J. David M. Viana∗1,2
1
Universidade de Brası́lia, Instituto de Fı́sica, Centro Internacional de Fı́sica da Matéria Condensada, Campus Darcy Ribeiro,
Brası́lia, DF, Brasil
2
Universidade Federal da Bahia, Instituto de Fı́sica, Campus Universitário de Ondina, Salvador, BA, Brasil
The method of path integrals developed by Feynman in the paper “Space-Time Approach to Non-Relativistic
Quantum Mechanics” of 1948, is one way of formulating the quantum theory. This development joins previous
ones: (i) the formulation developed by Schrödinger, Heisenberg, Dirac, Von Neumann, Born and Jordan, which is
based on the Hilbert space, and (ii) the phase space picture also known as Moyal’s Quantization which is based
on the quasi- distribution function of Wigner proposed in 1932 and leads to the non-commutative mathematical
structure defined by the star product (?). In this work, we present a pedagogical review of points considered basic
for the development realised by Feynman. We emphasize Dirac’s research line in the search for analogies between
the classical and quantum mechanics as well a the postulates formulated by Feynman in the article quoted above.
We note that these aspects although important for the comprehension of the path integrals formulation are little
known and little divulged of complete form. In order to elucidate the method an example is presented and its
relationship to time-dependent Schrödinger equation analyzed.
Keywords: quantum mechanics, path integrals, the action principle.
Berezin [29] e Coleman [30]. É usual em vários desses entre o bra-ket hq 0 , t|q 00 , t0 i ≡ hqt0 |qt000 i e o princı́pio da
textos, o que também se observa na introdução do ar- ação mı́nima. Para compreender como essa proposta surge
tigo “Space-Time Approach to Non-Relativistic Quantum iremos, por razões históricas e porque essa discussão não
Mechanics” [17], a informação que o desenvolvimento re- é apresentada nos desenvolvimentos da formulação das
alizado por Feynman tem como origem “uma conjectura integrais de trajetória, seguir Dirac resumindo os aspectos
de Dirac” ou foi sugerido por “algumas observações de de interesse para o presente artigo.
Dirac com respeito à relação da ação clássica e a mecânica
quântica”. Entretanto, para o melhor de nosso conheci- 2.1. Movimento de pacote de ondas
mento, não há uma exposição completa de como surgiram
essas sugestões e/ou conjectura de Dirac. Em face desse Em seu livro-texto, na seção movimento de pacote de
fato e como forma de preencher essa possı́vel lacuna na ondas, Dirac chega ao resultado expresso por “vemos
literatura, procuramos nesse artigo abordar esse aspecto deste modo como as equações clássicas do movimento
da formulação do método. O artigo está dividido em são derivadas da teoria quântica como um caso limite.”
seções: na seção 2 trataremos dos desenvolvimentos de Para chegar a essa conclusão, Dirac considera um sis-
Dirac relativos ao assunto no texto “The Principles of tema dinâmico com operador Hamiltoniano H(qr , pr )
Quantum Mechanics” [6] e no artigo “On the Analogy (r = 1, 2, . . . , n) tendo um sistema clássico análogo des-
Between Classical and Quantum Mechanics” [31]; na crito pela Hamiltoniana Hc (qr , pr ), função real obtida
seção 3, para enfatizar a relação do desenvolvimento de usando variáveis algébricas para os operadores qr , pr em
Feynman com os aspectos abordados por Dirac, tratare- H(qr , pr ), e fazendo ~ → 0 onde aparecer essa constante
mos dos postulados propostos por Feynman [17]; na seção em H. Dirac propõe, então, que a função de onda de-
4, como forma de elucidar a aplicação das ideias de Dirac e pendente do tempo na descrição de Schrödinger seja da
