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XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

A eloquente simplicidade discursiva de Jesus na trilogia da redenção

Alexandra Trintin
Formada em Letras (ULBRA), pós em Gestão de Pessoas e Liderança Coach
(UNILASALLE), seminarista (BRASA), mestranda do Curso de Letras (UNIRITTER).
Uniritter
xandatrintin@hotmail.com

Resumo: A eloquência e a simplicidade podem andar juntas. Conhecimentos complexos e


informais são amigos íntimos. A experiência é a base para uma obra de arte. Tais reflexões
remetem para o tema deste artigo: nas parábolas de Jesus, o simples é eloquente. A
presença da experiência do narrador e a utilização de conhecimentos informais para o
sucesso de um discurso religioso permeiam todo texto. Especialmente, para fins de
constatação, escolheu-se como objeto de estudo a trilogia da redenção, que está na lista da
fama dos discursos de Cristo. Para uma análise mais detalhada foi necessário uma
passagem pela definição do gênero escolhido – a parábola, por uma reflexão sobre os
pontos que levaram a essa escolha, pela constatação da relevância do estudo e por uma
identificação de estratégias textuais que elucidam o tema deste artigo. Ao longo do texto,
fica claro que a simplicidade narrativa de Jesus tornou-se tão eloquente a ponto de
imortalizar os discursos citados. Uma inspiração para todo aspirante a orador e uma direção
para construção de discursos que alcancem várias camadas e tipos sociais.

1 Introdução
Muitos oradores ganharam destaque ao longo dos tempos. Conhecidos e
ovacionados pela eloquência e sagacidade de seus discursos, grandes nomes marcaram a
história. O discurso como uma arte ganhou destaque nas academias e como tal precisava
ser bem “tecido”, estruturado e convincente.
O rebuscamento deveria fazer parte da composição de um discurso, sem ele a fala
ou a escrita não teria prestígio. No entanto, um dos maiores oradores da história arrastou
multidões com uma simplicidade discursiva tão eloquente que ainda hoje suas palavras são
lembradas em diversos lugares.
Muitas pessoas o chamam de filósofo, revolucionário e até mesmo salvador. A
Bíblia, porém, nomeia-o como Jesus, o Cristo de Deus. O notável orador que o mundo
conheceu provocou em povos, tribos e línguas o interesse de ouvir os discursos que
ecoavam em terras de Nazaré e Jerusalém. Conhecido por um estilo discursivo inovador,
ele atraiu multidões e marcou a história.
Através de seus discursos Jesus fundou uma das maiores religiões do mundo que é
reconhecida mundialmente. Suas palavras foram atemporais, atingindo culturas e épocas
tão diferentes quanto o conteúdo de suas mensagens. É indiscutível a influência do
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SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016
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Cristianismo na sociedade como um todo, ao longo dos séculos seus ideais foram
reproduzidos através da arte, linguagem, política e lei.
Esse intrigante homem despertou em muitos pesquisadores a curiosidade de
entender quais os motivos de sua publicidade. Afinal, falar bem e ter eloquência
significavam o cultivo da retórica e de todo o rebuscamento disponível por ela. No entanto, a
eloquência de Jesus chamava atenção por sua originalidade. Mas o que tornava suas
pregações tão atrativas?
Dentro deste cenário, restritamente o do discurso religioso, a pergunta que fica é: o
que levou Cristo a discursar tão eloquentemente? O que O destacava em termos de
receptividade e aceitação em relação aos mestres da Lei da época? Por que seus discursos
ainda encontram lugar na história? Perguntas como essas apontam para um norte, a
simplicidade discursiva dEle. Assim, dentro desse contexto, o presente artigo traz como
problema de pesquisa: Como essa eloquência, dita simples, causou e ainda causa tanto
impacto naqueles que tomam conhecimento de seus discursos?
Cabe então, refletir sobre o gênero escolhido por Cristo em suas pregações, bem
como os elementos tangíveis que davam corpo a ele. Especialmente, a metodologia
escolhida durante as narrativas e o público ouvinte. Para análise de caso, escolheu-se como
objeto de estudo a trilogia da redenção, composta pelas parábolas da Ovelha Perdida,
Dracma Perdida e Filho Pródigo.
Para analisar a eloquente simplicidade do orador e a simetria observada nas
parábolas, colocou-se em pauta teóricos como Walter Benjamim e Lev Vigostky, os quais
descrevem a aplicação da experiência e do saber cotidiano como fator de sucesso na
produção de: narrativas e na construção de conhecimentos científicos.
Assim, para alcançar tais objetivos este artigo apresenta uma breve definição sobre
parábola e seus respectivos componentes, uma passagem pela teoria benjaminiana sobre a
experiência na narração, como também pela abordagem vigostikyana sobre os saberes
científicos construídos sobre conhecimentos cotidianos. Posteriormente, será observada a
evidência de tais abordagens nas obras escolhidas, para fins de constatação da
simplicidade eloquente dos discursos de Jesus.

