Você está na página 1de 24

BRASÃO – símbolo de uma nação.

Serão abordados os fundadores da nacionalidade e os


promotores da expansão.

I. - OS CAMPOS – símbolo de fecundidade. O espaço ocupado pela nação.

PRIMEIRO

O DOS CASTELOS – refere-se à posição que Portugal ocupa na Europa. Localiza Portugal
quanto ao espaço.
A Europa é comparada a uma figura feminina, que jaz,
fitando, virada para ocidente, com a cabeça apoiada na
A Europa jaz, posta nos cotovelos: mão. Está numa posição passiva, em contemplação,
De oriente a Ocidente jaz, fitando, lembrando. Os seus cabelos “românticos” referem-se aos
E toldam-lhe românticos cabelos povos do norte da Europa; a referência aos olhos gregos
Olhos gregos, lembrando.  revela a grande importância que a cultura grega teve para a
Europa.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto. Continuando a descrição da Europa, refere-se que está
Aquele diz Itália onde é pousado; pousada no cotovelo esquerdo, mais recuado, que é
associado a Itália, onde teve origem a civilização romana. O
Este diz Inglaterra onde, afastado, cotovelo direito, que está disposto em ângulo, apoiando o
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.  rosto, é associado a Inglaterra, que mantém uma aliança
antiga com Portugal.
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.  O rosto da Europa é Portugal, que fita o ocidente, o mar,
O rosto que fita é Portugal. que teve grande importância no passado, mas contribuirá
para a construção do futuro. Fita com olhar misterioso,
porque o futuro está oculto, mas fatal, porque o destino está
já traçado.
(8-12-1928)

As figuras de estilo privilegiadas no primeiro poema da Mensagem são a metáfora e a


personificação, que se baseiam na apresentação da Europa como sendo uma figura
feminina.
SEGUNDO

O DAS QUINAS – caracteriza Portugal quanto à identidade

Os deuses não dão a glória, mas a mesma é comprada


Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça. com sofrimento. Deste modo, os felizes serão esquecidos,
Ai dos felizes, porque são não atingindo a glória e a imortalidade.
Só o que passa! Aquele que é humilde, satisfazendo-se com o que é
suficiente para a sua subsistência (aquele a quem baste
Baste a quem baste o que lhe basta aquilo que lhe basta) deve continuar desse modo, porque
O bastante de lhe bastar! a matéria é perecível (“a vida é breve”), mas a alma
A vida é breve, a alma é vasta: permanece (“é vasta) e o apego a bens materiais retarda
Ter é tardar. a evolução espiritual.
Assim, Cristo foi sofredor e pobre, estando oposto à
Foi com desgraça e com vileza natureza dos homens, que procuram a felicidade e a
Que Deus ao Cristo definiu: riqueza, mas foi sagrado como seu filho, a quem foi dada
Assim o opôs à Natureza uma missão divina.
E Filho o ungiu.

O povo português é caracterizado como “o das quinas”,


(8-12-1928) porque, como Cristo, foi escolhido por Deus para cumprir
a sua missão, mas, para atingir a glória, terá de sofrer.

II- OS CASTELOS

PRIMEIRO

       ULISSES Oxímoro - Embora seja “nada”, por ser irreal, o mito é “tudo”,
porque funda a identidade do povo que o criou, que nele
O mito é o nada que é tudo. acredita.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus, O Sol, divinizado por muitos povos, é um mito, tal como Cristo
Vivo e desnudo. (“o corpo morto de Deus”), em que aqueles que inventaram a
religião cristã acreditam.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo. Este (Ulisses) que, de acordo com o mito, aportou em Lisboa,
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo apesar de não ter existido, foi existindo. Assim, bastou para ficar
E nos criou. a crença de que viajou até Portugal e fundou a cidade de Lisboa.

Assim a lenda se escorre Assim, a lenda (criada pelo homem) entra na realidade e
A entrar na realidade, fecunda-a, criando novas crenças e explicando acontecimentos,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade permanecendo.
De nada, morre.
A vida é metade do “nada”: a realidade vale menos do que o
(s/d) mito, porque morre, enquanto o mito permanece.
  SEGUNDO

        VIRIATO Existe uma memória coletiva. Deste modo, aqueles que


vivem (sentem e fazem) conhecem, porque permanece
Se a alma que sente e faz conhece
na memória coletiva aquilo que, individualmente, alguns
Só porque lembra o que esqueceu,
Vivemos, raça, porque houvesse indivíduos possam desconhecer.
Memória em nós do instinto teu. Assim, os portugueses são-no, porque permanece na
sua memória coletiva o instinto de Vitiato.
Nação porque reencarnaste,
Povo porque ressuscitou Somos esta nação, porque aquilo que Viriato
Ou tu, ou o de que eras a haste — simbolizava ressuscitou em nós.
Assim se Portugal formou.

Teu ser é como aquela fria Assim, Viriato é o indício de que existirá o povo
Luz que precede a madrugada, português.
E é já o ir a haver o dia
Na antemanhã, confuso nada.

(22-1-1934)

TERCEIRO

        O CONDE D. HENRIQUE O Conde D. Henrique, que esteve na origem do começo da


nacionalidade, agiu involuntariamente, desconhecendo aquilo
Todo começo é involuntário. para que estava guardado.
Deus é o agente,
O herói a si assiste, vário
Assim, quando se viu com uma espada na mão, não soube o
E inconsciente.
que fazer com ela, mas a história fez-se.
À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce. O Conde D. Henrique não tinha um plano pré-definido, mas foi
«Que farei eu com esta espada?» um agente da vontade divina.
Ergueste-a, e fez-se.

(s/d)
QUARTO

         D. TAREJA
Todas as nações são mistérios, porque o destino da história
As nações todas são mistérios. em construção é desconhecida dos seus protagonistas. Assim,
Cada uma é todo o mundo a sós. Dona Teresa, que amamentou e vigiou D. Afonso Henriques
Ó mãe de reis e avó de impérios. desconhecia que estava a criar o futuro rei de Portugal. Esse
Vela por nós! rei construiu um país que criou impérios.
O sujeito poético pede que D. Teresa, que no passado
Teu seio augusto amamentou vigiou o seu filho, ore agora por nós.
Com bruta e natural certeza Pede, também que reze por aquele que foi escolhido por
O que, imprevisto, Deus fadou.
Deus, apesar de ser imprevisível que viesse a ser rei.
Por ele reza!