Feynman, consideramos um caso especı́fico [18,32] e mos- forma:
S
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Viana e4206-3
que é a equação diferencial para a função S, sendo ela igual ao S da eq. (1) e, portanto, satisfará a relação, na
assim determinada pela Hamiltoniana clássica Hc . notação de Dirac,
A eq (5), conhecida equação de Hamilton-Jacobi da
dinâmica clássica, permite que S seja real e mostra que ∂S 0
− = Hc (qrt , p0rt ) (11)
não há inconsistência em admitir a eq (1) como expressão ∂t
para ψ(q, t). onde
Para obter a equação diferencial para A, após um ∂S
desenvolvimento relativamente longo [6] obtém-se que: p0rt = 0 (12)
∂qrt
2
e Hc é o Hamiltoniano clássico nas variáveis algébricas
∂A ∂ ∂Hc (qj , pj )
A2
0
, p0rt . Por outro lado, com qt0 = q, tem-se
X
=− (6) qrt
∂t j
∂qj ∂pj pj = ∂S
∂qj
hqt0 0 |q 00 i = δ(qt0 0 − q 00 )
em que a notação [ ]pj = ∂S significa que se deve substituir,
∂qj
∂S
e o quadrado do módulo de hqt0 |q 00 i, i.e. |hqt0 |q 00 i|2 , é a
na expressão obtida, pj por ∂q j
de modo que no final se probabilidade das coordenadas q terem valores q 0 no
tenha uma função de qj apenas. instante t > t0 se elas tiverem, com certeza, os valores q 00
Interpretando A2 , na eq (6), como a densidade de no instante t0 . Neste contexto Dirac observa que |qt0 0 i e
um fluido no ponto q e instante t, Dirac mostra que hqt00 | podem ser considerados um auto-ket e um auto-bra
essa equação pode ser analisada como a equação de do operador posição na descrição de Heisenberg e, como
conservação desse fluido sendo sua velocidade dada por em qualquer instante os auto-kets da posição na descrição
de Heisenberg constituem um conjunto completo, tem-se
dqj ∂Hc (qr , pr )
= (7) naturalmente
dt ∂pj
Z
pj = ∂S ∂qj dq 00 |qt00 ihqt00 | = 1. (13)
∂S
e com pj definido como ∂qj , segue que Além disso, hqt0 |q 00 i ≡ hqt0 |qt000 i será solução da equação
complexo-conjugada de Schrödinger nas variáveis qt000 , o
dpj d ∂S ∂Hc (qr , pr ) que implica na relações
= =− (8)
dt dt ∂qj ∂qj
∂S
= Hc (qr00 , p00r ) (14)
ou seja, as equações (7) e (8) são equações clássicas ∂t0
de movimento na forma Hamiltoniana mostrando que,
com
no limite ~ → 0, são obtidas equações clássicas para o ∂S
sistema quântico descrito por H(qr , pr ). p00r = − . (15)
∂qr00
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0373 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 4, e4206, 2018
e4206-4 Feynman e as Integrais de Trajetória
grande número de pequenos intervalos de tempo t0 → t1 , de trajetórias estão delineadas na equação (20) que se
t1 → t2 , . . . , tm−1 → tm , tm → t, escreve para B(t, t0 ) refere diretamente a trajetórias, e nas equações (17),
(18) e (19) que buscam uma correspondência com a ação
B(t, t0 ) = B(t, tm )B(tm , tm−1 ) . . . B(t2 , t1 )B(t1 , t0 ) clássica. Há necessidade, no entanto, de um detalhamento
(18) para completar tal formulação, o que foi realizado por
que afirma, pelas propriedades conhecidas dos vetores Feynman em seu artigo “Space-Time Approach to Non-
0
base |qm i (vide eq. (13)), corresponde a equação quântica Relativistic Quantum Mechanics” [17].
ZZ Z
hqt0 |q00 i = · · · hqt0 |qm
0 0
idqm 0
hqm 0
|qm−1 0
idqm−1
3. As Integrais de Trajetória de
× · · · hq20 |q10 idq10 hq10 |q00 i (19) Feynman
onde, para simplificar a notação, qk0 significa qtk 0
. Nesta seção apresentaremos os dois postulados elaborados
Dirac faz então uma análise das equações (18) e (19) por Feynman como base da sua formulação e que de certa
realçando alguns pontos: (i) que se deve olhar cada fator forma resumem os desenvolvimentos da seção anterior.
