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Pois ela é absorvida e serve como aprendizado para as estruturas melhor se comportarem no sentido de
reproduzir as relações. A revolta contra as normas vigentes é apresentada por eles como um reforço da
interiorização da própria norma.
Em 1970, os autores refinaram suas idéias, incorporando mais sistematicamente as contribuições
de Marx e Weber, além de Durkheim, e publicaram um novo livro: A reprodução: Elementos para uma
teoria do sistema de ensino. Sua tese central nesta obra é a de que toda ação pedagógica é,
objetivamente, uma violência simbólica. O conceito de "violência simbólica" designa para eles uma
imposição arbitrária que, no entanto, é apresentada àquele que sofre a violência de modo dissimulado,
que oculta as relações de força que estão na base de seu poder. A ação pedagógica, portanto, é uma
violência simbólica porque impõe, por um poder arbitrário, um determinado arbitrário cultural. Dito de
modo simplificado, esse arbitrário cultural nada mais é do que a concepção cultural dos grupos e classes
dominantes, que é imposta a toda a sociedade através do sistema de ensino. Esta imposição, porém, não
aparece jamais em sua verdade inteira e a pedagogia nunca se realiza enquanto pedagogia, pois limita-se
à inculcação de valores e normas. Daí ser preciso, para que a ação pedagógica se efetive, uma autoridade
pedagógica, por parte das instituições de ensino. Ela é necessária para que a inculcação possa ocorrer,
sob a fachada dissimulada de uma alegada pedagogia.
Enquanto imposição arbitrária da cultura das classes e grupos dominantes, e na medida em que
pressupõe uma autoridade pedagógica, a ação pedagógica implica em algo que Bourdieu e Passeron
chamam de "trabalho pedagógico", isto é, um trabalho de inculcação daquele referido “arbitrário” que
deve durar o bastante para que o educando "naturalize" seu conteúdo, encare-o como natural, como
evidentemente correto em si mesmo, o bastante para produzir uma "formação durável". Na medida em
que o educando interioriza os princípios culturais que lhe são impostos pelo sistema de ensino tal modo
que, mesmo depois de terminada sua fase de formação escolar, ele os tenha incorporado aos seus
próprios valores e seja capaz reproduzi-los na vida e transmiti-los aos outros - Bourdieu diz que ele
adquire um habitus. Uma vez que o arbitrário cultural a ser imposto é incorporado ao habitus do
professor, o trabalho pedagógico tende a reproduzir as mesmas condições sociais (de dominação de
determinados grupos sobre outros) que deram origem àqueles valores dominantes.
Assim, todo sistema de ensino institucionalizado visa em alguma medida realizar de modo
organizado e sistemático a inculcação dos valores dominantes e reproduzir as condições de dominação
social que estão por trás de sua ação pedagógica. Isso explica a desigualdade que está na base do
processo de seleção escolar, Os autores, valendo-se de dados empíricos, demonstram que as "condições
de classe de origem" dos alunos que entram no sistema de ensino francês determinam tanto a
probabilidade de sucesso desse aluno quanto a probabilidade de passagem ao nível escolar seguinte,
quanto, ainda, o tipo de estabelecimento de ensino ao qual ele tem acesso (se de melhor ou pior
qualidade). Tal situação se reproduz, do ensino básico a condição de classe de chegada” deste aluno, isto
é, o tipo de habitus que adquiriu, o "capital cultural" ao qual teve acesso e em especial, a posição na
hierarquia econômica e social a que chegou.
Bem, mas talvez seja o momento de retomar a questão que coloquei no princípio deste livro: Será
que a barreira da dominação social é intransponível? Será que estamos condenados a reproduzir as
estruturas indefinidamente? Gramsci, do ponto de vista do marxismo, e Mannheim, do ponto de vista da
democracia liberal, achavam que não.
RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. 4ª. Edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.