Dê tua prece outro destino Ao referir que o seu filho envelheceu, refere-se
A quem fadou o instinto teu! metaforicamente ao envelhecimento ou à degradação de
O homem que foi o teu menino Portugal, pedindo que Dona Teresa ore, para ajudar a criar
Envelheceu. outro destino para a nação.

Mas todo vivo é eterno infante No lugar mítico onde D. Teresa permanece está também
Onde estás e não há o dia. vivo D. Afonso Henriques, reconhecido como o fundador de
No antigo seio, vigilante, uma nação. Assim, o sujeito poético mostra que existe
De novo o cria! esperança e pede a D. Teresa que, orando, ajude a restaurar
Portugal.
(24-9-1928)

 QUINTO

        D. AFONSO HENRIQUES No passado, D. Afonso Henriques, pai de uma nação, foi cavaleiro
e lutador. Hoje, cabe-nos a nós vigiar, para lutar contra “novos
Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa. infiéis”. Para isso, o sujeito poético pede o exemplo e a força de D.
Dá-nos o exemplo inteiro Afonso Henriques.
E a tua inteira força!
Pede que D. Afonso Henriques dê a sua bênção, que será usada
Dá, contra a hora em que, errada,
como arma, e nos dê a sua espada (metaforicamente, o exemplo
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada, da sua luta), que será usada como incentivo (bênção), na luta
A espada como bênção! contra os novos infiéis: a descrença, a apatia, o adormecimento
coletivo…
(s/d)
 SEXTO
Rei poeta, D. Dinis, de noite, momento de reflexão,
        D. DINIS escrevia as suas cantigas de amigo.
Ele foi, involuntariamente, “o plantador de naus a
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo haver”, porque mandou plantar o pinhal de Leiria, cujas
O plantador de naus a haver, árvores haveriam de servir para construir as naus usadas
E ouve um silêncio múrmuro consigo: na expansão. Os pinhais semeados estavam já destinados
É o rumor dos pinhais que, como um trigo a “ondular” no mar, apesar de tal futuro ser ainda oculto
De Império, ondulam sem se poder ver. (“sem se poder ver”), para alimentarem o império, sendo
“um trigo do império”.
Arroio, esse cantar, jovem e puro, A ação de D. Dinis é comparada a um riacho (arroio),
Busca o oceano por achar; que busca o oceano, porque os pinheiros estão destinados
E a fala dos pinhais, marulho obscuro, a viajar no mar e o seu cantar está destinado a ser
É o som presente desse mar futuro, divulgado.
É a voz da terra ansiando pelo mar. Assim, o rumor dos pinhais já contém o futuro que lhes
está destinado, que é oculto, porque não é do
(9-2-1934)
conhecimento dos protagonistas da história.

SÉTIMO (I)

        D. JOÃO O PRIMEIRO O homem é definido pelo momento em que faz a


história, que lhe traz o reconhecimento e a eternidade,
O homem e a hora são um só em termos espirituais. Tudo o resto é apenas carne, que
Quando Deus faz e a história é feita.
O mais é carne, cujo pó está destinada à morte.
A terra espreita.
D. João, mestre de Avis, foi mestre, que deu o exemplo
Mestre, sem o saber, do Templo de defender a pátria, desconhecendo a expansão que
Que Portugal foi feito ser, seria conseguida pelo país que defendia no momento.
Que houveste a glória e deste o exemplo
De o defender. O nome de D. João, no altar da nossa alma (nas nossas
crenças) é uma chama, que repele a escuridão, o
Teu nome, eleito em sua fama,
esquecimento, porque permanece imortal.
É, na ara da nossa alma interna,
A que repele, eterna chama,
A sombra eterna.

(12-2-1934)
Sétimo (II)
Ventre mítico do Império, porque foi mãe da ínclita geração, que
        D. FILIPA DE LENCASTRE
esteve na origem da construção do Império.
Que enigma havia em teu seio Ao afirmar que o seio de D. Filipa de Lencastre apenas concebia
Que só génios concebia? génios, tendo sido os seus sonhos velados por um arcanjo, o sujeito
Que arcanjo teus sonhos veio poético compara-a a Nossa Senhora.
Velar, maternos, um dia?
Pede-lhe que encare Portugal, cuja História determinou, ao ter
Volve a nós teu rosto sério,
Princesa do Santo Gral, concebido os responsáveis pela expansão ultramarítima.
Humano ventre do Império, D. Filipa é considerada uma princesa mística, porque, para o poeta,
Madrinha de Portugal! terá sido escolhida por Deus para conceber os príncipes que
construíram o Império. É por esse motivo que o poeta lhe chama
(26-09-28)
“humano ventre do Império”. É também a Madrinha de Portugal,
porque conduziu o destino do país.

As Quinas – São referidas personalidades da História de Portugal que sofreram, para que o
nosso país iniciasse a expansão.

Todos os poemas de “As Quinas” foram escritos na primeira pessoa. As próprias


personalidades históricas expõem uma perspetiva pessoal sobre os acontecimentos,
mostrando que aceitam o seu sofrimento, pois compreendem ser parte integrante de um
projeto superior. D. Duarte sofreu para que a expansão fosse possível, porque
perdeu o seu irmão na expedição falhada a Tânger e teve de
escolher não o resgatar, em nome do Império.
D. Duarte, Rei de Portugal
No poema, D. Duarte afirma que, ao longo da sua vida, foi
definido pelo dever, porque obedeceu à regra de ser Rei,
Meu dever fez-me, como Deus ao mundo. que abarcou todo o seu ser. Assim, seguiu à letra o seu
A regra de ser Rei almou meu ser,
Em dia e letra escrupuloso e fundo. dever enquanto Rei.

