns mais salientes do que outros.

Bartlett é considerado um pioneiro da teoria construtivista da memória, ao


defender que a recordação é uma construção pessoal de factos passados. A
memória é uma interpretação imaginativa da experiência passada e nesta
reconstrução entram os nossos esquemas, atitudes, emoções e quadro cultural
de referências. Uma pessoa esforça-se por dar significado ao passado,
tornando-o mais lógico, coerente e significativo, de modo que a história faça
no final sentido para nós, mesmo que para tal seja preciso esquecer alguns
elementos ou acrescentar e inventar outros. Bartlett chega mesmo a afirmar
que o “passado está continuamente a ser refeito e reconstruído tendo em conta
os interesses do presente” (o. cit., p. 309).

A perspectiva de Bartlett de estudo da memória é de natureza qualitativa


procurando ressaltar quer as omissões e erros na recordação de materiais
importantes no dia a dia, quer o esforço na busca de significado que a pessoa
faz para completar o puzzle dos acontecimentos passados. Esta perspectiva
contrasta com a análise quantitativa, o rigor e controlo experimental dos estudos
de Ebbinghaus, cuja influência ao longo do séc. XX foi evidente. Conforme
salientou oportunamente Baddeley (1976), a investigação sobre o funcio-
namento da memória humana será frutuosa, especialmente se conseguir
combinar o melhor de cada uma das tradições iniciadas por Ebbinghaus e
Bartlett.

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3.2 Sistemas e processos de memória

Quando no dia a dia se fala de memória, fala-se da memória como um sistema


único, como na expressão “a minha memória está a ficar cada vez pior”.
Raramente se fala de memória como sendo formada por dois ou mais sistemas.
Em contraste, os investigadores referem com frequência a existência de vários
sistemas de memória, embora neste como em muitos outros temas científicos
o consenso não seja fácil. Se a memória é constituída por vários sistemas,
quais são e que características apresentam?

Desde Ebbinghaus (1885) até à década de 50, a concepção prevalecente de


memória era unitária. A memória era concebida como um sistema de retenção
de informação a longo prazo. Durante este período houve outros modelos
alternativos, mas tiveram uma influência diminuta na altura. William James
(1890) propôs uma distinção entre memória primária e memória secundária,
em que a primeira representava informações actualmente conscientes, e a
segunda incluía toda a informação não-consciente que a qualquer momento
podia voltar à consciência e ser recordada. Hebb (1949) sugeriu também uma
distinção entre um registo cerebral a curto prazo, baseado numa activação
eléctrica, e um registo a longo prazo que reflectiria um sistema de ligações
neuronais mais permanentes entre conjuntos de células cerebrais.

As distinções de memória de James e Hebb não tiveram repercussões


significativas, a ponto de se poder dizer que a divisão da memória em dois
sistemas só começou a ter alguma relevância a partir dos estudos de Peterson
e Peterson (1959). Estes investigadores verificaram experimentalmente que
numa tarefa com uma duração de 30 segundos, os sujeitos não eram capazes
de recordar mais do que 20% do material previamente apresentado após terem
decorrido 18 segundos. Uma tarefa deste tipo, em que se verificava um
montante considerável de esquecimento após 18 segundos, não poderia ser da
mesma natureza da tarefa usada por Ebbinghaus (1885) na sua famosa curva
de esquecimento, onde um tal nível de esquecimento apenas se verificava
após intervalos superiores a um mês.

Assim a partir dos finais da década de 50, passou-se a estabelecer uma dicotomia
de memória ao longo da dimensão temporal, começando-se a identificar tarefas
de memória a curto prazo em contraste com tarefas de memória a longo prazo.
Esta distinção foi incorporada na década de 60 em dois importantes modelos
de memória formulados por Waugh e Norman (1965) e Atkinson e Schiffrin
(1968). Waugh e Norman propuseram um modelo de memória constituído
por uma memória primária e uma memória secundária, em que a repetição
era o principal processo responsável pela passagem da informação da memória
primária para a memória secundária.

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Atkinson e Schiffrin (1968) propuseram um modelo de memória formado por
três registos: Memória sensorial, memória a curto prazo e memória a longo
prazo. Neste modelo unidireccional de processamento, a informação era
captada pelos sentidos e depois dava entrada nos diversos registos sensoriais,
como o visual e o auditivo. Depois uma parte era seleccionada e transferida
para um sistema com capacidade limitada designado por memória a curto prazo
(MCP), onde a informação ficava sujeita a diversos processos de controlo
como a repetição e organização. A informação não processada era esquecida
e a informação que tinha sido objecto de algum processamento na MCP era
transferida para um sistema permanente de grande capacidade designado por
memória a longo prazo (MLP). Cada um destes três sistemas armazenava
informação por períodos de tempo diferentes, tinha capacidades diferentes e
incluia processos de funcionamento próprios.

A divisão da memória em dois ou mais sistemas não foi porém consensual nos
anos 60 e particularmente nos anos 70, onde houve quem voltasse a defender
uma concepção unitária de memória. O modelo unitário mais representativo
foi proposto por Craik e Lockhart (1972), conhecido pelo modelo dos níveis
de processamento. Craik e Lockhart sugeriram que o grau de retenção de
memória dependia fundamentalmente do modo como a informação uma vez
percebida era processada a diferentes níveis e não dependia do facto de residir
neste ou naquele sistema de memória como a MCP ou a MLP.

A MCP seria equivalente à manutenção da informação num determinado nível


de processamento, de natureza mais superficial; não constituía um sistema ou
estrutura específica de memória. Por outro lado, um nível de análise mais
profundo da informação daria origem a um grau de retenção mais estável e
permanente. A capacidade de MLP estaria unicamente relacionada com o
aumento maior da profundidade da análise sobre a informação percebida. Assim
quanto maior fosse a profundidade de processamento maior seria o grau de
retenção na memória. Neste modelo, a duração da informação seria mais breve
ou mais permanente conforme o tipo de processamento efectuado na altura da
respectiva aquisição.

Assim estavam os investigadores de memória na década de 70, divididos entre


o apoio a uma concepção de memória formada por dois ou mais sistemas e o
apoio a uma concepção unitária de memória que armazenaria informação de
forma mais breve ou mais permanente conforme o nível de processamento ou
o tipo de análise que tivesse sido efectuado. No final do séc. XX, passadas
três décadas sobre o início desta polémica, pode parecer surpreendente, mas
os maiores investigadores de memória estão longe de chegar a um consenso
sobre esta matéria, a avaliar pela leitura do livro de Foster e Jelicic (1999).
Estes editores juntaram as contribuições de uma dezena de ilustres
investigadores e verificaram que metade defendia a concepção da memória

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em diferentes sistemas e a outra metade concebia a memória como uma
sequência de processos. Isto acontece no final de uma década dedicada à
investigação sobre o cérebro humano, onde os investigadores puderam usar e
recorrer a instrumentos altamente sofisticados de observação do funcionamento
do cérebro em acção.

Ao afirmar-se a dificuldade de consenso não se pretende dizer que os


investigadores sejam portadores de meras opiniões sem qualquer fundamento.
As vantagens e desvantagens da opção por uma ou outra perspectiva de
memória estão fundamentadas a partir de resultados empíricos. Mas o que
para uns são resultados suficientes para justificar a adesão ou até a mudança e
“conversão” de uma perspectiva noutra como aconteceu com Tulving (e.g.,
Tulving, 1999), para outros investigadores os resultados são insuficientes. Esta
dificuldade advém em grande parte do facto da memória ser um construto
teórico, como a aprendizagem e a inteligência.

Tudo o que se sabe sobre estes processos mentais apenas pode ser inferido
indirectamente a partir da interpretação das experiências realizadas. Mas
acontece por um lado que os processos mentais não são estanques e isolados
entre si e por outro não há uma experiência ou teste cognitivo que seja
suficientemente “puro” para detectar a totalidade de um processo mental, como
a memória, sem sofrer a influência de outros processos mentais como a
percepção, atenção e aprendizagem. Neste sentido creio que as técnicas de
imageologia, por mais sofisticadas que venham a ser no futuro (como a
tomografia por emissão de positrões, PET na sigla inglesa) não adiantarão
muito ao nosso conhecimento do funcionamento dos processos mentais, se ao
mesmo tempo não se avançar no aperfeiçoamento e sofisticação metodológica
das tarefas cognitivas que acertem no alvo da memória ou noutro qualquer
processo cognitivo em análise. Só se observa bem com os olhos ou com o
PET, quando se tem a certeza daquilo que se pretende observar.

3.2.1 Distinções de memória

As publicações científicas sobre memória humana estão cheias de termos de


memória, nuns casos para fazer referência a diversos sistemas, noutros casos
para agregar uma série de informações e conhecimentos numa determinada
área. Um estudante de memória fica bastante limitado na compreensão da
literatura desta área se não for capaz de compreender o significado de muitos
destes termos e dos critérios subjacentes ao seu estabelecimento. A memória
humana tem sido dividida em função de critérios temporais (memória imediata,
memória a curto prazo e memória a longo prazo), em função do conteúdo
(memória episódica, memória semântica, memória procedimental), em função

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do estado de consciência envolvido (memória explícita e memória implícita),
em função dos processos envolvidos (memória declarativa e memória
procedimental). Ao longo deste capítulo estes termos irão ser definidos no
contexto dos modelos e experiências realizadas.

Desde meados da década de 80 tem havido várias tentativas para organizar as


diversas distinções de memória num todo mais ou menos coerente (Tulving,
1985; Schacter e Tulving, 1994; Squire, 1994). No entanto esta organização
raramente é global de forma a abranger todas as distinções, concentrando-se
na maioria dos casos ao nível mais da MLP (e.g., Tulving, 1985; Squire, 1994).
A nível mais global, Schacter e Tulving (1994) propuseram os cinco sistemas
de memória seguintes: Memória primária (MCP), memória episódica, memória
semântica, memória procedimental e sistema de representação perceptiva (PRS
na sigla inglesa). Estes sistemas diferem entre si em termos de propriedades,
em termos de recordação da informação e em termos de zonas cerebrais. A
memória primária seria um sistema de MCP de capacidade e duração limitada.
Os quatro sistemas restantes seriam componentes da MLP, com capacidade e
duração muito grande.

Uma destas distinções mais importantes e de maior frequência na literatura


científica é entre memória a curto prazo (MCP) e memória a longo prazo
(MLP). Esta distinção foi uma proposta inicialmente psicológica (e.g., William
James, 1890; Broadbent, 1958; Peterson e Peterson, 1959; Waugh e Norman,
1965) e cedo foi adoptada pelos neurologistas e mais tarde pelos bioquímicos,
mantendo-se até ao presente em toda a literatura científica sobre memória
humana (e.g., Foster e Jelicic, 1999). A MCP e a MLP são concebidas como
duas estruturas mentais com funções próprias e associadas a áreas cerebrais
específicas. A função da MCP seria manter transitoriamente uma representação
consciente do presente e a função da MLP seria reter e conservar a informação
passada.

As provas tradicionais de apoio à distinção entre MCP e MLP baseiam-se nos


dois critérios seguintes: (1) a presença de duas componentes na curva de posição
serial; (2) estados de amnésia ou tipos diferenciados de desordens de memória.
A primeira justificação é de natureza cognitiva e comportamental e a segunda
de natureza neuropsicológica.

3.2.2 Curva de posição serial

A curva da posição serial é um fenómeno empírico de fácil obtenção (e.g.,


Murdoch, 1962). Numa experiência típica apresenta-se uma lista de 10 a 20
palavras, uma de cada vez e após a apresentação da última, os sujeitos são

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solicitados a evocar o maior número na ordem preferida. Após ter sido evocada
a primeira lista, uma nova lista de itens é apresentada e em seguida evocada
pelos sujeitos e este ciclo repete-se por 3 ou 4 listas. O resultado das evocações
efectuadas pelos sujeitos, quando analisadas em função da posição do item na
respectiva lista, produz os efeitos da posição serial que se exprime por uma
curva assimétrica de formato parecido com o perfil longitudinal de um barco.
A curva de posição serial apresenta dois efeitos importantes: O efeito de
primazia reflecte a melhoria de evocação dos itens iniciais e o efeito de recência
a dos itens finais. Veja-se a função do grupo de controlo na Figura 3.2.

Investigações efectuadas, sobre o efeito de certas variáveis no formato da curva


de posição serial revelaram a existência de factores que afectam o efeito de
primazia e a zona intermédia, deixando inalterável o efeito de recência, e
vice-versa. Assim o efeito de primazia e a zona intermédia são afectados por
variáveis consideradas responsáveis pela aprendizagem a longo prazo, como
o tempo de apresentação, o significado das palavras e o relacionamento
semântico. Em contraste, a presença de uma actividade com uma duração de
cerca de 20 segundos, intercalada entre o final da lista e o início do período de
evocação, elimina o efeito de recência, mas deixa inalterável o efeito de primazia
e a zona intermédia (e.g., Postman e Phillips, 1965). Veja-se a função do grupo
experimental na Figura 3.2.

Figura 3.2 - Percentagem de evocações correctas para listas de 16 palavras


evocadas imediatamente no final da apresentação (controlo) ou
após 20 segundos de actividade interpolada (experimental).
Representação da curva de posição serial e dos efeitos de primazia
e recência no grupo de controlo.

120
© Universidade Aberta
No sentido de se encontrar uma explicação para a eliminação do efeito de
recência, alguns investigadores formularam a hipótese de que os sujeitos
tornavam-se cada vez mais conscientes da aproximação do final da lista,
tentando então manter os itens finais num registo provisório de modo a “esvaziá-
-lo” logo que o período de evocação surgisse. Assim os itens do fim da lista
seriam facilmente evocados, devido ao facto de não terem sido deslocados e
substituídos por outros posteriormente apresentados. Tais itens ficariam
provisoriamente registados na MCP. A presença de uma actividade intercalada
tinha por efeito deslocar da MCP os últimos itens aí residentes de forma a
“criar espaço” para o processamento da actividade com a duração de 20
segundos. O efeito de recência e a sua eliminação por meio de uma actividade
interpolada foi considerado uma das melhores provas da expressão empírica
da MCP. Em contraste os itens apresentados no início e no meio da lista não
eram afectados pela actividade interpolada, mas por variáveis como o número
de repetições sucessivas e associações, que originavam uma retenção mais a
longo prazo, assim como a transferência para um registo mais permanente, a
memória a longo prazo.

Durante anos os investigadores acreditaram que a curva de posição serial era


um instrumento importante nas mãos dos psicólogos para analisar a memória
humana (e.g., Lindsay e Norman, 1977, p. 341). Actualmente porém a
importância da curva de posição serial, enquanto suporte da existência da
MCP e da MLP, é bastante menor quando comparada com os resultados de
estudos neurológicos. Não deixa no entanto de ser uma tarefa cognitiva
importante ao revelar dissociações entre os efeitos de diversas variáveis, um
objectivo que está presente em muitos dos estudos experimentais actuais na
análise de tarefas (e.g., Pinto, 1984).

3.2.3 Estados de amnésia

Há pacientes com desordens de memória (síndroma de Korsakoff) que


apresentam um desempenho normal em tarefas de MCP e um desempenho
quase nulo em tarefas de MLP. As tarefas de MCP são a amplitude de memória,
a tarefa de Brown-Peterson e o efeito de recência da curva de posição serial. A
tarefa de MLP habitualmente usada é a evocação livre de listas de palavras,
em que os itens do início e do meio da lista são quase sempre ignorados. No
comportamento do dia a dia, estes pacientes não sabem onde moram, qual o
nome do cônjuge ou o que comeram ao almoço. São capazes de ler o jornal à
tarde, sem saberem que já o leram de manhã. Não reconhecem o médico, a
enfermeira ou o familiar com quem estiveram há cinco minutos. Os danos
cerebrais situam-se nos lobos temporais e nas zonas mais profundas como o
hipocampo e o sistema límbico.

121
© Universidade Aberta
Estes pacientes têm dificuldades em tarefas que requerem um registo consciente
e explícito, mas por outro lado o desempenho parece ser normal no
conhecimento implícito e não-declarativo. São capazes de aprender alguns
procedimentos, como o desenho e a leitura por meio de espelho e aprender a
seguir um alvo sinuoso com um ponteiro. Todavia se se perguntar a um
amnésico como explica a melhoria registada ao fim de cinco dias de treino em
relação ao primeiro dia, o paciente normalmente pergunta admirado: — “Que
está para aí a dizer? Eu nunca fiz isto antes!” Estes amnésicos revelam uma
deficiência no conhecimento declarativo ou explícito, mas o conhecimento
não-declarativo e implícito parece ser normal (Cohen, 1984).

Há ainda um segundo tipo de amnésia, cujos pacientes apresentam sintomas


opostos. São capazes de efectuarem uma aprendizagem normal, demonstram
conhecimentos muito extensos, têm um desempenho quase normal nos testes
de inteligência convencionais, mas por outro lado revelam um valor de
amplitude de MCP limitado a cerca de 1-2 itens, e ausência do efeito de
recência. A zona cerebral afectada são os lobos pré-frontais do córtex cerebral,
e a zona do hemisfério esquerdo na região de Silvius, região também associada
a afasias e problemas da fala (Baddeley, 1997, p. 43).

Apesar de haver alguma controvérsia sobre a existência de diferentes sistemas


de memória (e.g., Roediger III et al., 1999), a distinção entre MCP e MLP
mantém-se útil, mesmo que no futuro se venha a provar que tal distinção não
traduz a existência de sistemas próprios suficientemente diferenciados. Esta
distinção tem um importante valor heurístico e constitui uma forma clarificadora
de organizar as diferentes tarefas de memória, indicando os temas de estudo
dos diferentes grupos de investigadores. Assim quando alguém diz que está a
fazer uma investigação sobre a MCP ou sobre memória episódica, qualquer
estudante de memória rapidamente percebe qual o tipo de enquadramento da
investigação em curso.

3.3 Memória a curto prazo

A memória a curto prazo (MCP) é um construto teórico, proposto a partir da


interpretação dos resultados das experiências realizadas por Brown (1958) e
Peterson e Peterson (1959). Nestas experiências verificou-se um grau de
esquecimento considerável ao fim de 18 segundos numa tarefa de recordação
de consoantes, em que a repetição destas era dificultada ou bloqueada devido
à realização de uma tarefa interpolada. Estes resultados foram usados para
apoiar a concepção de um tipo de memória cujas características de
armazenamento da informação pareciam ser diferentes da memória que

122
© Universidade Aberta
armazenava informação durante intervalos de retenção medidos em dias,
semanas ou mesmo anos.

A MCP veio a ser incorporada na maior parte dos modelos de memória


propostos, de que destaco os modelos de Waugh e Norman (1965), Atkinson
e Schiffrin (1968) e Baddeley (1986), sendo ainda hoje uma estrutura
incontornável na investigação da memória humana. A MCP surge na literatura
científica com diferentes nomes, os mais frequentes foram designados por
memória imediata, memória primária e memória operatória. O estudo da MCP
abrange em geral os temas seguintes: (1) A capacidade, ou quantidade de
informação retida e armazenada; (2) A codificação, isto é, o modo como a
informação sensorial está representada na MCP; (3) O esquecimento, ou a
duração da informação retida.

3.3.1 A capacidade da MCP

A capacidade da MCP é limitada em termos do número de itens armazenados,


em termos da duração dos itens e em termos da disponibilidade de recursos
mentais para executar as operações da MCP. Assim há limites no que respeita
à quantidade de informação que se pode reter num dado momento, como há
também limites na rapidez com que se podem usar as funções cognitivas para
processar a informação recebida. Quaisquer que sejam os limites da MCP não
é difícil demonstrá-los. Uma das tarefas aplicadas é a determinação da
capacidade da MCP a partir de uma prova de memória de números (e.g.,
Pinto, 1991a).

Na prova de memória de números apresenta-se uma sequência de dígitos, um


de cada vez ao ritmo de um dígito por segundo. No final da apresentação, os
sujeitos são solicitados a recordar os dígitos na ordem apresentada. Começa-
se habitualmente por séries de dois ou três dígitos e aumenta-se progressi-
vamente a extensão da série até o sujeito falhar três vezes consecutivas. Os
resultados obtidos nesta prova de amplitude de memória de números com
jovens adultos de educação média situam-se geralmente à volta dos sete dígitos,
mais ou menos dois. Comparando diferentes grupos etários, verificou-se que
a amplitude de memória aumenta uma unidade cada dois anos desde os três
anos até cerca dos 14 anos, onde atinge o valor sete, estabilizando a seguir
pela vida fora, excepto na velhice, onde costuma ocorrer um ligeiro decréscimo
(e.g., Hunter, 1964).

O valor de amplitude de 7 itens em média, obtido com dígitos, não é igual ao


valor de amplitude obtido com outros materiais, como consoantes, palavras,
cores e sílabas-sem-significado (e.g., Pinto, 1991b, p. 112), onde os valores

123
© Universidade Aberta
de amplitude podem variar entre 2 e 8. Estes resultados indicam que a amplitude
de memória não é um valor fixo e depende do grau de complexidade e
familiaridade dos materiais seleccionados. Apesar destas diferenças, alguns
investigadores propuseram que a extensão da memória imediata representaria
um número constante de itens ou unidades informativas categorizadas (Miller,
1956).

Miller (1956) propôs que a capacidade da MCP era de 7± 2 unidades


informativas categorizadas. Uma unidade categorizada significa que os dígitos
“1939” podem representar quatro unidades se forem considerados os dígitos
isoladamente ou uma unidade se for considerado o ano de 1939, informação
representando o começo da II Guerra Mundial. Uma sequência de 16 dígitos
“191 419 181 939 194 4” pode ser formada por 16 ou por 4 unidades
categorizadas, considerando no caso de 4, o início e o fim da I e da II Guerras
Mundiais.

Ao contrário de Miller, Simon (1974) propôs o valor 5 para representar a


amplitude de MCP, afirmando que 7 era um valor inflacionado devido à elevada
familiaridade dos adultos com dígitos. De facto Chi (1976) confirmou a tese
da familiaridade numa experiência com crianças que apresentavam uma
familiaridade maior do que os adultos no jogo de xadrez e na reprodução de
peças de um tabuleiro para outro. Quando a amplitude de memória foi medida
a partir do número de peças de xadrez correctamente reproduzidas após uma
única observação, verificou-se que a amplitude de memória nas crianças
excedia significativamente a dos adultos; quando foi medida em dígitos
observou-se a tradicional diminuição das crianças em relação aos adultos.

O treino pode aumentar o valor de amplitude de memória num domínio


específico. Um exemplo deveras elucidativo é o estudo de Ericsson, Chase e
Faloon (1980) que descreveram o caso de Steve Faloon, um universitário dos
EUA que conseguiu aumentar o valor de amplitude de memória de 7 até quase
80 dígitos ao fim de 2 anos de treino. Este aumento não correspondeu a uma
função ascendente contínua de ensaio para ensaio ao longo do tempo que
decorreu a experiência. À maneira da maioria das pessoas, Faloon só conseguiu
reproduzir 7 dígitos no primeiro ensaio. Depois houve vários momentos de
impasse em que nenhum aumento de amplitude se verificou, mas que foram
ultrapassados progressivamente através da descoberta e aplicação das estratégias
de codificação significativa, organização e estruturação da informação de forma
hierárquica, apelo crescente à informação na MLP e rapidez de processamento.

Será que a amplitude de memória aumenta de facto uma unidade cada dois
anos desde a primeira infância até à adolescência (e.g., Hunter, 1964), ou será
que representa um valor fixo sem grandes variações ao longo do
desenvolvimento humano? Muitos investigadores crêem que os aumentos de
amplitude de memória entre os 3 e os 6 anos são devidos em grande parte a

124
© Universidade Aberta
factores de crescimento e maturação verificadas na fisiologia cerebral, mas em
relação aos outros períodos etários, as diferenças de amplitude seriam devidas
mais a factores cognitivos, como a familiaridade, o treino e aplicação de
estratégias de codificação e recordação.

3.3.2 A codificação na MCP

A codificação refere-se ao modo como a informação está representada na


memória humana e segundo experiências realizadas na década de 60 por Conrad
(1964) e Baddeley (1966) o tipo de representação na MCP tem uma componente
predominantemente acústica ou fonológica.

Conrad (1964) solicitou a identificação de letras apresentadas num taquis-


toscópio durante 750 ms. Os erros de identificação apresentavam similaridades
acústicas, e ocorriam mais vezes nas consoantes com sons parecidos (M-N; P-
B) do que com figuras parecidas (F-T; Q-G). Os erros revelaram semelhanças
acústicas, mesmo quando as letras eram apresentadas visualmente. Havia uma
tradução fonológica da informação visual apresentada, afectando o modo como
a identificação se processava.

Noutro tipo de experiência, Baddeley (1966) apresentou listas formadas quer


por palavras similares acusticamente (ex., pão, mão, cão, não, dão, chão,
são) quer por palavras não-similares (ex., pão, giz, bar, sol, cor, ler, dia). Numa
prova de evocação serial imediata de listas de palavras deste tipo obteve uma
percentagem de 9,6% para a lista similar e de 82% para a lista não-similar. As
diferenças acentuadas entre a lista 1 e 2 revelam que a similaridade acústica
dos materiais apresentados interferiu e afectou negativamente o estabelecimento
na MCP de um código da mesma natureza acústica.

No que se refere à memória a longo prazo, estudos efectuados por Baddeley e


outros investigadores revelaram que a representação da informação é de
natureza predominantemente semântica, mas não em exclusivo. Assim, por
exemplo, quando se solicita a evocação livre ou seriada de uma lista de 20
palavras anteriormente apresentadas (onde se incluem por exemplo as palavras
‘fogo’, ‘saia’, ‘estrada’) verificam-se às vezes erros de evocação em termos de
significado parecido (por ex., fogo-incêndio, saia-vestido, estrada-avenida).
Nesta tarefa também podem ocorrer erros de tipo acústico-perceptivo, como
“pombo-bombo”, embora a frequência seja menor do que os erros de tipo
semântico. A similaridade semântica não afecta tanto o estabelecimento de
uma representação numa tarefa de MCP.

125
© Universidade Aberta
A informação processada na MCP é afectada por informações acusticamente
similares e na MLP por informações semanticamente similares, sugerindo a
possibilidade de haver pelo menos duas formas diferentes de codificação na
memória. Numa abordagem alternativa em termos de modelo de níveis de
processamento, a representação da informação na memória seria o produto de
análises diversas realizadas nos estímulos percebidos. Assim uma análise
predominantemente acústica seria suficiente para tarefas de curto prazo, como
recordar uma sequência de dígitos na tarefa de telefonar e discar um número.
Todavia, se a tarefa for a longo prazo, como memorizar uma lista de compras
para adquirir no fim do dia no supermercado, um texto para exame, etc., então
será mais útil aplicar um processamento semântico.

A codificação da informação na memória humana não se restringe apenas à


codificação acústica e semântica e é certamente bastante mais complexa do
que esta breve descrição deixa supor. A codificação de uma série de palavras
e a sua representação na memória não será da mesma natureza da representação
de outras informações como o rosto do nosso pai, o cheiro a maresia, o sabor
do café e o toque de veludo. É uma questão importante saber se a informação
na memória humana está representada por um único código de características
abstractas e gerais, ou antes por uma série de códigos de características
sensorialmente dependentes, como o visual, auditivo ou olfactivo.

3.3.3 Duração e esquecimento na MCP

Peterson e Peterson (1959) verificaram que jovens universitários eram incapazes


de recordar em média mais de 20% de siglas de consoantes após terem
decorrido 18 segundos. A partir destes e de outros estudos similares, como o
desaparecimento do efeito de recência na curva de posição serial, foi sugerido
que a duração da informação na MCP situava-se entre 10 a 20 segundos sem
haver necessidade de ser renovada através da repetição. Se a repetição tiver
lugar, a informação prolonga-se por bastante mais tempo como acontece quando
se repete um número de telefone depois de se ver na lista e até ser integralmente
discado. Porém a informação é esquecida se o processo de repetição, que
mantém a informação na MCP, for perturbado por qualquer distracção externa.

Quando a MCP foi proposta como construto teórico nos finais da década de
50, o esquecimento observado nas tarefas de MCP foi explicado de acordo
com as duas teorias de esquecimento predominantes da época: A teoria do
desuso, segundo a qual o traço de memória perdia gradualmente a sua
intensidade ou robustez ao longo do tempo por falta de uso; e a teoria da
interferência, que afirmava que o esquecimento era o resultado da competição

126
© Universidade Aberta
entre estímulos e respostas similares, sendo o intervalo de tempo irrelevante.
Alguns dos estudos clássicos sobre o esquecimento em tarefas de MCP são
descritos a seguir.

Peterson e Peterson (1959) apresentaram a um grupo de sujeitos uma sigla ou


trigrama de consoantes (LTC) seguido por um número de três dígitos (437). O
sujeito repetia o trigrama LTC e o número 437 e imediatamente iniciava uma
contagem retroactiva de 3 em 3 durante intervalos de retenção variáveis: (ex.,
437, 434, 431, 428, …). No final do intervalo de contagem retroactiva, o
sujeito evocava o trigrama inicialmente apresentado. Os intervalos de retenção
usados, preenchidos com a contagem retroactiva, foram: 3 - 6 - 9 - 12 - 15 e 18
segundos. O objectivo da tarefa interpolada (ou distractiva) situada entre a
apresentação do trigrama e o período de evocação, era minimizar ou impedir a
possibilidade de repetição do trigrama por parte do sujeito. Esta tarefa de MCP
veio a ficar conhecida por tarefa de Brown-Peterson.

(a) (b)

Peterson e Peterson (1959) Keppel e Underwood (1962)

Figura 3.3 - (a) Percentagem de evocações correctas para trigramas de consoantes para intervalos de
retenção até 18 segundos (Peterson e Peterson, 1959). (b) Evocação de trigramas ao longo
de 6 ensaios em função do intervalo de retenção de 3 e 18 segundos (Keppel e Underwood,
1962).

127
© Universidade Aberta
Os resultados obtidos por Peterson e Peterson estão expostos na Figura 3.3a,
onde se observa uma diminuição progressiva da percentagem de evocações
correctas à medida que o intervalo de tempo aumenta até 18 segundos. Peterson
e Peterson explicaram o esquecimento observado em função do decurso do
tempo, por não haver provas suficientes da influência da variável interferência
proactiva.

Keppel e Underwood (1962) consideraram prematura a conclusão dos Peterson


de que o esquecimento fora devido ao decurso do tempo, e propuseram que os
efeitos inibitórios da interferência proactiva na experiência dos Peterson talvez
tivessem sido bloqueados pelos efeitos positivos e facilitadores da prática. Keppel
e Underwood apresentaram a 2 grupos de sujeitos, 6 trigramas de consoantes.
Cada trigrama era seguido por intervalos de retenção de 3 ou de 18 segundos,
preenchidos com uma tarefa de contagem retroactiva. A sequência dos intervalos
foi num grupo: 3 - 18 - 3 - 18 - 3 - 18; no outro grupo foi: 18 - 3 - 18 - 3 - 18 -
3.

Os resultados obtidos estão expostos na Figura 3.3b, onde se observam


diferenças reduzidas de percentagem de evocação entre 3 e 18 segundos nos
primeiros dois ensaios, e diferenças acentuadas nos últimos ensaios. Para Keppel
e Underwood os ensaios de 1 a 6 representavam a manipulação da interferência
proactiva, sendo mínima a interferência proactiva associada ao 1º ensaio e
máxima relativamente ao 6º ensaio. Assim o grau de evocação da informação
retida na MCP diminuía à medida que aumentava a interferência proactiva.
Keppel e Underwood (1962) concluiram que a interferência proactiva
manifestava-se na MCP do mesmo modo que na MLP.

Comentando a experiência de Keppel e Underwood, Wickens (1963, 1970)


sugeriu um procedimento para fazer dissipar ou libertar o desenvolvimento da
interferência proactiva nesta tarefa de MCP. Wickens apresentou blocos de 4
ensaios com uma duração de 30 segundos cada. O material verbal apresentado
em cada ensaio era formado por 3 palavras pertencentes a uma categoria (por
ex., FRUTOS: uva, maçã, pêra). Os materiais apresentados ao grupo
experimental nos 3 primeiros ensaios era semelhante ao do grupo de controlo,
mas diferia no 4º ensaio, por ex., mudava-se de FRUTOS para a categoria
AVES (por ex., melro, rola, pardal). Manipulava-se assim no 4º ensaio o tipo
de material entre os grupos experimental e de controlo.

De acordo com os resultados de Keppel e Underwood (1962), a interferência


proactiva desenvolve-se e aumenta ao longo dos três primeiros ensaios. Mas o
que acontecerá no 4º ensaio entre os grupos experimental e de controlo?
Verificar-se-á ou não uma libertação da interferência proactiva com a mudança
de material no grupo experimental? Os resultados obtidos por Wickens, e
ilustrados na Figura 3.4, revelam que a interferência proactiva aumentou nos
três primeiros ensaios nos dois grupos, continuando ainda no 4º ensaio no

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© Universidade Aberta
grupo de controlo, mas foi anulada no 4º ensaio do grupo experimental, onde
o desempenho foi semelhante ao observado no 1º ensaio.

Figura 3.4 - Percentagem de evocações correctas ao longo de 4 ensaios com


mudança na categoria de material no quarto ensaio no grupo
experimental. Ilustração da libertação da interferência proactiva
no 4º ensaio segundo Wickens (1970).

Uma das explicações mais aceites para a libertação da interferência proactiva


no 4º ensaio baseia-se na possibilidade do novo tipo de material, introduzido
no 4º ensaio do grupo experimental, ter fornecido uma pista de recuperação
específica e única que difere dos ensaios precedentes. Em contraste, nos 4
ensaios do grupo de controlo e nos 3 primeiros ensaios do grupo experimental
haveria como que uma saturação das pistas de recuperação, cuja especificidade
foi cada vez mais reduzida. Estudos no âmbito da libertação da interferência
proactiva revelaram que as mudanças no conteúdo semântico (ex., animais -
flores) produzem um valor de libertação bastante maior do que as mudanças
de natureza sintáctica (adjectivos - verbos) ou físicas (mudança da cor de
fundo). Veja-se a propósito Marques (1997).

As experiências anteriores sugerem que a interferência representa um papel


mais importante no esquecimento de tarefas de memória a curto prazo do que
o decurso do tempo. Todavia Posner (1967) tentou explicar o esquecimento
na MCP como uma interacção entre o factor interferência e o decurso do
tempo, formulando a teoria do banho de ácido. Segundo esta teoria, o processo
de esquecimento seria análogo à desintegração do metal quando colocado

129
© Universidade Aberta
num vaso de ácido corrosivo. O grau de desintegração do metal seria uma
função quer da força do ácido quer do período de tempo durante o qual o
metal ficava submerso no ácido.

Na memória humana, o grau de similaridade entre itens verbais causa


interferência do mesmo modo que a força do ácido e o tempo de imersão
afecta a corrosão do metal. Assim quanto maior for a similaridade dos itens
maior será a interferência. Mas o tempo também é importante. Assim a
interferência será maior quanto mais tempo influenciar um item armazenado
na memória. Itens com alto grau de similaridade não causarão muito
esquecimento se os itens forem evocados imediatamente. De modo inverso,
itens distintos e dissimilares (não interferentes) podem permanecer muito mais
tempo na MCP resultando daí pouco esquecimento.

Os investigadores continuam a discutir qual a variável (interferência ou decurso


do tempo) mais responsável pelo esquecimento na MCP. Estas dificuldades
estão talvez relacionadas com a presença de um paradoxo na tarefa de Brown-
Peterson de MCP a respeito da finalidade da tarefa interpolada para suspender
a repetição. Por um lado, quanto mais similar for a actividade interpolada em
relação aos itens-a-ser-recordados, maior será a probabilidade de surgir
interferência retroactiva. Por outro lado, quanto mais diversa for a actividade
interpolada, maior será a probabilidade dos sujeitos efectuarem duas tarefas
ao mesmo tempo.

A tarefa de Brown-Peterson é uma tarefa tipicamente laboratorial que simula


muito bem algumas situações do dia a dia, como acções a realizar dentro de
instantes. No paradigma de Brown-Peterson, a tarefa inicial é a apresentação
de trigramas; a interrupção é a tarefa de contagem retroactiva e as dificuldades
de recordação são a tarefa de evocação. Exemplo de uma situação quotidiana
ilustrativa é ir da cozinha ao quarto buscar um objecto, entretanto o telefone
toca a caminho do quarto, a pessoa atende e a intenção inicial é interrompida.
Quando se desliga o telefone, a pessoa tem às vezes dificuldade em lembrar-
-se do que ia fazer ao quarto. Voltar à cozinha pode facilitar a evocação.

3.3.4 Memória operatória

A MCP é um sistema com uma capacidade limitada em termos de


armazenamento e de processamento. Quando se ressaltam mais as limitações
em termos de armazenamento, a MCP é designada por memória primária;
quando se ressaltam as limitações conjuntas de armazenamento e
processamento, a MCP designa-se por memória operatória. Baddeley (1986)

130
© Universidade Aberta
definiu a memória operatória como “um sistema de armazenamento e
manipulação temporária da informação durante a realização de um conjunto
de tarefas cognitivas como a compreensão, aprendizagem e raciocínio” (p.
34). Assim por exemplo na compreensão da fala é fundamental reter na
memória os temas da conversação, enquanto se está a perceber e a processar o
que o interlocutor diz para depois se poder responder e interagir. Na aritmética
para adicionar várias parcelas como 534+567+314 = ?, é preciso adicionar a
coluna das unidades, reter o resultado (5) e manter transitoriamente na memória
a sobra (1) que em seguida deverá ser adicionada à coluna das dezenas e
assim sucessivamente.

Por definição, as tarefas de memória operatória devem conter componentes de


armazenamento, processamento activo e actualização do material registado.
Uma tarefa típica de memória operatória requer que a pessoa armazene na
memória uma porção limitada de informação e ao mesmo tempo execute alguma
operação cognitiva, quer no material retido quer no material que está a ser
processado.

Salthouse e Babcock (1991) compararam o desempenho em duas provas de


MCP, que poderão ser consideradas típicas de memória primária e da memória
operatória. A prova de memória primária era a prova clássica de amplitude de
números e a prova de memória operatória era também uma prova de amplitude
de números, mas provenientes dos resultados de adições sucessivas. Por
exemplo, os investigadores apresentaram 2+4=?; 5+0=?; 3+6=?; 1+1=?; 3+5=?
e os sujeitos depois de adicionarem as parcelas tinham de reter os resultados
de cada adição e evocá-los por ordem no final da sessão, o que neste exemplo
seria, 6, 5, 9, 2, 8. O desempenho nas duas tarefas revelou uma diferença
média de 2 itens, situando-se o desempenho da memória primária em torno
dos tradicionais 7 itens e o da memória operatória em torno dos 5.

A memória operatória é um sistema activo e consciente de retenção e


processamento da informação proveniente dos registos sensoriais, assim como
da informação recuperada da MLP. É o sistema que num dado momento está
a trabalhar ou a operar a informação, identificando-se e confundindo-se com o
foco da consciência. Considere-se por ex., a tarefa de contar sucessivamente o
número de janelas, portas e armários existentes em casa. Contadas as janelas
tem que se reter o número, enquanto se contam as portas e depois reter o
número de janelas e portas enquanto se contam os armários e no final apresentar
três valores numéricos por ordem. Esta tarefa torna-se bastante complexa se se
solicitar ainda a contagem do número de candeeiros de tecto e compartimentos
da casa. A sobrecarga crescente da memória operatória com as limitações
inerentes que daí resultam torna cada vez mais difícil processar a nova
informação.

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© Universidade Aberta
3.4 Memória a longo prazo

Dos vários tipos de memória, a MLP é aquela que corresponde mais de perto
ao que a pessoa comum julga que a memória é. A MLP armazena o
conhecimento que possuímos do mundo que nos rodeia durante longos períodos
de tempo. Estes conhecimentos são bastante diversos. Uns são de tipo
episódico, como o que fizemos esta manhã ou onde passámos as últimas férias
de verão. Outros são gerais e enciclopédicos, como a sintaxe da língua materna,
os significados das palavras, o valor de π, a localização dos mares e continentes,
a abertura da 5ª sinfonia de Beethoven. Outros ainda são de tipo motor e
procedimental como andar de bicicleta, escrever à máquina ou tocar piano. As
informações armazenadas na MLP não provêm apenas das modalidades visuais
e auditivas. Há também informações provenientes dos outros sentidos, como
o olfacto e tacto, como o cheiro a alfazema, o som do mar a bater na rocha, o
tacto de veludo ou da areia a escoar-se entre os dedos.

3.4.1 Modelos de MLP

A memória a longo prazo (MLP) é o sistema que armazena a informação e


conhecimento durante longos períodos de tempo. Devido à diversidade de
conhecimentos retidos na MLP, houve investigadores (e.g., Tulving, 1985)
que propuseram sistemas específicos de MLP a fim de representar diferentes
tipos de conhecimento: o conhecimento episódico, o conhecimento semântico
e o conhecimento procedimental. Segundo o modelo mono-hierárquico e pira-
midal de memória de Tulving (1985), a memória episódica situa-se no topo da
pirâmide hierárquica, a memória semântica numa posição intermédia, enquanto
que a memória procedimental situa-se na base da pirâmide. Mais recentemente
Tulving e Schacter (1990) acrescentaram o sistema de representação perceptiva.
Este modelo pressupõe que um sistema superior não pode manter-se incólume
com um sistema inferior deteriorado. Assim não pode haver um sistema
episódico incólume em pessoas com um sistema semântico danificado.
A memória episódica é o sistema responsável pela recordação consciente dos
acontecimentos de uma vida inteira, referenciados em termos de espaço e
tempo. Tulving (1985, p. 387) definiu a memória episódica como a recordação
consciente de “acontecimentos pessoalmente vividos enquadrados nas suas
relações temporais”. Os conteúdos da memória episódica são por exemplo, o
que comi hoje ao almoço, onde passei as últimas férias de verão, a escola
primária onde andei, a casa onde moram os meus pais, a participação numa
experiência de psicologia no laboratório na semana passada. É o sistema de
memória mais especializado, o último a desenvolver-se na infância e o primeiro
a deteriorar-se na velhice. O hipocampo e a área circundante seriam as principais

132
© Universidade Aberta
zonas neuronais subjacentes que medeiam o funcionamento da memória
episódica.

As provas ou medidas típicas de memória episódica são a evocação livre, a


evocação seriada, a evocação auxiliada e o reconhecimento. De um modo
geral o desempenho de memória é mais baixo nas provas de evocação livre e
seriada, mais alto nas provas de reconhecimento e intermédio nas provas de
evocação auxiliada (e.g., Pinto, 1998a).

A memória semântica é o sistema que dá significado ao mundo de conheci-


mentos de que somos portadores. A informação na memória semântica não
está associada a um contexto autobiográfico de natureza temporal e espacial.
Tulving (1972, p. 386) definiu a memória semântica como “uma enciclopédia
mental do conhecimento organizado que uma pessoa mantém sobre palavras
e outros símbolos mentais”, tendo mais tarde alargado o seu âmbito para incluir
“o conhecimento do mundo de que um organismo seria portador” (Tulving,
1985, p. 388). O conhecimento retido na memória semântica seria o conheci-
mento da língua materna, o conhecimento de factos gerais, sabedoria e inteli-
gência prática e o conhecimento geral do mundo, que na concepção da teoria
psicométrica de inteligência de Cattell (1963) representaria a inteligência
cristalizada.

Segundo Patterson e Hodges (1995) as regiões ântero-laterais dos lobos


temporais teriam um papel importante no funcionamento da memória semântica,
mas segundo Mayes (1999) as zonas cerebrais envolvidas não poderiam ser
muito diferentes das que afectam a memória episódica, porque o conteúdo da
memória semântica começou por ser inicialmente episódico.

As provas típicas de memória semântica incluem provas de vocabulário, tempo


de latência na nomeação de palavras e gravuras e o fenómeno da palavra
debaixo da língua.

A memória procedimental seria constituída por capacidades perceptivas e


motoras que no decurso do tempo e com a prática se transformaram em rotinas
e hábitos de que pouco ou nada se tem consciência. As componentes de hábitos
e habilidades motoras, como andar, nadar e tocar um instrumento, revelam um
processo aquisitivo gradual e progressivo ao longo de vários ensaios. A memória
procedimental constitui a base da pirâmide dos sistemas de MLP de Tulving
(1985) e de acordo com um dos postulados deste modelo seria o sistema onde
as deficiências de funcionamento seriam mais difíceis de detectar. As principais
zonas neuronais subjacentes seriam os córtices motor e pré-motor e os gânglios
basais.

O sistema de representação perceptiva (PRS na sigla inglesa) seria um registo


de memória responsável pelo fenómeno de activação perceptiva (perceptual

133
© Universidade Aberta
priming na sigla inglesa), segundo o qual uma palavra anteriormente percebida
é mais rapidamente identificada numa segunda apresentação. Este sistema foi
proposto por Tulving e Schacter (1990) e situar-se-ia ao nível da memória
procedimental, mas distinto desta. O processo aquisitivo no PRS revela-se
num único ensaio e não é gradual como na memória procedimental, sugerindo
a possibilidade da memória procedimental ser constituída por componentes
diferentes.

A memória procedimental é avaliada por meio de um conjunto de provas


designadas na literatura por provas indirectas, implícitas ou não-declarativas
(e.g., Squire, 1994). As provas implícitas medem o desempenho de memória
em situações em que não há instruções directas ou explícitas para aprender ou
recordar, mas que mesmo assim reflectem uma melhoria no desempenho obser-
vado. Em geral envolvem tarefas constituídas por aprendizagens repetidas
segundo o procedimento de Ebbinghaus, activação perceptiva repetida e activa-
ção semântica, tarefas de aprendizagem motora, resolução de problemas do tipo
torre de Hanói, tarefas de completação de palavras a partir de radicais ou fra-
gmentos depois de terem sido estudadas previamente (e.g., Graf e Masson, 1993).

Muitas das capacidades, competências e habilidades da memória procedimental


são essenciais no dia a dia e em geral permanecem intactas à medida que uma
pessoa envelhece, mesmo quando a memória semântica começa já a dar sinais
de enfraquecimento.

A referência a três subsistemas na MLP (memória episódica, memória


semântica e memória procedimental) é apoiada a nível neuronal e até em
investigações com idosos normais. Estudos realizados com tarefas de memória
explícita e implícita revelaram a presença de dissociações entre sistemas de
memória, verificando-se que os amnésicos e idosos são afectados principalmente
nas tarefas de memória explícita ou consciente, e bastante menos afectados
nas tarefas de memória implícita ou inconsciente.

Há casos de pacientes com a amnésia de Korsakoff que são incapazes de


reconhecer a mulher e os filhos na altura da visita ao hospital, mas conseguem
dizer que estão perante uma mulher e crianças. São doentes que revelam um
tipo de conhecimento semântico, mas carecem do conhecimento episódico de
que tal mulher é num caso a esposa ou no outro caso a enfermeira que o tratou
durante a manhã. Há ainda outros casos graves de amnésia, em que o único
conhecimento recordado, embora de forma inconsciente, é o conhecimento
procedimental. Baddeley (1989) relata o caso de Clive Wearing que tinha
uma memória episódica e semântica altamente deficitária, mas era capaz de
tocar peças musicais complexas na harpa e reger um coro.

Este tipo de pacientes com desordens de memória a nível episódico e semântico


conseguem mesmo assim beneficiar do treino anterior e da repetição na

134
© Universidade Aberta
aprendizagem de uma habilidade motora nova, como a leitura por meio de
espelho ou tracejado, apesar de não terem qualquer consciência da
aprendizagem previamente realizada. Rozin (1976) descreve o caso de um
músico de piano que aprendeu a tocar rapidamente uma peça musical numa
tarde. No dia seguinte quando lhe foi pedido para voltar a tocar a mesma peça,
o paciente não tinha qualquer memória consciente do que lhe era pedido. No
entanto quando os primeiros compassos da peça musical foram tocados, o
paciente foi capaz de tocar toda a peça correctamente.

3.4.2 Codificação na MLP

Ao falar-se sobre a codificação na MCP foi referido que a codificação na


MLP era de natureza predominantemente semântica. Mas a codificação da
informação em termos semânticos tem níveis diferentes consoante as instruções
seguidas. Um dos procedimentos de investigação mais usados para se analisar
a codificação na MLP foi o dos níveis de processamento de Craik e Lockhart
(1972) e Craik e Tulving (1975) descritos a seguir.

Craik e Lockhart sugeriram que o grau de retenção dependia fundamentalmente


do modo como a informação, uma vez percebida, é codificada e processada a
diferentes níveis. A duração da informação na memória seria um produto de
séries sucessivas de análises efectuadas nos estímulos percebidos. O nível
mais básico e ligeiro de processamento incluiria a análise sensorial e física da
informação e envolveria o processamento de certas características dos estímulos
como palavras maiúsculas ou minúsculas, apresentadas numa voz masculina
ou feminina. Uma fase intermédia envolveria uma análise de tipo fonológico
ou acústico e terminaria numa análise de natureza semântica, considerada a
mais profunda. A análise da informação feita ao longo de diferentes níveis foi
designada por modelo de níveis de processamento.

Experiências realizadas de acordo com o modelo de níveis de processamento


revelaram que o processamento semântico produz um melhor desempenho de
memória do que processamentos de tipo fonológico e de tipo físico. Craik e
Tulving (1975) orientaram o processamento de uma lista de 60 palavras de
acordo com as instruções seguintes, ministradas aos sujeitos da experiência:

Físico: “A palavra está escrita em maiúsculas?” MESA, casa;

Fonológico: “A palavra rima com PESO?” Medida, OBESO;

Semântico: “A palavra enquadra-se na frase: Ele encontrou ‘—’ na


rua?” Nuvem, AMIGO.

135
© Universidade Aberta
Os resultados obtidos numa prova de reconhecimento das palavras apresentadas
em função das instruções de processamento físico, fonológico e semântico
indicaram valores na ordem dos 15, 45 e 80% respectivamente, quando a
resposta dos sujeitos era positiva. Os resultados foram mais baixos quando a
resposta era negativa nos três tipos de instruções, mas o padrão de resultados
obtido foi semelhante ao das respostas positivas. O mesmo padrão de resultados
foi ainda obtido numa prova de evocação.

Craik e Tulving (1975) demonstraram ainda que o processamento semântico


poderia ser objecto de diferentes níveis. Mesmo que todas as palavras fossem
processadas em termos de significado, aquelas palavras que tivessem sido
enquadradas numa estrutura sintáctica mais rica e elaborada eram melhor retidas
do que as palavras inseridas numa estrutura sintáctica simples.

A estrutura sintáctica foi manipulada numa experiência em que a tarefa dos


sujeitos era processar a palavra RELÓGIO escrita a maiúsculas numa das
frases seguintes: (1) “Ele deixou cair o RELÓGIO”; (2) “O velho senhor
atravessou a sala a coxear e pelo caminho levantou o lindo RELÓGIO
que estava pousado na artística mesa de mogno”. Os resultados indica-
ram que a recordação era muito superior para palavras inseridas numa
estrutura sintáctica rica e elaborada, expressa pela segunda frase, em
comparação com uma estrutura sintáctica simples, expressa na primeira
frase. Embora a palavra RELÓGIO tivesse sido processada em termos de
significado em ambos as frases, as diferenças de desempenho de memória
foram substanciais, entre 40 e 80%. Assim o processamento semântico pode
ser suplementado com um processamento mais extenso, elaborado e dis-
tintivo.

Outros estudos realizados no âmbito desta área revelaram ainda que o


processamento da informação é ainda mais profundo e o grau de retenção
mais elevado, quando as palavras são analisadas e associadas em relação à
personalidade da pessoa que as estuda em comparação com um processamento
semântico (e.g., Rogers et al., 1977). Neste sentido, Pinto (1991b, cap. 11) provou
ainda que o processamento da informação em termos de personalidade e de
episódios era equivalente entre si. Em termos de personalidade, uma pessoa
pode processar a palavra RELÓGIO, por exemplo, em termos do prazer e valor do
relógio que possui. Em termos de episódio pessoal, pode associar a palavra
RELÓGIO com um episódio que ocorreu no passado com este objecto, como
o relógio de ouro que recebeu em criança quando fez a comunhão solene
(e.g., Pinto, 1998b; Symons e Johnson, 1997). Uma importante implicação
prática deste tipo de estudos sugere que uma boa maneira de recordar material
verbal é relacioná-lo com aspectos da nossa personalidade ou com episódios
pessoais vividos.

136
© Universidade Aberta
O modelo de níveis de processamento é uma contribuição importante para
explicar a duração maior ou menor da informação na memória. Há no entanto
importantes objecções que este modelo não tem conseguido resolver. A objec-
ção mais frequente refere-se à circularidade de raciocínio na definição do que
é um nível mais superficial ou mais profundo. Esta definição depende do
desempenho obtido, que por sua vez tenta confirmar os níveis seleccionados.
Uma objecção mais pertinente foi formulada por Morris et al. (1977) argu-
mentando que o nível de processamento está dependente da prova de memória
que vier a ser aplicada. Se o processamento inicial for semântico, mas a prova
de memória for uma selecção de palavras que rimam, o desempenho é pior do
que se o processamento inicial tiver sido fonológico. Estes investigadores contes-
taram a hipótese de que o processamento semântico é mais memorável do que
o processamento fonológico, provando ainda que é preciso ter em conta o
modo como a memória é testada ou avaliada quando se tenta prever as
consequências de um nível de processamento seleccionado. Há assim uma
transferência de um nível de processamento para um tipo apropriado de prova
de memória, designando-se este fenómeno por transferência apropriada de
processamento.

3.4.3 Retenção na MLP

Ao longo da vida as pessoas adquirem grandes volumes de informação, mas


esta informação tem pouca utilidade se não puder ser usada. A MLP é o
repositório de toda a informação, que apesar de não estar a ser actualmente
usada pode vir a sê-lo no futuro. Todas estas informações envolvem um certo
grau de organização, sob pena de se tornarem inúteis em termos de uso e
recordação. Esta organização ocorre ao longo do processo de aquisição e
codificação, assim como ao longo do processo de recuperação. Para já vamos
concentrarmo-nos no processo de aquisição.

Quando a aquisição de novas informações se processam, o sistema cognitivo


estabelece uma espécie de organização automática e implícita, nomeadamente
em termos espaciais e temporais e provavelmente ainda em termos de agrado,
ameaça e dor. Esta organização automática da informação por mais elementar
que seja, pode ser suficiente para um organismo se orientar no seu meio
ambiente, encontrar alimento e fugir dos predadores. No topo desta organização
implícita, as pessoas são ainda capazes de organizar activamente a informação
através de processos voluntários como a categorização, hierarquização e
formação de imagens, cuja descrição é feita a seguir.