em (18) como uma função dos q 0 s nos dois pontos extre-
mos do intervalo de tempo a que ele se refere; (ii) que,
3.1. O primeiro postulado
em consequência, o lado direito da equação (18) é uma
função não somente de qt0 e qt0 0 mas também de todos Feynman inicia o artigo “Space-Time Approach to Non-
os q 0 s nos instantes intermediários; (iii) a equação (18) Relativistic Quantum Mechanics” [17] situando o traba-
é válida para os valores de q efetivos (trajetória real) lho como consequência de observações de Dirac sobre
nos instantes intermediários; (iv) pequenas variações em a relação da ação clássica com a mecânica quântica.
torno dos valores efetivos, deixando S estacionária, pela Estabelece então a busca de uma amplitude de probabi-
equação (17) também deixarão B(t, t0 ) estacionário; (v) lidade associada a trajetórias no espaço-tempo em lugar
é o processo de substituição em (18), dos valores de q da amplitude de probabilidade associada à posição da
nos instantes intermediários, que corresponde em (19) partı́cula em um particular instante de tempo. Com
à integração em q naqueles instantes. E conclui que: “o esse objetivo, baseado nos trabalhos que apresentamos
análogo quântico do princı́pio da ação encontra-se na lei na seção 2 Feynman discute, por simplicidade, o caso
de composição dada em (19)”. unidimensional de uma partı́cula cuja posição q pode
O tema de obter uma descrição quântica próxima à des- assumir vários valores e supõe que tenha sido realizada
crição clássica, em que as coordenadas q de um sistema uma quantidade enorme de medidas sucessivas separadas
dinâmico tenham valores definidos em qualquer instante por pequenos intervalos de tempo ε: as medidas da coor-
t, é retomado por Dirac ao discutir o conceito de proba- denada q nos instantes t1 , t2 , . . . , ti , ti+1 , . . . são notadas
bilidade no artigo “On the Analogy Between Classical por q1 , q2 , . . . , qi , qi+1 . . . , respectivamente, o que, com
and Quantum Mechanics”. Nesse artigo Dirac considera ε = ti+1 − ti define, do ponto de vista clássico, uma tra-
uma sequência de instantes t1 , t2 , t3 , . . . , tão próximos jetória q(t) no limite ε → 0. Na sequência Feynman ana-
quanto possı́vel um do outro, e trata de como descrever lisa resumidamente o processo de medida comparando as
formalmente a probabilidade considerando os valores de teorias clássica e quântica e introduz o que denomina “me-
q, determinados em cada instante e pertencentes em cada dida ideal”; com essa denominação caracteriza, em linhas
instante a pequenos intervalos espaciais; explica então gerais, a situação em que não é realizada uma medida
que, desta forma, “terá uma probabilidade formal para a detalhada da trajetória no sentido de determinar efetiva-
trajetória do sistema, em mecânica quântica, permanecer mente cada ponto mas é possı́vel afirmar que a trajetória
dentro de certos limites”. Especificamente, Dirac consi- encontra-se em uma região R do espaço-tempo. Com-
dera três instantes t1 , t2 , t3 e que, em cada instante ti , plementando, Feynman afirma que a probabilidade que
haja uma representação cujos vetores básicos sejam |qi0 i, a partı́cula seja encontrada por uma “medida ideal” na
hqi0 | (i = 1, 2, 3). Sendo f (q1 , q2 , q3 ) uma função geral das região R é o quadrado de um número complexo |ϕ(R)|2 ; o
coordenadas nesses instantes e |χi um estado arbitrário, número ϕ(R) é denominado amplitude de probabilidade
ele mostra que: para a região R e dado por
ZZZ Z
hχ|f (q1 , q2 , q3 )|χi = f (q10 , q20 , q30 )hχ|q10 idq10 ϕ(R) = lim Φ(. . . , qi , qi+1 , . . . ) . . . dqi dqi+1 . . . (21)
ε→0 R
× hq10 |q20 idq20 hq20 |q30 idq30 hq30 |χi (20)
onde Φ(. . . , qi , qi+1 , . . . ) é uma função das variáveis qi
onde qi0 são os valores de q no instante ti , e a integração definindo a trajetória. Em consequência, ele formula o
é na região onde os valores de qi na trajetória podem que denomina de primeiro postulado da teoria: “Se uma
variar. medida ideal é realizada para determinar se uma partı́cula
Observa-se da exposição de Dirac que as bases para o tem uma trajetória em uma região R do espaço-tempo,
desenvolvimento de uma formulação quântica em termos então a probabilidade que o resultado seja positivo é o
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módulo ao quadrado de uma soma de contribuições, uma o que exige da mecânica clássica somente o conhecimento
de cada trajetória na região”. da Lagrangiana. Feynman também observa que, na ex-
Após esse postulado, Feynman tece considerações so- pressão (23), mesmo para ε finito a soma é infinita por
bre o significado dos termos “uma de cada trajetória” e causa da extensão infinita do tempo; daı́, para que os
explica: (i) que uma trajetória é definida pelas posições postulados tenham significado, deve-se restringir o inter-
qi determinadas na sequência de intervalos de tempo valo de tempo a um valor finito embora suficientemente
ε = ti+1 − ti e que todos os valores das coordenadas grande.
