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0X

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ


FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS
CURSO DE LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA E SUAS RESPECTIVAS
LITERATURAS

SILVANA RAQUEL SILVA DE AGUIAR

A SECA DO SERTÃO CEARENSE NA OBRA O QUINZE DE RACHEL DE


QUEIROZ

LIMOEIRO DO NORTE – CEARÁ

2021

SILVANA RAQUEL SILVA DE AGUIAR


1X

A SECA DO SERTÃO CEARENSE NA OBRA O QUINZE DE RACHEL DE


QUEIROZ

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Letras- Língua Portuguesa da Faculdade
de Filosofia Dom Aureliano Matos da
Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial à obtenção do grau de
licenciatura em Letras-Língua
Portuguesa.

Orientadora: Profª Dra. Sarah Maria


Forte Diogo

LIMOEIRO DO NORTE – CEARÁ

2021

SILVANA RAQUEL SILVA DE AGUIAR


2X

A SECA DO SERTÃO CEARENSE NA OBRA O QUINZE DE RACHEL DE


QUEIROZ

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Letras- Língua Portuguesa da Faculdade
de Filosofia Dom Aureliano Matos da
Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial à obtenção do grau de
licenciatura em Letras-Língua
Portuguesa.

Aprovada em: __/__/____

BANCA EXAMINADORA

Prof Me. João Paulo Rodrigues de Lima (Orientador)


Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos – FAFIDAM
Universidade Estadual do Ceará – UECE

Prof. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos – FAFIDAM
Universidade Estadual do Ceará – UECE

Prof. XXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
3X

Dedico este trabalho à minha mãe, Iolanda e


meu pai, José Lauro, por serem os maiores
exemplos de amor na minha vida. Suas ações,
suas palavras, e de forma geral, o apoio que
me forneceu e fornece até hoje, foi o que me
possibilitou chegar até aqui.

AGRADECIMENTOS
4X
5X

O insucesso é apenas uma oportunidade para


recomeçar com mais inteligência.

(Henry Ford)

RESUMO
6X

Este trabalho tem como principal objetivo discorrer a respeito da seca presente na obra O
Quinze de Rachel de Queiroz. A autora teve seu primeiro grande destaque na literatura a partir
desse livro, o qual tornou seu nome conhecido em todo o território nacional, dando força para
que se tornasse a primeira mulher na Academia Brasileira de Letras. Abordaremos a seca no
âmbito literário, demonstrando suas nuances à luz do pensamento da autora. Nossa pesquisa
se volta para uma descrição sobre os efeitos da seca no interior do Ceará, retratados na vida de
personagens fictícios. Veremos a atuação do governo da época, que deveria por meio de
políticas públicas, encontrar uma solução para esse problema. Baseados no livro, veremos
também os Campos de Concentração, assim como a trama dos personagens presentes neles, as
características do Sertão, a vida dos retirantes e alguns dos principais aspectos literários que
podemos encontrar em O Quinze. Esses aspectos literários correspondem à linguagem, o
tempo e o espaço, o enredo, as vidas dos personagens, a narrativa e a representação da seca
numa obra literária. As perspectivas de nossa pesquisa se voltam para a compreensão desse
fenômeno recorrente no interior do Ceará, tema central na obra da autora, dando-nos um
caminho seguro que possibilite a compreensão da vida do povo simples e forte do Sertão
nordestino.

Palavras-chave: Rachel de Queiroz. Seca. Retirantes. O Quinze. Literatura.


7X

ABSTRACT

This work has as its main objective, discussing the drought present in the book O Quinze by
Rachel de Queiroz. The author had her first major highlight in literature with that book, which
made her name known throughout national territory, giving her enough influence to become
the first woman to join the Brazilian Academy of Letters. We will approach the drought in the
literary sphere, demonstrating its nuances under the perspective of the author’s thoughts. Our
research develops a description of the effects of the drought in the backlands of Ceará,
portrayed in the lives of fictional characters. We will see the performance of the government
of the time, which should have found a solution to the problem through public policies. Based
on the book, we will also see the Concentration Camps, as well as the plot of the characters
present in it, the characteristics of the Sertão, the life of the retreatants and some of the main
literary aspects that we can find in O Quinze. These literary aspects correspond to language,
time and space, the plot, the lives of the characters, the narrative and the drought’s
representation in a literary work. The perspectives in our research are directed towards the
understanding of the recurrent phenomenon in the countryside of Ceará, main theme of the
author’s work, which gives us a safe path that allows for a comprehension over the life of the
simple, yet strong people of the Northeastern Sertão.

Keywords: Rachel de Queiroz. Drought. Retreatants. O Quinze. Literature.


8X

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 9

2 AS SECAS NO CEARÁ............................................................................................ 11

2. Um breve histórico das secas................................................................................... 11


1
2. Políticas públicas de combate à seca........................................................................ 14
2
2. Os Campos de Concentração no Ceará................................................................... 19
3
3 O SERTÃO CEARENSE NA OBRA DE RACHEL DE QUEIROZ................... 24

3. Características do Sertão em O Quinze................................................................... 24


1
3. A vida dos retirantes.................................................................................................. 28
2
4 ASPECTOS LITERÁRIOS DA OBRA O QUINZE.............................................. 34

4. O enredo, o tempo e o espaço.................................................................................... 34


1
4. Os personagens e a linguagem.................................................................................. 38
2
4. A seca em uma obra literária.................................................................................... 41
3
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 45

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 47
9X

INTRODUÇÃO

Os jogos digitais, especialmente os online, possivelmente são o berço do


surgimento dos neologismos a partir dos estrangeirismos de língua inglesa. O contato
entre pessoas falantes de diversas línguas torna necessária a comunicação através de
uma língua que, naquele ambiente, seja comum entre todos e no século XXI, esta língua
é a língua inglesa. A influência do inglês, somada ao fato de nos jogos existirem ações
completamente diferentes de conceitos existentes na vida real, torna necessário o
surgimento de novas expressões que sejam capazes de descrevê-las. A partir disto,
jogadores utilizam o radical de palavras de língua inglesa, unindo-as a afixos de língua
portuguesa, dando origem a neologismos jamais vistos em outras áreas da interação
humana. Analisaremos estas novas expressões, assistindo partidas dos jogos digitais
mais famosos de cada gênero da atualidade, através de vídeos postados no YouTube.

A língua portuguesa adota palavras de outros idiomas, em alguns casos


adaptando-as, em outros, mantendo sua forma original, desde tempos remotos. Durante
as navegações portuguesas, o contato do português com outros idiomas resultou na
adoção de empréstimos, tal qual afirma Infante (2001, p. 193) “(...) as navegações
portuguesas permitiram empréstimos de línguas europeias [sic] modernas e de línguas
africanas, americanas e asiáticas”. O que acontece na atualidade não é diferente, apenas
com uma velocidade muito maior, e relativamente aos navios e barcos, os jogos digitais
desempenham fortemente esse papel nos dias atuais, sendo eles o meio de transporte
que facilita o contato entre diferentes línguas e culturas. Selecionamos os jogos mais
famosos de cada gênero na coleta de dados por motivos de popularidade, já que com um
maior número de jogadores, são maiores também, a interação e as ocorrências do
fenômeno observado.

A popularidade dos games online vem aumentando a cada ano e, de acordo com
a CNN Brasil (2020), “pesquisa encomendada pela Brasil Game Show (BGS) junto ao
Instituto Datafolha, deu detalhes do cenário do público gamer no Brasil, que já
ultrapassa a marca de 67 milhões de consumidores de jogos eletrônicos, segundo os
10X

dados”. Além disso, a indústria dos jogos digitais é uma das poucas que não teve baixa
nos tempos de pandemia, ao contrário, cresceu 140% no Brasil em 2020 ante 2019
(Valor Investe, 2021). Com o crescente número de jogadores de jogos digitais que já
ultrapassa a população do Reino Unido, Itália ou Canadá, os estrangeirismos e
neologismos por estrangeirismos se mostram fenômenos com certo potencial de
enriquecimento linguístico, uma vez que cada vez mais pessoas fazem uso destes, para
criar expressões que descrevem ações antes inexistentes na língua portuguesa.

Até o momento, os estrangeirismos e os neologismos por estrangeirismos vêm


sendo estudados pela sociolinguística, por autores como; KOSHIYAMA, (2008);
RODRIGUES, (1999); VALADARES, (2013); PINHEIRO, et. al. (2020), na área da
linguística textual por FIORIN, (2004) e na área da linguística cognitiva por
LANGACKER, (1972), entre outras áreas dos saberes linguísticos. Contudo, durante
nossa pesquisa, não foi possível encontrar nenhum autor abordando tais neologismos
que ganharam enorme força com os jogos digitais. É por esse motivo que este trabalho
se propõe abordar não somente os estrangeirismos e empréstimos, já que eles dão
origem aos neologismos, mas também analisar os neologismos por uma abordagem
diferente, a das regras de construção de palavras. A origem do surgimento dos
neologismos por estrangeirismos é incerta, mas sabe-se que os jogos digitais,
especialmente os online dão continuidade à criação deste fenômeno, ampliando e
enriquecendo cada vez mais o acervo de palavras que se enquadram como tal.

Há cerca de dezessete anos, já haviam algumas expressões sendo utilizadas em


jogos como Counter Strike, expressões tal qual cheater, cheatou, que significam,
respectivamente, trapaceiro e trapaceou etc. No entanto, foi com a popularização dos
games como e-sports (esportes eletrônicos), que surgiu o conceito de partidas
competitivas em um sistema de ranking, que mede o nível de habilidade dos jogadores,
criando a necessidade de uma comunicação mais prática que exige o uso de expressões
específicas para descrever determinadas ações e jogadas exclusivas de jogos digitais e,
em alguns casos, exclusivas até mesmo em certos gêneros de jogos.

A partir desta perspectiva, analisamos os estrangeirismos da língua inglesa e


neologismos por estrangeirismos oriundos do contato entre as línguas portuguesa e
inglesa, através das regras de formação de palavras da língua portuguesa, a fim de tentar
compreender como surgem tais expressões e realizar uma análise morfossintática
(Villalva e Silvestre, 2014) das mesmas. Deste modo, observamos vídeos diversos de
partidas de jogos digitais com o objetivo de encontrar ocorrências das expressões
11X

referidas e também analisamos os tipos de afixos atribuídos a essas palavras,


comparando-os com os mesmos tipos presentes nas palavras de língua portuguesa e,
com base na definição de cada tipo de afixo, explicamos como isto ocorre nos
neologismos por estrangeirismos.

Ainda na fundamentação teórica, nos adentramos nos detalhes da proposta de


nossa pesquisa, ao abordar os diferentes tipos de afixos. O primeiro a ser abordado, são
os sufixos derivacionais que possuem como uma de suas características, a capacidade de
alterar a classe gramatical das palavras. Explicitamos também, os afixos modificadores
presentes nas palavras híbridas das línguas portuguesa e inglesa. O nome de afixos
modificadores se dá pelo fato deles possuírem a capacidade de modificar o valor
semântico das expressões. Eles são divididos em várias subdivisões, cada uma delas
com diferentes propriedades. Essas modificações podem atribuir valor avaliativo
(diminutivo e aumentativo), negação, oposição, localização espacial, localização
temporal, quantificação e repetição.

Este trabalho científico foi organizado em XX capítulos, sendo o primeiro


deles, a introdução, onde são apresentadas informações gerais acerca da pesquisa e o
que se pode esperar dela. Em seguida, no capítulo dois, introduzimos a fundamentação
teórica que é subdividida em subseções, sendo cada uma delas, responsável por abordar
conceitos ligados à pesquisa. Na primeira parte, discorremos sobre os estrangeirismos e
empréstimos linguísticos, na segunda, abarcamos os neologismos por estrangeirismos,
na terceira parte, explicamos os conceitos básicos da Teoria X-barra que possui
conceitos relacionados a teoria de formação de palavras através da afixação,
fracionando a explicação em duas subseções menores. Na quarta parte, discorremos
sobre os neologismos por estrangeirismos em três diferentes subseções destinadas para
cada tipo de afixo.

Em seguida, apresentamos a metodologia de abordagem adotada, onde


explicamos como a análise do assunto é desenvolvida e apresentamos as características
da pesquisa e os procedimentos de coleta de dados e critérios selecionados para tal. O
capítulo análise das ocorrências foi destinado para a dissecação dos neologismos por
estrangeirismos e é onde nos aprofundamos a respeito da natureza das expressões
analisadas a partir da perspectiva do pesquisador, tomando as regras de formação de
palavras através de sufixos e prefixos de Villalva e Silvestre (2014) como base para a
fundamentação do estudo. Por fim, nas considerações finais, apresentamos opiniões
sobre possíveis contribuições que tais palavras podem proporcionar para todas as áreas
12X

da interação humana, caso fossem aceitas oficialmente pela língua portuguesa,


contribuindo para o enriquecimento da linguagem, além de conclusões acerca da
pesquisa realizada.

Espera-se que esta pesquisa possa contribuir para os estudos linguísticos de


diversas formas diferentes. Entre elas: reconhecer os jogos digitais como ambiente
propício para a realização de pesquisas de linguística; favorecer uma maior contribuição
a respeito das expressões abordadas; despertar em futuros pesquisadores, o interesse
pelo objeto de estudo, inclusive, por meio de outras abordagens.

5 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo, abordamos os conceitos básicos que dão alicerce para o


corpo desta pesquisa, sustentada nas teorias acerca das regras de formação de palavras
por meio do processo de atribuição de afixos. Nesta pesquisa, este processo é o pilar
principal para o surgimento dos neologismos aos quais atribuímos a terminologia
neoestrangeirismos, aspecto discutido nos capítulos posteriores.

5.1 Estrangeirismos e Empréstimos Linguísticos

Os conceitos de empréstimos e estrangeirismos já foram amplamente


discutidos em diversos trabalhos científicos, livros e artigos por autores como Couto
(1994), Fiorin (2004), Koshiyama (2008), entre outros, principalmente na área da
sociolinguística. Ainda assim, mesmo já havendo um consenso sobre as características
de ambos, frequentemente surgem questionamentos acerca do assunto, uma vez que eles
não englobam todas as ocorrências de palavras estrangeiras presentes em determinadas
línguas. Nesta seção, abordaremos estrangeirismos e empréstimos, além de variações
que emergem a partir deles. De acordo com Carvalho (2002, p. 44), “(...) o empréstimo
constitui-se na fase de instalação e adaptação do termo. O termo pode ser rejeitado,
adotado ou substituído”.

A nomenclatura futebol é uma das situações de empréstimos discorrida pela


autora. A versão moderna do afamado jogo de football surgiu na Inglaterra e tornou-se
um dos esportes mais populares no Brasil. O desporto trouxe consigo alguns termos,
13X

entre os quais, dois também foram “aportuguesados”: gol (goal) e pênalti (penalty), que
se configuram como empréstimos por terem sido usados em sua forma original como
estrangeirismos até que ocorresse o que chamamos de aportuguesamento. Outras
terminologias relacionadas ao futebol como goal-keeper, center-foward e back, assim
como as anteriores, foram utilizadas no início, mas foram descartadas em prol das
traduções: goleiro; meia ofensiva e zagueiro, respectivamente.