Firme em minha tristeza, tal vivi. D. Duarte afirma que cumpriu o seu dever, apesar de ter
Cumpri contra o Destino o meu dever. sofrido, agiu contra o Destino, que lhe deu D. Fernando
Inutilmente? Não, porque o cumpri. como irmão.

Contudo, considera que as decisões tomadas não foram


(26-09-1928) inúteis, porque eram necessárias, como parte integrante de
um projeto maior.
D. Fernando, Infante de Portugal
D. Fernando sofreu, para que a expansão fosse
Deu-me Deus o seu gládio, por que eu faça possível, porque ficou prisioneiro no Norte de África, a
A sua santa guerra. fim de ser trocado por Ceuta, o que não sucedeu.
Sagrou-me seu em honra e em desgraça,
Às horas em que um frio vento passa D. Fernando afirma que lutou em nome de Deus, pois
Por sobre a fria terra. foi escolhido, para o servir, o que fez honradamente,
mas com sofrimento, já que o momento era adverso.
Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me
A fronte com o olhar; Metáforas - lutou em nome de Deus; num momento de
E esta febre de Além, que me consome, adversidade
E este querer grandeza são Seu nome
Dentro em mim a vibrar. Deus iluminou-o e, por isso, D. Fernando age
impulsionado pela vontade divina.
E eu vou, e a luz do gládio erguido dá Consciente de que age em nome da vontade divina,
Em minha face calma. não teme a morte, pois considera-se parte do projeto
Cheio de Deus, não temo o que virá,
de Deus. Sabe que a alma é imortal, ao contrário da
Pois, venha o que vier, nunca será
matéria.
Maior do que a minha alma.

(21-07-1913)

D. Pedro, Regente de Portugal


D. Pedro defendia a troca de D. Fernando por Ceuta.
Sofreu, porque a troca não se concretizou.
Claro em pensar, e claro no sentir,
É claro no querer; Manteve-se lúcido no seu pensamento, nos seus
Indiferente ao que há em conseguir
Que seja só obter; sentimentos e nos seus desejos. Não se preocupou
Dúplice dono, sem me dividir, com a obtenção de bens materiais e foi o que deveria
De dever e de ser — ser.

Não me podia a Sorte dar guarida Não foi bafejado pela sorte, porque os escolhidos por
Por eu não ser dos seus. Deus sofrem no cumprimento da missão.
Assim vivi, assim morri, a vida,
Calmo sob mudos céus, Manteve-se fiel às suas ideias, mas conformou-se,
Fiel à palavra dada e à ideia tida.
porque acreditou estar a agir em nome de Deus.
Tudo mais é com Deus!

(15-02-1934)
D. João ficou ofuscado entre os seus
D. João, Infante de Portugal magníficos irmãos.

Não fui alguém. Minha alma estava estreita Isto porque é próprio do português querer
Entre tão grandes almas minhas pares, e poder todo o amplo mar ou a onda inútil
Inutilmente eleita, desfeita: tudo ou nada. D. João foi nada.
Virgemmente parada;

Porque é do português, pai de amplos mares,


Querer, poder só isto:
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita —
O todo, ou o seu nada.

(28-03-1930)

D. Sebastião sofreu, porque morreu na persecução do


D. Sebastião, Rei de Portugal projeto de expansão.

Louco, sim, louco, porque quis grandeza Foi louco, porque procurou a grandeza que a sorte não
Qual a Sorte a não dá. pode dar (apenas quem sofre na concretização do seu
Não coube em mim minha certeza; projeto merece a glória). A certeza de que poderia
Por isso onde o areal está alcançar a glória não coube em si, pelo que teve de agir.
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Como consequência, morreu no areal de Alcácer Quibir,
Minha loucura, outros que me a tomem onde ficou o seu ser que houve, material, mas não ficou o
Com o que nela ia. seu ser mitificado, que é eterno.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia, Considera a sua loucura positiva e aconselhável, já que
Cadáver adiado que procria?
sem a loucura o homem não passa de um animal, à
(20-02-1933) espera da morte.
IV. A Coroa

Símbolo de Realeza, porque defendeu o reino.


Nun’ Álvares Pereira
Nuno Álvares Pereira é considerado Santo, devido à sua
Que auréola te cerca? ação guerreira em defesa da pátria.
É a espada que, volteando,
Faz que o ar alto perca
Seu azul negro e brando.
Considera-se que Nuno Álvares Pereira, pela sua pureza e
Mas que espada é que, erguida,
Faz esse halo no céu? perfeição, é digno de possuir a espada Excalibur, que
É Excalibur, a ungida, pertencera ao Rei Artur.
Que o Rei Artur te deu.
Nuno Álvares Pereira é a esperança consumada, porque
’Sperança consumada, conseguiu manter a independência de Portugal. É também a
S. Portugal em ser, personificação de tudo o que há de Santo em Portugal,
Ergue a luz da tua espada
devido à sua perfeição.
Para a estrada se ver!
O sujeito poético considera que Nuno Álvares Pereira é um
(8-12-1928)
exemplo a ser seguido, na sua ação guerreira.

V. O TIMBRE – É o símbolo de uma família ou de uma nação. Nesta parte, serão abordados
os símbolos da expansão ultramarítima.

