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Laura Leal da Costa

Resolução de casos práticos de Contratos Civis

Introdução:
1. Ver se de facto é um contrato de doação (verificação dos 3 elementos);
2. Verificar a validade de substância (capacidade das partes) e forma.
3. Verificar a aceitação e proposta (prazos de caducidade; forma e dar a conhecimento
ao doador).
4. Efeitos do contrato de doação válido
5. Verificar a presença de alguma cláusula acessória
6. Verificar se a coisa doada é bem futuro/alheio/onerado/defeituoso/alvo de proibição
7. Possibilidade de revogação
8. Resolver o caso

NOTAS:
 Caso a doação seja nula por vício de forma ou proibições, esta invalidade pode ser
confirmada (artigo 968º).
 Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de Julho a partir desta data deixou de se exigir
escritura pública.

No caso em apreço, estamos perante um contrato de doação, tendo consagração no


artigo 940º e seguintes.
O artigo 940º determina que este consiste no “contrato pelo qual uma pessoa, por
espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de
um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”.
O ordenamento jurídico português, ao contrário do que fazem outros ordenamentos
jurídicos, qualificou expressamente a doação como um contrato. Não obstante, o carácter
contratual da doação não é absoluto, podendo ter carácter unilateral.
Posto isto, através do artigo 940º conseguimos depreender os elementos que compõem o
contrato de doação: atribuição patrimonial geradora de enriquecimento; diminuição do
património do doador; espírito de liberalidade.
O primeiro elemento que tem que estar presente para que estejamos perante um contrato
de doação corresponde a um ato que atribua a outrem uma concreta vantagem patrimonial,
isto é, o donatário tem de ser alvo de um incremento no seu património. Ora, esta vantagem,
como determina o artigo 940º do CC, pode consistir na disposição de uma coisa, de um direito,
ou a assunção de uma obrigação, sendo que também a remissão de dívidas do donatário,
referida no art. 863º, nº 2, integra o conceito de enriquecimento.
O conceito de enriquecimento para efeitos da doação não coincide, no entanto, com o seu
correspondente no enriquecimento sem causa, não sendo por isso relevante se o donatário poderia ter
obtido a aquisição por outra via ou se suportou através dela uma poupança de despesas. Essencial é
apenas que se verifique uma valorização do património do beneficiário, seja qual for a forma por que se
opere essa valorização.
O segundo elemento do contrato de doação de acordo com o preceito supramencionado
corresponde a uma diminuição do património do doador, como assiná-la a expressão “à custa
do seu património”. Supõe, deste modo, uma efetiva diminuição patrimonial na esfera do
doador, sem o que não se estará perante uma doação.
Daí que não seja qualificada como doação, mas antes como prestação de serviços gratuita (cfr. art.
1154º), o contrato pelo qual alguém apenas se obrigue a prestar um serviço a outrem. Efetivamente, a
prestação de serviços, na medida em que pressupõe apenas a atribuição do resultado do trabalho do
prestador, não vai implicar qualquer diminuição do seu património, pelo que não poderá ser qualificada
como uma doação.
Laura Leal da Costa

Também não é doação pelos mesmo motivos, mas antes comodato (art. 1129º) o contrato pelo
qual alguém concede a outrem o gozo gratuito de uma coisa, uma vez que neste caso a entrega da coisa
não afeta a substância do património do comodante, implicando apenas a renúncia a uma eventual
contrapartida económica.
Por fim, para que possamos considerar um contrato como doação é necessário a existência
de espírito de liberalidade, isto é, que exista a intenção de atribuir o correspondente benefício
a outrem por simples generosidade ou espontaneidade, e não em qualquer outra intenção, no
entanto, esse fim pode concorrer com outros intuitos ou expectativas.
Efetivamente, apesar de o elemento da atribuição patrimonial geradora de enriquecimento dever
ser entendido em sentido objetivo, a lei acrescenta a este um elemento subjetivo que é o de que esse
enriquecimento seja determinado espontaneamente por intenção do próprio doador.
Por último, o espírito de liberalidade consiste no fim direto de atribuir um benefício ao donatário,
provocando o seu enriquecimento, e que a doutrina tem identificado como a causa jurídica da doação.
Esse elemento não se presume, pelo que não poderá ser deduzido da simples gratuidade
do ato. Sempre que não seja visível o espírito de liberalidade, o ato não estará em condições
de ser qualificado como doação.
Destarte, in casu, estamos perante uma doação, estando preenchidos os três requisitos do
artigo 940º pois (...)

 Validade substância e forma


Ora, para que o contrato de doação possa produzir a totalidade dos seus efeitos terá de
ser um contrato válido e eficaz.
Para que seja válido substantivamente, as partes têm que ter plena capacidade negocial,
isto é, legitimidade para celebrar o contrato não se verificando alguma patologia que afete a
sua vontade de contratar. * remissão para a parte da capacidade

Por seu turno, para que seja válido a nível de forma, a regra geral encontra-se consagrada
no artigo 947º, sendo o contrato de doação, normalmente, um contrato formal, isto é, sujeito
a forma especial.
Deste modo, caso o objeto da doação seja um bem imóvel, o nº1 do preceito
supramencionado determina que o contrato só é válido se for celebrado por escritura pública
ou documento particular autenticado, sendo esta regra extensível a todos os atos que
importem reconhecimento, constituição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de
propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis e aos atos
de alienação, repúdio e renúncia de herança ou legado, de que façam parte coisas imóveis (art.
22º a) e c) do D.L. 116/2008, de 4 de Julho e art. 2126º, nº 1, na redação daquele diploma).
A doação de bens imóveis pode, porém, ainda ser realizada através do procedimento especial
de transmissão, oneração e registo de imóveis, constante do D.L. 263-A/2007, de 23 de Julho e da
Portaria 794-B/2007, de 23 de Julho, que foi estendido à doação de prédios pelo art. 1º da Portaria
67/2010, de 3 de Fevereiro.
Conforme dispõe o art. 8º, nº 3 do D.L. 263-A/2007, os negócios jurídicos celebrados nos
termos deste decreto-lei estão dispensados de formalização por escritura pública quando esta seja
obrigatória nos termos gerais. Neste caso, os interessados iniciam o procedimento formulando o seu
pedido junto do serviço do registo competente, manifestando a sua opção por um dos modelos de
contrato (art. 6º D.L. 263-A/2007), sendo o serviço de registo que procede à elaboração dos
documentos que titulam os negócios, de acordo com o modelo previamente escolhido pelos
interessados (art. 8º, nº 1, b) D.L. 263-A/2007).
Respeitando o cotrato de doação a bens móveis, a lei exige forma escrita, contudo, esta
sofre uma exceção, não dependendo de formalidade alguma, quando ocorra a tradição da
coisa concomitantemente com o ato, como se pode depreender do nº2 do artigo 947º do
Código Civil
Laura Leal da Costa

A exigência de forma especial ou da formalidade da tradição da coisa justifica-se pela


necessidade de assegurar a seriedade da intenção do doador, evitando assim que um contrato
que lhe impõe um sacrifício patrimonial possa resultar de declarações precipitada.
Consequentemente, a inobservância da forma legalmente exigida gera a nulidade do
negócio, nos termos do artigo 220º.