137
© Universidade Aberta
3.4.3.1 Categorização e hierarquização

A organização da informação-a-ser-evocada é fundamental para uma boa


recordação futura. Quanto melhor for a organização da informação, melhor
tende a ser o desempenho de memória. A organização da informação pode ser
externa ou interna. A organização externa é imposta pelo meio de transmissão
da informação, como o professor que antes de iniciar a aula apresenta o plano
da aula, o livro que no início do capítulo refere os temas que vão ser abordados,
ou o conferencista que apresenta um resumo no início da comunicação.
A organização interna ou subjectiva é elaborada pela pessoa no acto de aprendi-
zagem (e.g., Tulving, 1962). De facto a informação retida na memória orienta
a organização de novas informações percebidas.

Uma das primeiras investigações sobre os efeitos da organização na memória


foi o estudo clássico realizado por Bousfield (1953). Este investigador
apresentou uma lista de 60 palavras que incluíam 15 exemplares de quatro
categorias diferentes: vegetais, animais, profissões e nomes. Embora a ordem
de apresentação das palavras fosse completamente aleatória, os sujeitos
evocaram as palavras no final agrupando-as segundo as categorias prévias
numa percentagem maior por categoria do que seria de esperar pelo acaso.

Cofer et al. (1966) compararam a evocação de uma lista de palavras acres-


centando as categorias a que pertenciam, com a evocação da mesma lista sem
as categorias incluídas. Apesar da primeira lista ter um número maior
de palavras, a percentagem de evocação e o número de agrupamentos foi
maior na evocação das palavras da primeira condição do que na segunda
condição.

Além da organização, o modo como a informação está hierarquizada tem um


efeito bastante positivo. Bower et al (1969) apresentaram quatro slides de 28
palavras, num total de 112 palavras, tendo cada slide sido exposto durante 56
segundos. Metade dos sujeitos viram as 28 palavras de cada slide organizadas
de forma hierárquica em termos de inclusão de classes, conforme a Tabela
3.1; A outra metade dos sujeitos viu as mesmas 28 palavras dispostas
espacialmente em grupos, mas de forma aleatória. Os resultados do grupo que
viu as palavras organizadas e hierarquizadas em termos de inclusão evocou
mais do triplo das palavras no 1º ensaio e no 3º ensaio foi capaz de recordar
todas as 112 palavras (73, 106, 112, 112). Em contraste, o grupo que viu as
palavras sem organização hierárquica e inclusiva nem ao fim do 4º ensaio
tinha atingido o nível de evocação que tinha sido atingido pelo outro grupo no
primeiro ensaio (21, 39, 53, 70).

138
© Universidade Aberta
Tabela 3.1 – Hierarquia de minerais apresentada na experiência de Bower
et al. (1969).

MINERAIS

METAIS PEDRAS

Raros Comuns Ligas Preciosas Alvenaria

Platina Alumínio Bronze Safira Calcário


Prata Cobre Aço Esmeralda Granito
Ouro Chumbo Latão Diamante Mármore
Ferro Rubi Ardósia

Será que o benefício da organização da informação se situa ao nível da aquisição


da informação ou ao nível da evocação? Afinal é ao nível dos protocolos de
evocação que se observa se a organização teve ou não efeito. Vários estudos
indicaram que a organização tem um efeito maior ao nível da aquisição.

Caixa 3.1

Texto apresentado na experiência de Bransford e Johnson (1972)

A tarefa é bastante simples. Primeiro distribuem-se as partes em


vários montes. É óbvio que se pode fazer apenas um monte, se o
que houver para fazer for suficiente. Se não houver possibilidades
em casa, o próximo passo é ir a um local apropriado. Se houver, é
uma vantagem considerável. É bom não haver sobrecarga. Isto é, é
preferível fazer poucas coisas mais vezes, do que muitas de uma
vez só. Isto no princípio pode não parecer importante, mas podem
surgir facilmente complicações. Por outro lado, um erro pode ficar
bastante caro. No início o procedimento parece ser complicado,
mas em breve passa a ser uma actividade rotineira. É difícil prever,
no futuro imediato, um fim para a necessidade de realização desta
tarefa, mas quem sabe o que o futuro nos reserva. Depois do
procedimento ficar concluído, uma pessoa reparte as coisas pelos
seus lugares respectivos. Muito provavelmente voltarão a ser usadas
e todo o ciclo terá de ser repetido. No entanto isto faz parte da vida.
Veja-se o tema do texto no final deste Capítulo.

139
© Universidade Aberta
Hudson (1969) apresentou listas de palavras para evocar, pertencentes às
categorias redondo (bola, queijo, balão, etc.) e branco (linho, neve, ovo, etc.).
Os resultados de evocação foram melhores quando as categorias foram
apresentadas no início da apresentação da lista do que no final da lista ter sido
apresentada e antes da evocação ter lugar, provando assim que a identificação
prévia das categorias facilitou o agrupamento das palavras durante o decorrer
da apresentação.

A importância da categorização prévia foi ainda comprovada numa outra


experiência realizada por Bransford e Johnson (1972), onde foi apresentado,
em vez de uma lista de palavras, um texto complexo e difícil, exposto na
Caixa 3.1 a três Grupos de sujeitos: O 1º Grupo conhecia o tema do texto
antes de o ler; O 2º Grupo foi informado do tema no final da leitura, mas antes
da evocação ter lugar; O 3º Grupo (controlo) não foi informado nem antes
nem depois da leitura do texto. Os resultados obtidos indicaram que o melhor
desempenho foi obtido nos sujeitos do 1º Grupo, aqueles que puderam activar
mais facilmente uma estrutura de conhecimentos existente, de forma a melhor
interpretar e estruturar o significado do texto ouvido. O número médio de
ideias recordadas foi para o 1º Grupo 5,8; para o 2º Grupo 2,7; e para o 3º
Grupo 2,8.

3.4.3.2 Formação de imagens

Além da organização, a formação de imagens (imagery, em inglês) é uma


variável bastante eficaz para facilitar a retenção da informação de forma mais
permanente na memória. A formação de imagens envolve a criação de uma
imagem mental de objectos, seres e acontecimentos que não estão fisicamente
presentes. As palavras não têm o mesmo grau de criação e produção de imagens.
É mais fácil e rápido formar uma imagem mental de um cão ou de uma bola
do que de liberdade ou inflação. A habilidade para formar imagens, se for
devidamente treinada e apurada, pode permitir a obtenção de um desempenho
elevado no domínio da memória humana.

Estudos experimentais realizados por diversos investigadores revelaram de


forma consistente uma superioridade do grupo de sujeitos instruídos a formar
imagens interactivas e bizarras relativamente a outros grupos de sujeitos que
seguem instruções diferentes destas. Bower (1970) realizou uma experiência
para comparar os efeitos da formação de imagens na memória em relação a
outras variáveis alternativas. Pares de palavras (por ex., cão-bicicleta) eram
apresentadas a três grupos de sujeitos instruídos a formar imagens interactivas
(por ex., um cão a guiar uma bicicleta), imagens separadas (por ex., criar uma

140
© Universidade Aberta
imagem com um cão situado à esquerda e uma bicicleta à direita) ou a repetir
várias vezes o par de palavras apresentado visualmente. Os resultados revelaram
que o grau de evocação do grupo de imagens separadas foi quase metade
(27%) do grau de retenção observado no grupo de imagens interactivas (53%)
e praticamente semelhante ao grupo de repetição de palavras (30%). Estes
resultados e replicações posteriores (Bower, 1972) demonstraram que a
instrução para formar imagens interactivas, quando usada com habilidade,
pode proporcionar um grau de retenção bastante mais elevado do que o obtido
por outras estratégias alternativas.

A criação e formação de imagens é um procedimento explorado sistemati-


camente por certas pessoas que revelam uma memória excepcional, os
chamados mnemonistas. Um dos casos mais famosos foi o do mnemonista
Shereshevskii (ou sujeito S.), descrito por Luria (1968), que era capaz de criar
rapidamente uma imagem visual específica de números, cores, sons ou qualquer
outro fenómeno que experimentasse. Além de vívidas e expressivas, as imagens
formadas por Shereshevskii eram frequentemente bizarras e específicas e
envolviam experiências sinestésicas de dois ou mais sentidos. Um dia
Shereshevskii referiu-se à voz de Luria com a seguinte expressão: — “Que
voz amarela e quebradiça, o Sr. Luria tem!”

A eficácia das imagens em termos de memória é tanto maior quanto mais as


imagens forem bizarras, interactivas e cómicas (cujas iniciais formam a sigla
BIC). Formar uma imagem interactiva implica que os itens-a-recordar estejam
intimamente relacionados; não basta uma simples relação, é preciso obter-se
uma interacção profunda. Assim por exemplo, a associação entre as palavras
Livro-Fontanário pode ser feita a diversos níveis em termos de imagens a
formar. É possível imaginar: (1) Um livro pousado sobre a borda de um fonta-
nário; (2) O cano do fontanário em formato de livro aberto; (3) O cano do
fontanário parcialmente entupido com um livro preferido ou detestado por
onde saem algumas gotas de água tingidas de tinta. Neste exemplo, o grau de
interacção das duas palavras é provavelmente maior em (3) do que em (2) ou (1).

O exagero da situação, assim como o aspecto excêntrico e bizarro da imagem,


aumenta bastante o grau de singularidade e especificidade de um objecto tão
frequente e familiar como é um livro. Às vezes os aspectos bizarros e inter-
activos da imagem geram o riso pelo ineditismo da situação, outras vezes é
necessário distorcer exageradamente a imagem ou acentuar particularmente
um dos aspectos para que surja o elemento cómico da situação, à maneira do
caricaturista que distorce propositadamente elementos do rosto de uma persona-
lidade pública. Formar imagens com estas características torna o processo de
aquisição e codificação bastante mais elaborado, facilitando a retenção futura
do par de itens verbais.

141
© Universidade Aberta
Uma técnica de memorização, que explora intensamente a formação de imagens
bizarras, interactivas e cómicas, é a mnemónica dos lugares, uma das melhores
técnicas de apoio à memória humana até hoje inventadas. A mnemónica dos
lugares consiste em primeiro lugar na selecção de um determinado número de
lugares ao longo de um percurso. Em segundo lugar, o método dos lugares
requer a formação de uma imagem mental entre o lugar seleccionado e a
palavra, ideia ou acontecimento a memorizar. Por último, após ficar concluída
a formação das diferentes imagens mentais entre lugares e palavras-a-
memorizar, é possível recordar mais tarde todas as palavras, ou a maior parte
delas, percorrendo mentalmente cada lugar situado ao longo do percurso e
extraindo desse lugar a palavra associada à imagem. Veja-se uma breve
ilustração na Caixa 3.2 para 8 locais situados ao longo de um percurso bem
conhecido na baixa da cidade do Porto. Na mnemónica dos lugares o percurso
pode chegar a incluir dezenas de locais e edifícios, de preferência com funções
específicas e diferenciadas.

Caixa 3.2

Ilustração da mnemónica dos lugares

Locais do Porto Itens-a-recordar Imagem BIC

Estação S. Bento Carta (1)


Túnel da Pç Liberdade Pintura (2)
Multibanco Mobília
Torre dos Clérigos Vinho
Fontanário dos Leões Doença
Quartel da GNR Revista
Hospital de S. António Bandeira
Museu Soares dos Reis Café
(…) (…)

(1) Imagem possível: “O comboio pára na estação, as portas das


carruagens abrem-se e em vez de passageiros saem milhares de
cartas que entopem a estação”
(2) Imagem possível: “A pintura da Mona Lisa de Leonardo da
Vinci flutua na água que inundou o túnel, está manchada e tem
um sorriso apalhaçado!”.

142
© Universidade Aberta
Numa experiência com a mnemónica dos lugares, Pinto (1991b, cap. 10)
seleccionou um percurso com 36 locais, instruindo grupos de universitários a
formarem imagens BIC entre cada local e 36 palavras diferentes. Os resultados
médios obtidos ao longo de três ensaios foram respectivamente de 22, 27 e 29
palavras correctamente recordadas pela ordem de apresentação. A linha base
inicial sem a aplicação da mnemónica dos lugares foi de 7 palavras. É de
assinalar neste estudo que vários estudantes conseguiram evocar mais de 30
palavras, tendo alguns conseguido ainda evocar todas as 36 palavras
apresentadas, um resultado considerado à partida inacreditável pelos próprios.

A vantagem da mnemónica dos lugares reside no facto de que esta técnica


utiliza mecanismos eficazes ao nível da aquisição da informação e mais tarde
durante a fase de evocação. Durante a fase de aquisição estabelece-se uma
imagem interactiva bastante vívida e singular entre o local e a palavra-a-evocar
e como se viu anteriormente a formação de imagens proporciona um grau de
retenção elevado. Por outro lado, durante a fase de recordação, restabelece-se
o contexto de cada local percorrendo mentalmente a ordem dos lugares e
activando em cada lugar a imagem anteriormente formada e extraindo daí a
palavra associada.

Verifica-se na mnemónica dos lugares, segundo a teoria da codificação


específica de Tulving e Thomson (1973), uma correspondência total, ou pelo
menos bastante elevada, entre a fase de aquisição e a fase de recuperação em
termos de contexto ou indicadores usados. Este contexto refere-se naturalmente
aos locais seleccionados ao longo do percurso para codificação e mentalmente
percorridos no momento da evocação.

3.4.4 Recuperação da informação na MLP

A experiência passada afecta o comportamento presente das mais diversas


formas. A memória é o passado feito presente, mas não é a reprodução fiel e
integral do passado. Há diferenças entre o que foi originalmente aprendido no
passado e o que é recordado no presente. Esta diferença pode ser analisada de
forma mais qualitativa a partir dos erros e distorções observadas no relato de
episódios, ou de forma mais quantitativa, expressa em termos de média ou
percentagem de recordação de listas de itens verbais. Os métodos para medir
a memória ou grau de retenção são parcialmente diferentes, possuindo por
consequência diferentes sensibilidades a respeito da medição da quantidade
de informação retida. Os principais métodos, ou provas de memória, estudados
são a evocação, o reconhecimento, a reaprendizagem e a reconstrução, cuja
descrição breve será feita a seguir.

143
© Universidade Aberta
3.4.4.1 Provas de memória

A evocação consiste na reprodução consciente e activa de uma lista de itens


(palavras, sons, imagens, contos ou episódios). A prova de evocação pode
ocorrer em condições de total liberdade em termos de ordem de recordação
(evocação livre), em condições de recordação na ordem em que foram
apresentados os itens (evocação seriada), ou ainda a partir de um elemento
auxiliar (evocação auxiliada), como a primeira sílaba da palavra (ex., a sílaba
“car —” da palavra “carbono”), ou o primeiro membro de um par de palavras
previamente apresentadas (ex., o membro “vento” do par “vento-casa”). A
evocação é um método de aplicação fácil, muito usado no sistema escolar em
exames, mas é o menos sensível na avaliação da informação recordada,
principalmente quando se usa a evocação livre.

O reconhecimento é uma tomada de decisão sobre se um item apresentado se


identifica e compara com uma representação na memória. É uma decisão
pessoal, consciente e activa de se ter encontrado algo antes, por exemplo uma
palavra, um objecto ou um rosto. Normalmente o reconhecimento é medido
pedindo-se aos sujeitos para localizar ou identificar a resposta correcta num
grupo de outras respostas alternativas, que podem variar em extensão e
similaridade. Numa prova de reconhecimento o grau maior ou menor de
dificuldade depende do número de alternativas e do grau de similaridade com
a resposta correcta. Às vezes até pode ser mais difícil do que a evocação. Em
comparação com a prova de evocação livre, o reconhecimento, quando usada
numa situação escolar, é uma prova mais difícil de elaborar de forma correcta,
mas bastante mais objectiva e rápida na avaliação dos resultados.

A evocação e o reconhecimento são consideradas provas directas e explícitas


de memória, porque requerem uma recordação consciente, intencional e
deliberada dos itens ou acontecimentos previamente verificados. A evocação
livre é a prova de memória em que o sujeito tem menos índices de ajuda (ou
pistas) no acesso à informação, e a prova de reconhecimento é aquela em que
a ajuda é maior através da reposição da informação original.

A evocação exige mais atenção e recursos cognitivos do que o reconhecimento,


porque envolve um menor apoio na busca e recuperação da informação. As
provas que envolvem uma comparação entre evocação e reconhecimento
revelam em geral que o desempenho na prova de reconhecimento situa-se
normalmente por volta dos 80%, enquanto que o desempenho na prova de
evocação situa-se na ordem dos 40-50%. O desempenho na prova de evocação
auxiliada apresenta um valor intermédio entre o reconhecimento e a evocação
livre (e.g., Tulving e Watkins, 1973; Brown, 1976). O estudo de Tulving e
Watkins é uma boa ilustração.

144
© Universidade Aberta
Tulving e Watkins (1973) apresentaram a um grupo de sujeitos uma lista de
palavras, cada uma formada por cinco letras, tipo barco. A memória foi medida
através de condições de ajuda que variavam em função do número de letras
das palavras apresentadas durante a prova de memória e que ia de zero a cinco
(por ex., -, b, ba, bar, barc, barco). As seis condições tipificavam num dos
extremos uma prova de evocação livre (-) e no outro extremo uma prova de
reconhecimento (barco), com as quatro restantes condições intermédias a
representarem condições de evocação auxiliada. A percentagem de recordação
variou entre 25% (evocação livre) e 85% (reconhecimento). Como o grau de
aquisição foi idêntico em todas as condições, as diferenças de memória
observadas ocorreram ao nível da recuperação e resultaram da ajuda crescente
no número de pistas fornecidas.

A reaprendizagem consiste em voltar a aprender algo que já fora aprendido


antes. Ao efectuar-se uma reaprendizagem, aprende-se normalmente mais
depressa do que da primeira vez. Há uma poupança em termos de tempo
gasto ou do número de ensaios necessários para se obter o desempenho máximo
atingido na primeira vez. A reaprendizagem foi o método quantitativo inventado
por Ebbinghaus e já anteriormente referido. Em termos de revelação dos
conhecimentos disponíveis na memória é um método muito mais sensível do
que a evocação e o reconhecimento, principalmente para intervalos de tempo
longos. Veja-se a Caixa 3.3. É no entanto um método moroso e pouco prático
de aplicar, sendo esta a razão porque é preterido em relação aos métodos
anteriores no sistema escolar.

A completação ou reconstrução foi um método inicialmente usado em pessoas


com desordens de memória (Warrington e Weiskrantz, 1968), mas que se
revelou bastante popular nas últimas duas décadas, sendo usado com frequência
quer com pacientes amnésicos quer com pessoas normais. Nesta prova os
participantes inspeccionam, numa primeira fase, uma lista de palavras na
ausência de instruções específicas para as memorizar (ex., grade) e depois são
confrontados, numa segunda fase, com uma lista de radicais das palavras (ex.,
gra — ), referentes a palavras da lista inicial ou antiga e palavras novas, tendo
por tarefa indicarem a primeira palavra que lhes vem à cabeça (ex., graça,
grade, gralha?).

Os resultados revelam que os sujeitos seleccionam e completam mais palavras


da lista inicial (ex., grade) em relação ao que seria de esperar pelo acaso,
revelando assim a presença do passado no desempenho presente, isto é, a
memória de uma situação passada. Os sujeitos raramente têm consciência da
opção feita por uma palavra da lista anterior, o que levou os investigadores a
classificarem a prova de completação como uma prova de memória implícita.

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Caixa 3.3

Recordação do conhecimento escolar

A prova de reaprendizagem de medição de memória de Ebbinghaus


é uma boa simulação experimental da situação de retenção de
conteúdos escolares a longo prazo. Quando um estudante aprende
uma grande quantidade de conteúdos escolares nas diversas
disciplinas que frequenta ao longo do sistema escolar, verifica-se
que uma parte significativa desses conteúdos apenas estão acessíveis
na altura do exame da disciplina, normalmente avaliada de acordo
com uma prova de memória por evocação. Passados porém algumas
semanas ou meses, a maior parte daquilo que foi aprendido numa
disciplina escolar é inacessível à memória em termos de recordação
consciente através da prova de evocação, a mais frequentemente
usada, a menos que os respectivos conteúdos tenham sido integrados
em disciplinas posteriores. No entanto, se o conhecimento anterior-
mente adquirido for expresso através do tempo de reaprendizagem
da informação antiga, verifica-se com alguma surpresa uma aqui-
sição rápida dos conteúdos que se julgavam esquecidos. A
reaprendizagem revela a poupança retida, tornando acessível mais
rapidamente o que estava inicialmente disponível mas era ina-
cessível.

Esta prova tornou-se bastante popular nos meios de investigação a partir da


descoberta, considerada bastante importante, de que as diferenças de
desempenho eram diminutas entre jovens, idosos e pacientes amnésicos na
prova de completação, em contraste com as diferenças observadas entre estes
grupos em provas de evocação e reconhecimento, em que as diferenças eram
bastante elevadas com prejuízo para os amnésicos (e.g., Graf e Schacter, 1985;
Graf e Masson, 1993).

Graf e Schacter (1985) descobriram que sujeitos amnésicos apresentavam um


desempenho bastante inferior (4%) em provas de memória explícita (evocação)
em relação aos sujeitos normais (65%), mas não apresentavam diferenças de
maior (35 e 37%) nas provas de memória implícita de completação de radicais.
O grupo de controlo, que não tinha visto inicialmente as palavras, apenas
recordou 12%. A diferença significativa entre 12 e 35% é uma prova experi-
mental de que os pacientes amnésicos são capazes de recordar informação
recentemente apresentada. Afinal a informação da lista anterior estava retida e

146
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disponível, mas a via de acesso estava impedida ou não era a mais indicada
quando a evocação foi usada. Prova-se assim que as dificuldades de memória
devem-se fundamentalmente a problemas de recordação ou recuperação e
não a problemas de aquisição, como à partida seria mais fácil de sugerir.

Conta-se a este respeito que um dia o suíço Claparède cumprimentou uma das
suas pacientes que sofriam de amnésia com uma pionaise escondida na mão.
Nos dias seguintes, a paciente recusou-se a cumprimentar Claparède, mas não
sabia explicar porquê. Apesar desta paciente não ter qualquer recordação
consciente do facto passado, revelou uma memória da situação através da
modificação do comportamento.

Caixa 3.4

Erros de reprodução de memória (Alves dos Santos, 1923)

Crianças da 4ª classe (10-13 anos) leram o texto seguinte, tendo de


efectuar no final uma reprodução imediata. Uma reprodução diferida
foi pedida passados 8 dias:
“Nesse dia caiu o governo; mas o nobre ministro dos Negócios
Estrangeiros, ao descer as escadas do seu ministério, poderia dizer,
com um alto espírito: “A história tem dias tristes, mas não tem dias
estéreis”. Cumpri o meu dever; honrei o meu nome e o da minha
Pátria; a posteridade me vingará ...”
Reproduções das crianças:
“Nesse dia caiu o governo; mas o nobre dos negócios Estrangeiros
ao descer as escadas poderia dizer com um alto espirito honrai o
meu nome e o da minha patria. A prosperidade me vingará.” —
João, 13 anos, Rep. imediata.
“Nesse dia caiu o governo do nobre ministro o ministério caiu nas
escadas a história tem dias estereis e bom para a patria para a alma.”
— Júlio, 10 anos, Rep. imediata.
“Mas o nobre ministerio do Estrangeiro ao descer as escadas dize a
historia tem dias tristes mas não tem dias esteres honrai o meu nome
e o da minha patria.” — João, 13 anos, Rep. diferida.
“Nesse dia caiu o governo; mas ao descer as escadas do seu governo
Estrangeiro disse em altos gritos. A historia tem dias falsos, mas
não tem dias estereis. Cumpri o meu dever, honrei o meu nome e o
da minha patria.” — António, 10 anos, Rep diferida.

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Schacter (1987) propôs a classificação das provas de memória em duas
categorias: Métodos explícitos e métodos implícitos. Os métodos explícitos
são constituídos pelas provas de evocação e reconhecimento e requeriam uma
recordação consciente das experiências passadas. Os métodos implícitos são
constituídos por diversas provas que não envolvem uma recordação consciente,
de que se destacam as seguintes: A prova de completação de radicais (ex.,
gra —) ou fragmentos (ex., -ra-e), reconstrução de pares de palavras ou
gravuras, a reaprendizagem e a identificação de palavras apresentadas
rapidamente ou de forma degradada.

Em contraste com os métodos quantitativos precedentes, é de salientar o uso


de métodos ou provas de análise qualitativa. Bartlett (1932) é conhecido por
toda a comunidade científica de memória por ter efectuado uma análise
qualitativa das recordações de um conto índio, intitulado A Guerra dos
Fantasmas, anteriormente citado. Antes de Bartlett (1932) há um estudo anterior
de análise qualitativa de memória realizado pelo português Alves dos Santos
(1923). Alves dos Santos estudou a reprodução imediata e diferida de um
pequeno texto por parte de crianças da 4ª classe depois de o terem lido e estu-
dado. São consideráveis os erros de reprodução expressos em termos de modi-
ficações, distorções e acrescentos, conforme se pode verificar pela Caixa 3.4.

Mais recentemente Neisser (1982) usou também o método da reprodução


repetida num estudo sobre o depoimento de John Dean no caso Watergate.
Este alto funcionário do governo do Presidente Nixon dos EUA foi apelidado
O Gravador Humano pelos jornalistas devido à capacidade assombrosa para
relatar episódios com alto grau de pormenor passados alguns meses antes na
sala oval da Casa Branca. Quando o depoimento de Dean foi conferido com
as gravações secretas efectuadas por Nixon e mais tarde tornadas públicas,
verificou-se que o depoimento d’O Gravador Humano, embora “essen-
cialmente correcto, não era literalmente fiel em nenhuma ocasião” (Neisser,
1982, ob. cit. p. 158). Como facilmente se deduz, a análise qualitativa da
memória tem implicações importantes para a avaliação da veracidade e
fidelidade de testemunhos proferidos num contexto judicial.

3.5 O problema do esquecimento

A capacidade e duração da informação na memória humana é bastante elevada,


mas a nossa experiência diária confirma a omnipresença do esquecimento, às
vezes, em situações bastante embaraçosas como em exames ou num encontro
inesperado com um amigo que já não se via há vários anos. O esquecimento é
a prova diária de que a nossa memória é falível. Na maior parte dos casos

148
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ocorre em condições normais e previsíveis, pode mesmo ser benéfico e só em
casos raros é que se torna um fenómeno incapacitante.

A recordação está intimamente associada à organização inicial dos materiais


para acesso futuro, isto é, ao modo como a informação foi inicialmente perce-
bida e codificada, organizada e ao modo como esta codificação e organização
estão acessíveis. Repare-se no que seria a busca de um livro numa biblioteca
central se não se tivesse acesso ao ficheiro. A busca do livro pretendido dificil-
mente seria conseguida.

O esquecimento é a dificuldade de recordar a informação no momento mais


adequado. O esquecimento pode ser definitivo, devido à deterioração completa
do traço de memória. Neste caso fala-se de esquecimento dependente do traço.
Ou pode ser temporário, devido à ausência de um indicador, pista ou fragmento
de informação que possa conduzir ao traço de memória retido. Neste caso
fala-se de esquecimento dependente do indicador ou pista, já que a informação
está disponível, mas não é imediatamente acessível (Tulving e Pearlstone, 1966).
Historicamente foram propostas diferentes teorias e explicações sobre a natureza
do esquecimento, como as teorias do desuso, interferência, incongruência
contextual e recalcamento, que serão analisadas a seguir.

3.5.1 Teoria do desuso

A teoria do desuso, conhecida também por teoria do declínio temporal do


traço de memória, afirma que o esquecimento depende da falta de uso durante
o período de permanência da informação na memória. Assim a informação na
memória é tanto mais robusta quanto mais recentemente tiver sido apresentada
e tanto mais débil quanto maior for o tempo sem uso na memória. A repetição
é o processo que facilita a conservação do traço de memória. Se a repetição
for suspensa, o traço de memória começa a enfraquecer e a deteriorar-se.

A teoria do desuso é uma explicação intuitiva e popular do esquecimento,


ouvindo-se às vezes dizer a propósito “com o tempo acaba-se por esquecer”.
Apesar do apelo alcançado nos meios não-científicos, esta teoria não tem
conseguido obter a confirmação ou rejeição experimental. A principal razão
deve-se ao facto de ser praticamente impossível eliminar todas as possíveis
fontes de interferência numa situação experimental. Imagine-se que se pretende
demonstrar que os traços de memória das palavras de uma lista enfraquecem
com o tempo e esta debilidade é maior passadas 10 horas do que passada uma
hora. Para o efeito a pessoa A aprende uma lista e após um intervalo de retenção
de 10 horas é sujeita a uma prova de memória; na pessoa B, o intervalo de
retenção é de 1 hora. Para se estar certo de que o esquecimento foi devido ao

149
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decurso do tempo (A esquece mais do que B) e não à interferência retroactiva,
é preciso evitar que as pessoas aprendam algo durante o intervalo de retenção.

Uma solução seria pôr o sujeito a dormir, mas mesmo neste caso a solução
não eliminaria a possibilidade de uma certa aprendizagem ocorrer na fase de
adormecer, ao acordar ou até em sonhos. E mesmo que se conseguisse eliminar
toda a aprendizagem durante o intervalo de retenção, não seria ainda possível
atribuir o esquecimento ao decurso do tempo. O esquecimento poderia ser o
resultado da interferência proactiva, já que todas as outras experiências prévias
do sujeito constituem fontes de interferência proactiva.

A realização de uma experiência para avaliar de forma inegável os efeitos do


tempo parece ser impossível. Houve no entanto algumas tentativas experi-
mentais para se avaliar os efeitos do tempo no grau de retenção. Conrad e
Hille (1957) variaram sistematicamente o ritmo de apresentação de listas de
itens. De acordo com a teoria do desuso, ritmos de apresentação rápidos
favoreciam a evocação, porque o intervalo de tempo entre a duração média de
apresentação e o início da evocação é menor do que para ritmos de apresentação
mais longos. Os resultados indicaram que a condição de apresentação mais
rápida produziu uma melhoria de cerca de 10% na percentagem de evocações
correctas.

Pinto e Baddeley (1991) analisaram a memória espacial para o local de


estacionamento do carro dos participantes na experiência, após intervalos de
retenção de 2 horas, uma semana e um mês, tendo verificado que a percentagem
de evocações correctas nestes três intervalos de retenção foi de 72, 73 e 72%
respectivamente. Estes resultados indicaram que o intervalo de tempo não
teve efeito no grau de retenção e que o estacionamento noutros locais, anteriores
ao teste ou nos intervalos de retenção de uma semana e um mês, não interferiu
no grau de evocação. No entanto, noutra experiência realizada a seguir, o
desempenho de memória baixou de 72% para cerca de 40%, quando os parti-
cipantes estacionaram no mesmo parque em duas alturas diferentes durante o
intervalo de um mês.

Estes resultados sugerem que o factor interferência é responsável pela


diminuição de 72% para cerca de 40% na segunda experiência, mas fica por
explicar a diminuição de 100% para 72% ao fim de 2 horas na primeira
experiência! Terá sido o decurso do tempo? É difícil saber. Pinto e Baddeley
(1991) sugerem em alternativa a hipótese de discriminação temporal para
explicar a dificuldade de recordação de acontecimentos passados. Esta hipótese
é melhor compreendida a partir da analogia da recordação com a percepção e
discriminação de dois postes telefónicos adjacentes numa longa fila de postes
a perder-se de vista no horizonte. Embora o intervalo entre os postes seja o
mesmo, postes adjacentes mais próximos do observador são melhor
discriminados do que postes mais afastados.

150
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3.5.2 Teoria da interferência

Uma das teorias mais importantes do esquecimento na memória é a interferência,


quer sob a forma retroactiva quer proactiva. A interferência retroactiva foi
inicialmente estudada por McGeoch (1932), enquanto que a interferência
proactiva foi descoberta bastante mais tarde por Greenberg e Underwood
(1950). A teoria da interferência afirma que o esquecimento é o resultado da
competição entre diferentes memórias. À medida que a quantidade de
informação retida na memória aumenta passa a ser mais difícil identificar e
localizar um determinado item.

A interferência retroactiva ocorre quando a evocação (EA) de uma lista de


palavras (A) é afectada negativamente pela aprendizagem posterior de outra
lista semelhante (B). O procedimento clássico para investigar a interferência
retroactiva recorre à comparação do desempenho entre dois grupos: Grupo
experimental: (A, B, EA); Grupo de controlo: (A, —, EA).

McGeoch e MacDonald (1931) investigaram a interferência retroactiva nesta


experiência clássica: Numa 1ª fase os sujeitos aprenderam uma lista de 10
palavras a um critério de 100%. Durante o intervalo de retenção de 10 minutos
que se seguiu, os sujeitos foram divididos em 6 grupos, tendo 5 aprendido
uma lista B diferente: O 1º grupo fez uma 2ª aprendizagem de uma lista de
dígitos; O 2º grupo aprendeu uma lista de sílabas-sem-significado; O 3º grupo
aprendeu uma lista de palavras-não-relacionadas; O 4º grupo aprendeu uma
lista de palavras antónimas; O 5º grupo aprendeu uma lista de palavras
sinónimas; O 6º grupo, grupo de controlo, não fez nada e ficou a descansar.
Dez minutos após a aprendizagem inicial, os sujeitos foram solicitados a evocar
(EA) o maior número de palavras da lista inicial A.
O número médio de palavras evocadas em cada um dos grupos está repre-
sentado na Figura 3.5. Estes resultados indicam que quanto maior for o grau
de similaridade em termos de significado entre a lista intermediária B e a lista-
-a-ser-evocada A, maior é a interferência retroactiva e por conseguinte menor
é o grau de evocação.
O número médio de palavras evocadas em cada um dos grupos está repre-
sentado na Figura 3.5. Estes resultados indicam que quanto maior for o grau
de similaridade em termos de significado entre a lista intermédia B e a lista-a-
-ser-evocada A, maior é a interferência retroactiva e por conseguinte menor é
o grau de evocação.
A interferência proactiva ocorre quando a evocação (EB) de uma lista de
palavras (B) é afectada negativamente pela aprendizagem prévia de outra lista
semelhante (A). O procedimento clássico para investigar a interferência
proactiva recorre à comparação do desempenho entre dois grupos: Grupo
experimental: (A, B, EB); Grupo de controlo: (—, B, EB).

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Figura 3.5 - Número médio de palavras correctamente evocadas de uma lista
inicial em função da aprendizagem efectuada numa lista inter-
média. Ilustração da experiência de McGeoch e MacDonald (1931).

Os efeitos da interferência proactiva foram demonstrados por Greenberg e


Underwood (1950) numa experiência clássica importante. Na primeira sessão,
um grupo de sujeitos aprendeu uma lista de 10 palavras segundo um critério de
100%. Esta 1ª lista foi evocada na 2ª sessão após um intervalo de retenção de 10
minutos. No final da 2ª sessão, e após os sujeitos terem evocado a lista 1, foram
solicitados a aprender uma 2ª lista. Na 3ª sessão, iniciada 10 minutos depois,
evocavam a lista 2 e aprendiam uma 3ª lista. Na 4ª sessão, iniciada 10 minutos
depois, evocavam a lista 3 e aprendiam a 4ª lista. Finalmente na 5ª sessão evocavam
apenas a lista 4. Ao todo os sujeitos aprenderam 4 listas e evocaram as palavras da
última lista anteriormente aprendida após um dos 3 intervalos de retenção seguintes:
(a) 10 minutos depois, como no caso do grupo anteriormente descrito, (b) 5 horas
depois e (c) 48 horas depois, como aconteceu aos grupos dois e três.

Os resultados obtidos estão expostos na Figura 3.6 e indicam o número de


palavras correctamente evocadas em função, quer do número de listas, quer
do intervalo de retenção. Os resultados revelam que a interferência proactiva
aumenta com o número de listas previamente aprendidas, mas este efeito ocorre
principalmente com intervalos de retenção mais longos. A interferência
proactiva é assim uma função quer do número de listas anteriormente aprendidas
quer do valor do intervalo de retenção. É muito importante notar que o perfil
destes resultados é uma função de recordação (recuperação ou de memória) e
não de aquisição (ou de aprendizagem), já que as listas foram inicialmente
aprendidas segundo um critério de 100%. Segundo Underwood (1957) a
interferência proactiva seria, dos dois tipos de interferência, a mais importante.

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Figura 3.6 - Número médio de palavras correctamente evocadas de uma lista
em função quer do número de listas previamente aprendidas quer
de 3 intervalos de retenção. Ilustração da experiência de
Greenberg e Underwood (1950).

A interferência, enquanto teoria geral do esquecimento na memória, enfrenta


algumas dificuldades. Numa experiência, Tulving (1967) apresentou uma lista
de palavras (A) e depois requereu três ensaios de evocação (E) seguidos
(AEEE). O número de palavras recordadas em cada uma das provas de
evocação permaneceu constante, mas as palavras recordadas não foram sempre
as mesmas. Apenas metade das palavras da lista foram recordadas em todos os
três ensaios, enquanto que a outra metade às vezes era recordada, outras vezes
não. Houve palavras que não foram recordadas no primeiro ensaio e passaram
a sê-lo no segundo ou terceiro ensaios.

Estes resultados não podem ser explicados satisfatoriamente, nem pela teoria
da interferência, nem pela teoria do desuso. Não se explica pela teoria da inter-
ferência, porque se a interferência actua no 1º ensaio produzindo uma “desapren-
dizagem” ou competição inibidora entre as palavras, não pode deixar de actuar
também no 2º e 3º ensaios. Nem se explica pelo desuso, porque o 3º ensaio de
evocação está mais afastado do final da aprendizagem do que o 1º ensaio.

O português Sílvio Lima (1928) já tinha observado este fenómeno que designou
por “instabilidade do esquecido” (vide Sílvio Lima, 1928, p. 130). Para melhor
caracterizar esta “instabilidade do esquecido” Sílvio Lima usou até uma quadra
popular: “O que agora me lembra/ pode daqui a instantes esquecer-me/ como
o que agora me esquece/ pode daqui a instantes lembrar-me”. O esquecimento

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é um processo instável e ocorre principalmente ao nível da fase de recuperação,
como tenta provar o modelo explicativo seguinte.

3.5.3 Incongruência contextual

É opinião corrente que o esquecimento no dia a dia depende do modo como a


informação foi adquirida. Se uma pessoa estiver atenta ou se o aluno prestar
atenção, então não há esquecimento. Isto é uma meia-verdade, porque a codi-
ficação ou aquisição não é suficiente se não se tiver em conta a fase de
evocação. A informação pode estar disponível na memória, mas o acesso estar
transitoriamente impedido. A dificuldade de acesso deve-se à ausência de um
indicador ou pista adequada. Segundo Tulving (1983) o acesso à informação
armazenada é dirigido por meio de pistas de recuperação ou indicadores, que
podem revestir elementos de significado das palavras, elementos ambientais
ou ainda elementos orgânicos e emocionais. Tais indicadores seriam codificados
com os itens-a-ser-recordados na altura da aquisição, e posteriormente, quando
a recordação viesse a ocorrer, serviriam para indicar a “via de acesso” à
informação retida na memória.

Tulving e colaboradores (e.g., Tulving e Thomson, 1973) defenderam a posição


de que nenhum indicador, pista ou contexto, independentemente do maior ou
menor grau de associação com o item-a-ser-recordado, poderia facilitar
maximamente a evocação desse item, a menos que tivesse estado presente na
fase da codificação. Assim na evocação da palavra FRIO no contexto «FRIO-
terra», a pista mais indicada para aceder à palavra FRIO será terra e não a
palavra quente — apesar do par quente-frio ter um grau de associação elevada
— porque na altura da codificação, a palavra FRIO foi codificada e percebida
em associação com terra e não com a palavra quente.

No seguimento de uma série de experiências realizadas por Tulving e


colaboradores, Tulving e Thomson (1973) formularam o princípio da codifi-
cação específica, que teria por base os seguintes postulados:

• O modo como os itens são percebidos afecta o modo como são retidos
ou armazenados.

• Os indicadores seleccionados na altura da codificação determinam o


tipo de indicadores que facilitarão o acesso à informação retida.

• Quanto maior for a concordância entre os indicadores usados na fase


de codificação e na fase de recuperação, melhores serão os resultados
obtidos.

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O princípio de codificação específica defende que uma pista só é maximamente
eficaz na recuperação da informação, se tiver sido usada na altura da apresen-
tação na codificação dos itens. Por outras palavras, uma pista só é eficaz em
termos de recordação se tiver sido percebida no contexto de aquisição. A
representação da informação na memória é assim o resultado da interacção
entre aquisição e recuperação. Deste modo, a maior parte do esquecimento a
que estamos habitualmente sujeitos é um esquecimento dependente da pista
ou indicador, devido ao uso de pistas inadequadas.

As demonstrações experimentais do princípio da codificação específica


envolvem um plano factorial 2 x 2, em que são usadas duas condições de
codificação “AB” que covariam com duas condições de evocação “ab”. O
princípio da codificação específica prevê que o desempenho será melhor nas
condições “Aa” e “Bb” em que há uma concordância de índices e pistas
contextuais, do que nas condições “Ab” e “Ba” em que a concordância está
ausente ou é menor. Esta previsão foi verificada num contexto verbal por
Tulving e Osler (1968) quando observaram que o desempenho era superior
nas condições em que os indicadores estavam presentes na fase de codificação
e na fase de evocação (por ex., o indicador “gordo” para aceder à palavra-a-
evocar CARNEIRO) do que nas condições em que o indicador estava apenas
presente numa das fases. Os resultados desta experiência estão expostos na
Figura 3.7, onde se verifica que o desempenho mais elevado ocorre nas
condições congruentes.

Figura 3.7 - Número médio de palavras correctamente evocadas em função


da presença ou ausência de indicadores nas fases de codificação
e de evocação. Ilustração da experiência de Tulving e Osler (1968).

155
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Num contexto ambiental, Godden e Baddeley (1975) verificaram que a
evocação de listas de palavras por parte de mergulhadores era melhor sempre
que se verificava uma concordância de contexto físico entre as fases de
apresentação e de evocação (por ex., “terra-terra” ou “mar-mar”) relativamente
às condições em que havia discordância (“terra-mar” ou “mar-terra”). Por
exemplo, a visita feita umas décadas depois à escola primária ou à casa onde
se viveu na infância pode desencadear uma série de recordações de episódios
passados e até a lembrança de alguns nomes de colegas e professores que se
julgavam completamente esquecidos. Esta situação designa-se por esqueci-
mento dependente do contexto.

Num contexto orgânico, Eich et al. (1975) verificaram que a evocação de


uma lista de palavras era melhor evocada quando o estado orgânico era similar
na fase de codificação e de evocação (por ex., “sóbrio-sóbrio” ou “tóxico-
-tóxico”) em relação às condições incongruentes.

Verificou-se ainda que a memória é afectada pelo contexto ou estado emocional.


Bower, Monteiro e Gilligan (1978) usaram a hipnose para induzir estados
e disposições alegres ou tristes. Obtido o estado emocional pretendido,
apresentou-se aos sujeitos duas listas de palavras que mais tarde evocaram
num contexto emocionalmente congruente com o contexto inicial ou num
contexto divergente. Os resultados indicaram um grau de evocação maior
quando houve concordância entre o estado emocional na fase de aquisição e
na fase de evocação do que nas fases de contexto emocional divergente. Este
fenómeno designa-se por esquecimento dependente do estado.

O conjunto destes estudos e outros similares revela um apoio significativo


para o princípio de codificação específica e para o papel dos factores de
recordação e recuperação no esquecimento e memória, apoiando a mudança
progressiva da ênfase posta apenas na fase de codificação e nos diversos tipos
de processamento envolvidos, para passar a ressaltar a interacção entre as
fases de codificação e de recuperação.

3.5.4 Recalcamento

Freud sugeriu que o esquecimento era motivado, isto é, os sujeitos reprimiam


aquelas ideias ou pensamentos que pareciam ameaçadores e perturbadores e
transferiam-nos da consciência para o inconsciente de forma a sentirem-se
melhor protegidos. Assim o inconsciente seria constituído em grande parte
por memórias recalcadas, que continuavam a exercer os seus efeitos de forma
indirecta através de tiques e aversões, apesar de não se ter consciência de tal.

156
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Este tipo de comportamentos é também conhecido actualmente por memórias
orgânicas. Freud referiu várias situações deste tipo na sua importante obra
Psicopatologia da Vida Quotidiana (Freud, 1901/1960). Segundo Freud o
acesso a este tipo de memórias inconscientes apenas era possível através da
psicanálise.

Os casos de esquecimento total para acontecimentos específicos ocorrem em


diversos períodos da vida. Christianson e Nilsson (1984) descreveram o caso
de uma amnésia funcional, de que foi vítima CM, depois desta ter sido assaltada
e violada no decurso de um exercício de jogging em Estocolmo. Quando CM
foi encontrada, não sabia quem era nem o que lhe tinha acontecido. A amnésia
funcional de CM durou quatro meses até ao dia em que recomeçou as corridas
de jogging e passou pelo local do assalto, que provavelmente lhe trouxe à
memória a recordação do acontecimento sofrido. Noutro contexto verificou-
se que os autores de crimes violentos referem muitas vezes em tribunal não ter
qualquer memória do que se passou. Embora este esquecimento possa ser
nuns casos uma tentativa de fingimento, noutros representa um recalcamento
efectivo do crime causado pelo trauma do acontecimento.

O problema com a teoria do recalcamento é a dificuldade em obter provas a


favor, a partir de situações experimentalmente controladas, apesar das “provas”
clínicas apresentadas por Freud e pelos seus seguidores. Esta teoria apresenta
uma explicação plausível para o esquecimento das experiências pessoais
traumáticas e desagradáveis — que devido à sua natureza ameaçadora são
recalcadas ou geram fugas e dissociações — mas tem grandes dificuldades em
explicar o esquecimento das experiências pessoais agradáveis da infância e
adolescência. Por outro lado, a teoria do recalcamento não explica porque é
que o esquecimento aumenta com o intervalo de tempo.

A teoria do recalcamento foi objecto de grande atenção na década de 90 devido


a notícias nos meios de comunicação sobre adultos que recordaram durante o
processo terapêutico situações traumáticas de abuso sexual por parte de
familiares ou situações em que foram vítimas de cultos satânicos durante a
primeira infância. Algumas destas memórias revelaram-se verdadeiras, mas
outras foram construídas pelas pacientes a partir de sugestões e interpretações
terapêuticas. É significativo a este respeito o estudo de Williams (1994). Esta
investigadora entrevistou 128 mulheres que tinham sido levadas à urgência
hospitalar antes dos 12 anos por razões de abuso sexual. A entrevista ocorreu
17 anos depois do registo hospitalar e verificou-se que 38% não tinham qualquer
memória sobre o episódio hospitalar (ou não quiseram recordá-lo!). Pode dizer-
se que 38% significa recalcamento inconsciente na perspectiva freudiana, mas
também pode inversamente afirmar-se que 62% foram capazes de recordar o
passado de forma consciente.

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Sendo as experiências agradáveis e desagradáveis objecto de esquecimento,
uma explicação alternativa para a menor recordação de memórias desagradáveis
pode dever-se à menor frequência repetitiva. É possível que as pessoas tenham
uma maior tendência a seleccionar, recordar e comunicar acontecimentos
agradáveis da vida do que insucessos e acontecimentos desagradáveis. A
lembrança, repetição e reprodução frequente de recordações agradáveis permite
uma maior contextualização, consolidação e rapidez de acesso, principalmente
quando a pessoa se encontra num estado emocional congruente.

3.5.5 Esquecer é recordar

O esquecimento também é benéfico. Numa perspectiva clínica, o esquecimento


é um mecanismo cognitivo com grande poder terapêutico e curativo,
principalmente quando é capaz de varrer da nossa mente certas memórias
amargas e penosas, por vezes traumáticas, que peregrinam as noites de pesadelo
em pesadelo. O esquecimento não é necessariamente um sinal de que a
memória é um sistema defeituoso ou imperfeito. Pelo contrário, importa ver o
esquecimento de forma positiva como um mecanismo importante de libertação
de informações irrelevantes e triviais.

Jorge Luis Borges (1942/1998) conta a história Funes ou a Memória, um


personagem de ficção que memorizava tudo: “Disse-me: «Mais recordações
tenho eu sozinho do que devem ter tido todos os homens desde que o mundo
é mundo»” (op. cit. p. 507) e mais adiante “Funes não só se lembrava de cada
folha de cada árvore de cada monte, como também de cada uma das vezes
que a tinha notado ou imaginado” (p. 507-8). Mas Funes paga um preço elevado
por esta capacidade de memória. A mente de Funes estava tão abarrotada de
pormenores imediatos que era incapaz de generalizar de uma experiência para
outra.

Anos mais tarde, o neuro-psicólogo russo Luria (1968) publicou o caso verídico
de Shereshevskii (ou S.), um jornalista com uma memória excepcional, que
tinha o problema de não ser capaz de esquecer. Shereshevskii tinha a memória
tão sobrecarregado de inúmeros pormenores que lhe era quase impossível ler
livros ou pensar em termos abstractos. Borges (1942/1998) tinha razão ao
afirmar neste contexto que “Pensar é esquecer diferenças, é generalizar,
abstrair” (o. cit., p. 508).

Esquecendo, a mente humana não só se liberta de inúmeras futilidades


diariamente adquiridas, mas também reserva espaço para conservar aquilo
que realmente importa recordar. E o que importa realmente recordar no dia a
dia pode ser conseguido através da repetição, compreensão, organização e

158
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integração da informação, formação de imagens e contextualização, entre outros
processos cognitivos.

3.6 Recordação e reconstrução

A recordação do passado nem sempre é imediata e directa. Muitas vezes é


uma busca dinâmica pela melhor interpretação, que pode ser a que parece
mais lógica ou a que nos é mais favorável. Para começar pode-se afirmar que
a informação adquirida é modificada até certo ponto pelo receptor da mesma.
De facto o aparelho sensorial humano está preparado para captar uma banda
limitada de informações sensoriais em contraste com outros seres vivos que
são capazes de captar informações externas mais extensas. Em psicologia
cognitiva há uma distinção importante e clarificadora entre processamento
ascendente e processamento descendente.

O processamento ascendente é um processamento que começa na análise da


informação captada pelos órgãos sensoriais e sobe progressivamente até níveis
de análise cada vez mais complexos. A percepção é directa no sentido de que
a informação é directamente extraída da “matriz sensorial” sem recurso a
esquemas e representações intermédias.

O processamento descendente parte do conhecimento e expectativas que uma


pessoa tem sobre o modo como este ou aquele objecto se parecem, influenciando
a sua identificação. O conhecimento de que somos portadores, as estratégias,
as expectativas, a experiência passada e os nossos interesses influenciam o
modo como uma pessoa interpreta os estímulos sensoriais recebidos.

A ênfase nos processos activos do sujeito, que reflecte a predominância


crescente da perspectiva cognitiva na investigação psicológica, faz ressaltar o
papel fundamental do aparelho cognitivo humano na percepção e organização
do conhecimento. Para os construtivistas, a percepção é indirecta, inferencial
e construtiva. A percepção é algo mais do que o registo directo das sensações,
já que entre a estimulação e a experiência perceptiva intervêm outros
acontecimentos, como a atenção, a memória das experiências passadas, a
capacidade de raciocínio, as necessidades orgânicas e sociais, os estereótipos
e representações da realidade social. A percepção e a memória são selectivas,
porque em cada momento apenas percebemos e compreendemos uma parte
da estimulação sensorial.

Na literatura científica da memória há bastantes estudos que demonstraram o


papel selectivo e construtivo da memória. Alguns destes estudos, considerados
clássicos, são referidos a seguir.

159
© Universidade Aberta
A tendência das pessoas para reconstruir os acontecimentos passados que
presenciaram foi apoiada a partir do famoso estudo de Loftus e Palmer (1974).
Estes investigadores apresentaram a um grupo de sujeitos um filme que des-
crevia um desastre automóvel, fazendo no final diversas perguntas sobre o que
tinham observado. Uma das perguntas cruciais era: — “A que velocidade circu-
lavam os carros quando se esmagaram um contra o outro?” A estimativa média
foi de 65,6 Km/h. No entanto quando o verbo esmagar foi substituído pelos
verbos colidir, a média foi de 63,2 Km/h; pelo verbo chocar foi 61,3 Km/h;
pelo verbo embater foi 54,7 Km/h e pelo verbo tocar foi 51,2 Km/h.

Uma semana mais tarde, os sujeitos da experiência anterior foram novamente


convidados a responder a várias perguntas sobre o acidente, a mais importante
das quais foi: — “No acidente filmado viu no chão algum vidro partido?” O
número de sujeitos que afirmou ter visto vidro partido estava directamente
relacionado com as velocidades previamente sugeridas pelos verbos usados.
Assim o número de respostas afirmativas para os sujeitos a quem foram
apresentados o verbo esmagar foi de 32%; embater - 14% e o grupo de
controlo que não recebeu nenhuma pergunta sobre velocidade na semana
anterior foi de 12%. De facto não tinha sido exposto no filme nenhum vidro
partido.

Loftus e Palmer concluiram que a inclusão de informação suplementar após a


percepção do acontecimento — neste caso a informação de que os carros se
esmagaram um contra o outro — produziu uma alteração na memória dos
sujeitos de modo a ficar em conformidade com a situação sugerida pelo verbo
esmagar. Quando os carros se esmagam um contra o outro, no raciocínio de
alguns dos participantes, é bem provável que apareça no chão vidro partido.

Esta investigação ajudou a provar que a memória humana não se limita apenas
a um registo fiel dos factos ocorridos. Há registos ou memórias que são
simplesmente o resultado de processos dedutivos, originados, quer por
perguntas capciosas ou indutoras, quer por informações circunstancialmente
obtidas durante o intervalo ocorrido entre o acontecimento original e o
momento de recordação ou altura de se prestar declarações. Do ponto de vista
teórico, põe-se uma questão importante: Será que a memória do acidente foi
preservada na sua configuração original e em seguida reconstruída a partir da
informação suplementar veiculada pelos diferentes tipos de verbos? Por outras
palavras, será que os dois acontecimentos ficaram registados e coexistem lado
a lado, ou será que o primeiro registo foi alterado permanentemente não sendo
mais possível ter-se acesso à memória original?