2 Jesus: de religioso à literário


Jesus sabia que seus discursos seriam formadores de opinião. Além disso, Ele desejava
que causassem um impacto tão grande a ponto de transformar quem os ouvisse.
Entretanto, mudança alguma ocorreria se não houvesse seu objeto transformador, a
educação.
Educar não seria tão fácil, exigiria muito mais que transmitir conhecimentos. E de
conteúdos seus seguidores já estavam saturados, haja vista a quantidade de mestres e
doutores da Lei da época. Jesus sabia que aprendizagem seria um processo complexo que
envolveria a pessoa como um todo e não apenas seu intelecto. Dessa forma durante seus
discursos era preciso abranger diferentes níveis de aprendizagem: cognitivo, emocional,
atitudinal e comportamental (MOSCOVICI, 2011).
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Assim, Jesus escolhe sua forma de educar, através da contação de histórias. Mas em
geral, narrar algo não é tarefa fácil. É preciso didática e mediação por meio de uma
linguagem cinematográfica. Os povos na Antiguidade recorriam a uma cultura narrativa para
persuadir, instruir e até mesmo corrigir, e neste caso, a linguagem literária possibilitaria a
tão almejada mudança em seus ouvintes.
O fato de contar histórias está intrinsicamente ligado a um propósito, fazer-se
entender. Jesus não queria ser obtuso, queria ser entendido. Assim, como estratégia
discursiva optou por parábolas, que segundo Sant “Anna (2010) desempenham um papel
importante para o ensino de verdades morais e religiosas, uma vez que são transmitidas de
forma clara, simples e direta.
O papel literário das parábolas serve para produzir uma compreensão e uma
percepção maior por parte dos ouvintes. O caráter metafórico viabilizado pela narração é
muito eficaz quando se objetiva tornar-se claro. A parábola é considerada uma narrativa
literária, pois constitui um gênero discursivo e apresenta elementos literários que podem
facilmente ser identificados, conforme indicados por Bakhtin: estrutura composicional,
temática e estilo (2011).
A parábola ganhou destaque no período clássico através da retórica. Esse tipo
textual correspondia a uma modalidade de literatura que visa estabelecer relações ou
apresentar semelhanças entre elementos. A presença da parábola na literatura grega, tanto
na filosofia quanto na arte literária era uma constante. O próprio Aristóteles, em seu livro
Arte Retórica, divulga-a como um tipo de exemplo e de prova em que o orador utiliza a fim
de tornar o discurso mais claro (ARISTÓTELES, 2005). Na perspectiva aristotélica, o
conceito de parábola remete ao desenvolvimento de um raciocínio ilustrativo, criado para
argumentar e persuadir a respeito de um determinado ponto de vista (ARISTÓTELES,
2005).
Etimologicamente, a parábola (do grego parabolé) é uma narrativa curta, criada com
a finalidade de transmitir verdades morais. Sant “Anna (2010) esclarece que o termo indica
uma comparação ou colocação lado a lado, uma vez que o termo parabolé é derivado do
verbo paraballo (pará = lado a lado e ballo = trazer, colocar). A narrativa baseada nessa
premissa apresenta um caráter proverbial.
Quanto ao tipo textual predominante na parábola, está a narração. Apresenta enredo,
personagens, tempo, conflito e espaço. A relação de anterioridade e posteridade está
sempre presente, já que os episódios são organizados numa disposição que leve à reflexão.
No tocante às parábolas de Jesus, o aspecto discursivo aparece também, uma vez que as
apresenta oralmente.
As parábolas messiânicas possuem diversas características literárias como
amimetismo das personagens, do tempo e do espaço; clareza; objetividade e moral
implícita. O estilo empregado por Jesus corresponde à utilização de determinados recursos
linguísticos, fraseológicos, lexicais e gramaticais. Há uma tendência clara em todas as
parábolas: a utilização de exemplos retirados do cotidiano dos ouvintes. Logo, a principal
característica de suas narrações é a busca pela simetria entre discurso e ouvinte.