 Efeitos do contrato de doação válido

Ora, tendo sido celebrado o contrato de doação válido este irá produzir efeitos, podendo
ser tanto um contrato obrigacional como real quoad effectum, isto é, pode reunir estas duas
características tanto isolada como conjuntamente.
A situação mais comum é a doação ser tanto um contrato real quoad effectum como obrigacional,
na medida em que se transmite a propriedade da coisa ou a titularidade do direito para o donatário (art.
954º a)), ao mesmo tempo que se onera o doador com a obrigação de entregar a coisa (art. 954º b)).
Mas a doação pode ser um contrato estritamente obrigacional, se o doador se limitar a assumir
uma obrigação em benefício do outro contraente (art. 940º in fine e 954º c)) (por exemplo se alguém
perdoar uma dívida).
Para além disso, a doação pode ser real quoad effectum sem gerar quaisquer obrigações, como
sucederá numa doação manual de coisas móveis.
No caso em apreço estamos perante um contrato de doação (...) quoad effectum pois (...)

A doação é um contrato nominado, uma vez que a lei o reconhece como categoria jurídica, definindo-o no art.
940º, e típico porque lhe estabelece um regime, nos arts. 940º a 979º do Código Civil.
A doação é, regra geral, um contrato formal, já que o art. 947º, nº 1, na redação do D.L. 116/2008, de 4 de
Julho, sujeita a doação de coisas imóveis à forma de escritura pública ou documento particular autenticado, sem
prejuízo do disposto em lei especial.
O artigo 947º, nº 2 determina para a doação de móveis a forma escrita. Esta última forma é dispensada,
no caso de a doação de coisas móveis ser acompanhada de tradição da coisa doada, caso em que a celebração do
contrato e a sua execução ocorrem simultaneamente, deste modo, a doação de bem móvel só deixa de ser um
contrato formal quando é acompanhada da entrega da coisa (traditio).
A doação pode considerar-se um contrato primordialmente consensual (e não real quoad constitutionem),
uma vez que a lei prevê expressamente a existência de uma obrigação de entrega por parte do doador (art. 954º
b)), o que significa que não associa a constituição do contrato à entrega da coisa, admitindo a sua vigência antes de
a coisa ser entregue.
Assim, a doação é celebrada enquanto negócio produtor de efeitos perfeito só com a emissão das
declarações de vontade, produzindo logo a totalidade dos efeitos pela mera declaração de vontade das partes.
Essa situação é, no entanto, excetuada em relação à doação verbal de coisas móveis, cuja validade faz
depender da ocorrência concomitante da tradição da coisa doada, o que implica constituir esta um contrato real
quoad constitutionem. Assim, nestes casos, a doação é um negócio real quanto á constituição pois só será perfeita
se a coisa for acompanhada da sua entrega, isto é, só produz a totalidade dos seus efeitos se for entregue.
A doação tanto pode ser um contrato obrigacional como real quoad effectum, podendo reunir estas duas
características tanto isolada como conjuntamente.
A situação mais comum é a doação ser tanto um contrato real quoad effectum como obrigacional, na medida
em que se transmite a propriedade da coisa ou a titularidade do direito para o donatário (art. 954º a)), ao mesmo
tempo que se onera o doador com a obrigação de entregar a coisa (art. 954º b)).
Mas a doação pode ser um contrato estritamente obrigacional, se o doador se limitar a assumir uma obrigação
em benefício do outro contraente (art. 940º in fine e 954º c)) (por exemplo se alguém perdoar uma dívida).
Para além disso, a doação pode ser real quoad effectum sem gerar quaisquer obrigações, como sucederá numa
doação manual de coisas móveis.
A doação é um contrato gratuito, uma vez que nele não existe qualquer contrapartida pecuniária em relação à
transmissão dos bens ou à assunção de obrigações, importando assim apenas sacrifícios económicos para uma das
partes: o doador.
A onerosidade nem sequer se verifica em relação à doação com encargos (art. 963º), dado que o encargo não
constitui uma contrapartida da atribuição patrimonial do doador, sendo antes uma mera restrição à liberalidade.
Sendo um contrato gratuito, a doação é naturalmente também um contrato não sinalagmático, uma vez que
só faz surgir obrigações para uma das partes, não surgindo relação de correspetividade entre o comportamento do
doador e do donatário.
A doação é normalmente um contrato de execução instantânea, uma vez que a atribuição patrimonial do
doador não tem, em princípio, o seu conteúdo e extensão delimitado em função do tempo.
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No art. 943º, a lei admite, porém, a possibilidade a doação abranger prestações periódicas, caso em que
naturalmente estaremos perante um contrato de execução periódica (por exemplo: quando aquilo que é doado é
um crédito que vence todos os meses).

Objeto do contrato de doação

 Doação de bens futuros


A lei, no artigo 942º, nº 1, estabelece uma restrição às entidades que podem ser
objeto do contrato de doação referindo que não pode abranger bens futuros.
Tal restrição visa acautelar a situação do doador por ser do conhecimento comum que
é mais fácil prescindir de algo que ainda não se adquiriu do que prescindir de algo que já
componha o nosso património, podendo o doador celebrar uma doação relativamente a bens
que ainda não adquiriu, contando adquiri-los em momento futuro, não estando
completamente ciente das implicações do seu ato, podendo vir a arrepender-se aquando da
futura aquisição do bem.
Para além disso, uma doação de bens futuros nem sequer corresponderia ao conceito
do art. 940º, uma vez que, face a este, a doação implica uma diminuição do património do
doador, coisa que não se verifica se ele se limitar a prescindir de um bem que ainda não
adquiriu.
Contudo, nos termos do art. 942º, nº 2, a proibição da doação de bens futuros não
abrange, no entanto, o caso em que a doação incide sobre uma universalidade de facto que
continue no uso e fruição do doador, caso em que se consideram doadas, salvo estipulação em
contrário, as coisas singulares que vierem a integrar a universalidade.