A resposta a esta questão é difícil e controversa, havendo investigadores que


defendem que a memória original foi permanentemente alterada (e.g., Loftus,
1983) e outros que afirmam que é possível recuperar a integridade da memória
original (e.g., Bekerian e Bowers, 1983). Esta recuperação integral aconteceria

160
© Universidade Aberta
nomeadamente quando a série de perguntas feitas acompanha a sequência dos
acontecimentos inicialmente observados, restabelecendo-se desta forma o
contexto original de aquisição dos acontecimentos.

Em apoio da hipótese da integridade das memórias originais vale a pena citar


o estudo do português Sílvio Lima (1928) sobre uma prova de reconhecimento
de postais ilustrados. A prova consistiu na apresentação, durante 45 segundos,
de um postal colorido retratando uma cena rural a um grupo de 7 crianças de
9 e 10 anos.

No postal viam-se ao centro três vacas sobre a erva, duas a pastar e a outra a
olhar para a direita. À esquerda está uma rapariga que veste boné branco,
blusa branca e saia vermelha e segura na mão esquerda um recipiente para
recolha do leite. A mão direita está livre. À esquerda e ao fundo vê-se a casa
da herdade; À direita avista-se o mar. Ainda ao centro e à frente existe uma
pequena poça de água cercada de flores brancas.

Terminado o tempo de observação do postal, as crianças foram solicitadas a


responder a provas de evocação e de reconhecimento ao longo de três sessões,
tendo as crianças realizado as seguintes provas:

• Descrição espontânea da cena rural.

• Resposta a um interrogatório com perguntas capciosas ou indutoras a


fim de se deformar a imagem-lembrança: Por ex., “Qual a cor da saia
da rapariga? Tens a certeza de que não era azul?”

• Reconhecimento, por último, do postal original no meio de quatro


outros postais distractores que retratavam cenas rurais similares.

Os resultados indicaram uma deformação quase total da informação do postal


após a 3ª sessão. Assim se no campo estavam 3 vacas passaram a existir 4 para
todas as 7 crianças; Se a rapariga vestia saia vermelha, a saia passou a ser azul
para 6 crianças; Se a rapariga estava situada à esquerda passou a situar-se à
direita para 5 crianças. Todas as crianças aceitaram ainda que a casa da herdade
estava situada à direita e que as vacas estavam com os pés na água. Verificou-
se ainda a inclusão por parte de 6 crianças de elementos não existentes, como
por exemplo a presença de uma verdasca na mão direita da rapariga para guiar
as vacas.

Estes resultados revelaram que os interrogatórios conseguiram “deformar o


conteúdo representativo e primitivo da imagem por meio da adição de
pormenores, transferências cromáticas e transposições topográficas” (o. cit.,
p. 179). No entanto estas deformações não apagaram a memória original porque
na 3ª sessão, quando o postal original foi apresentado com mais outros 4 postais
distractores, todas as crianças reconheceram correctamente o postal inicial
original (o. cit., p. 183). Isto significa que a memória do postal original foi

161
© Universidade Aberta
preservada e coexistiu temporalmente com as memórias deformadas produzidas
pelas informações dos interrogatórios, não tendo estas últimas sido capazes de
alterar permanentemente a memória do postal original (e.g., Pinto, 1993).

Os resultados dos estudos anteriores originam a seguinte questão: Será que as


alterações de memória ocorrem ao nível da codificação ou ao nível da
recuperação? Os resultados de Sílvio Lima (1928) sugerem que o efeito ocorre
ao nível da recuperação, porque as crianças são capazes de reconhecer
correctamente o postal original, apesar dos erros de evocação.

A hipótese de que as alterações de memória ocorrem ao nível da recuperação


foram ainda verificadas por Carmichael, Hogan e Walter (1932) num estudo
realizado sobre os efeitos da presença de um rótulo na recordação de figuras
ambíguas previamente observadas. Uma figura ambígua, por exemplo dois
pequenos círculos ligados por um traço, era apresentada a três grupos de
sujeitos. A um grupo foi dito que se tratava de uns óculos; a outro que se
tratava de um haltere. O grupo de controlo não recebeu qualquer rótulo.

Quando os sujeitos foram mais tarde solicitados a desenhar a figura previamente


observada, as reproduções escritas alteraram-se no sentido dos rótulos
apresentados. Isto é, nuns casos os desenhos pareciam-se mais com uns óculos;
noutros casos pareciam-se mais com um haltere. No entanto quando a prova
de evocação foi substituída por uma prova de reconhecimento não se
verificaram diferenças entre os três grupos. A memória original manteve-se
preservada.

O padrão que emerge destes estudos experimentais indica que a memória do


passado está sujeita a erros e deformações, que ocorrem nomeadamente ao
nível da fase de recuperação. Porém isto não significa que não haja erros
devidos a uma deficiente codificação e aquisição. Quando na fase de aquisição,
somos expostos a novos materiais, estes são incorporados na actual estrutura
das nossas crenças e conhecimentos. Assim a informação percebida é construída
em função dos conhecimentos anteriores, crenças, desejos, expectativas,
estereótipos, enfim todo o quadro cultural de referências, de forma a ser melhor
compreendida, — o que nem sempre significa que é correctamente
compreendida. Este processo de incorporação pode originar distorções de
forma a melhor acomodar o material percebido à nossa estrutura mental.

Contudo a memória é também uma reconstrução de acontecimentos passados,


e esta reconstrução é tanto mais distorcida quanto maior tiver sido o intervalo
de retenção, o tempo reduzido de aquisição, o elemento emocional envolvido
e as reproduções efectuadas. No dia a dia esta reconstrução é mais frequente
do que se pensa. Vejam-se os mal-entendidos que frequentemente surgem nas
conversas entre pessoas, ou as distorções no relato de acontecimentos obser-

162
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vados na televisão, por exemplo a gravidade das faltas nos jogos de futebol
percebidas por adeptos rivais.

Kant uma vez afirmou que nós vemos as coisas, não como elas são, mas como
nós somos. E se o aparelho cognitivo humano é susceptível de compreender e
construir a realidade numa certa perspectiva e mais tarde a recordá-la de forma
distorcida, é legítimo perguntar, o que é que impede uma pessoa de não cair
no solipsismo e relativismo?

A resposta é uma organização apropriada da informação para uma eficaz


recordação futura. Há informações importantes, como nomes de pessoas,
animais e objectos comuns, letras de canções, poemas e textos, que as pessoas
conseguem recordar correcta e integralmente e onde os erros e as deformações
potencialmente originadas pela construção e reconstrução não acontecem.
Nestes casos a codificação foi efectuada de forma profunda, seguida por
frequentes recordações posteriores que corrigem as mal-formações das
lembranças passadas. Verificam-se aqui recordações imediatas e automáticas.
Porém, se o tempo de exposição inicial for insuficiente, os intervalos de retenção
longos e o processamento de informação inadequado e superficial, a tendência
para distorcer a informação original é maior e mais frequente. Neste caso a
recordação é lenta, imprecisa e exige bastante esforço.

3.7 Conceitos de memória

Memória, codificação, retenção, recuperação, recordação, sílaba-sem-


significado, evocação, reconhecimento, reaprendizagem, completação, recons-
trução, reprodução repetida, curva de esquecimento, memória primária,
memória operatória, memória a curto prazo, memória secundária, memória
a longo prazo, memória episódica, memória semântica, memória proce-
dimental, sistema de representação perceptivo, níveis de processamento, curva
de posição serial, efeito de primazia, efeito de recência, amnésia, unidades
categorizadas, teoria do desuso, teoria da interferência, interferência
retroactiva, interferência proactiva, incongruência contextual, indicadores ou
pistas, recalcamento, retenção categorizada, retenção hierarquizada, formação
de imagens, mnemónica dos lugares, reconstrução da memória, processa-
mento ascendente, processamento descendente.

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3.8 Perguntas de auto-avaliação

1. Define memória episódica e memória semântica e dê exemplos de


tipos de informação retidos em cada um destes sistemas.

2. Define e caracterize os processos de evocação e reconhecimento a


partir de exemplos de provas de memória e a partir de situações
quotidianas.

3. Muitos investigadores concebem a MCP e a MLP como dois sistemas


de memória com características e funções próprias. Refira e
comente algumas das provas mais comuns em apoio desta distinção.

4. A memória a curto prazo ou memória imediata é uma estrutura


com capacidade limitada. Explique a natureza destes limites e o
modo como têm sido medidos e interpretados.

5. Descreva o modelo de níveis de processamento e as implicações


ao nível da codificação e retenção de conhecimento.

6. A interferência, o decurso do tempo e a incongruência de indica-


dores são algumas das explicações propostas para o esquecimento
na memória humana. Descreva resumidamente o que caracteriza
cada uma destas explicações.

3.9 Sugestões de leitura

Informação suplementar sobre a memória humana pode ser lida em Baddeley


(1997), Schacter (1996) e Pinto (1991b).

O tema do texto da experiência de Bransford e Johnson (1972), referida na


Caixa 3.1, é a “colocação da roupa na máquina de lavar”.

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4. Inteligência

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Página intencionalmente em branco

© Universidade Aberta
A inteligência é uma capacidade humana bastante valorizada. É algo que as
pessoas se julgam dotadas em maior ou menor grau, quase sempre para mais
em relação ao que os outros lhes querem atribuir. Já ouvi muitas pessoas
queixarem-se da falta de memória, de atenção ou de aprendizagem, mas nunca
ouvi ninguém queixar-se da sua inteligência, ou de que é pouco inteligente.
Ter ou não ter inteligência conta, mas pouco contaria se não marcasse a
diferença. De facto todos ou quase todos gostariam de ser elogiados pela sua
inteligência. É isto pelo menos o que revelaram os inquéritos que ano após
ano faço aos meus alunos no início das aulas.

Definir inteligência não é fácil, pelo menos em termos técnicos. Mas esta
dificuldade não parece verificar-se no dia a dia. Até parece que toda a gente
sabe o que é a inteligência, menos os investigadores. Qualquer pessoa é capaz
de referir meia dúzia de termos associados a inteligência ou à falta dela. As
pessoas usam teorias pessoais, ou implícitas, de inteligência para classificar o
comportamento das outras pessoas numa situação, como sendo às vezes
espertas, finas, brilhantes e perspicazes, ou estúpidas, idiotas, ignorantes,
parvas, rudes, tacanhas e obtusas.

Em geral as pessoas são capazes de perceber o que é ou não um comportamento


inteligente. Sternberg et al. (1981) solicitaram a 476 pessoas nos EUA para
indicarem as características de uma pessoa inteligente e as respostas dadas
mais frequentemente foram: ‘raciocina bem e de forma lógica’, ‘lê muito’, ‘lê
com um alto grau de compreensão’ e ‘revela bom senso’. Os comportamentos
considerados não-inteligentes foram: ‘não tolera diferentes perspectivas’, ‘não
revela curiosidade’, ‘reage com pouca consideração pelos outros’.

Âmbito e definições

A Caixa 4.1 apresenta algumas definições de inteligência, propostas pelos


investigadores desta área e indica algumas das dimensões consideradas
essenciais: Um processo de adaptação ao meio (Binet); uma capacidade para
pensar racionalmente (Wechsler); uma habilidade para captar o essencial de
uma situação (Heim). Em 1921 os editores da revista Journal of Educational
Psychology perguntaram a 14 psicólogos famosos, entre os quais Terman,
Thorndike e Thurstone, o que entendiam por inteligência? Apesar da variedade
de respostas, foi possível ressaltar dois temas importantes: Capacidade para
aprender a partir da experiência e capacidade de adaptação ao meio envolvente.

Mais recentemente, Sternberg et al. (1981) pediram a um grupo de peritos,


doutorados na área da inteligência, para analisar uma série de comportamentos
e avaliar o grau de inteligência envolvido. Em seguida aplicaram a análise

167
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factorial (uma técnica estatística que permite ressaltar os temas comuns) e
notaram a emergência de três factores: A inteligência verbal, a resolução de
problemas e a inteligência prática. Estes três factores foram considerados os
componentes principais da inteligência. Sternberg verificou ainda uma
correspondência muito elevada entre a avaliação do que é um comportamento
inteligente dada pelos peritos e a avaliação feita por pessoas comuns, expressa
por uma correlação média de r=+0,82.

Noutra publicação, Sternberg e Detterman (1986) referem um estudo em que


solicitaram uma definição de inteligência a um grupo de 24 especialistas na
área. As respostas ressaltaram as seguintes características: ‘capacidade para
aprender a partir da experiência’, ‘capacidade para se adaptar ao meio
envolvente’, ‘capacidade para compreender e controlar os próprios processos
de pensamento (meta-cognição)’.

Caixa 4.1

Definições de inteligência

“Cremos que a inteligência envolve uma faculdade fundamental


(…). Esta faculdade é o juízo, também conhecida por bom senso,
senso prático, iniciativa, a faculdade de adaptação pessoal às
circunstâncias. Julgar bem, compreender bem, raciocinar bem …”
(Binet e Simon, 1905).
“Inteligência é aquilo que os testes de inteligência medem” (Boring,
1923).
“Adaptação da pessoa ao seu meio ambiente … habilidade para aprender
… habilidade para pensar de modo abstracto” (Spearman, 1927).
“O rendimento global da capacidade para agir intencionalmente, pensar
racionalmente e agir no meio de forma eficaz” (Wechsler, 1939).
“A actividade inteligente consiste em alcançar o essencial de uma
situação e responder de forma apropriada” (Heim, 1970).
“Aquilo que uma pessoa usa quando não sabe o que fazer” (Carl
Bereiter, cit em Jensen, 1998).

A inteligência é considerada por vários investigadores como uma habilidade


(ou capacidade) cognitiva geral. Segundo Jensen (1998) o termo inteligência

168
© Universidade Aberta
deve aplicar-se a todo um grupo de processos ou princípios de funcionamento
do sistema nervoso que tornam possível as funções comportamentais
responsáveis pela adaptação do organismo ao meio ambiente. A inteligência
representaria a eficácia do funcionamento global do cérebro no desempenho
das actividades mentais. Seria uma espécie de ‘motor neurológico e metabólico’
que dirige os vários componentes do cérebro, como a capacidade geral para
aprender, recordar, pensar, generalizar, usar conceitos abstractos e formular
novas soluções. Todas estas funções estariam agrupadas sob o conceito de
inteligência. Nesta concepção, a inteligência seria como que uma entidade ou
substantivo de que se tem muito, pouco ou quase nada.

Em contraste, há outros investigadores que apontam a dificuldade de se usar


critérios precisos na definição de inteligência. Para estes, a inteligência não
seria um substantivo de que se tem um certo valor mais ou menos fixo e
definitivo; estaria antes representada por um adjectivo que qualificaria os
comportamentos e actividades das pessoas. Assim uma pessoa pode ser menos
inteligente numa actividade (ex., matemática e física) e muito inteligente noutra
(ex., música, desporto ou dança), ou vice-versa. É ainda possível que duas
pessoas tenham comportamentos inteligentes, sem terem quaisquer traços em
comum. Uma pessoa assim não teria inteligência, teria antes inteligências.

Há mais do que uma perspectiva em termos de definição de inteligência: Há


investigadores que consideram a inteligência como um conceito unitário; há
outros que consideram que não há inteligência, mas inteligências. Há ainda
outros que pensam que debruçar-se sobre esta questão é tempo perdido. Neisser
et al. (1996) sugeriram, por outro lado, que a inteligência seria melhor analisada
e compreendida em termos da variedade de técnicas e instrumentos usados.
Veja-se ainda a propósito Miranda (1986). Não há, em síntese, uma definição
absoluta e consensual entre os investigadores sobre o que é a inteligência. A
inteligência não é uma entidade visível e reificável. É um construto teórico
proposto pelos investigadores para agrupar e explicar um conjunto de
fenómenos.

O estudo da inteligência é controverso. É controverso em termos de definição;


em termos de medida; e em termos do grau de hereditariedade que envolve.
Naturalmente que o modo como a inteligência é definida tem implicações no
modo como vai ser medida. O modo como é medida produz maiores ou
menores diferenças individuais e grupais. Estas diferenças podem ser usadas
para efeitos de selecção em termos académicos e de emprego. Estas diferenças
precisam ainda de ser interpretadas e explicadas. E é ao nível da explicação
das diferenças que a polémica mais se concentra. Nas páginas seguintes vamos
abordar algumas das principais questões relacionadas com a medição de
inteligência, as teorias e modelos e as explicações propostas para as diferenças
obtidas.

169
© Universidade Aberta
4.1 Medidas de inteligência

Há várias concepções de inteligência e uma diversidade de procedimentos


para medir a inteligência. A avaliação da inteligência é uma questão importante
da psicologia. O objectivo é obter valores quantitativos que clarifiquem as
diferenças individuais em termos de funcionamento mental. É uma área com
grande impacto fora da disciplina, nomeadamente a nível escolar e selecção
profissional. A descrição, ou mesmo a referência a todos os procedimentos ou
testes de medição intelectual é manifestamente impossível. É útil no entanto
apontar alguns marcos históricos.

4.1.1 História breve dos testes de inteligência

Um dos marcos iniciais da medida da inteligência foi expresso pelo convite


feito pelo ministro de instrução francês a Binet em 1904 para elaborar uma
prova que permitisse identificar as crianças atrasadas das escolas de Paris.
Tinha-se iniciado a escolaridade obrigatória para todas as crianças em França
e as escolas estavam demasiado cheias. O ministro pretendia criar escolas
especiais para as crianças atrasadas, onde melhor pudessem ser educadas. Mas
ninguém sabia muito bem como é que tais crianças podiam ser objectivamente
identificadas. Em 1905, Binet apresentou uma escala de medida de inteligência
em colaboração com Simon, que ficou conhecida por escala de Binet-Simon
(Binet e Simon, 1905).

A escala de Binet-Simon baseava-se em competências de memória, vocabulário


e conhecimentos comuns. A escala foi inicialmente formada por 30 questões
de dificuldade crescente. Uma questão fácil era apontar o nariz, os olhos e a
boca; uma questão intermédia era nomear 4 cores; uma questão difícil era
compreender uma frase complexa. Quando cerca de 3/4 das crianças dos sete
anos, por exemplo, conseguiam resolver um grupo de tarefas, estas tarefas
eram consideradas de resolução típica e adequada para crianças dos 7 anos.
Através deste método, Binet e Simon foram bem sucedidos na identificação
das crianças normais e atrasadas. Uma criança ‘mentalmente atrasada’ era
aquela que ficava aquém ou abaixo do nível de realização das questões para
uma criança da sua idade. Binet e Simon consideraram a inteligência como
um factor geral de funcionamento, cujo valor era expresso pelo desempenho
na prova que tinham elaborado.

Em 1908 Binet e Simon fizeram uma revisão da escala e propuseram o conceito


de idade mental. Este conceito refere-se à idade cronológica a que uma criança
melhor correspondia em termos mentais. Assim se uma criança de 7 anos

170
© Universidade Aberta
realizasse as provas destinadas a uma criança de 8 anos, a idade mental seria
de 8 anos; se a criança não conseguisse resolver as provas de 7 anos, mas
apenas as de 6, então a idade mental seria de 6 anos. Este conceito de idade
mental permitia uma comparação e ordenação fácil entre as crianças de
diferentes idades. Binet e Simon calculavam para cada criança o valor de
idade mental (IM) e comparavam-no com o valor da idade cronológica (IC).

Baseado nos estudos de Binet e Simon, o alemão Stern (1912) formulou o


conceito de quociente intelectual (QI), calculado segundo a fórmula QI =
(IM/IC) x 100. Esta fórmula tinha por objectivo atribuir um valor médio de
100 ao QI de uma população. Assim se a IM fosse igual à IC, o QI era igual a
100; se a IM fosse maior do que IC, então o QI era superior a 100. Se uma
criança de 8 anos realizasse as provas previstas para uma criança de 10, o QI
era igual a 125.

A determinação do QI segundo a fórmula de Stern gera problemas a partir dos


18 anos, idade que se convencionou considerar como termo do desenvolvimento
intelectual. A idade mental aumenta até cerca dos 18 anos e depois estabiliza,
enquanto que a idade cronológica aumenta sempre. Se se aplicar a fórmula de
Stern a adultos, o valor de QI começa a diminuir a partir dos 18 anos. Para
ultrapassar este problema, mais tarde Wechsler (1939) propôs o uso de grupos
etários representativos da população em vez da idade cronológica. Propôs
ainda o uso de testes de aptidão geral para medir a inteligência potencial em
vez de aprendizagem ou realização actual.

Em 1916 o americano Terman da Universidade de Stanford adaptou o teste


de Binet-Simon para os EUA designando-o por Escala de Inteligência de
Stanford-Binet. Este teste foi objecto de revisões sucessivas em 1937, 1960,
1972 e 1985. O teste de Stanford-Binet manteve o conceito de idade mental e
de QI até 1960 de acordo com a fórmula de Stern, como valor único para a
inteligência. Mas a partir de 1960, o QI passou a ser determinado em termos rela-
tivos face a uma amostra representativa, tal como o QI dos testes de Wechsler.

A versão mais recente do teste de Stanford-Binet foi publicada em 1985 e


aplica-se a idades dos 2 aos 18 anos (Thorndike et al., 1985). O teste inclui 15
sub-testes agrupados em torno de quatro áreas ou habilidades específicas:
Raciocínio verbal, raciocínio quantitativo, raciocínio abstracto-visual e memória
a curto prazo. O teste produz ainda um valor global que pode ser interpretado
em termos de QI, ou inteligência total. Para determinar o valor de QI usam-se
tabelas para converter os valores reais obtidos nos sub-testes em valores padrão
que são ajustados em cada idade de modo que a média seja 100 e o desvio
padrão 16.

Em 1939 o americano Wechsler desenvolveu um teste de inteligência para


adultos até aí inexistente, tendo sido objecto de revisões em 1955, 1978 e

171
© Universidade Aberta
1995. Em 1950 o teste de Wechsler foi adaptado a crianças, tendo também
sofrido revisões posteriores em 1972 e em 1989. Estes testes tornaram-se
bastante populares e foram objecto de várias revisões. As designações mais
recentes de cada um são:

Caixa 4.2

Escala de Inteligência de Wechsler para Adultos (WAIS) — Tipos de testes

Escala verbal Escala de Realização

1. Informação geral. Questões sobre 1. Completação de gravuras. Indicar


informação adquirida no meio o que falta nas gravuras.
sócio-cultural.

2. Compreensão geral. Julgar situa- 2. Arranjo de gravuras. Ordenar


ções comuns e interpretar o senso várias gravuras de forma a formar
comum. uma história.

3. Aritmética. Questões sobre as 4 3. Desenho de blocos. Copiar e


operações principais de aritmética. reproduzir uma figura por meio de
blocos coloridos.

4. Similaridades. Relações e simi- 4. Montagem de objectos. Reunião de


laridades entre conceitos de forma figuras comuns a partir das suas
a avaliar componentes lógicas e partes.
abstractas.

5. Vocabulário. Definição do signi- 5. Símbolos-dígitos. Emparelhar sím-


ficado de palavras com dificuldade bolos com dígitos de acordo com
crescente. uma chave.

6. Amplitude de números. Audição de


uma série de dígitos e repetição na
ordem normal e inversa.

A WAIS-III (Escala de Inteligência de Wechsler para Adultos) aplica-se a adultos


dos 16-74 anos e é composta por 11 sub-testes, seis de tipo verbal e cinco de
realização. O teste produz um QI verbal, um QI de realização e ainda um QI
global (Wechsler, 1997). O QI global pode ser considerado uma medida
aproximada do factor g. Os valores absolutos obtidos nos sub-testes são

172
© Universidade Aberta
convertidos em valores de QI, quer para cada tipo de sub-testes quer para um
valor global resultante. Uma listagem dos diferentes sub-testes encontra-se na
Caixa 4.2.

A WISC-III (Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças) aplica-se a


crianças dos 6-16 anos e é composta por 10 sub-testes, cinco de tipo verbal e
cinco de realização. O teste produz um QI verbal, um QI de realização e ainda
um QI global resultante da média dos anteriores (Wechsler, 1991). Há uma
versão da WISC aferida para Portugal (Marques, 1969).

As escalas de inteligência de Stanford-Binet e WISC-III são das mais usadas


na América do Norte para medir o desenvolvimento intelectual das crianças e
adolescentes e identificar aquelas que têm problemas de aprendizagem.

Em contraste com os testes anteriores, Raven (1938, 1989) propôs um teste


para medir a inteligência que fosse livre de influências culturais e linguísticas.
O teste designou-se por Matrizes Progressivas de Raven (MPR). A tarefa do
sujeito é descobrir uma regra numa matriz de 4 ou 9 figuras, em que a última
figura está em branco; depois aplica-se a regra na escolha da alternativa correcta
para a figura em branco, numa série de 6 ou 8 alternativas apresentadas na
mesma folha. Formas deste teste podem ser aplicadas quer a crianças a partir
dos 5 anos e meio, quer a adultos e idosos, assim como a pessoas com
inteligência acima da média. Este teste pretende medir um factor geral de
inteligência (factor g) ao nível do raciocínio indutivo.

Devido à simplicidade de aplicação e à reduzida influência e expressão cultural


que envolve, o teste de Raven é um dos testes mais conhecidos, sendo
frequentemente aplicado um pouco por todo o mundo, e usado na comparação
de crianças de diversas países, etnias e povos (e.g., Simões, 1994). Na
comparação entre grupos étnicos (como brancos e negros nos EUA), as
diferenças médias destes dois grupos no teste de Raven são metade das obtidas
nos testes convencionais de QI. Um teste que minimiza ao máximo os factores
culturais e linguísticos como o de Raven tem levantado algumas objecções na
medida em que os elementos culturais são um factor importante no
funcionamento do mundo moderno. No entanto o teste tem valor porque prevê
de forma satisfatória variáveis de natureza educacional e ocupacional.

4.1.2 O significado do QI

O QI é um conceito estatístico que tenta representar o conceito psicológico de


inteligência. O QI psicométrico estabelecido por um teste não é a inteligência
real de uma pessoa, mas pretende representá-la. O QI obtido nos testes de

173
© Universidade Aberta
Wechsler e de Stanford-Binet é uma medida relativa, na medida em que o
valor real obtido nestes testes é comparado com uma amostra representativa
de indivíduos do mesmo grupo etário. O QI é relativo a um valor da população
com média de 100 e desvio padrão de 15 ou 16. Estes valores numéricos são
convencionais. No teste de Wechsler há aproximadamente 68% da população
que tem um desempenho entre ±1 desvio padrão (85-115) e 95% entre ±2
desvios padrão (70-130). Apenas 2,28% têm valores de QI acima de 130.
Veja-se a Figura 4.1. A medição da inteligência está assim dependente das
características de padronização de um teste de inteligência.

Figura 4.1 - Representação da distribuição normal com referência às percen-


tagens de casos entre desvios padrões e aos valores de QI nos
testes de Wechsler.

Às vezes tem-se a ilusão de que o número de QI de uma pessoa tem o mesmo


significado que o número do seu peso ou altura, porque o valor de QI é expresso
em termos de um valor quantitativo. Mas não é. O peso e a altura não são
estabelecidos em comparação com os valores de uma amostra representativa
da população, antes resultam de uma escala com um valor zero e intervalos
iguais. Uma pessoa com 1,80 m tem o dobro de outra com 90 cm, tem ainda
10 cm a mais ou a menos do que outra com 1,70 m ou 1,90 m.

A escala de medição do QI é ordinal. A escala não tem zero e os intervalos


não são iguais. Um QI de 140 não é o dobro de outro com apenas 70. Um QI
de 70 é obtido por um indivíduo débil mental que precisa de alguma ajuda no
dia a dia. Um QI de 140 é obtido por cerca de 4 indivíduos em mil que revelam

174
© Universidade Aberta
uma inteligência brilhante. Dois valores diferentes de QI apenas nos dizem
que uma pessoa tem mais ou menos inteligência psicométrica do que outra e
quantos indivíduos na população têm provavelmente um valor de QI idêntico,
mas pouco mais.

4.1.3 Inteligência geral: o factor g

Um teste de inteligência, tipo WAIS, é constituído por vários sub-testes. Uma


pessoa normalmente obtém melhores resultados num ou noutro sub-teste em
relação aos restantes. Quando milhares de testes de QI são analisados, verifica-
-se de um modo geral que as pessoas com bons resultados num sub-teste
(ex., numérico) obtêm também resultados acima da média noutros sub-testes
(ex., verbal ou espacial) da mesma escala de inteligência. Isto significa que os
sub-testes, que medem diferentes habilidades cognitivas, reflectem uma
capacidade cognitiva subjacente a todos eles, expressa pela matriz de inter-
correlações positivas.

O padrão destas inter-correlações é determinado por uma técnica estatística


designada por análise factorial. Esta técnica produz um valor que tem em
conta uma percentagem significativa da variância dos resultados. A variância
restante refere-se a habilidades mentais específicas, parcialmente independentes
umas das outras.

Spearman (1927) foi o primeiro a designar este padrão ou capacidade cognitiva


subjacente por factor g. O factor g é um construto matemático que representa
o que há de comum no desempenho dos vários sub-testes por parte de uma
pessoa ou grupo de pessoas através da análise factorial. Esta regularidade
estatística tem sido objecto de várias interpretações. Spearman referiu que o g
representava uma espécie de energia mental e Jensen (1980) um índice ou
expressão da inteligência geral. O instrumento considerado como o melhor
para medir o factor g é o teste de Raven, que segundo Jensen (1980) é um
teste que “mede realmente o g e pouco mais”. O QI global da WAIS ou WISC
e o factor g são considerados sinónimos de inteligência geral.

4.1.4 Características psicométricas de um teste

O primeiro passo na criação de um teste psicológico é estabelecer uma definição


precisa da variável que o teste pretende medir. Em seguida os investigadores
elaboram uma lista de questões ou itens para avaliar essa variável. Esta lista é

175
© Universidade Aberta
depois aplicada a um grupo de pessoas com características similares àquelas
que mais tarde irão realizar o teste. No decurso de vários ensaios de preparação,
há certos itens que são ambíguos em termos de interpretação ou são
considerados pouco discriminativos em relação ao objectivo do teste. Estes
itens são omitidos da versão final. Selecciona-se depois uma amostra
representativa de uma comunidade ou país e determina-se as normas de
aplicação e realização. O cuidado posto na selecção da amostra é fundamental
para se estabelecer a representatividade da amostra em relação à população.

4.1.4.1 Fidelidade e validade

As duas principais características de um teste são a fidelidade e a validade.


Um bom teste deve ser ao mesmo tempo fiel e válido, embora a validade seja
considerada a principal característica que um teste deva possuir.

A fidelidade refere-se à consistência interna dos dados obtidos no teste. Há


vários procedimentos para medir a fidelidade de um teste: teste-reteste,
comparação de metades e o uso de formas equivalentes. O teste-reteste envolve
a passagem do mesmo teste a um pequeno grupo da amostra original em duas
ocasiões diferentes com um intervalo de algumas semanas. A comparação de
metades implica estabelecer uma correlação entre metade dos dados com a
outra metade. As formas equivalentes são duas versões semelhantes do mesmo
teste aplicadas ao mesmo grupo de pessoas. Um teste é considerado fiel se o
coeficiente de correlação entre os valores obtidos, em duas ocasiões pelas
mesmas pessoas, entre uma metade dos dados e a outra metade, ou entre duas
formas semelhantes do mesmo teste, for bastante elevado.

A validade refere-se à relação dos dados do teste com a característica psicológica


(variável ou construto) que o teste é suposto medir. Um teste é válido e útil se
for capaz de medir verdadeiramente uma variável ou factor importante do
mundo real. Há também vários procedimentos para estabelecer a validade de
um teste:

• A validade de rosto refere-se à análise inicial do teste, normalmente


por um grupo de peritos, para verificar se os conteúdos do teste são
apropriados e têm alguma relevância ou utilidade em relação ao que
se pretende medir. É um procedimento subjectivo usado nas fases
iniciais de construção do teste e está dependente do estado de
conhecimentos da época. A validade do conteúdo pretende determinar
se os itens do teste são apropriados, relevantes, coesos entre si e cobrem
o leque de conteúdos possíveis. Normalmente é feita por peritos.

176
© Universidade Aberta
• A validade do construto refere-se ao grau de ligação dos itens entre si
e em relação ao objectivo do teste; procura-se verificar se os itens
captam bem a qualidade hipotética da variável em estudo. Através da
análise factorial pode-se verificar se há um valor significativo de
variância comum partilhada entre todos os itens do teste. A validade
do construto estabelece-se ainda através da comparação com outros
testes similares (ex., uma escala de inteligência com outra escala de
inteligência).

• A validade de critério compara os resultados de um teste com o


comportamento da pessoa no mundo real, quer em termos de capacidade
de previsão do desempenho futuro da pessoa numa certa área, quer
em termos de comparação concorrente com o desempenho actual da
pessoa numa área específica. Assim um teste de inteligência é
considerado válido se for capaz de prever no primeiro caso quais os
alunos actuais do secundário que irão entrar na universidade; no
segundo caso quais os alunos que aprendem actualmente melhor ou
pior na sala de aula. A validade de critério é uma validade externa,
empírica e mais objectiva do que os outros tipos de validade. Por último,
através da técnica quantitativa de análise de itens pode-se avaliar o
modo como cada item individual de um teste contribui para a validade
global do teste.

A psicometria e a avaliação psicológica é uma das áreas mais florescentes da


psicologia aplicada. Esta área tem por objectivo medir as diferenças individuais
de ordem intelectual, cognitiva e de personalidade, recorrendo a testes
padronizados que são administrados sob condições controladas. Há actualmente
um grande número de testes para a maioria das características das pessoas. Os
investigadores tentam construir testes que consigam obter uma medida tanto
quanto possível pura da variável em análise. É uma tarefa bastante árdua e
complexa.

4.1.5 Estabilidade e previsão dos testes de inteligência

Quando se diz que o QI de um teste tem uma correlação de r=+0,50 com o


desempenho escolar ou de r=-0,40 com os tempos de reacção, isto significa o
seguinte: Quanto mais o valor numérico se aproximar de 1, maior é a força da
relação entre duas variáveis; quando o sinal é positivo, isto significa que o
aumento na grandeza de uma variável está associado ao aumento na grandeza
de outra; quando o sinal é negativo, significa que o aumento na grandeza de
uma variável está associado à diminuição na grandeza da outra. Tem ainda
bastante importância em psicometria a determinação do quadrado do r (r2),

177
© Universidade Aberta
quando se pretende prever uma variável a partir de outra. Assim, quando
r=+0,50, tal significa que o valor de QI contribui (ou prevê) em 25% para a
variância na distribuição dos resultados da segunda prova (ex., realização
escolar), mas há 75% da variância que não é prevista pelo teste de QI.

Há uma longa série de estudos que tentou determinar o valor dos coeficientes
de correlação entre testes de inteligência (QI) e algumas variáveis humanas
importantes. Os coeficientes de correlação a seguir indicados foram obtidos,
na sua maior parte, a partir do estudo síntese dirigido por Neisser et al. (1996),
que refere alguns dos melhores estudos realizados nesta área.

• Estabilidade do QI. Os valores de QI permanecem relativamente


estáveis ao longo da vida de uma pessoa, apesar de algumas flutuações.
Os QIs obtidos, principalmente após os 10 anos, apresentam um valor
de correlação bastante estável com valores de QI obtidos nas idades
mais tardias. A correlação entre os 5-7 anos e os 17-18 anos é de
r=+0,86 e entre os 11-13 anos e os 17-18 anos é ainda maior, r=+0,96
(Jones e Bayley, 1941, cit. por Neisser et al., 1996). Apesar do grau de
estabilidade do QI ser maior a partir da adolescência, há mesmo assim
cerca de 10 a 15% de pessoas que melhoram ou pioram em termos de
QI com o passar dos anos.

• Realização escolar. O QI é um bom factor preditivo da realização


escolar. A correlação é da ordem dos +0,50 (Sattler, 1988). Esta
correlação significa que os alunos mais inteligentes tendem a obter
melhores classificações escolares. Significa ainda que as competências
que os testes de inteligência medem são realmente importantes. Isto é
aliás a razão pela qual os testes de inteligência foram inventados e
usados por Binet. Uma correlação da ordem dos +0,50 apenas têm em
conta cerca de 25% da variância total, deixando uma margem folgada
para a intervenção de outras variáveis como a motivação, o interesse,
a prática, o acompanhamento familiar, a qualidade da instituição escolar
e o papel dos professores. Note-se no entanto que a correlação pode
aumentar ou diminuir em função de variáveis alternativas, mas ainda
assim não se descobriu nenhum tipo de instrução ou outra variável
que eliminasse por completo a correlação entre QI e realização escolar.

• Anos de escolaridade. A correlação entre QI e o número de anos


escolares frequentados por uma criança é de r=+0,55 e significa que
os alunos mais inteligentes tendem a permanecer mais anos na escola.
Há outros factores, além da inteligência, que podem ser responsáveis
pela escolaridade, como as classificações escolares obtidas, o apoio
dos professores e as aspirações dos pais e família. No entanto verificou-
-se que o QI é a variável que isoladamente prevê melhor o número de
anos.

178
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• Variáveis sociais. O QI está ainda correlacionado com o estatuto sócio-
económico da pessoa (r=+0,33) e com o desempenho profissional
(r=+0,54). Os valores de QI estão ainda negativamente correlacionados
com alguns comportamentos sociais como o crime juvenil, embora o
coeficiente obtido seja baixo (r=-0,19).

• Prática e idade. Um estudo longitudinal, que acompanhou o


desempenho de um grupo de professores desde os 22 anos até aos 56
anos, indicou que o QI era mais elevado no final da carreira do que no
início em cerca de 7 pontos (Burns, 1966). Este aumento revelou-se
específico da área em que os professores trabalhavam. Assim os
professores de letras obtiveram um aumento nas provas verbais e uma
diminuição nas provas numéricas e figurativas, enquanto que os
professores de ciências revelaram o padrão inverso. Este estudo parece
provar que o valor de QI não diminui com a idade (pelo menos até aos
56 anos) e até tem tendência a aumentar, nomeadamente naquelas provas
que estão relacionadas com as actividades que são objecto de treino
regular.

O QI é um factor que prevê vários aspectos da vida de uma pessoa com mais
ou menos sucesso. A previsão é maior em termos de realização escolar, razoável
em termos de emprego e posição profissional e baixa em termos de variáveis
sociais como a criminalidade. Além do QI, há outros factores concorrentes
como a personalidade, a motivação pessoal, a qualidade da educação e o
ambiente familiar, o meio sócio-económico que contribuem em maior ou menor
grau para o desempenho da pessoa nas diferentes situações da vida.

4.1.5.1 O efeito Flynn

Ao longo do séc. XX os resultados nos testes de aptidão escolar de acesso à


universidade nos EUA tem baixado nas últimas décadas. Em contraste, os
resultados nos testes de inteligência têm aumentado continuamente. O teste de
Raven (assim como os sub-testes de realização não-verbais da escala de
Wechsler) é um dos que tem obtido aumentos maiores ao longo dos anos. Este
aumento não se verifica apenas nos EUA, mas acontece um pouco por todo o
mundo industrializado.

No caso do teste de Raven, o aumento verificado em Inglaterra em adultos de


1942 a 1992 foi de 5,4 pontos de QI por década num total de 27 pontos. Na
Holanda foi de 7 pontos por década desde 1952. A média de cinco países
industrializados foi de 6 pontos por década no teste de Raven. No caso de
testes de QI (Wechsler e Stanford-Binet) o aumento é menor e situa-se à volta

179
© Universidade Aberta
dos 3 pontos por década. Este aumento de inteligência é conhecido pelo efeito
Flynn (Flynn, 1987, 1998) em homenagem ao investigador que primeiro o
identificou.

Este aumento contínuo tem sido objecto de diferentes explicações (Neisser,


1998). Há quem o considere um aumento real e há quem o considere uma
ficção ou artefacto associado ao conhecimento e aplicação dos testes. O próprio
Flynn (1998) considera este aumento um artefacto. Em 1952 na Holanda
previa-se existir cerca de quatro pessoas geniais em mil que tinham um QI
acima de 140 no teste de Raven. Trinta anos mais tarde, em 1982, previam-se
91 pessoas geniais em mil, considerando as normas de aplicação e aferição de
1952. Segundo Flynn, a Holanda deveria estar a assistir, com tantos génios, a
um verdadeiro renascimento cultural na década de 80. Mas parece que ninguém
deu conta de um tal renascimento!

Greenfield (1998) considera o aumento real e afirma que a omnipresença na


sociedade actual das tecnologias da imagem como a televisão, o cinema e
sobretudo os jogos de computador são propícias ao desenvolvimento da análise
visual e responsáveis pelo desenvolvimento das habilidades e competências
visuais que se manifestam numa melhoria crescente nos resultados deste tipo
de testes. Poder-se-ia incluir ainda a tarefa de análise visual “descubra as
diferenças” popularizada pelos jornais e revistas. Se a hipótese de Patricia
Greenfield se vier a provar, afinal o teste de Raven está mais sujeito a influências
culturais do que se pensou inicialmente.

4.1.6 Testes de inteligência: prós e contra

Os testes de inteligência são medidas úteis de avaliação do desempenho em


tarefas que fazem apelo a habilidades mentais. Mas os testes são também
instrumentos polémicos em termos do estabelecimento das diferenças
individuais. Nos testes de inteligência, há aspectos considerados mais positivos
ou mais negativos. Alguns destes serão referidos a seguir.

4.1.6.1 Limitações dos testes

A inteligência, que é medida pelos testes, designa-se por inteligência psico-


métrica e não esgota naturalmente o conceito da verdadeira inteligência. Há
habilidades cognitivas que residem fora do âmbito dos testes convencionais
de inteligência, como a sabedoria, a criatividade, o conhecimento prático e as

180
© Universidade Aberta
competências sociais. Estas dimensões são importantes e bastante valorizadas
socialmente. Basear a inteligência apenas nos resultados dos testes de
inteligência é ignorar aspectos importantes da capacidade mental de uma
pessoa.

Os testes de inteligência não medem a inteligência prática para situações do


dia a dia, assim como a capacidade de adaptação ao meio em termos de
relacionamento social e de estabilidade emocional. Por sua vez, as culturas
humanas não têm uma concepção única e similar do que é ou não um compor-
tamento inteligente. Há culturas que ressaltam mais os elementos de motivação,
personalidade e competências sociais, enquanto outras fixam-se nos aspectos
mais cognitivos do conceito de inteligência, como acontece nas culturas
ocidentais.

Num passado não muito distante os testes foram usados com fins xenófobos
para afastar pessoas, raças e povos no âmbito da emigração. Serviram ainda
para rotular e seleccionar crianças e jovens, estigmatizar alguns deles durante
muitos anos, desenvolvendo um tipo de profecia de auto-realização negativa.

4.1.6.2 Vantagens dos testes

A principal vantagem dos testes tem a ver com a sua capacidade preditiva. Os
testes são úteis porque prevêem o desempenho de várias actividades humanas.
De facto quase tudo o que tem importância social apresenta uma correlação
com os testes de inteligência, provando assim a validade prática destes
instrumentos. Os testes prevêem razoavelmente bem certas formas de realização
escolar e sucesso académico presente e futuro. O QI é a única variável singular
que prevê melhor, ou em maior percentagem, o desempenho escolar. Os testes
prevêem ainda vários tipos de desempenho profissional e alguns problemas
sociais como o crime, pobreza, riqueza e saúde. Jensen (1980) verificou ainda
que os testes aferidos convencionais não estão enviesados no sentido de
favorecer ou desfavorecer determinados grupos ou etnias (por ex., os brancos
ou os negros nos EUA).

Os testes são uma das aplicações práticas mais importantes da psicologia. Nos
EUA, ministérios como a defesa usam os testes de inteligência para seleccionar
os militares para as diferentes especialidades após o treino básico inicial e
reconhecem que uma medida destas tem gerado poupanças orçamentais muito
avultadas. A importância do QI é especialmente saliente na selecção de
empregos que envolvem situações potenciais de alto risco, como pilotos de
aviação e operadores de centrais nucleares e esta vantagem tem sido frequen-
temente referida em relatórios, mesmo por agências governamentais. O QI, ou

181
© Universidade Aberta
inteligência geral, é o factor que melhor parece distinguir entre aqueles que se
limitam a memorizar um conjunto de instruções em relação àqueles que são
capazes de conceptualizar um problema e elaborar soluções adequadas para
fazer face a situações e contingências imprevistas.

Apesar das suas limitações e objecções, os testes de inteligência medem uma


certa forma de funcionamento mental ou mesmo certas habilidades cognitivas
gerais que tem consequências práticas importantes no dia a dia das pessoas,
conseguindo diferenciar de forma coerente uma pessoa de outra (e.g., Anastasi,
1989).

4.2 Teorias e modelos de inteligência

As três grandes abordagens teóricas no estudo da inteligência são: A


psicométrica, o processamento da informação e a desenvolvimental. A
perspectiva psicométrica concentra-se na medição da inteligência, recorre à
análise factorial e destaca a presença de um ou mais factores ou habilidades
constitutivos da inteligência; A perspectiva de processamento da informação
investiga a natureza da inteligência e os processos mentais específicos do seu
modo de funcionar; A perspectiva desenvolvimental analisa os processos e as
mudanças qualitativas no modo de pensar que ocorrem ao longo do
desenvolvimento humano. Além destas três perspectivas, será ainda considerada
a perspectiva contextual, onde incluo um grupo de outras teorias que têm
merecido bastante atenção na literatura científica recente e que ressaltam a
influência do meio sócio-cultural e da personalidade.

4.2.1 Teorias psicométricas

As teorias de inteligência mais importantes e influentes até à década de 70


foram as teorias psicométricas. Estas teorias estudam as habilidades mentais
recorrendo aos resultados obtidos em vários testes de inteligência em grandes
amostras de pessoas, usando a análise factorial. Esta técnica estatística analisa
a matriz de inter-correlações entre diferentes testes e é considerada o principal
meio para se determinar se a inteligência é constituída por um único factor ou
é antes constituída por vários factores, componentes ou habilidades mentais.
Se os testes estão bastante relacionados entre si, supõe-se que os testes se
referem a um único factor de cuja influência dependem. Se pelo contrário a
relação entre os testes é baixa, então cada teste ou sub-grupos de testes medem
um factor ou habilidade diferente.

182
© Universidade Aberta
Os estudos psicométricos originaram três grupos de teorias psicométricas de
inteligência: Teorias de factor único, como a de Spearman; teorias de vários
factores (ou habilidade primárias distintas) como a de Thurstone; teorias de
inteligência de estrutura hierárquica formadas por um factor g no topo que
governa diferentes factores subjacentes, como a de Carroll.

4.2.1.1 Spearman: o factor g

Spearman (1927) inventou a análise factorial e aplicou esta técnica aos


resultados de vários testes efectuados com crianças. Spearman verificou que a
maioria dos testes estava positivamente correlacionada entre si, indicando que
as pessoas com bons resultados num teste tendiam a produzir também bons
resultados noutros testes. Spearman formulou a hipótese de que todos os testes
tinham um factor comum, ou um factor geral, além de algo mais específico em
relação a cada teste.

Spearman designou o factor geral por g e os factores específicos por s, próprios


de cada tarefa, como a aritmética. O factor g representaria a “correlação múltipla
positiva” existente nos vários testes de habilidades cognitivas, o que era comum,
o factor geral que todos os testes procurariam medir. O factor g seria hereditário,
uma espécie de essência inata da inteligência, uma “energia mental”, ou a
partícula fundamental em que se basearia a psicologia. Galton (1822-1911) já
tinha avançado com a hipótese de que havia uma habilidade geral de natureza
mental subjacente a qualquer actividade humana que exigisse esforço da mente
humana.

Esta proposta teve uma influência considerável no desenvolvimento posterior


dos estudos de inteligência e condicionou aquilo a que durante várias décadas
se chamou a escola psicométrica inglesa (ou de Londres) de inteligência e que
teve como continuadores Burt, Vernon e Hans Eysenck. Esta escola contrastou
com a escola psicométrica americana representada principalmente por
Thurstone e Guilford.

4.2.1.2 Thurstone: habilidades mentais primárias

Thurstone (1938) defendeu que o facto de uma pessoa ser inteligente numa
área não significava que fosse inteligente em todas as áreas. A inteligência não
depende de um único factor, mas é antes formada por vários factores que no
conjunto constituem a inteligência. Recorrendo à análise factorial, Thurstone

183
© Universidade Aberta
analisou resultados de testes de inteligência de adolescentes e jovens
universitários e verificou que os testes não estavam correlacionados num grau
tão elevado como Spearman supunha, sugerindo antes que a inteligência era
constituída por sete factores distintos que designou por habilidades mentais
primárias.

Os sete factores propostos por Thurstone foram: Visualização espacial –


reconhecimento de relações espaciais; velocidade perceptiva – detecção rápida
e precisa de elementos visuais; raciocínio numérico – realização rápida e
precisa de operações aritméticas; compreensão verbal – compreensão do
significado das palavras e conceitos verbais; fluência verbal – rapidez de
reconhecimento de palavras únicas e isoladas; memória – recordação de listas
de palavras e números; raciocínio indutivo – dedução de uma regra ou relação
que descreve um conjunto de observações.

Estas habilidades mentais eram consideradas independentes; não havia um


factor geral superior, tipo g, com o qual estivessem relacionadas. Não havendo
um factor superior ou habilidade geral, a ordenação dos indivíduos em termos
globais seria inadequada. Os alunos podiam ser bons num factor e menos
bons noutro factor ou vice-versa. Talvez por isto, esta teoria tornou-se mais
popular e aceite do que a de Spearman. No fim da vida Thurstone admitiu
porém a possibilidade de haver um factor g hierárquico de segunda ordem
que estaria relacionado com todas as sete habilidades primárias.

4.2.1.3 Guilford: o cubo da inteligência

Guilford (1967) rejeitou também a hipótese de um factor geral de inteligência,


propondo antes uma teoria de inteligência constituída por 150 habilidades
distintas, que designou por teoria da estrutura do intelecto. Estas 150
habilidades estavam representadas por pequenos blocos num cubo, cujas três
dimensões designou por operações (5) x conteúdos (5) x produtos (6).

As cinco operações referem-se ao que o indivíduo faz e são a avaliação,


produção convergente, produção divergente, memória e cognição. Os cinco
conteúdos referem-se ao material no qual o indivíduo executa as operações e
são o visual, auditivo, simbólico, semântico e comportamental. Os seis produtos
referem-se às formas básicas na qual a informação pode ser incluída e são as
unidades, classes, relações, sistemas, transformações e implicações.

Segundo Guilford, cada uma das 150 inteligências representadas no cubo podia
ser medida, um projecto que tentou realizar. Embora estas dimensões
representem uma contribuição analítica importante para o estudo da inteligência,

184
© Universidade Aberta
a hipótese de haver 150 inteligências diferentes foi considerada um exagero,
mesmo por aqueles que propuseram a existência de diferentes tipos de
inteligência.

4.2.1.4 Cattell e Horn: inteligência fluida e cristalizada

No âmbito da perspectiva psicométrica e usando a análise factorial, Cattell


(1963) e o seu discípulo Horn (e.g., Horn e Cattell, 1966) propuseram uma
divisão do factor geral de inteligência g em duas dimensões que designaram
por inteligência fluida e inteligência cristalizada. Esta classificação revelou-se
bastante promissora.

A inteligência fluida foi assim designada porque era capaz de fluir através dos
muitos tipos de actividades mentais ou cognitivas. Seria a habilidade para
pensar e raciocinar em termos abstractos, formar conceitos, raciocinar de forma
indutiva partindo do particular para o geral e resolver criativamente novos
problemas. É uma dimensão que reflecte o potencial de cada indivíduo.
Aumenta gradualmente ao longo da infância e juventude (acompanhando a
maturação do sistema nervoso) iniciando por volta dos 30 anos uma diminuição
lenta e progressiva durante o resto da vida. É um tipo de inteligência dependente
mais dos genes e das estruturas neurofisiológicas. Por esta razão não é tão influ-
enciada pelos processos de educação e aculturação como a inteligência crista-
lizada. É medida através de testes de raciocínio, analogias de palavras e figuras.

A inteligência cristalizada caracterizaria antes uma espécie de produto final


das experiências de que uma pessoa é portadora num determinado momento
da vida. Seria a capacidade aprendida para resolver problemas baseados em
conhecimentos resultantes da experiência acumulada da pessoa. É uma
dimensão com uma base mais cultural. Representa a influência dos processos
educativos e culturais e aumenta ao longo da vida da pessoa, estabilizando por
volta dos 50-60 anos. Inclui o conhecimento e competências medidos pelos
testes de informação geral, vocabulário e compreensão da leitura, resolução
de problemas que dependem do conhecimento geral adquirido. Veja-se uma
reformulação mais recente em Horn (1985).

4.2.1.5 Carroll: a teoria dos estratos de inteligência

Carroll (1993) reanalisou por meio da análise factorial exploratória 461 bases
de dados sobre diferenças individuais obtidas em testes mentais de 1927 a

185
© Universidade Aberta
1987 em 19 países diferentes. Carroll obteve uma estrutura hierárquica de
inteligência com três estratos (ou níveis) de habilidades cognitivas. Um estrutura
hierárquica significa que “quando o factor A ‘domina’ o factor B e C, isto
implica a existência de um grupo de variáveis que medem todas o factor A,
além de sub-grupos de outras variáveis diferentes que medem apenas os factores
B e C, respectivamente. Em geral, o factor A situa-se numa ordem superior de
análise em relação aos factores B e C” (Carroll, 1993, ob. cit. p. 72).

Carroll situou no topo da hierarquia, estrato III, o factor geral de inteligência


g que seria basicamente expresso pelo QI. No nível intermédio, estrato II,
haveria sete factores gerais: (1) Inteligência fluida; (2) inteligência cristalizada;
(3) aprendizagem e memória; (4) percepção visual; (5) percepção auditiva; (6)
fluência e evocação; (7) rapidez cognitiva geral. A ordem destes sete factores
representa uma maior proximidade (ex., 1. inteligência fluida) ou afastamento
(ex., 7. rapidez cognitiva) em relação ao factor geral de inteligência situado no
topo. Na base da hierarquia, estrato I, agrupar-se-iam tarefas ou testes cognitivos
associados apenas a um factor específico do estrato II. Assim no caso do factor
(3) ‘aprendizagem e memória’, as tarefas cognitivas específicas seriam a
aprendizagem associativa e a evocação livre.

Para Carroll os factores do estrato II corresponderiam a fenómenos reais que


governam e controlam a actividade cognitiva da pessoa. Porém o modelo não
toma partido por qualquer teoria psicológica (cognitiva ou beaviorista), embora
uma interpretação dos factores possa apelar a operações cognitivas como a
memória operatória e a memória a longo prazo.