na região R têm peso igual; (ii) que o valor desse peso Combinando os dois postulados e a relação (23) pode-
depende de ε e pode ser escolhido de forma que a probabi- se escrever para (21)
lidade de um evento ocorrer com certeza seja a unidade; " #
(iii) o limite ε → 0 deve ser considerado no final dos
Z
iX dqi+1 dqi
cálculos. ϕ(R) = lim exp S(qi+1 , qi ) . . . ...
ε→0 R ~ i A A
Deve-se observar na equação (21) que, no limite ε → 0,
(25)
a quantidade Φ depende da trajetória como um todo
onde o fator de normalização está dividido em fatores A1
sendo natural considerá-la um funcional das trajetórias
para cada instante de tempo e a integração é sobre os
q(t).
valores qi , qi+1 , . . . que estão na região R.
Concluindo a seção, Feynman afirma que a equação
3.2. O segundo postulado (25), a definição (24) de S(qi+1 , qi ) e a interpretação
Como explica Feynman, enquanto o primeiro postulado fı́sica de |ϕ(R)|2 completam a nova formulação da
estabelece o esquema matemático exigido pela teoria mecânica quântica. A generalização para um sistema
quântica para o cálculo de probabilidades, o segundo com k graus de liberdade é imediata: neste caso te-
postulado trata de calcular a importante quantidade Φ mos q = (q (1) , q (2) , . . . , q (k) ) e uma trajetória será uma
para cada trajetória. Diz esse postulado: “As trajetórias sequência de configurações, em instantes sucessivos, des-
(1) (2) (k)
contribuem igualmente mas a fase de suas contribuições crita no instante ti por qi = (qi , qi , . . . , qi ), ou seja,
(k)
é a ação clássica S[q(t)] (em unidade de ~) i.e., a integral o valor de cada uma das coordenadas q em um dado
no tempo da Lagrangiana ao longo da trajetória.” E instante ti . O sı́mbolo dqi significa neste caso o elemento
Feynman explica que a contribuição Φ[q(t)] de uma dada de volume no espaço de configurações no instante ti .
trajetória q(t) é proporcional a exp{ ~i S[q(t)]}, com Comentando o conteúdo desta seção, apontarı́amos
que os postulados enunciados por Feynman constituem
Z
na realidade uma sı́ntese e sistematização das ideias
S[q(t)] = L(q(t), q̇(t))dt, (22)
desenvolvidas por Dirac em suas exposições a respeito
da possı́vel analogia entre a teoria clássica e a teoria
onde a Lagrangiana L(q(t), q̇(t)) pode ser uma função quântica; neste contexto, um dos feitos de Feynman é
explı́cita do tempo. indicar como realizar o cálculo completo de (25) o que
Comparando os dois postulados, Feynman aponta que elucidaremos na seção 4 e no Apêndice.
para o primeiro postulado é necessário definir uma tra- Devemos também observar que Feynman em seu ar-
jetória dando apenas a sucessão de pontos qi pelos quais tigo, após apresentar os postulados, considerou com sua
a trajetória passa em instantes sucessivos ti . Já para formulação o conceito de função de onda, a equação de
calcular S[q(t)], que aparece no segundo postulado, é Schrödinger, o limite clássico e outros aspectos como a
necessário conhecer a trajetória em todos os pontos e álgebra de operadores, equação de Newton e uma possı́vel
não apenas em qi o que conduz a admitir que a função generalização, itens que não abordaremos no presente
q(t) é a trajetória seguida por uma partı́cula clássica com artigo por estarem além do proposto.