Aos estrangeirismos, cabe a definição de palavras de língua estrangeira


presentes em outra língua, que não foram adaptadas aos padrões lexicais da mesma.
Mas se fosse assim tão simples, o que dizer de palavras como, notebook ou outdoor, que
são de origem inglesa, presentes no português brasileiro sem terem sido adaptadas, e
que em português possuem significados completamente diferentes de seus significados
originais em inglês? Na atualidade é muito fácil apontar diversos estrangeirismos
presentes na comunicação dos brasileiros, como é o caso de coffee break ou home
banking. No entanto, é impossível garantir que seu uso seja abandonado em alguns
anos, como aconteceu com palavras como rouge para se referir à moça, ou match de
futebol. Assim também, como não é possível garantir que não sejam incorporadas na
língua portuguesa, tal qual ocorreu com sutiã, esporte ou clube. Há também, o exemplo
da palavra status, que é de origem latina e apresentam com ela, um problema. É de se
indagar se a palavra status é pertencente à língua portuguesa, já que a o português veio
do Latim, ou se ela se configura como um empréstimo, por se tratar de um termo
erudito, tomado emprestado do Latim, depois que o português já era uma língua à parte.
(GARCEZ e ZILLES, 2001)

Complementando as afirmações de Garcez e Zilles (2001), boa parte da


população não faz ideia de que bife ou pudim, hoje adaptadas ao português, são
empréstimos e um dia, foram estrangeirismos originados das palavras beef e pudding,
respectivamente. Há também o caso do laptop que, para o restante do mundo, é o nome
que se dá aos computadores portáteis, aqui no Brasil conhecidos como notebook. O
mesmo ocorre com outdoor, que em inglês significa “do lado de fora”, não existe ainda
um termo específico para estes casos, talvez por se tratar de algo raro, com poucas
ocorrências. O que se sabe, no entanto, é que os estrangeirismos se fazem cada vez mais
presentes na língua portuguesa, como resultado do processo de globalização, podendo
ser constatados com mais frequência no contexto da informática e, com ainda mais
recorrência, nos jogos digitais, que carregam muitos termos não traduzidos como,
14X

sweet1 no jogo digital para aparelhos de celular, Candy Crush Saga, ou até mesmo jogos
inteiros em inglês:

No universo dos jogos digitais, é muito comum nos depararmos com termos e
até mesmo jogos inteiros com todo o vocabulário escrito em língua inglesa.
Na atualidade, essa característica tornou-os um excelente mecanismo de
aprendizado de língua estrangeira, uma vez que o usuário interage com
diferentes contextos e usos de vocabulário. (PINHEIRO et al., 2020, p. 9)

Deste modo, os jogadores de jogos digitais, ou gamers (como são chamados


popularmente), têm contato direto com outras línguas, sobretudo o inglês, tornando-os
familiarizados com termos pertencentes às categorias dos empréstimos e
estrangeirismos.

Na subseção “Neologismos Por Estrangeirismos”, traçaremos um paralelo


entre neologismos que surgem a partir dos estrangeirismos, buscaremos explicar do que
se tratam, como e porque acontecem, além de propor um nome adequado ao fenômeno,
uma vez que este é completamente diferente dos estrangeirismos convencionais. Nos
subtópicos posteriores, analisaremos os termos que fazem parte dos neologismos por
estrangeirismos através das regras de formação de palavras da língua portuguesa.
(PINHEIRO et al., 2020, p. 9).

5.2 Neologismos Por Estrangeirismo

O conceito de neologismo já é bem antigo e familiar a todos. Diariamente


nos deparamos com situações de uso de neologismos em conversas informais ou até
mesmo em textos em geral. O que há de novo a ser abordado neste subtópico são os
neologismos por estrangeirismo, fenômeno emergente em vários ambientes digitais,
especialmente no âmbito dos games multiplayer online. Os neologismos por
estrangeirismo, assim como os neologismos comuns, caracterizam uma espécie de
mecanismo de renovação da língua. À medida que novos termos que se encaixam nessa
descrição (neologismos) surgem, há a possibilidade de que, um dia, tais termos sejam
oficializados e aceitos nos dicionários:

A renovação de uma língua por meio de mecanismos de criação de


neologismos é algo comum e essa criação, quando acontece, passa por etapas
importantes até as novas lexias serem efetivamente aceitas, incorporadas pela
comunidade falante e, finalmente, dicionarizadas. Sob essa ótica entendemos
1
Aparece como forma de elogio no jogo Candy Crush Saga mesmo que o jogo esteja em português.
15X

que, naturalmente, existem mecanismos2 de criação e adaptação de novas


lexias às necessidades dos falantes e, nesse contexto, as mudanças culturais
determinam o surgimento de novas expressões, as quais ganham novos
significados conforme a passagem do tempo. (PINHEIRO et al., 2020, p. 3)

Os jogos digitais são os ambientes propícios para a criação de neologismos.


Isto ocorre devido ao fato de que nos jogos se criam universos e realidades fictícias
onde os jogadores (normalmente) possuem a capacidade de, naquele mundo virtual,
realizar ações que seriam impossíveis no mundo real. A partir disso, surgem novos
conceitos para essas ações e novos conceitos, demandando novas expressões para
defini-las. Para fundamentar a explanação destas ocorrências, analisaremos situações de
uso real em partidas de jogos digitais online, gravadas e disponíveis em vídeos do
YouTube.

Os vídeos utilizados como fonte de ocorrências, cujas transcrições


completas serão abordadas posteriormente, são de autoria do canal Ghostz do YouTube.
Trata-se de partidas melhor de nove de um campeonato do jogo Black Desert Online,
onde dois jogadores competem um contra o outro. As partidas são transmitidas ao vivo
na plataforma de streaming, Twitch.tv, gravadas e postadas como vídeos no YouTube.
O proprietário do canal Ghostz atende pelo pseudônimo “Zeus” e atua como
comentarista das partidas que foram transmitidas para mais de mil viewers3 e
visualizadas por centenas de pessoas no YouTube.

Ao longo das partidas, de acordo com as ações realizadas por ambos, o


comentarista utiliza diversos estrangeirismos, tais quais: round, grab, HP (health
points), awakening, shift, striker, entre outros. A presença de diversas expressões de
língua inglesa nos jogos é algo esperado, já que o inglês é a língua global, ainda assim,
os estrangeirismos são mal vistos por muitos linguistas. Langacker (1972, p. 186), por
exemplo, diz que “o empréstimo nunca é uma necessidade linguística, visto ser sempre
possível ampliar e modificar o uso das unidades lexicais existentes para fazer face às
novas necessidades de comunicação”.

Contrapondo o que Langacker afirma, há muitas ações que acontecem nas


partidas dos jogos digitais, que não possuem expressões equivalentes na língua
portuguesa, a partir daí, surge a necessidade de criar os neologismos por estrangeirismo.
Admitimos que na passagem “temos um grabzinho entrou”, a palavra grabzinho, de
fato, não é necessária, pois poderia ser substituída por “agarramentozinho”. Mas o que
2
Iremos discutir acerca destes mecanismos nas subseções posteriores.
3
Os chamados gamers preferem viewers a visualizadores ou telespectadores.
16X

dizer de: “deu uma bugadinha”? Apesar de haver na língua portuguesa, palavras que
podem descrever o tipo de problema citado, nenhuma possui valor equivalente à
expressão bug4 da informática. O mesmo ocorre na passagem “Piruca agora dá um
baitzinho ali”. A palavra baitzinho corresponde a um neologismo por estrangeirismo
derivado da palavra bait; o papel desta palavra nesta frase é o de tornar mais prática a
comunicação, visto que, se o termo fosse substituído por “serviu de isca”, tomaria muito
mais tempo para o narrador descrever o que estava acontecendo na partida.5

Há ainda terminologias como baitar, baitado, baitou, baitei, baita etc.


derivadas de bait. O que acontece em todos os casos citados anteriormente é a utilização
dos radicais das palavras de língua inglesa, com o acréscimo de sufixos de língua
portuguesa, dando origem a neologismos que surgem a partir dos estrangeirismos. Há
ainda, em outros jogos, casos como ultar; ultou; ultei; ulta, entre outros. Todos
derivados da palavra “ultimate”, que se refere a “habilidades supremas” nos jogos
digitais, ou “bangar”, “banguei”, “banga”, que vêm da abreviação bang de flashbang.
O termo “banga”, por exemplo, dispensa a necessidade de realizar o pedido: arremessa
uma granada de luz (flash bang) para mim, dando origem assim, a um novo conceito, o
de “bangar”.

Os radicais das expressões citadas são pronunciados de acordo com a


fonologia da língua inglesa, e os sufixos, com a fonologia da língua portuguesa. Os
casos até aqui abordados não simplesmente correspondem a uma parcela minúscula do
universo dos neologismos por estrangeirismo e não se limita a pequenos casos isolados,
pois são termos consolidados entre todos os jogadores de jogos digitais que, no Brasil,
correspondem a quase um terço da população brasileira. De acordo com pesquisa
encomendada pelo evento gamer Brasil Game Show (BGS), junto a Data Folha, esse
número ultrapassa a marca de 67 milhões de indivíduos.

As expressões listadas até agora correspondem a uma pequena fração do


acervo de palavras do gênero presentes nas interações discursivas dos jogos digitais.
Todas essas palavras são completamente difundidas e já fazem parte do discurso dos
gamers, isto acontece de duas formas: 1) a difusão das expressões acontece através de
vídeos e plataformas de streaming; 2) jogadores de todas as regiões se comunicam entre
si e acessam seções de comentários de vídeos em plataformas como o YouTube, bate
papo de lives e fóruns de seus jogos favoritos, compartilhando entre si, tais expressões.

4
Um erro ou falha nos códigos de programas que causam mau funcionamento.
5
Exemplos disponíveis nas transcrições fonéticas e nos vídeos cujos links estão presentes nos anexos.
17X

Apesar das expressões citadas até aqui ainda não terem sido registradas em
nenhum dicionário (e é possível que nunca sejam), o fato de estarem presentes na
comunicação de uma comunidade que apesar de se tratar de um grupo específico (o
grupo de pessoas que jogam games, especialmente online), ele corresponde a uma
grande parcela da população brasileira e por isso, apesar de não serem expressões
oficiais, não significa que não sejam expressões funcionais. Villalva e Silvestre (2014)
discorrem acerca da problemática de considerar apenas palavras registradas em
dicionários:

Considerar que as palavras só existem porque estão registradas num dado


dicionário é como admitir que todas que estão registradas nos dicionários são
palavras que existem. Nenhuma destas asserções é verdadeira: os dicionários
incluem um conjunto de palavras por escolha dos seus autores, em função de
opções editoriais ou de condicionalismos morais ou éticos ou do mero gosto
pessoal ─ nenhum dicionário registra a totalidade das palavras de uma língua.
Por outro lado, ao folhear as páginas de um dicionário facilmente se
compreende que muitas delas são perfeitas desconhecidas. (VILLALVA;
SILVESTRE, p. 82 – 83)

Ao pesquisar pelos termos citados anteriormente (ultar, bangar, etc.), assim


como vários outros da mesma natureza na internet, podem ser encontrados diversos
resultados. No entanto, nenhum trabalho científico abordando palavras do tipo são
encontradas, os mesmos são somente encontrados em fóruns ou artigos digitais.
Ademais, mesmo nas fontes de pesquisa que dissecam tais expressões, essas palavras
são tratadas como estrangeirismos comuns. Não concordamos que essas palavras muito
mais complexas do que simples estrangeirismos, por nascerem a partir de uma espécie
de fusão entre duas línguas, devam ser consideradas exatamente a mesma coisa. Por se
tratarem de uma espécie de evolução do estrangeirismo, apresentam-se como novas
expressões que surgem através do contato entre duas línguas, em situações de
comunicação natural, por necessidade de expressões que descrevam ações e conceitos
antes inexistentes ou de equivalência insuficiente na língua portuguesa.

É por este motivo que propomos a terminologia Neoestrangeirismo6 (que


será utilizada doravante na pesquisa) para caracterizar o fenômeno. A adição do prefixo
“neo” acrescenta à palavra “estrangeirismo” o detalhe que lhe faltava para descrever a
essa demanda de novas palavras cada vez mais emergentes nas interações discursivas,
principalmente entre jogadores de jogos digitais online.

6
Expressão nossa, proposta para descrever os neologismos presentes na comunicação entre jogadores de
jogos digitais, que surgem a partir da junção do radical dos estrangeirismos da língua inglesa, com sufixos
da língua portuguesa.
18X

5.3 Teoria X – barra: uma breve introdução

Entender os conceitos básicos da Teoria X-barra é de grande importância


para a compreensão das regras de formação de palavras e todas as variantes de afixos
descritos e explanados por Villalva e Silvestre (2014) em Introdução ao Estudo do
Léxico: Descrição e Análise do Português, obra na qual iremos nos basear para
explicitar os diferentes tipos de afixos presentes nos neoestrangeirismos. Porém, não
iremos nos ater a muitos detalhes, em contrapartida, realizaremos uma explicação
objetiva a respeito do tema, com mero objetivo de nortear a compreensão dos leitores, e
situá-los no universo no qual estamos prestes a adentrar.

Desenvolvida por Ray Jackendoff (1977), a partir de estudos realizados por


Noam Chomsky (1957), a Teoria X-barra ou Teoria X-linha é uma representação da
sintaxe e faz parte da gramática gerativa, também conhecida como gramática
transformacional, ou ainda gerativismo. Ela foi desenvolvida a partir da obra Syntatic
Structures de Noam Chomsky (1957) no MIT, onde o autor introduz a base para a teoria
que explica como o cérebro humano produz sentenças gramaticalmente,
semanticamente e fonologicamente apropriadas para a comunicação humana,
explanando quais regras lógicas operam na mente para chegar a essa produção da língua
concreta, final, a partir da língua internalizada, teórica e inata:

A Teoria X-barra é o módulo da gramática que permite representar um


constituinte. Ela é necessária para explicitar a natureza do constituinte, as
relações que se estabelecem dentro dele e o modo como os constituintes se
hierarquizam para formar a sentença. Como acontece com qualquer módulo
da gramática, a Teoria X-barra deve ser universal a ponto de configurar-se
como um esquema geral, capaz de captar a estrutura interna dos sintagmas de
qualquer língua; mas também deve prestar-se a dar conta da variação nas
diferentes línguas. (MIOTO et al., 2007, p. 46)

5.3.1 Noção dos constituintes

Para compreender os postulados da Teoria X-barra, é preciso elucidar, um


pouco, a respeito dos constituintes, unidades sintáticas presentes nas orações e que são
19X

construídos a partir de um núcleo (geralmente substantivos e nomes), de modo


hierárquico. Eles são, grosso modo, como espécies de sub-orações, presentes em
períodos completos e a eles pertencem a certas categorias de palavras como verbos,
adjetivos, substantivos, pronomes etc. Os constituintes, também chamados de
sintagmas, possuem um núcleo, responsável por delimitar certas funções, que podem
modificar o sentido da oração. Conforme Mioto, Silva e Lopes:

Um constituinte é uma unidade sintática construída hierarquicamente,


embora se apresente aos olhos como uma seqüencia [sic] de letras ou aos
ouvidos como uma seqüencia [sic] de sons. Em princípio não se pode
determinar sua extensão, uma vez que não é fácil prever qual o número
máximo de itens que podem pertencer a ele. Por isso, em vez de procurar
estabelecer a extensão de um constituinte, a sintaxe procura delimitá-lo a
partir de um núcleo. Como o núcleo determina certas funções, sabemos que o
constituinte compreende, além do próprio núcleo, o conjunto de itens que
desempenham aquelas funções. Um constituinte sintático recebe o nome de
sintagma. (MIOTO; SILVA; LOPES, 2007, p. 41)

Consideremos o exemplo (1), presente em Novo Manual de Sintaxe


(MIOTO et al., 2007), que se configura como uma frase ambígua, cujos significados
variam dependendo de quais palavras pertencem ao núcleo na oração:

(1) O juiz julgou aquela ré culpada.

Na frase do exemplo (1), estão presentes dois sintagmas nominais (Noun


Phrase – NP) que podem ser interpretados de duas maneiras diferentes, dependendo do
que seja considerado como o núcleo da oração; 1) se na sentença (1) a palavra
“culpada” pertencer ao sintagma nominal i.e. “aquela ré culpada”, a ré é culpada
independente do julgamento do juiz, pois “culpada” nesta sentença, é o adjunto nominal
do núcleo do sintagma nominal “ré”; 2) se em (1) a palavra “culpada” não pertencer ao
sintagma nominal, ela será um predicativo do objeto, sendo que o objeto é o sintagma
nominal i.e. “aquela ré”. Neste caso, “culpada” é o núcleo do predicado nominal.

No primeiro exemplo, interpreta-se que o juiz julgou aquela ré culpada e


não se sabe qual o veredito do juiz a respeito de seu julgamento, pois aquela ré
(culpada), já era culpada antes mesmo do julgamento do juiz. No segundo exemplo,
interpreta-se que o juiz julgou culpada, aquela ré, ou seja, o resultado do julgamento do
juiz sobre aquela ré, foi o de que ela é culpada. Em outras palavras, na primeira
interpretação, aquela ré culpada é o objeto, na segunda, apenas aquela ré faz o papel de
objeto. (MIOTO, et al., 2007)
20X

5.3.2 Teoria X-barra: a essência

Retomando a Teoria X-barra, a partir dela, afirma-se que as sentenças


possuem esquemas sintáticos abstratos divididos em níveis de hierarquia que
comportam as seguintes categorias lexicais que configuram os constituintes: nome (N),
verbo (V), adjetivo (Adj) e preposição (P), representados pelas categorias sintagmáticas:
sintagma nominal (SN), sintagma verbal (SV), sintagma preposicional (SP), sintagma
adjetival (SAdj) e sintagma adverbial (SAdv)7. A expressão categoria sintagmática é
apenas outro termo para definir o núcleo (constituinte mais importante dos sintagmas –
nos sintagmas onde o núcleo é o verbo, temos SV, nos que um nome é o núcleo, temos
SN e assim sucessivamente.