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O estilo discursivo empregado por Jesus era totalmente compatível com a realidade
do público alvo. De acordo com Bakhtin (2011), o estilo é o resultado de diversas
particularidades que são permeadas pelo caráter social, histórico e cultural da linguagem.
Assim, o estilo discursivo do galileu não estaria limitado à análise linguística somente. Ele é
o resultado de toda experiência vivida por Cristo e pelo conhecimento do público em
questão.
Além disso, pode-se encontrar nas parábolas de Jesus a sua marca. Toda
experiência judaica e a vivência na Palestina antiga, permeada pelas culturas românicas
serviram como pano de fundo para seus discursos. Segundo Walter Benjamim (1985a), a
experiência é sinônima de sabedoria e autoridade, que pode ser eternizada através de sua
transmissão. Quanto mais empírica for a narrativa, mais eficaz será.
Seguindo a mesma perspectiva, pode-se conhecer melhor a época e o lugar onde Ele
estava situado. Simplesmente, porque “as parábolas são os melhores textos que possuímos
para compreender o verdadeiro discurso do Jesus histórico” (TRACY, 1992, p. 95).
De acordo com Benjamin (1985b), quanto mais experiente o narrador mais brilhante é
a história, visto que a narrativa tem a digital dele, como o vaso tem a do oleiro. Sobre isso
ainda afirma que “O narrador retira da experiência o que ele conta; sua própria experiência
ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes”
(1985b, p. 201). Desse modo, as histórias ouvidas por aquele público seriam perfeitamente
internalizadas e praticadas, visto que sua experiência era valorizada.
As parábolas narradas por Jesus estavam a serviço de um discurso didático-religioso.
Para isso, os ensinos deveriam ser breves e concisos, mas ao mesmo tempo marcantes. De
forma pontual, eram caracterizados por sua extensão geralmente curtos, por isso também a
opção por parábolas. Além disso, este tipo textual tinha a função de evocar uma resposta
por parte de seus ouvintes. Conforme Free; Stuart, (2011, p. 183):
Em certo sentido, a própria parábola é a mensagem. Ela é contada para dirigir-se
aos ouvintes e cativá-los, a fim de fazê-los parar e pensar acerca das suas próprias
ações, ou levá-los a dar alguma resposta a Jesus e ao seu ministério.
O tipo textual escolhido por Cristo visava influenciar diretamente seu público receptor.
Para atingir tal objetivo era necessário ajustar suas parábolas ao estilo esperado pelos
ouvintes. Conteúdos irrelevantes à realidade deles não seriam aceitos, por isso ornamentou
seus discursos não só com a cultura judaica, como também com o ambiente sociocultural
da época.
É preciso entender a cultura do Oriente Médio na época de Jesus para interpretar
suas parábolas. De acordo com Bailey (1985), elas foram construídas em meio à cultura do
camponês oriental. Não se pode entendê-las partindo apenas de uma visão cultural
ocidental. Ao ler uma parábola precisamos considerar a maneira como o povo judeu se
portava e o perfil desse público. Entender o ouvinte original é primordial para a
compreensão do que Cristo dizia afinal suas narrativas eram baseadas no cotidiano
daquelas pessoas.
Segundo Free; Stuart (2011, p. 186), a tarefa de compreensão correspondia a uma
combinação de três fatores:
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Ler as parábolas várias vezes, identificar os pontos de referência pretendidos por