Capacidades (formação de contrato de doação)

O contrato de doação está sujeito a regras diferentes para a sua formação do que as que
vigoram para o comum dos negócios jurídicos. Assim, a proposta da doação não caduca pelo
decurso dos prazos fixados no art. 228º.
Deste modo, o recetor de uma proposta de doação, não tem o dever de a aceitar logo a
proposta de doação podendo vir a fazê-lo muito mais tarde só caducando com a morte do
doador como estabelece o artigo 495º do Código Civil. Não obstante, enquanto a proposta de
doação não for aceite o doador pode proceder à sua revogação (art. 969º), extinguindo a
possibilidade de o donatário proceder à sua aceitação.
Contudo, há certas formalidades a cumprir, deste modo, a aceitação da doação está sujeita
à forma exigida para o contrato (art. 945º, nº 3). Tratando-se de coisas imóveis, terá por isso a
aceitação que constar de escritura pública ou documento particular autenticado (art. 947º, no
1). Tratando-se de coisas móveis, se não se tiver verificado a tradição da coisa para o
donatário, a aceitação terá que constar de documento escrito (art. 947º, nº 2).
Uma vez emitida a aceitação, esta terá que ser declarada ao doador sob pena de não
produzir os seus efeitos (art. 945º, nº 3). O contrato só se considera concluído com a receção
ou conhecimento da aceitação pelo doador (art. 224º, nº 1), até lá, quer o doador, quer o
donatário podem revogar a sua declaração, não sendo inclusivamente admissível a renúncia a
esta faculdade.
O art. 969º, nº 1, impõe que a revogação da proposta da doação observe as formalidades
desta, mas não parece excluir que ela seja efetuada tacitamente, como na hipótese de o
doador tornar a dispor dos bens doados.
Pode também se verificar a caducidade, quer da proposta quer da aceitação da doação,
por morte de qualquer dos declarantes ou destinatários. Aqui é derrogada a regra geral do art.
231º, dado que na doação, em face do seu cariz intuito personae os herdeiros do doador não
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ficam vinculados pela proposta do autor da sucessão, nem os herdeiros do donatário estão em
condições de aceitar a doação, dado que a liberalidade não lhes era dirigida.
Se se tiver verificado a tradição da coisa móvel para o donatário, ou do seu título
representativo, a receção por este do objeto doado é considerada como aceitação, não sendo
assim necessária a prática de mais qualquer ato.
Já em caso de doação pura feita a incapaz (art. 951º, nº 2) ou a nascituro (art. 952º) o
contrato produzirá efeitos mesmo sem a aceitação. Em qualquer destes casos, uma vez que a
doação já se considera definitivamente concluída, não caducará por morte do doador nem
este poderá posteriormente revogar a proposta.

Ora a lei prevê regras especiais em relação à capacidade para efetuar doações (capacidade
ativa) ou para receber doações (capacidade passiva), tendo consagração no artigo 948º e
seguintes.
No que respeita a capacidade ativa, o art. 948º, nº 1, equipara a capacidade ativa nas
doações à capacidade contratual geral “todos os que podem contratar e dispor dos seus bens”,
assim, ficam excluídos os menores (arts. 122º e ss.) e os maiores acompanhados (arts. 138º e
ss.), sendo que do nº2 deste artigo depreendemos que, no âmbito da doação, a incapacidade
não pode ser suprida pelo poder paternal; pela tutela ou pela representação legal do
acompanhado; ou mesmo com a autorização do Ministério Público.
Esta solução que bem compreende-se, dado que a realização de doações pelos representantes
legais se apresentaria como contrária à natureza da doação que, sendo um negócio determinado por
espírito de liberalidade, é de cariz essencialmente pessoal, tendo assim que ser realizada pelo próprio
doador.
Para além disso, uma doação por representante legal apresentar-se-ia como contrária à própria
natureza do negócio, uma vez que seria o representante a atuar com espírito de liberalidade e,
portanto, quem se assumiria como doador, mas a diminuição patrimonial correspondente ocorreria
antes noutro património, o do seu representado.
O artigo 948º/2 estabelece que a capacidade é regulada pelo estado em que o doador se
encontrar ao tempo da declaração negocial. Assim, sendo que a proposta de doação apenas
caduca com a morte do doador, podem ocorrer alterações na capacidade do doador, contudo,
a lei apenas considera relevante esse momento para auferir a capacidade do doador.

No que respeita a capacidade passiva nas doações o artigo 950º determina que há uma
situação de capacidade genérica para a receção de doações sendo que esse ato é considerado
de mera administração, já que dele resulta sempre o enriquecimento do donatário.
A lei exclui apenas os casos em que seja legalmente estabelecida uma inibição especial
para a aceitação de doações, mas tal apenas se encontra prevista para a indisponibilidade
relativa nas doações (arts. 953º e 219º e ss.), o que corresponde, não a uma situação de
incapacidade, mas antes a proibições específicas de doação entre pessoas determinadas.

Assim, em relação às doações puras, livres de qualquer encargo, feitas a incapazes, a lei
estabeleceu que elas produzem efeitos independentemente de aceitação em tudo o que
aproveitar ao donatário (art. 951º, nº 2). Não há assim neste caso necessidade de intervenção
do representante legal, ou sequer de aceitação por parte do menor ou do maior acompanhado
para que este venha a adquirir o objeto da doação.
A doação pura a incapaz é assim no nosso Código um negócio jurídico unilateral,
produzindo todos os seus efeitos, incluindo a transmissão da propriedade para o donatário,
com base apenas na declaração negocial do doador.
No entanto, após a realização da doação, os bens doados passam a ser administrados pelo
representante legal, a menos que a doação tenha sido realizada contra a vontade deste ou que
o doador tenha determinado a exclusão dessa administração (art. 1888º, nº 1 b) e c), 1935º, nº
Laura Leal da Costa

1, e 1971º, nº 1). Nestes casos, é lícito ao autor da doação proceder à designação de


administrador, mas apenas em relação aos bens compreendidos na liberalidade (art. 1968º).
Já em relação às doações com encargos, mantém-se a necessidade de aceitação, pelo que
a realização deste tipo de doação exige a intervenção dos representantes legais do donatário,
para aceitarem a doação em nome deste (art. 951º, nº 1).
Em face dos arts. 1889º nº 1), l) e 1938º, nº 1) a) e art. 4º do D.L. 272/2001, de 13 de
Outubro exige-se mesmo a autorização do Ministério Público para a prática deste ato por
intermédio dos representantes legais.