A análise sintática através da Teoria X-barra organiza os constituintes de


uma sentença, com o objetivo de estabelecer uma relação entre eles (através de linhas
ou barras imaginárias) e apontar quais estão mais próximos uns dos outros. (MIOTO, et
al., 2007) A frase (X) exemplifica duas posições (na interpretação 1, culpada está mais
próxima da ré, na 2, está próxima de julgou) possíveis para culpada na análise sintática.

A teoria comporta seis princípios de esquematização primordiais, sendo


eles: Lexicalidade – cada constituinte não terminal, isto é, que não seja o último de sua
árvore, é uma projeção8 de um pré-terminal, apenas os terminais não são projeções;
Sucessão – cada Xn (X corresponde a qualquer item lexical, podendo ser verbo,
substantivo, advérbio, preposição ou adjetivo) + 1 (constituinte) domina um Xn para
todos n (número) > 0; Uniformidade – todas as projeções máximas têm o mesmo nível
de barra (mesmo nível sintático representado pelas barras ou linhas da árvore sintática)
na árvore; Maximalidade – todos constituintes que não são núcleos dos sintagmas são
projeções máximas; Centralidade – o símbolo inicial é uma projeção máxima, ou seja,
a letra no topo da árvore sintática é uma projeção máxima do item lexical mais ao fundo

7
Há também, as siglas das categorias sintagmáticas em inglês, utilizadas no livro Novo Manual de
Sintaxe (MIOTO, et al. 2007): Noun phrase (NP); verbal phrase (VP); adjectival phrase (AP);
prepositional phrase (PP) e determiner phrase (DP).
8
Na Teoria X-barra, projeção é tudo que é projetado a partir de determinada palavra, ou seja, as estruturas
que brotam a partir dessa palavra. Essas estruturas permitem que essas palavras se conectem com outros
elementos em uma frase nos diferentes vértices apresentados pela árvore sintática.
21X

da árvore; Opcionalidade – todos e somente os não-núcleos são opcionais (KORNAI,


et al., 1997)

Para uma melhor compreensão sobre a árvore sintática e os princípios de


esquematização primordiais, faremos uma leitura do exemplo (X) 9 inspirado no
exemplo (1) presente em Novo Manual de Sintaxe (MIOTO, et al., 2007), adaptado para
uma situação comumente encontrada em interações discursivas nos jogos digitais,
abarcando o estrangeirismo nice e o neoestrangeirismo baitou, que significa fingir uma
ação com o objetivo de atrair o jogador para uma armadilha, em outras palavras, fazê-lo
morder a isca. Para fazer os papéis de sujeito e objeto, escolhemos os nomes de dois
personagens fictícios Genji e Reinhardtm, respectivamente, ambos compõem o hero
roster (lista de heróis/personagens) do jogo Overwatch, que é um dos mais famosos da
atualidade:

(X) – O Genji baitou aquele Reinhardt nice:

A árvore sintática acima representa uma possível interpretação,


convertendo-a por extenso, temos: O Genji baitou [SN aquele reinhardt nice]. No
constituinte entre colchetes, temos um nome como núcleo do sintágma, configurando-se
como SN. Ao lermos de baixo para cima, primeiro combinamos Reinhardt com nice no
vértice 1, neste caso, o adjetivo nice pertence ao nome Reinhardt, formando uma
palavra composta (Reinhardt nice), depois combinamos Reinhardt nice com aquele e
temos aquele Reinhardt nice no vértice 2, então combinamos os constituintes do vértice
2 com baitou e temos baitou aquele Reinhardt nice no vértice 3 e por fim, combinamos
todos os componentes do vértice 3 com O Genji, e formamos, no vértice 4:O Genji
baitou aquele Reinhardt nice. Ou seja, nesta interpretação, O Genji baitou aquele
Reinhardt, e aquele Reinhardt possui uma qualidade, a de ser nice. (MIOTO, et. al.,
2007)

Contudo, o exemplo (X) incide em uma ambiguidade, consideremos uma


diferente interpretação e árvore sintática possíveis no exemplo (Z):
9
Exemplo nosso
22X

(Z): – O Genji baitou aquele Reinhardt nice:

A árvore no exemplo (Z) representa uma segunda interpretação possível,


que convertida por extenso, segue o esquema: O Genji baitou [SN aquele reinhardt] nice.
Desta vez, o SN é apenas aquele Reinhardt. Examinando novamente, de baixo para
cima, primeiro combinamos aquele com Reinhardt e formamos o composto aquele
Renihardt no vértice 1, em seguida combinamos aquele Reinhardt com baitou e
formamos no vértice 2, baitou aquele Reinhardt, conseguinte combinamos os
constituintes do vértice 2 (baitou aquele Reinhardt) com nice, ocasionando em baitou
aquele Reinhardt nice, finalmente, no vértice 4, combinamos baitou aquele Reinhardt
nice com O Genji, formando: O Genji baitou aquele Reinhardt nice.

A frase é a mesma, o que muda neste exemplo é que nice não forma um
constituinte com aquele Reinhardt pois eles não estão ligados pelos vértices. Agora, o
vértice conecta baitou aquele com nice. Já que nice agora pertence a baitou aquele, a
expressão nice não faz parte do SN, ou seja, não faz mais o papel de adjetivo para
aquele Reinhardt. Neste caso, nice representa uma característica (nice) resultante da
ação de baitar o Reinhardt. No exemplo (X), não é informada na sentença, uma
característica de como O Genji baitou aquele Reinhardt, o que se sabe é que, diferente
de (Z), ele realizou a ação de baitar, e que nice é uma qualidade que daquele Reinhardt
possui. Caso substituíssemos aquele Reinhardt pelo pronome ele, formando a frase: O
Genji baitou ele nice¸ a oração não comportaria mais uma ambiguidade, restando
apenas a possibilidade abordada no primeiro exemplo. (MIOTO, et. al., 2007)

As ambiguidades e diferentes tipos de interpretação, assim como outros


níveis de aprofundamento na Teoria X-barra, são o alicerce dos estudos de Villalva e
Silvestre, acerca dos afixos “modificadores”, assim chamados por serem responsáveis
23X

por mudar, em algum nível, o significado das palavras. Tanto a Teoria X-barra quanto
as teorias de descrição e análise do português (Villalva e Silvestre, 2014) servem para
explicar fenômenos que ocorrem de forma natural, pois temos, de maneira inata, a
capacidade de interpretar ambiguidades, e até criar novas palavras como
imaginabilidade (Villalva e Silvestre, 2014), que apesar de não existir nos dicionários, é
inegável que falantes de língua portuguesa compreendam perfeitamente o que esta
expressão significa.

A provável pergunta dos leitores, neste momento, deve ser como a Teoria
X-barra se relaciona com os neoestrangeirismos. A resposta é que a Teoria X-barra
opera a nível de orações, enquanto os postulados teóricos de Villalva e Silvestre operam
a nível de palavras. As terminologias criadas de forma natural nas interações de jogos
online serão explicadas na próxima seção através das teorias dos sufixos derivacionais,
afixos modificadores e sufixos especificadores, que, assim como os constituintes das
árvores sintáticas, são também constituintes, mas das palavras, e não de orações.

É desta maneira que surgem os neoestrangeirismos, por compreenderem o


que a palavra referente significa em inglês, o cérebro dos jogadores isola seus radicais
ou transforma expressões inteiras em mero radical de uma nova palavra inventada. Para
que isto ocorra, os jogadores acessam, de maneira inconsciente, regras lógicas que
operam em suas mentes a partir de sua língua internalizada, dando origem a palavras
concretas, o que nesta pesquisa chamamos de neoestrangeirismos.

Essas regras lógicas limitam-se às regras da língua alvo, a língua


portuguesa. A atribuição destes afixos ocorre no momento da comunicação, quando os
jogadores acessam sua capacidade inata de linguagem, buscando referências em seu
subconsciente, mas sempre limitando-se a regras do português brasileiro. No próximo
tópico, buscaremos explanar os tipos de afixos atribuídos aos radicais dessas palavras
corriqueiras na comunicação de jogadores de jogos digitais através de análises
morfossintática e morfológica, a partir exemplos de suas ocorrências.

5.4 Os Neoestrangeirismos e as regras de formação de palavras

É possível que alguns leitores, ao lerem este trabalho, possam argumentar


que a fonotática é um dos fenômenos linguísticos determinantes (mesmo que
subconsicentemente) na mente dos jogadores no momento em que criam novos
24X

neoestrangeirismos, já que esta é responsável pelas restrições 10 fonológicas de um


idioma. De fato, a fonotática está diretamente ligada a estas regras que, na gramática,
também determinam restrições e atribuem definições para todos os aspectos
linguísticos, e são exatamente essas regras que nos interessam.

Nesta seção, analisaremos a morfossintaxe dos neoestrangeirismos a partir


das regras de formação de palavras e explanaremos de acordo com os postulados
teóricos de Villalva e Silvestre (2014) a respeito dos diversos tipos de afixos da língua
portuguesa, os variados tipos de sufixos presentes nos neoestrangeirismos. Esta seção
será dividida em outras três subseções cada uma delas abordando um dos três diferentes
tipos de afixos (sufixos derivacionais, afixos modificadores e sufixos especificadores),
apontando expressões encontradas em nossas análises de interações discursivas nos
jogos digitais, traçando um paralelo destas ocorrências, com a teoria de atribuição de
afixos de Villalva e Silvestre (2014).

Para isso, primeiro explicaremos os conceitos dos sufixos derivacionais na


subseção 5.4.1 e exemplificaremos sua presença nos neoestrangeirismos, então, na
subseção 5.4.2, trataremos de explanar os afixos modificadores e uma vez mais,
explicitar sua ligação com os neoestrangeirismos. A subseção 5.4.3, que compete aos
sufixos especificadores, será dividida em duas partes, onde serão explicadas suas
variáveis morfológica e morfossintática, trazendo, ao final, também, casos de
neoestrangeirismos. Por fim, nas considerações do capítulo, apresentaremos
possibilidades enriquecimento linguístico que as expressões abordadas oferecem para a
língua portuguesa.

5.4.1 Sufixos derivacionais nos neoestrangeirismos

Sufixos derivacionais é o nome dado a um dos processos da parassíntese


abordados por Villalva e Silvestre (2014) que se fazem presentes nos
neoestrangeirismos. Apesar de surgirem de maneira natural, os neoestrangeirismos são
formulados a partir da parassíntese, pois embora a maioria dos falantes não possuam
conhecimento a respeito deste conceito, eles buscam referenciais no mundo, a partir de
palavras existentes, para adicionar os afixos adequados nos estrangeirismos adotados.

10
Ao adicionar um sufixo aos radicais de palavras de língua inglesa através do processo de ciração de
neoestrangeirismos, os jogadores optam pela terminação -ada em vez de -ed na palavra baitado, uma vez
que apenas a primeira se encaixa nas regras de formaçõe de palavras do português.
25X

Explicaremos os conceitos dos sufixos derivacionais dando exemplos de acordo com a


teoria de Villanva e Silvestre, em seguida, realizaremos uma análise morfossintática dos
neoestrangeirismos, enquanto explicitamos neles, a presença dos sufixos derivacionais.

Uma das características mais importantes dos sufixos derivacionais é “(...) a


de que eles são o núcleo das estruturas em que ocorrem, dado que lhes cabe definir as
propriedades morfossintáticas das palavras derivadas” (Villalva e Silvestre, 2014, p.
102). Por outros termos, ele não somente é capaz de atribuir novos significados às
palavras, mas também pode modificar a classe gramatical das mesmas, tornando
possível (porém não obrigatoriamente) que adjetivos ou verbos se transformem em
substantivos (cf. 1a), substantivos e verbos se tornem adjetivos (cf. 1b), substantivos e
adjetivos se transformem em verbos (cf. 1c) e, apesar de menos frequente, também é
capaz até de transformar adjetivos em advérbios (cf 1d):

a. Sufixos derivacionais de substantivalização


chutar chut – eira
brincar brinca – deira
claro clar – eira
doido doid – eira
b. Sufixos derivacionais de adjetivalização
namorar namora – deiro
dominar domina – dor
método metód – ico
neuro neuró – tico
c. Sufixos derivacionais de verbalização
claro clar – ificar
digno dign – ificar
desert desert – ificar
dedo ded – ilhar
d. Sufixos derivacionais de adverbialização
possível possivel – mente
sensatosentata – mente

Alguns sufixos derivacionais configuram ambiguidades, fazendo com que


uma palavra possa ser, ao mesmo tempo, adjetivo ou substantivo, tornando necessária
26X

uma leitura do contexto para que se possa compreender de qual classe gramatical se
trata. Vale ressaltar que tal ambiguidade só ocorre com as classes gramaticais dos
adjetivos e substantivos. Palavras como abolicionista ou realista, por exemplo, são
ambíguas, pois se falamos a respeito de alguém, que este alguém é um abolicionista
realista, abolicionista é o que ele é (substantivo), e sua peculiaridade é ser realista
(adjetivo). O contrário também se aplicaria caso houvesse a intenção de dizer que
alguém é um realista que possui a característica de ser abolicionista. Essa ambiguidade
é possível com a maioria das palavras com sufixo -ista. Há, no entanto, certas exceções,
como é o caso de pianista, por exemplo. (VILLALVA; SILVESTRE, 2014)

Normalmente se considera o radical das palavras como a parte mais


importante delas. Não é uma questão de desvalorizar os sufixos, acontece que o radical
sempre permanece, e quaisquer sufixos selecionados para elas mudam de acordo com a
situação de uso (locução espacial, sujeito, ação, voz passiva, voz ativa, etc.). Contudo,
os sufixos selecionam seus radicais, tanto quanto o contrário é verdade, pois alguns
sufixos só aceitam, isto é, só podem ser aplicados a classes gramaticais específicas,
conforme Villalva e Silvestre (2014):

Esses exemplos também permitem compreender que os sufixos derivacionais,


enquanto predicadores transitivos que selecionam obrigatoriamente um
complemento, definem igualmente as propriedades dos complementos que
selecionam. Assim, há sufixos que selecionam bases substantivais, outros que
selecionam bases adjetivais e outros que selecionam bases verbais, sendo a
natureza morfológica desses complementos igualmente objeto de restrições
de seleção dos sufixos derivacionais. (VILLALVA; SILVESTRE, 2014, p.
104):

A afirmação de que os sufixos selecionam em quais radicais operam, assim


como o contrário também é verdadeiro, é outra maneira de confirmar que embora
insconscientemente, os jogadores de jogos digitais, durante suas interações, acessam seu
acervo mental de palavras das duas línguas, no momento de selecionar quais sufixos de
língua portuguesa serão adcionados aos radicais de língua inglesa. Outra perspectiva
possível seria afirmar que durante as interações discursivas nos jogos digitais, os
jogadores analisam, mesmo que de forma inconsciente, a quais tipos de sufixos cada
radical pertence. De todo modo, o que propomos doravante, é uma análise
morfossintática dos neoestrangeirismos que surgem a partir dos estrangeirismos e suas
relações com os sufixos, neste caso, os derivacionais. Exemplificamos com algumas
palavras que se encaixam nas regras até aqui explanadas.
27X

Antes de mais nada, precisamos primeiro salientar que, apesar de serem


muito usadas, e por uma grande parcela da população brasileira, por se tratar de
expressões, em sua maioria, relativamente novas, há ainda algumas conjugações em
diferentes tempos verbais que não foram encontradas (ultaríamos, por exemplo), mas se
várias outras conjugações dos verbos são possíveis, estas outras também são, o fato é
que em comunicações informais e que devem ser práticas, dada a velocidade em que
acontecem as ações nos jogos, os jogadores optam por expressões mais curtas e rápidas
de proferir. A seguir, no exemplo (2), dividimos quatro tipos de sufixos derivacionais
presentes em alguns neoestrangeirismos comumente encontrados nas interações
discursivas dos jogos digitais (ver anexos):

a. Sufixos derivacionais de substantivalização


ultar ult – ada (ultar é o ato de usar, nos jogos, a ultimate ability)
baitar bait – ada (baitar é o ato de atrair alguém para uma armadilha)
noob noob – ada (noob é alguém novato nos jogos digitais)
camper camper – ada (camper é alguém que está sempre se escondendo
ou aguardando na espreita, para emboscar seus adversários)

Comparando os exemplos (2a) e (1a), é fácil atentar-se para a estrutura dos


sufixos exemplificados. Nos sufixos derivacionais de substantivalização do exemplo
(1a), é predominante a estrutura eira, enquanto em (2a), a estrutura predominante é ada,
mas essa diferença na escrita, não muda o tipo de sufixação, a diferença se encontra nas
propriedades semânticas. De acordo com Villanva e Silvestre (2014):

Para além das propriedades categoriais intrínsecas e selecionais, os sufixos


derivacionais têm propriedades semânticas, distribuindo-se por grandes
classes como a dos nomes-sujeito, a dos nomes de ação, dos adjetivos
relacionais ou dos verbos causativos. A tabela 2 mostra um conjunto de
exemplos, organizado em função das classes de palavras a que pertence a
forma derivante e da forma derivada e de tipos semânticos. 11 (VILLALVA;
SILVESTRE, 2014, p. 106)

No exemplo (1a), as palavras chuteira e brincadeira possuem sufixos


derivacionais que pertencem à categoria de nominalização (de acordo com a tabela), são
deverbais (por se originarem a partir de verbos) e de locução espacial. A palavra
clareira pertence a todas as categorias anteriores, com uma única exceção, em vez de
verbal, ela é adjetival. Já a palavra doideira, se assemelha à palavra clareira, por
também ter como origem a classe dos adjetivos, no entanto, esta não se configura como
11
Ver em anexo, tabela extraída de Introdução ao Estudo do Léxico: Descrição e Análise do Português.
28X

locução espacial, mas sim como uma qualidade que pode ser atribuída a algo ou alguém.