Jesus, que teriam captado os ouvintes originais, e procurar determinar como os
ouvintes originais teriam se identificado com a história, e, portanto, o que eles teriam
ouvido.
Tais elementos são relevantes para a compreensão das parábolas, uma vez que a
linha que tecia seus discursos era retirada do dia a dia de seus ouvintes. O texto precisa ser
compreendido dentro de seu contexto. Essa praticidade motivou Jesus na escolha de seus
argumentos e do gênero aplicado.
O amimetismo é pontual nas parábolas de Jesus, pois as personagens, o tempo e o
espaço não reproduzem uma realidade específica (SANT “ANNA, 2010). A impessoalidade
é comum, personagens são apresentadas sem nomes próprios, sem o individualismo de
uma pessoa. Em função dessa neutralidade, há uma maior identificação por parte do
público. Elas são representadas por profissões como: lavradores, fazendeiros, juízes, reis,
servos, pais, filhos entre outras categorias sociais. Dessa maneira, a abrangência é maior, o
anonimato permite qualquer pessoa se enquadrar nas respectivas ilustrações.
Geograficamente, o espaço é representado sem especificidades de localização na
realidade extraliterária. O discurso é deslocado para qualquer região do planeta que se
identifique com a lição proposta (SANT “ANNA, 2010). Dessa forma, passa a fazer parte do
imaginário sendo transfigurado a partir do real. Em termos temporais, não há perspectivas
cronológicas, não há correspondência histórica. É atemporal, e assim sendo é aplicável em
todas as épocas.
Jesus contou parábolas em diferentes situações. Às vezes a mesma lição era
contada, porém de formas diferentes. O motivo disso? Estar compatível com o público
ouvinte. Temas como: perdão, amor, perseverança, Reino dos Céus, fim dos tempos e
arrependimento eram abordados por Ele. Uma diversidade de elementos era aproveitada
também em suas narrativas, como: ambientes rurais, urbanos, domésticos, personalidades
sejam elas conhecidas ou comuns da época. A exploração de tais recursos tornava cada
vez mais simétricos os seus discursos, e, portanto, convincentes.
Tais pontos de referência faziam com que seus ouvintes fossem jogados para dentro
das narrativas, conforme Free; Stuart (2011, p. 185):
Os pontos de referência são apenas aquelas partes da história que trazem o ouvinte
para dentro dela, partes com as quais ele deve identificar-se de alguma maneira à
medida que a história prossegue.
O conhecimento que Jesus tinha sobre os pontos de referência de seus ouvintes
fazia toda diferença. Baseado em sua própria experiência, transitava fluentemente entre o
conhecimento cotidiano de seus ouvintes e as ideologias complexas que queria ensinar. A
chave para a compreensão do público em questão estava no conjunto ilustrativo que usava:
exemplos do dia a dia.
Walter Benjamin (1985) dizia que a narrativa para ser agradável precisava ter uma
dimensão utilitária, prática e que, para ser assimilada era necessária uma simplicidade da
parte do orador. Conforme o autor (1985, p. 204):
Quanto maior a naturalidade com que o narrador renuncia às sutilezas psicológicas,
mais facilmente a história se gravará na memória do ouvinte, mais completamente

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ela se assimilará à sua própria experiência e mais irresistivelmente ele cederá à