Cláusulas acessórias

 Reserva de usufruto
O artigo 98º do Código Civil consagra a cláusula acessória da reserva de usufruto, deste
modo, pode ser instituído pelo doador, quer a favor de si próprio, quer a favor de terceiro, o
usufruto dos bens doados. Ora, este artigo foi consagrado pelo legislador de maneira a não ser
questionada a admissibilidade desta cláusula.
O contrato de doação com reserva de usufruto a favor do doador necessita,
igualmente, de aceitação pelo donatário da doação da nua propriedade, tendo que ser feita
em vida do doador, nos termos gerais (art. 945º, nº 1), sendo que até à aceitação pode a
proposta ser revogada pelo mesmo.
No caso de reserva de usufruto a favor de terceiro, quer o nu proprietário, quer o
usufrutuário, terão que aceitar a doação em vida do doador, sem o que não adquirirão os
respetivos direitos.
O art. 958º, nº 2, refere ainda que, no caso de “haver reserva de usufruto a favor de várias
pessoas, simultânea ou sucessivamente, são aplicáveis as disposições dos arts. 1441º e 1442º”. Exige-se,
assim, que os donatários-usufrutuários, simultâneos ou sucessivos, existam ao tempo em que o direito
do primeiro usufrutuário se torne efetivo, o que exclui a possibilidade de atribuição destes usufrutos a
favor de nascituros, solução que se compreende, dado que por essa via se poderia contornar as
restrições à instituição de substituições fideicomissárias.
Para além disso, se o usufruto for instituído conjuntamente a favor de várias pessoas, só se
consolida com a propriedade por morte da última que sobreviver. Há, assim, um direito de acrescer
entre os usufrutuários, que implica que extinto o direito de um, seja reforçada a posição dos outros,
apenas se verificando a aquisição plena da propriedade com a extinção do último usufruto.

 Reserva do direito de dispor de coisa determina ou de certa quantia sobre os


bens doados.
No caso temos um contrato de doação com uma cláusula acessória de reserva do
direito de dispor de coisa determina, estando prevista no artigo 959º.
Ora, o doador pode reservar-se a faculdade de dispor, por ato inter vivos ou post
mortem, de qualquer objeto compreendido na doação ou de qualquer quantia sobre os bens
doados, ou seja, de uma parte específica do complexo material que constitui o objeto da
doação. Neste caso, o doador conserva uma faculdade potestativa de disposição, que lhe
permite restringir o objeto da doação.
A natureza dessa cláusula parece variar consoante esteja em causa o direito de dispor
de coisa determinada ou o direito a certa quantia sobre os bens doados.
No primeiro caso, a situação assemelha-se a uma condição resolutiva potestativa. A
reserva, embora não impeça o donatário de alienar a coisa, institui uma propriedade resolúvel
por arbítrio do doador em relação à coisa reservada.
Laura Leal da Costa

No segundo caso, a formulação é mais complexa pois a faculdade de disposição faz


surgir uma obrigação a cargo do donatário de pagar a referida quantia, parecendo por isso que
neste caso há antes lugar à instituição de um encargo sujeito à condição suspensiva
potestativa de exercício da faculdade de disposição. Daí que o donatário, não seja de acordo
com as regras gerais obrigado a satisfazer o encargo senão nos limites do direito doado.
A lei exige, porém, a determinação do objeto da reserva de disposição, seja através da
individualização da coisa, seja através da limitação da quantia, pelo que será nula a cláusula
que a estabeleça em termos indeterminados (qualquer coisa ou qualquer quantia).
Essa faculdade não se transmite aos herdeiros, pelo que caduca com a morte do
doador (art. 959º, nº 2). Tal compreende-se na medida em que nos negócios de liberalidade
deve atender-se especialmente à vontade do seu autor, para além de que a reserva institui
uma situação de incerteza sobre a titularidade dos bens doados, que não convém que seja
prorrogada excessivamente.
Para além disso, a reserva, quando respeite a coisas imóveis ou móveis sujeitos a
registo, carece de ser registada (art. 959º, nº2 in fine e 94º b) do C.R.P.). A consequência da
falta de registo parece ser, nos termos gerais, a ineficácia da reserva perante terceiros, não
impedindo o seu exercício entre as partes. Não sendo o bem sujeito a registo, parece que o
exercício da reserva pode ser livremente oponível a terceiros, dado que, no caso contrário, a
reserva perderia qualquer efeito prático.

 Cláusula de Reversão
No caso em apreço, estamos perante um contrato de doação com cláusula acessória de
reversão (clause de retour), estando esta consagrada no artigo 960º do Código civil.
Nos termos desta cláusula, o bem doado regressa à titularidade do doador em caso de
pré-decesso do donatário ou do donatário e seus descendentes, presumindo-se ser esta última
a solução aplicável, salvo estipulação em contrário (art 960º, nº 2).
Esta cláusula tem como fundamento que o doador ao doador o bem não desejava
estender a sua generosidade a todos os herdeiros e legatários do donatário, mas antes
pretende limitá-la a este ou, como a lei presume supletivamente, a ele e aos seus
descendentes, visando-se assim que o bem doado permaneça sempre naquela estirpe familiar.
Os efeitos desta cláusula são resolutivos, assim, se a morte do donatário, ou dele e seus
descendentes, se verificar antes da morte do doador, a cláusula resolve-se, tendo efeito
retractivo, pelo que a lei vem determinar que “os bens doados que pela cláusula de reversão
regressem ao património do doador passam livres dos encargos que lhes tenham sido
impostos enquanto estiverem em poder do donatário, ou de terceiros a quem hajam sido
transmitidos” (art. 961º). Atribui-se assim natureza real à reversão, não sendo esta afetada por
outros atos de disposição.
Haverá, no entanto, que tomar em consideração, quer a usucapião, quer a aquisição
prevista no art. 1301º a favor de terceiros de boa fé. No caso de se tratar de bens imóveis ou
de móveis sujeitos a registo, a cláusula de reversão terá que ser registada (art. 960, nº 3, e 94º
b) do C.R.P.), sem o que naturalmente não será oponível aos herdeiros ou legatários do
donatário, ou a quaisquer subadquirentes.