Carroll admitiu que a sua teoria dos três estratos de inteligência apresentava
semelhanças com outras teorias que assumem um modelo hierárquico como a
de Spearman, Thurstone, Vernon, Cattell e Horn, mas não com teorias de tipo
taxonómico como as de Guilford e eventualmente Gardner e Sternberg. Uma
das vantagens principais da teoria dos três estratos de Carroll é a possibilidade
de demarcar o tipo de correlações entre variáveis psicométricas e variáveis
cognitivas que podem vir a ser exploradas no âmbito de tarefas de processa-
mento de informação.

4.2.1.6 Jensen: o factor g de inteligência

Jensen (1980, 1998) é um continuador da teoria do factor geral de inteligência


g de Spearman. O factor g é uma hipótese teórica que tenta descrever o
fenómeno quantitativo designado por correlação múltipla positiva. Isto é, a

186
© Universidade Aberta
presença de correlações positivas entre todos os testes mentais, indepen-
dentemente do conteúdo, modalidade ou outras características superficiais,
quando os testes são passados a amostras representativas da população geral.
O factor g não está directamente ligado a nenhum tipo específico de conteúdo
ou a nenhuma habilidade cognitiva adquirida. Se um teste de inteligência fosse
um alforge de tarefas cognitivas sem qualquer ligação entre si e sem qualquer
factor comum, então não se verificaria a tal correlação positiva. O factor g
seria um indicador indirecto da habilidade geral comum a todas as tarefas
mentais mensuráveis.

A questão crucial do factor g é a seguinte: Qual a natureza do processo mental


que governa a actividade das pessoas para desempenharem melhor ou pior
qualquer teste, mesmo quando os testes são diferentes em termos de conteúdo
e modalidade sensorial? A teoria do factor g de Jensen pretende descobrir e
explicar as causas desta “correlação positiva”, que considera um fenómeno
central da ciência comportamental. Algumas das principais teses de Jensen
são as seguintes:

1. O g é um construto teórico que representa um fenómeno observável,


isto é, a intercorrelação positiva entre todos os testes mentais, indepen-
dentemente da sua enorme diversidade. O g seria o ingrediente activo
da inteligência humana.

2. O significado e importância dos testes mentais advém do facto de


medirem o factor g. O factor g prevê o desempenho de qualquer tipo
de comportamento que faça apelo a situações de aprendizagem,
tomada de decisão e resolução de problemas. É possível construir
testes que meçam apenas o factor g sem mais nada, como acontece
com o teste de Raven. Não é possível construir porém testes que
meçam as habilidades específicas do tipo de Thurstone ou de outros
investigadores sem medir também de alguma forma o g. O g tem
maior capacidade preditiva em termos de sucesso escolar, programas
de treino militar e emprego do que qualquer outro factor alternativo,
ou grupo de factores independentes de g.

3. O que é hereditário na inteligência tem a ver na maior parte com o g.


Os restantes factores expostos pela análise factorial têm um peso
hereditário bastante reduzido. O factor g tem uma base biológica e
como qualquer função biológica na espécie humana é um produto
dos processos evolutivos.

Jensen (1998) defendeu que o g é a componente mental mais importante que


uma pessoa deve desejar possuir para obter sucesso na escola, no emprego e
na vida. O segundo traço mais importante é o desejo de realização e motivação.
Por muito inteligente que uma pessoa seja, se não tiver um desejo forte de

187
© Universidade Aberta
realização, se for preguiçosa, se não se esforçar, não irá conseguir afirmar-se
nem evidenciar-se. Mas a motivação e esforço por maiores que sejam, poucos
efeitos terão se não forem apoiados por uma inteligência geral.

4.2.1.7 Estrutura de inteligência e análise factorial

A teoria da habilidade geral ou g de Spearman não foi muito popular no seu


tempo e continua a não ser popular actualmente e o mesmo acontece com a
teoria de Jensen (1998). É mais popular a noção de que a inteligência é
constituída por muitas habilidades mentais especializadas e que as pessoas
são melhores numas do que noutras. Partilhando em maior ou menor grau das
fatias do bolo da inteligência, todos se sentem talvez um pouco mais felizes e
seguros de si.

As concepções iniciais de inteligência aplicaram a análise factorial a fim de


isolar factores ou habilidades gerais e específicas de inteligência, mas este
procedimento não permite fornecer informação sobre a natureza dos processos
mentais envolvidos. É ainda uma perspectiva que torna difícil testar diferentes
teorias alternativas de inteligência. Os opositores da análise factorial referem
que o padrão de agrupamentos que surge na aplicação da análise factorial
(donde às vezes resulta um factor geral ou vários factores independentes)
depende do número e tipo dos testes usados e da diversidade cultural, escolar
e social das amostras de sujeitos. Assim a emergência de um factor geral
dominante g é mais provável aparecer com a aplicação de um pequeno número
de testes similares a amostras de sujeitos muito diversas. Em contraste, a análise
factorial poderá fazer emergir um número maior de factores independentes
quando são aplicados um número maior e mais diferenciado de testes a amostras
mais homogéneas de sujeitos.

Esta hipótese parece ter actualmente pouco apoio após a publicação do trabalho
gigantesco realizado por Carroll (1993) que verificou não só a presença de
um factor geral, mas também de outros factores específicos, organizados num
sistema hierárquico. No âmbito da teoria psicométrica, o modelo de inteligência
mais aceite defende a existência de diversas habilidades mentais específicas
dependentes hierarquicamente de um factor geral, estando o desempenho do
sujeito dependente de ambos. No entanto, saber se a inteligência é melhor
representada por um factor geral, por várias habilidades específicas ou ambas
é uma questão ainda em aberto.

188
© Universidade Aberta
4.2.2 Teorias de processamento de informação

A abordagem factorial dominou os estudos de inteligência até à década de 70.


Com o surgimento da psicologia cognitiva experimental, a inteligência passou
a ser concebida como uma componente da mente que afecta as várias fases de
processamento da informação. Segundo o modelo de processamento de
informação, a inteligência é concebida como uma série de processos que as
pessoas usam para resolver problemas. Assim uma pessoa é mais inteligente
do que outra, quando conhece o processo melhor e mais eficaz para resolver
um problema, ou quando percorre de forma mais rápida os diversos passos
para o resolver.

A inteligência é tudo o que a mente faz ao processar a informação. A mente


recebe informação, armazena-a na memória, analisa, compara, transforma-a e
por fim planeia a execução de uma resposta. As operações executadas em
cada fase podem ser mais adequadas e eficazes, mais rápidas ou demoradas,
do mesmo modo que os programas de computador são melhores ou piores,
mais rápidos ou mais lentos.

A ênfase posta na rapidez de processamento, na eficácia, ou em ambas, assim


como na complexidade dos processos mentais envolvidos, diferencia os
diversos investigadores que adoptaram o modelo de processamento de
informação no estudo da inteligência. Os investigadores analisam as operações
envolvidas na realização das tarefas laboratoriais de processamento de
informação, verificam o modo como os sujeitos as realizam e depois obtêm
correlações com medidas de inteligência geral. O objectivo é determinar quais
as operações consideradas essenciais na realização de uma tarefa e a sua relação
com a inteligência geral.

Estas tarefas podem ser a medição de movimentos oculares e potenciais de


evocação cerebral, a velocidade de identificação de letras ou linhas desiguais,
tempos de reacção simples ou de escolha, resolução de analogias verbais ou
de problemas. O objectivo destas medições é avaliar a eficácia em termos de
precisão e rapidez de cada um destes processos. Os resultados obtidos em
diversos estudos têm revelado uma correlação significativa entre a realização
de tarefas simples de processamento de informação e medidas de inteligência
geral.

Esta perspectiva retoma a tradição iniciada por Galton (1822-1911) nos finais
do séc. XIX, que pretendeu medir a inteligência a partir de habilidades mentais
simples. Binet interrompeu esta tradição ao avaliar a inteligência em termos de
habilidades mentais de nível superior. Alguns dos investigadores mais
conhecidos no estudo da inteligência, estudada no âmbito do modelo de
processamento da informação, são Richard Haier, Ted Nettelbeck, Arthur

189
© Universidade Aberta
Jensen, Earl Hunt, Herbert Simon e Robert Sternberg. Alguns dos estudos
mais significativos são referidos a seguir.

4.2.2.1 Haier: inteligência e o metabolismo da glucose

Haier foi um dos investigadores que na década de 90 usou técnicas de


imageologia cerebral (tomografia por emissão de positrões - PET na sigla
inglesa) a fim de observar o cérebro durante a realização de tarefas cognitivas
inteligentes, como o teste de Raven ou o jogo de computador Tetris. Haier
estabeleceu depois correlações entre o desempenho nas provas e certas
características do funcionamento cerebral, nomeadamente o modo como o
cérebro metaboliza a glucose durante a realização das actividades cerebrais
(Haier, 1993) e verificou uma correlação negativa.

Esta correlação negativa significa que as pessoas que obtêm resultados elevados
nos testes de inteligência tendem a usar globalmente menos glucose ao nível
do metabolismo cerebral do que cérebros de pessoas menos eficientes.
Verificou-se ainda que os cérebros de indivíduos com atrasos mentais, como
os portadores da síndroma de Down, revelam valores metabólicos cerebrais
mais elevados do que grupos de indivíduos normais. Parece assim que os
cérebros das pessoas mais inteligentes consomem globalmente menos glucose
(açúcar) do que os cérebros de pessoas menos eficientes na realização de uma
tarefa. Apesar da grandeza por vezes elevada deste tipo de correlações ainda
se está longe de compreender os mecanismos neuronais que são responsáveis
por esta correlação.

4.2.2.2 Nettelbeck: inteligência e tempo de inspecção

Nettelbeck (1987) descobriu uma correlação significativa entre o tempo de


inspecção (duração) de uma figura simples e os resultados em testes de
inteligência. A figura era formada por duas linhas verticais de 25 e 35 mm
alinhadas no topo por uma linha horizontal e a tarefa do sujeito era identificar
se a linha vertical maior se situava à direita ou à esquerda. Para o efeito o
experimentador aumentava ou diminuia o tempo de inspecção de forma a
assegurar um nível superior a 90% de respostas correctas. Nettelbeck verificou
que o tempo menor de inspecção da figura estava relacionado com valores
maiores de inteligência em vários testes da WAIS. Assim uma pessoa inteligente
era aquela que era capaz de inspeccionar mais rapidamente uma figura simples
e indicar onde se encontrava a diferença.

190
© Universidade Aberta
Uma meta-análise efectuada em vários estudos deste tipo situou o valor de
correlação em r=-0,30, elevando-se para r=-0,55 quando factores de correcção
de erros foram tidos em conta (Kranzler e Jensen, 1989). Brand foi um dos
pioneiros do estudo desta tarefa e referiu uma correlação de r=-0,75 entre
tempo de inspecção e QI para o conjunto de amostras representativas da popu-
lação em geral, incluindo crianças, idosos e atrasados mentais (Brand, 1996).

4.2.2.3 Jensen: inteligência e tempos de reacção de escolha

Jensen (1987) defendeu a hipótese de que a inteligência está relacionada com


a rapidez de condução dos circuitos neuronais do sistema nervoso. Jensen
efectuou experiências de tempos de reacção de escolha e verificou que os
sujeitos com um QI superior apresentavam valores mais baixos de tempos de
reacção (maior rapidez). A correlação entre testes de inteligência e tempos de
reacção situou-se entre r=-0,30 a r=-0,40. Assim uma componente importante
da inteligência é a velocidade de processamento da informação das tarefas a
realizar (e.g., Vernon e Weese, 1993).

4.2.2.4 Hunt: inteligência e acesso lexical

Hunt (1978, 1990) propôs também que a inteligência estava relacionada com
o tempo de reacção, nomeadamente ao nível da velocidade de acesso lexical.
Hunt usou a tarefa de Posner (Posner e Mitchell, 1967) onde são apresentadas
pares de letras, tipo “A-A”, “A-a” e “A-b”. A tarefa dos sujeitos é indicar se
cada par é idêntico em termos físicos (A-A) ou se em termos de nome (A-a). A
identidade física envolve apenas uma comparação na memória a curto prazo
(MCP), mas a identidade de nome envolve o acesso suplementar à informação
armazenada na memória a longo prazo (MLP). A velocidade de acesso lexical
seria medida através do tempo de acesso à MLP.
Hunt verificou que grupos de sujeitos com inteligência verbal alta ou baixa
obtiveram tempos de reacção equivalentes na tarefa de identidade física; porém
na tarefa de identidade de nome, o grupo com inteligência verbal superior
respondeu mais rapidamente cerca de 25 a 50 milésimos de segundo. Um
vigésimo de segundo pode parecer ridiculamente baixo para diferenciar a
inteligência das pessoas, mas quando esta diferença é adicionada aos milhares
e milhares de letras que compõem um texto, o tempo total do processamento
do texto pode tornar-se numa diferença considerável. Este padrão de resultados
foi reproduzido com diferentes tipos de grupos, como crianças de 10 anos,
universitários e idosos.
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© Universidade Aberta
4.2.2.5 Simon: inteligência e resolução de problemas

Simon (1976) interessou-se por problemas mais complexos do que os prece-


dentes. Entre estes contam-se alguns bem conhecidos da literatura psicológica
de resolução de problemas como o problema dos “jarros de água” ou o pro-
blema dos “canibais e missionários” .

Um problema típico de jarros de água envolve uma situação inicial em que há


três jarros com capacidades diferentes de 8, 5 e 3 litros; o jarro de 8 litros está
cheio e os outros dois estão vazios. O objectivo é efectuar transferências de
quantidades de água entre os jarros, sem qualquer ajuda externa em termos de
medição, de forma a obter-se dois volumes de 4 litros cada nos jarros de 8 e 5
litros. O problema dos canibais e missionários refere que na margem de um
rio estão 3 canibais e 3 missionários e o objectivo é fazê-los passar a todos
para a outra margem de barco. Há duas importantes restrições: o barco apenas
leva duas pessoas de cada vez; os canibais não podem estar em maioria em
cada margem senão comem os missionários!

Estes dois problemas têm estados iniciais e finais bem definidos e podem ser
ainda objecto de simulação por computador. O objectivo é aproximar o estado
inicial do estado final por meio de uma série de operações ou procedimentos
de forma a atingir objectivos intermédios que se aproximem do objectivo final
desejado.

Newell e Simon (1972) estudaram as estratégias seguidas pelas pessoas, o


tempo gasto no estabelecimento e resolução de objectivos intermédios, a
capacidade da memória operatória e verificaram que as pessoas mais inteligentes
não só organizavam a sequência de processos e operações de forma mais
eficaz, mas também revelavam ter uma memória operatória com maior
capacidade.

4.2.2.6 Sternberg: inteligência e analogias

Sternberg (1984) investigou os processos mentais e estratégias envolvidas na


realização de tarefas incluídas nos testes convencionais de inteligência,
nomeadamente ao nível das analogias verbais e séries numéricas. Uma analogia
pode ser representada pela sequência A está para B, assim como C está para
D, ou simbolicamente A:B::C:D. Na maior parte dos casos o termo D é omitido
pelo investigador e a tarefa do sujeito é escolher a resposta certa a partir de
duas ou mais alternativas, do tipo:

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Advogado: Cliente: Médico:? (a. Doente; b. Medicina)

Resolver analogias implica dividir o problema global em várias fases, resolver


cada fase numa certa ordem ou sequência de processamento de informação
até o problema estar totalmente resolvido. Assim na analogia acima referida e
de acordo com Sternberg é possível determinar cinco fases:

1. O sujeito codifica ou determina o significado específico dos termos


usados na analogia, como advogado e médico. Neste caso os conceitos
são familiares, mas há outras analogias em que os termos usados são
pouco comuns.

2. O sujeito relaciona advogado e cliente, deduzindo daí uma relação


(por ex., o advogado presta serviço a um cliente ou o advogado é
pago pelo cliente).

3. O sujeito determina uma relação de ordem superior entre a primeira


parte da analogia e a segunda parte (por ex., advogado e médico são
profissionais que prestam serviços e são pagos por quem os usufrui).

4. O sujeito aplica a relação deduzida na primeira parte da analogia à


segunda parte, seleccionando a alternativa mais adequada, neste caso
doente em vez de medicina.

5. O sujeito indica a resposta.

Este tipo de analogia implica a dedução e aplicação de relações semânticas em


torno do significado das palavras. Há ainda outro tipo de analogias de natureza
figurativa que implicam relações de natureza visual, como as existentes entre
imagens que variam em termos de forma, número e cor, como sucede no teste
das matrizes de Raven.

Sternberg estudou a inteligência em termos de processamento de informação,


analisando o modo como a informação é internamente representada; o tipo de
estratégias usadas no processamento da informação; o tipo de componentes
mentais usadas para executar as estratégias; o tipo de decisões tomadas sobre
as estratégias a seguir. Sternberg considerou o estudo das componentes de
processamento de informação um objectivo mais importante e esclarecedor
sobre o funcionamento da inteligência do que a simples medição da velocidade
mental, como fizeram outros investigadores.

Mesmo assim Sternberg não descurou a medição da velocidade de proces-


samento dos diversos componentes no raciocínio de analogias. Verificou até
que os sujeitos considerados mais inteligentes nos testes tradicionais de
inteligência demoravam mais tempo a codificar os termos do problema do que

193
© Universidade Aberta
os sujeitos menos inteligentes, mas o tempo extra, gasto na fase inicial, era
aproveitado para executar melhor e mais rapidamente os restantes componentes
da tarefa. Isto significa que os sujeitos mais inteligentes gastam mais tempo no
planeamento global da tarefa e menos tempo na execução local em termos da
aplicação das estratégias específicas. Este gasto suplementar de tempo no
planeamento global da tarefa, realizado no início, tinha a vantagem de assegurar
que as estratégias específicas de resolução da tarefa fossem correctamente
escolhidas e capazes de serem executadas.

A perspectiva de processamento de informação é um modelo importante para


o estudo da inteligência humana. A descoberta de que as habilidades a nível
verbal, numérico e espacial, que formam a inteligência, podem envolver
processos cognitivos bastante simples constitui uma linha de investigação
bastante prometedora.

Esta perspectiva ressaltou também o papel fundamental da memória no


desempenho intelectual, tendo em conta nomeadamente a rapidez e precisão
da recuperação da informação na memória a longo prazo; a extensão e
organização dos conhecimentos de base (desempenho de principiantes versus
peritos num qualquer domínio); e a capacidade da memória operatória, enquanto
fonte importante de diferenças individuais a nível cognitivo.

As correlações obtidas entre o QI e as medidas de rapidez de processamento


cognitivo podem significar que uma pessoa inteligente é aquela que processa
a informação de forma mais rápida. Na realidade isto pode ser ou não assim.
A correlação é um valor que indica a força da ligação entre duas variáveis,
mas não indica qual é a direcção causal. Pode acontecer que uma pessoa mais
inteligente realize de forma mais rápida as tarefas mentais, como também pode
suceder que um cérebro mais eficiente e rápido promova um desenvolvimento
intelectual superior; ou ambas as coisas (Neisser et al., 1996).

4.2.3 Teorias de desenvolvimento cognitivo

As teorias de desenvolvimento cognitivo estudam as mudanças qualitativas


que ocorrem no pensamento da pessoa ao longo da vida, tendo em conta as
influências de natureza biológica (maturação) e da experiência com o meio
(aprendizagem). As teorias clássicas mais importantes do desenvolvimento
cognitivo, nomeadamente a nível intelectual, foram as teorias de Piaget e de
Vygotsky, cuja descrição breve será feita a seguir. Para informações
complementares veja-se Lourenço (1997).

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4.2.3.1 Teoria de Piaget

Piaget (1896-1980) propôs uma teoria do desenvolvimento cognitivo constituída


por quatro fases qualitativamente distintas que ocorrem numa progressão fixa
ao longo da infância e adolescência. Cada uma destas fases constituía uma
estrutura de desenvolvimento específica e foram assim designadas: sensório-
motora (0-2 anos), pré-operatória (2-7 anos), concreta (7-11 anos) e formal
(acima dos 12 anos). A ordem destas fases é invariante, mas há alguma
variabilidade no tempo em que cada criança atinge cada fase (Piaget, 1967).

Em cada fase há uma adaptação complexa crescente da criança ao meio devido


sobretudo a processos fisiológicos de maturação. O desenvolvimento intelectual
ocorre por meio de três processos fundamentais: assimilação, acomodação e
equilibração. A assimilação envolve a incorporação de novos acontecimentos
nas estruturas cognitivas pré-existentes da criança. A acomodação representa
as modificações ao nível dos esquemas da criança de forma a integrar os
elementos novos do meio. A equilibração representa o equilíbrio entre
assimilação e acomodação, um processo de resolução de esquemas conflituais
e a respectiva integração em novas estruturas.

A actividade do sujeito não é caótica; está organizada em esquemas e estruturas.


Um esquema seria uma acção que se repete e se aplica a situações comparáveis,
como os esquemas de ordem e classificação. O conceito de estrutura refere-se
aos tipos de organização qualitativamente diferentes do ser humano, como as
estruturas sensório-motoras e pré-operatórias.

Quando um esquema se desenvolve, a assimilação assegura que a nova


aprendizagem, representada pelo esquema, se consolide, isto é, que possa
ser usada repetidamente e até de forma automática. Mas a assimilação, consi-
derada isoladamente, tornaria o comportamento rígido e inflexível, dificultando
assim o desenvolvimento. Seria através da acomodação que as mudanças
nos esquemas actuais se realizariam, de forma que a criança se possa adaptar
à realidade. Assim a assimilação e a acomodação são processos necessários
e complementares, constituindo ambos o processo fundamental de
adaptação.

Piaget considerou que a progressão do desenvolvimento cognitivo faz-se através


do processo de maturação biológica e ocorre em grande parte de dentro para
fora. A capacidade para aprender qualquer conteúdo cognitivo está sempre
dependente da fase do desenvolvimento intelectual atingido. O ambiente pode
facilitar ou impedir o desenvolvimento intelectual, mas tem menos influência
do que a maturação.

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4.2.3.2 Teoria de Vygotsky

Vygotsky (1896-1934) foi um psicólogo russo que ressaltou o papel do meio


social no desenvolvimento intelectual da criança. Defendeu que as habilidades
intelectuais, como a linguagem e o pensamento, tinham uma origem social,
sendo inicialmente aprendidas por meio dos pais e mais tarde por meio dos
professores e da sociedade. O desenvolvimento intelectual procede de fora
para dentro por meio do processo de interiorização. A interiorização era o
processo de absorção do conhecimento a partir do ambiente ou contexto. Numa
fase de desenvolvimento a criança situa-se face a três tipos de habilidades
intelectuais: Há habilidades que a criança domina; outras que começou a
aprender e que pode usar com ajuda; outras ainda que estão para além das
suas habilidades actuais.

Nesta hierarquia de habilidades, Vygotsky introduziu a noção de zona de


desenvolvimento proximal (ZDP), uma zona que seria constituída por um
conjunto de habilidades que a criança ainda não domina, mas que tem o
potencial de adquirir e aplicar, se as circunstâncias se proporcionarem. Cada
criança em cada fase é portadora de um leque de habilidades que se situam
entre aquilo que é capaz de realizar agora (desempenho) e aquilo que
potencialmente pode vir a realizar se for libertada do meio, que nunca é o
meio óptimo de desenvolvimento intelectual, embora possa umas vezes ser
melhor do que outras.

Vygotsky defendeu que os testes convencionais de inteligência testavam apenas


a inteligência estática e não a inteligência dinâmica que o conceito de ZDP
implica. A principal objecção que se pode apresentar refere que, se a avaliação
da inteligência estática é já de si uma tarefa bastante complexa, então a
avaliação do potencial intelectual de cada um torna-se duplamente complexo.
Os investigadores ressaltaram ainda o facto de que o desempenho de gémeos
monozigóticos adoptados por famílias de meios sociais diferentes apresentarem
uma correlação bastante elevada de QI. Isto prova que, se o meio é importante,
os genes têm um papel não menos importante.

4.2.4 Teorias contextuais

A inteligência envolve factores universais comuns a todas as pessoas, mas


também há aspectos da inteligência que são valorizados por uma cultura e
considerados menos relevantes noutra cultura. Por sua vez as características
da personalidade de uma pessoa são capazes de potenciar ou de limitar o
desempenho intelectual. Sternberg e Gardner são alguns dos investigadores

196
© Universidade Aberta
que formularam teorias de inteligência que têm em conta variáveis da cultura
e da personalidade. Eis uma breve descrição de cada.

4.2.4.1 Sternberg: teoria triárquica de inteligência

Sternberg concebe a inteligência como uma interacção complexa de


capacidades de processamento de informação, experiências específicas e
influências contextuais ou culturais. A inteligência seria um conjunto de
actividades mentais que têm por objectivo a adaptação, a regulação e a selecção
de situações ambientais relevantes para a vida de cada um. Sternberg (1985,
1996) propôs uma teoria de inteligência, que designou de inteligência
triárquica, significando que a inteligência inclui três tipos de habilidades
principais, que orientam a pessoa em relação ao seu mundo interno (analítica),
ao mundo externo (prática) e entre o mundo interno e externo (criativa).

• Analítica. Habilidade para realizar tarefas que envolvem diferentes


fases, passos ou componentes. Inclui as habilidades típicas dos testes
tradicionais de inteligência com problemas bem definidos que
apresentam apenas uma resposta. Envolve processos cognitivos como
a compreensão verbal, resolução de analogias, séries numéricas e
silogismos, aquisição e armazenamento da informação. Às vezes
designada por inteligência académica ou componencial. A inteligência
analítica é considerada por alguns como uma componente equivalente
(ou disfarçada) do factor g de Spearman e Jensen.

• Prática. Habilidade para fazer face ao dia a dia da pessoa. Refere-se à


componente adaptativa do comportamento ao meio ambiente, de modo
a entender as situações, resolver problemas práticos e conseguir um
relacionamento adequado com as pessoas. Envolve situações em que
surgem problemas mal-definidos com soluções múltiplas. Designada
também por inteligência contextual.

• Criativa. Habilidade para perceber soluções criativas e inovadoras face


a novos problemas. Baseia-se na experiência passada da pessoa e
permite codificar, inventar, planear e pensar a informação de forma a
criar novas ideias, teorias e descobertas. Designada também por
inteligência experiencial.

A inteligência analítica é a componente mais desenvolvida em termos teóricos,


mas Sternberg reconhece que é útil pensar a inteligência em termos de um
modelo que integre os três tipos de habilidades ou competências. Há pessoas
que podem ser mais inteligentes a resolver problemas abstractos e académicos,

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© Universidade Aberta
enquanto outras podem sê-lo na resolução de problemas práticos e concretos.
Para Sternberg uma pessoa inteligente não é aquela que é dotada e distinta em
todos os aspectos da inteligência. É antes a pessoa que conhece os seus pontos
fortes e fracos e que é capaz de capitalizar nos fortes e compensar, remediando
nos fracos.

O modelo de inteligência de Sternberg reconhece, por um lado, que todas as


pessoas têm algo de comum em termos de competência intelectual ao nível da
componente analítica, mas por outro é capaz de integrar a diversidade e
multiplicidade da experiência e cultura humanas ao nível das componentes
prática e criativa. Há de facto pessoas dotadas em termos académicos que são
consideradas socialmente inaptas, e vice-versa. Formular um modelo de
inteligência que integra ao mesmo tempo as competências analíticas, práticas
e criativas parece fazer sentido.

Sternberg considera que os testes tradicionais de inteligência não são o melhor


método para prever quais as pessoas que irão ser bem sucedidas, por exemplo
em termos de negócios, uma área que requer competências intelectuais
elevadas. Objecta-se todavia que os testes tradicionais de inteligência apre-
sentam uma correlação significativa com o desempenho profissional. Mesmo
assim, os testes têm um poder preditivo maior para certas ocupações, aquelas
que exigem especialmente competências académicas e graus universitários
para serem desempenhadas, como a medicina, direito e engenharia.

4.2.4.2 Gardner: teoria das inteligências múltiplas

Gardner (1983, 1993) concebeu a inteligência de forma modular. O cérebro


humano estaria organizado em termos de módulos diferenciados, cada um
dos quais seria responsável por um tipo de inteligência diferente. A inteligência
é um nome que classifica as actividades conjuntas destes módulos. Haveria
sete módulos independentes e distintos, que determinavam o comportamento
inteligente das pessoas. Não há lugar para um factor unitário g, mas Gardner
admite que as diversas inteligências podem actuar em conjunto para produzir
um comportamento considerado inteligente. As sete inteligências propostas
por Gardner são:

Linguística – habilidades verbais usadas na fala, na audição, leitura e escrita;


lógico-matemática – raciocínio lógico e resolução de problemas de tipo
matemático ou quebra-cabeças; espacial – formar imagens espaciais, ler um
mapa, encontrar o melhor caminho entre dois locais; arrumar o maior número
de itens num espaço compacto, como pratos na máquina de lavar ou malas no
carro na viagem de férias; musical – criação de melodias e ritmos, tocar

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instrumentos musicais e apreciação musical; corporal e quinestésica – expressa
através da dança, ginástica, patinagem, desporto e ilusionismo; interpessoal –
compreender os outros, perceber o que sentem, o que os motiva e interessa e
saber interagir; intrapessoal – conhecer-se a si próprio, descobrir os pontos
fracos e como os melhorar, desenvolver o sentido de identidade.

Estas sete inteligências apresentam algumas similaridades com os sete domínios


de habilidade cognitiva do estrato II de Carroll (1993) — que este aliás
reconhece —, com excepção da inteligência corporal e da inteligência
intrapessoal. As inteligências de Gardner não são o mesmo que as habilidades
mentais primárias de Thurstone, que no seu todo formavam a inteligência; são
antes sistemas específicos de funcionamento intelectual. Gardner reconhece
que no estado presente não estão ainda identificados todos os módulos da
inteligência, mas com o desenvolvimento da investigação cerebral esta tarefa
poderá um dia vir a ficar completa.

Um modelo formado por inteligências múltiplas relativamente independentes


tem como corolário o desinteresse na medição da inteligência em termos de
um factor geral ou g. Gardner criticou de facto a medição da inteligência em
termos de um factor geral. Sendo uma pessoa portadora de diferentes
inteligências, umas mais fortes do que outras, o que deve ser medido é cada
inteligência própria.

As provas científicas para apoiar as inteligências múltiplas são limitadas, mas


mesmo assim Gardner defendeu um apoio cerebral para a sua existência.
Gardner recorreu ao estudo de casos para apoiar o seu modelo, apontando
vários critérios responsáveis pela independência dos diferentes sistemas de
inteligência, nomeadamente:

• O isolamento potencial por meio de lesões cerebrais. Danos ou


destruição de zonas do cérebro afectam tipos específicos de
comportamento inteligente, como é o caso da linguagem, memória ou
movimentos corporais, mas deixam outros relativamente inalteráveis,
como se observa em casos de afasia ou dos doentes de Parkinson.

• A existência de prodígios numa área intelectual específica (como a


música, cálculo matemático ou memória), com atraso relativo ou
acentuado nas restantes áreas.
• Provas de natureza psicométrica que indicaram habilidades intelectuais
diferentes; provas de natureza cognitiva-experimental que revelaram
um desempenho diferenciado em tarefas de tipo verbal ou espacial.
• Susceptibilidade de codificação num sistema de símbolos específico
como o sistema de notação matemático, ou no geométrico, verbal,
musical, quinestésico e facial-expressivo.

199
© Universidade Aberta
• A necessidade de operações específicas para executar um determinado
tipo de inteligência, como sucede na música, matemática, fala ou escrita.

Gardner propôs uma teoria de inteligências múltiplas que tem recebido um


melhor acolhimento na imprensa popular do que na imprensa científica. Gardner
é criticado por ter reunido no mesmo modelo habilidades mentais e talentos
comportamentais, dilatando demasiado a fronteira do conceito de inteligência
e das habilidades consideradas específicas. Assim as inteligências inter- e intra-
pessoais não seriam propriamente inteligências, mas antes traços de
personalidade; a inteligência musical seria antes um talento ou aptidão
específica; a inteligência quinestésica seria também uma aptidão corporal.

Uma pessoa é geralmente considerada inteligente ou não, independentemente


de ter ou não competência em termos musicais ou desportivos. Uma pessoa
pode ser completamente incapaz em termos de memória musical, ser surda e
coxa e revelar mesmo assim inteligência geral e prática, uma boa adaptação
ao meio e obter até um bom resultado num teste convencional de inteligência.
A execução musical, a dança, a ginástica artística e o relacionamento pessoal,
por mais excepcionais que sejam, são geralmente incluídos na categoria especial
de talentos. São capacidades importantes para quem opta por determinadas
áreas, mas muitos investigadores não as incluem na categoria de inteligência
ou de habilidades intelectuais.

A teoria de inteligências múltiplas de Gardner é consoladora e reconfortante


para a maioria das pessoas que se consideram melhores numa área do que
noutra. Mas há investigadores que julgam que Gardner foi longe de mais ao
incluir no conceito de inteligência certo tipo de talentos ou aptidões. Em defesa
de Gardner, os antropologistas dirão que o conceito de inteligência é uma
criação humana e inclui por isso uma componente cultural e uma visão do
mundo. Se a definição mais cognitiva de inteligência, que é o resultado de
uma certa visão cultural do mundo ocidental, se vier a modificar na direcção
de Gardner, então a dança e a música, que muitos consideram talentos, poderão
vir a ser consideradas inteligências no futuro.

4.2.4.3 A inteligência emocional

Durante a década de 90 falou-se muito de inteligência emocional, em grande


parte devido à popularidade internacional do livro Inteligência Emocional de
Goleman (1997). Refira-se no entanto que o conceito de inteligência emocional
foi inicialmente proposto por Salovey e Mayer (1990). A inteligência emocional
é a habilidade para identificar e controlar os próprios sentimentos e emoções,
usando a informação obtida para guiar o pensamento e a acção. As habilidades

200
© Universidade Aberta
envolvidas na inteligência emocional incluem a identificação e a compreensão
das emoções no próprio e nos outros; a expressão e a regulação das emoções;
o uso das expressões emocionais de forma adaptativa. Este tema será objecto
de maior desenvolvimento no Capítulo 6 deste livro na secção Emoção e
Cognição.

A medição da inteligência emocional em termos das várias habilidades que a


constituem representa um projecto de investigação que alguns investigadores
consideram importante seguir. Pela minha parte penso que o alargamento do
conceito de inteligência à emoção é inadequado, como também o seria se se
investigasse a inteligência da motivação, a inteligência da personalidade e a
inteligência da visão (Hoffman, 1998). A inteligência simplesmente cognitiva,
já de si tão complexa, não se torna mais clarificadora com o alargamento do
conceito tradicional para incluir a inteligência emocional. Em contraste, a relação
entre “emoção e cognição” é um tema que tem sido e merece continuar a ser
objecto de intensa investigação. A inteligência e a cognição são conceitos com
significados relacionados mas não coincidentes.

4.3 O problema da hereditariedade-meio

As pessoas diferem umas das outras no peso, altura, cor dos olhos e pele, e
diferem também em termos de inteligência e outros processos mentais. A que
se devem as diferenças de inteligência? Será devido a razões hereditárias e
genéticas, ou será antes devido à influência do meio sócio-cultural em que a
pessoa nasce e se desenvolve? O problema da hereditariedade-meio é o
problema de saber até que ponto estas diferenças são devidas mais a factores
genéticos ou mais a factores ambientais, ou à influência conjunta de ambos os
factores. O que se compara em termos de diferenças de inteligência é a
inteligência avaliada por testes padronizados, também designada por
inteligência psicométrica.

Abordar este problema, ou até mesmo referi-lo, é uma fonte permanente de


controvérsias e até mesmo de aborrecimentos, já que representa uma das
questões mais partidarizadas de toda a história da psicologia. A principal razão
tem a ver com o facto de que um trabalho sério neste domínio tem de abordar
o problema das diferenças de inteligência a nível individual e de grupo (género,
nacionalidade, etnias e raça), diferenças estas que até hoje resistiram a todos
os esforços teóricos e práticos para as erradicar.

Na investigação das causas principais das diferenças individuais de inteligência,


os investigadores recorrem ao estudo de gémeos a fim de se determinar se o
factor genético é mais ou menos importante do que o factor ambiente (ou

201
© Universidade Aberta
sócio-cultural). De acordo com a perspectiva genética, o QI de dois indivíduos
é tanto mais parecido quanto mais semelhantes forem em termos genéticos.
Para os sócio-culturalistas, não são os genes que marcam as diferenças, mas o
ambiente. Vamos descrever em seguida os principais argumentos de um lado
e de outro.

4.3.1 Factores genéticos

O estudo de gémeos e de crianças adoptadas constituem os principais


procedimentos usados para se investigar a influência da hereditariedade nas
diferenças individuais de inteligência. No estudo dos gémeos há uma distinção
inicial importante que é preciso considerar. Os gémeos que se desenvolveram
a partir de um mesmo e único óvulo fertilizado são geneticamente idênticos e
do mesmo sexo e designam-se por monozigóticos (MZ). Os gémeos que se
desenvolveram a partir de dois óvulos fertilizados têm aproximadamente 50%
dos genes em comum, podem ser ou não do mesmo sexo e em termos genéticos
são tão parecidos entre si como dois irmãos e designam-se por dizigóticos
(DZ). Por circunstâncias diversas de ordem familiar e social, há gémeos que
têm sido criados em ambientes diversos. Há assim:

(1) Gémeos MZs criados juntamente na mesma família; (2) Gémeos MZs
criados separadamente em famílias que podem ter estatutos sociais equivalentes
ou diferentes, que vivem em meios próximos ou afastados entre si, facilitando
ou não a comunicação entre eles; (3) Gémeos DZs do mesmo sexo ou de sexo
diferente criados ou não na mesma família.

A correlação em termos de QI de gémeos MZs criados separadamente


determina a estimativa do grau de hereditariedade que influencia o QI: A
hereditariedade é a mesma, mas o ambiente é diferente. A correlação em termos
de QI entre crianças de pais biológicos diferentes criadas juntas na mesma
família determina a estimativa do grau de influência familiar e ambiental no
QI: O ambiente é o mesmo, mas a hereditariedade é diferente. A hipótese
genética defende que quanto maior for a similaridade genética entre duas
crianças, maior será a correlação entre o QI de ambas.

McGue et al. (1993) referem coeficientes de correlação de vários estudos


realizados desde a década de 30, cujo leque de valores obtidos são: Os valores
de correlação dos gémeos MZs criados juntos variam entre +0,76 a +0,91; os
gémeos MZs criados separadamente variam entre +0,68 a +0,78; os gémeos
DZs criados juntos variam entre +0,51 a +0,64; os gémeos DZs do mesmo
sexo têm um coeficiente de correlação de +0,62; a correlação entre DZs de
sexo diferente é de +0,57; entre irmãos criados juntos é de +0,47; entre irmãos

202
© Universidade Aberta
criados separadamente é de +0,24; entre primos é de +0,15; entre crianças de
pais biológicos diferentes criadas na mesma família adoptiva vai de 0,00 a
+0,19 (e.g., Bouchard et al., 1990; Lynn e Hattori, 1990).

Estes coeficientes de correlação indicam que quanto maior é a similaridade


genética, mais elevado é o coeficiente de correlação entre o QI de duas crianças,
apoiando assim a hipótese genética. Os gémeos MZs não são semelhantes
apenas em termos de QI, mas também a outros níveis. O estudo de Minnesota
(EUA) de gémeos criados em separado revelou nalguns casos um padrão de
similaridades surpreendente em termos de vestuário, gostos, preferências e
hábitos quotidianos por parte de ambos os gémeos, mesmo após um período
de separação de 47 anos (Tellegen et al., 1988; Atkinson et al., 1996, p. 432).

As correlações acima apresentadas revelam também que quanto mais similar


é o ambiente familiar e social, mais elevado é o QI. Os gémeos MZs criados
juntos (+0,76 a +0,91) estão sujeitos não só a uma influência similar a nível
genético, mas também a nível familiar. Sendo as duas influências similares, os
dados deste tipo de gémeos não provam nada, argumentam os sócio-
culturalistas.

Os geneticistas respondem que os gémeos MZs criados separadamente


apresentam correlações mais elevadas (média de +0,72) em relação aos gémeos
DZs do mesmo sexo criados juntos (média de +0,60). Se o meio sócio-familiar
fosse mais importante do que a influência genética, a diferença deveria ser
nula, mas não é. Este é de facto o tipo de resultados considerado como uma
das melhores provas a favor da influência genética na inteligência (Bouchard,
1997).

Os sócio-culturalistas apresentam algumas objecções pertinentes para relativizar


a influência genética (e.g., Kamin, 1974; Eysenck versus Kamin, 1981). Uma
análise mais cuidada dos gémeos criados à parte revelou que a separação dos
gémeos foi parcial. Às vezes os gémeos MZs são criados por familiares, como
tias e avós que vivem nas redondezas; alguns convivem com frequência e
frequentam até a mesma escola. Quando os gémeos são colocados em famílias
por agências de adopção, normalmente as agências escolhem famílias com
estatuto semelhante, ficando assim o meio sócio-cultural mais equivalente do
que a palavra separação deixa supor.

Os geneticistas comportamentais contra-argumentam dizendo que a influência


genética nas diferenças de inteligência é cada vez maior à medida que a criança
cresce. À medida que uma criança se separa do seu meio familiar e escolhe
mais ou menos inteligentemente o meio social onde deseja viver, o seu QI
torna-se mais parecido com o dos seus progenitores. A hereditariedade é definida
como a proporção da variância total que é atribuída a factores genéticos com
um valor máximo de 1. Jensen (1998) referiu que o efeito da hereditariedade

203
© Universidade Aberta
sobre o QI aumenta com a idade, situando-se entre 0,40 a 0,50 nas crianças,
entre 0,60 a 0,70 nos adolescentes, e cerca de 0,80 por volta dos 60 anos.
Plomin e Petrill (1997) obtiveram resultados semelhantes numa revisão da
melhor investigação efectuada nesta área. Em contraste a influência do meio
diminui com a idade. É maior na infância (0,35) e quase nula na adolescência
(Neisser et al., 1996).

4.3.1.1 Adopção de crianças

No debate entre hereditariedade e meio, foram ainda efectuados estudos com


crianças dadas para adopção logo após o nascimento. Quando estas crianças
adoptadas são criadas em famílias em que a mãe tem filhos naturais que com
eles crescem, é possível investigar o grau de correlação entre o QI da mãe e o
QI dos filhos naturais e adoptivos.

Assim, se as diferenças de QI forem o resultado de factores sócio-culturais,


então o QI das crianças adoptadas deve estar mais correlacionado com o da
mãe adoptiva do que com o da mãe natural com quem nunca viveram.

Mas se as diferenças de QI forem o resultado de factores genéticos, então o QI


das crianças adoptadas deve estar mais correlacionado com o da mãe biológica,
que lhes transmitiu metade dos seus genes, do que com o da mãe adoptiva que
lhes transmitiu apenas o meio sócio-cultural.

Horn (1983) verificou, no âmbito do projecto de adopção do Estado do Texas


no EUA, que a correlação entre a criança adoptada e a mãe biológica era de
+0,28 (apenas partilham os genes); entre a criança adoptada e a mãe adoptiva
era de +0,15 (apenas partilham o meio); entre a criança natural e a mãe biológica
era de +0,21 (partilham genes e o meio); entre irmãos biológicos era de +0,33.
Estes resultados indicam que as crianças, criadas separadamente dos seus pais
biológicos, são mais similares em termos de QI às mães biológicas do que às
mães adoptivas. Este mesmo padrão de resultados foi obtido por Fulker et al.
(1988), que em conjunto com o estudo anterior, indica que a partilha de genes
conta mais do que a partilha do meio.

4.3.2 Factores ambientais e sócio-culturais

Há vários estudos que demonstraram o papel importante dos factores


ambientais e sócio-culturais nas diferenças individuais de inteligência. Alguns

204
© Universidade Aberta
destes estudos são uma reinterpretação dos estudos de gémeos e de crianças
adoptadas referidos anteriormente.

A correlação média dos gémeos DZs é de cerca de +0,60 e entre irmãos é de


cerca de +0,47. Esta diferença não pode ser explicada em termos de factores
genéticos, porque a hereditariedade é de 0,50 em ambos. A diferença deve ser
explicada por factores ambientais que afectam simultaneamente o
desenvolvimento conjunto dos gémeos, em contraste com o dos irmãos. Talvez
haja melhorias ao nível da situação familiar ou escolar, ou a outros níveis que
sejam responsáveis pelo grau maior de similaridade nos gémeos.

Nos estudos de adopção verificou-se também que o meio familiar e sócio-


cultural conta. Assim a correlação entre crianças adoptadas e a mãe adoptiva é
baixa (cerca de +0,15), mas é maior e significativamente diferente de zero.
Por outro lado, Schiff et al. (1978) estudaram 32 crianças francesas, filhas de
pais da classe operária, que foram adoptadas antes dos seis meses por famílias
da classe média superior. Quando o QI destas crianças foi comparado com o
QI dos irmãos, que permaneceram com os pais biológicos, verificou-se uma
diferença de QI de 111 para 95 respectivamente.

A importância do meio pode ainda ser avaliada a partir dos resultados de


programas de intervenção estatais em crianças de meios carenciados realizados
nos EUA. Um dos programas de intervenção mais conhecidos foi iniciado em
1965 e chamou-se projecto Head Start. O objectivo era conceder apoios a
crianças da pré-escola durante um ano escolar antes de iniciarem a escolaridade
obrigatória. As primeiras avaliações realizadas 1 a 2 anos depois do início da
escolaridade foram bastante desencorajantes. Os ganhos ao nível de QI, quando
foram observados, eram mínimos e duraram pouco tempo. A melhoria no
desempenho escolar foi também bastante reduzida. Estes resultados levaram
alguns investigadores a criticar a ênfase exagerada em torno do QI, sugerindo
que o programa Head Start não fornecera às crianças as competências que
normalmente as crianças da classe média desenvolvem em casa durante os
primeiros 4 anos.

Um estudo realizado no início da década de 80 nas crianças que participaram


no programa Head Start, revelou que algumas objecções iniciais tinham sido
exageradas, ao descobrir-se um efeito latente (ou adormecido). As crianças
participantes obtiveram valores ligeiramente superiores em relação às não-
participantes nos domínios da leitura, matemática e linguagem e esta melhoria
tendia a aumentar com a idade desde os 6 até aos 14 anos. Os participantes
eram mais capazes de satisfazer os objectivos escolares, verificando-se nomea-
damente um menor número de reprovações, menor abandono escolar e menos
colocação em programas planeados para crianças com dificuldades de aprendi-
zagem. Por sua vez, as mães destas crianças estavam mais satisfeitas com a

205
© Universidade Aberta
realização escolar dos seus filhos e tinham aspirações mais elevadas sobre a
sua realização escolar futura (Zigler e Berman, 1983).

O projecto Milwaukee foi um outro programa de intervenção intensivo


realizado nos EUA com 20 crianças profundamente carenciadas dos 4 aos 6
anos. As mães tinham um QI de 75 ou menos e foram também objecto de um
programa específico de apoio. Os resultados obtidos durante os anos pré-
escolares foram notáveis, tendo o grupo experimental revelado diferenças
superiores de QI em relação a um grupo de controlo na ordem dos 20-30
pontos. Todavia as diferenças entre os dois grupos foram diminuindo
progressivamente dos 7 aos 14 anos durante o período de escolaridade, mas a
média do grupo experimental manteve-se sempre mais elevada do que a do
grupo de controlo até ao final da avaliação do programa (Garber, 1988).

Quer o projecto Milwaukee, quer um outro projecto da mesma natureza,


conhecido por Carolina Abecedarian, revelaram que uma intervenção intensiva
teve um efeito positivo em termos de QI, embora o efeito fosse mais reduzido
do que seria de esperar à partida (Campbell e Ramey, 1994). Assim o meio
sócio-cultural tem uma influência positiva na melhoria dos valores de QI
obtidos, embora a grandeza deste aumento seja variável.

Os sócio-culturalistas gostam de usar a seguinte imagem para ilustrar a sua


perspectiva: Se um grupo de plantas crescer em terra fértil e outro grupo com
os mesmos genes crescer em terra arenosa, o primeiro grupo irá florescer e o
segundo definhar. Os geneticistas comportamentais respondem que as crianças
não são plantas que estão fixas a um meio ambiente. As crianças (exceptuando
casos extremos de abuso) têm mobilidade para descobrir no meio formas de
maximizar as suas condições de desenvolvimento e esta capacidade de
descoberta estaria associada à inteligência geral.

4.3.3 Interacção hereditariedade-meio

A hereditariedade e o meio contam no desenvolvimento intelectual humano.


O problema é conseguir determinar qual a estimativa mais aproximada da
influência específica da hereditariedade por um lado ou do meio por outro. A
determinação desta estimativa é uma tarefa complexa e os valores que foram
propostos são bastante variados. O problema deve-se ao facto de não ser
possível obter uma conclusão definitiva, porque o investigador não tem controlo,
por razões de natureza ética, quer sobre a hereditariedade quer sobre o meio.
O investigador não pode realizar uma experiência em que possa manipular à
vontade a hereditariedade das crianças como faz com as ervilhas e os ratos,

206
© Universidade Aberta
nem manipular as condições ambientais em que uma criança cresce e se
desenvolve.

Há investigadores que gostam de defender posições fortes em vários domínios


científicos e a questão da estimativa da hereditariedade e do meio é uma delas.
Uma posição aceitável (embora menos informativa) é a referência a um
contributo conjunto e equivalente da hereditariedade e do meio e partir daí
para a investigação das variáveis que permitem influenciar o QI das pessoas.
Aliás Hebb (1949) considerou a determinação desta estimativa um absurdo
lógico, e para o provar perguntava qual era a área de um rectângulo representada
pelo seu comprimento? A questão parecia-lhe absurda porque a área por
definição implica a multiplicação do comprimento pela largura. Do mesmo
modo numa pessoa, tanto os genes como o ambiente são importantes para o
seu desenvolvimento.

Considere-se a questão da altura de uma pessoa. Quase todos reconhecem


que a altura tem um forte contributo hereditário. Mas este factor está também
dependente do meio em que a criança cresce e se desenvolve. Nas últimas
décadas a altura dos mancebos, que se apresentam para a inspecção militar,
tem subido em vários países, entre os quais Portugal e Japão e mantido
relativamente constante nos países do Norte da Europa, onde as condições
sócio-económicas têm sido melhores há já várias décadas. Supõe-se que um
factor do meio ambiente, importante para este aumento, é a melhoria das
condições alimentares. Neste caso pode-se considerar que os genes ditam que
a altura de uma pessoa X será de 1,80 m, mas esta altura apenas será atingida
em condições de apoio ambiental consideradas óptimas.

Um outro exemplo clássico da interacção entre os genes e o meio é o caso de


uma doença metabólica associada ao cromossoma 12, designada por
fenilcetonuria, que causa atraso mental profundo e até a morte se não for
detectada logo após o nascimento. O bebé não é capaz de metabolizar o
aminoácido fenilalanina e a acumulação de produtos tóxicos no cérebro produz
a destruição de tecido cerebral e impede o desenvolvimento intelectual normal.
A identificação rápida da doença e o estabelecimento de uma dieta reduzida
em fenilalanina até cerca dos 10-12 anos permite que a criança possa
desenvolver uma inteligência normal. Esta doença é uma prova suplementar
de como um traço da pessoa, que é geneticamente determinado, pode ser
controlado por condições ambientais.

No âmbito da discussão hereditariedade-meio, Scarr-Salapatek (1971)


introduziu o conceito importante de leque de respostas. Este conceito, quando
aplicado às diferenças de QI, significa que uma pessoa, que não seja atrasada
mental, pode ter uma variação à volta de 20-25 pontos de QI. No entanto o
limite superior do leque de resposta apenas seria atingido em condições ideais
de exposição da pessoa a um meio favorável ao longo da vida. Variáveis como

207
© Universidade Aberta
os anos de escolaridade, a qualidade do sistema escolar, a natureza do apoio
familiar, a erradicação das doenças infantis, a nutrição e suplementos
vitamínicos, a situação económica e social da comunidade, entre várias outras,
foram já objecto de investigação e revelaram ter um papel positivo. Uma análise
recente sobre os limites de algumas destas variáveis pode ser lida em Flynn
(1998).

4.3.4 Observações complementares

A leitura de alguns estudos aqui referidos parece revelar tendências


contraditórias. Assim o estudo de Schiff et al. (1978) revelou que crianças
adoptadas por famílias da classe média alta aumentaram o valor de QI em
relação aos irmãos que permaneceram na família biológica. O que parece provar
a influência do meio. No entanto, o estudo de Horn (1983) refere uma
correlação maior entre a criança adoptada e a mãe biológica, do que entre a
criança adoptada e a mãe adoptiva. O que parece provar a influência da
hereditariedade. Embora à primeira vista pareça contraditório não há
contradição, considerando que o desenvolvimento intelectual é específico de
cada pessoa e o resultado da influência conjunta dos dois tipos de variáveis,
que se manifestaram de forma diferente ao longo do desenvolvimento humano.

Estabelecer uma estimativa sobre a hereditariedade da inteligência não implica


afirmar que a hereditariedade é um valor imutável na vida da pessoa. E o
mesmo se passa em relação ao meio sócio-cultural. Os valores da heredi-
tariedade e meio são valores descritivos médios, que revelam uma tendência,
mas não determinam como é que a hereditariedade e o meio interagem para
afectar o processo de desenvolvimento intelectual desta ou daquela criança ou
adolescente.

Uma questão a concluir: Quando o meio sócio-cultural é em grande parte


homogéneo, a que se devem as diferenças de QI que entretanto se vierem a
observar? Atribui-se a Goethe a seguinte máxima “Se educássemos as crianças
de acordo com as melhores orientações, estávamos cheios de génios”.
Desenvolver programas que tenham em conta as variáveis sociais irá diminuir
provavelmente o leque de respostas ou diferenças de QI num dado grupo ou
classe social, mas não as anula e torna toda a gente igual e muito menos genial.

Nas sociedades mais desenvolvidas, as diferenças continuarão a existir no


acesso aos melhores cursos universitários, ficando de fora muitos estudantes
das classes médias superiores, que foram criados num dos meios sociais
melhores e mais favoráveis. O que terá causado as diferenças de realização
dos estudantes das classes médias altas que os impediram de aceder aos cursos

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© Universidade Aberta
de elite? Tempo, esforço, motivação e qualidade de estudo? Ou inteligência
geral? Ou ambos os tipos? Não é fácil responder a esta questão, a menos que
uma pessoa opte à partida por um dos lados da barricada.