A cabeça do grifo: - O grifo é um animal mítico, que simboliza a união entre o terreno e o
divino.
O infante D. Henrique O infante D. Henrique é a cabeça do grifo,
porque foi ele quem sonhou o projeto divino.
Em seu trono entre o brilho das esferas, O infante é apresentado de noite e em solidão, a
Com seu manto de noite e solidão,
Tem aos pés o mar novo e as mortas eras — situação ideal para a elaboração de grandes
O único imperador que tem, deveras, projetos.
O globo mundo em sua mão.
Foi o único imperador que possuiu
verdadeiramente o mundo, pois dominou-o, ou
(26-09-1928) seja, conheceu-o. Assim, o tempo antigo, em
que o mar encerrava o desconhecido, morreu e
hoje o mar é aberto.
Uma asa do grifo:
D. João, O Segundo
D. João é uma asa do grifo, porque concretizou o
Braços cruzados, fita além do mar. projeto do infante.
Parece em promontório uma alta serra —
O limite da terra a dominar D. João II surge como uma alta serra em
O mar que possa haver além da terra. promontório, numa situação de superioridade. Fita o
limite da terra que pretende dominar e o mar que
Seu formidável vulto solitário acredita existir além da terra.
Enche de estar presente o mar e o céu
E parece temer o mundo vário D. João tem uma presença imponente. Surge só,
Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu. enchendo o mar e o céu só com a sua presença. O mar
parece temer que ele aja e desvende todo o mistério.
(26-09-1928)

A outra asa do grifo: Afonso de Albuquerque é a outra asa do grifo,


Afonso de Albuquerque
porque concretizou, no terreno, o sonho do
De pé, sobre os países conquistados infante.
Desce os olhos cansados
De ver o mundo e a injustiça e a sorte. Surge também numa posição de superioridade.
Não pensa em vida ou morte, Sofreu injustiças e descrédito, mas era tão
Tão poderoso que não quer o quanto poderoso, que nem desejava tudo o que
Pode, que o querer tanto
conseguiria fazer. Tem o mundo a seus pés.
Calcara mais do que o submisso mundo
Sob o seu passo fundo.
Conquistou três Impérios (Goa, Damão e Diu), sem
Três impérios do chão lhe a Sorte apanha.
Criou-os como quem desdenha. se esforçar, como quem desdenha, tal a sua
superioridade.
(26-09-1928)

II. MAR PORTUGUÊS – consiste no percurso iniciático que Deus impôs ao povo português,
para que pudesse reunir as condições – o conhecimento – para, futuramente, vir a ser o líder
do Quinto Império. Assim, a conquista do império foi um caminho, não um fim em si mesmo. A
destruição do império (terreno) consistiu na destruição de algo material, mas as condições
espirituais foram reunidas, para que Portugal possa cumprir o projeto divino – a conquista de
um Império de Paz e de Amor.
I. O Infante
A obra nasceu, porque o homem sonhou; o homem
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. sonhou, porque Deus quis.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse. Deus quis que a Terra fosse uma, completa, que o
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, mar unisse e já não separasse, pelo que escolheu o
Infante.
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente, Assim, as naus viajaram de ilha em continente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
trazendo o conhecimento. Percebeu-se, assim, que a
terra é redonda. Vimo-la, portanto, surgir redonda, no
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal. azul profundo do Céu.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Deus quis que o Infante fosse português, e deu-nos
(s/d) sinal de que estávamos destinados a desvendar o mar

II. Horizonte

Ó mar anterior a nós, teus medos O mar anterior a nós era cheio de mistérios,
Tinham coral e praias e arvoredos.
mas, afinal, os medos eram infundados, porque,
Desvendadas a noite e a cerração,
desvendado o oculto, descobria-se um Sul celeste
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério e esplendoroso. As naus da iniciação permitiram o
’Splendia sobre as naus da iniciação. conhecimento.

Linha severa da longínqua costa —


Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha; A linha do horizonte é severa, porque não
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores: deixa ver o que está após a mesma. Mas, quando
E, no desembarcar, há aves, flores, a nau se aproxima, veem-se árvores, mais perto,
Onde era só, de longe a abstracta linha. ouvem-se sons e veem-se cores, que, ao
desembarcar, se percebe que são de árvores e
O sonho é ver as formas invisíveis flores.
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp’rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —
Os beijos merecidos da Verdade. O sonho é imaginar as formas que poderemos
encontrar após a linha do horizonte, que,

(s/d)
III. Padrão

O esforço é grande e o homem é pequeno


Diogo Cão assume o esforço desenvolvido na
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno descoberta de vários países ao longo da costa
E para diante naveguei. ocidental africana.

A alma é divina e a obra é imperfeita. Assume também que é um intérprete da vontade


Este padrão sinala ao vento e aos céus
divina, que tem um papel no projeto divino.
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano


Ensinam estas Quinas, que aqui vês, Ao conquistar cada país, coloca um padrão no espaço,
Que o mar com fim será grego ou romano: para mostrar que é ao povo português que se deve a
O mar sem fim é português.
descoberta e o desvendar do mistério do mar.
E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar Continuará sempre a viajar, em nome de Deus.
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.

(13-09-1918)
IV. O mostrengo
O mostrengo que está no fim do mar
O mostrengo, como o Adamastor, começa por
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes, assumir a ousadia dos portugueses, que o
Voou três vezes a chiar, ofendem ao tentar descobrir os segredos do mar.
E disse, “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo, O homem do leme, amedrontado, tem a coragem
Meus tectos negros do fim do mundo?” de enfrentar o mostrengo, respondendo-lhe
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo!” sempre que viaja em nome de El-Rei D. João II.

“De quem são as velas onde me roço?


De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
“Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu, e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”

Três vezes do leme as mãos ergueu,


Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes: O homem afirma o heroísmo dos portugueses,
“Aqui ao leme sou mais do que eu: respondendo que, apesar do medo, continuará,
Sou um povo que quer o mar que é teu; com espírito de missão, a viajar em nome de todo
E mais que o mostrengo, que me a alma teme um povo, que pretende descobrir o mistério e
E roda nas trevas do fim do mundo,
dominar o mar.
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”

(9-9-1918)

Tal como n’Os Lusíadas o episódio do Adamastor simboliza a superação dos medos, por
parte dos navegadores portugueses, também em Mensagem o poema “O Mostrengo” o vai
simbolizar.

N’Os Lusíadas, é Vasco da Gama que tem coragem de tomar a palavra, respondendo ao
Adamastor, em Mensagem é o homem do leme, que representa todo o povo português, que
teve a coragem de enfrentar os seus medos e desvendar o mistério, que o faz.