Lagrangiana L e que, partindo de qi em ti , chega a qi+1
em ti+1 . Esta hipótese, afirma Feynman, permite aplicar
o segundo postulado a trajetórias descontı́nuas; o ponto 4. Aplicação
observado é que, apesar das mudanças abruptas de velo-
cidade nos instantes ti , não há dificuldade no cálculo da Para melhor acompanhar o desenvolvimento adotaremos
ação já que L depende no máximo da primeira derivada uma notação de bras e kets explicitando posição e tempo,
de q(t); como a trajetória clássica é aquela que torna a ou seja, em lugar de hqt00 |qt0 0 i escreveremos hq 00 , t00 |q 0 , t0 i,
ação mı́nima, pode-se escrever: por exemplo, e para a relação de completeza dos autokets
da posição, em lugar da equação (13), usaremos:
X
S= S(qi+1 , qi ) (23) Z
i dq 00 |q 00 , t00 ihq 00 , t00 | = 1 (26)
onde
Com esta notação, apliquemos a formulação das inte-
Z ti+1
grais de trajetória para calcular a amplitude de transição
S(qi+1 , qi ) = min L(q(t), q̇(t)) dt (24)
ti
para um sistema (uma partı́cula) no espaço-tempo ir do
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e4206-6 Feynman e as Integrais de Trajetória
ponto inicial (q1 , t1 ) ao ponto final (qN , tN ), considerados Agora, para determinar hqN , tN |q1 , t1 i, pelas seções 2 e 3
fixos. deve-se considerar todas as trajetórias e, pelo segundo
De acordo com o exposto nas seções anteriores devemos postulado de Feynman, tem-se:
dividir o intervalo t1 − tN em (N − 1) partes iguais a ε, Z Z
dadas por: dqN −1 dqN −2
hqN , tN |q1 , t1 i = lim ···
tN − t1 ε→0 A A
ε = tj+1 − tj = (27)
N −1
Z N
dq2 i X
e explorando a propriedade de completeza dos auto-kets, × exp S(qj , qj−1 ) (30)
segue que A ~ j=2
Z Z
hqN , tN |q1 , t1 i = · · · hqN , tN |qN −1 , tN −1 i dqN −1 ou seja:
× hqN −1 , tN −1 |qN −2 , tN −2 i dqN −2 1 i
hqj , tj |qj−1 , tj−1 i = exp S(qj , qj−1 ) (31)
× hqN −2 , tN −2 | . . . |q2 , t2 i dq2 A(ε) ~
× hq2 , t2 |q1 , t1 i (28) com Z tj
Para o intervalo de tempo tj −tj+1 (j = 1, 2, . . . ) é preciso S(qj , qj−1 ) = L(q(t), q̇(t)) dt (32)
tj−1
determinar a amplitude de probabilidade hqj+1 , tj+1 |qj , tj i
e, pela expressão (28), integrar em q2 , q3 , . . . , qj , . . . , qN −1 com L a Lagrangiana clássica e o fator de normalização
o que corresponde a considerar todas as trajetórias no dependente somente do intervalo de tempo ε = tj − tj−1
plano (q, t) com os extremos (q1 , t1 ) e (qN , tN ) fixos, já e não do potencial.
que dqi varia no instante ti entre os limites que definem Para elucidar a aplicação de (31), (32) e a determinação
a região R onde a partı́cula pode ser encontrada. de A(ε), seja o caso de uma partı́cula cuja Lagrangiana
2
Nota-se assim que, para determinar a amplitude de é L(q, q̇) = m2q̇ − V (q).