4.4 Conclusão

A inteligência é um dos temas psicológicos mais estudados e uma das áreas da


psicologia que recebeu mais atenção do público ao longo da sua história. Sendo
uma área essencial, é também uma área bastante complexa onde muitas questões
importantes permanecem por resolver.

Uma das questões tem a ver com a definição de inteligência. Uma dimensão
importante de inteligência é a capacidade de adaptação ao meio, a habilidade
prática para se analisar correctamente as situações e conseguir uma adaptação
ao ambiente e às pessoas que aí vivem. Adaptação implica análise da situação,
adopção e invenção de novas formas de adaptação a um mundo em constante
mudança, onde não é possível adoptar sempre as soluções passadas, mas onde
se exige antes a capacidade para inventar novas soluções.

Neste sentido o ambiente e a cultura próprios de um local ou de uma época


influenciam o modo como alguns aspectos da inteligência são valorizados em
relação a outros. Mas isto não significa que a inteligência seja um mero epifenó-
meno cultural. Os resultados dos testes convencionais de inteligência revelam
uma estabilidade significativa ao longo da vida de uma pessoa, provando ser
instrumentos capazes de prever uma parte importante da variação futura da acti-
vidade intelectual humana. A inteligência é constituída por vários componentes
ou habilidades considerados universais. O que não se sabe porém é se estas
componentes universais reflectem apenas um factor geral g ou pelo contrário
reflectem vários factores mentais primários e qual o modo da sua organização.

Será que a inteligência envolve ou não rapidez e agilidade mental? Os resultados


de diversos estudos realizados no âmbito do modelo de processamento de
informação revelam uma correlação bastante significativa entre rapidez de
processamento e a inteligência psicométrica. Uma questão suplementar é saber
se o tempo de processamento será mais importante nas fases iniciais de
processamento, nas fases posteriores e mais importantes, ou ao longo de todo
o ciclo de processamento? Neste paradigma os investigadores dividem cada
tarefa nas suas componentes principais e depois calculam o tempo gasto em
cada componente. O curioso é tratar-se de um velho paradigma pelo qual os
investigadores voltaram a interessar-se e que foi considerado por Donders
(1818-1889) nos primórdios da psicologia científica no estudo dos tempos de
reacção.

209
© Universidade Aberta
A inteligência será melhor definida em termos genéticos, ambientais ou por
ambos e em que grau? A grande maioria dos investigadores suspende o juízo
sobre esta questão e afirma que os factores genéticos e ambientais são
igualmente importantes. Pelo menos foi esta a resposta dada pela maioria dos
1020 peritos num inquérito realizado por Snyderman e Rothman (1988). É
difícil saber porém se este resultado traduz fielmente o estado da investigação
científica ou revela antes uma resposta táctica de adaptação ao meio! A principal
razão é que uma resposta a esta questão, além de ter uma importância científica
enorme, tem também consequências práticas a nível social e político. Se a
hereditariedade tiver um peso maior do que o meio, prevê-se que os programas
de intervenção comunitária terão um efeito mais reduzido do que se partir do
conhecimento científico de que o meio tem tanta ou mais importância do que
a hereditariedade no desenvolvimento intelectual.

A inteligência é um dos temas mais polémicas da psicologia, nomeadamente


quando os investigadores avançam com explicações de tipo hereditário para
as diferenças individuais e de grupo (género, etnia e raça) ou prevêem a falta
de eficácia de medidas de apoio social. Recentemente a editora Wiley retirou
do mercado o livro de Brand por razões ideológicas (Brand, 1996). O último
livro de Arthur Jensen esteve bastante tempo em fase de revisão por pares,
tendo sido depois rejeitado pelas editoras académicas de primeira grandeza
(Jensen, 1998). A mais importante e influente Associação Americana de
Psicologia (APA) teve de reunir um grupo de peritos para elaborar um artigo
de síntese sobre o que era actualmente conhecido e desconhecido (fundado
ou especulação) no estudo da inteligência (Neisser et al., 1996), após a
publicação de um outro livro polémico sobre inteligência (Herrnstein e Murray,
1994) que foi objecto de discussões acaloradas nos meios de comunicação. O
curioso é que estes três livros foram todos publicados nos últimos seis anos, o
que faz prever que o tema da inteligência irá continuar a figurar nos meios de
comunicação social como um dos temas mais controversos da psicologia.
Parece que toda a gente reconhece implicitamente que ter ou não ter inteligência
conta.

4.5 Conceitos de inteligência

Inteligência, teste de inteligência, idade mental, quociente intelectual (QI),


factor g, fidelidade do teste, validade do teste, efeito Flynn, inteligência fluida,
inteligência cristalizada, inteligência triárquica, inteligências múltiplas,
hereditariedade-meio, leque de respostas.

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4.6 Perguntas de auto-avaliação

1. Indique uma definição de inteligência, fundamentando a sua


resposta.

2. O que é o quociente intelectual (QI)? Como é obtido?

3. Quais as razões para um teste exigir níveis altos de fidelidade e


validade?

4. Que variáveis humanas os testes de inteligência prevêem melhor


ou pior? Fundamente a sua resposta.

5. Explique os aspectos que melhor diferenciam as teorias


psicométricas das teorias de processamento de informação?

6. Como explica a influência da hereditariedade e do meio no


desenvolvimento intelectual humano?

4.7 Sugestões de leitura

Informação suplementar sobre a inteligência pode ser obtida nos livros de


Neisser e col (1998), Sternberg (1985) e no artigo de Neisser et al. (1996).
Em português há o livro de Almeida (1988) sobre teorias da inteligência e o
de Freeman (1976) sobre testes psicológicos.

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5. Motivação

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Porquê, porquê, porquê?…

Porque é que eu estou a escrever este livro ou o leitor está a lê-lo? Porque é
que os alunos não estudam, os trabalhadores não rendem, as crianças passam
o tempo a jogar ou a ver televisão? Porque é que há pessoas bem sucedidas na
vida? Porque é que a mãe abandonou o filho? Porque é que o marido matou a
mulher, ou o filho matou os pais? Porque é que as nações declaram guerra? É
fácil indicar uma dezena de motivos prováveis, mas seleccionar e decidir sobre
qual o motivo preponderante, é muitas vezes uma tarefa tão complexa que em
certos meios, como os tribunais, se passam meses e anos de trabalho intenso
até se conseguir determinar e provar o motivo principal. Muitas vezes nem os
próprios indivíduos sabem porque é que agiram de uma determinada maneira
em vez de outra. A motivação é uma resposta aos porquês do comportamento
humano.

Os desígnios ou motivos do comportamento humano não são insondáveis


como às vezes se diz, são antes variados e complexos e determinar o peso e a
importância de cada um é uma tarefa árdua, difícil, às vezes impossível. Os
motivos variam de pessoa para pessoa, na mesma pessoa ao longo dos tempos
e integram e orientam os planos dos sistemas sócio-organizacionais.

Como, como, como?…

Como motivar as crianças a fazer os deveres e a arrumar o quarto? Os alunos


a estudar? Os trabalhadores a produzir mais e melhor? Os patrões a pagar
mais? O governo a baixar os impostos?

Definição

A motivação é uma palavra mágica na boca de muitas pessoas. As pedagogias


e os sistemas de gestão empresarial fazem da motivação um dos seus principais
objectivos, criando incentivos, lembrando punições, estabelecendo metas e
tentando desenvolver a satisfação geral das pessoas e dos grupos em que se
integram.

Mas o que é a motivação? Será um estado interno que impele o organismo


para a acção, uma espécie de energética do comportamento? Ou será antes um
impulso generalizado e difuso sem qualquer objectivo ou direccionalidade?
Ou ainda uma característica de certos tipos de comportamento que são
controlados e puxados do exterior a partir de incentivos, prémios e punições?

Motivação significa etimologicamente mover-se, implica um movimento do


indivíduo para a acção. Uma pessoa fez isto ou aquilo porque tinha um motivo,

215
© Universidade Aberta
uma necessidade, um desejo, um instinto, um impulso ou um interesse qualquer.
Qualquer que seja o termo escolhido, houve uma força que impeliu a pessoa
ou o animal a mover-se numa certa direcção. Motivação vem de motivo e
motivo significa, além de causa e origem, um elemento próprio e saliente numa
pintura ou num relevo que chama a atenção e o interesse da pessoa.

Segundo Nuttin (1985) a motivação é “uma força que age sobre um sujeito e
o põe em movimento; é uma energia que ao libertar-se põe a máquina a
funcionar”. Nuttin considera ainda a motivação como “uma tensão afectiva,
todo o sentimento susceptível de desencadear e de sustentar uma acção em
direcção a um objectivo”. A motivação é assim uma força que inicia, guia e
mantém a direcção do comportamento. A motivação impele e guia um
organismo para a acção.

A motivação envolve um conjunto de processos internos que impele o


organismo a satisfazer uma necessidade. Isto sugere que o factor inicial tanto
pode ser uma necessidade biológica como a fome, ou uma necessidade social
como o desejo de ser estimado e aceite pelos outros. As necessidades activam
estados impulsivos ou níveis de excitação que levam o sujeito a agir de modo
a satisfazer tais necessidades.

A motivação confere três características a todo o comportamento: A força, a


direcção e a persistência. Todo o comportamento é orientado para um objectivo
a que a pessoa atribui um certo valor. Este valor depende da natureza da
necessidade inicial a que está ligado e do prestígio social do objectivo a que
está associado. A força, a intensidade e a persistência do comportamento
indicam o valor que a pessoa atribui ao objectivo. O comportamento humano
tem objectivos e raramente se apresenta de forma caótica. As pessoas têm
razões para justificar o que fazem, o que não significa que um motivo seja
sempre consciente e o único a actuar.

5.1 Conceitos motivacionais

No estudo da motivação há vários conceitos associados às causas ou origens


do comportamento motivado, sendo os mais referidos as necessidades,
impulsos, incentivos e motivos. Uma definição global de cada um só é possível
no âmbito das teorias que os aplicam, embora seja útil apresentar uma
clarificação prévia.

Necessidade é um estado interno do organismo que está privado ou carente de


alguma coisa. Há necessidades biológicas, como a fome ou a sede; psicológicas
como o conhecimento e a realização pessoal; e sociais como o reconhecimento,

216
© Universidade Aberta
a estima e o prestígio. Na tradição beaviorista o conceito de necessidade foi
operacionalizado em termos de número de horas de privação de alimento ou
de um valor de percentagem de peso abaixo do normal. O conceito de
necessidade é às vezes usado como sinónimo de desejo, motivo ou incentivo,
mas cada um destes conceitos tem significados próprios. Uma necessidade
desencadeia normalmente um impulso, mas há também necessidades para as
quais não há impulsos, como a necessidade de oxigénio. Por outro lado, a
publicidade torna atraentes certos objectos supérfluos, e o impulso para os
adquirir é por vezes tão forte que a pessoa cria uma necessidade artificial para
melhor justificar a compra.

Impulso é um termo bastante vago, com muitos significados, alguns mais


positivos do que outros. Em geral significa tensão e urgência na realização de
um comportamento, tornando-o mais energético. O impulso pode estar
relacionado com estados fisiológicos internos como privações ou valores
hormonais desequilibrados, ou com situações externas como um ambiente
muito frio ou muito ruidoso. O impulso é uma característica da necessidade
que motiva o comportamento. Mas o impulso não determina qual o
comportamento que será seleccionado.

Os impulsos podem ser classificados em primários ou secundários. Os impulsos


primários derivam dos estados fisiológicos do organismo, ocorrem antes de
qualquer tipo de aprendizagem e seriam universais como o alimento, a água, o
desejo sexual, a evitação da dor e a temperatura estável. Os impulsos
secundários são o resultado da aprendizagem e as características motivadoras
destes são aprendidas, em associação talvez com os impulsos primários, um
exemplo dos quais é ter dinheiro. Tipicamente um impulso primário é interno
ao organismo e um impulso secundário é externo.

Os impulsos podem ter várias funções: homeostático, tendência para reduzir a


fome, sede e manter uma temperatura constante; aversivo, uma tendência
constante para evitar a dor e mal-estar; exploratório, uma tensão para
experimentar novos comportamentos ou avaliar a importância de novos
estímulos no ambiente; antecipatórios, em que o objectivo é planear a satisfação
de necessidades futuras; pausa, em situações humanas: “dar uma volta para
matar o tempo” e situações de lazer; nos animais: limpeza do corpo e catar
insectos e ocorrem quando o animal não tem mais nada para fazer de importante.

O conceito de impulso foi substituído nalgumas teorias pelo conceito mais


geral de excitação. Também a partir da década de 60, com o declínio do
beaviorismo e a ênfase nos processos cognitivos, o conceito de impulso foi
substituído a pouco e pouco pelo conceito mais genérico de motivo.

Incentivos são estímulos externos que atraem ou repelem o comportamento e


permitem satisfazer diversas necessidades de um animal. Um incentivo é um

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© Universidade Aberta
factor externo que tem capacidade para puxar o comportamento humano numa
certa direcção. Porém a presença de um incentivo não significa que seja capaz
de motivar sempre o comportamento, significa antes que é capaz de o fazer.
Os incentivos podem ser de tipo primário como o alimento, ou secundário
como o salário, prémios, posse de objectos ou o usufruto de certas situações.
Os incentivos secundários são adquiridos através do processo de aprendizagem
e apresentam-se associados ao incentivo primário.

Impulsos e incentivos estão associados. Os impulsos informam o organismo


sobre o grau de urgência de uma acção, enquanto os incentivos informam o
organismo sobre as possibilidades correntes de satisfazer uma necessidade.
Veja-se o caso da experiência do macaco preso numa gaiola: Tem fome e no
tecto está suspenso um cacho de bananas. A fome é um impulso; as bananas
são o incentivo externo. O sistema motivacional forma uma associação entre
necessidade e incentivo segundo os beavioristas. Segundo os cognitivistas, o
macaco forma uma representação das percepções internas e externas e organiza
o comportamento com objectivo de apanhar as bananas.

Motivo significa um impulso para a acção e substituiu progressivamente o


conceito de impulso. Ao contrário do impulso, o motivo não está associado
tanto a mudanças fisiológicas e orgânicas, mas envolve antes desejos e
aspirações para a acção em função de objectivos que são valorizados pela
pessoa. O motivo envolve uma componente psicológica acentuada, um
elemento emocional e alguns exemplos são os motivos de realização pessoal,
sucesso, auto-estima, afiliação, liderança ou medo do fracasso (e.g., McClelland
e Atkinson, 1976).

5.2 Teorias da motivação

Não há uma teoria geral da motivação humana. As teorias da motivação são


tentativas de explicação para a questão: porque é que um animal ou uma pessoa
decide fazer isto ou aquilo e escolhe um comportamento em vez de outro? O
comportamento e a motivação são tão complexos que não há uma razão única,
global e satisfatória que explique todo o processo motivacional. As várias
teorias da motivação acompanharam a evolução geral das várias tendências e
paradigmas de investigação psicológica. Uma forma de classificar e descrever
estas teorias será analisá-las numa sequência, situando num extremo os factores
biológicos e no outro extremo os factores sociais. As teorias de ênfase biológica
focam os instintos, as pulsões e impulsos, enquanto que as teorias sociais focam
a influência do grupo, sociedade e cultura em que a pessoa se situa. Entre
umas e outras situam-se as teorias cognitivas e a importância atribuída aos
objectivos pessoais e de realização.

218
© Universidade Aberta
5.2.1 Teorias biológicas

As teorias biológicas têm por objectivo analisar os elementos e estruturas


bioquímicas e neurológicas da motivação. Nestas teorias foca-se principalmente
os impulsos primários que têm uma base claramente orgânica, como a fome,
sede, manutenção da temperatura, evitação da dor, busca do prazer, desejo
sexual. Estas teorias defendem a existência de necessidades básicas no
organismo, produzidas por estados de privação. Estes estados geram impulsos
que são os verdadeiros desencadeadores da acção. O comportamento é dirigido
para os estímulos que podem reduzir e aliviar tais necessidades. Algumas das
teorias deste tipo são a teoria dos instintos, a teoria sociobiológica e a teoria de
Freud.

5.2.1.1 Teoria dos instintos

Segundo a teoria dos instintos, o comportamento de um organismo ou pessoa


seria impelida por instintos. Os instintos são comportamentos que revelam um
padrão fixo, comuns a toda a espécie, geneticamente determinados (não-
aprendidos) e são suscitados por estímulos presentes no meio, como no caso
de uma espécie de peixes que ataca qualquer intruso que apresente uma mancha
vermelha no ventre. O pressuposto desta teoria refere que todos os membros
de uma espécie estariam programados para agir da mesma maneira ou pelo
menos de forma semelhante. Nos humanos, existe um instinto básico de
sobrevivência e esta motivação não seria o resultado da aprendizagem,
condicionamento ou cultura, mas estaria programada a nível genético.

Na sequência dos estudos de Darwin, tornou-se popular entre os investigadores


nos finais do séc. XIX e primeiras décadas do séc. XX classificar todo o tipo
de comportamentos sob a forma de instintos. McDougall (1908) foi um dos
investigadores que ressaltou o papel dos instintos no comportamento e
caracterizou os instintos como comportamentos expressos de modo uniforme,
inatos (não-aprendidos) e universais em cada espécie. Assim uma ave faz o
ninho do mesmo modo estereotipado, quer viva em liberdade quer viva em
cativeiro, desde nascença. McDougall (1908) generalizou a teoria dos instintos
animais aos humanos e defendeu que as pessoas tinham diversos instintos,
como os instintos sexual, procriação, cuidar dos filhos menores, ciúme,
submissão. McDougall referiu uma lista de 18 instintos tendo mais tarde
substituído o termo instinto por propensões, devido ao forte criticismo a que
foi sujeito.

219
© Universidade Aberta
A teoria dos instintos tornou-se tão comum no início do séc. XX, que um
historiador chegou a compilar uma lista de mais de 5700 instintos humanos.
Na altura os investigadores, em vez de explicarem os diferentes comportamentos
humanos, limitavam-se a nomeá-los. Assim se uma pessoa fumava tinha o
instinto de fumar ou nos dias de hoje se dedicasse mais horas a navegar na
internet do que à família, a pessoa tinha o instinto da internet! Não é difícil
adivinhar que um projecto deste tipo caiu rapidamente no ridículo e foi
abandonado.

O principal argumento contra a teoria dos instintos defende que o ser humano
não exibe comportamentos fixos, estereotipados e não-aprendidos como nos
animais, quando muito possui apenas alguns reflexos elementares como o
reflexo de sucção no bebé. A teoria dos instintos foi abandonada enquanto
explicação do comportamento humano e historicamente substituída por teorias
que ressaltaram a redução das necessidades fisiológicas e o papel dos incentivos
externos. Apesar da teoria dos instintos ter falhado na explicação do
comportamento humano, há ramificações desta teoria nos dias de hoje quer ao
nível da genética e da etologia (instinto sexual e instinto de agressão) quer ao
nível das teorias evolucionistas (sociobiologia) que tentam explicar
comportamentos humanos complexos como o acasalamento, diferenças de
género, criação dos filhos, ciúme e altruísmo.

5.2.1.2 Teoria sociobiológica

A sociobiologia estuda as bases genéticas e evolutivas do comportamento em


todos os organismos, incluindo os seres humanos e tenta explicar os
comportamentos sociais, desde os comportamentos de vida em grupo até ao
altruísmo e cuidados parentais. É uma teoria actual, bastante controversa, mas
cada vez mais popular nos meios científicos, podendo ser considerada como
uma ramificação actual da teoria dos instintos. A tese principal refere que a
selecção natural favorece os comportamentos sociais que maximizam a
capacidade e sucesso reprodutivo dos organismos. Assim a principal força ou
motivação que impele o comportamento de todos os organismos vivos,
incluindo os seres humanos, é a necessidade de fazer passar o maior número
de genes de um organismo para a geração seguinte.

A teoria dos instintos defendia que as pessoas tinham o instinto de sobrevivência


e que toda e qualquer característica que aumentasse o grau de sobrevivência
passaria a ter provavelmente uma base genética no futuro. A sociobiologia
defende esta ideia de forma diferente. O objectivo fundamental de um
organismo não é a simples sobrevivência ou a sobrevivência da sua prole,

220
© Universidade Aberta
mas antes a capacidade de transmitir o maior número de genes às gerações
seguintes. Os genes teriam a tendência (ou propensão) egoísta de sobreviver a
todo o custo. Esta propensão pode ser melhor compreendida a partir de uma
piada do biólogo Haldane a quem um dia perguntaram se era capaz de sacrificar
a sua vida pelo irmão. “Não”, respondeu ele, “mas por dois irmãos ou oito
primos” (citado em Pinker, 1997, p. 400), o número mínimo de parentes que
asseguraria a sobrevivência dos seus genes. Para Darwin, o organismo mais
capaz é o que consegue sobreviver mais tempo. Para o sociobiólogo Hamilton
(1996) o animal mais capaz é o que consegue maximizar a sobrevivência dos
seus genes nas gerações futuras.

A sociobiolologia tenta explicar de forma plausível diversos tipos de


comportamentos, como as escolhas e preferências femininas de acasalamento,
o cuidado dos filhos, o altruísmo, a actividade sexual e a competição humana.
A razão porque os animais e humanos gastam tempo e sacrificam-se tanto
com a alimentação, a segurança e cuidado dos filhos teria a ver com a
necessidade de assegurar a transmissão dos genes às gerações seguintes.
Também o comportamento altruísta, que em casos extremos envolve o sacrifício
da própria vida pela sobrevivência e segurança dos descendentes, teria lugar
para permitir que os próprios genes tivessem continuação nas gerações
seguintes. Informação complementar e mais desenvolvida pode ser obtida em
Crawford e Krebs (1997).

5.2.1.3 Teoria de Freud

Freud (1920/1961) propôs a existência de dois grandes instintos ou pulsões à


nascença: A pulsão da vida (eros) e a pulsão da morte (tanatos). Estas pulsões
tinham origem em necessidades corporais. Os instintos da vida incluíam os
instintos sexuais (libido) necessários para a reprodução e os instintos
relacionados com a fome e a sede, necessários para a manutenção e preservação
da vida. Os instintos de morte não foram muito bem caracterizados exceptuando
talvez o instinto de agressão. As pessoas são impelidas por impulsos inatos de
natureza sexual que motivam as pessoas a comportarem-se no sentido de reduzir
a energia psíquica de natureza sexual (libido) de forma a atingir um equilíbrio.

Estes instintos ou desejos básicos estariam presentes desde o nascimento numa


espécie de “caldeirão” de energia que Freud designou por id. Muitos dos
desejos eram recalcados pelo ego devido a pressões parentais e sociais. O id
ou inconsciente retinha os desejos e as memórias reprimidas. Estes desejos
influenciavam o comportamento sempre que circunstâncias similares às originais
viessem a ocorrer. A exclusão dos desejos da esfera consciente não significava

221
© Universidade Aberta
o seu desaparecimento. O ego, o guardião da consciência, usava mecanismos
de defesa para orientar a energia reprimida substituindo a gratificação imediata
dos desejos básicos por situações mais aceitáveis socialmente.

Para Freud a motivação não é o resultado do acaso. Todo o comportamento é


psiquicamente determinado e tem origem em desejos inconscientes. A origem
real da motivação humana apenas seria revelada por meio dos sonhos, hipnose
e a psicanálise. No entanto todo o comportamento seria dirigido para um
objectivo, mesmo no caso de comportamentos neuróticos e lapsos da fala.

Apesar da teoria de Freud ter um alcance bastante restrito no que se refere à


motivação (parece totalmente irrelevante em termos escolares, no trabalho, no
desporto e na empresa), mesmo assim é uma contribuição teórica importante.
A tese de que o comportamento motivado não é apenas o resultado de uma
vontade racional e consciente e pode também ocorrer devido a factores
inconscientes é uma ideia geralmente tida em conta (e.g., McClelland, 1987).

5.2.2 Teorias comportamentais

As teorias comportamentais (beavioristas) da motivação tentam estabelecer


relações específicas entre motivação e aprendizagem e dão bastante importância
a conceitos comuns, como impulso, reforço, punição e moldagem. Assim os
organismos têm necessidades básicas (fome, sede) que geram impulsos para
procurar no meio estímulos e situações que possam satisfazer ou reduzir estes
impulsos (reforços primários, como o alimento, bebida ou evitação da dor).

O conceito de impulso tem vantagens sobre o conceito de instinto, porque


pode ser objecto de operacionalização, atraíndo deste modo o interesse dos
beavioristas. Assim o impulso de um organismo pode ser expresso de forma
quantitativa em termos do número de horas de privação de alimento ou bebida,
ou duração e intensidade de uma estimulação desagradável como um choque
eléctrico.

5.2.2.1 Teoria de redução de impulsos

A teoria de redução dos impulsos defende que os organismos são impelidos e


motivados para a redução de impulsos. Um impulso seria um estado interno
de tensão que motivaria um organismo a comportar-se de um determinado
modo a fim de reduzir a tensão existente. O objectivo seria obter um estado

222
© Universidade Aberta
constante ou correcto de equilíbrio interno (homeostase) para uma certa
necessidade. Esta teoria tem subjacente a ideia de que o estado normal de um
organismo é o equilíbrio e quando este equilíbrio é desfeito gera-se um impulso
no sentido de restabelecer o estado original. Os postulados principais da teoria
são:

1. Os organismos agem no sentido da redução dos impulsos, de modo


que todos os comportamentos podem ser explicados como esforços
directos ou indirectos de redução de impulsos.

2. Os comportamentos acompanhados por uma redução de impulsos


são fortalecidos; a redução dos impulsos é uma condição necessária
para que a aprendizagem ocorra.

Hull (1943) defendeu que todo o comportamento é motivado por impulsos


homeostáticos ou por impulsos secundários baseados neles. A satisfação das
necessidades primárias exprimem-se por diversos impulsos primários e são os
principais impulsionadores do comportamento. Assim o desequilíbrio
psicológico associado à necessidade de alimento é assinalado ao cérebro por
processos bioquímicos que mantêm o organismo activo até o alimento ser
encontrado, a fome satisfeita e o equilíbrio restabelecido. A necessidade gera
o impulso que assegura a ocorrência do comportamento, sendo o objectivo
deste a redução do impulso. A aprendizagem envolve a presença de um reforço,
cujo poder e efeito tem a ver com a capacidade para reduzir o impulso.

A teoria de redução de impulsos e obtenção de um estado de equilíbrio pretendeu


ser uma teoria geral de explicação do comportamento animal e humano, apesar
da maior parte dos estudos experimentais terem sido realizados em ratos. É
uma teoria que estabelece uma relação satisfatória entre motivação e apren-
dizagem, mas tem dificuldades em explicar alguns resultados experimentais.
Esta teoria não conseguiu explicar, por exemplo, porque é que os macacos
colocados numa gaiola se entretêm a resolver sucessivamente problemas
mecânicos (fechos de gaiolas) na ausência de alimento ou de outro reforço
“extrínseco” qualquer — procuram satisfazer uma necessidade não-biológica
(Harlow et al., 1950).

No caso humano, a teoria não explica porque é que as pessoas continuam


motivadas a agir mesmo após estarem saciadas. No caso de um banquete, o
equilíbrio foi atingido muito antes de se chegar à sobremesa e no entanto as
pessoas desejam ainda comer (provar!?) os queijos, os doces e as frutas. As
pessoas esforçam-se ainda para obter resultados ou atingir objectivos muito
para além da satisfação das necessidades básicas, como ter mais dinheiro,
bens, poder, fama e conhecimentos. Há ainda cidadãos, artistas e modelos
femininos que sacrificam a alimentação em alto grau para nuns casos conse-

223
© Universidade Aberta
guirem a atenção da opinião pública, e noutros a fama e sucesso (satisfações
não-biológicas). As pessoas buscam ainda sensações e agem de forma a
aumentar o nível de excitação nas suas vidas, muito para além de qualquer
equilíbrio necessário.

5.2.2.2 Teoria da excitação

Na explicação do comportamento humano, a teoria da excitação propôs a


substituição do conceito de impulso pelo conceito mais geral de excitação. Há
motivos psicológicos que, em vez de terem por fim a redução da tensão,
procuram antes aumentá-la. Há pessoas que adoptam comportamentos de risco,
nas relações sexuais, na descoberta da natureza ou de novos ambientes, na
condução automóvel, ou mesmo assistindo a filmes de terror e espectáculos
macabros. As crianças são capazes de brincar e manterem-se activas o dia
inteiro e alguns jovens e adultos adoram praticar desportos radicais. Mesmo
os macacos são capazes de passar horas a tentar descobrir o mecanismo do
funcionamento dos fechos das gaiolas. A exploração e descoberta de situações
novas é um motivo que não parece satisfazer à partida qualquer necessidade
biológica e não se enquadra bem na teoria de redução de impulsos.

A excitação envolve reacções de natureza fisiológica e psicológica. Quando


uma pessoa está num estado de excitação, há alterações ao nível da forma das
ondas cerebrais, ritmo cardíaco, respiração e aumento do diâmetro da pupila.
As pessoas sentem-se atentas, vigilantes, os sentidos estão bem despertos e a
concentração é fácil. Um estado destes verifica-se por exemplo quando se
encontra subitamente um grande amigo que não se vê há vários anos. O estado
oposto de baixa excitação verifica-se à noite depois de um longo e intenso dia
de trabalho. Também acontece durante o dia, tendo em conta a quantidade de
café que habitualmente se toma.

As pessoas necessitam de um nível mínimo de excitação sensorial. Heron et


al. (1956) realizaram uma experiência em que estudantes eram bem pagos
para viver alguns dias num compartimento confortável, mas onde a excitação
sensorial tinha sido removida na sua quase totalidade. Os participantes usavam
óculos que deixavam passar uma luminosidade constante, mas não permitiam
ver as formas dos objectos; as mãos e os pés estavam forrados com luvas e
roupas para evitar as sensações tácteis; o ruído era reduzido, mas constante.
Passado pouco tempo neste ambiente, os sujeitos começaram a ficar deso-
rientados, a ter dificuldades de concentração, a sentir alucinações, a entrar em

224
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estados de delírio e ao fim de 2-3 dias recusaram continuar a experiência.
A situação tornou-se intolerável e deixou de justificar a recompensa financeira.

O nível de excitação varia de pessoa para pessoa, assim como dentro da mesma
pessoa. Teoricamente deve haver um nível óptimo de excitação: Níveis baixos
podem causar aborrecimento, letargia e sonolência e níveis bastante elevados
podem causar ansiedade. Mudanças significativas face a um nível considerado
óptimo ou satisfatório levam o organismo a agir no sentido de restaurar o
equilíbrio desejado.

Na sequência do estudo clássico de Yerkes e Dodson (1908), vários estudos


revelaram uma relação entre o nível de excitação e a qualidade do desempenho
registado na realização de uma tarefa. A relação observada é no entanto
complexa e apresenta-se sob a forma de U invertido. Assim para níveis baixos
e moderados de excitação, quanto maior for o grau de excitação melhor é o
desempenho. Mas a partir de um certo nível intermédio de excitação, a melhoria
de desempenho estabiliza, passando depois a diminuir quando os valores de
excitação se tornam bastante elevados.

Estes estudos revelaram ainda que o nível óptimo de excitação varia com a
complexidade da tarefa. Se esta for fácil, o nível óptimo de excitação é
moderadamente alto. Se a tarefa for bastante difícil, o nível óptimo de excitação
é moderadamente baixo. Uma excitação elevada na realização de uma tarefa
difícil, como acontece no caso de um exame, pode gerar ansiedade e conse-
quentemente distracção e bloqueio no raciocínio e na recordação. Mas quando
a tarefa é fácil, ou o prazo bastante distante, a excitação que a tarefa desperta
é diminuta, gerando-se rituais de adiamento até ao momento em que não é
possível adiar mais e se atinge o nível mínimo adequado de excitação para a
sua realização.

Berlyne (1960) considerou a curiosidade, um motivo capaz de aumentar o


grau de excitação e seria despertada pela incerteza dos estímulos, ambiguidade,
incongruência, raridade, complexidade e novidade. Todos estes aspectos fariam
aumentar o nível de excitação, originando comportamentos exploratórios, a
descoberta do meio ambiente e a busca de sensações.

A teoria da excitação concentra-se num conceito simples, capaz de fornecer


uma explicação plausível para os resultados obtidos em experiências de privação
sensorial e de manipulação e exploração ambiental. Não deixa porém de ser
um conceito limitado como veremos pelas teorias seguintes.

225
© Universidade Aberta
5.2.2.3 Teoria do incentivo

Nem todo o comportamento é impelido por impulsos internos ou pela procura


de um nível de excitação óptimo. As teorias dos instintos, redução dos impulsos
e excitação ressaltavam os mecanismos internos que “empur-ravam” o
comportamento numa determinada direcção. Em contraste, a teoria do reforço
ou incentivo defende que as pessoas são “puxadas” pelo desejo de alcançar
um objectivo.

Há objectos e situações externas que atraem o comportamento, como acontece


com o dinheiro, prestígio, encontro com amigos, o usufruto de bens ou que
também repelem como a proximidade de ambientes ruidosos, poluídos e
tóxicos. Estes factores externos são designados incentivos e têm a capacidade
para motivar o comportamento humano. O incentivo puxa ou afasta o compor-
tamento numa certa direcção a partir de um estímulo externo. A presença de
um incentivo não significa que seja capaz de motivar sempre o compor-
tamento, significa apenas que tem a potencialidade de o fazer.

Os incentivos que atraem o comportamento podem ser objectivos de curto


prazo como receber o dinheiro pela tarefa realizada ou comer o gelado ou a
fatia de bolo de chocolate no fim da refeição; ou de médio e longo prazo,
como obter boas classificações no exame para depois receber um presente,
passar umas férias agradáveis, arranjar um bom emprego e conseguir um salário
elevado.

A teoria do incentivo é uma teoria tipicamente beaviorista, em que o compor-


tamento é motivado apenas por factores externos, positivos ou negativos, tipo
“pau ou cenoura”. Na sequência da teoria do incentivo, os investigadores
passaram a distinguir dois tipos de orientações motivacionais: A motivação
extrínseca e a motivação intrínseca (Deci, 1975; Deci e Ryan, 1985).

As pessoas com uma motivação extrínseca realizam uma tarefa ou para


alcançarem uma recompensa externa e tangível, ou porque têm medo de ser
punidos. Numa situação escolar os reforços externos e visíveis são as notas,
os prémios e quadros de honra; numa empresa são os salários, prémios, seguros,
promoção, gabinetes pessoais com secretárias e condições de trabalho
satisfatórias. Os reforços extrínsicos são atribuídos pelos administradores e
constituem um meio poderoso para seleccionar os empregados e mantê-los
satisfeitos na empresa, ou pelo menos para minimizar tanto quanto possível o
grau de insatisfação.

As pessoas com uma motivação intrínseca realizam a tarefa pela satisfação e


prazer que dá, pela curiosidade e interesse que estimula e pelos sentimentos
de competência e controlo que proporciona. As diferenças entre estas duas

226
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orientações motivacionais nem sempre são nítidas e bem contrastadas, como
se verá adiante.

As teorias comportamentais clássicas valorizam apenas a motivação extrínseca


resultante de reforços e punições. No entanto os motivos extrínsecos podem
ter um efeito imediato e poderoso, mas não costumam durar muito, a menos
que se goste minimamente da tarefa a realizar. Os motivos intrínsecos têm um
efeito maior e mais profundo a longo prazo, porque são inerentes à pessoa e
estão relacionados com o grau de satisfação da tarefa. E este grau de satisfação
é um reforço intrínseco poderoso que a teoria do incentivo simplesmente
ignora.

5.2.3 Teoria humanista de Maslow

Maslow (1954/1987) elaborou uma teoria da motivação que tinha por objectivo
ressaltar e explicar os motivos de natureza psicológica no comportamento
humano e não o comportamento de todos os animais em geral, como
pretenderam fazer as teorias do incentivo ou da redução dos impulsos.

A teoria de Maslow é uma teoria das necessidades humanas, que tem subjacente
três postulados: (1) As pessoas são motivados no sentido de satisfazer as suas
necessidades; (2) As necessidades estão hierarquizadas na vida de uma pessoa;
(3) As pessoas progridem na hierarquia de necessidades à medida que as
necessidades inferiores são satisfeitas. A hierarquia de necessidades de Maslow
é formada por sete níveis ou patamares, organizados em forma de pirâmide da
base para o topo, descritas a seguir:

1. Fisiológicas - consideradas as necessidades mais básicas e importantes,


situadas na base da pirâmide, e incluem as necessidades de alimento e
água sem as quais uma pessoa não pode sobreviver.

2. Segurança - necessidade de estabilidade na vida, ordem e liberdade


de forma a conseguir-se atingir objectivos de longo prazo.

3. Pertença - afeição e amor da parte dos familiares, amigos e conhecidos;


as pessoas tentam satisfazer este tipo de necessidades depois de terem
assegurado as necessidades precedentes. Se estas necessidades forem
satisfeitas a pessoa sente-se confiante, capaz, útil e necessária no grupo
e na comunidade.

4. Estima - realização, prestígio, estatuto social e competência.

227
© Universidade Aberta
5. Cognitivas - curiosidade e desejo de obter novos conhecimentos,
compreender o mundo, o funcionamento das coisas e o comportamento
das pessoas.

6. Estéticas - apreciação da beleza e arte, que proporciona conforto e


bem-estar, assim como a organização da vida social.

7. Auto-realização - desenvolver e realizar o potencial próprio de cada


um até ao último grau. “O que uma pessoa pode ser, deve sê-lo”, de
acordo com Maslow. Assim se uma pessoa é médico, mas quisesse
ser escritor, era uma pessoa que não teria conseguido realizar o seu
potencial de realização. Esta necessidade não é exterior ao organismo,
mas antes uma necessidade de crescimento interior e uma fonte de
motivação intrínseca. Seria o último e o mais importante objectivo
humano a atingir.

Maslow organizou as sete necessidades em dois grandes grupos: (1)


Necessidades carentes formadas pelos primeiros quatro grupos; a satisfação
destas necessidades tem primazia e uma vez obtida a satisfação, a motivação
tende a diminuir; (2) Necessidades do ser ou de realização e crescimento,
formadas pelas três necessidades do topo, onde a motivação tende a aumentar
à medida que estas necessidades são satisfeitas.

Quanto mais baixa se situar a necessidade na hierarquia, mais prepotente e


impulsiva se torna se não for satisfeita. As necessidades fisiológicas e de
segurança são essenciais para a sobrevivência humana. Uma pessoa esfomeada
estaria pouco preocupada com necessidades de natureza cognitiva ou de estima
pessoal. As pessoas apenas sobem na hierarquia à medida que as necessidades
inferiores são satisfeitas.

Maslow considerou esta hierarquia, não como uma descrição rigorosa e


absoluta da motivação humana, mas antes como uma descrição do que poderia
acontecer em situações ideais. Defendeu esta hierarquia de necessidades, mas
não como uma organização fixa. As pessoas podiam sacrificar temporariamente
necessidades de ordem fisiológica por necessidades de ordem cognitiva ou
estética, dando prioridade a estas últimas. Reconheceu até que muitas pessoas
talvez não consigam satisfazer as necessidades do topo da hierarquia.

Várias objecções foram feitas ao sistema de Maslow. Argumentou-se que cada


grupo de necessidades estava definido em termos vagos; que a inclusão das
necessidades parecia arbitrária; que as provas em apoio da tese de que as
pessoas satisfazem as necessidades inferiores antes de tentarem satisfazer as
necessidades superiores eram reduzidas. Há casos de pessoas que entraram
em greve de fome e algumas chegaram mesmo a morrer para conseguirem
divulgar um ponto de vista social, político ou religioso. A invariância da

228
© Universidade Aberta
hierarquia de necessidades foi também contestada a partir de estudos inter-
culturais, alegando-se que a ordem não é universalmente fixa. Em resposta a
esta objecção, refira-se no entanto que é a existência de um postulado
hierárquico e invariante que dá força e valor heurístico ao sistema de Maslow,
caso contrário não passava de mais uma de entre várias listas de necessidades
possíveis. A hierarquia implica a noção de há uns motivos que até serem
satisfeitos são mais fortes e prementes do que outros.

A teoria de Maslow foi bastante influente e estimulou o pensamento de muitos


investigadores que tentaram verificar o alcance e limites da satisfação das
diferentes necessidades em diferentes grupos, comunidades e culturas à volta
do mundo. Maslow estava certo quando afirmou que o comportamento humano
é influenciado por motivos diferentes.

5.2.4 Teorias cognitivas

Nas últimas décadas, a maior parte dos teóricos da motivação seguem uma
perspectiva cognitiva. Bandura (1986) afirmou até que a razão “que leva uma
pessoa a agir tem a sua raiz nas actividades cognitivas”. A motivação é um
processo cognitivo e envolve a maior parte das vezes uma tomada de decisão
consciente. As teorias cognitivas defendem que as pessoas agem, não por
motivos externos ou condições ambientais (reforços e incentivos) ou até mesmo
fisiológicas (a fome), mas antes em função das percepções e interpretações
que dão aos acontecimentos, assim como em função dos objectivos, planos e
expectativas que formam. Na teoria cognitiva, a motivação cria intenções e
dirige os comportamentos para objectivos. Por outras palavras, o
comportamento é determinado pela maneira como uma pessoa pensa e tem
em conta as crenças, expectativas, objectivos e valores próprios.

As necessidades básicas não se restringem a necessidades fisiológicas ou de


segurança; as pessoas têm também uma necessidade básica de compreender o
mundo em que habitam e de nele agir de forma eficaz e competente. As pessoas
são activas e curiosas, buscam informação, realizam tarefas que antecipadamente
percebem que lhes dão ou podem dar satisfação e procuram atingir níveis de
compreensão da realidade cada vez maiores.

O conhecimento é de facto uma necessidade inata, mas a pessoa não está


motivada para conhecer e explicar tudo (pode-se estar muito interessado em
psicologia, mas não em física, ou vice-versa). O interesse por um tipo de
conhecimento pode ser suscitado por estímulos que provocam a surpresa, a
dúvida e a dissonância cognitiva. O interesse por uma tarefa será tanto maior
quanto mais a sua aprendizagem ou realização satisfizer uma necessidade

229
© Universidade Aberta
sentida e percebida pela pessoa. Deste modo as teorias cognitivas ressaltam a
orientação intrínseca da motivação.

5.2.4.1 Teoria da dissonância cognitiva de Festinger

Ser coerente em termos de comportamentos, opiniões, crenças e atitudes é


uma necessidade básica considerada muito importante a nível humano porque
revela uma imagem positiva da pessoa. Festinger (1957) propôs uma teoria
que tem implicações importantes ao nível da perspectiva cognitiva da motivação
e que designou por teoria da dissonância cognitiva. Segundo esta teoria as
pessoas sentem tensão e desconforto quando são induzidas a dizer ou a tomar
uma posição que é contrária às crenças e valores em que verdadeiramente
acreditam. Festinger designou esta tensão ou desconforto psicológico por
dissonância cognitiva. Esta tensão motiva a pessoa a reinterpretar a situação e
a minimizar as inconsistências a fim de restaurar um estado de consistência
cognitiva. Uma forma de o conseguir é a pessoa convencer-se de que acredita
verdadeiramente na afirmação que fez ou no comportamento que realizou de
forma a resolver a dissonância e a atingir um estado de consistência pessoal.

Esta busca de consistência interna explica alguns comportamentos peculiares


no dia a dia do tipo seguinte: Uma senhora cortou algumas flores num jardim
público. Quando o polícia a abordou, a senhora justificou-se dizendo que
gostava tanto de flores que não fora capaz de resistir a cortá-las. Queria levá-
-las para casa para as ter mais perto de si! O estudante que comete a fraude de
fotocopiar o livro do professor em vez de o comprar, quando confrontado
directamente pelo autor justifica-se dizendo que o preço do livro é exage-
radamente elevado para o orçamento diminuto de um estudante. Se o autor
lhe perguntar como justifica a ida a um espectáculo musical onde pagou um
bilhete de entrada mais caro do que o preço do livro, o estudante alega que o
espectáculo é mais divertido! O leitor pode analisar outras justificações deste
tipo dadas por fumadores que sabem que o tabaco faz mal e causa cancro;
senhoras que usam casacos de pele de animais, apesar de saberem que vários
animais foram mortos para o fazer; jovens que têm relações sexuais esporádicas,
sujeitos a contrair a sida e mesmo assim não usam preservativo.

Festinger e Carlsmith (1959) realizaram uma importante experiência onde


provaram a teoria da dissonância cognitiva. Nesta experiência clássica
estudantes foram solicitados a realizar individualmente uma tarefa bastante
aborrecida e rotineira durante uma hora (pôr e tirar carretos de um tabuleiro
com uma mão; rodar cavilhas um quarto de círculo). Depois de realizarem a
tarefa, os sujeitos foram divididos em três grupos. Ao primeiro Grupo foi

230
© Universidade Aberta
oferecido a cada estudante um dólar para dizer ao próximo sujeito da experiência
que a tarefa era bastante interessante e engraçada. Aos sujeitos do segundo
Grupo foi oferecido 20 dólares para fazer o mesmo; O terceiro Grupo era de
controlo, a quem não foi oferecido nenhum dinheiro nem feito nenhum pedido.
Depois de aceitarem a oferta os sujeitos deslocaram-se à sala de experiência
onde se esforçaram por convencer o próximo sujeito (no caso, uma rapariga
aliada do experimentador) de que as tarefas eram agradáveis e interessantes.
No final os sujeitos foram solicitados a responder à pergunta: “Qual o grau de
agrado que realmente teve na realização desta tarefa?” Os estudantes a quem
foi pago um dólar afirmaram que tinham gostado realmente da tarefa. Mas os
estudantes a quem foi pago 20 dólares afirmaram que não tinham gostado e
consideraram a tarefa tão aborrecida como os sujeitos do grupo de controlo.

Os resultados da experiência de Festinger e Carlsmith são contra-intuitivos e


contrários ao que o senso comum prevê. O senso comum (assim como a teoria
do incentivo anteriormente referida) dirá que os sujeitos a quem foi oferecido
20 dólares são mais capazes de confirmar e de se convencerem da mentira
feita, mudando de crenças e atitudes e afirmando que a tarefa foi divertida.
Contudo os resultados foram no sentido oposto e este padrão de resultados foi
verificado em vários estudos posteriores.

Festinger (1957) e outros autores posteriores explicaram este resultado paradoxal


afirmando que os sujeitos do Grupo de 1 dólar estavam perante um dilema:
Realizaram um longo trabalho aborrecido por um reforço ou incentivo diminuto.
Se perceberam que de facto a tarefa era aborrecida, era preciso ser muito
“palerma” para aceitar mentir por apenas um dólar: “Como foi possível justificar
a mentira de que a tarefa era interessante por apenas um dólar?” Para evitar
esta questão ou conclusão desagradável, os sujeitos decidiram alterar a
percepção que tinham da tarefa e passaram a justificá-la (provavelmente de
forma inconsciente) como interessante e agradável. Por outro lado, os sujeitos
do Grupo dos 20 dólares não precisaram de fazer qualquer ginástica intelectual
para justificar a mentira. Podiam afirmar no final que acharam a tarefa
aborrecida, porque tinham uma justificação pessoal para a mentira dada: A
soma elevada de dinheiro oferecido. Assim o Grupo de um dólar tinha uma
dissonância cognitiva elevada e revelou uma maior mudança de atitude,
enquanto que o Grupo de 20 dólares tinha uma dissonância cognitiva baixa e
revelou uma mudança de atitude reduzida.

A teoria da dissonância cognitiva sustenta que uma pessoa processa a


informação de forma activa e que, sempre que encontra discordâncias ou incon-
gruências em termos de conhecimentos e saber, faz um esforço para mudar de
opinião e atitude (cognições) de forma a conseguir um estado de coerência e
consistência cognitiva. A dissonância cognitiva é um estado cognitivo negativo
de tensão e desconforto, que motiva e orienta a pessoa a reduzi-lo e a obter
consonância.

231
© Universidade Aberta
5.2.4.2 Modelos de atribuição causal

As teorias de atribuição causal são descrições das justificações, desculpas e


porquês que as pessoas dão para explicar os sucessos e fracassos no compor-
tamento do dia a dia. Rotter (1954) propôs um modelo que tentava situar a
responsabilidade pelo sucesso ou fracasso do comportamento no interior ou
no exterior das pessoas e que designou por modelo de locus de controlo. As
pessoas que tinham um locus de controlo interno assumiam a responsabilidade
pelo seu comportamento e pelo seu destino e gostavam de trabalhar em situações
em que as suas competências e esforço podiam levar ao sucesso. Em contraste
as pessoas com um locus de controlo externo acreditavam que as forças que
determinavam as suas vidas situavam-se em geral no exterior e fora do seu
controlo, sendo a sorte ou a falta dela uma das causas frequentemente referidas
(e.g., Rotter, 1982).

Mais recentemente Weiner (1979; 1990) propôs um modelo de atribuição


causal bastante mais elaborado. Segundo Weiner as causas dos sucessos ou
fracassos podem ser caracterizadas em função de três dimensões: Locus (a
causa situa-se no interior ou no exterior da pessoa); Estabilidade (a causa é
estável na pessoa, como o grau de competência e habilidade, ou é instável
como o grau maior ou menor de esforço dispendido); responsabilidade pessoal
(a causa está sob o controlo e responsabilidade da pessoa como o esforço ou
pedido de ajuda, ou é incontrolável como a competência pessoal, saúde, estado
emocional, sorte e dificuldade da tarefa a realizar). Weiner descreveu quatro
atribuições que as pessoas referem (duas internas e duas externas) para justificar
os seus sucessos e insucessos numa tarefa:

• Habilidade (tiveram sucesso, porque são espertos e habilidosos;


falharam porque não o são); é uma atribuição interna e estável.

• Esforço (tiveram sucesso, porque se esforçaram e trabalharam muito;


falharam porque não trabalharam o suficiente); é uma atribuição interna
e instável.

• Dificuldade (tiveram sucesso, porque a tarefa tinha uma dificuldade


aceitável e razoável; falharam porque a tarefa era muito difícil; ou ainda,
a tarefa era muito fácil e conseguiram ser bem sucedidos); é uma
atribuição externa e estável.

• Sorte (tiveram sucesso ou fracasso por motivos de sorte ou por razões


externas desconhecidas); é uma atribuição externa e instável.

Weiner defendeu que as dimensões do locus, estabilidade e responsabilidade


têm implicações importantes na motivação humana. Assim a dimensão de locus
interno e externo estaria relacionada com sentimentos de auto-estima. Se o

232
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sucesso ou o fracasso fosse atribuído a factores internos, a pessoa sentia orgulho
e uma motivação crescente no caso de sucesso; ou uma redução na auto-
estima no caso de fracasso.

A dimensão de estabilidade estaria relacionada com expectativas sobre o futuro.


Se o sucesso ou o fracasso fosse atribuído a factores estáveis como a
dificuldade da tarefa, no caso de sucesso criava-se a expectativa de o mesmo
vir a acontecer no futuro com tarefas de dificuldade semelhante ou maior; se o
sucesso ou insucesso fosse atribuído a factores instáveis como a disposição ou
a sorte, a motivação não aumentaria no futuro.

A dimensão de responsabilidade estaria relacionada com as emoções de orgulho


e reconhecimento ou de ira e vergonha. Se a pessoa é bem sucedida numa
tarefa que sente como estando ao seu alcance, a pessoa sentirá orgulho e
satisfação; se falha, sentirá vergonha. Mas se percebe a tarefa fora do seu
alcance, o sucesso será atribuído à sorte e o fracasso originará estados de ira
contra o responsável pela tarefa.

Um dos postulados centrais das teorias de atribuição é a ideia de que as pessoas


fazem um esforço por manter uma imagem positiva de si próprios. Assim
quando algo de positivo acontece, as pessoas têm tendência a atribuir o resultado
a factores internos como as competências pessoais e os esforços realizados;
todavia quando surge um fracasso, a causa é atribuída a factores externos, que
a pessoa não controla, como a falta de sorte ou à dificuldade exagerada da
tarefa.

As teorias da atribuição têm um papel importante na explicação do desempenho


escolar dos alunos. Vários estudos indicaram que os estudantes com um locus
de controlo interno têm melhores classificações do que estudantes do mesmo
nível de inteligência, que têm um nível baixo de locus de controlo interno
(Nowicki et al., 1978; Barros et al., 1993).

5.2.5 Teorias da aprendizagem social

As teorias da aprendizagem social, inicialmente beavioristas, foram-se tornando


cada vez mais cognitivas, podendo-se afirmar que no geral são teorias que
tentam integrar as duas influências, a beaviorista e a cognitiva. A influência
beaviorista reflecte-se na importância dada aos determinantes externos do
comportamento como os reforços e punições, enquanto que a influência
cognitiva ressalta o papel dos determinantes internos como as crenças,
expectativas e objectivos pessoais.

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5.2.5.1 Teoria da expectativa x valor

Uma das teorias que combina estas duas perspectivas é a teoria da expectativa
x valor (Atkinson, 1964). Segundo esta teoria, a motivação é o resultado da
multiplicação da probabilidade de sucesso esperado vezes o valor do incentivo
associado ao sucesso: M = Ps x Is. Por exemplo, se um jovem julga que tem
possibilidades de vir a ser o líder da organização juvenil do seu partido e
valoriza bastante esta escolha, provavelmente este jovem revelará uma
motivação bastante elevada e fará todos os esforços para conseguir ser eleito.
Em contraste, um outro jovem com um grau de competências equivalentes,
mas que atribui um menor valor à eleição, sentir-se-á menos motivado e fará
menos esforços para alcançar um tal objectivo.

Uma das características desta teoria de motivação é o facto da fórmula ser


multiplicativa, o que implica que, se o valor da expectativa ou o valor do
incentivo for zero, então a motivação resultante também será zero. A motivação
é o produto destas duas forças ou factores e se um dos factores for zero, deixa
de haver motivação para a pessoa agir e esforçar-se em direcção a um objectivo.
Assim se o jovem gostar imenso de ser eleito (incentivo elevado), mas
reconhecer que tem poucas capacidades (expectativa nula), então a motivação
será zero.

Atkinson (1964) sublinhou ainda que a motivação apenas seria máxima com
níveis moderados de probabilidade de sucesso. Assim por exemplo dois
jogadores de xadrez situados ao mesmo nível de competência fariam um esforço
elevado para cada um ganhar o jogo, isto é, a motivação seria elevada e
semelhante. Porém se um dos jogadores fosse um mestre e o outro um amador,
os jogadores não iriam esforçar-se maximamente. O mestre não valorizaria
muito a vitória e por isso não faria os maiores esforços; por outro lado, o
amador gostaria imenso de ganhar ao mestre, mas como tem uma probabilidade
diminuta de conseguir ganhar, o mais provável é não dar o esforço máximo.