 Doação modal
No caso em apreço, estamos perante um contrato de doação onerado com encargo,
estando prevista a doação modal no artigo 963º, nº 1.
O modo ou encargo consiste numa restrição imposta ao beneficiário da liberalidade
que o obriga à realização de determinada prestação no interesse do autor da liberalidade, de
terceiro, ou do próprio beneficiário, podendo por isso, consoante os casos, revestir tanto a
natureza de uma obrigação em sentido técnico, como a de um mero ónus jurídico.
Só existe doação com encargos quando, apesar da realização do encargo, o donatário
ainda recebe um benefício que represente um valor superior àquele que se obrigou a
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despender em consequência dos encargos, o que implica não representarem estes uma
contraprestação pelo recebimento da doação, mas antes uma restrição ao benefício dela
resultante.
Uma vez que funciona como uma restrição à liberalidade e não como uma
contraprestação, o encargo fica limitado ao valor da própria liberalidade, estabelecendo por
isso o art. 963º, nº 2 que o donatário não é obrigado a cumprir os encargos senão dentro dos
limites da coisa ou do direito doado. Assim, o encargo não pode superar o valor da doação,
podendo inclusivamente, de acordo com a regra do art. 398º, nº 2, não ter valor patrimonial,
bastando que corresponda a um interesse digno de proteção legal, para o seu beneficiário ou
mesmo para o próprio doador.
Neste caso o encargo a que o donatário foi sujeito corresponde (...)
O cumprimento do encargo pode ser exigido tanto pelo doador, os seus herdeiros, ou
qualquer interessado (art. 965º). Estabelece-se assim uma legitimidade difusa para exigir o
cumprimento da obrigação, derrogando-se as regras gerais que apenas atribuem essa
legitimidade ao credor (arts. 817º e ss.).
Na doação com encargos, independentemente de o doador, seus herdeiros, ou
qualquer pessoa interessada no cumprimento, serem ou não credores do encargo, têm a
possibilidade de exigir do donatário o seu cumprimento.
Caso o encargo não venha a ser cumprido, quer o doador, quer os seus herdeiros
poderão resolver a doação, mas apenas se esse direito lhes tiver sido conferido pelo contrato
(art. 966º). Não é, assim, qualquer interessado que pode requerer a resolução da doação,
sendo a legitimidade para esse efeito limitada ao doador e seus herdeiros, e depende da sua
instituição por cláusula contratual.
Ao contrário do que se prevê no art. 436º, parece que a resolução da doação terá que
ser realizada judicialmente. Para poder determinar a resolução, o incumprimento do encargo
terá necessariamente que ser culposo, não havendo assim lugar à resolução em caso de
impossibilidade de cumprimento não culposa.

o Encargos impossíveis ou contrários à lei


Os encargos não podem, porém, ser impossíveis, contrários à lei, à ordem pública ou
ofensivos dos bons costumes. Se forem físicas ou legalmente impossíveis, consideram-se não
escritos e não prejudicam o donatário, salvo declaração em contrário. Se forem contrários à
lei, à ordem pública ou ofensivos dos bons costumes, consideram-se igualmente não escritos,
ainda que o testador tenha declarado o contrário, salvo se se puder concluir que a doação foi
essencialmente determinada por esse fim, caso em que será integralmente nula (cfr. arts.
967º, 2245º, 2230º e 2186º).

 Doação sujeita a condição


O contrato de doação em apreço está sujeito a uma cláusula acessória de condição,
sendo que apesar de não ter consagração expressa na lei é admissível, sendo-lhe aplicável
diretamente o regime geral da condição previstos nos artigos 270º e seguintes.
Assim, nos termos gerais, as condições na doação podem ser: suspensivas; positivas;
negativas, casuais; potestativas; mistas; resolutivas.
A sua verificação tem eficácia retractiva (art. 276º) e o negócio na pendência da
condição é regulado pelos arts. 272º e ss.

o Condição física, legalmente impossível; contrária à lei; ordem pública; ofensiva aos
bons costumes.
Laura Leal da Costa

Não obstante, há uma exceção à aplicação do regime geral da condição, que resulta do
artigo 967º.
Este determina que as condições (ou encargos) física ou legalmente impossíveis,
contrários à lei, à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes ficam sujeitos às regras
estabelecidas em matéria testamentária, determinando neste caso a aplicação à doação do
regime do testamento em substituição do regime geral da condição.
Consequentemente, em sede de doação, não se aplica o disposto no art. 271º ( nulidade
de todo o negócio subordinado a uma condição contrária à lei, à ordem pública, ou ofensiva dos bons
costumes, e também considera nulo o negócio subordinado a condição suspensiva física ou legalmente
impossível, apenas se admitindo a sua validade se ele for subordinado a condição resolutiva física ou
legalmente impossível, caso em que é a condição resolutiva que se considera não escrita ), vigorando o
regime do art. 2230º, que não faz afetar de nulidade estas doações. Assim, se a condição for
física ou legalmente impossível, consideram-se como não escritas e não prejudicam o
donatário, salvo declaração em contrário.
Se forem contrárias à lei, à ordem pública ou ofensivas dos bons costumes,
consideram-se igualmente não escritas, ainda que o donatário tenha declarado o contrário,
salvo se se puder concluir que a doação foi essencialmente determinada por esse fim, caso em
que será integralmente nula (cfr. art. 2186º).
No entanto, mesmo em relação às doações nulas, admite-se a sua confirmação pelos
herdeiros do donatário nos termos do já referido art. 968º.
Entre as condições proibidas, e que por isso se consideram como não escritas temos as de
“residir ou não residir em certo prédio ou local, de conviver ou não conviver com certa pessoa, de não
fazer testamento, de não transmitir a determinada pessoa os bens deixados ou de não os partilhar ou
dividir, de não requerer inventário, de tomar ou deixar de tomar o estado eclesiástico ou determinada
profissão e as cláusulas semelhantes” (art. 2232º).
Dessarte, consideram-se proibidas as condições que restrinjam consideravelmente a
liberdade do donatário que, para receber a doação, se veria forçado a perder a liberdade de
escolher livremente a sua residência, as pessoas das suas relações, a possibilidade de dispor dos seus
bens, a sua liberdade religiosa e a liberdade de escolha da profissão. É, por isso, compreensível que a lei
venha excluir este tipo de doações, considerando-as não escritas, ainda que o doador tenha declarado o
contrário. Outra condição legalmente vedada é a condição de casar ou não casar (art. 2233º, nº 1).
Efetivamente, a liberdade matrimonial constitui um princípio fundamental do nosso Direito da
Família pelo que ninguém pode ser constrangido a celebrar ou não celebrar o casamento, sendo nula
qualquer condição referente a esse facto. O art. 2233º, nº 2, considera, todavia, válida a doação de
usufruto, uso, habitação, pensão ou outra prestação contínua ou periódica para produzir efeito
enquanto durar o estado de solteiro ou viúvo do donatário.
Apesar de a lei não o referir expressamente, parece ser também de admitir este tipo de
doações enquanto se mantiver a condição de divorciado do donatário. Há, no entanto, um caso especial
de condição que, se for estabelecida, provoca a nulidade da própria disposição e não apenas a
consideração como não escrita da condição. Trata-se da condição captatória, referida no art. 223ºo, e
que consiste na condição de que o donatário faça igualmente uma disposição, a favor do doador ou de
outrem.
Efetivamente, a doação tem que ser realizada por espírito de liberalidade, não
fazendo, por isso, sentido que se mantenha, quando é determinada antes pela intenção de
obter uma outra disposição, desta vez em benefício do doador ou de terceiro. Aplicar-se, no
entanto, também neste caso o disposto no art. 968º. A estipulação de uma condição
suspensiva ou resolutiva na doação está sujeita a registo, nos termos do art. 94º b) CRP.