transição hqN , tN |q1 , t1 i faz-se necessário considerar todas Considerando o intervalo de tempo ε bem pequeno,
as possı́veis trajetórias, ou seja, mesmo aquelas que não pode-se tomar a trajetória entre dois instantes sucessivos
têm qualquer semelhança com a trajetória clássica. Como como uma linha reta o que, da expressão
Dirac apontou ao analisar o princı́pio da ação mı́nima,
isto constitui um aspecto fundamental na diferença entre tj
mq̇ 2
Z
as duas mecânicas uma vez que na mecânica clássica S(qj , qj−1 ) = dt − V (q) ,
tj−1 2
há uma trajetória definida no plano (q, t) que é obtida
considerando a condição de extremo escrevendo q̇ =
qj −qj−1
, resulta em
ε
Z tN
δ dt L(q, q̇) = 0. (29) tj 2 Z tj
m qj − qj−1
Z
t1 S(qj , qj−1 ) = dt − dt V (q)
tj−1 2 ε tj−1
Ainda, de acordo com Dirac (vide seção 3.2), para ε = ( 2 )
tj+1 − tj , m qj − qj−1 qj + qj−1
=ε −V
2 ε 2
i
exp S(tj , tj−1 ) = B(tj , tj−1 )
~ Em particular, para o caso de uma partı́cula livre, V (q) =
R tj 0 e tem-se, de (31)
corresponde a hqj |qj−1 i com S(tj , tj−1 ) = tj−1 L(t0 ) dt0 .
Segue, portanto, de (28) que a contribuição de uma tra- " 2 #
1 iεm qj − qj−1
jetória definida será hqj , tj |qj−1 , tj−1 i = exp
A(ε) 2~ ε
N N
im(qj − qj−1 )2
i i
Y X 1
exp S(tj , tj−1 ) = exp S(tj , tj−1 ) = exp (33)
j=2
~ ~ j=2
A(ε) 2~ε
i o que possibilita determinar o fator A(ε); de fato, como
= exp S(tN , t1 )
~ o mesmo independe do potencial e os kets satisfazem a
relação:
ou, na notação de Feynman:
hqj , tj |qj−1 , tj−1 i|tj =tj−1 = δ(qj − qj−1 ),
N N (34)
Y i i X
exp S(qj , qj−1 ) = exp S(qj , qj−1 )
j=2
~ ~ j=2 usando para a função δ a expressão:
i 1
(q − q 0 )2
= exp S(qN , q1 ) δ(q − q 0 ) = lim exp − (35)
~ 1
∆→0 (π∆2 ) 2 ∆2
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 4, e4206, 2018 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0373
Viana e4206-7
obtém-se, de (33), (34) e (35), que: Com esse objetivo é usual considerar a relação
r
1 m
Z
= . hqN , tN |q1 , t1 i = hqN , tN |qN −1 , tN −1 idqN −1
A(ε) 2πi~ε
Assim, para ε → 0, segue pelo postulado de Feynman × hqN −1 , tN −1 |q1 , t1 i
que 2
r que, com a Lagrangiana L(q, q̇) = m2q̇ − V (q) e a ex-
m i pressão de Feynman (36) para o bra-ket hqN , tN |qN −1 , tN −1 i,
hqj , tj |qj−1 , tj−1 i = exp S(qj , qj−1 ) (36)
2πi~ε ~ nos dá:
e, para a amplitude de transição hqN , tN |q1 , t1 i, com Z +∞ r
m
tN − t1 , finito, hqN , tN |q1 , t1 i = dqN −1
−∞ 2πi~ε
(N −1)Z im (qN − qN −1 )2
1
Z iεV
hqN , tN |q1 , t1 i = lim dqN −1 dqN −2 · · · × exp −
ε→0 A(ε) 2~ ε ~
Z N × hqN −1 , tN −1 |q1 , t1 i
Y i
× dq2 exp S(qj , qj−1 ) (37)
j=2
~ Fazendo a mudança de variável η = qN − qN −1 e
supondo qN → q e tN → t + ε, segue que
1
p m
com A(ε) = 2πi~ε , e os pontos do espaço-tempo (qN , tN )
e (q1 , t1 ) fixos. r Z +∞
A expressão (37) é usualmente escrita como: m
hq, t + ε|q1 , t1 i = dη
Z qN 2πi~ε −∞
i
hqN , tN |q1 , t1 i = D[q(t)] exp imη 2
S[q(t)] iε
q1 ~ × exp − V hq − η, t|q1 , t1 i
Z qN Z tN 2~ε m