5.2.5.2 Teoria de Nuttin

Nuttin (1985) propôs uma teoria da motivação que se enquadra nas teorias de
aprendizagem social, principalmente na sua vertente mais cognitiva da
expectativa x valor. Nuttin sublinha a abordagem interaccionista da motivação
humana, baseada nas interacções dinâmicas e preferenciais que se estabelecem
entre a pessoa e o meio (entre o eu-mundo) no âmbito do comportamento, e
em que estas interacções podem tomar a forma de relações biológicas,
psicológicas e espirituais. Há interacções que são preferidas a outras e é no

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âmbito deste relacionamento e desta valorização selectiva que a personalidade
humana se constitui e se desenvolve. Para Nuttin a motivação não é o elemento
desencadeador da necessidade, mas constitui antes a direcção activa do
comportamento em direcção a um objectivo.

5.2.5.3 Modelo de Bandura

O investigador actual mais representativo das teorias da aprendizagem social


com implicações ao nível da motivação é Bandura. Bandura (1986, 1997)
analisou vários motivos que poderão ter um papel importante na origem da
motivação. Alguns destes motivos são o conceito de auto-eficácia e o
estabelecimento activo de objectivos.

A auto-eficácia refere-se às crenças que uma pessoa tem sobre a sua compe-
tência pessoal na realização de uma tarefa e no controlo de uma situação. Face
a uma nova tarefa, uma pessoa com um nível de auto-eficácia elevado, iniciará
e persistirá na sua realização em função das recordações passadas de tarefas
similares que foram bem sucedidas. Porém se as recordações forem de fracasso,
o grau de auto-eficácia será menor e provavelmente a pessoa não se sentirá
motivada para realizar a tarefa. As pessoas têm tendência a trabalhar mais e a
persistir durante mais tempo numa tarefa quando têm um sentimento elevado
de auto-eficácia. Nada fará um futuro bem sucedido, como um passado bem
sucedido.

O estabelecimento activo de objectivos é um outro motivo importante, na


medida em que os objectivos estabelecidos determinam o critério para uma
pessoa avaliar o seu próprio desempenho. No dia a dia as pessoas estabelecem
uma série de planos e objectivos e esperam realizá-los bem e a tempo,
esforçando-se para o efeito. Quando os objectivos são alcançados, a pessoa
sente-se satisfeita e mais cedo ou mais tarde volta a estabelecer novos objectivos
para conseguir realizá-los. Nestes casos o grau de auto-eficácia tende a
aumentar. No entanto quando os objectivos não são cumpridos e a pessoa
desiste frequentemente, o sentimento de eficácia pessoal tem poucas probabi-
lidades de se desenvolver.

Estabelecer e trabalhar para objectivos que sejam específicos, moderadamente


difíceis e passíveis de serem atingidos num prazo razoável constitui uma
importante orientação motivacional. Objectivos moderadamente difíceis
constituem um desafio importante para as pessoas tentarem realizar e alcançar,
mas objectivos muito fáceis ou extremamente difíceis não são motivadores
por natureza.

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© Universidade Aberta
5.2.6 Motivação intrínseca e extrínseca

As teorias da motivação anteriormente descritas constituem uma selecção de


entre as teorias e modelos que julgo serem as mais importantes. As teorias de
carácter mais psicológico diferem bastante entre si face à questão “O que é a
motivação e quais os factores que a originam?” Para as teorias beavioristas
(Hull e Skinner) os factores motivacionais são extrínsecos sob a forma de
reforços e punições. Para a teoria humanista (Maslow) os factores últimos são
intrínsecos sob a forma de satisfação de necessidades do ser e de auto-
-realização. Para a teoria cognitiva (Festinger, Weiner), os factores são intrín-
secos sob a forma de consistência pessoal, atribuições causais e expectativas.
Para as teorias da aprendizagem social (Atkinson, Bandura), os factores são
intrínsecos como as expectativas e o sentimento de eficácia pessoal e em parte
extrínsecos tendo em conta o valor dos objectivos em si, para além daquilo
que a pessoa lhes atribui. No entanto, como veremos a seguir os motivos não
se arrumam facilmente em intrínsecos e extrínsecos.

A motivação intrínseca tem a sua fonte na pessoa e implica a existência de


uma relação entre os meios e os fins. A motivação intrínseca surge quando
uma pessoa decide fazer uma tarefa, está consciente das suas capacidades
para a realizar e pensa obter satisfação na sua realização. No entanto Nuttin
(1985) refere que a distinção entre motivação intrínseca e extrínseca pode ser
redutora, porque um acto pode ser determinado de diferentes maneiras. Assim
uma pessoa trabalha por motivos extrínsecos para obter um salário que lhe
permita financiar actividades pessoais fora do trabalho e realizar o seu projecto
pessoal. Neste caso o trabalho é um meio num projecto pessoal mais vasto de
acção, que tem uma motivação dominante. O objectivo é aproximar a natureza
dos actos do projecto pessoal.

Deci e Ryan (1985) analisaram também a dicotomia entre motivação extrínseca


e intrínseca e propuseram um contínuo motivacional que vai da amotivação
num extremo até à motivação intrínseca no outro extremo, passando pelas
diversas cambiantes da motivação extrínseca. O tipo de motivação envolvido
numa tarefa pode ir do grau zero de auto-determinação presente na amotivação
até valores elevados de iniciativa pessoal e de auto-determinação expressos na
motivação intrínseca.

A amotivação exprime o nível zero da motivação e representaria o desamparo


e resignação total resultante de realização de tarefas mal sucedidas. A pessoa
sente que não tem qualquer controlo sobre os resultados das tarefas que
desempenha. Amotivação é um conceito equivalente ao de desamparo
aprendido, proposto por Seligman (1975).

A motivação extrínseca ocorre quando uma pessoa obtém uma recompensa


agradável ou evita uma situação desagradável na realização de uma tarefa.

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Por exemplo, estudar o suficiente para obter uma classificação que permita
passar (recompensa) e evite reprovar (evitação). Deci e Ryan distinguem quatro
tipos de motivações extrínsecas: regulação externa (recompensa ou medo);
introjecção (a pessoa age porque sente-se culpada); identificação (a pessoa
valoriza a importância da tarefa); integração (há uma escolha em função de
valores, do tipo “prefiro ficar a estudar a ir ao cinema”). O grau de auto-
determinação começaria apenas na fase de identificação e aumentaria na fase
de integração.

A motivação intrínseca surge quando a realização de uma tarefa é acompanhada


pelo prazer e satisfação que dela podem ser retirados e representa o nível mais
elevado de auto-determinação pessoal e afirmação do estado de competência.
Deci e Ryan distinguem três tipos de motivações intrínsecas: Estados de
conhecimento elevado (conhecer algo de novo); estados de realização (sentir
o desafio e prazer de resolver um problema complexo); estados de sensação e
paixão (sentir sensações sensoriais, bem-estar e estéticas, proporcionadas pela
actividade realizada, como acontece por exemplo no desporto, na música,
num trabalho em grupo ou numa relação sexual apaixonada).

A motivação intrínseca envolve factores auto-gerados que leva a pessoa a agir


numa certa direcção. Estes factores são considerados “reforços psicológicos”,
uma espécie de oportunidade para se praticar as capacidades próprias, aceitar
e responder a desafios, mostrar que se é capaz, autónomo e bem sucedido e
ainda sentir que se é reconhecido, aceite e estimado. As pessoas precisam de
acreditar que aquilo que fazem é válido em si para se comprometerem
efectivamente a realizá-lo. Para Deci e Ryan o compromisso último numa
tarefa ocorre principalmente quando são promovidas condições que facilitam
a motivação intrínseca.

Os professores devem ser capazes de identificar qual é a orientação moti-


vacional principal na realização de uma tarefa, se é intrínseca ou extrínseca. A
promoção da motivação intrínseca deve ser o objectivo principal, mas pode
não ser o objectivo primeiro. Numa situação escolar, por exemplo, os
professores não devem ignorar a eficácia inicial da motivação extrínseca sob a
forma de observações positivas, reconhecimento oportuno pelo trabalho bem
feito, boas classificações, prémios e outras recompensas. Mas a pouco e pouco
o professor deve ajudar os estudantes a identificar as suas aptidões, as
aprendizagens já feitas e os estilos de aprendizagem; devem ainda alimentar a
curiosidade, o interesse e o desejo de saber, mostrar a importância da tarefa,
desenvolver a expectativa de que se é capaz e acompanhá-los na realização
dos seus objectivos.

Quando um aluno está intrinsecamente motivado para realizar uma tarefa (por
ex., aprender a tocar um instrumento musical ou realizar um trabalho escolar

237
© Universidade Aberta
sobre determinado tema), gosta realmente do que faz e obtém satisfação e
prazer pela sua realização, a atribuição de reforços ou incentivos externos
(prémios, dinheiro ou presentes) não é de todo necessária e pode até ser às
vezes contraproducente. Neste caso verifica-se o que se designou por efeito
de super-justificação: Quando há motivação intrínseca e prazer para realizar
uma tarefa, a introdução de um reforço externo pode diminuir o desejo de a
realizar e o agrado que antes se sentia. (Para investigações recentes sobre esta
questão, veja-se Butler, 1988; Eisenberger e Cameron, 1996; 1998).

5.2.6.1 Não há uma teoria …

No trabalho, na empresa e no desporto não há uma única teoria que seja capaz
de explicar o que motiva as pessoas a fazer mais e melhor. A complexidade do
conceito de motivação por um lado e a existência de diferenças individuais e
de valores no que se refere aos objectivos importantes da vida por outro torna
difícil formular uma teoria que explique a motivação em geral. No entanto as
teorias existentes permitem fornecer um enquadramento teórico que ajuda a
focar os aspectos mais relevantes que devem ser tidos em conta no
comportamento das pessoas e em certas situações específicas. As melhores
teorias são aquelas que conseguem compreender e explicar a energética do
comportamento em geral e dos seres humanos em particular e ainda conseguem
ser capazes de fazer propostas específicas para motivar as pessoas numa
determinada situação.

As teorias do incentivo estabeleceram este objectivo para o comportamento


animal em geral, e conseguiram-no em grande parte, mas revelaram-se inca-
pazes de explicar o comportamento humano. O funcionamento da motivação
humana implica um tipo de motivos específicos como as expectativas, as
crenças, as cognições e a percepção do valor pessoal e social atribuído aos
diversos incentivos. É por este caminho que se orientam as teorias cognitivas
e especialmente as teorias da aprendizagem social e creio que ambas estão no
bom caminho.

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5.3 Conclusão

Há autores que afirmam que a motivação precede a cognição. A motivação


seria influenciada por necessidades que empurram o organismo para a acção.
Estas necessidades actuariam antes do organismo planear a sua satisfação.
Pode estar certo, mas é apenas um elemento da motivação. Quando uma pessoa
está esfomeada e procura alimento, o papel da cognição parece secundário,
porque a pessoa parece agir “cegamente” na busca de estímulos adequados
para reduzir este impulso, indo directamente ao frigorífico, à dispensa ou ao
restaurante da esquina. Isto em condições normais e em especial nas sociedades
ocidentais de abundância e solidariedade. Mas em casos extremos de situações
de fome e penúria, como sucede em tempo de guerra com o racionamento de
alimentos, a satisfação destes impulsos requer a tomada de decisões estratégicas
para manter a sobrevivência da pessoa.

Assim quando o animal tem ao mesmo tempo fome e sede e os incentivos que
satisfazem estes impulsos estão situados em locais diferentes e um dos locais é
mais perigoso e envolve mais riscos do que outro, é preciso fazer uma escolha
e esta escolha é uma decisão cognitiva. E a escolha pode ser não-beber para
já. Pode argumentar-se que o organismo irá escolher à partida o comportamento
com maior nível de motivação, por exemplo a bebida. Mas esta escolha implica
uma decisão prévia em função da recordação do tempo de privação e dos
riscos prováveis que enfrenta a sua satisfação.

Analise-se ainda o caso do impulso sexual nos mamíferos e nas pessoas. Não
basta existir um impulso sexual por um lado e detectar um incentivo no ambiente
para o satisfazer por outro. Mesmo nos animais a satisfação do impulso sexual
envolve estratégias de corte e acasalamento bastante complexas, em que o
comportamento sexual é orientado em termos da escolha que parece melhor
em cada momento. E a escolha pode não se concretizar, se entretanto aparecer
um concorrente que tiver feito a mesma opção. Nos seres humanos isto é
ainda mais evidente e complexo, envolvendo na maioria esmagadora dos casos
a avaliação de factores de natureza pessoal, social e económica, além de valores
morais e religiosos.

É preferível defender a tese de que a motivação, a emoção e a cognição estão


intimamente relacionadas num sistema complexo de interacções e de prece-
dências mútuas. Por exemplo, escolher o curso universitário que se pretende
seguir, planear umas férias, ter um filho agora ou mais tarde, são objectivos
que implicam uma extensa actividade cognitiva de forma a analisar as vantagens
ou desvantagens inerentes à decisão que vier a ser tomada. Este planeamento
será bastante verde, insípido e desencorpado se não for guiado pelas emoções
de alegria, surpresa, medo e esperança, associadas aos comportamentos resul-
tantes da escolha que vier a ser tomada. Sem as emoções associadas e sem a

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© Universidade Aberta
motivação para se atingir cada um destes objectivos, cada plano não passará
de mais um plano possível, provavelmente todos mais ou menos interessantes
e válidos, mas sem a excitação e a força para permitir a iniciação e a persistência
do comportamento escolhido.

5.4 Conceitos de motivação

Motivação, necessidades, impulsos, incentivos, motivos, instintos, socio-


biologia, gene egoísta, homeostase, excitação, motivação intrínseca, motivação
extrínseca, auto-realização, dissonância cognitiva, atribuição causal, locus
de controlo, expectativa x valor, auto-eficácia, amotivação, efeito de super-
justificação.

5.5 Perguntas de auto-avaliação

1. Defina e relacione os conceitos de necessidades, impulsos e


incentivos.

2. Descreva a teoria motivacional de Maslow e refira os seus pontos


mais positivos e negativos.

3. Quais lhe parecem ser as maiores contribuições das teorias


cognitivas e da aprendizagem social para a compreensão do
processo motivacional.

4. Defina motivação extrínseca e intrínseca e comente as poten-


cialidades de cada tipo.

5.6 Sugestões de leitura

Informação suplementar sobre motivação pode ser lido em McClelland (1987),


Bandura (1997), Barros, Barros e Neto (1993) e Abreu (1998).

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6. Emoção

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Todos sentimos estados de alegria, satisfação e prazer quando nos divertimos
com os nossos filhos e amigos, damos e recebemos prendas, assistimos a um
bom espectáculo e somos elogiados. Noutras ocasiões sentimos surpresa por
uma notícia inesperada, medo de um vulto sentado à entrada da porta quando
regressamos a casa de noite, fúria quando vemos o nosso carro riscado ou o
comerciante nos quer vender gato por lebre, aversão a certos alimentos, repulsa
ao ver certas pessoas, tristeza e pesar pelo falecimento de um familiar.

Em todos estes casos, sentimos uma ou mais emoções, desencadeadas por um


estímulo externo ou por um pensamento, com uma tonalidade agradável ou
desagradável, intensa ou ligeira, breve ou mais demorada. São experiências e
sensações pessoais involuntárias e cujo aparecimento súbito muitas vezes nos
surpreende. A emoção é uma experiência subjectiva que envolve a pessoa
toda, a mente e o corpo. É uma reacção complexa desencadeada por um
estímulo ou pensamento e envolve reacções orgânicas e sensações pessoais. É
uma resposta que envolve diferentes componentes, nomeadamente uma reacção
observável, uma excitação fisiológica, uma interpretação cognitiva e uma
experiência subjectiva.

6.1 Âmbito da emoção

A emoção é um comportamento observável através do rosto, voz, gestos e


posição corporal. O rosto é um meio privilegiado de expressar uma grande
variedade de emoções. No teatro e cinema, o rosto de Sir Laurence Olivier
conseguiu transmitir as mais subtis variações da experiência emocional, a ponto
de se poder dizer que o rosto é o palco da emoção. O rosto transmite
receptividade, afastamento ou compaixão em relação aos outros e tem um
papel importante em termos de adaptação e ajustamento social. As variações
tonais da voz que um grande actor, artista de fado ou cantor de ópera são
capazes de revelar, exprimem também uma paleta emocional bastante variada
e complexa.

A voz e o rosto têm autonomia emocional própria. Uma voz forte e rápida ou
lenta e arrastada ao telefone podem significar fúria ou tristeza, do mesmo modo
que a observação de fotografias de rosto são suficientes para caracterizar a
emoção expressa. No entanto é o corpo na sua globalidade, que transmite e
exprime a fidelidade emocional. Há situações ardilosas em que o rosto e a voz
parecem submissas, mas a posição corporal e os gestos indicam agressão, e
onde uma percepção incorrecta pode ser prejudicial.

A emoção inclui uma componente de excitação fisiológica, ao nível do sistema


nervoso autónomo (SNA). Perante a ameaça física de um delinquente, causando

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medo e pavor ou perante um embate automóvel, provocando aborrecimento e
fúria, verificam-se diversas alterações fisiológicas, nomeadamente um aumento
do ritmo cardíaco e pressão sanguínea, a respiração torna-se ofegante, o sangue
flui do estômago para os músculos voluntários, aumenta a transpiração, as
glândulas supra-renais produzem epinefrina (adrenalina), as pupilas dilatam-
se para melhorar a visibilidade, entre outras reacções.

A emoção é também uma interpretação cognitiva conjunta do estado fisiológico


e da situação que desencadeou a reacção. O mesmo estado fisiológico pode
dar origem ou não a uma emoção. Subir as escadas a correr de um prédio de
vários andares produz um conjunto de reacções fisiológicas, como o aumento
da respiração, ritmo cardíaco e transpiração, semelhantes em parte à emoção
de medo ou fúria, mas uma pessoa quando chega ao topo das escadas não diz
que sente medo ou que está furiosa. Mas se no início das escadas vê subitamente
um desconhecido com mau aspecto, surgem logo reacções fisiológicas
semelhantes que passam a ser interpretadas e sentidas como surpresa e medo.

Por último, a emoção é uma experiência subjectiva sob a forma de alegria,


tristeza ou pesar. É um sentimento geral de agrado ou desagrado, forte ou
fraco, que nos inúmeros cambiantes que revela nos faz vibrar quando deparamos
com o belo ou tropeçamos no horrível. As emoções podem ainda ser agradáveis
e desagradáveis ao mesmo tempo, como sucede com uma promoção no
emprego onde um vencimento melhor é acompanhado por mais
responsabilidades e menos tempo para a família e amigos, ou mesmo até com
o casamento onde ao prazer da relação se juntam mais deveres e obrigações.
O controlo sobre as emoções é parcial. As emoções não podem ser ligadas ou
desligadas imediatamente. São estados quentes que precisam de tempo para
arrefecer. A maior parte das dimensões subjectivas da emoção podem ser
avaliadas por meio de questionários de auto-observação sobre o que uma pessoa
sente ou já experienciou. Mas são os escritores, os artistas e os actores os que
conseguiram revelar provavelmente melhor as inúmeras facetas e subtilezas
da experiência emocional.

6.1.1 Funções da emoção

Além das várias componentes e estruturas envolvidas na actividade emocional,


é possível destacar o papel funcional das emoções. A emoção tem uma função
adaptativa, uma função motivacional e até mesmo uma função perturbadora.

As emoções têm uma função adaptativa e ajudam os organismos a enfrentar


questões chave de sobrevivência postas pelo ambiente. Darwin (1872) foi o
primeiro a ressaltar o papel funcional das emoções e defendeu que a

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comunicação é o aspecto da emoção mais importante e significativo em termos
de sobrevivência. Do ponto de vista evolutivo as emoções são um sistema
básico da espécie gravado no sistema nervoso para efeitos de comunicação.
Se as emoções apresentam uma função de comunicação simples, então as
emoções contribuem para a racionalidade da acção em vez de serem
consideradas actos meramente irracionais. Quando o papel adaptativo da
emoção é desempenhado satisfatoriamente, a emoção torna-se num estado
racional, porque está adaptada à percepção que a pessoa faz da situação.

A emoção tem uma função motivacional. As emoções mobilizam a pessoa


para responder a situações urgentes sem perda de tempo a ponderar qual a
melhor reacção ou resposta. A rapidez com que as emoções surgem e nos
dominam, muitas vezes antes de nos darmos conta, é essencial para mobilizar
o organismo para reagir.

As emoções tem ainda uma função perturbadora na tomada de decisões e


uma acção desmobilizadora. Estados contínuos e frequentes de tristeza e
depressão perturbam a acção, enviesam a maneira de pensar com base em
recordações passados de insucessos e fracassos e revelam-se pouco ou nada
adaptativos em termos de mobilizar uma pessoa neste estado para satisfazer as
suas necessidades básicas. A função adaptativa e perturbadora da emoção
parece contraditória. A tristeza e depressão não parecem ser à primeira vista
estados adaptativos, mas também se pode defender esta hipótese. A tristeza
seria um estado adaptativo, significando um sinal de ajuda e busca de compaixão
para que outros façam o que a pessoa não pode ou não quer fazer. A compaixão
pelos mais fracos e a sua cura é um meio de manter a sobrevivência do maior
número de membros do grupo ou da tribo. Neste caso a depressão não seria
perturbadora, mas um sinal adaptativo.

6.1.2 Conceitos emocionais

No âmbito da emoção há vários termos relacionados, como sentimento, afecto,


preferências, humor, disposição, traços emocionais e desordem emocional.
Alguns destes termos são considerados às vezes sinónimos, outras vezes são
conceitos que discriminam variações ao longo da escala de intensidade
emocional ou representam aspectos qualitativos diferentes. Emoção, sentimento
e afecto são considerados sinónimos quando se fala de um estado emocional
ou afectivo que influenciou uma determinada opção, interferiu na percepção
de um acontecimento ou desencadeou uma recordação específica. A emoção
é mais breve e intensa do que o sentimento, mas não existe uma linha divisória.
Cada emoção varia também em intensidade. A notícia de uma primeira gravidez
pode ser uma enorme surpresa e uma grande decepção aos 15 anos, uma

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enorme surpresa e uma grande alegria aos 25 anos, e podem ocorrer sentimentos
semelhantes mas de intensidade menor aos 35 anos com a notícia do terceiro
filho, ou sentimentos ambivalentes com o nascimento de gémeos.

A emoção tem componentes expressivas a nível comportamental e orgânico.


A alegria, a surpresa, a fúria e a repulsa são estados intensos, acompanhados
por níveis de excitação rápidos e desejo de agir, motivam uma acção e depois
regressam ao estado normal. Uma pessoa pode ter uma explosão súbita de
cólera, muito raramente é capaz de ter um ataque de cólera que dure um dia
inteiro, embora possa ficar num estado de animosidade, irritação e hostilidade
durante bastante tempo. Humor e disposição são estados que podem durar
horas ou um dia inteiro, como se verifica em expressões do género, “hoje
acordei mal-disposto” ou “passei um fim de semana bem-disposto”.

O sentimento é um sentir consciente, uma impressão, uma experiência, às


vezes com uma dimensão mais sensorial como dor ou bem-estar, outras vezes
com uma dimensão mais afectiva como tristeza, melancolia, agrado. O senti-
mento é um estado similar à emoção, menos intenso e mais prolongado.

As preferências são estados que têm uma valência consciente e inconsciente


de natureza emocional e afectiva. Uma pessoa tem preferências conscientes
por cores, flores ou tipos de pessoas, mas tem dificuldades em explicar
conscientemente um grande número de preferências no dia a dia, desde certo
tipo de compras que fez até à pessoa que escolheu para cônjuge.

Desordem emocional é uma expressão que se refere às reacções emocionais


não apropriadas em relação a uma dada situação. Estados de ansiedade e fobias
são desordens emocionais que podem durar vários meses e estão associados a
um quadro de sintomas. Estados emocionais como a ira, pesar, tristeza e
sofrimento podem dar origem a comportamentos desorganizados e caóticos.
Circunstancialmente a emoção captura o cérebro e o corpo por momentos. Se
a duração for prolongada pode até pôr em risco a sobrevivência da pessoa.
Estados crónicos de experiência emocional prolongada devem ser objecto de
tratamento e psicoterapia por parte de pessoal especializado.

O traço emocional refere-se a um estado consistente e estável no compor-


tamento da pessoa, como o traço “feliz” que está relacionado com a frequência
de emoções positivas, satisfação com a vida, prazeres e realizações, ou o traço
“deprimido” que está relacionado com situações opostas. Os traços de persona-
lidade, como o traço de personalidade extrovertida ou neurótica, são ainda
mais estáveis, consistentes e duradouros do que o traço emocional, têm muitos
deles uma base emocional e podem durar anos ou uma vida inteira. Assim os
termos emoção, humor, traço emocional e traço de personalidade represen-
tariam expressões de comportamentos afectivos ao longo de uma escala de
duração temporal cada vez mais longa e de intensidade cada vez mais breve.

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6.1.3 Emoções primárias e secundárias

Há uma grande variedade de estados emocionais descritos por um número


elevado de conceitos. Na língua inglesa foram contados mais de 550 termos
referentes a emoções e na língua portuguesa o número não deverá ser muito
diferente. Será possível reduzir este número de estados a um pequeno grupo
de emoções básicas e primárias, de modo semelhante ao que os físicos
estabeleceram para as cores e os químicos para os elementos básicos que
presidem aos vários compostos?

A ideia é atractiva e faz sentido (Ekman, 1994). Há estados emocionais que


parecem inatos como a aflição e o sorriso, ou pelo menos estão presentes de
forma diferenciada nos primeiros meses de vida, como a ira-frustração e medo
(e.g., Rothbart, 1994). São ainda estados reconhecidos por quase toda a gente
em diversas partes do mundo (Ekman e Friesen, 1971). Há ainda um tipo de
emoções compostas que parecem ser formadas a partir de outras emoções
básicas, como o amor que seria formado pela alegria mais a aceitação; o desprezo
pela aversão mais a ira; O optimismo pela alegria mais a antecipação; o
desapontamento pela surpresa mais a tristeza. Além disto, a mesma emoção
combinada com outras daria origem a emoções secundárias diferentes. Assim
o medo, que é considerado um comportamento de protecção nas diferentes
espécies, quando combinado com a antecipação daria origem à ansiedade;
combinado com a aceitação daria origem à submissão; combinado com a
aversão daria origem à vergonha.

Vários investigadores defenderam a existência de um certo número de emoções


básicas tendo em conta diferentes critérios. Veja-se o Quadro 6.1 elaborado a
partir de um estudo de Ortony et al. (1988). O número de emoções básicas
varia de investigador para investigador, mesmo quando se considera o mesmo
critério de classificação. Qual o critério que deve presidir à selecção e
agrupamento das emoções para se considerar o que é ou não uma emoção
básica? Será que básico significa inato, universal à espécie humana, integrado
na constituição genética da espécie, representado através de circuitos cerebrais
próprios e anterior ao processo de aprendizagem humana? Ou básico seria
constituído por um pequeno grupo de emoções, cujas combinações dariam
lugar a emoções secundárias mais complexas, como por exemplo o ciúme que
seria uma combinação de medo, tristeza e ira? A resposta a esta questão depende
muito da perspectiva teórica que se adoptar. O consenso é difícil, mesmo entre
os que ressaltam a importância da componente neurofisiológica da emoção.

A classificação proposta por Plutchik (1980) é uma das mais referidas na


literatura e baseia-se em vários postulados, sendo os mais importantes os 4
seguintes: Há elementos comuns ou prototípicos que podem ser identificados
nas expressões emocionais das diferentes espécies; Há um pequeno número

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de emoções básicas e todas as restantes emoções são combinações, misturas
ou compostos deste núcleo básico; Cada emoção revela-se em graus de
intensidade e níveis de excitação variados; As emoções têm um papel adaptativo
ajudando os organismos a enfrentar questões vitais de sobrevivência postas
pelo ambiente. Plutchik (1980) defendeu oito emoções básicas, cada uma com
o seu oposto e tendo por critério a relação com os processos biológicos
adaptativos: alegria-tristeza, ódio-medo, surpresa-antecipação, aversão-
aceitação.

Quadro 6.1 – Listagem das emoções básicas e respectivos critérios de


selecção proposta por alguns dos principais investigadores na
área das emoções.

Autor Emoções básicas Critério principal

James amor, ira, medo, desgosto Envolvimento corporal


(1884)
Watson amor, ira, medo Sistema nervoso
(1930)
Mowrer prazer, dor Estados emocionais inatos
(1960)
Ekman ira, aversão, medo, alegria, tristeza, surpresa Expressões faciais universais
(1992)
Panksepp medo, ira, pânico, expectativa Circuitos cerebrais
(1982)
Plutchik ira, aversão, medo, alegria, tristeza, surpresa, Processos biológicos adapta-
(1980) aceitação, antecipação tivos
Izard ira, aversão, medo, alegria, desprezo, culpa, Neuroquímico, comportamen-
(1992) aflição, interesse, vergonha, surpresa to e sensação

A discussão sobre a existência de emoções primárias deve-se em grande parte


aos estudos inter-culturais realizados desde a década de 70 por Paul Ekman e
colaboradores (e.g., Ekman e Friesen, 1971; Ekman, 1994), que tentou provar
que as expressões faciais de medo, ira, tristeza e satisfação são universais e
reconhecidas por pessoas das mais diversas culturas e estados de desenvol-
vimento, incluindo tribos iletradas da Nova Guiné sem acesso aos meios de
comunicação social. Em apoio desta hipótese, outros estudos realizados sobre
a expressão facial de crianças cegas de nascença indicaram que as expressões
de alegria, pesar e tristeza eram muito semelhantes às expressões faciais de
crianças normais.

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6.2 Teorias da emoção

Strongman (1998) refere cerca de 150 teorias que foram divulgadas na literatura
científica para melhor se compreender e explicar as emoções e a formação do
estado emocional. Apesar de tantas alternativas não há no caso da emoção,
como em muitos outros fenómenos psicológicos, uma teoria consensual capaz
de explicar todos os aspectos da emoção, embora haja naturalmente teorias
que são melhores do que outras. Quase todas as teorias contemporâneas de
emoções salientam quatro factores na formação de um estado emocional:

1. A estimulação externa a partir de acontecimentos do meio ambiente,


como a visão de um cão a correr em direcção a nós; ou interna, a
partir de imagens e pensamentos, como a ansiedade que estou a sentir
em relação ao exame que vou realizar amanhã.

2. Correlatos neurofisiológicos a nível da organização cerebral e a nível


dos sistemas nervoso central e autónomo.

3. A avaliação cognitiva feita pela pessoa a partir da estimulação recebida.


Um cão corpulento e solto a correr e ladrar na nossa direcção causa
medo e fuga, mas se estiver preso numa jaula não suscita qualquer
receio; do mesmo modo uma seringa na mão de um médico não causa
fuga ao contrário de uma seringa na mão de um delinquente. A ava-
liação da situação afecta em grande parte as emoções produzidas e
geradas.

4. Elementos motivacionais: A activação emocional tem frequentemente


um papel desencadeador da acção.

Quase todas as teorias de emoção envolvem componentes cognitivos e


fisiológicos, embora a ênfase posta em cada um deles varie de teoria para
teoria. As teorias e hipóteses explicativas referidas a seguir são uma selecção
do que julgo serem as teorias da emoção mais aceites e citadas na literatura
psicológica, nomeadamente a teoria de James-Lange, Cannon-Bard, Schachter
e Singer, Lazarus, teoria da expressão facial e as hipóteses explicativas de
natureza neurológica de LeDoux e Damásio.

6.2.1 Teoria de James-Lange

William James nos EUA e Lange na Dinamarca propuseram uma teoria das
emoções bastante semelhante entre si e quase ao mesmo tempo. A descrição
feita por James é a mais referida e a que é descrita a seguir. James publicou em
1884 o artigo O que é uma emoção? que se tornou bastante influente e um
249
© Universidade Aberta
dos artigos mais citados na literatura desta área. James (1884) defendeu que as
emoções que sentimos são o resultado de informações que recebemos do nosso
corpo quando reagem a estímulos do meio ambiente. A emoção é a percepção
da agitação e alterações fisiológicas desencadeadas por seres e acontecimentos
no nosso meio ambiente. Para cada emoção haveria uma assinatura corporal
única ao nível dos órgãos viscerais e músculos voluntários.

James baseou-se numa experiência mental para defender a sua teoria,


convidando para o efeito o leitor a sentir uma emoção forte, a pensar depois
nas diversas reacções e estados corporais envolventes e por último a retirar um
a um os elementos fisiológicos e corporais associados à emoção. O que restaria,
segundo James, era uma emoção desencorpada, destituída de calor emocional,
uma percepção puramente cognitiva, pálida e sem cor; um estado neutro e
frio. A pessoa podia ver um urso ou um cão e correr, mas não sentia medo ou
ficava furiosa. Neste sentido James refere que a estratégia para aliviar uma
emoção indesejável é tentar alterar as respostas corporais que estão sob controlo
voluntário. No caso de tristeza, por exemplo, seria pôr uma cara alegre, saudar
bem alto as pessoas, rir, pôr-se bem direito e caminhar com energia.

A teoria de James é oposta à crença do senso comum: A pessoa vê o cão, tem


medo e depois foge. Segundo James, a sequência é diferente: A pessoa vê o
cão, corre e depois sente medo. O mesmo se verifica com as outras emoções:
As pessoas estão tristes porque choram, felizes porque riem e se abraçam,
furiosos porque batem e lutam.

Esta teoria associa os estados mentais aos processos fisiológicos. Se as emoções


que sentimos são o resultado de informações que recebemos do nosso corpo,
então o corpo produziria um conjunto de mudanças fisiológicas específicas
para cada emoção sentida. Esta tese foi contestada nas décadas seguintes.

6.2.2 Teoria de Cannon-Bard

Cannon (1927) contestou uma das implicações da teoria de James-Lange


segundo a qual o padrão de respostas fisiológicas podia dar origem a uma
variedade de expressões emocionais e propôs uma teoria alternativa que veio
a ficar conhecida por teoria de Cannon-Bard. Cannon-Bard recusaram a ênfase
posta na percepção da actividade fisiológica, afirmando que as mesmas
alterações viscerais ocorrem em estados emocionais diferentes — as pessoas
choram de tristeza ou de alegria — ou até mesmo em estados não-emocionais,
como nos estados de febre ou de hipoglicemia.

250
© Universidade Aberta
Cannon-Bard referem estudos realizados em cães e gatos, onde as ligações
entre o SNC e as vísceras foram cortadas, não se tendo verificado alterações
ao nível do comportamento emocional. Nestas experiências de amputação das
ligações, os sinais exteriores de fúria de um gato face a um cão a ladrar estavam
presentes. Segundo Cannon-Bard as vísceras são estruturas de reacção lenta,
em contraste com a rapidez de resposta emocional a um estímulo, não podendo
servir de condição necessária e suficiente para a percepção do estado emocional.

A teoria de Cannon-Bard defendeu que os estímulos externos activam a região


do tálamo, que por sua vez envia dois sinais em simultâneo: Um sinal neuronal
para o córtex que leva a pessoa a sentir a emoção; e outro sinal para o SNA e
músculos que desencadeiam as mudanças fisiológicas e corporais associadas
à emoção. Cannon-Bard consideraram a região do tálamo como o centro da
emoção e esta ideia ainda hoje está presente, embora com um apoio anatómico
a nível cerebral mais preciso e elaborado. Actualmente o sistema límbico e
principalmente a amígdala estão mais envolvidos na regulação e controlo da
emoção do que a teoria de Cannon-Bard pensava inicialmente sobre o papel
específico do tálamo.

A teoria de Cannon-Bard nada diz sobre os estados fisiológicos específicos de


cada emoção, apenas refere a presença de um estado global de actividade ou
excitação no organismo que varia em termos de intensidade. Assim quando a
divisão simpática do SNA é activada, os efeitos são uniformes no organismo,
independentemente de qualquer estímulo ambiental específico. Para esta teoria
as emoções diferem em termos de grau de excitação geral.

A teoria de Cannon-Bard justifica a versão do senso comum sobre o


aparecimento da emoção: Um pessoa vê o cão, depois sente medo e em seguida
foge. Assim uma pessoa chora porque está triste, abraça e beija porque está
contente, luta porque está furiosa.

6.2.3 Teoria de Schachter e Singer

Schachter e Singer (1962) defenderam a teoria de que as emoções resultam do


modo como avaliamos e interpretamos os nossos estados de excitação. Os
factores determinantes na formação do estado emocional são por um lado a
excitação fisiológica e visceral e por outro a avaliação cognitiva efectuada.
No entanto esta teoria privilegia a fase de avaliação cognitiva, afirmando que
um único estado de excitação fisiológica pode produzir emoções diferentes,
dependendo do modo como o indivíduo interpreta e avalia a situação. A teoria
de avaliação cognitiva foi inicialmente formulada a partir dos resultados obtidos

251
© Universidade Aberta
na experiência realizada por Schachter e Singer (1962), que ressaltou o papel
da avaliação cognitiva na formação da emoção.

Nesta experiência os sujeitos foram informados de que iam participar num


estudo que tinha por objectivo analisar os efeitos de um suplemento vitamínico.
Na realidade o suplemento era a droga epinefrina (ou adrenalina). A epinefrina
é produzida pelas supra-renais sempre que uma pessoa está perante uma
situação causadora de stress e é responsável pelo aumento da pressão sanguínea,
ritmo cardíaco e respiração. A experiência foi dividida em três fases.

Na primeira fase os participantes foram divididos em quatro grupos. O 1º Grupo


tomou epinefrina e foi correctamente informado sobre os efeitos secundários,
nomeadamente um ligeiro tremor das mãos, aumento do ritmo cardíaco e rubor
ligeiro na face; o 2º Grupo tomou epinefrina e foi erradamente informado
sobre os efeitos da droga, tendo sido informado que a droga causava entor-
pecimento dos pés, comichão e uma dor de cabeça ligeira; o 3º Grupo tomou
epinefrina e não foi informado sobre nenhum efeito da droga; o 4º Grupo
(placebo) recebeu uma injecção de um soluto salino e não recebeu também
qualquer informação. Estas informações diferenciadas tinham por objectivo
manipular as interpretações dos sujeitos sobre as suas próprias sensações
corporais.

Na segunda fase da experiência, os sujeitos aguardavam numa sala de espera


durante 20 minutos até que fossem chamados para realizar uma série de provas
e onde já se encontrava um outro participante. Este era um aliado ou cúmplice
do experimentador que tentava comportar-se durante o tempo de espera, quer
em termos de euforia quer em termos de fúria ou irritação. Na situação de
euforia o cúmplice sorria, fazia bolas de papel e jogava basquetebol; fazia
aviões e atirava-os ao ar; fazia uma torre com caixas de arquivo e depois
tentava derrubá-la. Na situação de ira, o tempo de espera era passado pelo
participante e pelo cúmplice a preencher um longo questionário. O cúmplice
fazia comentários depreciativos sobre a natureza da experiência, irritava-se
com perguntas de tipo pessoal referentes ao rendimento anual do pai e explodia
rasgando o questionário e abandonando a sala quando era questionado sobre
o número de vezes por semana que tinha relações sexuais. Durante esta fase
os sujeitos foram observados através de um espelho unidireccional e a
frequência de actividades iniciadas e partilhadas foi registada.

Na terceira fase os sujeitos responderam a um questionário sobre a intensidade


dos estados de euforia ou de fúria e foi-lhes medida a pulsação. No final os
participantes foram informados do verdadeiro objectivo da experiência.

As hipóteses desta experiência previam que os sujeitos do 4º Grupo (placebo,


não-excitados) não deveriam sentir emoção, do mesmo modo que os sujeitos
do 1º Grupo que tomaram epinefrina e que foram correctamente informados

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sobre as reacções que poderiam surgir, porque tinham uma explicação prévia
e não-emocional para a excitação que iriam sentir. Em contraste, todos os
restantes grupos deveriam sentir-se eufóricos ou furiosos em função do tipo
de actuação do cúmplice do experimentador.

Os resultados apoiaram genericamente estas hipóteses. Os sujeitos enganados


do Grupo 2, quando colocados na situação de euforia avaliaram o seu estado
como sendo relativamente feliz, e quando colocados no estado de ira avaliaram-
no como estando relativamente furiosos. Apesar do grau de excitação
fisiológica ser semelhante nos dois estados, as emoções sentidas foram
diferentes e opostas. Por sua vez, os sujeitos do Grupo 1 (informado) e os do
Grupo 4 (placebo) não sentiram nenhuma emoção, porque tinham uma
explicação prévia para o que iam sentir a nível fisiológico. A emoção resultou
assim da avaliação que foi feita da situação, tendo em conta a informação
inicial apresentada na primeira fase.

Segundo Schachter e Singer as pessoas reconhecem as emoções com base na


excitação que sentem e na interpretação cognitiva do contexto no qual as
emoções acontecem. Há uma interacção entre estímulos internos e os nossos
processos cognitivos que avaliam a situação. Assim quando a excitação atinge
um certo grau procuramos no ambiente sinais que nos indiquem qual a causa
do nosso sentir. Se a excitação está associada a um contexto em que recebemos
uma boa notícia, uma pessoa sente alegria; se está associada a uma má notícia
a pessoa sente pena e tristeza. Assim a excitação fisiológica prepara o palco
onde decorre a emoção, mas não determina qual a emoção específica que lá
vai ser representada.

A experiência de Schachter e Singer foi várias vezes repetida originando


algumas objecções. Por um lado, a emoção não é tão maleável como Schachter
e Singer inicialmente defenderam (e.g., Marshall e Zimbardo, 1979). Por outro,
a excitação fisiológica provocada pela epinefrina é considerada ligeiramente
desagradável pelos sujeitos, o que causa alguns problemas em termos de
estabelecimento de uma linha de base para efeitos de comparação, uma vez
que pode atenuar os estados de alegria e acentuar os estados de ira.

Em vez da epinefrina, alguns estudos usaram o exercício físico intenso para


estabelecer uma linha de base neutra na obtenção do grau de excitação. Num
estudo deste tipo, os sujeitos depois de terem participado intensamente num
exercício físico foram objecto de comportamentos provocatórios, originando
uma experiência mais intensa de fúria. Este grupo de sujeitos comportaram-se
em seguida de forma mais agressiva numa tarefa realizada do que sujeitos de
outro grupo que não tinham feito qualquer exercício físico inicial (Zillman e
Bryant, 1974). Veja-se ainda o estudo de Duton e Aron (1974), referido na
Caixa 6.1, que revela uma vez mais a importância da avaliação cognitiva da
excitação na formação do estado emocional.

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Caixa 6.1

Emoções no cima da ponte

Duton e Aron (1974) realizaram uma experiência com o apoio de


uma jovem bonita e sedutora que serviu de experimentadora. A
experimentadora mostrou um cartão com uma figura ambígua de
uma mulher do teste projectivo TAT a homens dos 18 aos 35 anos a
quem pediu para inventar uma pequena história sobre esta figura.
O relato foi posteriormente analisado em termos do número de
elementos contidos de natureza sexual. A história foi solicitada em
três ambientes diferentes: A meio de uma pequena ponte sólida de
madeira situada a pouca altura da corrente de um riacho; A meio de
uma ponte de madeira suspensa, que oscilava e movia-se constan-
temente e tinha um metro e meio de largura e 140 metros de com-
primento, situando-se a uma altura de 70 metros acima da corrente;
Em terra firme passados 10 minutos depois dos homens terem atra-
vessado a ponte.

Os resultados indicaram que as histórias do Grupo, elaboradas a


grande altura na ponte oscilante, continham significativamente mais
imagens de natureza sexual do que no caso da ponte fixa e baixa,
assim como na situação de terra firme, após a excitação da travessia
da ponte ter diminuído. Os homens foram ainda informados de que
poderiam telefonar à experimentadora se pretendessem obter
informações adicionais sobre os resultados da experiência, tendo-
se verificado que o número de homens que realizaram a prova na
ponte alta fizeram quatro vezes mais telefonemas do que os que
efectuaram a prova na ponte baixa.

Normalmente a excitação fisiológica provocada pela passagem da


ponte suspensa causa medo e apreensão. Na ausência de uma
explicação imediata para a excitação que sentiram no cimo da ponte
oscilante na presença de uma figura feminina sedutora, os homens
avaliaram a excitação fisiológica em termos de atracção sexual pela
experimentadora, transferindo-a para a história que contaram. Esta
experiência prova que é a avaliação da excitação no contexto da
situação que é fundamental em termos de formação do estado
emocional.

254
© Universidade Aberta
No conjunto, estes estudos revelam que a emoção não é independente da
avaliação que é feita. A excitação pode contribuir para a intensidade do estado
emocional, mas a avaliação da situação contribui para a qualidade emocional,
ou tipo de estado que a pessoa afirma sentir. Crê-se por isto que o papel da
excitação fisiológica é mais reduzido na diferenciação das emoções do que o
papel da avaliação cognitiva da situação.

Esta teoria tem implicações práticas evidentes. Se o modo como uma pessoa
avalia cognitivamente a situação geral determina o tipo de emoção que vai
sentir, será possível tornar mais flexível a avaliação cognitiva, de forma a que
a pessoa seja capaz de reduzir e atenuar a intensidade de emoções negativas
como o medo, ansiedade e ira? É neste âmbito que se situa a terapia cognitiva,
enquanto técnica de modificação do comportamento.

6.2.4 Teoria cognitiva de Lazarus

A teoria emocional de Schachter e Singer ressaltava a interdependência dos


factores fisiológicos e de avaliação cognitiva na formação dos estados
emocionais. Mas nas décadas seguintes a tendência predominante no estudo
das emoções foi cognitiva. Uma das teorias influentes no âmbito desta tendência
foi a teoria da avaliação cognitiva de Lazarus ao defender que as emoções são
o resultado directo da nossa avaliação da situação, não da excitação (Lazarus
et al. 1980). Ressaltar demasiado os elementos fisiológicos poderia ser consi-
derado uma forma de reducionismo da experiência humana ao comportamento
animal, prejudicando a compreensão do processo emocional, porque no
decurso da evolução foram os processos cognitivos os que mais se terão
desenvolvido e moldado o comportamento humano na adaptação ao meio.

Lazarus et al. (1980, p. 192) chegam a ponto de afirmar que os adultos humanos
devem ser as criaturas mais emocionais da terra, porque podem usar processos
e competências bastante complexas para efectuar distinções subtis a nível
emocional e recordá-las mais tarde no meio de muitos outros tipos de
informação. Lazarus não rejeita os elementos fisiológicos associados à emoção,
muito menos os factores culturais que considera indispensáveis na forma como
a emoção é expressa (ex., o luto em diferentes culturas) e no modo como os
estímulos são percebidos e avaliados em termos de segurança e medo. Para
além da fisiologia e da cultura, no entanto, há uma pessoa com um desen-
volvimento e uma memória que na sua relação com as pessoas e o ambiente
avalia cada situação em termos de relevância pessoal e significado, tentando
ajustar-se da forma considerada mais favorável. A avaliação cognitiva e a

255
© Universidade Aberta
adaptação (ou ajustamento) são os dois conceitos centrais da teoria emocional
de Lazarus, conhecida por teoria cognitiva relacional e motivacional (Lazarus,
1991).

Os pontos principais da teoria de Lazarus são os seguintes:

1. Para que uma emoção se verifique, é necessário um processamento


cognitivo prévio do estímulo ou da situação. A situação é avaliada em
termos normais ou em termos de ameaça directa ou potencial.

2. Uma situação considerada ameaçadora desencadeia uma resposta


directa de ataque, fuga ou fixidez de movimentos juntamente com
respostas de ordem fisiológica. A emoção incluiria assim uma tendência
inata para a acção, sempre que fosse percebida alguma ameaça ou
benefício pessoal.

3. Quando uma resposta directa não pode ser dada, a pessoa desenvolve
estratégias de adaptação à nova situação, tentando ajustar-se da melhor
maneira possível.

Para Lazarus et al. (1980) a intensidade e qualidade das emoções depende da


forma como uma pessoa se adapta e ajusta a uma situação, sendo a relação
social a situação mais importante na experiência humana. Assim o modo como
os encontros e relações sociais são avaliados em termos positivos ou negativos
determina o significado, a qualidade e a intensidade da resposta emocional.
Entre os diversos estudos experimentais que têm sido referidos como apoio da
teoria cognitiva de Lazarus conta-se a experiência de Speisman et al. (1964),
além da capacidade de explicar várias situações quotidianas comuns.

Speisman et al. (1964) mostraram um filme chocante onde se viam os pénises


de rapazes adolescentes a serem cortados com um faca de pedra denteada
num ritual de passagem à puberdade de uma tribo aborígene australiana.
O filme incluia seis operações destas. Cenas deste tipo são propícias a causar
níveis elevados de stress e ansiedade e foram mostradas a 4 Grupos,
acompanhadas por diferentes comentários sonoros. No 1º Grupo foi focada
a dor sofrida pelos rapazes (condição traumática); no 2º Grupo o episódio
foi destacado como um rito de passagem para a vida adulta (negação do
trauma — “as palavras de coragem ditas pelos homens mais velhos estão a
produzir efeito e o rapaz está esperançado que a cerimónia tenha um final
feliz” ); no 3º Grupo os elementos emocionais foram ignorados e as tradições
da tribo ressaltadas (intelectualização — “Como vêem a operação é formal e
a técnica cirúrgica, apesar de elementar e rude, é manejada de forma
cuidadosa”); no 4º Grupo o filme foi mostrado em silêncio e sem comentários
(controlo).

256
© Universidade Aberta
Os resultados obtidos, expressos por meio de índices fisiológicos como o ritmo
cardíaco e grau de conductibilidade da pele, indicaram que as respostas
emocionais foram significativamente inferiores nos Grupos 2 e 3 em relação
ao Grupo 1, e um pouco inferiores em relação ao Grupo 4. Nos Grupos 2 e 3
o sofrimento dos adolescentes foi atenuado através de informações moderadas
ou de intelectualizações explicativas. Os resultados revelam que o modo como
vemos e avaliamos as situações influencia o nível de excitação fisiológica que
sentimos.

No âmbito de situações quotidianas comuns, a teoria de avaliação cognitiva


de Lazarus procura explicar certos comportamentos de adaptação e ajustamento
às situações, às vezes controversa mas de forma bem sucedida. Veja-se a
situação seguinte. Um empregado é vítima de comentários, insinuações e
provocações frequentes do patrão, fazendo tudo para que se despeça. O
empregado não pode retaliar directamente contra o patrão, porque seria
despedido por justa causa; Não pode despedir-se da empresa, porque tem
família e as alternativas podem ser piores. Uma forma do empregado adaptar-
se melhor à situação e de a considerar menos ameaçadora é efectuar uma
reinterpretação e reavaliação e pensar que talvez o patrão não seja tão mau
como parece, que a conjuntura económica é a causa de todo o mal-estar e que
talvez com um pouco mais de calma e esforço possam surgir melhores dias no
futuro.

A teoria cognitiva relacional e motivacional de Lazarus é uma teoria psicológica


bastante influente e de grande alcance explicativo a ponto de Strongman (1998,
p. 281) ter afirmado que esta teoria era provavelmente a mais influente e de
maior alcance explicativo de todas as 150 teorias da emoção que tinha descrito
e analisado.

6.3 Expressão e feedback facial da emoção

O rosto é um dos elementos mais importantes da expressão emocional e um


meio de comunicarmos aos outros o que sentimos. Darwin (1872) foi o primeiro
a referir que a expressão emocional era um sinal importante em termos
adaptativos e de sobrevivência da espécie. Os estudos realizados por Ekman e
colaboradores demonstraram que as expressões emocionais básicas da socie-
dade ocidental são facilmente reconhecidas por pessoas de outras sociedades,
incluindo sociedades pré-letradas, e vice-versa (Ekman et al. 1987). A partir
deste tipo de estudos, Ekman propôs a existência de seis emoções básicas ou
primárias comuns a todos os seres humanos (vide Quadro 6.1). Apesar de
haver algumas diferenças na expressão facial da mesma emoção dentro de

257
© Universidade Aberta
uma mesma cultura, há também provas de que pessoas de sociedades e culturas
diferentes produzem expressões faciais similares em resposta a certas situações
vividas ou imaginadas.

No âmbito destes estudos foi formulada a hipótese de que a expressão facial


desempenha um papel causal na experiência emocional. Segundo esta hipótese,
a simples mudança da expressão do rosto muda aquilo que uma pessoa sente.
Isto significa que se uma pessoa puser uma cara alegre, vai sentir-se alegre e
se puser uma cara carrancuda vai sentir desagrado e repulsa. Uma mudança
corporal causa uma experiência emocional e a formulação e defesa desta
hipótese é em parte um regresso à teoria de James-Lange: Uma pessoa sente-
se feliz, porque está a sorrir.

De acordo com esta hipótese, uma pessoa recebe informação corporal, não
apenas ao nível da excitação fisiológica, mas também ao nível da expressão
facial, resultando daqui uma experiência emocional mais intensa. Há vários
estudos que apoiam a hipótese de uma relação directa entre expressão facial e
emoção sentida. Verificou-se por exemplo que sujeitos solicitados a exagerar
as expressões faciais a estímulos apresentados referem uma resposta emocional
mais intensa do que os sujeitos com expressão facial normal.

Numa experiência bastante imaginativa, Strack et al. (1988) solicitaram a um


grupo de sujeitos para avaliarem se os desenhos animados que estavam a ver
eram muito ou pouco engraçados, enquanto seguravam um lápis atravessado
entre os dentes e compararam os resultados com a avaliação obtida num outro
grupo que segurava o lápis preso nos lábios. A colocação do lápis atravessado
nos dentes causa geralmente uma expressão sorridente, enquanto que a
colocação nos lábios origina uma expressão carrancuda. (Experimente o leitor
para melhor acreditar!) De acordo com o sentido da hipótese, os sujeitos com
o lápis atravessado nos dentes avaliaram os desenhos animados como mais
engraçados do que os sujeitos com o lápis atravessado nos lábios.