Proibições (indisponibilidade relativa)

Introdução
Laura Leal da Costa

A lei prevê várias proibições de celebração de doações, tendo estas, contudo, um regime
mais brando do que no âmbito do contrato de compra e venda, sendo a matéria mais
simplificada. As proibições são tratadas na doação como casos de indisponibilidade relativa.
O legislador quis tratar destes problemas nos mesmos termos em que são tratadas as
proibições de disposições testamentárias, o que se percebe, pois, são as duas feitas a título
gratuito. O legislador fez isso pelo paralelismo entre o espírito de liberalidade presente nas
duas. Assim, o art. 953º vem estabelecer que é aplicável às doações, devidamente adaptado, o
disposto nos artigos 2192º a 2198º.
O 953º faz esta remissão sendo essas normas aplicadas com as devidas adaptações, apesar
da natureza da liberalidade das duas, não podemos esquecer que a doação é um contrato
enquanto que o testamento não o é.

 Doações a favor de tutor, administrador legal de bens, ou protutor que


substitua o tutor, ou acompanhante

No caso em apreço, descrito no enunciado, temos uma situação que consubstancia


uma proibição, concretamente, a proibição presente no artigo 2192º por remissão do artigo
953º do Código Civil.
O artigo 2192º prevê a proibição de doações efetuadas por incapaz a favor dos pais, do
tutor, curador ou administrador legal de bens, bem como a favor do protutor, se tiver alguma
vez exercido as funções de tutor, ou ao seu acompanhante no caso dos maiores
acompanhados.
Esta proibição tem como fundamento o estado de vulnerabilidade dessas pessoas,
sendo que só através das outras conseguem ver superada a incapacidade, tendo grande
influência, assim, pretendeu-se evitar o risco de que uma pessoa que tem um influencia sobre
o incapaz possa utilizá-la para obter benefícios que de outro modo não auferiria.
O acompanhado é incapaz, sendo que acordo com as regras gerais nunca poderia doar,
sendo o negócio anulável, contudo, a solução neste artigo é mais grave que a anulabilidade,
gerando a nulidade do contrato, surgindo aqui o cerne desta proibição.
Além disso, essas doações são nulas mesmo depois de já ter cessado o motivo para o
acompanhamento. Trata-se de uma proibição de que se mantém findo o acompanhamento. Os
arts. 2192º e 953º estabelecem a proibição de os maiores acompanhados fazerem doação a
favor do seu acompanhante ou administrador legal de bens, ainda que estejam aprovadas as
respetivas contas, considerando nulas estas mesmas doações, mesmo que já se tivesse
verificado a extinção da incapacidade (art. 2192º, nº 1).
Serão, porém, válidas essas disposições (pressupondo-se a respetiva capacidade)
quando se trate de descendentes, ascendentes, colaterais até ao terceiro grau, cônjuge do
doador ou pessoa com quem este viva em união de facto (art. 2192º, nº 2).

Neste âmbito, há que considerar não apenas a proibição do art. 2192º, aplicável às
doações por força do art. 953º, mas também o disposto no art. 1937º a) que abrange
igualmente esta situação.
Assim, em relação aos menores, a proibição de o tutor “receber do pupilo,
diretamente ou por interposta pessoa, quaisquer liberalidades, por ato entre vivos ou por
morte, se tiverem sido feitas depois da sua designação e antes da aprovação das respetivas
contas, sem prejuízo para as deixas testamentárias no nº 2 do art. 2192º (art. 1937º c)).
Esta proibição é extensiva ao administrador de bens, por força do art. 1971º, nº 1 e
também parece dever sê-lo em relação ao protutor, sempre que este substitua o tutor (art.
1956º b)).
A sanção para este ato será a nulidade da doação, nos termos do art. 294º. Daqui
resulta que, se a tutela ou a administração legal de bens for efetuada em relação a um menor,
a doação não é proibida se for realizada depois de o menor atingir a maioridade e já estiverem
Laura Leal da Costa

aprovadas as respetivas contas. Mesmo que não estejam aprovadas as contas, parece que a
doação também não será proibida se for efetuada a favor dos familiares referidos no nº 2 do
art. 2192º.
A indisponibilidade relativa a favor destas entidades tem assim um conteúdo diferente,
consoante se trate de menores ou antes de maiores acompanhados.
No primeiro caso, a indisponibilidade relativa dura apenas até à aprovação das contas
pelo tutor, curador, administrador legal de bens ou protutor, quando substitua algumas destas
entidades.
No segundo caso, mantém-se mesmo após essa aprovação das contas pelo
acompanhante ou administrador legal de bens.

 Doação a favor de médicos, enfermeiros ou sacerdotes

No caso em apreço, descrito no enunciado temos uma situação que consubstancia uma
proibição, concretamente, a proibição presente nos artigos 2194º e 2195º por remissão do
artigo 953º do Código Civil. Assim encontra-se estabelecida a proibição de doações,
diretamente ou por interposta pessoa a médicos, enfermeiros e sacerdotes.
O legislador previu esta proibição com fundamento de que a doença coloca o autor da
liberalidade numa posição de especial fragilidade perante estas pessoas, pelo que se deve
exigir que ela seja realizada fora desse período ou que essa intenção seja mantida em data
posterior.
Aplicando esta norma com adaptações à doação, verifica-se a sua nulidade sempre
que se verifiquem dois elementos, ou seja, a doação seja celebrada durante um período de
doença a favor do médico, enfermeiro que o tratar ou de um sacerdote que lhe prestar
assistência espiritual; o doador venha a morrer desta.
Apesar da discordância doutrinal, o curso defende que ao contrário do que sucede
com o testamento, não parece que na doação se deva exigir que o doador venha a falecer da
doença bastando que a doação tenha sido celebrada durante esse período, uma vez que o
testamento só produz efeitos com a morte do testador, podendo ser revogável livremente
atºe esse momento, enquanto que o contrato de doação produz efeitos logo no momento de
aceitação da proposta, não podendo ser posteriormente revogada, exceto em raros casos de
ingratidão do donatário (artigo 970º e seguintes9,
Concluímos, assim, que serão consideradas nulas todas as doações efetuadas durante
o período de doença do doador a favor destas pessoas, independentemente de o doador vir a
falecer da doença ou não. Caso a doação seja realizada após a cura do doador esta já será
considerada válida, pelo que também nada impedirá de reiterar a liberalidade, celebrando
novo contrato de doação após a sua cura.