N’Os Lusíadas, o Adamastor desaparece após enfrentado por Vasco da Gama, pois a missão
foi cumprida e os medos foram vencidos; na Mensagem, o Mostrengo aparece novamente, no
penúltimo poema, pois o projeto dos portugueses ainda não está concretizado: novos medos
devem ser vencidos. O projeto material está cumprido; o projeto espiritual ainda está em
curso.
V. Epitáfio de Bartolomeu Dias No Cabo das Tormentas, jaz Bartolomeu Dias, o
Capitão do Fim, pois conseguiu dobrar o Cabo das
Jaz aqui, na pequena praia extrema, Tormentas, considerado o fim do mundo.
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo: já ninguém o tema! Dobrado o Cabo, constatou-se que o mar é o
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro. mesmo. Do outro lado, não há abismo nem o fim do
mundo.
(s/d)
Por isso, Bartolomeu Dias é comparado a Atlas,
por ter conhecido, isto é, dominado o mundo.

Poema dedicado a todos os que realizaram conquistas em nome de


VI. Os Colombos reis estrangeiros.
Outros haverão de ter
O que houvermos de perder. Tendo sido Portugal pioneiro nas Descobertas, o sujeito poético
Outros poderão achar afirma que aquilo que os outros povos descobriram tinha já sido
O que, no nosso encontrar, encontrado pelos portugueses, que não assumiram todas as suas
Foi achado, ou não achado, descobertas.
Segundo o destino dado.

Mas o que a eles não toca O que os navegadores estrangeiros não têm é a aura, o espírito de
É a Magia que evoca conquista, que nos lançou na descoberta do desconhecido, do Longe.
O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória Por isso, a sua glória foi-lhes “emprestada” pelos portugueses, que
É justa auréola dada lhes permitiram assumir-se como oficialmente descobridores de
Por uma luz emprestada.
territórios de cuja existência os portugueses já sabiam.
(2-4-1934)

O poema refere-se à descoberta do Brasil.


VII. Ocidente
O sujeito afirma que a descoberta do Brasil foi
Com duas mãos — o Acto e o Destino — concretizada, devido à ação dos portugueses e devido ao
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu destino, que já estava traçado. Essa descoberta consistiu
Uma ergue o facho trémulo e divino na concretização do projeto divino e no desvendar do
E a outra afasta o véu. desconhecido.
Fosse a hora que haver ou a que havia Independentemente de a chegada ao Brasil ter sido
A mão que ao Ocidente o véu rasgou, obra do destino (que tinha de haver) ou de ter sido
Foi a alma a Ciência e corpo a Ousadia propositada, tendo em conta os conhecimentos que havia,
Da mão que desvendou.
foi proporcionada pela Ciência (pelos conhecimentos já
adquiridos pelos portugueses) e pela Ousadia dos
Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu, portugueses, que desvendaram o mistério.
Foi Deus a alma e o corpo Portugal Tivesse sido obra do acaso, da vontade ou obra de uma
Da mão que o conduziu.
tempestade, a ação foi realizada e o mistério desvendado,
(s/d)
Fernão de Magalhães realizou a viagem de circum-
VIII. Fernão de Magalhães navegação, comprovando que a terra é redonda.

No vale clareia uma fogueira. São descritas as sombras disformes de figuras que dançam à
Uma dança sacode a terra inteira. luz da fogueira e que sobem a encosta, perdendo-se na
E sombras disformes e descompostas
Em clarões negros do vale vão escuridão.
Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.

De quem é a dança que a noite aterra? Os nativos são identificados com os Titãs, os filhos da Terra,
São os Titãs, os filhos da Terra,
que dançam a morte do marinheiro, Fernão de Magalhães,
Que dançam da morte do marinheiro
Que quis cingir o materno vulto — que quis possuir a Terra, desvendando o seu mistério. Os
Cingi-lo, dos homens, o primeiro —, nativos, figuras assustadoras e disformes, estão felizes, como
Na praia ao longe por fim sepulto. se tivessem vingado a terra, sua mãe, que o marinheiro quis
desvendar.
Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda comanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar Dançam felizes, mas não sabem que a viagem prosseguirá,
As naus no resto do fim do espaço: porque, mesmo morto, Fernão de Magalhães continuou a
Que até ausente soube cercar guiar a armada, que completou a tarefa iniciada.
A terra inteira com seu abraço.

Violou a Terra. Mas eles não


O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas, Assim, a terra foi desvendada. Mas os nativos não sabem
Indo perder-se nos horizontes, que a viagem será concluída e continuam a dançar e a subir a
Galgam do vale pelas encostas encosta, figuras disformes e decompostas, imperfeitas, que
Dos mudos montes.
não conseguiram impedir a concretização do projeto do
(s/d)

IX. Ascensão de Vasco da Gama


Para transmitir a grandiosidade de Vasco
Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra da Gama, o sujeito poético afirma que,
Suspendem de repente o ódio da sua guerra quando Vasco da Gama subiu aos Céus,
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus
após a sua morte, os deuses e os titãs
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,
Primeiro um movimento e depois um assombro. pararam a sua guerra e pasmaram.
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro, Também o pastor que tocava na terra
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões. parou e observou a subida do argonauta.

Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta Ladeiam-no os medos – Vasco da Gama
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões, superou os medos (ao passar o cabo das
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.
Tormentas e ao chegar à Índia) estes já não o

(10-01-1922) dominam.
X. Mar Português
1.ª parte - refere-se aos sacrifícios que as Descobertas
implicaram, para que o mar fosse português.
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
2.ª parte – reflexão sobre o sofrimento que os
Para que fosses nosso, ó mar!
Descobrimentos implicaram.
Valeu a pena? Tudo vale a pena O sujeito constata que os descobrimentos e o
Se a alma não é pequena. sacrifício valeram a pena, porque contribuíram para a
Quem quer passar além do Bojador evolução espiritual do povo português e para o
Tem que passar além da dor. conhecimento.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu. De facto, apenas com sacrifício se consegue atingir
a glória. A glória do povo português implicou a
descoberta do mar, o que implicou sofrimento, mas foi
(s/d) parte de um projeto divino.

