Você está na página 1de 21

DIÁLOGO

NEWSLETTER
GLOBAL
Utopias Reais para
uma sociologia

5
global

DGN
Erik Olin Wright

Desenvolvimento como
Justiça: Uma Utopia
Real da Índia Kalpana Kannabiran

VOLUME 1 / EDIÇÃO 5 / JULHO 2011


Confrontando a
injustiça da água José Esteban Castro

> Debate sobre o Trabalho Global

> Celebrando Robert Merton

> Jóvens Sociólogos da Catalunha

> Sociologia do Oriente Médio em movimento

> Esquina da História: Evolução da ISA

> Sociologia Pública: A Revolução Espanhola

> Carta ao Editor: Coleta de Esterco

> Apresentando os Editores: O Time Paulista

> Direitos Humanos: Contra-terrorismo no


Reino Unido
> Editorial > Nesta Edição
A
sociologia sempre tentou desfatalizar Editorial 2
e desnaturalizar o presente, demons-
trando que o mundo poderia ser
Utopias Reais para uma sociologia global 3
diferente. Assim, nesta quinta edição da Diálogo Desenvolvimento como Justiça: Uma Utopia Real da Índia 5
Global começamos com uma discussão de
‘utopias reais’, uma ideia avançada por Erik
Confrontando a injustiça da água na América Latina 8
Wright, que se refere às instituições existentes
que apresentam algum desafio à lógica do > DEBATE SOBRE O TRABALHO GLOBAL
capitalismo. Os artigos seguintes ilustram a
idéia de utopias reais: Kalpana Kannabiran Uma perspectiva sul-africana 13
escreve sobre uma utopia real da Índia - o Uma perspectiva chinesa 15
desenvolvimento como justiça; Teresa Sorde
e Tatiana Santos descrevem experiências Uma perspectiva mexicana 17
recentes de democracia participativa na
Espanha, enquanto José Esteban Castro > CONFERÊNCIAS
escreve sobre justiça da água na América Latina
. Notáveis sociólogos do trabalho abordam a Celebrando Robert Merton 7
idéia de “utopia real” em uma direção diferente, Jóvens sociólogos da Catalunha 10
contribuindo também para o nosso debate em
curso sobre sociologia global, explorando a Sociologia do Oriente Médio em movimento 20
noção de “globalização contra-hegemónica.”
Assim, Edward Webster discute movimentos
de trabalho global, como os da África do Sul,
> COLUNAS ESPECIAIS
Pun Ngai os da China e de Enrique la Garza, Esquina da História: A estrutura evolutiva da ISA 7
os do México. Farid Alatas faz a cobertura
de uma conferência bastante aguardada do
Sociologia pública: A Revolução Espanhola 11
Oriente Médio em Teerã, e Ana Vidu relata uma Carta ao Editor: Coleta de esterco 18 2
conferência energérgica de jovens sociólogos
em Barcelona, enquanto Nadia Asheulova e
Apresentando os Editores: A Equipe Paulista 19
Jaime Jiménez relatam a celebração RC23 de Direitos Humanos – Antiterrorismo no Reino Unido 21
Robert Merton, o grande sociólogo da ciência.
Colunas especiais tratam de: a ameaça à
liberdade acadêmica quando as universidades
colaboram com o antiterrorismo, a história
da estrutura bicameral da ISA, e de coleta de
estrume bovino na África tropical. Finalmente,
> Corpo Editorial
começamos uma nova coluna que introduz as Editor: Michael Burawoy.
nossas diferentes equipes editoriais em todo
Editores Executivos: Lola Busuttil, August Bagà, Genevieve Head-Gordon.
o globo. A este respeito Estou muito feliz em
receber uma equipe de jovens sociólogos de Editores Associados: Margaret Abraham, Tina Uys, Raquel Sosa, Jennifer Platt,
Teerã, que traduzirá a Diálogo Global em persa - Robert Van Krieken.
o nosso décimo idioma. Conselho Editorial: Izabela Barlinska, Louis Chauvel, Dilek Cindoglu,
A Diálogo Global pode ser acessada no Tom Dwyer, Jan Fritz, Sari Hanafi, Jaime Jiménez, Habibul Khondker,
Facebook, e no website da ISA. Simon Mapadimeng, Ishwar Modi, Nikita Pokrovsky, Emma Porio,
Yoshimichi Sato, Vineeta Sinha, Benjamin Tejerina, Chin-Chun Yi,
Elena Zdravomyslova.
Editores Regionais
Mundo Árabe: Sari Hanafi and Mounir Saidani.
Brasil: Gustavo Taniguti, Juliana Tonche, Pedro Mancini, Fabio Silva Tsunoda,
Dmitri Cerboncini Fernandes, Andreza Galli, Renata Barreto Pretulan.
Índia: Ishwar Modi, Rajiv Gupta, Rashmi Jain, Uday Singh.
Japão: Kazuhisa Nishihara, Mari Shiba, Yoshiya Shiotani, Kousuke Himeno,
Tomohiro Takami, Nanako Hayami, Yutaka Iwadate, Kazuhiro Ikeda, Yu Fukuda.
Espanha: Gisela Redondo.
Taiwan: Jing-Mao Ho.
Irã: Reyhaneh Javadi, Saghar Bozorgi, Mitra Daneshvar, Shahrad Shahvand.

DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011


Orçamento Participativo em Porto Alegre.

arranjos institucionais alternativos


podem realizar tais valores de forma
mais completa. O real em “utopia
real” também explora alternativas
para instituições dominantes, mas
focam no problema da dinâmica das
consequências não-intencionais e
auto-destrutivas. O que nós precisamos
é de cabeças abertas e modelos
rigorosos de alternativas viáveis para
a existência de instituições sociais que
incorporem nossas aspirações mais
profundas de florescimento humano
e também leve a sério o problema
do desenho prático de instituições
operacionalizáveis – e, portanto,
estarem atentas para o que é preciso
para trazer essas aspirações para o
mundo real.
Explorar utopias reais implica
em desenvolver a sociologia do
possível, não apenas do atual.
Mas como nós fazemos isso sem
cair em uma especulação inútil?
Uma das mais férteis estratégias é
identificar configurações já existentes
que violam as lógicas básicas das
instituições dominantes de maneira a
> Utopias Reais para uma incorporar aspirações emancipatórias
e prefigurar utopias alternativas
3

sociologia global mais amplas. A tarefa da pesquisa é


verificar como estes estudos de caso
Por Erik Olin Wright, Universidade de Wisconsin, Madison funcionam e identificar como eles
facilitam o florescimento humano;
para analisar suas limitações, dilemas
Erik Wright é o Presidente eleito da American Sociological Association e o tema e consequências não-intencionais; e
do seu mandato será “visando utopias reais”, o qual também é o título do seu
último livro. Eu atribuí a ele a tarefa de refletir em menos de 1500 palavras o
entender formas de desenvol-vimento
que ele quer dizer com utopias reais e quais é sua relevância para a sociologia de suas potencialidades e expansão
global. Você acha que ele passou? de seu alcance. A tentação neste tipo
de pesquisa é se tornar um torcedor,
exaltando acriticamente as virtudes de