Perturbações do contrato de doação

 Doação de bens alheios


No caso em apreço, como já foi supramencionado, estamos perante um contrato de
doação, contudo, há uma particularidade neste caso, sendo que estamos perante uma
perturbação da prestação no contrato de doação, uma vez que foi celebrado um contrato de
doação de bem alheio (artigo 956º do Código Civil).
A doação de bens alheios constitui a mais grave perturbação no âmbito do contrato de
doação, sucedendo que o doador só pode doar coisas própria, não podendo sequer a doação
abranger bens futuros (art. 942º).
Laura Leal da Costa

Destarte, uma das características dos contratos gratuitos é a moderação da


responsabilidade do doador pelos danos causados ao donatário em virtude de perturbações da
prestação, compreendendo-se, pois, a doação de bem alheio em princípio não provoca
empobrecimento ao donatário; para além disso, considera-se que seria severo considerar
como regra a responsabilização do doador quando este não recebe nada em contrapartida.
Portanto, o artigo 956º, nº 2 estabelece a regra geral da irresponsabilidade do doador
pelos prejuízos causados ao donatário, sendo que essa responsabilidade só se verificará se o
donatário estiver de boa fé, ou seja, a doação de bens alheios é nula, contudo, por motivos de
tutela da boa fé do donatário, o doador não pode opor a nulidade ao donatário de boa fé.
Tendo, igualmente, que se verificar algum dos seguintes factos: ter o doador assumido
expressamente a obrigação de indemnizar o prejuízo (exigindo-se declaração expressa); ter o
doador agido com dolo; ter a doação carácter remuneratório; ser a doação onerosa ou modal,
ficando neste caso a responsabilidade do donatário limitada ao valor dos encargos.
Ora, a regra geral da irresponsabilidade do doador pelos prejuízos causados pela
doação de bens alheios tem como fundamente que não recebendo o doador qualquer
contrapartida pelo bem doado, não deve ser sujeito à sanção da obrigação de indemnização,
sendo que, por outro lado, apesar de o donatário poder perder o bem, não vem a sofrer um
dano efetivo, na medida em que o seu património não diminui, apenas não se concretiza o
incremento patrimonial que lhe tinha sido prometido.
Em relação ao verdadeiro proprietário da coisa doada, o contrato será ineficaz,
enquanto res inter alios (cfr. art. 406º, nº 2).

Contudo, esta regra sofre, no entanto, algumas exceções:


A primeira consiste no facto de o doador se ter expressamente responsabilizado pelo prejuízo.
Exige-se uma declaração expressa, não bastando assim a prática de factos de onde possa tacitamente
inferir-se a declaração. Efetuando o doador essa declaração, torna-se controvertida a natureza da
doação.
Para alguns autores, trata-se de uma doação com um duplo objeto, estabelecido
alternativamente no contrato: a coisa doada, se ela não se tornar evicta, ou o montante do prejuízo
causado ao donatário em consequência da evicção no caso contrário.
Para outros, o facto de o doador assumir a responsabilidade pela evicção da coisa doada não
constitui uma doação em alternativa do bem ou de uma soma de dinheiro, mas antes a instituição de
uma garantia adicional que torna mais segura a liberalidade, e que se reconduz à promessa de entrega
de uma quantia igual ao dano causado pela evicção.
Esta assunção da responsabilidade não se presume, entendendo a doutrina que face à sua
importância para a determinação do conteúdo da atribuição donativa tem que ser declarada
expressamente pela forma exigida para o contrato de doação, seja em cláusula deste seja em ato
posterior.
Ora, o Dr. Pinto Monteiro diz estarmos perante uma obrigação com faculdade alternativa.
A segunda hipótese é a de o doador ter atuado com dolo, expressão que neste caso deve ser
entendida no sentido de ilícito intencional (ilícito culposo), nos termos do art. 483º. Abranger-se-ão aqui
quer os casos em que o doador visou intencionalmente com o seu comportamento causar ao donatário
o prejuízo da evicção da coisa doada, como no caso de o doador saber estar a doar um bem alheio ou,
após a doação, tornar a dispor do bem antes de o donatário proceder ao seu registo. Parece que, de
acordo com a regra geral do art. 487º deverá caber ao donatário a prova de que o doador atuou com
dolo. Neste caso, a responsabilidade do doador compreende-se, uma vez que visando ele
intencionalmente causar prejuízo ao donatário, justifica--se que responda por esses prejuízos.
A terceira hipótese é a de a doação ter carácter remuneratório. A responsabilidade pelo doador
pela evicção na doação remuneratória fundamenta-se no facto de não se justificar privar nesse caso o
donatário do valor do bem doado, dado que seria por essa via posto em causa o fundamento moral da
doação remuneratória, a gratidão do doador em relação ao donatário, que justifica uma maior
definitividade e certeza na atribuição patrimonial.
A quarta hipótese é a doação ser onerosa ou modal, ficando neste caso a responsabilidade do
doador limitada ao valor dos encargos. Também aqui se compreende a responsabilização, pois apesar
de não existir a correspetividade de prestações não é justo que, em consequência da evicção, o
Laura Leal da Costa

donatário fosse forçado a suportar os encargos através dos seus próprios bens e não por via da
aquisição da coisa doada, da qual por definição os ónus constituem um limite. É imputável no prejuízo
do donatário o valor da coisa ou do direito doado, mas não os benefícios que ele deixou de obter em
consequência da invalidade (art. 956º, nº 3).

Incluem-se assim na indemnização apenas os danos emergentes, no âmbito dos quais


o mais importante é a evicção da coisa doada, mas outros prejuízos ainda se poderão incluir
como o facto de o donatário ter tido que pagar ao proprietário uma quantia para conservar a
coisa doada, ou ter suportado despesas judiciais em consequência do litígio, ou ainda ter feito
benfeitorias na coisa doada.
A lei estabelece ainda que, não havendo lugar a indemnização, o donatário fica sub-
rogado nos direitos que possam competir ao doador relativamente à coisa ou direito doado
(art. 956º, nº 4). Assim se, por exemplo, o doador fez benfeitorias na coisa doada enquanto ela
esteve na sua posse o direito ao seu reembolso é transferido para o donatário em
consequência da doação.