inclinação de recontá-la um dia.
A armadilha do rebuscamento e da formalidade era comum na época de Jesus.
Grandes doutores da lei cansavam seus ouvintes com discursos totalmente
descontextualizados da realidade deles. Jesus justamente inovou nesse aspecto. Seus
discursos eram simples, mas ao mesmo tempo muito eloquentes, uma vez que eram
inspirados na plateia. Nada poderia gerar maior identificação. A naturalidade com que
pregava levava seus ouvintes à assimilação de todas as verdades por Ele ensinadas,
passando de geração em geração. Suas narrativas são recontadas até os dias atuais,
sendo pronunciadas por doutores e leigos. Ninguém, em toda história, foi capaz de traduzir
conceitos teológicos tão complexos como Cristo foi capaz de fazer.
Outro estudioso que destaca o benefício do uso de exemplos cotidianos para a
aprendizagem é Levi Vygotsk. De acordo com ele, há dois tipos de conceitos: o cotidiano e
o científico (FRIEDRICH apud VIGOTSKY, 2012). Conceito cotidiano é compreendido como
a aprendizagem que ocorre em momentos informais de ensino e, conceito científico é
concebido quando se instrumentaliza aquilo que já se sabe. Assim, para se construir um
saber é necessário alicerçá-lo sobre o conhecimento já existente.
Tal processo já era utilizado por Cristo, uma vez que acrescentava uma nova ideia
baseada em outra então conhecida. Vygotsk diz que o ensino de um conceito científico deve
estar apoiado em um conceito cotidiano, isto é, parte-se de algo já conhecido pelo
interlocutor e constrói-se um conhecimento mais elaborado. Friedrich ao analisar a teoria
de pensador russo (2012, p. 101) salienta:
Vigotsky insiste no fato de que o conceito científico não anula de maneira alguma a
etapa precedente à formação de conceitos, mas se apoia nela e a transforma. O que
explica a possibilidade de ligações supra empíricas entre os conceitos.
Dessa forma, o novo é construído sobre o já existente. Exemplificando a autora utiliza
a analogia do ensino da língua, para se ensinar a linguagem escrita é preciso partir da
linguagem oral, fazendo uma decomposição e uma recomposição, a fim de aprendê-la.
Dessa forma, a “linguagem oral deve ser usada como mediadora para a aprendizagem do
escrito” (FRIEDRICH, 2012).
Assim como o escrito não pode ser aprendido sem a referência do oral, conceitos
complexos não podem ser aprendidos sem o auxílio de conceitos simples. Jesus baseava
suas pregações justamente nesse princípio. Não ensinava uma verdade da Lei de Deus se
esta não partisse de algo já conhecido, por isso o uso de parábolas. Quando se dirigia a
agricultores, ilustrava seu discurso através de elementos correspondentes a está prática,
como: lavrador, terra, semente, frutos. Quando se dirigia a pescadores, utilizava como
exemplos a prática da pesca e seus componentes como: peixes, rede, mar, barco.
No entanto, quando os leitores do século XXI leem as parábolas de Cristo, tem certa
dificuldade em compreendê-las - em função do distanciamento cultural existente entre eles
e o público original de Jesus. Tal público também encontraria dificuldades para entender
qualquer mensagem “divina” caso Cristo usasse exemplos e argumentos pertencentes ao
século vigente. Por isso, Ele usou exemplos concretos, partindo do conhecimento cotidiano

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de seus ouvintes. Para fins de compreensão, basta os atuais leitores identificar o público
original e para o orador em questão bastava determinar os pontos de referência de sua
plateia.
É como se a matéria prima do narrador fosse a experiência de seus ouvintes,
conforme Benjamim ( 1985b, p. 221) descreve:
Podemos ir mais longe e perguntar se a relação entre o narrador e sua matéria – a
vida humana - não seria ela própria uma relação artesanal. Não seria sua tarefa
trabalhar a matéria-prima da experiência – a sua e a dos outros – transformando-a
num produto sólido, útil e único?
Jesus era o artesão que conseguia transformar essa matéria prima em arte. O
sucesso de seus discursos estava justamente no uso dessas experiências, as quais eram
retiradas do cotidiano de seus ouvintes.
Diante do exposto até aqui, evidencia-se uma relação entre Jesus e seus
interlocutores, uma vez que os discursos proferidos eram baseados em sua própria
experiência e na de seus ouvintes. Não apenas isso, o conhecimento sobre o público
direcionou as escolhas linguísticas do gênero como também o estilo das parábolas.
A título de análise de caso, três parábolas foram escolhidas: Ovelha perdida, Dracma
perdida e Filho pródigo. Justamente para fins de constatação da simetria entre público e
orador e o sucesso de sua eloquência, uma vez que Jesus os proferiu diante de três
públicos distintos: pecadores¹, fariseus² e publicanos³.
O cenário que Jesus estava inserido é fundamental para se compreender o porquê
de três parábolas com a mesma temática serem narradas num intervalo curto de tempo e
numa sequência lógica. Para entendê-las é preciso identificar seu público, já que a
provocação para esse discurso se dá em função da murmuração de alguns presentes que
questionavam a convivência de Jesus com um determinado grupo de pessoas, as quais
inspiraram a tão famosa trilogia da redenção.
Jesus estava perante três grupos distintos de pessoas. O primeiro grupo era de
fariseus e escribas, integrantes da liderança religiosa judaica. Conforme o próprio nome
sugere eram “separatistas”, esse grupo surgiu quando alguns judeus retornaram do exílio
para Judeia (NEEMIAS 1). A missão dos fariseus era reconstruir uma sociedade judaica
baseada na observância da Lei. Eram rigorosos, legalistas e cultuavam as tradições. Nos
tempos de Jesus esse grupo era muito numeroso, poderoso e influente. De forma geral,
eram conhecidos pela cobiça, crueldade, justiça própria e hipocrisia. Junto a eles estavam
os escribas, copistas dos textos sagrados e mestres da Lei. Eram profissionais na
interpretação das Escrituras do Velho Testamento (MARCOS 7: 7-8).
Os publicanos por sua vez não representavam nenhum partido político nem religioso.
Eram considerados como traidores da pátria, visto que seus serviços prestados eram
dirigidos ao Império Romano – força opressora da época. Esses funcionários eram odiados
pelos judeus, principalmente pelos fariseus que os reputavam como pecadores, igualando-
os as meretrizes (MATEUS 9: 10; MARCOS 2:15). Era comum Jesus comer com
publicanos, além de se hospedar em suas casas. Tal atitude despertava a fúria dos fariseus,