XI. A Última Nau


Simbolicamente, o sujeito poético associa a
Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,
viagem da última nau dos descobrimentos ao
E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império, momento do desaparecimento de D. Sebastião,
Foi-se a última nau, ao sol aziago que ocorreu num ambiente de mau presságio.
Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
Mistério.

Não voltou mais. A que ilha indescoberta D. Sebastião não regressou, mas o sujeito poético
Aportou? Voltará da sorte incerta acredita que terá aportado numa ilha
Que teve? desconhecida. D. Sebastião regressará? Deus não
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro revela o futuro, mas projeta-o, de modo oculto.
E breve.

Ah, quanto mais ao povo a alma falta,


Mais a minha alma atlântica se exalta Por isso, por interpretar os sinais, enquanto o
E entorna, povo cai em descrença, o sujeito poético,
E em mim, num mar que não tem tempo ou ’spaço, nacionalista, acredita que D. Sebastião
Vejo entre a cerração teu vulto baço regressará.
Que torna.

Não sei a hora, mas sei que há a hora,


Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora Assim sendo, o sujeito poético não sabe quando,
Mistério.
mas sabe que D. Sebastião regressará, reavivando
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda o Império (mas, agora, espiritual).
Do Império.

(s/d)
XII. Prece
O sujeito poético dirige-se a Deus, constatando a
situação de decadência em que Portugal se
Senhor, a noite veio e a alma é vil. encontra atualmente, em que o heroísmo do
Tanta foi a tormenta e a vontade! país não se revela e o mar, que era Português,
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade. tornou-se universal.

Mas a chama, que a vida em nós criou, No entanto, o sujeito poético acredita que o
Se ainda há vida ainda não é finda. heroísmo do povo português não está findo, mas
O frio morto em cinzas a ocultou: apenas oculto na decadência do presente. Um
A mão do vento pode erguê-la ainda. impulso poderá reacendê-lo.
Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia — Por isso, o sujeito pede a Deus que dê esse
Com que a chama do esforço se remoça,
impulso – seja ele uma desgraça, que impulsione
E outra vez conquistaremos a Distância —
Do mar ou outra, mas que seja nossa! a ação, ou uma grande ansiedade – que leve o
povo português a recuperar o seu heroísmo.
(31-12-1921-01.01.1922)

Terceira Parte:
O Encoberto – Exprime a situação de decadência atual, em que o heroísmo do povo
português está ofuscado, encoberto. Com o regresso do Quinto Império, um império de paz e
de amor, o nosso heroísmo será recuperado.

I. Os Símbolos – Os símbolos do Quinto Império.

D. Sebastião D. Sebastião pede ao povo português que


’Sperai! Caí no areal e na hora adversa aguarde o seu regresso, pois está junto com
Que Deus concede aos seus Deus , havendo de regressar, reencarnado.
Para o intervalo em que esteja a alma imersa
Em sonhos que são Deus. D. Sebastião desvaloriza a sua morte material,
pois permanece em espírito e é o seu espírito
Que importa o areal e a morte e a desventura que regressará. Na verdade, o corpo morre, mas
Se com Deus me guardei? o mito permanece.
É O que eu me sonhei que eterno dura,
É Esse que regressarei. Tal como Cristo morreu e permaneceu junto
de Deus enquanto aguardava a ressurreição,
(s/d) também D. Sebastião está com Deus,
aguardando o regresso.

Por isso, permanece vivo enquanto espírito e


como ser mitificado e regressará, desse modo,
tal como Cristo regressou. Os pronomes que o
referem estão escritos em letra maiúscula, pois
1.ª parte – o sujeito poético lamenta a sorte dos que se
O Quinto Império
contentam e vivem felizes com a mediocridade, sem um
Triste de quem vive em casa, sonho que os faça sair da sua zona de conforto.
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa, Lareira – símbolo do lar e do conforto. Os romanos
Faça até mais rubra a brasa honravam a deusa dos lares, mantendo sempre a fogueira
Da lareira a abandonar! acesa.

Triste de quem é feliz! Os que se contentam com o que têm vivem como uma raiz,
Vive porque a vida dura. esperando a morte, como seres enterrados antes de o
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz — serem.
Ter por vida a sepultura.
2.ª parte – reflexão sobre a importância do
Eras sobre eras se somem descontentamento e a apologia do sonho e do desejo de
No tempo que em eras vem. superação.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem Independentemente da passagem do tempo, ser
Pela visão que a alma tem! descontente é condição para progredir. Para o efeito, a
força física deve estar ao serviço da espiritualidade.
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
Assim, depois de passados os quatro impérios terrenos,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro aparecerá, na terra, o império espiritual que teve início
Da erma noite começou. num momento de decadência e nevoeiro.

Grécia, Roma, Cristandade, Por esse motivo, o sujeito poético incentiva à vivência do
Europa — os quatro se vão dia claro, do Quinto Império, em nome do qual D.
Para onde vai toda idade. Sebastião morreu.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião? D. Sebastião lutou pelo sonho das Descobertas e foi por
esse sonho que morreu. Há de regressar, mitificado,
(21-02-1933) guiando o povo português em busca de um novo sonho. As
viagens ultramarinas fizeram parte do projeto divino, pois
permitiram o conhecimento e tornaram os portugueses
dignos de futuramente serem líderes do quinto império.
O Desejado
D. Sebastião jaz num espaço longínquo. No entanto, o
Onde quer que, entre sombras e dizeres, sujeito exprime a crença de um povo, afirmando que,
Jazas, remoto, sente-te sonhado, como mito em que o povo acredita, D. Sebastião poderá
E ergue-te do fundo de não-seres ressuscitar, para um novo destino. Como mito, D.
Para teu novo fado! Sebastião é nada, mas é tudo, porque o povo crê na sua
Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo, ressurreição.
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo Como ser puro, D. Sebastião é comparável a Galaaz,
À Eucaristia Nova. cavaleiro apátrida da Távola redonda. O sujeito pede a D.
Sebastião, Galaaz com pátria, que venha encaminhar o
Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido, povo português, liderando-o na conquista do Quinto
Excalibur do Fim, em jeito tal
Império, um novo reino espiritual.
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Graal!
Compara depois D. Sebastião ao Rei Artur, puro e digno
(18-01-1934) de possuir a espada Excalibur, pedindo-lhe que erga a sua
espada abençoada, mostrando o caminho para o fim do
mundo dividido e imperfeito, que acontecerá com o
momento de perfeição em que for conquistado o Quinto
Império.