 Doação de bens onerados ou de coisas defeituosas


No caso em apreço, como já foi supramencionado, estamos perante um contrato de
doação, contudo, há uma particularidade neste caso, sendo que estamos perante uma
perturbação da prestação no contrato de doação, uma vez que foi celebrado um contrato de
doação de bem onerado/ coisa defeituosa (artigo 957º do Código Civil).
O art. 957º vem ainda esclarecer que o doador não responde pelos ónus ou limitações
do direito, nem pelos vícios da coisa doada, a menos que se tenha expressamente
responsabilizado ou haja procedido com dolo.
O artigo 957º vem estabelecer a regra da irresponsabilidade do doador pelo ónus ou
limitações dos direitos, ou vícios da coia doada, compreendendo-se na medida em que, apesar
de haver uma redução do valor do bem doado, o donatário não deixa de obter um
enriquecimento patrimonial, não se justificando que o doador responda pela diminuição de
valor do bem que o donatário contava receber quando nada entrou no seu património, como
contrapartida desse valor. A coisa entra no património do donatário tal como é, sem que ele
possa reclamar pelos seus defeitos.
Esta regra sofre, no entanto, duas exceções, sendo a primeira o facto de o doador se
ter expressamente responsabilizado e a segunda o facto de ter atuado com dolo (art. 957º, nº
1).
Em relação à assunção de responsabilidade, a lei determina que ela tenha que ser
realizada por forma expressa. Não haverá assim responsabilização do doador se ela apenas se
puder deduzir de factos concludentes, exigindo-se antes uma declaração expressa no sentido
da responsabilização. Neste caso, o donatário sabe que no âmbito da generosidade do doador
se encontra ainda a indemnização por eventuais defeitos da coisa, pelo que poderá reclamá-la,
caso esses defeitos se verifiquem.
A outra hipótese é a de o doador ter atuado com dolo, sendo que, no entender do
curso dolo “revestirá em regra a forma de ocultação intencional dos vícios, com a intenção de
enganar o donatário”. Parece, no entanto, não bastar o simples animus decipiendi para
estabelecer a responsabilidade, exigindo-se antes que o doador tenha efetiva intenção de
prejudicar o donatário.

Revogação

 Revogação por ingratidão


Laura Leal da Costa

Coloca-se-nos a questão da possibilidade de revogação do contrato de doação,


estando o regime previsto nos artigos 969º e 970º do Código Civil.
A regra é que até à aceitação o doador pode livremente revogar a proposta de doação,
desde que observe as formalidades desta (art. 969º). No entanto, uma vez aceite a doação,
esta torna-se em princípio irrevogável, só sendo admitida a sua revogação, em caso de
ingratidão do donatário (art. 970º).
O artigo 974º vem-nos referir que “a doação pode ser revogada por ingratidão,
quando o donatário se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou quando se
verifique alguma das ocorrências que justificam a deserdação”.
Assim, apenas se admite a revogação por ingratidão se ocorrer, relativamente ao
donatário uma situação que, caso se verificasse em relação a um herdeiro, pudesse ser
qualificada como justificativa de indignidade sucessória (art. 2034º) ou de deserdação (art.
2166º).
Assim, relativamente às situações de indignidade, temos que o donatário poderia ver
revogada a doação por ingratidão nas seguintes situações: o donatário ter sido condenado
como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o doador ou
contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adotante ou adotado; ter o donatário sido
condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas,
relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior a dois anos, qualquer que
seja a sua natureza; ter o donatário, por meio de dolo ou coação, induzido o doador a fazer,
revogar ou modificar o testamento, ou disso o impedir; ter o doador dolosamente subtraído,
ocultado, inutilizado, falsificado ou suprimido o testamento, antes ou depois da morte do
doador, ou se ter aproveitado de algum desses factos.

Por sua vez relativamente às situações que justificam a deserdação, são igualmente
fundamentos de revogação da doação por ingratidão do donatário: a) Ter sido o donatário
condenado por algum crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do doador, ou do
seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adotante ou adotado, desde que ao crime
corresponda pena superior a seis meses de prisão; b) ter sido o donatário condenado por
denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas; c) ter o donatário, sem
justa causa, recusado ao doador ou ao seu cônjuge os devidos alimentos.
São esses os casos de revogação da doação por ingratidão do donatário taxativamente
previstos na lei. Fora destes casos não há possibilidade de revogação da doação, pelo que, por
muito que o doador se arrependa da liberalidade que fez, após a aceitação da mesma pelo
donatário já não poderá voltar atrás.
Refere, porém, o art. 975º certas situações, em que nem sequer se admite a possibilidade
de revogação por ingratidão do donatário. São elas: as doações para casamento; as doações
remuneratórias; o doador haver perdoado ao donatário.
As doações para casamento, previstas nos arts. 1753º e ss. são, conforme se referiu,
aquelas que são feitas a um dos esposados ou a ambos em vista do seu casamento. Estas
constituem uma modalidade específica de doações, que tem como causa jurídica o casamento,
pelo que são sujeitas a um regime especial (art. 1753º, nº 2), no qual se inclui a exclusão da
sua revogação por ingratidão do donatário. Também as doações remuneratórias não são
revogáveis por ingratidão do donatário.
O legislador entendeu que, tendo presidido à doação não o simples espírito de
liberalidade, mas ainda a intenção de remunerar os serviços recebidos pelo doador que não
tenham a natureza de dívida exigível (art. 941º), justificava-se excluir a possibilidade de
revogação por ingratidão do donatário.
Finalmente, a revogação por ingratidão extingue-se no caso de o doador haver perdoado
ao donatário, uma vez que seria um verdadeiro venire contra factum proprium admitir que
após ter declarado perdoar o donatário, o doador viesse revogar a doação. O perdão tem
Laura Leal da Costa

assim os efeitos de uma renúncia ao direito de revogar a doação, a qual é admitida desde que
realizada posteriormente à verificação da situação de ingratidão (cfr. art. 977º a contrario).
A ação de revogação da doação por ingratidão está sujeita a prazos específicos, referidos
no art. 976º. Efetivamente, dispõe esta norma que “a ação de revogação por ingratidão não
pode ser proposta, nem depois da morte do donatário, nem pelos herdeiros do doador, salvo o
caso previsto no nº 3 e caduca ao cabo de um ano, contado desde o facto que lhe deu causa
ou desde que o doador teve conhecimento desse facto”.
A revogação tem eficácia ex nunc da revogação, assim, os efeitos da revogação da doação
retrotraem-se à data da proposição da ação. Revogada a liberalidade, os bens doados são
restituídos ao doador ou aos seus herdeiros, no estado em que se encontram (cfr. artigo 978º,
nºs 1 e 2).
 Em relação a terceiros
Todavia, nos casos em que houve a alienação do bem doado rege o artigo 978º, nº 3,
segundo o qual o donatário deverá entregar o valor que este tinha ao tempo em que foi
alienado, acrescido dos juros legais a contar da proposição da ação.
Se em vez de alienação do apartamento, donatário, tivesse constituído a favor de terceiro
um direito real limitado, aplicar-se-ia o artigo 979º, o donatário teria de indemnizar o doador
pela diminuição do valor da coisa.

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