As expressões listadas no exemplo (2a) serão discorridas no capítulo de


análise, onde serão coletados e analisados dados importantes para a explicação das
expressões. Na próxima subseção, trataremos dos afixos modificadores e sua influência
no processo de surgimento dos neoestrangeirismos durante as interações entre jogadores
de jogos digitais.

5.4.2 Afixos modificadores nos neoestrangeirismos

Os afixos modificadores, mesmo possuindo este nome, diferente dos sufixos


derivacionais, não alteram as propriedades gramaticais, isto é, não modifica as classes
gramaticais das palavras em que se fazem presentes. Enquanto os anteriores podiam
transformar verbos em substantivos, assim como o oposto, este modifica o significado
da palavra de diferentes maneiras:

Os afixos modificadores incluem a globalidade dos prefixos e os chamados


sufixos avaliativos. A sua propriedade mais relevante é a de que não
interferem com nenhuma das propriedades gramaticais das formas às quais se
associam – o seu papel na estrutura das palavras é estritamente semântico
(...). (VILLALVA e SILVESTRE, 2014, p. 110)

As modificações semânticas causadas pelos afixos modificadores são


classificadas como avaliativa, negação, oposição, localização espacial, localização
temporal, quantificação e repetição. Algumas delas podem aparecer como sufixos,
outras em forma prefixos e podem ocorrer em todas as classes gramaticais, com exceção
da avaliativa e de quantificação que não atuam em verbos, e repetição, que não atua
em substantivos e adjetivos. A seguir, no exemplo (3), reunimos uma amostra de cada
tipo de modificação:

(3) a. Avaliativa (pode ocorrer em substantivos e adjetivos):

carro carr – inho


carro carr – ão
29X

casa cas – ebre/inha


livro livr – eto/eco/inho
bonito bonit – inho
belo bel – íssimo
amigo super – amigo
(3) b. Negação (pode ocorrer em substantivos, adjetivos e verbos):

verdade in – verdade
normal a – normal
igual des – igual
sensatoin – sensato
autorizado não – autorizado
deferir in – deferir
(3) c. Oposição (pode ocorrer em substantivos, adjetivos e verbos):

partida contra – partida


amor des – amor
bacteriano anti – bacteriano
interessado des – interessado
ligar des – ligar
argumentar contra – argumentar
(3) d. Localização espacial (pode ocorrer em substantivos, adjetivos e verbos):

escavadeira retro – escavadeira


loja sobre – loja
mundo sub – mundo
citado supra – citado
navegar circum – navegar
(3) e. Localização temporal (pode acontecer em substantivos, adjetivos e verbos):

graduação pós – graduação


adolescência pré – adolescência
colonial pós – colonial
datado pré – datado
datar pós – datar
30X

qualificar pré – qualificar


(3) f. Quantificação (pode ocorrer em substantivos e adjetivos):

sucesso mega – sucesso


campeão tri – campeão
molecular bi – molecular

(3) g. Repetição (pode ocorrer somente em verbos):

começar re – começar
fazer re – fazer
construir re – construir

É importante apontar para os exemplos livrinho, livreco e livreto, uma vez


que todos eles fazem parte da categoria de afixos modificadores avaliativos, mas apenas
livrinho corresponde ao diminutivo de livro. Livreto, por sua vez, é um tipo menor de
livro, assim como livrinho. No entanto, a característica chave do livreto é o fato dele ser
pequeno em conteúdo, isto é, o fato de possuir poucas páginas, um livro de curta
duração de leitura, enquanto livrinho pode ser um livro de muitas páginas, porém
pequeno no tamanho. Livreco é a forma pejorativa, um livro sem valor, medíocre,
insignificante (LIMA; BARBOSA, 2011).

Isso mostra o potencial que algumas destas palavras possuem para


desempenhar o papel de conceitos que no português só podem ser explicados por
sentenças inteiras. Retomaremos esse raciocínio nas considerações deste capítulo. Na
próxima subseção, abordaremos os sufixos especificadores e suas ocorrências nos
neoestrangeirismos.

5.4.3 Sufixos especificadores nos neoestrangeirismos

Os sufixos especificadores correspondem ao último tipo de sufixos que


podem ser encontrados nos neoestrangeirismos. Estes ocorrem com ainda menos
frequência e, por este motivo, não nos aprofundamos muito em sua explicação. Eles são
divididos em dois tipos: os sufixos temáticos, responsáveis por especificar a morfologia
das palavras, e os que se encarregam de especificar a morfossintaxe, esses são
31X

chamados de sufixos de flexão. Villalva e Silvesre (2014) nos dão uma noção acerca do
assunto:

A variação formal responsável pelo elenco de formas que constitui um


paradigma lexical é obtida por sufixos especificadores. Nessa categoria de
afixos, integram-se os sufixos temáticos, que são especificadores
morfológicos, e os sufixos de flexão, que são especificadores
morfossintáticos. A cargo dos especificadores temáticos, encontra-se a
realização da vogal temática dos verbos, que torna visível a conjugação a que
pertencem, e o índice temático de todas as outras categorias de palavras, que
as distribui por classes temáticas (...). Quanto aos especificadores
morfossintáticos, trata-se de sufixos que preenchem informações exigidas
pela concordância sintática e que também ajudam a diferenciar os verbos de
todas as classes de palavras restantes. (VILLAL; SILVESTRE, p. 121 – 122).

Os sufixos especificadores não podem atuar em qualquer tipo de palavra.


Existem expressões que podem ser afetadas, chamadas de palavras variáveis e aquelas
que não podem, chamadas de palavras invariáveis. O primeiro tipo é constituído por
paradigmas lexicais que podem se formular de diversas formas. A elas, pertencem as
classes gramaticais dos verbos e substantivos, que são classes abertas, suscetíveis a
mudanças. O segundo tipo compete às classes gramaticais fechadas, que possuem forma
única, imutável e não podem ser modificadas, ele é constituído por: advérbios,
preposições, conjunções e interjeições. (Villalva e Silvestre, 2014)

5.4.3.1 Sufixos temáticos

Quanto aos modificadores morfológicos presentes na língua portuguesa,


utilizaremos os verbos para exemplificar suas ocorrências. “Os verbos do Português
distribuem-se em três conjugações, geralmente citadas a partir da forma do infinitivo,
porque nessa forma, a vogal temática tem realizações fonéticas distintas” (Villalva e
Silvestre, 2014, p. 123). A primeira conjugação é marcada pela vogal temática [a], a
segunda conjugação consiste na vogal [e] e para a terceira, a vogal [i]. Essas partições
das conjugações, no entanto, são apenas nominais, não influenciam em nada, afinal, não
há qualquer divergência quanto às regras nas vogais temáticas em “cantar” ou “correr”,
por exemplo, tal simplicidade dispensa um maior aprofundamento em exemplos.

Há apenas alguns detalhes que devem ser citados: 1) não existem verbos de
flexão irregular na primeira conjugação; 2) os neologismos verbais se integram somente
na primeira conjugação [a], fazendo com que a segunda e a terceira conjugações se
32X

apresentem como classes fechadas dentro da classe gramatical dos verbos, que é uma
classe aberta; 3) as vogais temáticas são consistentes em todas as variações de tempos
verbais, com exceção do presente do subjuntivo. De modo geral, ao usar um verbo no
presente do subjuntivo, em verbos cuja forma no infinitivo possuem a vogal temática
[a], deve-se trocar [a] por [e], e nos casos em que a vogal temática forem as letras [e] ou
[i], substitui-se por [a].

Ainda a respeito dos especificadores morfológicos, eles também comportam


as vogais de ligação que são capazes de unir dois radicais em uma só palavra, dando
origem a versões complexas de palavras antes simples:

(4) a. Vogais de ligação

cardi – o – vascular
tóxic – o – dependente
soci – o – cultural
5.4.3.2 Sufixos de flexão

Na língua portuguesa, os sufixos de flexão são ainda menos recorrentes do


que os sufixos temáticos na comunicação cotidiana, pois boa parte deles se fazem
presentes em conjugações ou tempos verbais utilizados quase exclusivamente em
produções escritas acadêmicas ou científicas. Eles podem ser observados nas primeira,
segunda e terceira pessoas do singular do infinitivo, no pretérito mais que perfeito e
pretérito imperfeito do indicativo, nos três tempos do subjuntivo, no infinitivo
flexionado e nas formas nominais do verbo (Villalva e Silvestre, 2014). No exemplo
(5a), foi esquematizada uma tabela separando em colunas todos os usos dos sufixos de
flexão verbal:

(5) a. Tabela de ocorrências:

Infinitivo Pretérito mais que perfeito Pretérito imperfeito Presente, pretérito


do indicativo imperfeito e futuro do
subjuntivo
1º conjugação: 1° conjugação 1° conjugação Presente do subjuntivo:
cant – ar (eu) cant – ara (eu) cant – ava (que eu) cant – e
danç – ar (tu) cant –aras (tu) cant –avas (que tu) cant – es
2º conjugação (ele) cant – ara (ele) cant – ava (que ele) cant – e
33X

corr – er (nós) cant – áramos (nós) cant – ávamos (que nós) cant – emos
com – er (vós) cant – áreis (vós) cant – áveis (que vós) cant – eis
3° conjugação (eles) cant – aram (eles) cant – avam (que eles) cant – em
fing – ir
ped – ir

Infinitivo flexionado 2° conjugação 2° conjugação Pretérito imperfeito do


(infinitivo pessoal) (eu) corr– era (eu) corr– ia subjuntivo:
do verbo “cantar”: (tu) corr – eras (tu) corr – ias (se eu) corr – esse
cant – ares (ele) corr – era (ele) corr – ia (se tu) corr – esses
cant – armos (nós) corr – êramos (nós) corr – íamos (se ele) corr – esse
cant – ardes (vós) corr– êreis (vós) corr– íeis (se nós) corr – êssemos
cant – arem (eles) corr– eram (eles) corr– iam (se vós) corr – êsseis
(não ocorre nas 1° e (se eles) corr – essem
2° pessoas do
singular, matendo-se a
terminação -ada)
3° conjugação 3° conjugação Futuro do subjuntivo:
(eu) fing– ira (eu) fing– ia (quando eu) fing– ir
(tu) fing – iras (tu) fing – ias (quando tu) fing – ires
(ele) fing– ira (ele) fing– ia (quando ele) fing– ir
(nós) fing – íramos (nós) fing – íamos (quando nós) fing –
(vós) fing– íreis (vós) fing– íeis irmos
(eles) fing– iram (eles) fing– iam (quando vós) fing– irdes
(quando eles) fing– irem

Há ainda os casos do gerúndio, marcados pela sufixação -ndo (cantando,


correndo, fingindo) e o particípio marcado pela terminação -do (cantado, corrido,
fingido), no que diz respeito aos sufixos de flexão verbal. É válido ainda, listar alguns
exemplos de sufixos de flexão verbal que dão origem a neoestrangeirismos no tempo
verbal do passado particípio, como é o caso dos exemplos ultado, rulado e baitado.

(5) b. Sufixos derivacionais de flexão verbal do tempo passado particípio

ult ado(a)
34X

rul ado(a)

bait ado(a)

Interessante notar que a palavra rulado possui valor semântico diferente de


“regrado”. Apesar de regra em inglês ser rule, a palavra regrada, de acordo com o
dicionário Aurélio, significado disciplinado, que age com moderação e com disciplina.
Rulado, por outro lado, é utilizado para definir alguém que foi dominado, realizando
uma metáfora para alguém que foi submetido a regras atribuídas por outra pessoa que se
encontra em um patamar hierárquico superior na situação em questão. “Você foi
rulado”, por exemplo, significa “você foi dominado”.

Aos sufixos temáticos de flexão nominal, cabe apenas a terminação


responsável por marcar o plural dos nomes (i. e. “s”). Quanto à presença destas
sufixações nos neoestrangeirismos, a terminação -s pode ser encontrada em todos
os neoestrangeirismos de classe gramatical dos substantivos, tais quais as
palavras: baitadas, noobadas e feedados, por exemplo.

Retomamos a afirmação de Villalva e Silvestre (2014) a despeito das classes


variáveis e invariáveis, sendo os verbos, classes abertas (i.e. variáveis), apontando para
a exceção dos neologismos:

(...) não existem verbos de flexão irregular na primeira conjugação – todos os


verbos irregulares estão distribuídos pela segunda e terceira conjugações. Por
outro lado, todos os neologismos verbais (e.g. clicar, teclar, printar) se
integram na primeira conjugação, o que traz, como contrapartida, a
constatação de que as segunda e terceira conjugações são classes fechadas
dentro da classe aberta dos verbos. (VILLALVA; SILVESTRE, p. 124)

Todas as expressões que compõem o acervo de neoestrangeirismos


exemplificadas até aqui, surgem de maneira natural durante a interação discursiva entre
jogadores. Contudo, estas palavras não escapam das regras da língua portuguesa, uma
vez que o radical dos estrangeirismos adotados apresenta apenas o tema da palavra,
enquanto suas estruturas seguem as regras da língua portuguesa. É por este motivo que
entender as regras de formação de palavras que explicam cada tipo de afixo, é de grande
importância para poder compreender o motivo dos neoestrangeirismos serem palavras
que apesar de muito novas, não somente comportam significados necessários em muitos
35X

aspectos da comunicação, mas também obedecem a vários princípios básicos que regem
as palavras do português brasileiro.

Durante o processo de coleta de dados, foi possível observar


neoestrangeirismos que se enquadram em todos os diferentes tipos de afixos abordados
neste capítulo, mas até o presente momento, o processo de formação destas palavras
pode ser compreendido como algo completamente aleatório pela maioria dos falantes,
apesar de ser possível notar certos padrões. Estes padrões puderam ser explicados
através das regras de afixação presentes em Introdução ao Estudo do Léxico: Descrição
e Análise do Português (Villalva e Silvestre, 2014), que passou a dar sentido ao estudo
deste fenômeno, pois embora fosse possível perceber o objetivo que os jogadores
tinham ao atribuir determinados sufixos ou afixos a estrangeirismos ou até mesmo
neoestrangeirismos, explicar tais regras, demonstra que cada língua possui em seu
sistema, pilares inatos que sustentam todo o sistema linguístico.

A título de exemplo da importância dessas regras para esta pesquisa,


ressaltamos o exemplo da palavra ultada. Entender as propriedades do sufixo -ada, que
faz parte dos sufixos derivacionais, torna muito mais natural aceitar que os jogadores
tiveram preferência em criar os neoestrangeirismos de classe substantival ultada, do que
simplesmente usar o estrangeirismo abreviado ult. A afinidade dos jogadores com a
língua materna pode ser um dos motivos para isso acontecer, mas o sufixo é o
responsável por isto ser possível e é por este motivo que consideramos as regras de
formação de palavras que abarcam todos os tipos de afixos, fator de extrema
importância para esta pesquisa.