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pois achavam que alguém que se dizia enviado por Deus não poderia se relacionar com
“pecadores”.
Os “pecadores” por sua vez eram pessoas simples que não guardavam as Leis. Entre
este grupo estavam: prostitutas, pastores, ladrões, homicidas e todo aquele que não seguia
as tradições. Os fariseus acreditavam que caso viessem a se relacionar com os
“pecadores”, estariam se igualando a eles. Jesus ensinava que não, que apesar de não
concordar com suas atitudes, poderia perfeitamente conviver com eles.
Durante o discurso realizado por Jesus em que narrou a trilogia que aborda o amor
de Deus pelo perdido, Ele se depara com esse público composto. De um lado publicanos e
“pecadores” e de outro: fariseus e mestres da Lei. Obviamente, o discurso não seria o
mesmo. Daí a necessidade de falar sobre o mesmo tema de forma distinta.
A impessoalidade é marcante nessas três parábolas. Personagens, tempo e espaço
não ganham nomes e nem são pontuados na realidade externa. Pelo contrário, são
anunciados pelas profissões e grau de parentesco. O ambiente também é neutro: campo,
ambiente doméstico e fazenda. Tal neutralidade proporciona uma atemporalidade e
aceitação de suas narrativas.
O clima tenso e separatista do momento levou Jesus a ensinar uma grande lição
àqueles homens da Lei. Digno de nota é o fato de as três parábolas conterem o mesmo
tema. Nelas, alguma coisa sempre é perdida. De cem ovelhas, uma se perde (LUCAS 15:
4), de dez dracmas, uma se perde (LUCAS 15: 8), de dois filhos, um está perdido (LUCAS
15: 24).
Durante as três narrativas, os donos sempre anseiam por seus pertences perdidos.
Na parábola da ovelha perdida, o pastor, deixa noventa e nove no aprisco e viaja a procura
de uma única perdida. Na parábola da dracma perdia, a mulher reserva outras nove moedas
e procura diligentemente aquela que se perdeu. E, na parábola do filho pródigo, o pai
aguarda ansiosamente pelo retorno do filho e quando chega, o pai corre ao seu encontro,
abraça-o e beija.
Outro elemento em comum é a alegria demonstrada em encontrar o que estava
perdido. Nas três histórias, os donos se alegram e convidam vizinhos, parentes e amigos
para festejar. Demonstrando a satisfação pelo reencontro. Uma ótima forma de ensinar o
amor incondicional de Deus por aquele que se afasta, indicando a alegria que há no
coração de Deus quando um “pecador” se arrepende.
Ao contar a parábola da ovelha perdida, Jesus se dirige a um público de “pecadores”
e entre eles estavam alguns pastores de ovelhas. Nada mais sensato que utilizar a
experiência de vida desses homens para ilustrar uma teologia complexa. Como profissionais
da área eles sabiam que apesar da ovelha optar por um caminho diferente e se desgarrar
do resto do rebanho, eles procurá-la-iam incansavelmente.
Afinal, um pastor fazia isso: zelava para que todas fossem conduzidas em segurança
até seu destino. Metaforicamente, o pastor representa Deus, as ovelhas o homem e o
destino deles logicamente é o céu. Jesus era um observador, conhecia a prática de trabalho
dessa classe de pessoas. Ele próprio se intitula como pastor de ovelhas, ilustrando seu
cuidado para com os homens, conforme Evangelho de João (10:11,14 16):
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Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas [...] Eu sou o bom
pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim [...] Ainda tenho
outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a
minha voz, então, haverá um rebanho e um pastor.
Simbolicamente, ao utilizar conceitos e procedimentos desse ofício, define
perfeitamente o complexo amor de Deus pela humanidade e seu plano de salvação. Com
uma linguagem simples e apropriada a seus ouvintes discursa deliberadamente sobre o
amor incondicional do supremo pastor.
Não obstante, Jesus ainda precisava se fazer entender por outro tipo social, os
publicanos. Um grupo de pessoas mais urbanizado e materialista, acostumado com a
agitação das cidades. Mas na plateia estavam também mulheres, um número grande delas,
afinal Jesus desenvolve sua próxima narrativa em um ambiente doméstico e utiliza o
dinheiro como objeto para ilustrar, já que isto era algo muito desejado pelos cobradores de