A expressão facial é assim uma componente importante da experiência


emocional. No entanto o modo como a expressão facial contribui para a
experiência emocional não está devidamente esclarecida. Uns sugerem que as
contracções dos músculos da cara afectam a circulação do sangue no rosto,
causando variações subtis na temperatura do sangue que irriga o cérebro. Outros
sugerem que estas variações de temperatura são responsáveis pela maior ou
menor libertação de substâncias neurotransmissoras associadas às emoções.
Qualquer que seja o mecanismo, os resultados deste tipo de experiências
revelam que há uma ligação directa entre expressão facial e experiência
emocional que não é mediada pela avaliação cognitiva (veja-se a propósito,
Damásio, 1995, p. 154). No entanto o papel da avaliação cognitiva na emoção
não é rejeitado pelos investigadores que contribuíram para o estudo da expressão
facial das emoções, nomeadamente Ekman (1992, 1994).

258
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6.4 Perspectiva neurológica

As concepções de LeDoux e Damásio sobre os processos de formação


emocional, embora diferentes, foram englobadas numa perspectiva neurológica
devido à importância dos estudos neurofisiológicos efectuados no âmbito da
emoção. É uma perspectiva importante que a psicologia deve ter em conta.

6.4.1 Modelo de LeDoux

LeDoux (1996) defendeu, a partir de estudos realizados em ratos, que o


processamento cerebral da emoção era feito através de dois circuitos: Um
circuito directo e outro indirecto. A sequência da estimulação no circuito directo
era a seguinte: Identificação do estímulo, tálamo sensorial, amígdala e reacção
emocional. No circuito indirecto, havia um desvio da estimulação do tálamo
para a amígdala através do córtex sensorial. A via tálamo-amígdala é mais
directa e rápida do que a via tálamo-córtex-amígdala. Segundo LeDoux esta
via directa permitiria começar a responder a um estímulo potencialmente
perigoso, antes de se saber qual a sua natureza. Mas o processamento feito na
amígdala proveniente directamente do tálamo é confuso e trapalhão. Na
expressão de LeDoux era como se a música dos Beatles, Rolling Stones ou de
outra banda qualquer soasse da mesma maneira. Para que a amígdala sintonize
e reconheça a música dos Beatles é preciso aguardar a chegada do processa-
mento da estimulação do circuito indirecto feito via córtex.

Numa experiência de condicionamento de medo, em que um som é associado


durante vários ensaios a um choque eléctrico, verifica-se que o som se apropria
das características do choque e produz medo nos ratos. Se entretanto o córtex
for lesionado, o rato continua a ter medo ao som, mas se a amígdala for lesionada
o rato perde o medo que tinha anteriormente. No entanto se a situação inicial
for um pouco mais complexa e se a resposta de condicionamento de medo for
estabelecida em termos discriminativos com um som contínuo (por ex., o choque
associado a um som contínuo, mas não associado a um som descontínuo),
verifica-se que as lesões do córtex não impedem o rato de continuar a ter
medo ao som, simplesmente passa agora a reagir da mesma forma aos dois
tipos de som.

Os estudos de LeDoux (1996) sobre a existência de uma via directa e rápida


de processamento emocional entre o tálamo e a amígdala (ignorando o córtex,
que é considerado responsável pela cognição) foi aproveitada para apoiar um
grupo de teorias que rejeitam a influência da avaliação cognitiva na resposta
emocional. Se a amígdala desencadeia a reacção emocional sem a estimulação

259
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ter necessidade de passar pelo córtex primeiramente, então as teorias cognitivas
estão erradas ao defenderem a avaliação cognitiva como uma condição
necessária para a formação da resposta emocional. É importante referir que
LeDoux não subscreve este tipo de explicação (vide LeDoux, 1996, p. 52) e
afirma até que as teorias cognitivas são as que melhor se aproximam de uma
boa explicação sobre as emoções.

De facto pode-se argumentar que o processamento ao nível do circuito directo


tálamo-amígdala é tão elementar e grosseiro que a vantagem adaptativa é
reduzida. Reagir a um estímulo súbito ameaçador com respostas tipo parar
(ou ficar “gelado”) e aumento rápido do ritmo cardíaco apenas se torna numa
vantagem adaptativa acrescida se entretanto chegar à amígdala a informação
do córtex de que o estímulo percebido é efectivamente uma cobra e não uma
corda enrolada!

6.4.2 Modelo de Damásio

O neurologista Damásio (1995) tem uma visão conjunta e integrada dos


sistemas emocional e racional. Assim tanto contesta que a emoção esteja
desligada do processo avaliativo mental, como a racionalidade e a globalidade
do acto de pensar estejam apenas dependentes do cérebro. Para Damásio a
formação do estado emocional requer a presença de três actores: Uma
representação explícita (consciente) do estímulo; uma representação explícita
do actual estado do corpo; uma representação intermediária que recebe sinais
destes dois locais de actividade cerebral, preserva a ordem de início da
actividade cerebral, criando por um breve período um estado conjunto
sincronizado. O conjunto destes três actores formaria um processo básico que
seria acompanhado paralelamente por um outro processo, também básico, que
modularia o estilo de raciocínio e o nível de eficiência e velocidade no proces-
samento das representações. Este segundo processo básico seria responsável
pela emocionalidade própria de cada pessoa e pelos enviesamentos emocionais
na avaliação de acontecimentos (ob. cit. p. 175-6).

Para Damásio, há emoções primárias, aquelas que sentimos na infância, inatas,


pré-organizadas e jamesianas (veja-se James no Quadro 6.1) e emoções
secundárias, as que sentimos em adultos e que se foram construindo progres-
sivamente sobre as emoções primárias (ob. cit. p. 145; 148). Esta classificação
e o critério adoptado são bastante discutíveis, porque o processo de desenvol-
vimento para classificar as emoções em primárias e secundárias é um critério
bastante controverso e como se viu não há acordo sobre o número de emoções
básicas. Talvez este tipo de discussão seja “por vezes inútil”, (ob. cit. p. 144),

260
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mas a clarificação não deixa de ser necessária. Pode-se argumentar ainda que
Damásio confunde o reflexo inato do pinto que esconde a cabeça “quando um
objecto de asas largas o sobrevoa” (ob. cit. p. 146-7) com a emoção de medo
do pinto, que é uma resposta emocional adquirida através da experiência. O
medo humano é uma emoção adquirida e não uma emoção inata. Só por volta
dos 8 meses, altura da constituição do objecto permanente (memória a curto
prazo) é que a expressão de medo em relação a estranhos se verifica (Schaffer,
1974).

Damásio (1995) ressalta a importância quer do sistema límbico, nomeadamente


a amígdala, no processamento das emoções primárias como o medo, quer do
sistema límbico e dos córtices pré-frontal e somatossensorial no processamento
das emoções secundárias como o luto (vide p. 146-153). Assim doentes com
lesões a nível do córtex pré-frontal sentem normalmente emoções primárias
como o medo, mas encontram-se diminuídos em termos das emoções
secundárias desencadeadas por imagens e por certas categorias de situações.
Uma prova seria a descrição do caso Elliot, feita por Damásio.

Elliot submeteu-se a uma cirurgia para remover um tumor situado por cima da
zona orbitral. A cirurgia originou algumas lesões orbitofrontais e talvez por
isso o comportamento emocional de Elliot modificou-se substancialmente
depois. Elliot apresentava um desempenho cognitivo elevado, revelava
conhecimentos actualizados da vida política e de negócios, mas mostrava-se
incapaz de tomar decisões apropriadas em situações quotidianas. Elliot parecia
não ter sentimentos tanto em relação ao passado, como em relação a
acontecimentos traumáticos actuais. Não revelava sinais evidentes de tristeza,
frustração ou fúria face aos acontecimentos da sua vida. Tudo parecia neutro.

Os danos nos córtices pré-frontrais impedem esta área de processar


adequadamente os estímulos viscerais e corporais que aí chegam, privando os
pacientes de reagir em termos emocionais secundários. Elliot e outros pacientes
com lesões pré-frontais têm reacções emocionais primárias e têm disponível a
informação necessária para tomar uma decisão, mas mostram-se incapazes de
efectuar opções no dia a dia. Na ausência de sinais emocionais, ou sentimentos,
todas as opções ou decisões parecem boas ou más. Elliot tinha dificuldades
em priorizar as opções, isto é, em decidir-se pela melhor das opções. A falta
de consciência dos sentimentos corporais que normalmente acompanham as
alternativas que levam a uma decisão, e de que dependia no dia a dia o futuro
de Elliot, revelou-se ruinosa.

Damásio designou por marcadores somáticos estes sentimentos corporais que


guiam a pessoa nas decisões que toma e que aparecem sob a forma de impulsos
límbicos vindos das “vísceras”. Tais marcadores seriam uma espécie de sinal
de alarme automático que nos chama a atenção para um potencial perigo ou
punição, ou nos alerta para uma oportunidade excelente, tipo prémio ou reforço.

261
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Estes sentimentos marcariam as nossas opções face a decisões reais ou imagi-
nadas e fariam apressar o processo de decisão. Em contraste, as opções não
marcadas somaticamente seriam esquecidas no processo de tomada de decisão,
não alertariam a pessoa na direcção de uma decisão a tomar, e prendiam a
pessoa a um ciclo vicioso interminável de avaliações sucessivas sobre o custo-
benefício de qualquer tomada de decisão.

De facto, Elliot mostrava uma indecisão total na escolha da consulta seguinte.


A nível racional apresentava razões para rejeitar qualquer data proposta e não
tinha a mínima consciência de como se sentia relativamente a qualquer uma
das datas. A indecisão de Elliot é uma prova do papel crucial que os sentimentos,
os “marcadores somáticos” de Damásio, desempenham nas diversas opções
que a vida nos obriga a tomar.

6.5 Emoção e cognição

A emoção é um tipo de cognição, ou é um sistema independente? Pôr a questão


da primazia da cognição ou da emoção, significa defender que os estados
cognitivos e emocionais pertencem a sistemas independentes um do outro. Se
os sistemas são independentes, a questão principal é saber qual dos sistemas é
que responde em primeiro lugar a um estímulo. Assim pergunta-se, as reacções
iniciais aos estímulos externos têm a forma de estados emocionais ou de estados
cognitivos?

Os investigadores ligados à psicologia cognitiva apoiam a perspectiva de que


os estados emocionais são secundários em relação à actividade cognitiva. Assim
as reacções emocionais ocorrem após a estimulação externa ter sido processada
em termos cognitivos. Para se reagir emocionalmente a um estímulo, primei-
ramente é preciso identificá-lo e depois relacioná-lo com outras informações
que já temos e conhecemos de modo a reconhecê-lo como favorável, prejudicial
ou ameaçador.

Os psicólogos sociais e clínicos, e especialmente os que estão voltados para


terapia e as interacções humanas, acreditam que as reacções emocionais são
primárias e que precedem ou pelo menos acompanham o processamento
cognitivo. Este grupo de investigadores defende que os juízos emocionais são
feitos antes, ou ao mesmo tempo, dos juízos cognitivos. Esta perspectiva tem
uma tradição filosófica e ensaística. Hume afirmou que a “razão é a escrava
das paixões (emoções)”, Pascal que “o coração tem razões que a razão des-
conhece” e Susana Tamaro aconselha “vai aonde te leva o coração”.

262
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Desde os estudos de Schacter e Singer (1962) até aos finais da década de 70,
a tendência predominante no estudo da emoção foi cognitiva. Em 1980, Zajonc
(1980) publicou um artigo onde defendeu que as respostas emocionais e
afectivas podem surgir na ausência de qualquer processamento cognitivo
consciente. Então a perspectiva cognitivista esmoreceu durante algum tempo até
que voltou a pulsar com um artigo de Lazarus (1984) que questionou e contra-
riou a tese deste artigo e defendeu a primazia da cognição sobre a emoção.

Zajonc (1980, 1984) refere vários estudos onde tenta demonstrar que um tipo
simples de emoção, como a preferência por um estímulo, pode ser formada
sem se verificar um processamento consciente do estímulo. Há vários tipos de
experiências, umas mais ao nível da percepção outras mais ao nível da memória,
onde o efeito de preferência foi investigado.

Num tipo de experiências efectuado a nível mais perceptivo, sujeitos ocidentais


são expostos a um estímulo novo, por exemplo ideogramas chineses ou música
popular coreana, e depois são solicitados a escolher, numa série de estímulos,
aqueles que preferem. Os resultados indicam que os sujeitos preferem os
estímulos que foram expostos previamente, mesmo que não tenham qualquer
consciência da sua exposição prévia. O efeito da simples exposição, como é
conhecido o efeito, observa-se numa variedade de circunstâncias, mas é mais
intenso quando o estímulo prévio é exposto subliminarmente (Bornstein, 1992).
Bornstein (1972) verificou ainda que fotografias de rostos expostas
subliminarmente eram depois avaliadas de forma mais positiva do que as
fotografias que não tinham sido previamente expostas.

De modo semelhante, Murphy e Zajonc (1993) verificaram que a mera


exposição durante 5 milissegundos de uma face com um semblante alegre ou
com um semblante severo afectava de forma favorável ou desfavorável a
impressão causada por ideogramas chineses. Nesta experiência os ideogramas
adquiriram um significado emocional através da ligação com um estímulo
emocional activado subliminarmente e processado inconscientemente em
termos de alegria ou de fúria.

Num estudo de memória, Johnson et al. (1985) realizaram uma experiência


onde observaram uma aparente dissociação entre emoção e cognição. Estes
investigadores apresentaram a pacientes amnésicos com a síndroma de
Korsakoff imagens do rosto de duas pessoas e uma biografia ficcional de cada
uma, de forma a ser percebida como uma “boa pessoa” ou uma “má pessoa”.
Quando se perguntou aos sujeitos do grupo de controlo, após um intervalo de
retenção de 20 dias, qual o rosto que preferiam, estes sujeitos optaram sempre
pela “boa pessoa” e fundamentaram a opção com base na biografia inicialmente
apresentada. Em contraste, os pacientes amnésicos foram incapazes de evocar
a informação biográfica específica de cada pessoa, mas revelaram uma
preferência média de 78% pela “pessoa boa” em relação à “pessoa má”. Os

263
© Universidade Aberta
amnésicos efectuaram uma escolha pela “boa pessoa” mesmo na ausência de
recordação consciente e voluntária da biografia da pessoa na qual se baseou a
preferência.

Estudos deste tipo revelaram que as preferências podem ser formadas sem
que haja uma razão consciente, levando Zajonc (1980) a defender que o afecto
precede e ocorre independentemente da cognição e que portanto a emoção e a
cognição são funções separadas da mente humana. No entanto o facto
repetidamente comprovado de que o processamento emocional pode ocorrer
para além do estado consciente não prova, ao contrário de Zajonc, que o sistema
emocional é independente ou tem primazia sobre a cognição.

Caixa 6.2

Avaliação cognitiva de uma dor súbita

Por volta dos meus dez anos, estava eu na cozinha a tentar consertar
um pequeno electrodoméstico, quando de repente senti uma pancada
fortíssima de um ferro no braço e cotovelo direito. Numa fracção
de segundo soltei um grito de dor e atirei uma expressão de raiva
contra o meu irmão, que de forma cobarde me pregara uma partida
de mau gosto. Nos segundos seguintes, olhei à minha volta para
ver onde o meu irmão se tinha escondido para lutar e lhe bater, mas
não vi ninguém! Afinal estava sozinho em casa e só então me dei
conta de ter sofrido um choque eléctrico muito intenso. Nesse mo-
mento senti uma variedade de experiências emocionais quase em
simultâneo.

Primeiro senti vergonha e culpa pela atribuição errada, depois sur-


presa pela natureza e intensidade da experiência vivida e por último
alívio e satisfação por não ter sofrido piores consequências. O mais
curioso nesta situação foi a atribuição imediata, numa fracção de
segundo, da dor súbita a uma partida de mau gosto do meu irmão
sentindo uma expressão intensa de fúria. Não a atribui aos meus
pais, nem aos meus primos ou outras visitas frequentes de casa,
nem muito menos a fantasmas. Naquele instante o meu sistema
cognitivo ao pesquisar uma justificação na memória da minha
experiência passada só encontrou aquela alternativa provável, e era
uma atribuição errada! Na história do meu desenvolvimento, não
havia memória de experiências com choques eléctricos nem uma
lembrança explícita do perigo de fazer reparações com aparelhos
ligados à corrente. Apenas uma vaga ideia de que o contacto com a
electricidade produzia um choque, embora ignorasse totalmente qual
a natureza e o tipo de experiência que um choque eléctrico causava.

264
© Universidade Aberta
Izard (1993) é também um defensor da tese de que o sistema emocional pode
funcionar independentemente de qualquer processo cognitivo, apesar de
reconhecer a interacção entre estes sistemas nas situações do dia a dia. Izard
(1993) propôs até que a emoção podia ser activada directamente a partir de
quatro tipos de processamento de informação seguintes: celular, orgânico,
biopsicológico e cognitivo. O processamento cognitivo era apenas um de entre
os vários activadores da emoção. Relativizar a cognição em termos humanos
parece-me um erro porque os factores genéticos e orgânicos são inconsequentes
e pouco específicos na determinação da diversidade dos comportamentos
emocionais. A subtileza destas distinções é enganadora, porque a avaliação
cognitiva da situação pode ser feita de forma quase instantânea, às vezes
correcta e outras vezes errada, mas capaz de produzir uma acção imediata de
defesa ou ataque numa situação de perigo. O episódio pessoal descrito na
Caixa 6.2 poderá ser esclarecedor em relação ao papel da componente cognitiva
ou avaliativa da emoção.

Pode suceder que a emoção à maneira de LeDoux (1996) possa ser desen-
cadeada através de um circuito centrado na amígdala, que evite o córtex e
prepare imediatamente o corpo para a fuga ou o ataque. Tudo estaria certo se
na concepção de Izard (1993) a activação celular, a activação orgânica e a
activação biopsicológica preparassem o corpo apenas para uma resposta, ou
de fuga ou de ataque. Estando o corpo preparado para duas respostas no
mínimo, fuga ou ataque, tem de haver uma avaliação cognitiva discriminante
da situação que envolva o córtex, porque programar o corpo para a fuga é
diferente de programá-lo para o ataque. A sobrevivência da espécie humana
ao longo do processo evolutivo não se verificou a partir de fugas inúteis ou de
ataques desnecessários, mas da avaliação correcta e o mais rápida possível da
situação ambiental. Ao contrário do que alguns teóricos defensores da
independência do sistema emocional pensam, o sistema cognitivo é capaz de
efectuar avaliações e tomar decisões correctas em fracções de segundo, dando
tempo suficiente ao corpo para programar a resposta adequada à situação.

Em resumo, na base da polémica sobre a primazia ou não da cognição sobre a


emoção estão questões como a determinação do âmbito e da fronteira entre o
que é ou não a emoção e do que é ou não a cognição. Os adeptos da primazia
da emoção defendem uma concepção limitada do que é o processamento
cognitivo. Para estes a cognição é a consciência e fica restrita apenas ao formato
verbal da descrição de estados conscientes. Em contraste, os cognitivistas
defendem uma concepção abrangente da cognição a todo o processamento
mental, incluindo o processamento não-consciente de natureza subliminar.
A emoção pode ter lugar para além da consciência (subliminar). De facto as
pessoas reconhecem que as suas emoções são súbitas e imprevisíveis.

A avaliação cognitiva da situação é o primeiro passo da experiência emocional.


Um estímulo para ter uma valência emocional precisa primeiro de ser avaliado

265
© Universidade Aberta
em termos cognitivos, tipo bom ou mau, favorável ou perigoso, mesmo que
seja só de forma subliminar. A dor é uma emoção no termo de uma fase de
processamento que pode desembocar no estado emocional de tristeza, desgosto,
fúria ou até alegria como na dor de parto e nascimento, conforme a avaliação
que for feita. Do mesmo modo as preferências serão emoções no termo de
uma avaliação subliminar, mas nem por isso menos cognitiva, que antecipa
uma tendência para a acção favorável ou afasta o aparecimento de uma situação
desagradável.

O papel da avaliação cognitiva na experiência emocional retomou a tendência


dominante na investigação a ponto de Lazarus (1991, p. 352) ter afirmado que
“a cognição é uma condição necessária e suficiente da emoção”. Defender a
importância crucial da avaliação cognitiva não significa que a emoção seja o
mesmo que cognição, ou que a emoção se resuma a uma avaliação racional
sobre a situação. A emoção e cognição podem ser concebidas como funções
mentais e cerebrais separadas, mas mutuamente interactivas.

6.5.1 Emoção e terapia

A controvérsia sobre emoção-cognição não é meramente teórica, mas tem


implicações práticas a nível do controlo do comportamento numa situação
terapêutica. Na antiguidade os estóicos defenderam que as emoções eram o
resultado de crenças erradas e de objectivos pessoais inadequados. A versão
moderna dos estóicos está representada pela terapia cognitiva, que dá primazia
à cognição sobre a emoção. Na terapia cognitiva, o terapeuta tenta modificar
as respostas emocionais alterando o modo como uma pessoa processa a
informação em termos cognitivos, isto é, tenta ajudar as pessoas a mudar o
modo de pensar a respeito de si próprias. A terapia cognitiva procura ainda
sugerir hipóteses alternativas prováveis para a origem das desordens
comportamentais de forma a desfocar a causa obsessiva da desordem
comportamental e sugerir cursos de acção mais consequentes.

Os psicólogos que dão primazia às emoções sobre a cognição, defendem que


as reacções emocionais são respostas condicionadas, cuja aquisição foi
efectuada independentemente da influência cognitiva. Para serem modificadas
estas respostas emocionais precisam primeiro de ser extintas no âmbito do
paradigma de condicionamento, por exemplo através da dessensibilização
sistemática. Veja-se o Capítulo 2. Segundo a terapia comportamental, o
comportamento emocional apenas pode ser modificado se for abordado
directamente, sem necessidade de qualquer mediação cognitiva. Mas na
realidade não há prática terapêutica que não tenha um determinado grau de

266
© Universidade Aberta
mediação cognitiva, por mínima que seja. O paciente que aborda o terapeuta
comportamental tem no mínimo a crença de que o saber deste lhe pode ser útil
em termos de cura. Esta crença é mantida e alimentada pelo terapeuta compor-
tamental, embora rejeite à partida a cognição como factor mediador. Ora estas
crenças são representações cognitivas e elementos terapêuticos importantes.

6.6 Cognição e congruência emocional

É comum afirmar-se que os apaixonados vêem o mundo com óculos cor de


rosa. De facto um estado emocional alegre, feliz e eufórico faz recordar mais
facilmente situações favoráveis do que situações desfavoráveis. O inverso
também ocorre, quando pessoas tristes e deprimidas recordam mais facilmente
fracassos e insucessos passados. Noutro contexto, diz-se que o pessimista vê a
garrafa meia-vazia, mas o optimista vê-a meia-cheia. A interacção entre
disposição, humor e emoção por um lado e os processos cognitivos de
aprendizagem, memória e pensamento por outro não parecem oferecer grandes
dúvidas à partida. Os investigadores defenderam e provaram que o estado
emocional tem de facto um efeito significativo na aprendizagem, memória e
pensamento. Mantendo ou mudando o contexto em que a aprendizagem ocorre,
a recordação pode ser melhor ou pior.

Bower et al. (1981) verificaram um efeito de aprendizagem selectiva numa


amostra de sujeitos, previamente hipnotizados a sentirem-se alegres ou
deprimidos. Os sujeitos foram instruídos a ler uma pequena história sobre dois
estudantes que jogavam ténis num sábado à tarde: Um chamava-se André e
era alegre e satisfeito com a vida, cantava, dizia anedotas, gostava de estar ao
sol e ganhava o jogo; O outro estudante chamava-se Jack e era o oposto, um
personagem triste, deprimido, preocupado com os exames, incomodado com
o sol e perdia o jogo. No dia seguinte os sujeitos foram solicitados a recordar
livremente a história, encontrando-se num estado emocional neutro. Os
resultados obtidos indicaram que os sujeitos, hipnotizados a sentirem-se alegres,
evocaram 55% da informação sobre o André, o feliz, enquanto que os sujeitos,
hipnotizados a sentirem-se tristes, recordaram 80% da informação sobre Jack,
o triste.

Numa outra experiência, Wright e Bower, citado por Gilligan e Bower (1984,
p. 566), analisaram a influência do humor ou emoção na probabilidade de
ocorrência de acontecimentos futuros. Estes acontecimentos poderiam ser de
natureza pessoal ou internacional e de tipo positivo e afortunado ou de tipo
negativo e catastrófico. Acontecimentos pessoais positivos e negativos eram
do género seguinte: “nos próximos 3 anos vais passar umas férias na Europa”

267
© Universidade Aberta
e “nos próximos 5 anos vais estar envolvido num grave acidente de carro”; os
acontecimentos nacionais positivos e negativos eram do tipo: “nos próximos
10 anos vai haver uma cura para a maior parte dos cancros” e “nos próximos
10 anos vai desencadear-se uma guerra mundial”.

Figura 6.1 - Percentagem de ocorrência de futuros acontecimentos de natureza


favorável (bons) ou desfavorável (maus) em função do estado
emocional dos sujeitos na experiência (feliz, triste ou neutro)
obtidos na experiência de Wright e Bower, citado por Gilligan e
Bower (1984).

Através da hipnose, os sujeitos foram induzidos a formar um estado feliz e


neste estado foram solicitados a avaliar a probabilidade de ocorrência de metade
dos acontecimentos. Em seguida os sujeitos foram induzidos a formar um
estado triste e depois avaliar a probabilidade de ocorrência da outra metade
dos acontecimentos. Os resultados obtidos estão expostos na Figura 6.1 e indi-
cam que um humor feliz faz aumentar as estimativas de acontecimentos favo-
ráveis no futuro, enquanto que um estado triste faz aumentar as previsões de
acontecimentos catastróficos. Por outras palavras, o optimista viu o futuro de forma
mais risonha, enquanto que o pessimista viu o futuro de forma mais trágica.

O estado de humor enviesou as estimativas sobre a probabilidade dos


acontecimentos, fazendo-as subir quando havia uma congruência de estado
emocional, ou fazendo-as baixar na situação incongruente. Provavelmente o
estado emocional favoreceu a recordação de um número maior de aconte-
cimentos passados similares e este maior número disponível na memória
operatória ajudou a aumentar e a tornar mais provável que acontecimentos do
mesmo tipo viessem a ocorrer no futuro.

268
© Universidade Aberta
Beck e Emery (1985) propuseram uma teoria, no âmbito do princípio de
codificação específica de Tulving e Thomson (1973), referido no Cap. 3, que
pode explicar os efeitos de congruência emocional no pensamento,
aprendizagem e memória. Beck e Emery (1985) defenderam que a informação
de uma pessoa e o seu conhecimento prévio organizam-se em torno de
esquemas representativos que guiam o processamento da informação. As
desordens emocionais, como a ansiedade e depressão, representariam distorções
no processamento da informação. Estas distorções resultam de uma activação
exagerada de certos esquemas mal adaptados que conduzem a um grau maior
de sensibilidade perceptiva e de enviesamento de memória no que se refere à
informação congruente com o esquema predominante. A depressão estaria
associada a um esquema negativo da imagem da pessoa e a ansiedade associada
a um esquema exagerado de perigo. Deste modo, as pessoas com esquemas
negativos prestariam atenção e recordariam mais informação negativa de natu-
reza depressiva, enquanto que as pessoas com esquemas de perigo exagerado
recordariam mais rapidamente estímulos ameaçadores.

Em síntese, pessoas com desordens emocionais revelam enviesamentos


cognitivos ao nível da atenção, aprendizagem, memória e pensamento para a
informação que é consistente com o seu estado emocional e estes enviesamentos
cognitivos vão exacerbar as desordens emocionais. Assim pessoas ansiosas
recordarão mais informação relacionada com perigo e ameaças, enquanto que
as pessoas deprimidas recordarão mais informação relacionada com perdas,
fracassos e separação (e.g., Mathews e MacLeod, 1994).

Na relação entre cognição e emoção refira-se a concluir que deficiências


cognitivas ao nível da aprendizagem podem produzir emoções negativas como
fracasso, tristeza e depressão; por outro lado, emoções negativas podem
prejudicar a aprendizagem. Num estudo de revisão de meta-análise, Seipp
(1991) verificou uma associação entre ansiedade e desempenho académico:
Assim quanto mais ansiosa uma pessoa fosse, pior era o seu desempenho
académico. Em contraste, as emoções positivas podem contribuir para uma
aprendizagem bem sucedida.

6.7 Conclusão

As emoções são estados quentes e dão sabor à vida. São ainda estados quentes
e causam desordens, tragédias e angústias. Sem emoções as nossas reacções
parecem ficar “desencorpadas” na expressão de W. James. As emoções são
sinais fortes do modo como nos sentimos e da disposição provável de encarar
uma determinada situação. Têm uma função adaptativa e de ajustamento às
situações. São formas rápidas de reacção a acontecimentos inesperados e

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© Universidade Aberta
envolvem ainda uma avaliação da situação que se revela sob formas expressivas
bastante variadas. As emoções enviesam a nossa maneira de ver o mundo,
dando-lhe um aspecto agradável, harmonioso e paradisíaco quando estamos
satisfeitos e felizes ou um aspecto desagradável, caótico e trágico quando
estamos tristes e deprimidos. Mas sem emoções como poderíamos viver e
sobreviver?

6.8 Conceitos de emoção

Emoção, sentimento, preferência, emoção primária, emoção secundária,


humor, expressão facial, enviesamento cognitivo.

6.9 Perguntas de auto-avaliação

1. Emoções primárias e emoções secundárias: Há alguma justifi-


cação para esta classificação? Comente.

2. Analise a relação entre cognição e emoção com base numa teoria


das emoções à sua escolha.

3. O que entende por efeito de congruência emocional e enviesamento


cognitivo? Refira uma prova experimental.

6.10 Sugestões de leitura

Informação suplementar sobre emoções pode ser lido em Ekman e Davidson


(1994) — uma obra chave sobre as questões científicas abordadas na
psicologia da emoção. São ainda úteis a leitura de LeDoux (1996), Damásio
(1995), Strongman (1998) e Goleman (1997).

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7. Personalidade

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Muitos de nós fomos colegas ou alunos de pessoas que deixamos de encontrar
durante muito tempo. Decorridos uma ou duas dezenas de anos, se por acaso
voltamos a revê-las, pessoalmente ou através da televisão, acontece às vezes
dizer-se: “É o mesmo fulano! Quando o conheci, já pensava assim”. Isto pode
ser nuns casos um elogio, noutros uma ofensa, mas a ideia de que as principais
características das pessoas, positivas ou negativas, se mantêm estáveis ao longo
do tempo é uma crença bastante arreigada. Mas pode ser falsa. A simpatia das
pessoas, enquanto característica da personalidade, depende muito das ocasiões.
Muitos pais queixam-se de que os filhos são mais simpáticos fora do que
dentro de casa, com os amigos do que com os irmãos. Outras características
como a honestidade, a estabilidade emocional e a responsabilidade variam ao
longo da vida, tornando imprevisível o comportamento humano.

Personalidade vem da palavra latina persona, que na antiguidade greco-romana


significava a máscara usada no palco pelos actores de teatro. Com o tempo,
persona incorporou outros significados como o papel representado pelo actor,
depois o desempenho de uma função social e finalmente um cidadão, portador
de determinados direitos e deveres no direito romano. O estudo científico da
personalidade iniciou-se tardiamente a partir da década de 30 (e.g., Hartshorne
e May, 1928; Allport, 1937). Até essa altura, a personalidade era abordada por
teólogos, filósofos, escritores de romances e de teatro, fisiologistas e psica-
nalistas. A personalidade é até um dos poucos temas centrais da psicologia,
que não foi objecto de investigação empírica sistemática por parte da primeira
geração de investigadores de psicologia nos finais do séc. XIX e princípios do
séc. XX.

Em geral, a personalidade refere-se ao padrão de comportamentos, modos de


pensar e de sentir que permite distinguir uma pessoa de outra e que apresenta
uma certa estabilidade ao longo do tempo. Há obviamente outras definições
de personalidade, cuja descrição e análise só faria aumentar a confusão que
reina nesta área. Mais importante do que referi-las, é apontar os principais
problemas que ocorrem na investigação do estudo da personalidade. Assim
pergunta-se: será o comportamento das pessoas estável e coerente em
circunstâncias diferentes, ou é imprevisível, dependendo acima de tudo das
ocasiões? Uma pessoa é honesta e conscienciosa, ou não é, ou é numas ocasiões
e deixa de sê-lo noutras, mas em que tipo de situações? O que dá coerência ao
comportamento da pessoa virá de dentro da pessoa, da sua constituição, dos
parâmetros da sua formação e desenvolvimento ou será antes o resultado do
leque de situações e circunstâncias em que a pessoa se encontra e das quais
depende.

Uma teoria da personalidade deve tentar explicar porque é que uma pessoa é
única, porque é diferente, de que modo é semelhante a outras, em que
circunstâncias o comportamento é ou não estável. A resposta a estas questões

273
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é dada de modo diferente e apenas parcialmente pelas várias teorias de
personalidade.

7.1 Teorias da personalidade

As principais teorias da personalidade são a teoria psicodinâmica (psicanalítica),


a teoria humanista, a teoria dos traços, teoria beaviorista (situacionista) e a
teoria interaccionista. As teorias psicodinâmicas sublinham o papel do incons-
ciente no desenvolvimento da personalidade. As teorias humanistas distinguem
a unicidade da pessoa e o seu potencial de realização e crescimento. A teoria
dos traços ressalta as dimensões principais da personalidade que permitem
diferenciar uma pessoa de outra. As teorias beavioristas e situacionistas
destacam o papel do meio e da situação na determinação do comportamento e
da personalidade. As teorias interaccionistas evidenciam a influência conjunta
das dimensões da personalidade e das características do meio na determinação
do comportamento humano.

7.1.1 Teorias psicodinâmicas

As teorias psicodinâmicas radicam nas teorias psicanalíticas formuladas


inicialmente por Freud, Adler e Jung e apresentam-se actualmente sob diversas
versões neo-freudianas. Psicodinâmico refere-se às tensões ou forças activas
que actuam no interior da pessoa e que motivam o comportamento humano.
Segundo Freud, estas tensões e dinamismos estão relacionadas com o conflito
inconsciente travado entre o ego, o id e o super-ego. Quer a teoria de Freud,
quer de um modo geral as outras teorias psicodinâmicas, sublinham o papel
do inconsciente e a ideia de que a personalidade se vai formando ao longo do
processo de desenvolvimento, integrando de forma mais ou menos satisfatória
a influência de diversos factores. As teorias psicodinâmicas valorizam bastante
os factores motivacionais, sendo a motivação e personalidade termos
bastante relacionados. Pela sua importância histórica e especificidade expli-
cativa, serão descritas a seguir as teorias psicodinâmicas propostas por Freud
e Erikson.

274
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7.1.1.1 Freud

Freud (1910/1957) defendeu a teoria de que a personalidade era determinada


pela influência de forças inconscientes que se manifestavam ao longo de várias
fases no processo de desenvolvimento. O psiquismo seria formado por três
grandes estruturas: o id, o ego e o super-ego.

O id é constituído pela parte herdada da personalidade, incluindo os impulsos


biológicos e irracionais, funciona de acordo com o princípio do prazer, e tem
por objectivo a gratificação imediata dos impulsos primitivos. A libido é a
energia psíquica que se acumula no id e alimenta os impulsos primários de
sexo, fome e agressão.

O ego é uma estrutura consciente que serve de intermediário entre os impulsos


primitivos do id e as pressões do mundo exterior. Funciona de acordo com o
princípio da realidade e analisa as condições mais favoráveis para que os
impulsos sexuais possam vir a ser satisfeitos com segurança e sem ameaçar a
integridade do grupo ou da sociedade.

O super-ego representa a moral e os valores da sociedade que a criança aprende


dos pais, professores e outros agentes sociais. Desenvolve-se a partir das
gratificações e punições recebidas à medida que a criança cresce. O super-ego
é formado pela consciência e pelo eu-ideal. A consciência impede a criança
de praticar actos moralmente reprováveis e o eu-ideal motiva a criança a realizar
actos morais e a ser perfeita.

A personalidade desenvolve-se ao longo de várias fases, tendo em conta as


experiências e a resolução dos conflitos infantis. Em cada uma destas fases
podem surgir problemas, dando origem a uma fixação de energia nessa fase,
que se mantém pela vida fora. Quando um adulto tem problemas de
personalidade, há uma regressão de comportamentos até à fase infantil em
que houve fixação e com a qual se verificam diversas semelhanças. As fases
de desenvolvimento psicosexual são cinco e foram assim designadas: oral
(até aos 18 meses), anal (18-36 meses), fálica (3-6 anos), latência (até à
puberdade) e genital (após a puberdade).

Na fase oral as crianças sentem prazer na realização de actividades que


envolvem a boca. As crianças podem sentir também problemas causados por
um desmame precoce ou abrupto, dando origem a uma personalidade adulta
de tipo oral, que tanto pode manifestar-se de forma agressiva ou dependente.

Na fase anal o prazer da criança desloca-se para a zona anal, envolvendo o


treino da higiene. Uma criança com problemas nesta fase pode desenvolver
um comportamento de retenção, dando origem a comportamentos adultos de
limpeza obsessiva ou de avareza e teimosia.

275
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Na fase fálica, o pénis e o clítoris tornam-se as principais fontes de prazer da
criança. Os problemas nesta fase dão origem nos homens a uma personalidade
fálica, expressa pela frivolidade e auto-convencimento, enquanto que na mulher
origina uma luta pela supremacia sobre o homem.

Na fase de latência, os meninos e as meninas tendem em grande parte a ignorar-


se uns aos outros até à puberdade. Segue-se depois a fase genital, em que o
prazer sexual obtido com uma pessoa do sexo oposto constitui a principal
fonte de satisfação. Uma pessoa com uma personalidade genital, sem
fixações nas fases precedentes, revela maturidade e capacidade para amar e
ser amada.

Mecanismos de defesa

O super-ego não é capaz de controlar totalmente a expressão dos desejos do


id, mas as tendências deste não deixam de se manter poderosas e influentes.
Os desejos do id devem ser de algum modo satisfeitos. Quando se verifica
uma tendência a fazer algo de errado, quer em termos sociais quer em termos
da consciência da pessoa, gera-se um estado de tensão que precisa de ser
reduzido. Esta tensão ou ansiedade neurótica pode tornar-se incontrolável. Os
mecanismos de defesa são estratégias inconscientes usadas pelas pessoas para
reduzir a ansiedade de forma a ocultar a sua origem. Estes mecanismos foram
referidos por Freud e investigados mais sistematicamente pela filha Anna Freud
no livro “O eu e os mecanismos de defesa” (1936), de que se faz a seguir uma
descrição dos mais importantes:

Repressão: uma estratégia que contém e força os impulsos inaceitáveis do id a


permanecerem no inconsciente. Este controlo nem sempre é eficaz e os impulsos
do id revelam-se em sonhos e no comportamento sob a forma de “lapsos de
memória”. Na década de 90 debateu-se muito a questão da repressão e
memória — “síndroma da repressão de memória” — no que se refere a pessoas
que foram vítimas de abuso sexual em criança. Os episódios de abuso terão
sido reprimidos pela criança e tornados inconscientes e só mais tarde regressaram
à consciência ajudados pela psicanálise ou outro tipo de terapias. O debate
desta questão foi e continua a ser polémico devido à dificuldade em determinar
muitas vezes se tais memórias são reais e genuínas ou pelo contrário inventadas
e forjadas devido ao processo terapêutico seguido, originando a “síndroma
das falsas memórias”.

Negação: mecanismo em que a pessoa recusa simplesmente aceitar ou


reconhecer a situação causadora de ansiedade.

276
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Racionalização: estratégia que leva uma pessoa a distorcer a realidade tentando
justificar o que lhe aconteceu por meio de explicações que favorecem e protejem
uma imagem favorável de si própria.

Deslocamento: procedimento que redirecciona a expressão de um pensamento


ou sentimento não desejado de uma pessoa mais forte e poderosa para outra
pessoa mais fraca, como culpar a secretária em vez do director.

Projecção: Um mecanismo que leva uma pessoa a atribuir os pensamentos e


sentimentos indesejáveis que sente a uma outra pessoa.

Sublimação: Um mecanismo considerado positivo e saudável por Freud que


leva as pessoas a reorientar os seus impulsos indesejáveis para pensamentos e
acções aprovados e aceites socialmente.

A teoria da personalidade de Freud é uma das teorias psicológicas com maior


impacto no séc. XX, nomeadamente a nível cultural. Freud chamou a atenção
para o papel do inconsciente no comportamento, o conflito entre impulsos
biológicos e normas sociais e os mecanismos usados para defrontar a ansiedade
e a sexualidade. Pode-se rejeitar a teoria de Freud, mas é difícil evitar o uso de
alguns dos seus conceitos mais importantes no dia a dia, que em muitos casos
já passaram para a linguagem corrente. No entanto a teoria do desenvolvimento
psicosexual de Freud, além de outras hipóteses da sua teoria, não é fácil de
provar de forma empírica. Os críticos mais ferozes vão a ponto de afirmar que
a teoria freudiana é uma teoria intelectualmente fechada — justifica qualquer
comportamento oposto, incluindo as razões daqueles que não acreditam na
teoria.

Freud defendeu que os problemas de personalidade adulta têm origem em


grande parte em experiências infantis de natureza sexual. As experiências
infantis são importantes no desenvolvimento da personalidade, mas não são
tão determinantes como Freud defendeu. A importância das experiências
infantis deve ser considerada a par com outras experiências marcantes na vida
da pessoa, como as experiências na adolescência e na vida adulta, para a qual
Erik Erikson chamou apropriadamente a atenção.

7.1.1.2 Erik Erikson

Erikson (1980) é um autor com formação psicanalítica que tentou rever e


alargar as fases de desenvolvimento psicosexual de Freud. É um neo-freudiano
que publicou uma obra muito própria a partir de 1950. Defendeu que o

277
© Universidade Aberta
desenvolvimento psicológico tem como principal força motriz, não apenas os
impulsos sexuais inconscientes de Freud, mas também e acima de tudo a
capacidade de adaptação social da pessoa ao meio. O meio fornece à pessoa a
liberdade e as limitações, a escolha e a direcção no âmbito de um leque de
possibilidades circunscritas pela sociedade e pela hereditariedade. O
desenvolvimento seria assim o resultado da interacção entre as necessidades
biológicas e as forças sociais que uma pessoa encontra na vida quotidiana.

O desenvolvimento da personalidade não está confinado à infância e


adolescência, mas ocorre ao longo da vida numa sucessão temporal contínua
em torno de oito fases. Em cada fase, a pessoa confronta-se com uma crise
específica, na forma de sentimentos polarizados, como “um sentimento de
confiança versus desconfiança” na primeira fase, exigindo uma resolução.
A forma mais ou menos adequada e satisfatória como a pessoa resolve a crise
e a síntese estabelecida em cada fase, afectam o modo de resolução das crises
das fases seguintes e por conseguinte o desenvolvimento da personalidade
futura.

As oito fases psicossociais de Erikson estão descritas no Quadro 7.1 com a


indicação das crises específicas de cada fase e dos comportamentos resultantes
da superação satisfatória de cada crise. Na designação de cada fase, a expressão
“um sentimento de …” significa a sensação afectiva de se ter conseguido
resolver ou não a crise e o termo “versus” significa a polaridade ou luta entre
os dois sentimentos opostos. Por razões de espaço serão descritas apenas duas
das mais importantes fases de desenvolvimento, a primeira e a quinta.

Na 1ª fase “oral-sensorial”, ocorre a primeira crise que tem a ver com “um
sentimento de confiança versus desconfiança”. No primeiro ano de vida a
criança depende dos cuidados dos pais para obter alimento, vestuário,
protecção, contacto corporal e novos estímulos. Se a criança for bem cuidada
e as necessidades básicas satisfeitas, a criança desenvolve um sentimento básico
de confiança. Se for mal tratada ou cuidada de forma inconsistente, a criança
pode desenvolver sentimentos de medo e desconfiança quer em relação a si
quer aos outros. Na fase “oral-sensorial”, a crise envolve uma interacção com
a mãe entre dar e receber, entre “confiança versus desconfiança”. Se a crise
for adequadamente resolvida, formam-se nesta fase os alicerces da confiança
básica e da atitude de optimismo para o futuro.

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Quadro 7.1 - As oito fases de desenvolvimento psicossocial de E. Erikson,
com referência às crises específicas de cada fase e aos
comportamentos futuros resultantes da superação satisfatória
de cada crise.

Crise psicossocial
Fase e idade Resultado óptimo
um sentimento de (…) versus (…)

1. Oral-sensorial (1º ano) confiança - desconfiança confiança básica e optimis-


mo
2. Muscular-anal (2º ano) autonomia - vergonha e dúvida sensação de controlo sobre si
próprio e sobre o meio
3. Locomotora-genital (3-5) iniciativa - culpa direcção em função de objec-
tivos
4. Latência (6 - puberdade) aplicado - inferioridade competência e responsabili-
dade
5. Puberdade, adolescência identidade - confusão de papéis integração do presente com o
passado e os objectivos fu-
turos; fidelidade
6. Adultos jovens intimidade - isolamento compromisso, partilha, pro-
ximidade e amor
7. Adultos de meia idade produtividade - absorvimento actuação e interesse com o
mundo e as gerações futuras
8. Adultos idosos integridade - desespero sabedoria, perspectiva e sa-
tisfação com a vida passada

Na 5ª fase, “puberdade e adolescência” que ocorre entre os 12 e os 18 anos, a


crise que surge envolve “um sentimento de identidade versus confusão de
papéis”. Erikson considera este conflito o mais significativo que uma pessoa
enfrenta na vida. Nesta fase o adolescente deve decidir quem é, o que pretende
vir a ser e em que valores acredita, definir a sua identidade sexual, e planear o
tipo de profissão e estilo de vida que deseja vir a seguir no futuro. A construção
da identidade do eu é um conceito central no sistema de Erikson e forma-se
através da integração de experiências presentes e passadas, com os projectos,
esperanças e valores que orientam a pessoa ao longo da vida. Se a integração
não for satisfatória, surge uma confusão nos papéis a assumir, não se desenvolve
um sentido de identidade e nasce uma crise de identidade. O conceito
eriksoniano de crise de identidade teve uma aceitação bastante generalizada e
tornou-se uma expressão comum na psicologia da adolescência, na literatura
clínica e até na linguagem corrente.

279
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A teoria de Erikson é uma teoria optimista do poder do ego e da força adesiva
deste para unir as diferentes fases do desenvolvimento psíquico. É ainda a
primeira e principal teoria a considerar o ciclo global de desenvolvimento
humano desde o nascimento até à morte. É, no entanto, uma teoria bastante
pobre em termos de fundamentação empírica ao basear-se em observações
pessoais de casos clínicos seguidos na terapia, em vez de se apoiar nas
características dominantes de uma amostra representativa em cada fase de
desenvolvimento humano.

7.1.2 Teorias humanistas

As teorias humanistas desenvolveram-se nas décadas de 50 e 60 como uma


reacção ao então domínio da psicanálise e do beaviorismo na explicação
psicológica, considerando-se como uma terceira força em termos de alternativa
explicativa. Estas teorias valorizam as experiências mentais subjectivas da
pessoa e a necessidade que estas sentem de expandirem as suas fronteiras
pessoais e de realizarem ao máximo as suas potencialidades. Entre os seus
principais representantes contam-se Carl Rogers e Abraham Maslow. Devido
a uma referência breve feita já a Maslow no Capítulo V, apenas será exposta a
teoria de Rogers.

7.1.2.1 Carl Rogers

Segundo Rogers (1961/1970) as pessoas têm duas necessidades básicas. Uma


é a necessidade de auto-actualização, um desejo de realizar os diferentes
aspectos ou potencialidades pessoais aos mais diversos níveis. A outra é a
necessidade de obter um olhar positivo dos outros, sob a forma de aprovação,
amizade, respeito e amor. O desenvolvimento sadio da personalidade ocorre
quando as relações humanas preferenciais proporcionam um olhar positivo
incondicional permitindo à pessoa realizar o seu potencial sem se arriscar a
perder tais relações por motivos de desaprovação.

A necessidade de um olhar positivo pode ser tão premente que pode levar a
asfixiar a necessidade de auto-actualização. Pode acontecer que uma pessoa
nem sequer se dê ao trabalho de explorar os seus próprios interesses se desconfiar
que isso lhe pode causar a desaprovação dos outros. O ideal é obter um
equilíbrio entre a necessidade de aprovação dos outros, sentir-se seguro e obter
um olhar positivo, e a necessidade de auto-actualização.

280
© Universidade Aberta
Rogers desenvolveu ainda dois outros conceitos importantes: O auto-conceito
e o eu ideal. O auto-conceito refere-se ao eu tal como é actualmente percebido.
O eu ideal representa os projectos e objectivos pessoais, tudo o que uma pessoa
deseja vir a ser para funcionar no máximo das suas capacidades. A distância
entre o auto-conceito e o eu ideal seria um índice do estado de felicidade
maior ou menor da pessoa. Quanto menor for a distância, mais feliz seria a
pessoa.

Rogers desenvolveu um método terapêutico, designado psicoterapia não-


directiva, ou terapia centrada no cliente. Nesta terapia, o cliente deve perceber
o terapeuta como alguém que o aceita totalmente, que revela um olhar positivo
incondicional e que pela sua empatia consegue obter uma compreensão global
da sua estrutura de personalidade. O objectivo da terapia é proporcionar um
meio de aceitação incondicional, consolador e ausente de críticas e ajudar o
cliente a tomar consciência das suas experiências, reflectindo retroactivamente
as verbalizações do cliente. Deste modo o cliente toma consciência de si próprio,
do seu auto-conceito, de modo a torná-lo mais compatível com a sua experiência
total e a tornar-se numa pessoa completamente funcional. O auto-conceito
deixa de ser estático, abre-se e torna-se sensível a novas experiências e
sentimentos, ajusta-se aos sentimentos dos outros e às realidades do meio,
desenvolvendo-se à medida que as novas experiências pessoais são integradas.

Rogers defende que o melhor ponto de observação para se compreender o


comportamento da pessoa é a partir do seu quadro interno de referências
pessoais. As pessoas contêm em si as potencialidades para um crescimento
sadio, se aceitarem a responsabilidade pelas suas próprias vidas. É uma
perspectiva optimista da pessoa humana, que contrasta com a perspectiva mais
pessimista da psicanálise e a perspectiva mecanicista do beaviorismo. Em
termos gerais, a teoria de Rogers é uma alternativa importante à psicanálise e
ao beaviorismo, ao ressaltar a importância da necessidade de uma melhor
compreensão da experiência subjectiva da pessoa e ao chamar a atenção para
o papel que o olhar sobre si próprio tem no funcionamento humano. Rogers e
os humanistas contribuíram bastante para renovar o interesse da psicologia
pelo ego, isto é, pelo que é próprio e genuíno em cada pessoa (self na designação
inglesa).

A teoria de Rogers (e a dos outros humanistas) é considerada pouco científica,


devido à dificuldade em justificar muitos dos seus pressupostos e afirmações e
ainda pelo facto dos seus principais conceitos serem considerados vagos, pouco
rigorosos e precisos. Rogers sublinha demasiado os relatos feitos pelo cliente,
que pode estar pouco consciente dos mecanismos responsáveis pelos seus
problemas e conflitos, e ignora ainda o inconsciente no processo terapêutico,
apesar do seu relevo na compreensão dos conflitos internos. É uma concepção
considerada demasiado individualista e centrada na pessoa; ainda demasiado

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optimista sobre a natureza humana, considerada basicamente positiva e boa.
É no entanto difícil ter empatia e um olhar positivo incondicional por um
homicida e torturador de crianças, por muito profissional que o terapeuta seja.
Os apoiantes de Rogers alegam que o principal objectivo das teorias humanistas
é perceber e captar a essência da acção humana, que dificilmente será conse-
guida através dos métodos empíricos convencionais.

7.1.3 Teorias dos tipos e dos traços

As teorias que primeiro tentaram determinar as dimensões comuns da


personalidade humana e o seu grau de variação nas pessoas individuais foram
a teoria dos tipos, que remonta à antiguidade clássica greco-romana e a teoria
dos traços, que de certo modo lhe sucedeu a partir de meados do séc. XX. Ao
contrário das teorias anteriores, a teoria dos tipos e principalmente as teorias
dos traços são propícias a uma investigação empírica que pode conduzir à sua
rejeição ou manutenção.

7.1.3.1 Tipos de personalidade

Uma das teorias mais antigas da personalidade proposta na antiguidade clássica


é a teoria de Hipócrates (séc. IV AC) e Galeno (séc. II DC). Estes autores
propuseram quatro tipos de temperamentos, baseados nos fluidos (humores)
corporais que controlavam a mente humana: Sanguíneo — um tipo animado,
optimista e agradável no convívio; o fluido abundante era o sangue; Colérico
— um tipo rápido e excitável, de natureza por vezes agressiva; o fluido
abundante era a bílis; Fleumático — um tipo lento, mole e frio; o fluido
abundante era o flegma ou muco pulmonar; Melancólico — um tipo triste e
pessimista, de natureza depressiva; o fluido abundante era a bílis preta, cuja
existência nunca se provou.

Estes quatro tipos de temperamento foram bastante populares na Idade Média


e até foram usados mais tarde para classificar diferentes povos. Assim os italianos
eram sanguíneos, os árabes coléricos, os ingleses fleumáticos e os russos
melancólicos. Esta classificação foi retomada com outra justificação científica
por Pavlov para caracterizar as diferentes personalidade dos cães que usava
nas experiências de condicionamento e foi também integrada no modelo de
personalidade de Hans Eysenck, referido na Figura 7.1 deste capítulo.

Kretschmer propôs na década de 20 três tipos básicos de personalidade,


relacionando diferentes tipos corporais com a propensão para o surgimento de

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doenças psiquiátricas: o pícnico era fisicamente atarracado, baixo, forte e
propenso à doença maníaco-depressiva; o asténico era magro, esguio e propenso
à esquizofrenia; o atlético era muscular e propenso à saúde mental. Kretschmer
baseou esta classificação em observações de doentes psiquiátricos, mas não
referiu provas para apoiar a teoria.

Sheldon propôs em 1940 uma teoria da personalidade baseada em atributos


físicos e atributos temperamentais a partir de observações com pessoas normais.
Os atributos físicos ou morfológicos definiam três tipos: o endomorfo era gordo
com músculos e ossos pouco desenvolvidos; o mesomorfo era forte com
músculos e ossos bem desenvolvidos; o ectomorfo era magro com músculos e
ossos medianamente desenvolvidos. Por sua vez, os atributos temperamentais
descreviam três tipos: o visceral era sociável e amoroso; o somático era vigoroso
e empreendedor; o cerebral era consciencioso e contido. Sheldon tentou
estabelecer correlações entre os três tipos corporais e os três tipos de
temperamento, mas não foi muito bem sucedido.