Não somente para a palavra citada anteriormente, as regras de formação de


palavras presentes em Introdução ao Estudo do Léxico: Descrição e Análise do
Português (Villalva; Silvestre, 2014), demonstram que todos os tipos de afixos
empregados aos neoestrangeirismos, não ocorrem de forma aleatória, pelo contrário,
sempre obedecem regras inatas da língua portuguesa, configurando o fenômeno como
algo que se torna possível dentro da língua, através das interações discursivas e, embora
surjam de forma natural, não são expressões sem fundamentos sistemáticos.

4 METODOLOGIA
36X

O capítulo de metodologia foi dividido em quatro partes. Na primeira, a


caracterização da pesquisa, introduzimos o trabalho e discutimos acerca do que o
mesmo se trata, além de apontarmos autores de grande relevância para a fundamentação
desta pesquisa. Na delimitação do universo e da amostra, explicamos de maneira
abreviada, a respeito das expressões abordadas neste trabalho de conclusão de curso.
Em seguida, discutimos sobre o procedimento de coleta dos dados, como foi o processo
foi realizado e através de quais ferramentas ou serviços. Finalmente, no procedimento
de análise, explanamos como ocorre a análise das palavras que compõem o acervo de
expressões que constituem o fenômeno analisado.

4.1 Caracterização da pesquisa

Esta pesquisa abordará os empréstimos linguísticos e estrangeirismos de


língua inglesa, além dos neologismos que surgem a partir destes, presentes nas
interações discursivas dos jogadores de jogos digitais. Outros espaços digitais de
comunicação (i.e., live streaming, vídeos do YouTube ou fóruns digitais), onde ocorrem
muitos casos dos neologismos que surgem a partir dos estrangeirismos, também farão
parte do corpus da pesquisa. A pesquisa possui, como método de abordagem, uma
análise morfossintática dessas novas expressões que são criadas a partir dos
estrangeirismos, baseando-se nas regras de sufixação presentes em Introdução ao
Estudo do Léxico: Descrição e Análise do Português (VILLALVA e SILVESTRE,
2014).

Estudamos a estrutura morfológica das palavras que se enquadram nos


fenômenos examinados através das regras de formação de palavras do português com o
objetivo de explicar como estas emergem nas interações discursivas entre os jogadores.
Deste modo, este estudo também se caracteriza como uma pesquisa explicativa, que, de
acordo com Gil (2002, p. 42) se propõe a “(...) identificar os fatores que determinam ou
que contribuem para a ocorrência dos fenômenos”. A abordagem deste trabalho consiste
em analisar os estrangeirismos e empréstimos linguísticos com o objetivo de descrevê-
las a nível morfossintático e morfológico, tomando como base os postulados teóricos de
Villalva e Silvestre (2014) a respeito das regras de formação de palavras através dos
processos de atribuição de afixos. Portanto, concluímos tratar-se de uma pesquisa
descritiva que, por definição, segundo Gil (2002, p. 42), “têm como objetivo e
finalidade primordial, descrever características de determinada população ou fenômeno
37X

(...)”. O método de abordagem adotado neste trabalho é o hipotético-dedutivo,


desenvolvido originalmente por Karl Raimund Popper (1959) e retomado por Lakatos e
Marconi (2017).

O método consiste em perceber aspectos acerca do tema abordado e a partir


destes formular hipóteses, realizar o processo de inferência dedutiva para testar a
ocorrência dos fenômenos abarcados pelas hipóteses. Nesta pesquisa, o aspecto
observado é o fato de que quase todos os neologismos por estrangeirismos possuem
sufixação de língua portuguesa e, a partir destas observações, através de uma inferência
dedutiva, apresentaremos um paralelo entre tais características, com as regras de
formação de palavras da língua portuguesa do Brasil.

4.2 Delimitação do universo e da amostra

A essência desta pesquisa consiste na análise de um acervo de palavras


provenientes de interações discursivas nos jogos digitais, seja pelo bate papo ou chat de
voz dentro dos jogos mais famosos, através de gravações de partidas postadas em vídeos
do YouTube. O motivo da escolha desta plataforma se dá pelo fato dela ser a maior
plataforma de vídeos e live streaming do mundo, contendo a maior parte dos vídeos de
partidas de jogos e com maior número de visualizações. A quantidade de palavras deste
acervo chega à marca de centenas (número que está sempre aumentando, dada a
velocidade que novas expressões do tipo surgem), englobando estrangeirismos e
neologismos por estrangeirismos. Ademais, boa parcela das expressões do acervo, faz
parte de diferentes conjugações de verbos (possivelmente a classe gramatical mais
abundante) e, normalmente não estão presentes, conjugações formais ou de uso restrito,
o que, por outro lado, não impede a possibilidade de uso destas, já que, se um verbo
existe, ele pode ser conjugado de acordo com todos os pronomes e em todos os tempos
verbais.

As palavras do acervo aqui abordadas podem ser encontradas em vídeos


gravados e postados em veículos midiáticos, sessões de comentários dos vídeos,
screenshots12, entre outras fontes. Analisaremos a estrutura morfológica das palavras
que se enquadram nos fenômenos examinados através das regras de formação de
palavras do português com o objetivo de explicar como estas emergem nas interações
discursivas entre os jogadores. Deste modo, este estudo também se caracteriza como

12
No Brasil, mais conhecido como “print screen”, e daqui surgiu a expressão “printar”.
38X

uma pesquisa explicativa, que, de acordo com Gil (2002, p. 42) se propõe a “(...)
identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos
fenômenos”.

Este trabalho possui ainda, o objetivo de compreender a natureza desta nova


tendência de estrangeirismos que se fazem presentes com grande frequência nas
interações discursivas em jogos digitais. Deste modo, a pesquisa se caracteriza ao
mesmo tempo, como hipotético-dedutiva, descritiva e explicativa pois, ela busca
explicar as características do fenômeno linguístico abordado, além de explanar como
tais expressões são formadas através dos processos de sufixação e prefixação e como
elas emergem em seu uso contínuo durante a comunicação dos jogadores brasileiros.

4.3 Procedimento de coleta de dados

A coleta dos dados ocorreu da seguinte forma: busca de ocorrência dos


fenômenos, principalmente em vídeos de partidas de jogos digitais no Youtube;
transcrições dos trechos nos quais se fazem presentes as palavras objeto desta pesquisa,
durante as interações discursivas nos vídeos; coleta de capturas de tela de ocorrências
dos neologismos por estrangeirismos; separação e análise dos dados acumulados. A
principal ferramenta utilizada para a coleta de dados foi a plataforma de vídeos Youtube
por conter vídeos facilmente acessíveis e por ser uma fonte praticamente autossuficiente
13
dos fenômenos buscados, seja na seção de comentários, títulos ou thumbnails dos
vídeos, comunicação oral ou até bate papo nativo dos jogos capturados nos vídeos.

A mídia encontrada na plataforma corresponde à maior fonte de ocorrências


dos estrangeirismos e neologismos por estrangeirismos, por serem estes, o tipo de
palavras mais utilizadas pelos jogadores de jogos digitais. Primeiro, o pesquisador
procura por vídeos com uma quantidade mínima de trezentas visualizações, que
contenham partidas online de jogos digitais famosos que fazem parte dos gêneros mais
em alta na atualidade, então assiste aos mesmos atentamente em busca de ocorrências na
plataforma de vídeos Youtube. Os jogos escolhidos foram Counter Strike: Global
Offensive da categoria jogo de tiro tático em primeira pessoa, Overwatch dos gêneros
hero shooter e jogo de tiro em primeira pessoa e Black Desert do gênero MMORPG14. O
critério de escolha dos jogos, foi o alto número de jogadores que cada um deles

13
Imagem de capa dos vídeos.
14
Abreviação de Massive Multiplayer Online Role Play Game.
39X

comporta diariamente, ao longo dos anos em que estão disponíveis no mercado. Os


dados referentes ao número de usuários assíduos nos jogos Counter Strike: Global
Offensive e Black Desert, podem ser acessados na própria plataforma de vendas e gestão
de direitos digitais de jogos, Steam, criado pela Valve Corporation, ou no website Steam
Charts15.

O critério determinante na escolha dos jogos, foi a popularidade dos


mesmos, já que quanto mais famosos forem, mais conteúdo a respeito deles estaria
disponível para a coleta de dados, além de possuírem grande potencial no quesito, para
possíveis pesquisas futuras sobre o tema. Além disso, um maior número de usuários
torna mais relevante a motivação da pesquisa, uma vez que seria de baixo interesse
pesquisar um fenômeno extremamente restrito que é utilizado por uma comunidade
minúscula. Ademais, optamos por coletar os dados de três gêneros de jogos diferentes
pelo fato de existirem expressões mais recorrentes em alguns gêneros específicos do que
em outros.

Embora Counter Strike: Global Offensive e Overwatch sejam ambos jogos


de tiro em primeira pessoa, o primeiro caracteriza-se como um jogo de tiro tático em
primeira pessoa, por depender muito de estratégia e comunicação da equipe e ser um
jogo que simule operações táticas reais, onde todos os jogadores devem se comunicar
para realizar uma investida ou retomada de base em sincronia, além disso, embora cada
integrante de uma equipe possua uma função específica, ela não é predefinida pelo jogo,
isto é, o jogador não seleciona um personagem ou função previamente. Em
contrapartida, Overwatch caracteriza-se como um hero shooter pelo fato de conter
diversos personagens, cada um com suas peculiaridades, e histórias únicas, além de
possuir funções predefinidas, e uma jogabilidade mais rápida e caótica baseada em uma
mistura de poderes e habilidades especiais, além das armas de fogo padrão, que é a
única semelhança que possui com Counter Strike: Global Offensive.

Os dados referentes ao número de jogadores ativos no jogo Overwatch,


podem ser encontrados no website Active Player16, que realiza estatísticas de
popularidade e número de jogadores baseado nos dados liberados por diversas
desenvolvedoras, disponibilizando inclusive, média de usuários online em tempo real,
pico de jogadores diariamente, pico mensal e anual, entre outros dados. Após constatada
a presença de várias ocorrências, é realizada a transcrição de toda a interação discursiva
nas partidas, levando em conta inclusive, a fala de jogadores da mesma equipe do
15
Disponível no endereço: <https://steamcharts.com>. Acesso em: 21 de nov. de 2021.
16
Disponível no endereço: <https://activeplayer.io>. Acesso em: 21 de nov. de 2021.
40X

usuário que gravou o vídeo. Em seguida, as expressões são listadas em uma tabela
utilizando o software Microsoft Word 2019. O processo de transcrição levou em conta
toda a interação e não somente os períodos em que os estrangeirismos ou neologismos
surgem, isto porque é de grande importância observar inclusive, a quantidade de
ocorrência dos mesmos em meio a toda a interação discursiva.

4.4 Procedimento de análise de dados

Esta pesquisa possui natureza qualitativa e quantitativa, pois nos


preocupamos com a análise dos fatos observados, mas também escolhemos as fontes
onde os fenômenos analisados são mais recorrentes. Como procedimento da pesquisa,
tal qual discutimos na subseção anterior, é essencial analisar os estrangeirismos e sua
composição morfológica, além também do possível motivo dos falantes adotarem e até
criarem tais termos. Mas, ao mesmo tempo, a abordagem de coleta de dados acontece de
maneira estruturada, visando uma maior ocorrência dos fatos, a partir de fontes com
maior visibilidade, desta forma, enquadrando o trabalho de acordo com os tipos de
pesquisas, tal qual afirmado anteriormente.

Quanto à análise morfológica das palavras, sustentamos as categorias de


formação de palavras estudadas por Villalva e Silvestre (2014) aplicando-as na análise
dos neologismos por estrangeirismos. Elas são de extrema importância para buscar
compreender como essas palavras são criadas, pois embora elas surjam de maneira
natural na comunicação e de forma espontânea, elas possuem um padrão estrutural, o
qual utiliza o radical das palavras de língua inglesa, recebendo a adição de sufixos de
língua portuguesa, o que torna possível realizar uma análise através das regras de
formação de palavras do português brasileiro.

5 ANÁLISE DO CORPUS

Neste capítulo analisamos as ocorrências dos estrangeirismos e neologismos


criados a partir destes, para os quais propomos a nomenclatura neoestrangeirismos,
presentes nas interações discursivas em partidas de jogos digitais online capturadas em
vídeos do Youtube e posteriormente transcritas e inseridas em uma tabela, reunindo
todas as ocorrências encontradas nos três vídeos transcritos. As ocorrências coletadas
41X

foram separadas entre as categorias estrangeirismos comuns e os neologismos criados a


partir das regras de formação de palavras de Villalva e Silvestre (2014) a respeito dos
diferentes tipos de afixos. Analisamos as palavras presentes na tabela de acordo com o
tipo de afixo em que se enquadram. Vale ressaltar que algumas palavras aparecem em
duas categorias de afixos diferentes por serem utilizadas em situações distintas.

A tabela de ocorrências comporta cinquenta e oito estrangeirismos na


categoria dos substantivos, seis na categoria dos adjetivos e apenas um em verbos,
dezessete neoestrangeirismos formados a partir dos sufixos derivacionais, dentre eles,
onze verbos, quatro na categoria dos substantivos e dois nos adjetivos, dez
neoestrangeirismos criados através dos afixos modificadores, todos da classe gramatical
dos substantivos e vinte e quatro expressões formuladas pelos sufixos especificadores,
dos quais quinze são verbos e nove substantivos, cada um deles com o número de
ocorrências entre parênteses. É importante esclarecer previamente que as expressões
grabzinho, strafezinho e stunzinho estão presentes nas três categorias de afixos,
enquanto bugadinha, fallenzão, flashzinha, grabzinho, iframezinho, shift fzinho,
strafezinho e stunzinho se repetem nas categorias afixos modificadores e sufixos
especificadores pelo fato de poderem ser analisadas através das perspectivas das três
regras de formação de palavras, aspecto no qual nos aprofundamos mais no capítulo de
análise.

O capítulo de análise foi organizado em quatro subseções, uma para cada


tipo de ocorrência encontrada nos vídeos transcritos. A primeira subseção introduz o
leitor à tabela enquanto ao mesmo tempo realiza alguns esclarecimentos acerca da
mesma e aborda os estrangeirismos encontrados nas transcrições, o que compõe a maior
parte das ocorrências encontradas; no entanto, esta subseção não recebe tanto escopo,
visto que o foco da pesquisa está nas regras de formação de palavras. Ainda assim, a
grande presença de estrangeirismos demonstra a influência que a língua inglesa exerce
sobre a língua portuguesa A subseção dois se trata das expressões criadas a partir dos
sufixos derivacionais, a subseção três aborda a presença dos afixos modificadores nos
neoestrangeirismos e a subseção quatro se encarrega de explanar a respeito das palavras
formadas através dos sufixos especificadores.

5.1 Análise do corpus: estrangeirismos


42X

Nesta subseção, foram selecionadas apenas algumas expressões na classe


dos estrangeirismos comuns, por considerarmos desnecessária uma análise da maioria
das palavras. Isto porque todos os estrangeirismos mantêm suas respectivas escritas e
significados originais, de modo que o provável motivo pela preferência do inglês ao
português neste tipo de interação discursiva, seja pelo fato de o cenário competitivo
profissional ser muito mais abrangente a nível internacional, com predominância da
língua inglesa por parte não somente dos narradores, mas também dos jogadores. Dito
isto, os estrangeirismos analisados aqui, são os que representam abreviações, ou aos
quais foram atribuídos significados específicos dentro dos jogos digitais em que
ocorrem. Além disso, o foco deste trabalho é a análise das palavras criadas a partir das
regras de formação de palavras. Deste modo, introduzimos a tabela de ocorrências que
mostra todas as palavras coletadas nas transcrições dos vídeos, cada uma com o
respectivo número de vezes em que aparecem na mesma.