i (40)
= D[q(t)] exp Lc (q, q̇) dt
q1 ~ t1
(38) O fator exp imη
2
oscila de forma muito rápida com
2~ε
e denominada Integral de Trajetória de Feynman. Na η uma vez que ε é infinitesimal e ~ é uma constante
equação (38) tem-se a expressão: pequena. Quando uma função que oscila rapidamente
multiplica uma função bem comportada como o bra-
Z qN m (N2−1) Z ket hq − η, t|q1 , t1 i a integral tende a se anular devido à
D[q(t)] = lim dqN −1
q1 ε→0 2πi~ε variação aleatória da fase da exponencial. Daı́ a contri-
Z Z buição efetiva vem da região onde a fase é estacionária; no
× dqN −2 · · · dq2 (39) presente caso é o ponto η = 0, sendo justificável expandir
hq − η, t|q1 , t1 i em potências de η. Também é justificável
expandir hq, t + ε|q1 , t1 i e exp − iεV
definindo uma nova medida no sentido matemático e m em potências de ε,
significando integrar sobre todas as trajetórias indo do o que resulta em:
ponto (q1 , t1 ) ao ponto (qN , tN ) fixos, tN − t1 finito.
Z +∞
Um fato a observar é que, de hq 00 , t|q 0 , t0 i com
r
∂ m
hq, t|q1 , t1 i + ε hq, t|q1 , t1 i = dη
|q , t0 i e hq 00 , t| auto-ket e auto-bra do operador posição
0
∂t 2πi~ε −∞
na descrição de Heisenberg, tem-se hq 00 , t|q 0 , t0 i =
imη 2
Vε
hq 00 |e− ~ Ht e ~ Ht0 |q 0 i = hq 00 |e− ~ H(t−t0 ) |q 0 i que é uma das
i i i
× exp 1−i + ...
2~ε ~
expressões do propagador K(q 00 , t; q 0 , t0 ). Assim alguns 2 2
autores [21] ao discutir o método de Feynman dão ênfase η ∂
× hq, t|q1 , t1 i + hq, t|q ,
1 1t i + . . .
ao cálculo do propagador e suas propriedades. No pre- 2 ∂q 2
sente volume da RBEF, o conceito de propagador aparece (41)
nos trabalhos de Pleitez e Aguilar.
já que o termo linear η é nulo quando integrado. Por
4.1. A formulação de Feynman e a equação de outro lado
Schrödinger Z +∞
imη 2
r
2πi~ε
dη exp =
Para analisar a equivalência da formulação de Feynman −∞ 2~ε m
com a formulação de Schrödinger, busca-se mostrar que
a expansão de Feynman para hqN , tN |q1 , t1 i satisfaz a e
+∞ 32
imη 2 √
Z
equação de Schrödinger dependente do tempo com relação i~ε
às variáveis qN e tN . dη η 2 exp = 2π
−∞ 2~ε m
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0373 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 4, e4206, 2018
e4206-8 Feynman e as Integrais de Trajetória
o que nos dá, substituindo esses valores na relação (41) qa a qc e de qc a qb , sendo possı́vel somar sobre todas as
e mantendo os termos lineares em ε, a equação trajetórias de a para c e de c para b. Tem-se então, após
3 efetuada a soma sobre todas as trajetórias de a a c,
m √ i~ε 2
r
∂
ε hq, t|q1 , t1 i = 2π Z Z b
∂t 2πi~ε m i
ϕ(b, a) = exp S[b, c] ϕ(c, a)D[q(t)] dqc
1 ∂2 qc c ~
× hq, t|q1 , t1 i
2 ∂q 2
e somando sobre as trajetórias de c a b,
i
− εV hq, t|q1 , t1 i Z
~
ϕ(b, a) = ϕ(b, c)ϕ(c, a) dqc (42)
ou ainda qc
~2 ∂2
∂ ou seja, as amplitudes para os eventos que ocorrem em
i~ hq, t|q1 , t1 i = − hq, t|q1 , t1 i
∂t 2m ∂q 2 sucessão se multiplicam de acordo com a eq. (42).