impostos.
A parábola da dracma segue a mesma linha: algo precioso que se perdeu. A mulher
descrita nessa narrativa era uma camponesa pobre e as dez dracmas representavam dez
dias de trabalho. A dracma era uma moeda grega de prata estimada no valor de um dia de
trabalho (MATEUS 26:15). Assim, poderia indicar a poupança da família ou até mesmo seu
sustento.
O cenário dessa história é doméstico. Uma casa é apresentada e a prática de
limpeza, já que usa o termo vassoura para exemplificar o esforço realizado pela mulher para
encontrar seu objeto perdido. Ao mesmo tempo em que descreve um ambiente simétrico ao
da realidade das mulheres que O ouvia, utiliza como recurso também o objeto de trabalho
dos publicanos, o dinheiro. Assim, o contexto feminino está presente como também a
ambição dos cobradores de impostos. Ao utilizar tais pontos de referência, desenrola sua
narrativa tornando-a acessível ao público em questão.
Desse modo, atingiu tanto ao público feminino quanto ao masculino. Utilizou peças
importantes do cotidiano dessas pessoas. E, baseado em seus conhecimentos informais,
construiu um conhecimento formal que era ensinar ao homem o plano de redenção.
Ainda restava uma parcela de ouvintes que não seria fácil convencer, a dos mestres
da Lei. Tanto os fariseus quanto os escribas não entendiam o amor incondicional de Deus e
seu propósito de salvação em Cristo. Em outros capítulos do livro, Jesus reforça o que havia
ensinado dizendo: “Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido” (LUCAS
19:10). Na compreensão desses mestres da Lei, a salvação era para aqueles que
guardavam todas as orientações bíblicas do Velho Testamento. Aos “extraviados” cabia a
perdição.
Na parábola do filho pródigo, há vários elementos importantes. Como a figura de um
pai indicando autoridade, já que os fariseus eram tradicionalistas. A figura de um filho mais
velho, portanto mais responsável. E, a figura de um filho mais novo, indicando alguém com
pouca experiência e impulsivo.
O conflito da história se dá quando o filho mais novo pede sua parte na herança. O
pai sem hesitar atende a vontade do filho, algo que indica que todo homem tem livre arbítrio.
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Entretanto, no decorrer da narrativa o filho pródigo se dá conta de que junto ao pai ele teria
mais conforto, segurança e alegria. O retorno é inevitável, mas a diferença está na forma
como é recebido. Para aqueles mestres da Lei o perdão jamais aconteceria, visto que eram
legalistas e rigorosos em seus julgamentos.
O pai descrito por Jesus tem uma atitude muito diferente daquela esperada pelos
fariseus. Ele perdoa, aceita e restitui ao filho o que havia perdido, a saber: a presença do
pai e toda provisão de recursos. Além de recebê-lo com uma festa. A entrega desses
recursos indica que quando um homem se arrepende de seus maus caminhos, recebe de
Deus a restituição de tudo.
A festa para comemorar o retorno é outro recurso utilizado por Cristo para ensinar.
Além de discutir sobre a redenção e confrontar a forma legalista e rigorosa com que os
fariseus e escribas agiam, Jesus ainda precisava os “libertar” dessa forma de pensar. Para
isso, destaca o ponto de vista do filho mais velho. Este filho era experiente e obediente. Não
fazia nada de errado, ajudava o pai em relação à fazenda. Porém quando se deparou com a
cena do perdão incondicional se sentiu frustrado e traído.
Cabia aos fariseus à tarefa de zelar pela religiosidade do povo de Israel, assim como
o filho mais velho da parábola cabia cuidar da fazenda do pai. Jesus estava os elogiando
em relação aquilo que já faziam de bom, que era guardar a Lei de Deus, porém estava
também os confrontando em sua forma rigorosa de ser, ensinando-os que não deveriam
usar essas obras para condenar os mais fracos.
As três parábolas trabalham em conjunto, indicam um mesmo tema, porém com
abordagens diferenciadas assim como o público que estava presente. A destreza em
contemplar a todos e sanar a demanda de classes tão diferentes é peculiar a Cristo.
Especula-se que talvez o fato de exemplificar tão bem a teologia da salvação, é que a
trilogia da redenção se tornou tão conhecida e recitada por diversos povos.