(6) Tabela de ocorrências:

Estrangeirismos Neoestrangeirism Neoestrangeirism Neoestrangeirism


os de sufixos os de afixos os de sufixos
derivacionais modificadores especificadores
Verbos Back (4) Bangar (6) Bangar (6)
Banguei (3) Banguei (3)
Bugou (3) Blockar (1)
Debuffar (2) Bugou (3)
Rushado (3) Debuffar (2)
Rushando (3) Graba (1)
Rushar (3) Grabado (2)
Rushou (6) Ressar (1)
Smokar (3) Rushado (3)
Ultar (3) Rushando (3)
Ultou (4) Rushar (3)
Rushou (6)
Smokar (3)
Ultar (3)
Ultou (4)

Substantivos Awakening (18) Grabzada (1) Bugadinha (1) Bugadinha (1)


AWP: Artic Warfare Police (11) Grabzinho (6) Fallenzão (1) Fallenzão (1)
Berserker (5) Strafezinho (1) Flashzinha (1) Flashzinha (1)
Blade (6) Stunzinho (1) For funis (1) Grabzinho (6)
Blades (1) Grabzinho (6) Iframezinho (1)
Bomb (10) Hardzera (1) Overwatchs (1)
43X

Boost (2) Iframezinho (1) Shift Fzinho (1)


Buff (22) Shift Fzinho (1) Strafezinho (1)
CC (crowd control) (2) Strafezinho (1) Stunzinho (1)
CCs (crowd control) (1) Stunzinho (1)
Cheat (2)
Clutch (2)
CT - Counter Terrorist (4)
CTs - Counter Terrorists (1)
Dash (1)
Debuff (2)
Desyncs (1)
DPS: Damage per second (1)
Engage (2)
Escape (3)
Flash (8)
FPS - Frames per second (2)
GG - Good game (2)
Grab (20)
Highground (1)
HP - Health points (1)
Iframe: Invencible frame (2)
Lag (1)
Laptop (1)
Level (1)
Like (2)
Lurker (2)
Match making (1)
My friends (2)
Nano blade (5)
No scope (1)
Old school (1)
Overwatch (1)
Pulse (2)
Round (16)
Scope (1)
Season (1)
Shift F (2)
Smoke (7)
Spray (1)
Stream (1)
Striker (2)
Stun (5)
Stylish points (1)
Survivor mode (1)
Team play (1)
Ult (7)
Ults (1)
Walker (2)
Wall (1)
Way to grand master (2)
Way to top quinhentos (1)
Zerker (4)
44X

Adjetivos Away (3) Grabado (1)


Clear (5) Rushado (2)
Down (1)
Easy (1)
Low (3)
Purple (5)

A primeira observação a ser feita partir da tabela é que os estrangeirismos


comuns, isto é, as expressões adotadas que não sofreram qualquer influência das regras
de formação de palavras através de sufixos, compõem a maior parte do corpus. Dentre
elas, existem algumas expressões indispensáveis para a comunicação dos jogadores
durante suas interações discursivas e outras nem tanto, que foram escolhidas por
questões estilísticas ou por opinião própria. O verbo back por exemplo, foi utilizado em
uma situação: um dos jogadores da partida pedia que os aliados recuassem para se
agrupar e, embora todos estivessem falando a língua portuguesa, ele preferiu dizer
“back” em vez de “voltem”, por exemplo, o mesmo ocorre em diversas outras ocasiões.

Há muitas palavras, no entanto, que se configuram como indispensáveis na


comunicação, por se tratarem de conceitos ou substantivos exclusivos do universo do
jogo em questão, como é o caso dos estrangeirismos buff ou debuff. Embora a palavra
buff signifique “lustre” em inglês, e até mesmo exista o verbo to buff, que seria lustrar
ou polir, a maioria dos jogadores sequer precisam saber deste significado para entender
o que a palavra significa no universo dos jogos digitais, que é o ato de melhorar os
atributos ou fortalecer o avatar dos jogadores, tornando-os mais rápidos, mais fortes ou
mais resistentes. Quanto à expressão debuff, esta foi especificamente criada para e
durante as interações entre jogadores, já que ela não existe fora do âmbito dos jogos
digitais, seu significado é o oposto de to buff, sendo atribuído à palavra, o prefixo de- da
língua inglesa, que dá sentido oposto aos verbos, como é o caso de hydrate (hidratar) e
dehydrate (desidratar).

Há outros casos em que certas palavras possuem traduções diretas, mas a


preferência do estrangeirismo sobre a tradução pode se dar pelo fato das traduções
destas expressões, serem utilizadas de forma bastante específicas na língua portuguesa.
Vejamos o exemplo da palavra clutch que significa “engate17” na língua portuguesa, a
palavra engate é quase exclusivamente utilizada com o substantivo marcha, “engatar a

17
Há também a tradução embreagem, embora esta se mostre menos adequada para a ocasião de uso.
45X

marcha”, por exemplo, e embora faça sentido metaforicamente, soa muito mais natural
dizer que determinado jogador vai dar um clutch, do que dizer que ele vai engatar. Nos
jogos digitais, clutch é o ato de o último jogador vivo de uma equipe conseguir vencer a
equipe adversária eliminando todos os jogadores restantes independentemente da
quantidade. Há também o caso de away, que significa longe, mas possui um uso
bastante específico nos jogos.

No trecho extraído da transcrição do vídeo da partida de Counter Strike:


Global Offensive, “tem alguém away ainda, é brincadeira, hein”, a expressão away não
poderia ser substituída por “longe”. Isto acontece porque na ocasião em si, se o jogador
fala “tem alguém longe ainda, é brincadeira, hein”, daria a entender que outro jogador
está longe no quesito distância dentro do mapa do jogo. Away atribui um sentido
completamente diferente por se tratar de uma abreviação da frase away from keyboard,
utilizada para informar que determinado jogador está com seu avatar online na partida,
mas não está no teclado, isto é, não está jogando. Embora não surgido em nenhuma das
transcrições, é valido informar que existe também a sigla AFK, que significa away from
keyboard.

Também é comum encontrar várias palavras compostas durante as


interações das partidas de jogos digitais, como; 1) match making, que pode significar
“combinação”, ou no caso dos jogos digitais, “pareamento”, nome dado ao sistema que
pareia jogadores de nível de habilidade similar através de um sistema de ranque; 2)
DPS, que significa damage per second, utilizada para definir a quantidade de dano que
os personagens conseguem infligir a cada segundo, ou para definir uma função em
alguns jogos, DPS sendo designado aos personagens ofensivos, tank, tradução de
“tanque” do português, designado aos personagens resistentes, e “suporte” ou healer aos
personagens que curam ou fornecem atributos especiais ou fortalecimento aos aliados;
3) FPS18, que significa frames per second, utilizado para definir a quantidade de
quadros/imagens por segundo que os jogos rodam no computador (quanto mais quadros,
mais fluida é a imagem); 4) CC, crowd control, sigla destinada para definir habilidades
especiais não letais, que causam algum tipo de efeito negativo no oponente, como:
atordoamento, lentidão, sonolência, cegueira, entre outros.

Em alguns casos, são criadas expressões específicas para jogos específicos,


com o intuito de descrever ações realizadas outros jogadores, como é o caso de shift f.

18
FPS ocorre mais frequentemente como sigla de frames per second durante as interações discursivas nos
jogos digitais, mas também pode ser a sigla de first person shooter, tradução de “tiro em primeira
pessoa”, que se trata de um gênero de jogos digitais.
46X

Durante a narração de uma partida de campeonato do jogo Black Desert¸ o narrador usa
a expressão shift f várias vezes. Isto acontece porque shift f corresponde ao atalho no
teclado, de um comando do jogo, que corresponde ao uso de uma habilidade específica
chamada “machado esmagado”. O narrador provavelmente prefere chamar a habilidade
pelo atalho que a corresponde no teclado, por a expressão ser mais curta, e desta forma
se torna mais prática e rápida de pronunciar do que o nome da habilidade em si. Quanto
às ocorrências de empréstimos linguísticos, que são os estrangeirismos adaptados ou
adotados para a nossa língua, a expressão round é a única normalmente utilizada na
língua portuguesa, especificamente nos cenários de competições de artes marciais ou
MMA.

Na subseção seguinte, analisamos uma lista de sete neoestrangeirismos


através dos sufixos derivacionais. Algumas das expressões analisadas, posteriormente,
surgem também nos outros tipos de afixos e sufixos, o que configura uma
multiplicidade de atribuição de tipos de sufixos. Isto ocorre porque alguns tipos de
sufixos são específicos de certas classes gramaticais, se encaixando como assinatura
categorial dos sufixos especificadores, por exemplo. Entanto, se enquadram também
como derivacionais, por terem, a partir do sufixo atribuído, a capacidade de modificar as
propriedades morfossintáticas das palavras. Este conceito é abordado mais
detalhadamente nas subseções conseguintes.

5.2 Análise do corpus: neoestrangeirismos e os sufixos derivacionais

Os sufixos derivacionais, como discorrido anteriormente, possuem por


natureza, a capacidade de definir as propriedades morfossintáticas, isto é, derivar a
classe gramatical das palavras sobre as quais exercem influência (VILLALVA;
SILVESTRE, 2014). Foi constatada nos três vídeos transcritos, a presença de dezessete
neoestrangeirismos formados a partir dos sufixos derivacionais, mas é importante
adiantar que alguns deles também podem ser analisados através da perspectiva dos
afixos modificadores e sufixos especificadores, detalhe abordado de maneira mais
aprofundada posteriormente. Deste modo, as palavras são analisadas de acordo com a
ordem estabelecida na tabela.
47X

Como primeira ocorrência analisada, selecionamos o substantivo grabzada


encontrado na transcrição de uma partida de campeonato do jogo digital Black Desert,
gravada e narrada pelo youtuber Zeus e postada no canal Ghostz Clube da Luta19. A
palavra grabzada é formada a partir da expressão grab, que se torna um radical e recebe
o sufixo -zada. Para compreender melhor o papel dos sufixos derivacionais neste
processo, é necessário analisar a situação de uso. Grab, ou agarramento em português, é
um recurso valioso que pode ser utilizado pelos jogadores do jogo e possui um grande
potencial como condição de vitória no combate do jogo.

Por este motivo, aos nove minutos e quarenta e seis segundos, o narrador
exclama “grabzada”, no momento em que um dos jogadores consegue acertar o recurso
em seu oponente. Na situação em questão, a expressão se classifica como um
substantivo que pode ter derivado do verbo to grab da língua inglesa, ou pode apenas
ter sido acrescentado um sufixo de língua portuguesa, no substantivo grab da língua
inglesa. De todo modo, dentro da possibilidade de ter derivado do verbo, a ocorrência
pode se encaixar como sufixo derivacional, dado que não é possível provar se a intenção
inicial do jogador no momento de fala, foi a de buscar referencial no substantivo grab,
ou no verbo to grab. Embora o sufixo -zada não seja encontrado em nenhum dos
exemplos fornecidos por Villalva e Silvestre (2014), nesta situação, caso o referencial
tenha sido o verbo to grab, o sufixo modificou as propriedades morfossintáticas de um
verbo, transformando-o em substantivo.

No exemplo (7a), foram reunidos três substantivos que recebem o sufixo “z


avaliativo” -z pertencente aos afixos modificadores, e -inho, pertencente aos sufixos
derivacionais. A assinatura categorial -inho em (7a) demarca o diminutivo das palavras,
enquanto -z, dos afixos modificadores, contribui com modificação semântica. Villalva e
Silvestre (2014) descrevem os afixos modificadores da seguinte forma: “o seu papel na
estrutura das palavras é estritamente semântico” (VILLALVA; SILVESTRE, 2014, p.
110). Dito isto, caso não houvesse a presença do sufixo -z nas palavras em (7a), todas se
tratariam apenas de diminutivos dos substantivos em questão. Na situação em que o
narrador utiliza as expressões presentes em (7a), a intenção foi a de tratar as palavras
com certa estima, já que todas elas correspondem a recursos importantes no jogo Black
Desert.

Contudo, embora de fato, o sufixo em questão na língua portuguesa pertença


exclusivamente aos afixos modificadores pelo fato de que o diminutivo -inho ou -inha

19
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_t0MQsez1pA&t=122s>. Acesso em: 25/11/2021.
48X

só pode ser atribuído a substantivos ou adjetivos, deste modo tornando impossível a


transição de palavras entre as classes gramaticais através do mesmo, observou-se que
durante o processo de formação dos neoestrangeirismos, eles também podem atuar nos
sufixos derivacionais. Observe no exemplo, as expressões divididas em três partes, a
primeira sendo a expressão da língua inglesa que se transforma em radical, o sufixo -z,
dos afixos modificadores e em negrito, o sufixo -inho, dos sufixos derivacionais:

(7) a. Sufixos derivacionais de atribuição de sentido diminutivo

grab - z - inho

strafe - z - inho

stun - z - inho

Não cabe aos sufixos derivacionais, analisar as possíveis intenções do


narrador no momento em que este atribui o diminutivo às palavras expostas no exemplo
acima, detalhe este que será abordado posteriormente na subseção dos afixos
modificadores. Na ocasião, damos escopo ao fato de que há a possibilidade de o
referencial da língua inglesa, (i.e.) as palavras grab (agarrar), strafe (metralhar ou
bombardear com aeronaves) e stun (atordoar), no momento da fala, tenham sido os
verbos e não os substantivos. Se este for o caso, todas se transformaram em substantivos
no momento em que receberam os sufixos -z e -inho, uma vez que verbos não podem
receber estes sufixos. Para exemplificar uma das ocasiões de ocorrência da palavra
grabzinho, temos a passagem “temos um grabzinho, entrou”.

Em outro período de fala, a expressão stunzinho é utilizada no trecho: “Na


briga de super armadura com super armadura, o Piruca ali botou o peito, segurou os
tiros todos no dente, mermão, se aproximou, jogou aquela chutaça na beiça, aquele
stunzinho, o HP tava baixíssimo, era o bonde dos carecas inteiro ali em cima do Radf,
não teve como segurar, a vitória fica na mão do senhor Piruca, que é o nosso finalista da
Liga Kzarka, sensacional!” Na ocasião, o youtuber fala “aquele stunzinho”, tratando a
expressão stun como um objeto, ou seja, um substantivo. Ambas as ocorrências citadas
podem ser encontradas no vídeo dois, enquanto a ocorrência “strafezinho aqui pra ver se
tem alguém mirando”.

É interessante observar também que a ação de strafar, isto é, fazer um


strafing, nos jogos digitais, significa mover-se de um lado para o outro enquanto dispara
49X

contra o adversário, ou ir para o canto da parede e mover-se de um lado para o outro


rapidamente, alternando entre se expor aos tiros e pegar cobertura, com a intenção de
fazer o inimigo errar os tiros iniciais ou de conseguir informação (de acordo com
diversos sites e discussões em fóruns na internet 20). Isto demonstra que, mesmo na
língua inglesa, a expressão ganhou novo significado nos jogos digitais. Ademais, não
somente o sufixo -z e -inho, como quaisquer outros tipos de diminutivos ou
aumentativos, possivelmente poderiam ser atribuídos a outras unidades lexicais da
língua inglesa. Ressaltamos que o sufixo -z não atua somente como diminutivo, mas
trabalha em conjunto com o diminutivo -inho, dando origem a uma nova característica,
a de modificar a semântica das palavras, seja com sentido de valorização ou desprezo.

As próximas ocorrências analisadas configuram ambiguidades categoriais,


sendo possível distinguir a classe gramatical das palavras, somente através do contexto
de uso das expressões. Villalva e Silvestre (2014) discorrem a respeito das
ambiguidades categoriais:

Alguns sufixos formam palavras categorialmente [sic] ambíguas. É esse o


caso de um sufixo como -ista, que em geral, pode ocorrer como substantivo
ou como adjetivo (cf. abolicionista), embora o uso substantival seja mais
frequente e às vezes até exclusivo (cf. pianista). Quando o uso adjetival é
dominante (cf. realista), raramente se verifica ser o único possível. Esta
ambiguidade categorial afeta apenas as categorias nominais (i.e. substantivo e
adjetivo). Para sermos mais precisos, esses sufixos formam radicais das
categorias acima referidas e determinam as demais propriedades das palavras
que geram, o que é particularmente óbvio nos casos de recursividade, em que
essas predições morfológicas complexas servem de base para a nova
sufixação. (VILLALVA; SILVESTRE, 2014, p. 103)

Como observado, de acordo com Villalva e Silvestre (2014), as únicas


classes nas quais os sufixos que dão origem as palavras com ambiguidade categorial
estão presentes são os substantivos e adjetivos e o único exemplo dado pelos autores é o
do sufixo -ista, sendo este, o único sufixo presente nestas ambiguidades na língua
portuguesa. Por exemplo, os sufixos -ada ou -ado normalmente não geram
ambiguidades categoriais, tampouco originalmente fazem parte dos sufixos
derivacionais, uma vez que tais sufixos estejam presentes apenas em verbos e adjetivos
e cabe aos sufixos especificadores, explicar este fenômeno.