No seu conjunto, as teorias dos tipos ressaltam as características morfológicas,


orgânicas e fisiológicas como causas ou determinantes principais dos traços
cognitivos, afectivos e sociais da personalidade. O senso comum acredita neste
tipo de determinismos, considerando uma pessoa gorda como sendo geralmente
calma e sociável e uma pessoa magra, como sendo agitada e ansiosa, de que
são exemplos paradigmáticos as figuras cinematográficas de Laurel e Hardy
(Bucha e Estica). As teorias constitutivas de personalidade são teorias histori-
camente datadas com implicações reduzidas nas teorias actuais da personalidade.

7.1.3.2 Traços de personalidade

Uma teoria dos traços tem por objectivo determinar o perfil ou a matriz dos
traços característicos de uma pessoa, o que a diferencia de outra e o que a
torna única. A personalidade seria constituída por um conjunto de traços que
caracterizaria o comportamento geral das pessoas. Em geral um traço é um
nome que descreve um padrão ou conjunto de comportamentos. Mais
especificamente um traço é definido como um modo característico da pessoa
pensar, sentir, reagir e de se comportar. É uma disposição relativamente estável
ao longo do tempo. Uma pessoa pode ter o traço dominante de ansiedade,
outra o da extroversão e outra ainda estes mesmos traços em graus intermédios.
Uma teoria de traços parte do pressuposto de que a personalidade reside na
pessoa e que esta é responsável (ou a causa) pela consistência do compor-
tamento nas diversas situações. É uma perspectiva que centraliza as causas do
comportamento na personalidade.

283
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As teorias iniciais de traços de personalidade eram constituídas por listas de
adjectivos e pouco mais, sendo a personalidade definida pela sua enumeração
e frequência. Um dos primeiros proponentes da teoria dos traços foi Gordon
Allport (1937) que considerou o traço como a unidade básica da personalidade.
Para Allport, um traço era uma disposição geral da personalidade que contribuía
para as regularidades do comportamento da pessoa em diferentes alturas e
situações. Além de Allport, os grandes defensores da teoria dos traços foram
Hans Eysenck e Raymond Cattell, que usaram a análise factorial para
determinar as dimensões subjacentes da personalidade e cuja descrição faremos
a seguir. A teoria dos traços dominou os estudos da personalidade até aos
finais da década de 60, foi fortemente contestada na década de 70, reaparecendo
depois, apoiada em estudos melhor fundamentados.

7.1.3.3 Modelo de Hans Eysenck

Eysenck realizou vários estudos de personalidade em soldados internados num


hospital nos arredores de Londres durante a II Guerra Mundial, publicando-
os em 1947, onde defendeu que a personalidade era basicamente constituída
por dois grandes tipos ou dimensões: a extroversão-introversão e o
neuroticismo-estabilidade (e.g., Eysenck e Eysenck, 1985). Eysenck classificou
o comportamento humano usando os conceitos de traço e tipo. Um traço refere-
se às consistências de comportamento. Um tipo ou dimensão inclui um grupo
de traços que apresentavam uma correlação mútua significativa. Assim, por
exemplo, um introvertido era um tipo ou dimensão de personalidade que
revelava os seguintes traços específicos: reservado, persistente e rígido.

Um tipo como a extroversão-introversão representaria os polos de uma


distribuição normal, situando-se a maioria das pessoas na zona intermédia da
distribuição, havendo apenas um pequeno número em cada extremo. Eysenck
representou o padrão de tipos e traços de personalidade de uma pessoa num
modelo bi-dimensional, exposto na Figura 7.1. Além dos traços associados
com cada tipo de personalidade, Eysenck estabeleceu uma relação com os
quatro tipos de Hipócrates e Galeno: colérico, sanguíneo, fleumático e
melancólico.

No tipo (dimensão ou super-factor) designado por extroversão-introversão


(E), uma personalidade extrovertida seria caracterizada pela sociabilidade,
impulsividade e busca de actividades excitantes; uma personalidade introvertida
definir-se-ia antes pela reserva, cautela, preferência por actividades solitárias
em vez do relacionamento social. Jung foi o primeiro a usar os conceitos de
introvertido e extrovertido para caracterizar dois tipos de personalidade
diferentes, que Eysenck veio a adoptar.

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Figura 7.1 - Classificação bi-dimensional de personalidade de Hans Eysenck,
tendo em conta os dois factores primários resultantes da aplicação
da análise factorial: extroversão-introversão e estabilidade-insta-
bilidade (neuroticismo). Eysenck relacionou estes factores com
os tipos de Hipócrates-Galeno situados nos quadrantes internos.

No tipo designado por neuroticismo-estabilidade (N), uma personalidade


neurótica ou instável seria ansiosa, tensa, facilmente irritável e cheia de
preocupações; em contraste uma personalidade estável seria calma, controlada
e de boa disposição. A maioria das pessoas não se enquadra nestas caracte-
rizações extremas, revelando antes uma mistura destas duas dimensões.

Eysenck considerou posteriormente uma terceira dimensão, o psicoticismo


(P), um tipo de personalidade que caracterizaria aquelas pessoas com um
carácter hostil, mais solitário e insensíveis aos sentimentos dos outros. O
psicoticismo, ao contrário das outras duas dimensões, não estaria representado
por uma distribuição normal; seria antes uma distribuição enviesada com a
zona mais baixa da escala de psicoticismo a agrupar a maioria das pessoas.

Eysenck propôs um modelo hierárquico da personalidade baseado em cada


uma destas três dimensões. No topo da hierarquia estaria o tipo de personalidade
designada por exemplo por extroversão; mais a baixo e a seguir estaria o traço
de sociabilidade ou tomada de riscos; mais abaixo ainda estaria o nível das
respostas habituais dadas numa situação (ex., responder ou não a pedidos de
pessoas estranhas na rua) e finalmente na base as respostas específicas (ex.,
indiquei a direcção de uma rua a uma pessoa que a pediu hoje).

285
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Eysenck e Eysenck (1975) construíram um instrumento de avaliação das três
dimensões da personalidade, designado actualmente por “Questionário de Per-
sonalidade de Eysenck – Revisto” (ou EPQ-R). Este questionário é constituído
por uma série de questões, do tipo “Prefere ler a encontrar-se com pessoas”;
“Dá importância ao que os outros pensam de si”, “Vai a festas grandes e
barulhentas?” a que a pessoa deve responder sim ou não. O Questionário de
Eysenck apresenta valores razoáveis de fidelidade e validade e as duas
principais dimensões da Figura 7.1 emergem com bastante clareza na análise
factorial aplicada aos dados de vários estudos.

Numa avaliação geral, alguns investigadores referem que o modelo de Eysenck,


ao propor apenas 2-3 dimensões, é bastante simples e menos adequado do
que outros modelos alternativos de traços para traduzir a complexidade da
personalidade humana. Eysenck argumentou que muitos aspectos da
personalidade podem ser formados pela combinação de duas das principais
dimensões, ou mesmo das três. Por exemplo, o traço de “boa disposição”
pode ser uma combinação de extroversão e estabilidade, enquanto que o traço
de “má disposição” estaria representado mais pelas dimensões opostas, como
a introversão e o neuroticismo. O modelo é portanto suficientemente flexível
para englobar as principais dimensões da personalidade humana. De facto
estas 2-3 dimensões de personalidade emergem invariavelmente na análise
factorial dos dados, como se verificou recentemente num estudo realizado em
35 países diferentes (Eysenck, 1992).

7.1.3.4 Modelo de Cattell

Cattell (1965) realizou vários estudos com o objectivo de estabelecer uma


teoria geral dos traços da personalidade humana, incluindo aspectos não
considerados por outros investigadores, como a motivação, a emoção, o afecto
e a aprendizagem. Cattell procurou analisar o comportamento humano de
acordo com várias medidas a fim de determinar de forma sistemática a estrutura
da personalidade, recorrendo para o efeito a três tipos de dados: (1) a observação
sistemática durante vários meses de um grupo de pessoas; (2) a passagem de
questionários de auto-avaliação; (3) a obtenção de dados em testes objectivos
especialmente planeados para medir a personalidade, como a resposta dermal
e cuja finalidade era ocultada aos sujeitos.

Cattell aplicou a análise factorial a estes três tipos de dados a fim de isolar os
factores subjacentes à personalidade humana, esperando que a mesma estrutura
de personalidade viesse a emergir de forma equivalente com os três proce-
dimentos, o que aconteceu apenas e em parte com os dois primeiros. No âmbito

286
© Universidade Aberta
dos estudos de personalidade, Cattell elaborou o questionário “16 PF” (16
factores da personalidade) capaz de medir 16 factores primários que
constituiriam a estrutura básica da personalidade humana. A lista dos 16 factores
primários de personalidade, incluindo a letra que os designa e os respectivos
significados extremos, é a seguinte:

(A) Reserva – vivacidade; (B) menos inteligente – mais inteligente; (C) instável
emocionalmente – estável; (E) submisso – agressivo; (F) cauteloso – impulsivo;
(G) oportunista – consciencioso; (H) tímido – aventuroso; (I) inflexível – com-
preensivo; (L) confiante – desconfiado; (M) prático – imaginativo; (N) directo
– discreto; (O) seguro – preocupado; (Q1) conservador – aberto à mudança;
(Q2) dependente do grupo – individualista; (Q3) descuidado – perfeccionista;
(Q4) paciente – tenso.

Cattell considerou que os traços profundos que constituíam a personalidade


estavam presentes em cada pessoa em graus diferentes. O objectivo de uma
teoria da personalidade seria determinar a matriz de traços individuais de forma
a conseguir-se formular previsões sobre o comportamento de cada pessoa.

Numa avaliação geral, a estrutura de personalidade de Cattell, baseada em 16


factores, é considerada bastante complexa e de difícil confirmação, tendo-se
conseguido obter quanto muito uma estrutura com sete factores (Digman, 1990).
Notou-se também que alguns dos 16 factores eram similares entre si e podiam
ser englobados num único factor, como por exemplo a ansiedade que agruparia
os factores (C) instável, o (H) timidez, e o (Q4) tenso. Apesar das objecções a
que este modelo foi sujeito, o questionário “16 PF” tem-se mantido como um
dos quatro principais instrumentos de avaliação da estrutura básica da
personalidade humana, principalmente em amostras não-clínicas (Butcher e
Rouse, 1996).

Cattell defendeu de forma mais explícita do que Eysenck que os factores de


personalidade podiam ser influenciados por situações e estados corporais como
o cansaço, o medo, o entusiasmo ou o álcool levando a pessoa a agir tempora-
riamente contra a sua personalidade. Ambos os investigadores defenderam no
entanto a constância mais ou menos permanente dos factores da personalidade
ao longo da vida da pessoa.

7.1.3.5 Modelo dos cinco grandes factores

O modelo dos cinco grandes factores de personalidade, designado de seguida


simplesmente por “cinco factores”, é uma alternativa aos modelos da estrutura
de personalidade de Cattell e Eysenck. O número de traços primários que

287
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formam a estrutura da personalidade de Cattell é considerado exagerado e o
número proposto por Eysenck é considerado reduzido de mais para caracterizar
a estrutura da personalidade humana. Historicamente o modelo dos “cinco
factores” foi desenvolvido no início da década de 60 por Tupes e Christal,
Norman, e Borgatta (cit. em Digman, 1990).

O modelo dos “cinco factores” defende que a estrutura básica da personalidade


de uma pessoa seria melhor caracterizada por cinco grandes factores, a seguir
designados:

1. Extroversão vs Introversão (E). Representa o grau de interacção social,


o nível de actividade e de estimulação. Os valores altos e baixos da
escala estariam representados pelos adjectivos seguintes: loquaz-
calado, franco-secretivo, sociável-recolhido.

2. Amabilidade (A). Refere-se à orientação interpessoal ao longo de


um contínuo que vai da compaixão ao antagonismo expresso em
actos e pensamentos. Os adjectivos opostos representativos são:
amigável-hostil, não-ciumento—ciumento, gentil-obstinado.

3. Consciencioso (C). Identifica as pessoas organizadas, persistentes,


com uma motivação dirigida para objectivos. Os adjectivos
representativos são: responsável-incerto, escrupuloso-sem escrúpulos,
exigente-descuidado.

4. Neuroticismo vs Estabilidade emocional (N). Avalia os indivíduos


ansiosos e instáveis, propensos a pensamentos irrealistas e dificuldades
de ajustamento. Os adjectivos representativos são: ansioso-calmo,
excitável-sereno, tenso-ponderado.

5. Cultura; Abertura à experiência (O do inglês openness). Pessoas


tolerantes, abertas à exploração do desconhecido e da experiência
em si. Os adjectivos representativos são: polido-rude, inteligente-não
inteligente, sensível-não sensível artisticamente.

O modelo dos “cinco factores” apresenta alguma equivalência com o modelo


de personalidade de Eysenck, nomeadamente ao nível do factor 1 (extroversão)
e do factor 4 (neuroticismo). A estrutura de personalidade dos “cinco factores”
emergiu com a aplicação da análise factorial a dados obtidos em diferentes
culturas, idades, e usando diferentes escalas de medida (McCrae e Costa, 1987).
Esta estrutura foi ainda comprovada em estudos longitudinais, em que as
mesmas pessoas respondem a escalas de personalidade com intervalos de vários
anos, tendo-se verificado uma estabilidade bastante significativa dos diversos
factores. É um modelo que caracteriza bem as diferenças individuais e é
considerado uma boa solução em termos da estrutura da personalidade.
O modelo não está relacionado com nenhuma teoria específica da persona-

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lidade, mas enquadra-se numa teoria geral de traços que procura descrever a
personalidade de forma quantitativa a partir dos dados de diversas escalas.

Entre os investigadores de personalidade há um largo consenso em torno dos


“cinco factores” ou traços primários, embora poucos sejam capazes de explicar
por que razão a personalidade humana é melhor descrita por cinco factores do
que por 16 (Cattell) ou por três (Eysenck). Uma das explicações sugeridas
aponta para as limitações de processamento de informação em termos da
capacidade humana para usar e apontar quais as características descritivas
pessoais ou as características observadas nos outros.

O modelo dos “cinco factores” surgiu e desenvolveu-se na década de 60,


ficou pendente na década de 70 devido às objecções fortemente críticas do
modelo situacionista e neo-beaviorista em psicologia social que abordaremos
a seguir e na década de 90 voltou a ocupar um papel significativo em termos
de investigação na área da personalidade (e.g., Goldberg, 1993). Neste
contexto, foi elaborado um inventário de personalidade para avaliar os “cinco
grandes factores” por Costa e McCrae (1992), que designaram por NEO-PI-
R (Neuroticismo, Extroversão, Abertura (Openness) – Inventário de Perso-
nalidade – Revisto). Apesar de algumas limitações em termos de validade,
este inventário é considerado uma alternativa bastante satisfatória em termos
de avaliação da personalidade.

Em geral, as várias teorias dos traços defendem que a personalidade é


constituída por um número reduzido de traços básicos que podem ser usados
para explicar o comportamento de todas as pessoas. Estes traços são uma
definição operacional dos factores que emergem da aplicação da análise
factorial, uma técnica estatística que identifica grupos de itens fortemente
intercorrelacionados entre si. Os factores, por ex., a extroversão, são depois
validados através da observação de comportamentos das pessoas em festas,
grupos e situações de animação social. Estes traços são considerados disposições
básicas da pessoa, estáveis ao longo do tempo e segundo alguns autores têm
uma origem hereditária significativa. As pessoas diferem umas das outras em
termos do perfil revelado pela pontuação obtida na intensidade dos vários
traços. Estas teorias são baseadas em estudos empíricos, cujos resultados podem
ser reproduzidos e falsificados.

A existência de traços ou tipos de personalidade tem uma longa tradição


histórica e enquadra-se bem na psicologia popular. Mas é uma perspectiva
contestada em termos empíricos por duas razões: (1) o valor de fidelidade
teste-reteste dos traços de personalidade, especialmente com intervalos longos,
é baixa. Isto significa que uma pessoa considerada hoje tendencialmente
introvertida, pode ser considerada daqui a um ano no mesmo teste
tendencialmente extrovertida; (2) A teoria dos traços aplica a análise factorial,
mas esta técnica estatística não é um método completamente objectivo, tem

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limitações próprias e requer um certo número de decisões arbitrárias e
subjectivas. Por isso há investigadores que defendem 3, 5 ou 16 factores básicos
de personalidade. Em geral, o suporte empírico das teorias dos traços é
razoável, mas o alcance deste grupo de teorias foi posto à prova por parte das
teorias situacionistas e interaccionistas como veremos a seguir.

7.1.4 Teorias beavioristas

O beaviorismo estimulou a busca de explicações para além da pessoa, tentando


encontrá-las na estabilidade e permanência da situação ambiental. Para o
beaviorismo a personalidade resume-se ao comportamento. É o comportamento
no dia a dia que define a nossa personalidade. A personalidade não é algo de
interno à pessoa e formada por um conjunto de características próprias. Uma
pessoa é honesta e outra é agressiva, não devido a nenhum traço específico da
personalidade da pessoa, mas devido a situações passadas em que os
comportamentos que aí tiveram lugar foram objecto de reforço ou punição. É
a frequência de reforços e punições previamente recebidos em situações em
que ocorreram comportamentos honestos ou agressivos que define se uma
pessoa é honesta ou agressiva.

Watson, o fundador do beaviorismo na segunda década do séc. XX, num


texto considerado de antologia, defendeu de forma explícita a ideia de que a
personalidade era o resultado das experiências do meio e não o resultado de
um qualquer factor interno, tipo hereditariedade ou habilidades pessoais. Watson
disse:

Dêem-me uma dúzia de crianças saudáveis … e o meu mundo


especializado para as fazer crescer, e eu garanto-vos que tomo uma
ao acaso e a educo para se tornar qualquer tipo de especialista que
eu queira — doutor, advogado, … e também, é claro, pedinte ou ladrão,
independentemente dos seus talentos, … tendências, habilidades,
vocações e raça dos seus progenitores (Watson, 1930, p. 82).

Skinner foi outro dos investigadores beavioristas que defendeu a concepção


de que a personalidade não se distingue do comportamento. A personalidade
resume-se ao conjunto dos comportamentos. A análise da personalidade de
uma pessoa envolveria a descrição geral e sistemática dos estímulos (ou situação)
que produzem as respostas de uma pessoa, as próprias respostas em si e o tipo
de reforços que mantêm as respostas. As pessoas comportam-se de forma
diferente, porque têm histórias diferentes de reforços e punições. É o reforço
consistente de certas categorias de respostas, cujo agrupamento unificado se
designa por personalidade.

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Segundo Skinner (1953), uma pessoa pode ser sociável quando se encontra
na situação de um grupo de amigos e pouco ou nada sociável quando se
encontra numa situação familiar. Ou ainda “uma pessoa pode ser ao Domingo
um crente piedoso e participativo nas cerimónias de culto da sua religião e à
Segunda-feira um profissional agressivo e sem escrúpulos” (o. cit. p. 286).
Atribuir as causas do comportamento à personalidade não faz sentido, até
porque o conceito de personalidade não passa de uma “ficção explicativa”.
Não faz sentido dizer que uma pessoa é ou não sociável, é ou não piedosa, até
porque ser sociável ou piedoso depende da situação em que se encontra e da
natureza do reforço presente (e.g., Skinner, 1987).

Não há propriamente uma teoria beaviorista da personalidade, mas a perspectiva


beaviorista de investigação influenciou um conjunto de investigadores que
formularam teorias sobre a personalidade. A perspectiva beaviorista é
interessante e original, mas é considerada limitada em termos explicativos.
Além das experiências de aprendizagem passadas, resultantes dos reforços e
punições, há outros tipos alternativos de aprendizagem, como a aprendizagem
cognitiva e a aprendizagem por observação, além de variáveis como a
hereditariedade que influenciam a constituição da personalidade humana.

7.1.5 Teorias situacionistas

A teoria dos traços argumenta que a consistência do comportamento humano


depende da personalidade e que esta reside dentro da pessoa. Mas será que o
comportamento humano será sempre consistente, independentemente das
circunstâncias? Uma pessoa será sempre honesta, amigável e altruísta, ou será
que tais comportamentos dependem da situação em que uma pessoa se
encontra? Em 1968 Mischel considerou que as teorias centralistas da
personalidade (teorias dos traços e psicodinâmicas) estavam erradas, defendendo
em alternativa que o comportamento dependia do meio e das circunstâncias
que rodeiam a pessoa. Basicamente era uma teoria beaviorista, que então
designou por teoria da aprendizagem social e que ficou também conhecida
por teoria situacionista.

Mischel (1968) defendeu que as regularidades observadas no comportamento


humano são determinadas pelas características da situação. Por sua vez, as
diferenças de personalidade têm origem na exposição a diferentes estímulos
da situação que constituem as experiências próprias da pessoa ao longo da
vida; não são causadas pelas características internas da pessoa ao nível de
traços ou tipos constitutivos. Para a teoria situacionista, um traço de
personalidade como a extroversão ou a honestidade não é mais do que uma
construção do observador que tenta dar algum sentido ao comportamento que

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observa nos outros. Tais traços são categorias que existem apenas na mente
do observador; não existem na pessoa do observado. As regularidades de
comportamento seriam assim o resultado de situações similares em que a pessoa
se encontra, em vez de serem o resultado de factores internos do sujeito.

A teoria situacionista de Mischel (1968) baseou-se em grande parte num grupo


de estudos realizados em 1928 e 1930 por Hartshorne e May que analisaram
os comportamentos de honestidade e fraude de crianças em situações cuja
descoberta parecia impossível (para as crianças). Hartshorne e May (1928)
verificaram que poucas crianças se comportaram de forma honesta em todas
as situações, quer em casa quer na escola, e também que poucas crianças se
comportaram de forma desonesta em todas as situações. Havia pouca consis-
tência no comportamento das crianças; quando era vantajoso comportarem-se
de forma pouco honesta, muitas crianças fizeram-no, mas nem sempre da
mesma forma. A honestidade era em grande parte um comportamento específico
da situação.

Os resultados do estudo de Hartshorne e May sugeriram que os traços de


personalidade como a honestidade ou a cooperação não determinam ou
controlam o comportamento; pelo contrário o que uma criança faz ou não,
depende em grande parte dos elementos da situação. Mischel admitiu que o
comportamento pode ser consistente e que uma pessoa é honesta em diversas
situações, mas desde que as situações sejam similares. Ser honesto ou ter um
comportamento consistente em condições similares não pode ser considerado
uma prova da existência de um traço interno da personalidade. Mischel foi a
ponto de contestar o valor preditivo dos instrumentos ou questionários de
avaliação da personalidade baseados na teoria dos traços, como os de Cattell
ou Eysenck.

O situacionismo gera um certo desconforto, porque há a crença até certo ponto


generalizada, de que uma pessoa é honesta e verdadeira independentemente
da situação. Infelizmente o número de santos na terra não é muito grande e a
maioria das pessoas raramente é posta à prova em situações específicas, diversas
e extremas. Quando tal acontece, mesmo em experiências de simulação
laboratorial, os resultados revelam-se por vezes inesperados, como se prova
pela experiência clássica de Zimbardo et al. descrita na Caixa 7.1.

Quando as características de uma situação são bem demarcadas e fortes como


no caso da experiência da prisão, uma bicha de autocarro ou a presença num
acto de culto religioso, os traços de personalidade tornam-se menos eficazes
na explicação do comportamento das pessoas. Parece até que as exigências da
situação se sobrepõem ou anulam os traços da personalidade, tornando-se nos
únicos factores que melhor prevêem o comportamento das pessoas.

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Caixa 7.1

Uma prisão simulada

Zimbardo et al. (e.g., Haney, Banks, e Zimbardo, 1973) convidaram


um grupo de universitários masculinos para participar num estudo
que pretendia simular a vida numa prisão. Os participantes foram
previamente avaliados como sendo emocionalmente estáveis e de
boa saúde; todos aceitaram participar e cumprir as regras e depois
foram distribuídos ao acaso em dois grupos, um de prisioneiros e
outro de guardas. Os guardas vestiam uniformes de tipo policial,
usavam óculos escuros, cacete e assobio e deveriam fazer cumprir
um certo número de regras. Os prisioneiros foram fechados três em
cada cela vazia e foi-lhes distribuído um vestuário humilhante, uma
espécie de camisa comprida até aos pés, privados de usar roupa
interior, calçavam sandálias, usavam um barrete na cabeça feito de
meias de nylon e tinham números à frente e atrás das costas pelo
qual passaram a ser identificados.

Ao fim de um ou dois dias de representação dos papéis de guardas


e prisioneiros, os participantes interiorizaram e passaram a acreditar
de tal modo naquilo que faziam que os guardas começaram a revelar
um comportamento rude, cruel e humilhante para com os prisioneiros
e estes tornaram-se nuns casos passivos e dependentes e noutros
casos desenvolveram estados elevados de ansiedade e depressão a
tal ponto que tiveram de ser libertados quase logo no início. As
reacções foram-se tornando de tal modo críticas que Zimbardo, o
“responsável pela prisão”, teve de interromper a experiência ao fim
de seis dias, quando estava planeada para decorrer durante duas
semanas. Esta experiência, que pretendia ser uma simulação de uma
situação real, revelou-se uma poderosa demonstração do efeito da
situação na forma como as pessoas se comportam.

Na década de 70, a teoria situacionista marcou alguns pontos a favor, em


grande parte devido à incapacidade dos questionários e testes de avaliação da
personalidade em vigor para prever o comportamento das pessoas em situações
futuras, nomeadamente em condições de adaptação a situações de stress. O
situacionismo desenvolveu algumas objecções fortes e pertinentes contra a
teoria dos traços, a ponto de uma pessoa efectivamente se interrogar quanto

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do comportamento humano é devido à consistência dos traços de personalidade
e quanto é devido à influência do meio. A resposta ainda hoje não é fácil de
dar, mas muitos investigadores, incluindo Mischel nos anos mais recentes (e.g.,
Mischel, 1993), propuseram uma posição intermédia, ou interaccionista, que
se descreve a seguir.

7.1.6 Teorias interaccionistas

Bowers (1973) foi um dos primeiros investigadores a contestar a dicotomia


entre traços por um lado e situações por outro na explicação das diferenças de
personalidade após a publicação do livro de Mischel (1968). Esta dicotomia
para Bower não tinha fundamento, porque qualquer prova a favor da teoria
dos traços ou da teoria situacionista podia servir também para as rejeitar. Bower
ilustrou esta limitação referindo o caso do comportamento de condução no
interior de uma cidade ou numa auto-estrada. No interior da cidade (uma
situação bastante específica) quase toda a gente obedece aos muitos sinais de
trânsito e limites de velocidade, provando que a situação é influente; mas na
auto-estrada (uma situação pouco restritiva) as pessoas têm liberdade de
conduzir a diferentes velocidades, umas conduzem acima do limite, outras
próximo do limite e outras ainda a uma velocidade de grande segurança,
provando que os traços são influentes. A auto-estrada exerce um controlo
sobre o comportamento de condução muito menor do que na cidade, ficando
a pessoa mais livre para activar e exercer os seus traços psicológicos distintivos
sobre a situação.

As teorias interaccionistas são teorias ecléticas que consideram o comporta-


mento como o resultado da interacção entre traços e predisposições da pessoa
por um lado e as circunstâncias da situação por outro, que em conjunto infuen-
ciam ou condicionam o modo como o comportamento se exprime. O comporta-
mento das pessoas é assim uma função da influência mútua das variáveis da
personalidade com as variáveis da situação.

O interaccionismo chamou a atenção para a existência de situações psicolo-


gicamente fortes e situações psicologicamente fracas. As situações fortes são
bem definidas e estruturadas e fornecem indicações bastante precisas para
guiar e orientar o comportamento. As situações fracas estão organizadas de
forma ambígua e as indicações são menos claras e precisas. Neste caso
compreende-se melhor porque é que a teoria dos traços é capaz de prever
melhor o comportamento nas situações psicologicamente fracas, enquanto que
o situacionismo consegue prever melhor nas situações fortes.

294
© Universidade Aberta
O interaccionismo descobriu ainda que há pessoas mais receptivas a agir de
acordo com disposições pessoais (traços), enquanto outras são mais propensas
a agir de acordo com os imperativos da situação. As pessoas mais do tipo
disposicional revelam consistência de comportamento ao longo do tempo e
através das situações (por ex., honestidade e altruísmo), enquanto que as pessoas
mais situacionistas revelam menor consistência de comportamento em
circunstâncias idênticas.

Na sua fase interaccionista, Mischel realizou vários estudos sobre a capacidade


das crianças adiarem uma gratificação para depois receberem uma gratificação
maior (e.g., Mischel et al., 1989). Numa experiência típica, uma criança fica
só numa sala com dois objectos de que gosta mais dum do que doutro. Se a
criança esperar pelo regresso do experimentador que se ausentou da sala, tem
direito ao objecto preferido, se não quiser esperar pode brincar ou ficar com o
objecto menos preferido.

Mischel verificou uma continuidade significativa do comportamento das


crianças entre os 4 anos e os 17 anos. As crianças, que foram capazes de adiar
aos 4 anos no laboratório por mais tempo a gratificação, foram consideradas
pelos pais aos 17 anos como mais atentas, competentes, inteligentes, capazes
de se concentrar e de enfrentar situações de ansiedade de forma madura.
O que quer que esteja presente na mente das crianças aos 4 anos e que as leva
a resistir por mais tempo à tentação de se apoderarem de algo muito desejado
(seja traço, tendência ou disposição pessoal), é algo que se mantém na mente
da criança — e não na situação — pelo menos até à adolescência. Mischel
admite assim a permanência de alguns traços ao longo do tempo.

Mischel defende uma perspectiva interaccionista do comportamento humano,


preferindo sublinhar as variáveis cognitivas da pessoa, em vez dos traços de
personalidade na interpretação de uma situação. Para Mischel, os traços seriam
mais de ordem temperamental, enquanto que as variáveis cognitivas definiriam
melhor as competências e estratégias mais permanentes do comportamento
humano.

Em síntese, o interaccionismo é uma perspectiva que tenta reunir o melhor da


teoria dos traços e da influência da situação na explicação e previsão do
comportamento humano. Apoia a crença generalizada sobre a permanência e
consistência de traços de personalidade ao longo do tempo, mas reconhece
que nem todos os traços são igualmente consistentes e estáveis e capazes de
prever o comportamento. Quando a situação é altamente estruturada, é provável
que as pessoas se comportem mais de acordo com a situação do que de acordo
com as suas disposições pessoais. Mas surge a questão: Onde se situa a linha
divisória entre situações estruturadas e pouco estruturadas por um lado e entre
“o que uma pessoa é” e “aquilo que às vezes se comporta” por outro? Uma
das objecções principais postas ao interaccionismo é a selecção de situações

295
© Universidade Aberta
isoladas, bem contrastadas e mutuamente independentes que permitem revelar
um efeito interaccionista entre situação e personalidade, mas estas são
condições extremas e talvez pouco comuns e representativas.

Mais do que uma dicotomia, há uma continuidade e reciprocidade entre


comportamento e situação. O comportamento afecta a situação e esta por sua
vez afecta o comportamento. Há entre personalidade e situação um inter-
accionismo recíproco, a ponto das pessoas serem capazes de seleccionar ou
evitar uma situação, e de explorar e alterar ainda aspectos da situação em
detrimento de outros (Buss, 1987). A mesma situação, seja uma aula, um acto
de culto, ou um espectáculo desportivo tem um significado diferente para cada
pessoa, tendo em conta a própria experiência passada. O modo como uma
pessoa selecciona e avalia os estímulos numa destas situações, determina o
modo como os estímulos vão influenciar o comportamento. Os aspectos da
situação não influenciam só por si o comportamento, mas apenas e na medida
em que a pessoa os interpreta de um modo ou doutro. O comportamento pode
ser previsto, mas só algumas vezes para algumas pessoas e nalgumas situações.

7.1.7 Teorias e conclusão

As teorias de personalidade representadas por tipos, traços e dinamismos


concebem a personalidade como uma entidade própria, central, um construto
teórico legítimo com um papel causal importante e capacidade explicativa no
comportamento humano. As restantes teorias, representadas pelo beaviorismo,
aprendizagem social e situacionismo, dão importância aos factores externos
da personalidade, cujos traços e disposições seriam secundários na regularidade
e consistência do comportamento. As teorias da personalidade diferem em
tantos pontos, que é legítimo perguntar se há algo de comum às diversas teorias?

Assim a personalidade desenvolve-se ao longo de diferentes fases até à


adolescência como sugere Freud, até ao fim da vida segundo Erikson, ou a
criança já nasce com uma personalidade como sugerem os comportamentalistas
genéticos? A personalidade terá uma estrutura própria? Qual o papel que os
dinamismos intra-psíquicos, o inconsciente, a influência das normas sociais e
a força do ego representam na motivação do comportamento humano? Há
disposições ou traços comuns de personalidade que se mantêm consistentes
ao longo do tempo e através das diferentes situações? Muitas são as perguntas,
poucas são ainda as respostas. Parece no entanto poder afirmar-se que há uma
consistência razoável de alguns traços de personalidade ao longo do tempo
por parte de algumas pessoas. Nem todas as pessoas são totalmente consistentes
ou inconsistentes ao longo do tempo em todas as situações. Há ainda um

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© Universidade Aberta
acordo substancial no que respeita à existência de pelo menos dois traços ou
factores principais: extroversão-introversão e neuroticismo-estabilidade
emocional (ou ansiedade), assim como a vantagem de se examinar melhor a
interacção entre traços e situações no comportamento das pessoas.

7.2 Instrumentos de medida da personalidade

Os instrumentos de medida de avaliação da personalidade estão relacionados


com a perspectiva teórica subjacente. Assim a perspectiva psicodinâmica
destaca os testes projectivos; a perspectiva humanista valoriza a compreensão
empática e terapia não-directiva; a perspectiva dos traços recorre a inventários
e questionários; a perspectiva situacionista e interaccionista analisa amostras
de comportamento em situações reais ou em situações simuladas. Alguns dos
mais importantes instrumentos são referidos a seguir.

7.2.1 Métodos projectivos

A perspectiva psicodinâmica valoriza os métodos projectivos, como a melhor


técnica para revelar as motivações inconscientes. Um teste projectivo é
constituído por figuras ambíguas ou estímulos sobre os quais as pessoas devem
fazer uma descrição. Estes testes pressupõem que as pessoas projectam as
características da sua personalidade na interpretação dos estímulos ambíguos,
reflectindo assim aspectos do seu inconsciente. Os testes projectivos mais
conhecidos são o teste de Rorschach e o TAT (Thematic Apperception Test).

O teste de Rorschach é constituído por 10 manchas simétricas ou borrões de


tinta, a preto e a cor e foi inicialmente publicado em 1921 por H. Rorschach
(e.g., Silva et al., 1991). Veja-se uma mancha parecida com as usadas no teste
na Figura 7.2a. Nenhuma das manchas representa um objecto específico, mas
cada uma é passível de sugerir diferentes elementos reais ou fictícios. Os sujeitos
são solicitados a referir o que vêem e o examinador interpreta e descreve as
respostas, nomeadamente em termos de localização, determinantes e conteúdo.
Este teste permite avaliar aspectos da personalidade a nível defensivo,
cooperativo, competitivo, assim como aspectos mais cognitivos como a
capacidade de processar e integrar múltiplos estímulos, a originalidade e rapidez
de respostas.

297
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Figura 7.2 - Figuras semelhantes às gravuras usadas no teste projectivo de
Rorschach (a) e no teste TAT de Murray (b).

O TAT é constituído por 31 figuras (uma delas em branco) e foi publicado por
Murray em 1938 (e.g., Silva, 1985). Veja-se uma figura parecida com as usadas
no teste na Figura 7.2b. Algumas das figuras são aplicadas especificamente a
crianças, outras a homens ou mulheres. Em geral, o examinador usa apenas
um conjunto de 10 figuras. As figuras retratam cenas ambíguas (por ex., um
rapaz a olhar para um violino em cima da mesa) e a tarefa do sujeito é descrever
uma história que inclua os antecedentes e as consequências da situação
actualmente representada pela figura. Através de uma análise detalhada e
complexa dos temas das histórias narradas é possível obter informações sobre
as necessidades de afiliação, relacionamento social, rejeição, agressividade,
domínio e motivação para a realização.

7.2.2 Questionários e inventários

A perspectiva dos traços de personalidade usa inventários e questionários


formados por várias escalas de forma a avaliar a presença e grau de intensidade
dos diferentes traços. Estes instrumentos são constituídos por um conjunto de
perguntas de auto-avaliação que se agrupam sob diferentes categorias ou
factores (por ex., extroversão, dominância, imaginação) a que as pessoas
geralmente respondem: verdadeiro, falso ou não sei. Os questionários mais
conhecidos resultantes da teoria dos traços são o Questionário de Eysenck, o
Inventário “16 PF” de Cattell e o Inventário NEO-PI-R dos “cinco factores”
de Costa e McCrae, já anteriormente referidos.

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O MMPI-2 (Inventário multifásico de personalidade de Minnesota) é um
inventário de auto-avaliação constituído por 567 itens ou perguntas que formam
10 escalas. A uma pergunta (por ex., Nunca fiz nada de perigoso pelo prazer
que isso me deu), o sujeito responde verdade, falso ou não sei. Ao contrário
do Inventário 16PF de Cattell, cujos itens foram agrupados por factores obtidos
por meio da aplicação da análise factorial, o processo de construção do MMPI
resultou da selecção de um conjunto de itens que se revelaram capazes de
discriminar entre amostras representativas da população normal ou com
problemas psicológicos, por exemplo, entre normais e esquizofrénicos.
Segundo uma revisão de Butcher e Rouse (1996), o MMPI é um dos métodos
de avaliação clínica da personalidade mais usados, com mais de metade (51%)
dos estudos publicados no período de 1974 a 1994, seguido pelo Rorschach
com 22%, o TAT com 11%, o 16PF com 10% e vários outros restantes
com 6%.

Os inventários e questionários de personalidade são instrumentos de uso


frequente e de fácil aplicação, mas envolvem dificuldades em termos de
interpretação, mesmo quando usados por profissionais. Um dos problemas
diz respeito ao facto de algumas respostas serem mais desejáveis socialmente
do que outras. Mesmo sem grandes conhecimentos de psicologia, um candidato
a vendedor ou a uma profissão de relações públicas sabe que as respostas mais
relacionadas com a dimensão de extroversão lhe poderão ser favoráveis. Por
isso alguns instrumentos como o MMPI-2 incluem controlos internos com
escalas que avaliam o grau de verdade ou mentira através de perguntas que só
podem ser respondidas de uma maneira, se a pessoa tiver por hábito dizer a
verdade. Neste caso “sim” a perguntas do tipo: “Alguma vez disse uma men-
tira?”, ou “Alguma vez revelou um segredo?”

Apesar destes instrumentos obedecerem a regras bastante rigorosas na obtenção


de índices de fidelidade e validade, há um problema com o índice de validade
destes instrumentos que é baixo e onde a capacidade preditiva é limitada. A
questão da validade é de facto paradoxal. Se um teste produz interpretações
demasiado vagas e gerais a validade é nula, porque quase todos se identificam
com elas; se pelo contrário a interpretação é bastante específica, a pessoa pode
não se identificar com a interpretação dada, e a validade do teste é indevidamente
reduzida. Entre uma interpretação genuína obtida a partir de um teste de
personalidade, ou um texto com afirmações vagas típicas de um horóscopo, a
maioria das pessoas considera as afirmações vagas mais precisas e correctas
em termos de interpretação da própria personalidade. Veja-se o estudo de Forer
(1949) na Caixa 7.2.

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Caixa 7.2

Horóscopos e perfis de personalidade

Forer (1949) solicitou aos seus alunos para responderem a um novo


teste de personalidade, que incluía questões sobre características
pessoais, passatempos, ambições e esperanças secretas de realizações
futuras. Forer prometeu sigilo em relação aos resultados do teste e
comprometeu-se a entregar uma interpretação personalizada na aula
da semana seguinte. Um texto dactilografado com o nome do aluno
e o perfil de personalidade foi entregue com a referência de que a
informação era apenas do conhecimento do próprio e do professor.
Depois dos alunos terem lido o texto, foram solicitados a avaliar
em que medida o perfil de personalidade recebido era mais ou menos
preciso numa escala de 0 (deficiente) a 5 (perfeito). A média da ava-
liação foi de 4,3, indicando que a maioria dos alunos considerou o
texto uma avaliação quase perfeita da própria personalidade. Ao
contrário do que os alunos pensaram, o texto distribuído foi idêntico
para todos e era composto por frases tiradas de um livro de
astrologia, do tipo:

Tem uma forte necessidade de ser amado e admirado por outras


pessoas. Orgulha-se de ser uma pessoa que pensa pela sua cabeça
e não aceita as opiniões dos outros de ânimo leve. Há alturas em que
é afável, sociável e extrovertido e outras em que é introvertido, reser-
vado e prudente. Tem tendência a criticar-se e às vezes descobre
tarde demais que foi demasiado franco para com outras pessoas.
Alguns dos seus projectos e aspirações são um bocado irrealistas.

Se se pedir às pessoas para escolher entre afirmações vagas deste


tipo ou uma interpretação genuína obtida com um teste de
personalidade, a maioria das pessoas considera este tipo de descrição
mais precisa e correcta. Estas afirmações são tão gerais que uma
pessoa não tem dificuldades em identificar-se com elas num
momento ou noutro. Se o leitor quiser impressionar os amigos, diga-
-lhes que tirou um curso de astrologia, obtenha a data de nascimento
e depois entregue um texto com as frases anteriores ou escreva um
novo texto retirando uma frase diferente de cada um dos 12 signos
de um horóscopo publicado em jornais e revistas. Se o papel for
bem representado, o sucesso do leitor é garantido. Os astrólogos,
cartomantes e fazedores de horóscopos são populares porque dizem
às pessoas o que elas gostam de ouvir, articulando frases e afirma-
ções generalistas. Depois sugerem às pessoas para relacionar tais
afirmações e análises com as suas experiências específicas. Mais
tarde as pessoas têm tendência a recordar, que o astrólogo previu o
seu caso específico.

300
© Universidade Aberta
7.2.3 Avaliação comportamental

As perspectivas beaviorista, situacionista e de aprendizagem social investigam


o comportamento das pessoas em situações de controlo experimental, quer
seja no laboratório quer seja em determinados contextos ocupacionais
específicos. Partem do princípio de que o factor que melhor prevê o compor-
tamento futuro das pessoas não é um teste de personalidade, mas antes o padrão
de comportamentos passados que teve lugar em situações similares. Por
exemplo, em vez de se passar um questionário para se saber quais poderão ser
os melhores professores de entre uma amostra de recém-formados, observa-se
em alternativa um conjunto de variáveis destes futuros professores a ensinar
alunos em aulas reais durante um período de estágio. O questionário pode
indicar se o finalista é ou não uma pessoa emocionalmente estável, mas o grau
de estabilidade pode ser diferente na situação real de sala de aula, onde podem
ocorrer situações inesperadas. Assim o factor que melhor prevê a estabilidade
emocional numa sala de aula no futuro é o grau de estabilidade emocional
actual na leccionação de aulas reais e não o valor num teste de personalidade
que nunca é capaz de simular verdadeiramente a globalidade da situação. Em
geral, o factor que prevê melhor o desempenho profissional no futuro não é
um teste de personalidade, mas antes o desempenho profissional actual ou
passado de natureza profissional equivalente.

Em síntese, os instrumentos de avaliação da personalidade são instrumentos


frequentemente usados, úteis mas limitados. Na perspectiva do terapeuta que
acaba de receber um cliente na primeira consulta, a aplicação de um instrumento
de avaliação de personalidade a um desconhecido permite obter em pouco
tempo um perfil genérico e resumido da sua personalidade. Este perfil é uma
percepção mais objectiva e proporciona uma compreensão melhor do que
seria possível obter com várias entrevistas individuais, permitindo formular
hipóteses para melhor orientar a relação terapêutica durante as sessões seguintes.
A mesma vantagem ocorre numa prova de admissão e selecção profissional
com centenas de candidatos a um número reduzido de lugares, em que um
teste de personalidade pode permitir obter rapidamente um perfil genérico da
personalidade de centenas de candidatos, por exemplo a pilotos de aviação ou
técnicos de publicidade.

7.3 Origem das diferenças de personalidade

Plomin e Daniels (1987) escreveram um artigo com o título “Porque é que as


crianças de uma mesma família são tão diferentes entre si?”, uma interrogação

301
© Universidade Aberta
que muitos pais e educadores devem ter feito desde o tempo de Abel e Caim.
Na mesma família, há crianças que são mais fáceis de educar, são bem dispostas
e cooperantes; há outras que parecem ter o comportamento oposto. Estes
contrastes estão representados por algumas figuras históricas de que se destacam
em Portugal, os filhos de D. João VI — D. Pedro e D. Miguel — que lideraram
os dois campos opostos da guerra civil na primeira metade do séc. XIX. A que
se devem estas diferenças de personalidade?

Uma resposta possível ressalta a história da pessoa a nível familiar, escolar e


comunitário, as experiências de vida, o modo como se lidou com os sucessos
e fracassos da existência e como foram superados. Mas uma resposta deste
tipo não é capaz de ter em conta toda a diversidade da personalidade humana.
Na mesma família encontram-se crianças e jovens com personalidades muito
diferenciadas, apesar do meio e tipo de educação serem muito semelhantes.
Supondo que a educação familiar dos filhos é semelhante, torna-se difícil rejeitar
o papel da hereditariedade no desenvolvimento das diferenças de personalidade.
Qual o papel que a biologia e a genética têm nesta diversidade?

A década de 90 assistiu a uma série de publicações que vieram chamar a


atenção de forma acrescida para a influência da hereditariedade nos traços de
personalidade. Um destes estudos foi realizado por Bouchard et al. (1990)
sob a égide da Universidade de Minnesota (EUA) com o objectivo de investigar
as diferenças psicológicas ao nível da personalidade e dos interesses ocupa-
cionais, usando para o efeito uma amostra elevada de gémeos monozigóticos
(MZs) e dizigóticos (DZs) adultos. A amostra estudada de gémeos MZs era
formada por mais de uma centena de pares e estes tinham sido separados nos
primeiros meses de vida, criados à parte na infância e adolescência durante os
anos de formação e apenas reunidos na fase adulta da vida. Os gémeos MZs
criados à parte são considerados uma experiência fascinante da natureza ao
permitir deslindar a influência específica da hereditariedade da influência do
meio. Como os gémeos MZs criados à parte partilham a totalidade dos genes,
mas não partilham o meio, qualquer semelhança que haja em termos de
interesses e traços de personalidade fica a dever-se a causas genéticas.

Os resultados de correlação obtidos com quatro inventários de traços de


personalidade e três inventários de interesses ocupacionais indicaram um
coeficiente de correlação de r=+0,51 para gémeos MZs criados juntos e de
r=+0,50 para gémeos MZs criados à parte, um valor praticamente idêntico, e
bastante superior à correlação com gémeos DZs, ou fraternos, que foi de
r=+0,23. Estes resultados indicam que a similaridade de traços de personalidade
e de interesses ocupacionais é maior à medida que aumenta a similaridade
genética da amostra estudada e de certo modo independente do meio familiar
de pertença (vide ainda Bouchard, 1994; Pinker, 1997, p. 447-450).

302
© Universidade Aberta
O facto dos gémeos MZs serem ou não criados juntos teve um efeito mínimo.
Isto significa que ser criado e educado pelos mesmos pais no mesmo ambiente
familiar não torna os irmãos mais parecidos em adultos do que se tivessem
sido criados separadamente por casais adoptivos no âmbito das medidas
examinadas. Judith Harris (1995) chegou a ponto de afirmar que se rodassem
os pais das crianças entre si, o efeito na personalidade adulta seria mínimo. É
importante sublinhar no entanto que o meio familiar e social dos participantes
neste estudo foi considerado médio e aceitável, um ambiente satisfatório de
afecto, cuidados e apoio saudável às crianças, não se verificando casos extremos
de abuso, grandes privações e maus tratos.

A influência biológica na personalidade tem um longo passado e remonta


como já vimos a Hipócrates que explicou a existência de quatro tipos de
personalidade em função de humores e fluidos corporais. Embora hoje ninguém
acredite nesta história de fluidos e humores, há uma posição empiricamente
fundamentada e cada vez mais aceite sobre o papel dos genes na personalidade.
Os genes podem ter os seus limites, mas não podem estar ausentes da discussão
sobre a origem das diferenças de personalidade. Os investigadores, que se
situam no âmbito da teoria dos traços, concebem os diferentes traços, não
como meros nomes ou etiquetas coladas aos factores que emergem da análise
factorial, mas como disposições pessoais mais ou menos permanentes resultantes
da constituição genética da pessoa. Porque os traços são hereditários, talvez
seja por isso que são consistentes ao longo do tempo.

O papel da hereditariedade é um pressuposto das teorias dos traços, embora


nem sempre esteja explícito. Eysenck foi um dos investigadores que defendeu
a origem parcialmente hereditária das diferenças de personalidade em relação
às três dimensões de extroversão, neuroticismo e psicoticismo (Eysenck, 1990).
Eysenck apoiou-se em estudos realizados em gémeos MZs criados à parte que
indicaram correlações na ordem de r=+0,53 para neuroticismo e de r=+0,61
para extroversão, coeficientes bastante superiores aos dos gémeos DZs,
respectivamente r=+0,11 e r=-0,17 (e.g., Tellegen et al., 1988). Loehlin (1982)
verificou também, numa re-análise efectuada a dados de 1700 adolescentes
gémeos, uma influência hereditária bastante acentuada para os traços de
extroversão e de neuroticismo de Eysenck.

Eysenck propôs que a hereditariedade afecta especificamente a constituição


do sistema fisiológico da pessoa, nomeadamente ao nível do sistema reticular
de activação ascendente (SRA), tornando-o mais ou menos sensível e reactivo
aos estímulos presentes. O sistema SRA excitaria ou inibiria a actividade cortical
em função da quantidade de impulsos sensoriais recebidos. Quando o limiar
de estimulação sensorial é baixo, a pessoa procura estimulação suplementar
no exterior e o comportamento tende a ser mais extrovertido. Quando o limiar
é alto e o córtex fica sobrecarregado de estimulação, então a pessoa procura
agir de forma mais introvertida a fim de reduzir e anular a estimulação excessiva

303
© Universidade Aberta
que está presente a nível cerebral. Esta explicação obteve apoio laboratorial
(e.g., Bullock e Gilliland, 1993). Alguns estudos de electroencefalografia
(EEG) indicaram que a actividade cerebral é maior nos sujeitos introvertidos
do que nos extrovertidos, embora nem todos os estudos realizados revelem de
forma nítida este padrão de diferenças.

7.4 Conclusão

Do mesmo modo que um capítulo tem uma conclusão, um livro de psicologia


geral termina normalmente com um capítulo sobre personalidade. O
pressuposto ou razão principal tem a ver com o facto de que nos restantes
capítulos de um livro de psicologia são abordados importantes aspectos ou
variáveis isoladas da pessoa, havendo a responsabilidade de no final do livro
se juntarem as peças para formar um todo coerente. Embora o estudo da
personalidade devesse integrar as variáveis cognitivas, afectivas e motivacionais
de uma pessoa numa teoria ou sistema coerente, os investigadores da perso-
nalidade raramente tentam um tal projecto. Antes preferem investigar questões
mais específicas, algumas delas referidas neste capítulo, como a determinação
dos traços principais que definem a personalidade das pessoas em geral ou o
que as diferencia entre si, a consistência dos traços em diversas situações ao
longo do tempo, a construção de instrumentos de avaliação objectivos e
rigorosos, a proposta de técnicas terapêuticas que permitam ajudar a mudança
de comportamentos pessoais mal adaptados socialmente.

A personalidade humana é uma estrutura psicológica tão complexa que em


certos casos e situações dificilmente será captada pela aplicação de um qualquer
método de avaliação actualmente disponível, seja questionário de auto-
avaliação, um teste projectivo, ou análise de amostras reais de comportamento
das pessoas. O comportamento das pessoas será sempre difícil de prever e de
controlar na sua maior parte. Em comparação foi menos complexo descobrir a
totalidade do genoma humano. Por muito que se conheça uma pessoa,
dificilmente se descobre a motivação para certos comportamentos dramáticos
e trágicos. E não creio que a motivação e personalidade possam ser melhor
esclarecidas através da psicanálise. Freud, ao contrário do que se pensa, não
foi um terapeuta bem sucedido. Os psicanalistas, que em geral são terapeutas
com uma experiência muito extensa, reconhecem a sua incapacidade para
perceber em muitos casos os mistérios da motivação e da personalidade humana
e qual o melhor meio a aplicar para facilitar a mudança de personalidade.

Quer se acredita muito ou pouco no livre-arbítrio humano, tenho a convicção


e a esperança — um pressuposto filosófico e uma perspectiva deste livro —

304
© Universidade Aberta
de que uma parte significativa do comportamento humano é o resultado das
decisões mais ou menos conscientes da mente humana. Não são apenas as
condições sociais e externas (como os beavioristas, antropologistas e sociólogos
defendem), ou os determinismos genéticos (como os geneticistas compor-
tamentais ressaltam) que determinam o comportamento humano em geral, mas
também e acima de tudo as decisões que a pessoa toma, tendo em conta a sua
estrutura mental e o conhecimento de que se é portador. É aqui que reside a
essência e o fascínio da investigação psicológica.

7.5 Conceitos de personalidade

Personalidade, traço de personalidade, tipo de personalidade, id, ego, super-


ego, mecanismos de defesa, identidade do eu, crise de identidade, auto-
conceito, eu ideal, extroversão-introversão, neuroticismo, psicoticismo, modelo
dos “cinco factores”, situacionismo, interaccionismo, métodos projectivos,
questionários e inventários.

7.6 Perguntas de auto-avaliação

1. Defina personalidade tendo em conta uma das teorias estudadas


neste capítulo.

2. Qual a função dos mecanismos de defesa freudianos? Descreva


dois deles.

3. Descreva brevemente o modelo de personalidade de Eysenck e o


modelo dos “cinco factores” e refira as principais semelhanças e
diferenças.

4. Caracterize resumidamente os principais instrumentos de medida


da personalidade.

5. Que factores devem ser considerados para explicar a origem das


diferenças de personalidade?

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© Universidade Aberta
7.7 Sugestões de leitura

Informação suplementar sobre a personalidade pode ser obtida nos livros de


Mischel (1993) e Pervin e John (1999).

306
© Universidade Aberta
8. Referências

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Página intencionalmente em branco

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