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A Comunicação publicitária, uma co-construção.

Uma tentativa de dissolução do divórcio entre a teoria e a técnica.

A questão da eficácia é subjacente, mesmo que raramente colocada de maneira


explícita, aos trabalhos de cunho teórico e às diferentes pesquisas realizadas sobre
o interesse do público pelos media. No campo estritamente publicitário, a eficácia é
o alicerce dos estudos e medidas de audiência e recall de campanhas, com
propósito de contribuir para avaliar a eficácia econômica da publicidade. A maioria
dos textos e relatórios produzidos objetiva explicar - e deste modo justificar - as
fortes somas investidas pelas empresas na publicidade.

A história das teorias sobre a comunicação permite melhor compreender o


movimento alternado entre duas concepções básicas, cada uma delas privilegiando
determinadas técnicas de pesquisa.

Um primeiro modelo define a comunicação como a transmissão de informações.


Neste caso, ressalta-se o poder do emissor (a passividade do receptor é mera
conseqüência). Baseado na teoria da informação, este modelo encontra-se na
origem do desenvolvimento de técnicas para a medida da eficácia econômica da
publicidade. Este período coincide com o crescimento acentuado dos orçamentos
destinados à publicidade e, por isso mesmo, a necessidade de justificar as fortes
somas investidas pelos anunciantes.

Até hoje a eficácia publicitária é medida, na maior parte do tempo, por indicadores
construídos já nesta época, baseados na economia (do crescimento nas vendas ao
budget-tempo dedicado pelos diferentes públicos aos meios de comunicação) ou na
psicologia (a memorização - o recall - dos produtos anunciados). Mas, para
estabelecer uma relação unívoca entre os anúncios e as vendas realizadas, tornava-
se necessário dar conta da recepção das mensagens pelos indivíduos.

É assim que, paralelamente aos estudos sobre a comunicação de massa, mas em


ruptura completa com o estatuto dos atores nesta teoria, a comunicação começa a
ser analisada como competência individual pelo interacionismo. Esta corrente teve
o mérito de chamar a atenção para a importância dos atores, definidos com
indivíduos sociais, e pelo acento colocado no processo de construção e na
importância do contexto para esta construção.

No entanto, nenhuma destas perspectivas permitiu estabelecer uma correlação


forte entre as somas investidas na publicidade e as vendas.

À eficácia econômica não demonstrada, vem se adicionar uma outra questão sobre
a natureza e o estatuto do anúncio publicitário no processo de comunicação. Aqui
ainda, exceto algumas correntes teóricas que afastam pura e simplesmente esta
questão em função de uma crença na transparência da linguagem, duas posições
principais podem ser identificadas. Por um lado, autores se sobressaem para
encontrar funções a esta forma de comunicação, indo até a concebê-la como
"religião do mundo moderno" (sic). Outros ainda se esforçam para colocar em
evidência o poder de influenciar o comportamento dos indivíduos do qual a
comunicação publicitária seria dotada.

É claro que, colocadas desta maneira, estas questões ultrapassam o problema tal
como ele aparece no setor publicitário. Neste setor, a importância econômica
subjacente à questão da eficácia da comunicação publicitária conduziu os
pesquisadores a tentativas, mais ou menos frutuosas, de respostas à seguinte

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questão: como pode o publicitário atingir o conjunto da população ou,
simplesmente, seu público-alvo? Na procura de um máximo de eficácia, os
publicitários querem saber porque há publicidades plebiscitadas por uma grande
maioria do público que "funcionam" e outras que "não funcionam".

Para o pesquisador que não se contenta com os simples resultados de uma tabela
de freqüências para explicar a comunicação publicitária, restringir a análise deste
processo aos efeitos puramente econômicos só contribui para enfraquecer, já no
nível das hipóteses, o interesse que pode ter o estudo do processo e o alcance que
dele se pode obter para o incremento da eficácia das mensagens. No lugar (e, de
qualquer maneira, antes) de se interrogar sobre a eficácia econômica do processo
de comunicação publicitária, é necessário dar conta dos mecanismos que o
constituem.

Conceber a comunicação como um processo de co-construção e analisar os


diferentes mecanismos sociais que o caracterizam permite, ao meu ver, ultrapassar
os diferentes recortes expostos.

Ao nível sociológico, as questões colocadas pertencem a domínios de análise


distintos. Elas exprimem a dupla inserção da comunicação publicitária, a saber: na
esfera econômica, já que ela participa do processo de comercialização de bens e
serviços e na esfera sócio-cultural, já que ela recorre às representações sociais
expressas pela linguagem, escrita ou visual.

A criação publicitária, as mensagens e a recepção efetuada pelo público devem ser


analisadas de maneira interativa. Estes três "momentos" da comunicação
publicitária não funcionam de maneira linear e não devem ser compreendidos
através de uma perspectiva de simples sucessão.

Interpreto a dificuldade em estabelecer uma correlação forte entre as somas


investidas nas campanhas publicitárias e um eventual aumento nas vendas pelo
fato da publicidade reunir e trabalhar com duas ordens distintas, tendo, cada uma
delas, sua própria escala e forma de validação: a econômica e a cultural. Torna-se,
então, necessário dar conta destas duas ordens.

No approach que proponho, a recepção não é mais analisada de maneira


completamente independente dos dois outros momentos: a criação e as mensagens
em si mesmas. Estes três "momentos" se interpenetram e cada um deles porta os
traços do trabalho realizado nos dois outros. Os criadores publicitários, durante a
criação do texto e da imagem, utilizam diferentes formas de representação de seu
público-alvo e supõem operações de leitura que este público é suposto a realizar.
As mensagens, desta maneira, portam os traços scripto-visuais do trabalho de
criação publicitária, traços que constituem tantas condições de possibilidades para a
realização de diferentes leituras. O público, longe de ser passivo diante da
mensagem, coloca em obra, por sua vez, uma série de conhecimentos para, em
primeiro lugar, reconhecer os diversos elementos (textuais e visuais) de uma
mensagem e, em seguida, realizar um certo número de operações de leitura para
construir as significações que ele atribuirá aos conjuntos scripto-visuais propostos.

A recepção é, assim definida como co-construção, a saber: uma atividade que


trabalha os conjuntos de traços visuais e textuais propostos nos anúncios. Minha
hipótese define a leitura das mensagens publicitárias como a co-construção de uma
significação própria ao leitor, resultado da atividade cognitiva de todo receptor,
sobre a base de índices e marcas (traços) que ele identifica na mensagem. Ela não
é simplesmente feita de operações cognitivas mas também de referências sócio-

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culturais já que a comunicação publicitária constitui um dos discursos sociais
presentes em uma sociedade num momento histórico determinado.

Entendida desta maneira, as variáveis de definição clássicas (sexo, idade,.


escolaridade, renda...) só passam a ter pertinência quando não são consideradas
como substâncias ou propriedades a priori, mas recolocadas e re(interpretadas), ao
mesmo tempo, dentro e em função de um contexto de leitura e sócio-econômico
preciso.

Fonte
PANELLA, Cristina. A comunicação publicitária, uma co-construção: uma tentativa
de dissolução do divórcio entre a teoria e a técnica. Disponível em:
<http://www.mnemocine.com.br/cinema/historiatextos/crispubli.htm>. Acesso em:
26 mar. 2007.

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