+ V hq, t|q1 , t1 i
que é a equação de Schrödinger dependente do tempo.
5. Considerações finais
Concluindo essa seção frisarı́amos, com as ref. [21,
Neste trabalho, visando preencher uma possı́vel lacuna
23, 27], quatro pontos: (i) a definição do fator de nor-
na literatura, apresentamos uma breve revisão sobre
malização A(ε) não é um problema fácil e não se sabe
pontos considerados básicos, para o desenvolvimento rea-
como resolvê-lo em termos gerais. O fator que aparece
lizado por Feynman, do método de integrais de trajetória.
na equação (36) normaliza a amplitude de transição, tem
Introduzimos com visão pedagógica o estudo de Dirac
um valor prático e com esse valor o limite da equação (37)
sobre analogias entre as mecânicas clássica e quântica. A
existe; (ii) a soma sobre todas as trajetórias, necessária
relação entre o desenvolvimento de Dirac e os postulados
para determinar a amplitude de transição ϕ(b, a) entre
apresentados por Feynman é então apontada. Através
dois pontos espaço-temporais (a, ta ) e (b, tb ), é outro con-
de um exemplo conhecido e simples, procuramos eluci-
ceito que ainda merece análise cuidadosa do ponto de
dar o método das integrais de trajetória e sua relação
vista matemático. Na realidade há diferentes formas de se
com a equação de Schrödinger dependente do tempo.
definir um subconjunto de trajetórias entre dois pontos
No Apêndice procuramos resumir os passos a seguir na
fixos; a definição a ser usada deve ser a melhor dentro de
aplicação do método das integrais de trajetória.
certos propósitos matemáticos. Muitos textos usam uma
notação geral escrevendo como indicado na equação (38)
Z b Agradecimentos
i
ϕ(b, a) = exp S[b, a] D[q(t)]
a ~ O autor agradece a Dra M. Graças R. Martins pela
leitura crı́tica e sugestões, a Dr. Marco C. B. Fernandes
com D[q(t)] representando a “medida de integração” ade- pelas sugestões e indicação de referências, a Dr. Vicente
quada ou, como dizem alguns autores, o desconhecimento Pleitez por comentário, ao Pedro D. Matos Pereira pela
da natureza precisa da “medida de integração”. Trabalhos digitação e aos editores Silvio R. A. Salins e Nelson
sobre a medida de integração podem ser encontrados nas Studart pelo convite para participar deste número da
ref. [21, 26]; (iii) a integral de ação, base de todo o desen- RBEF comemorativo do centenário de R. P. Feynman.
volvimento, aparece nas duas mecânicas mas de forma
diferente: na mecânica clássica
R t o que interessa é a forma
da integral de ação S = tab L(q, q̇, t) dt e sua variação. Material Suplementar
Já na teoria quântica, tanto a forma da integral quanto
o valor de seu extremo são de interesse; (iv) um aspecto O seguinte material suplementar está disponı́vel online:
importante é como são compostos eventos em sucessão. Apêndice
Para compreender essa composição, deve-se lembrar que,
se entre ta e tb houver um instante intermediário tc , a Referências
ação ao longo de qualquer trajetória entre a e b é dada
por [1] A. Messiah, Quantum Mechanics (North-Holland Publis
S[b, a] = S[b, c] + S[c, a] Comp, Amsterdan, 1973).
[2] L. Landau e E. Lifchitz, Mécanique Quantique (Editions
e em consequência teremos para a amplitude de transição
MIR, Moscou, 1966).
Z
i i [3] R. P. Feynman, Science 152, 699 (1966).
ϕ(b, a) = exp S[b, c] + S[c, b] D[q(t)], [4] E. Schrödinger, Collected Papers of Wave Mechanics
~ ~
(AMS Chelsea Publis, Providence, Island, 1982).
expressão que exprime o fato que é possı́vel considerar [5] W. Heisenberg, The Physical Principles of the Quantum
uma trajetória de a a b dividida em duas partes, i.e. de Theory (Dover, New York, 1950).
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 4, e4206, 2018 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0373
Viana e4206-9
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0373 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 4, e4206, 2018