No entanto, tal qual acontece com o sufixo -zinho, quando se trata dos
neoestrangeirismos, o assunto é diferente, observe o exemplo 7b):

20
Disponível em nos endereços: <https://www.hardmob.com.br/threads/43322-Strafe-o-que-e>,
<https://br.millenium.gg/guias/3087.html#:~:text=Strafe%3A%20É%20o%20ato%20de,o%20inimigo
%20errar%20um%20tiro>, <https://www.techtudo.com.br/listas/2018/03/awper-bangar-rushar-os-
significados-dos-termos-do-counter-strike.ghtml>. Acesso em: 23 de nov. de 2021.
50X

(7) b. Sufixos derivacionais de adjetivalização

grab -ado

rush -ado

As palavras citadas acima estão presentes tanto nos sufixos derivacionais,


como nos sufixos especificadores, isto porque ambas as expressões ocorrem como
verbos em sua forma nominal, no tempo verbal do passado particípio, tal qual
exemplificado posteriormente no capítulo, como também ocorrem nos sufixos
derivacionais através da transformação dos verbos grab e rush da língua inglesa, nos
adjetivos grabado e rushado, respectivamente. Conforme a passagem a seguir: “Piruca
vai pra cima, tá grabado de novo, bugou o grab pra felicidade ali do Piruca, o Radf não
consegue prolongar a sequência, a onda ancestral ali deixa um pouquinho de dano, mas
não muito, tá de boa, salvo agora pelos desyncs do game”, grabado aparece como um
adjetivo demarcado pela expressão tá, pois trata-se do estado em que o jogador se
encontra no momento da narração. No entanto, é possível apontar mais uma
ambiguidade categorial na ocasião: caso a palavra tá não se refira ao estado em que o
jogador se encontra no momento, mas sim à ação que ele sofre, grabado se configura
mais uma vez como um verbo nominal.

O mesmo ocorre com a expressão rushado no trecho: “pode ter rushado nas
costas, rushado meio, rushando meio”. Observe que nesta situação, a palavra rushado
aparece duas vezes, na primeira como verbo, pois o jogador informa que o adversário
pode ter rushado, no passado particípio. Na segunda, o jogador se corrigiu ao informar
que o adversário já estava rushado no meio, dando ideia de que ele já estava avançado
quanto ao seu posicionamento no mapa do jogo, configurando-se como adjetivo nesta
ocasião. Posteriormente no mesmo vídeo, um dos jogadores profere a sentença “meio,
meio, porta do meio e fundo rushado”, transmitindo uma informação semelhante a um
jogador aliado, de que um dos adversários estava rushado (i.e. avançado) no fundo
(local do mapa). Nos trechos, tanto o sufixo -ando, quanto o sufixo -ado, compõe
assinaturas categoriais que só podem ocorrer em verbos e em verbos e adjetivos,
respectivamente.

Tradicionalmente, os sufixos derivacionais de verbalização, ou seja, os que


possuem a capacidade de transformar substantivos ou adjetivos em verbos, compõem os
sufixos -ificar ou ilhar, assim como foi demonstrado no exemplo (1c) no capítulo de
51X

fundamentação teórica ou no adjetivo pronto que se converte no verbo prontificar, por


exemplo. Nos neoestrangeirismos, não foi possível observar nenhum dos sufixos que
normalmente se enquadram como derivacionais, talvez pelo fato de serem menos
comuns de se encontrar até mesmo em palavras da língua portuguesa.

No entanto, em (7a), foi possível reunir algumas ocorrências de expressões


da língua inglesa, que através do processo de atribuição de um sufixo de língua
portuguesa, se confirmam como verbos através dos sufixos derivacionais. Contudo, é
importante notar que a língua inglesa possui a capacidade natural de transformar
substantivos em verbos, como já dizia Michael Jackson: “I wanna rock with you (all
night)”. Deste modo, mesmo na língua inglesa, flash bang, poderia obviamente ser
abreviada em apenas bang, e durante a comunicação, o substantivo poderia ser
convertido em um verbo: I will bang for you, (vou jogar uma granada de luz para você),
por exemplo. Porém, dado que a origem de bang, é substantival, e flash bang esteja
presente como item no jogo Counter Strike: Global Offensive, é possível afirmar que os
jogadores tenham o substantivo como origem do neoestrangeirismo. Observe os
exemplos:

(7) c. Sufixos derivacionais de verbalização

bang - ar (6)

bang - uei (3)

bug - ou (3)

debuff - ar (2)

rush - ado (3)

rush - ando (3)

rush - ar (3)

rush - ou (6)

smok - ar (3)

ult - ar (3)

ult - ou (4)
52X

Na língua portuguesa, naturalmente nenhum dos sufixos presentes nos


verbos listados acima, faria parte dos sufixos derivacionais (a não ser que ocorressem
como neologismos), pois como discorrido anteriormente e de acordo com Villalva e
Silvestre (2014), só existem dois sufixos derivacionais de verbalização, ificar e ilhar.
Mas por se tratarem de palavras híbridas de duas línguas que ocorrem através de um
processo de junção do radical da língua inglesa com sufixos da língua portuguesa,
evidentemente, as duas línguas possuem papel importante neste processo, e durante o
mesmo, os substantivos bang de flash bang (granada de luz), bug (falha em um sistema
ou software), debuff (efeito negativo em jogos online), rush 21(pressa), smoke (granada
de fumaça), e o adjetivo ultimate (supremo) se convertem em verbos.

A maneira como explicamos que os sufixos citados acima, neste caso


específico se tratam de fato, de sufixos derivacionais, é o fato de todos os substantivos
que compõem os verbos listados, serem utilizados na língua portuguesa, como
estrangeirismos. Isto acontece também com diversas outras palavras, conforme
notebook, outdoor, mouse ou nobreak e, em alguns casos, são até adaptadas como
empréstimos linguísticos já oficializados, como checape, blecaute, futebol, ou
basquetebol, por exemplo.

O que há de diferente aqui, é que estes substantivos presentes no acervo


linguístico dos jogos digitais, estão se transformando em verbos durante a interação
discursiva dos jogadores. Deste modo, considerando que a partir do momento em que
expressões estrangeiras como delivery passam a ser utilizada com frequência, elas
possuem grande possibilidade de serem adaptadas e oficializadas na língua portuguesa,
e se durante o processo receberem sufixos que as transformem em verbos, estes passam
a fazer parte tanto dos sufixos derivacionais, como dos sufixos especificadores, que
possuem a propriedade de atribuir a assinatura categorial, isto é, definir os tipos de
sufixos que pertencem a cada classe gramatical. Isto demonstra uma vez mais, que o
processo de surgimento dos neoestrangeirismos dá origem a diversas ambiguidades
quanto à definição dos tipos de afixos.

Durante o processo de coleta de dados nas transcrições dos vídeos


analisados, não foi possível encontrar sufixos derivacionais de adverbialização nem de
substantivalização, no entanto, conseguimos coletar algumas amostras destes tipos,

21
De acordo com o Meriam-Webster Dictionary, a diferença entre hurry e rush, é que o primeiro é o ato
de fazer algo com pressa, enquanto o segundo possui um sentido ainda mais forte, o de fazer algo com
pressa e sem quaisquer cuidados. Uma definição adicional para rush, é a de mover-se para frente, e é
precisamente este o significado que se encaixa no uso presente nas interações discursivas em jogos
digitais.
53X

como noobmente, que transforma o adjetivo noob em um advérbio, ou noobeira, que


converte o adjetivo noob em um substantivo. Estas ocorrências foram coletadas através
de capturas de tela e estão presentes nos anexos desta pesquisa. Na subseção seguinte,
abordamos os neoestrangeirismos compostos pelos afixos modificadores, que têm,
como principal característica, a de modificar a semântica das palavras sem implicar
qualquer alteração em suas propriedades morfossintáticas.

5.3 Análise do corpus: neoestrangeirismos e os afixos modificadores

Os afixos modificadores, tal qual discorrido anteriormente, possuem a


propriedade de atribuir novo valor semântico às palavras, porém, jamais modificando
suas propriedades morfossintáticas. Normalmente atribui valor avaliativo às expressões
em que ocorre, seja ele diminutivo, aumentativo, depreciativo, aclamatório, entre outras
definições. Observa-se, então, que tais aspectos não podem ser atribuídos a classes
gramaticais senão os substantivos e adjetivos, já que apenas estes podem receber juízos
de valores. De tal modo, nos vídeos transcritos, observou-se a presença de dez
neoestrangeirismos formados a partir de sufixos modificadores, todos de origem
substantival.

Na passagem “(...) deu uma bugadinha(...)”, ocorre a primeira expressão


analisada nesta subseção. Nesta situação, o uso do diminutivo “-inha”, presente no
sufixo -adinha, foi utilizado com a intenção avaliativa de amenizar a situação negativa
produzida pelo fato de ter ocorrido um bug, isto porque bug22, nos meios digitais, é a
palavra utilizada para nomear as falhas que ocorrem em sistemas computadorizados. Na
situação, o bug que ocorre não é muito grave, e é por este motivo que o diminutivo foi
atribuído à palavra. É interessante atentar também para o fato de que bugadinha
configura uma ambiguidade, podendo ser utilizada como adjetivo ou substantivo a
depender da situação, tal qual seria possível, por exemplo, com a palavra olhadinha.
Observe os exemplos em (8a):

(8) a. Possíveis usos da expressão bugadinha

Situação hipotética de uso adjetival: Ela está bugadinha.

Uso substantival presente na transcrição do vídeo: Deu uma bugadinha.

22
Definição de bug no dicionário Merriam-Webster.
54X

Em (8a), criamos uma situação hipotética de uso adjetival para a expressão,


e na segunda, expomos um trecho da narração da partida do jogo digital Black Desert,
onde um narrador diz que o jogo em si, deu uma bugadinha, e é o artigo indefinido
“uma” que marca o uso substantival da palavra. Refletindo mais profundamente, é
possível considerar que se a bug recebeu o sufixo -adinha, poderia, também, receber
apenas o sufixo -ada sem o diminutivo inha. Caso isto ocorresse, a ambiguidade seria
ampliada, pois nesta situação, bugada poderia ser além de adjetivo e substantivo, um
verbo conjugado no passado particípio, já que verbos não podem receber sufixos de
valor avaliativo. Caso recebesse o sufixo -zinho, resultando em bugzinho, a
ambiguidade seria desfeita, já que nesta situação a expressão se limitaria a um
substantivo.

No exemplo (8b), reunimos seis ocorrências similares de afixos


modificadores atuando em substantivos marcados por sufixos que atribuem valor
avaliativo:

(8) b. Sufixos modificadores

flash - zinha

grab - zinho

iframe - zinho

strafe - zinho

stun - zinho

shift f -zinho

Todas as ocorrências em (8b) são da classe dos substantivos que receberam


os sufixos avaliativos -zinho ou -zinha. À primeira vista, pode-se pensar que a intenção
da atribuição do sufixo foi a de menosprezar, mas neste caso, ele possui intenção de
valorizar, de tratar com certo grau de carinho, as palavras afetadas. Isto ocorre porque as
expressões, grab e stun, definem recursos importantes com grande potencial de
condição de vitória no jogo Black Desert. Iframezinho, por sua vez, trata-se de um
pequeno espaço de tempo onde o avatar do jogador se torna imune a qualquer fonte de
dano ou efeitos negativos, enquanto shift f corresponde ao atalho do teclado para acionar
uma habilidade poderosa do personagem striker controlado pelo jogador Piruca na
partida analisada. Já em Counter Strike: Globall Offensive, flash, abreviado de flash
55X

bang, é um equipamento poderoso enquanto strafe é uma ação muito valiosa no jogo.
Deste modo, todas as expressões citadas, foram modificadas em seu valor semântico,
recebendo um sufixo diminutivo com juízo de afeição ou apreciação pelos mesmos.

Aos vinte e um minutos e trinta e nove segundos do vídeo um, na passagem


“boa sorte aí, Fallenzão”, um jogador aliado se despede do jogador Gabriel Toledo,
mais conhecido pelo pseudônimo ou nickname23 Fallen, que gravou a partida de
Counter Strike: Global Offensive. A ocorrência Fellenzão demarca o uso do sufixo -zão
com o sentido de enaltecer o indivíduo que atende por Fallen, pois este é um jogador
profissional do game, conhecido como um dos melhores do mundo na função sniper24 e
atualmente, reconhecido como o melhor jogador profissional brasileiro em atividade. A
sufixação atribuída se enquadra como um dos usos padrões do sufixo modificador, o de
dar novo valor semântico, um valor engrandecedor, valorizando as habilidades de
Gabriel Toledo, enquanto jogador.

No exemplo (8c), reunimos duas ocorrências bastante incomuns e


específicas de situações de uso informal:

(8) b. Sufixos modificadores incomuns

hard - zera

for fun - is

O sufixo -zera, usado na expressão hardzera, originada do adjetivo hard,


que significa difícil em inglês, atribui valor avaliativo de intensidade à palavra. A
ocorrência se assemelha ao caso topzera, que se popularizou na linguagem informal
contemporânea, normalmente proferida em interações cotidianas, utilizada em
postagens informações das redes sociais e até mesmo títulos de vídeos do Youtube
relacionados à música25. O que torna a ocorrência incomum é fato de o sufixo -zera não
existir na norma culta da língua portuguesa, é inclusive por este motivo que nenhum
exemplo similar pode ser encontrado em Introdução ao Estudo do Léxico: Descrição e
Análise do Português (VILLALVA; SILVESTRE, 2014). No entanto, é possível

23
Expressão usada para definir os apelidos no meio digital, muitas vezes abreviada para nick.
24
Também chamada de AWPer, especificamente em Counter Strike: Globall Offensive pelo fato da arma
AWP ser o único rifle de precisão letal no jogo, o sufixo -er atribui o sentido de função do jogador que
usa o armamento em questão.
25
Ver exemplo em captura de tela nos anexos.
56X

encontrar diversos usos do sufixo citado através de diversos neologismos modernos, e é


o valor semântico do mesmo que o transforma em um sufixo modificador.

Finalmente, em outro período de fala, na transcrição de uma partida do jogo


digital Overwatch, o youtuber conhecido como Patriota, ao falar a sentença “vamo lá,
vamo ver o que a gente consegue fazer aqui, vamo jogar for funis mermo”, atribuiu o
sufixo -is presente no segundo exemplo de (8c), à palavra fun, pertencente à locução
adverbial construída a partir do sintagma preposicionado resultante da preposição for. O
sufixo em questão foi constatado apenas uma vez nas três transcrições realizadas e é
possivelmente, um caso isolado e muito específico. Ainda assim, o motivo por trás da
decisão de atribuir ao mesmo a definição de afixo modificador é a provável intenção do
jogador ao adicioná-lo a for fun. Na situação em questão, é possível que o jogador o
tenha utilizado por motivos estilísticos presentes na linguagem corriqueira, como uma
espécie de gíria sufixal, ou para tornar a sentença mais descontraída, descolada ou dar
um tom cômico, deste modo, modificando o valor semântico da locução adverbial.

Outra possibilidade pela escolha do sufixo -is é a influência do falecido


comediante Antônio Carlos Bernardes Gomes de Muçum, conhecido por interpretar o
personagem Mussum em Os Trapalhões. Acontece que, mesmo hoje, mais de duas
décadas depois de seu falecimento, o personagem continua muito famoso através dos
chamados memes na internet e ganhou até nome de marca de cerveja 26. Algumas vezes,
quando algo viraliza no mundo digital, atribuem de forma cômica, o sufixo -is como
uma forma de brincadeira influenciada pelo modo como o personagem falava. O
fenômeno linguístico foi tão longe, que ganhou até a composição de livros em sua
homenagem, como é o caso de Mussum Forévis: Samba, Mé e Trapalhões (Juliano
Barreto, 2014).

Mussunês é o nome popular dado a este fenômeno linguístico que se


popularizou com a globalização. André Carrico (2013) atribuiu o nome mussunguês ao
jeito de falar e afirma que isto não se trata de uma onda contemporânea. De acordo com
o autor, o modo de falar resgata uma fala popular na primeira década do século XX na
cidade do Rio de Janeiro, o que possivelmente teria servido de inspiração para o
comediante que interpretava Mussum:

Há controvérsias em relação a quem teria sugerido a Antônio Carlos a prosódia


do Mussum (se é que o procedimento não foi iniciativa do próprio ator). O fato
é que encontramos diversas semelhanças entre o mussunguês e a maneira de
falar da mulata no Teatro de Revista nacional. Segundo Veneziano, foi “a
dupla Luís Peixoto e Carlos Bettencourt a que consolidou essa linguagem

26
Cerveja Cacildis.
57X

característica em 1911, com o Forrobodó” (apud VENEZIANO, 1991, p. 129).