Recuperando a ideia exposta no poema “A última nau”,


As Ilhas Afortunadas em que afirmava que D. Sebastião aguardaria numa ilha
desconhecida, o sujeito poético, no presente poema,
afirma a crença na existência de uma ilha onde o rei
Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar? aguarde o momento de regressar, para salvar o povo
É a voz de alguém que nos fala, português.
Mas que, se escutarmos, cala,
Por ter havido escutar. Crendo na existência das ilhas afortunadas, o sujeito
poético afirma que é possível escutar o som vindo dessas
E só se, meio dormindo, ilhas, intuindo a sua presença. Esse som seria um sinal,
Sem saber de ouvir ouvimos
apenas percebido intuitivamente, crendo no sonho.
Que ela nos diz a esperança
A que, como uma criança
Essas ilhas afortunadas são mitificadas, terras que não
Dormente, a dormir sorrimos.
têm lugar, onde o rei mora esperando. No entanto,
São ilhas afortunadas empiricamente, não podemos encontrar evidências
São terras sem ter lugar, dessas ilhas.
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertando
Cala a voz, e há só o mar.

(26-03-1934)
O Encoberto
Pretende-se, com este poema, associar a vinda do
Que símbolo fecundo Quinto Império ao símbolo dos Rosa-Cruz, homens
Vem na aurora ansiosa? intelectualmente superiores, que pretendiam atingir a
Na Cruz morta do Mundo perfeição, servindo Deus.
A Vida, que é a Rosa.
Pensa-se que Fernando Pessoa tenha pertencido aos
Que símbolo divino
Rosa-Cruz.
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
Destino – sofrimento, para a concretização do projeto
A Rosa, que é o Cristo.
divino.
Que símbolo final
Mostra o sol já desperto? Rosa - redonda, símbolo da perfeição.
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.

(21-02-1933 -11-02-1934)

II. Os Avisos – referência aos que profetizaram o regresso de D. Sebastião e a vinda do


Quinto Império.

Bandarra era um sapateiro de Trancoso, que escreveu trovas


O Bandarra proféticas. Escreveu que o rei morto haveria de regressar, o
que foi interpretado, mais tarde, como uma referência a um
regresso de D. Sebastião.
Sonhava, anónimo e disperso,
O Império por Deus mesmo visto,
O sujeito poético afirma que esse homem anónimo sonhava
Confuso como o Universo
E plebeu como Jesus Cristo. (sonhando o regresso do rei), sem o saber (disperso), a vinda
do Quinto Império. Fê-lo de forma obscura, não compreensível
Não foi nem santo nem herói, para alguém não entendido nas coisas ocultas.
Mas Deus sagrou com Seu sinal
Este, cujo coração foi Foi um plebeu, como Cristo, não era santo, nem herói, mas foi
Não português mas Portugal.
escolhido por Deus, para desempenhar o seu papel em nome
de Portugal, dando-nos um indício de que D. Sebastião haveria
(28-03-1930) de regressar.
António Vieira António Vieira previu a vinda de um Quinto Império cultural, de
língua portuguesa.

O céu ’strela o azul e tem grandeza. O sujeito poético afirma que o Padre António Vieira, homem
Este, que teve a fama e à glória tem, inteligente e visionário, conquistou a fama como imperador da
Imperador da língua portuguesa, língua portuguesa, cumprindo a vontade de Deus, ao conduzir
Foi-nos um céu também.
o povo português e ao profetizar o Quinto Império.
No imenso espaço seu de meditar,
Constelado de forma e de visão, António Vieira surge como isolado, num imenso espaço seu de
Surge, prenúncio claro do luar, meditar, com grandes ideologias. Prenunciou o regresso de D.
El-Rei D. Sebastião. Sebastião (o sujeito poético considera que, ao profetizar o
Quinto Império, profetizava necessariamente o regresso do
Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
rei).
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Esse momento de claridade e certeza será iluminado, pois
Doira as margens do Tejo.
corresponde à conquista do Império de paz, de amor, de
(31-07-1929) verdade, que será liderado por Portugal.

O sujeito poético não dá um nome ao poema, porque se


’Screvo meu livro à beira-mágoa.
identifica a si mesmo como o terceiro profeta.
’Screvo meu livro à beira-mágoa.
Meu coração não tem que ter. Mostra-se infeliz, apenas sentindo alento ao pensar em D.
Tenho meus olhos quentes de água. Sebastião e no seu regresso. No entanto, questiona-se quando
Só tu, Senhor, me dás viver. será esse momento.
Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?

Quando virás a ser o Cristo Apresenta D. Sebastião como um messias, que inaugurará uma
De a quem morreu o falso Deus,
nova ordem de paz e de amor, conduzindo o sujeito poético ao
E a despertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus? fim da tristeza que lhe advém da vivência neste mundo
decadente, de crise, de mal.
Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras português, Com a vinda de D. Sebastião, o sujeito poético pretende
Tornar-me mais que o sopro incerto
desempenhar um papel ativo no projeto de Deus, que já lhe
De um grande anseio que Deus fez?
despertou o sonho, a ansiedade. Por esse motivo, pensa-se que
Ah, quando quererás, voltando, Fernando Pessoa pretende ser associado a D. Sebastião
Fazer minha esperança amor? reencarnado, o messias, que liderará Portugal na conquista do
Da névoa e da saudade quando? Quinto Império.
Quando, meu Sonho e meu Senhor?