4 Conclusões
Jesus apresentava uma destreza singular ao discursar. Ele observava seus ouvintes,
identificava seus pontos de referência e posterior construía suas narrativas sobre esse pano
de fundo. Ninguém ficava sem entender o que era dito. Além de todos serem acometidos de
uma significativa impressão.
O impacto que seus discursos causavam nas pessoas era tão grande quanto à forma
de Jesus discursar. Ele queria se fazer entender, tinha verdades teológicas complexas para
ensinar, e para isso acontecer, era preciso se limitar a compreensão de seus ouvintes.
Utilizar sua própria experiência e a de seu público para produzir argumentos e exemplos foi
uma estratégia fantástica. A eloquência desse homem estava na simplicidade, na
observação, na experiência e na motivação de atingir a todos sem exceção.
Tamanha iniciativa O diferenciou dos demais mestres da época. O rebuscamento e
as armadilhas argumentativas pareciam não existir. Percebe-se que a intenção não estava
XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação
SEPesq – 24 a 28 de outubro de 2016
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Centro Universitário Ritter dos Reis

em impressionar, mas sim em se fazer entender. Muitos oradores atuais caem nas
armadilhas do pernosticismo, resultando em um público entediado e inexpressivo. Aos
aspirantes da fala em público, está o exemplo de Jesus. Se for para impressionar, que seja
pela originalidade, pela simetria, pela equidade e não pela ostentação de conceitos tão
complexos que nem o próprio orador consegue organizar.
O sucesso de seus discursos é inquestionável, afinal baseado neles uma das
maiores religiões do mundo surgiu. O paradoxo presente nisso é instigante, afinal da
simplicidade surgiu à grandeza.
Através da trilogia apresentada por Jesus, a redenção se tornou compreensível a
qualquer classe social, raça ou religião. Por intermédio dela, pode-se dizer que eloquência
se vestiu de simplicidade e nunca o simples foi tão grandioso.

Referências
BAILEY, Kenneth E. A poesia e o camponês: uma análise literária-cultural das parábolas
em Lucas. Trad. Adiel Almeida de Oliveira. São Paulo: Nova Vida, 1985.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Trad. Paulo Bezerra. 6 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2011.

BÍBLIA SAGRADA. Tradução de João Ferreira de Almeida. Ed. revista e atualizada no


Brasil. 2 ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

FREE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes o que lês? um guia para entender a Bíblia
com auxílio da exegese e da hermenêutica. Tradução Gordon Chown e Jonas Madureira.
São Paulo: Vida Nova, 2011.

FRIEDRICH. Janette. Lev Vigostki: mediação, aprendizagem e desenvolvimento: uma


leitura filosófica e epistemológica. Tradução Anna Raquel Machado e Eliane Gouvêa
Lousada. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras, 2012.

GERMANO, Altair. Uma Perspectiva Conceitual, Histórica, Bíblica e Prática: o Líder


Cristão e o Hábito de Leitura. Rio de Janeiro: CPAD, 2011.

SANT‟ANNA, Marco Antônio D. O gênero da parábola. São Paulo: UNESP, 2010.

TRACY, David. Metáfora da religião: o caso dos textos cristãos. In.: SACKS, Sheldon.
(org.) Da metáfora. São Paulo: Pontes, 1992.

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