Nessa burleta revisteira, que alude a fatos do ano de 1910, encontramos trechos
da mulata falando com as palavras terminadas em is, atropelando-se ao tentar
pronunciar termos difíceis. “Oriunda das senzalas do interior do país, chegou à
cidade grande e incorporou os modismos, as gírias, os neologismos à sua
maneira peculiar de falar” (apud VENEZIANO, 1991, p.128). Seu dialeto
mistura o caipiriês dos interiores com o baianês falado pelas migrantes da
Bahia recém-chegadas aos morros cariocas: as tias dos terreiros de samba.
Bernardes Gomes talvez tenha aprendido sua ortoépia com essas tias.
(CARICO, André, 2013, p. 94 – 95)

Durante o processo de coleta de ocorrências e transcrição do vídeo dois,


também foi possível notar o sotaque carioca do youtuber Patriota através do forte
“chiado” em sua pronúncia, pois o mesmo substitui o som [s] por [ʃ] em casos onde a
letra “s” é precedida por vogais. Estes poderiam possivelmente ser vestígios desta fala
popular, atuando na forma de falar, uma vez mais, mesclando aspectos da língua
portuguesa com a língua inglesa, dando origem a um neologismo que surgira através de
um sufixo que por si só, cria neologismos dentro da língua portuguesa.

Até este ponto da pesquisa, não foi abordado nenhum neoestrangeirismo da


classe verbal, deixando os sufixos especificadores a cargo de todas as ocorrências de
verbos que se enquadram no fenômeno nos três vídeos analisados. Na próxima
subseção, abordamos os sufixos derivacionais que compõem neoestrangeirismos da
classe gramatical dos verbos e substantivos, sendo os verbos, exclusivos deste tipo de
sufixo.

5.3 Análise do corpus: neoestrangeirismos e os sufixos especificadores

Diferente dos sufixos derivacionais e afixos modificadores, os sufixos


especificadores são marcados por possuir a maior parte das ocorrências de
neoestrangeirismos na classe gramatical dos verbos, sendo um total de quinze verbos,
contra zero das categorias anteriormente abordadas. Além disso, foram constatados
nove substantivos e zero adjetivos nesta classe sufixal. Iniciando a análise de
ocorrências pelos verbos, das quinze vezes em que apareceram, a quantidade dominante
foi no tempo verbal infinitivo, totalizando sete vezes. No exemplo (9a), reunimos cada
palavra com a quantidade de vezes que foram utilizadas:

(9) a. Sufixos especificadores: verbos no infinitivo


58X

bang - ar (6)

block - ar (1)

debuff - ar (2)

ress - ar (1)

rush - ar (3)

smok - ar (3)

ult - ar (3)

As expressões bangar, blockar, rushar e smokar ocorreram todas na


transcrição da partida do jogo digital Counter Strike: Global Offensive. A expressão
bangar, que apareceu um total de seis vezes e corresponde à ação de arremessar uma
flash bang, ou granada de luz em português, ocorreu sempre no futuro simples através
do verbo ir conjugado na primeira pessoa do singular no futuro simples, ou em partes
em que o verbo ir se fez ocultou, porém presente, tal qual demonstram os exemplos
abaixo:

Youtuber (11:18 a 11:22): Bangar varanda pra você, pera ai... Banguei varanda agora,
banguei varanda...
Youtuber (14:01 a 14:05): Direita no meio, vou bangar pra você, vou bangar, pode
entrar meio. Um, dois, três e banguei!27

Pelo fato do equipamento que corresponde a granada de luz ser um recurso


muito valioso e de grande potencial no jogo, ele acaba sendo um dos mais utilizados,
demandando dos jogadores, uma maneira mais prática de dizer que vai arremessar o
objeto do que “vou arremessar uma granada de luz”, com isso, o termo bangar,
comprime uma frase inteira de seis palavras, em apenas uma e economiza um tempo
valioso nas partidas frenéticas do jogo. Semelhantemente, a expressão smokar substitui
a necessidade de proferir uma frase inteira, pois em vez de dizer “eu vou arremessar
uma granada de fumaça”, smokar poupa o uso de seis palavras, se mostrando uma vez
mais, extremamente prático.

Interessante observar que em flash bang, a expressão é abreviada para


apenas bang, então é adicionado o radical -ar, dando origem a palavra bangar.
Enquanto isso, em smokar, os jogadores substituem a letra e de smoke, pelo sufixo -ar,

27
Ocorrências restantes presentes no apêndice.
59X

tal qual ocorre em enfeite e enfeitar, por exemplo. Ainda no jogo Counter Strike:
Global Offensive, são utilizadas as expressões blockar e rushar, que também recebem o
mesmo tipo de sufixo da língua portuguesa, adequando-se às regras da mesma, porém
desta vez, a escolha das expressões parece ter sido feita mais por questões estilísticas ou
por modismos do que por praticidade, uma vez que rushar substitui avançar e blockar
substitui bloquear, (ao contrário das palavras anteriores, que explicam todo um conceito
em apenas uma única expressão) é como se estar jogando os jogos, tornasse pré-
requisito, fazer uso das idiossincrasias daquele grupo social, ou seja, falar como um
gamer28 “deve falar”.

No jogo Overwatch, foram encontrados apenas dois verbos no infinitivo:


ressar e ultar. No primeiro, na ocasião “eu tentei ressar”, os jogadores utilizam a
abreviação res de resurect, muito comum em jogos digitais online de fantasia, onde
alguns personagens possuem a habilidade especial de ressuscitar jogadores aliados, e
então dobram a letra “s” e acrescentam o sufixo -ar à palavra. Este é um caso isolado
onde a última letra da palavra é dobrada apenas com o intuito de manter a fonética da
língua portuguesa, uma vez que a palavra “ressuscitar” é pronunciada com o fonema [s],
e em inglês, “ressurect” se pronuncia com [z]. Isto mostra a preocupação não somente
com as regras, mas também com a fonologia da língua português, no processo de
criação neoestrangeirismos através das regras de formação de palavras.

Para encerrar as ocorrências dos verbos no infinitivo, a expressão ultar, três


vezes presente na transcrição do vídeo três, é formada pelo acréscimo do sufixo -ar ao
adjetivo ult, que se trata de uma abreviação da palavra ultimate. Na língua inglesa, é
comum ver substantivos sendo conjugados a nível verbal, como é o caso de Google it,
que seria como um pesquise isso no Google, ou até mesmo adjetivos, como é o caso de
to troll29, que em português seria trollar. Neste caso, os jogadores transformam o
adjetivo ultimate, já abreviado de ultimate ability, que se trata da habilidade suprema,
ou habilidade mais poderosa dos personagens, no verbo to ult na linguagem informal,
então finalmente, através dos sufixos da língua portuguesa, dão origem a mais um
neoestrangeirismo. O trecho “tenho ult hein! Vou ultar no carro, hein!”, exemplifica
isso perfeitamente. Primeiro o jogador utiliza ult como um substantivo, então o flexiona
em um verbo a través do sufixo -ar.

28
Expressão utilizada para definir os jogadores de jogos digitais.
29
A expressão troll possui origem escandinava e é originalmente utilizada para nomear uma criatura
folclórica da Escandinávia. Mais recentemente, na internet, troll se transformou em um adjetivo
utilizado para definir pessoas que possuem a característica de pregar pegadinhas ou fazer brincadeiras
com os outros (i.e. trollar).
60X

Observe em (9b), exemplos de verbos conjugados no passado simples:

(9) b. Sufixos especificadores: verbos no passado simples

bang - ei (3)

bug - ou (3)

rush - ou (6)

ult - ou (4)

No modelo acima, explicitamos quatro diferentes neoestrangeirismos de


classe gramatical verbal, entre eles, banguei com três ocorrências, conjugado na
primeira pessoa do singular do pretérito perfeito do modo indicativo, e bugou, rushou e
ultou, todos conjugados na terceira pessoa do singular, também no tempo verbal do
pretérito perfeito do modo indicativo. Esta diversidade na conjugação dos verbos em
diferentes pessoas do discurso e tempos verbais distintos mostra que o fenômeno
observado não se limita a apenas uma conjugação específica. Observe o exemplo (9c):

(9) c. Sufixos especificadores: verbos no passado particípio

grab - ado (2)

rush - ado (3)

A expressão grabado aparece no vídeo dois, por um total de três vezes, das
quais uma como adjetivo, e outras duas como verbo nominal no passado particípio.
Além disso, ainda na mesma transcrição, observou-se apenas uma única ocorrência do
verbo to grab, conjugado na terceira pessoa do singular do presente simples, no trecho:
“O Radf foi seco pra cima dele ali tentar o grab, o Piruca dá só aquele framezinho nas
costas com stylish points, graba o garoto pelas costas e amassa completamente.”
Rushado, por sua vez, possui cinco ocorrências no vídeo um, das quais duas como
adjetivo e três como verbo.

Estas ocorrências reforçam a afirmação a despeito das ambiguidades


categoriais descritas por Villalva e Silvestre (2014). O trecho “pode ter rushado nas
costas, rushado meio, rushando meio...” da transcrição do vídeo dois evidencia o uso
verbal na primeira vez em que é proferido, marcado pelo verbo ter e o uso adjetival na
segunda vez, pois nesta, a intenção do jogador foi a de autocorrigir-se, atualizando a
informação, pois o que antes era uma hipótese, a de que o adversário poderia ter
61X

rushado meio, havia se confirmado através de um efeito auditivo reproduzido pelos


passos do adversário, que agora possui o estado de estar rushado no meio do mapa.
Adicionalmente, ainda na mesma sentença, o verbo rush aparece também, na forma
nominal do gerúndio, como rushando, marcado pelo sufixo -ndo, confirmando seu uso
em diferentes um tempos verbais.

Finalmente, a assinatura categorial que é um dos aspectos dos sufixos


especificadores, garante a essa categoria, as expressões em (9d):

(9) d. Sufixos especificadores: assinatura categorial de diminutivo

grab - zinho (6)

bug - inha (1)

fallen - zão (1)

flash - zinha (1)

iframe - zinho (1)

shift f - zinho (1)

strafe - zinho (1)

stun - zinho (1)

Todas as ocorrências acima se fazem presentes tanto nos afixos


modificadores como nos sufixos derivacionais. Isto porque os sufixos diminutivos
-zinho, -zinha, -inho ou -inha, compõem a assinatura categorial, isto é, garantem que a
expressão faz parte ou dos substantivos ou dos adjetivos, assim como sufixos de
conjugação verbal, tais quais -ei, -eu, -ou, -ar, por exemplo, fazem parte exclusivamente
dos verbos. Ao mesmo tempo, se o emprego do diminutivo, além de atribuir a categoria
morfossintática, atribuir novo valor semântico, estes pertencem também aos afixos
modificadores, configurando uma ambiguidade categorial em todas as ocorrências
observadas, já que o intuito dos jogadores nas suas respectivas situações de uso não foi
somente o de simplesmente diminuir, tal qual abordado anteriormente na subseção dos
afixos modificadores.

Por fim, no trecho inicial do vídeo dois que se inicia aos treze e finaliza aos
cinquenta e quatro segundos o youtuber conhecido como Fallen dá as palavras de
62X

introdução da partida e enquanto isso, cita um recurso do jogo Counter Strike: Global
Offensive, chamado overwatch30, duas vezes. Na primeira, o jogador fala no singular, na
segunda, no plural, fazendo uso de um sufixo especificador. Uma das características dos
sufixos especificadores, é a de marcar o plural dos substantivos e a expressão
overwatch, por se tratar de um substantivo, também possui uma forma plural na língua
inglesa. No entanto, o que marca o uso do plural na situação como uma das regras de
formação de palavras da língua portuguesa, é o fato de que, ao pronunciar o plural da
palavra, o jogador não faz uso da pronúncia da língua inglesa, que seria
[ˈoʊvɚwɑːtʃəz]31, desrespeitando a regra do sufixo -es que deve ser atribuído às
expressões terminadas em ch no inglês. Deste modo, é evidenciado através da pronúncia
do jogador, sua intenção de atribuir o sufixo -s, da língua portuguesa à expressão
overwatch.

Como dado adicional, apontamos para os conceitos de conjugação dos


verbos no infinitivo discorridos em Introdução ao Estudo do Léxico: Descrição e
Análise do Português, que define os verbos terminados em -ar como os de primeira
conjugação, os finalizados em -er como os de segunda, e aos que terminam em ir, cabe
a definição de terceira conjugação (VILLALVA; SILVESTRE, 2014). Deste modo,
cantar ou dançar são de primeira conjugação, enquanto correr e descer, ou cair e
dormir são de segunda e terceira conjugações respectivamente. A partir do exemplo
(9a), evidenciamos a afirmação dos autores acerca das conjugações do infinitivo: “(...)
os neologismos verbais (e.g. clicar, teclar, printar) se integram na primeira conjugação
(...)” (VILLALVA; SILVESTRE, 2014, p. 124).

A partir da análise dos dados, foi possível observar que os estrangeirismos


comuns compõem a maior parte das ocorrências, embora as expressões às quais
propomos a terminologia neoestrangeirismos também apareçam em grande quantidade.
Os três vídeos transcritos comportam seis mil duzentas e vinte e oito palavras, das quais
duzentas e noventa e uma é a soma total de estrangeirismos e neoestrangeirismos, o que
significa que apenas 4,67% dos vocábulos presentes nos vídeos correspondem ao objeto
de pesquisa. Contudo, os dados analisados se mostram de potencial promissor, uma vez
que foram constatados um total de duzentos e vinte e oito estrangeirismos, dos quais
duzentos e dez são substantivos e apenas dezoito adjetivos e nenhum verbo, e um total

30
O nome do recurso se assemelha ao nome do jogo Overwatch. Diferente do jogo, o recurso possui uma
tradução, chamada fiscalização, onde os jogadores fiscalizam uns aos outros e dão seu veredito acerca de
possível uso de software ilegal ou não permitido.
31
Vídeo com a pronúncia do jogador disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qb2jxj7vcq0>.
Acesso em: 26 de nov. de 2021.
63X

de sessenta e três neoestrangeirismos, dos quais quarenta e quatro são verbos, dezessete
substantivos e apenas dois adjetivos.

É verdadeiro que se comparado ao número total de palavras, é um valor


razoavelmente baixo, no entanto, duzentos e noventa e um ainda é um número bastante
expressivo e com os avanços da globalização, garantindo a cada vez mais pessoas, o
acesso à internet, é provável que esse número continue aumentando. Através da coleta
de dados, foi possível observar que a classe verbal é a dominante no quesito quantidade
quando se trata dos neoestrangeirismos, embora tenha sido possível constatar também,
na classe dos substantivos e adjetivos.

Adicionalmente, os dados coletados e analisados confirmam a hipótese de


que as regras de formação de palavras através dos afixos (VILLALVA; SILVESTRE,
2014), contribuem para o surgimento de neologismos na língua portuguesa, de maneira
bastante consistente, dado que eles não se restringem a apenas uma única gramatical, se
fazendo presentes entre os verbos, substantivos e adjetivos. Ademais, a diversidade dos
neostrageirismos também pode ser notada através dos variados tipos de sufixos que os
dão origem, visto que foi observada a presença dos três tipos descritos por Villalva e
Silvestre (2014). Também foi possível confirmar a influência da língua inglesa neste
processo, uma vez que durante as interações discursivas, os jogadores não buscam por
traduções das palavras de língua inglesa, em vez disso, as adotam como
estrangeirismos, então as utilizam como radicais e, em seguida, atribuem seus
respectivos afixos.

Durante o processo de coleta de dados, não foi possível constatar nenhum


verbo na classe dos estrangeirismos. Isto ocorre porque são expressões estrangeiras, e
durante o processo de flexioná-las em verbos, elas passam a ser os neologismos híbridos
que denominamos como neoestrangeirismos. Em apenas três vídeos, foram coletados
sessenta e três neologismos com valor semântico único, capaz de descrever ações ou
conceitos que antes só poderiam ser descritos através de sentenças inteiras, como ultar,
as diferentes conjugações de bangar, smokar, rushar, entre outros.
64X

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