(10-12-1928) O sujeito poético pretende que, com o regresso do rei, a


atualidade de esperança, saudade dos tempos de glória
passada e de névoa se transforme num mundo de amor.
III. Os Tempos – refere-se aos tempos atuais, de decadência, de crise, mas de esperança na
recuperação da glória do povo português, o momento de ressurreição,

Noite

A nau de um deles tinha-se perdido


É narrada a história dos irmãos Corte-Real: o primeiro
No mar indefinido.
O segundo pediu licença ao Rei partiu à descoberta, aventurando-se por mar. No
De, na fé e na lei entanto, não regressou. O seu irmão pediu ao rei licença
Da descoberta, ir em procura para o procurar. Passou algum tempo e nem o primeiro
Do irmão no mar sem fim e a névoa escura. nem o segundo irmão regressavam. O terceiro pediu ao
rei licença para o procurar e o rei negou, deixando-o
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
Volveu do fim profundo angustiado, como um prisioneiro.
Do mar ignoto à pátria por quem dera
O enigma que fizera.
Então o terceiro a El-Rei rogou
Licença de os buscar, e El-Rei negou.

Como a um cativo, o ouvem a passar


Os servos do solar.
E, quando o vêem, vêem a figura
Da febre e da amargura,
Com fixos olhos rasos de ânsia
Fitando a proibida azul distância.

Senhor, os dois irmãos do nosso Nome —


O Poder e o Renome —
Ambos se foram pelo mar da idade
À tua eternidade; Também o povo português perdeu os dois irmãos do seu
E com eles de nós se foi Nome, o poder e o renome. Ou seja, perdeu o poder e a
O que faz a alma poder ser de herói. notoriedade associados ao seu nome, que identificavam
o povo português. Assim, se foi o que caracterizava o
Queremos ir buscá-los, desta vil
Nossa prisão servil: povo português como herói.
É a busca de quem somos, na distância
De nós; e, em febre de ânsia, Pretendemos recuperar a nossa glória, recuperando a
A Deus as mãos alçamos. essência de ser português, pedindo a Deus o seu favor.
Mas ainda não é o momento e Deus não dá licença que
Mas Deus não dá licença que partamos.
partamos.
(s/d)
Tormenta
Portugal jaz no abismo, mas é uma potência que se
Que jaz no abismo sob o mar que se ergue? poderá reerguer.
Nós, Portugal, o poder ser.
Que inquietação do fundo nos soergue?
O desejar poder querer.
A noite simboliza a decadência em que nos
Isto, e o mistério de que a noite é o fausto...
encontramos, que é uma morte simbólica, misteriosa.
Mas súbito, onde o vento ruge,
O relâmpago, farol de Deus, um hausto
Mas há indícios, simbolicamente identificados como
Brilha e o mar ’scuro ’struge.
relâmpagos, que são o sinal de Deus, que já
(26-02-1934) prenunciam a claridade.

A calma representa a esperança.


Calma

Que costa é que as ondas contam


E se não pode encontrar Há indícios, trazidos pelo mar, de uma costa em que este
Por mais naus que haja no mar?
desagua. Mas, por mais naus que haja no mar, não
O que é que as ondas encontram
E nunca se vê surgindo? conseguimos encontrar esse espaço.
Este som de o mar praiar
Onde é que está existindo? Esses indícios são de uma ilha próxima, mas longínqua,
porque inacessível, da qual nos surgem sons, indícios, mas
Ilha próxima e remota, que não conseguimos ver.
Que nos ouvidos persiste,
Para a vista não existe. Nenhuma nau consegue encontrar o caminho para essa ilha,
Que nau, que armada, que frota
porque a mesma não se vê.
Pode encontrar o caminho
À praia onde o mar insiste,
Se à vista o mar é sozinho?
O sujeito poético considera a hipótese de haver rasgões no
Haverá rasgões no espaço
Que dêem para outro lado, espaço, que dêem para uma realidade paralela, onde, aqui
E que, um deles encontrado, onde só há sargaço, decadência, se encontre uma ilha
Aqui, onde há só sargaço, afortunada, escondida, onde o rei esteja desterrado, na sua
Surja uma ilha velada, vida encantada, mitificada.
O país afortunado
Que guarda o Rei desterrado
Em sua vida encantada? O mostrengo representa os medos passados, que foram
ultrapassados, mas também representa os novos desafios
(15-02-1934) e mistérios que ainda existem por descobrir, vem acordar
o povo português adormecido, que desvendou o mar,
tornando-o aberto, infinito e sem mistérios, mas não está a
agir no sentido de conquistar o Quinto Império.

Há ainda ansiedade, que inquieta os peitos dos


portugueses que estão descontentes com a sua situação
de crise e sentem que ainda há um projeto a cumprir.

Por isso, o mostrengo, agora servo dos portugueses que


dominaram os seus medos, vem despertar o povo
português.
Antemanhã

O mostrengo que está no fim do mar


Veio das trevas a procurar
A madrugada do novo dia,
Do novo dia sem acabar;
E disse: “Quem é que dorme a lembrar
Que desvendou o Segundo Mundo,
Nem o Terceiro quer desvendar?”

E o som na treva de ele a rodar


Faz mau o sono, triste o sonhar.
Rodou e foi-se o mostrengo servo
Que seu senhor veio aqui buscar.
Que veio aqui seu senhor chamar —
Chamar Aquele que está dormindo
E foi outrora Senhor do Mar.

(8-7-1933)

Nevoeiro Portugal vive uma crise de indefinição, pois não há


nada que defina o país.
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser É um país apagado, sem vigor, porque o seu heroísmo
Este fulgor baço da terra está ofuscado.
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Há uma crise de objetivos, uma crise de identidade e de
Ninguém sabe que coisa quer. valores. Há uma ansiedade por algo que ainda não se
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem. alcançou.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro. Hoje Portugal vive um clima de incerteza, de
Tudo é disperso, nada é inteiro. decadência: é nevoeiro, mas é hora de dar início à
Ó Portugal, hoje és nevoeiro... conquista do Quinto Império.

É a Hora!

Valete, Fratres. Força irmãos – pretende-se motivar à ação todos


aqueles que podem ter um papel importante na
(10-12-1928)
conquista do Quinto Império.

Você também pode gostar