A
promissores experimentos. O perigo é
ideia de utopias reais está crítica: primeiro, o diagnóstico das
ser um cínico, vendo as falhas como
enraizada no que pode ser causas sociais desses danos; segun-
sua única realidade e a potencialidade
denominado de reivindicação do, a elaboração de instituições e
como uma ilusão.
fundamental de todas as formas estruturas alternativas; e terceiro, o
de sociologia crítica: nós vivemos desenvolvimento de uma teoria da O estudo de casos empíricos inspi-
em um mundo em que formas de transformação que nos diz como radores, no entanto, é apenas parte
sofrimento humano e os déficits percorrer este caminho. O estudo da agenda de utopias reais. Focar
de florescimento humano são o de utopias reais é um caminho de exclusivamente nos casos empíricos
resultado da organização de nossas abordagem da segunda destas tarefas. tende a restringir o enfoque e es-
estruturas e instituições sociais. pecificar tipos de instituições geral-
A utopia em “utopia real” significa pen-
Pobreza em meio à abundância não mente localizadas no plano micro das
sar sobre alternativas para instituições
reflete alguma lei inalterável da organizações sociais. Nós também
dominantes no sentido de incorporar
natureza; ela é o resultado do caminho precisamos de uma compreensão
nossas mais profundas aspirações
existente de organizações sociais de de que “um outro mundo é possível”
para um mundo justo e humano. Isto
poder e desigualdade que afetam no plano macro do funcionamento
é fundamentalmente uma questão
massivamente as possibilidades de do sistema social como um todo. No
moral: figurando fora dos padrões
florescimento humano. Esta reivin- passado este tipo de discussão girava
morais pelos quais as instituições
dicação fundamental sugere três em torno do contraste epocal entre
devem ser julgadas e explorando como
tarefas centrais para uma sociologia capitalismo e socialismo. Explorar esta
>>
DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011
variedade de alternativa ao nível de orçamento participativo, uma original Imagine que em 2000, antes da
sistema requer mais análise teórica elaboração do orçamento ancorada Wikipedia existir, alguém se propôs
abstrata dos diferentes modelos de na participação direta de cidadãos a produzir, dentro de dez anos, uma
estruturas sociais e econômicas. ordinários. Ao invés de o orçamento ser enciclopédia com cerca de 3,5 milhões
Uma sociologia das utopias reais elaborado do topo para a base, Porto verbetes ingleses suficientemente
totalmente desenvolvida integra a Alegre foi dividida em regiões, cada qualificados e se tornaria o primeiro
investigação empírica concreta das uma das quais com uma assembléia lugar para onde milhões de pessoas se
instituições que prefiguram alterna- de orçamento participativo. Há tam- voltariam para conseguir informações
tivas emancipatórias com esta dis- bém um número de assembléias básicas dentro de uma grande
cussão teórica abstrata dos princípios orçamentárias sobre vários temas de variedade de tópicos. Então suponha
subjacentes aos sistemas alternativos. interesse para a municipalidade inteira que esta pessoa propôs o seguinte
– festivais culturais, por exemplo, ou desenho institucional para produção
Neste curto ensaio não há espaço transporte público. A incumbência de e distribuição da enciclopédia: (1) os
para elaborar uma agenda completa. cada destas assembléias é formular verbetes seriam escritos e editados
O que nós podemos fazer é trazer propostas orçamentárias concretas, por centenas de milhares de pessoas
contribuições à idéia básica de particularmente para projetos de infra- ao redor do mundo sem pagamento;
estudar utopias reais ao examinar estrutura de uma ou outra espécie. (2) qualquer um poderia ser um
dois exemplos de casos empíricos Cada habitante da cidade pode editor e modificar qualquer verbete
ilustrativos. Cada um dos casos in- participar destas assembléias e votar da enciclopédia; (3) o acesso à
corpora, ainda que em sentido parcial nas propostas. Depois de ratificar estes enciclopédia seria livre para qualquer
e incompleto, a visão radical do orçamentos regionais e temáticos, a um no mundo. Impossível! Imaginar
utópico, alternativas igualitárias para a assembléia escolhe delegados para centenas de milhares cooperando para
existência das instituições. O primeiro participar em um conselho orçamental produzir uma enciclopédia confiável
vem do Hemisfério Sul; o segundo do que abrange a cidade toda por alguns e de alta qualidade, sem gerar
Hemisfério Norte. poucos meses, até que um coerente e qualquer pagamento e distribuindo
consolidado orçamento municipal ser isto sem encargos, voando diante
>Orçamento Participativo Urba- adotado. da teoria econômica que insiste que
no este tipo de generalizada cooperação
O orçamento participativo tem precisa de incentivos monetários e
A ideia de uma ‘democracia direta’ funcionado em Porto Alegre efeti- hierarquia para ser efetiva. Wikipédia
na qual cidadãos pessoalmente vamente desde o começo da é um meio profundamente igualitário 4
participam através de decisões década de 1990. Em alguns anos e anti-capitalista meio de produzir
democráticas dentro de uma assem- o processo é vibrante, envolvendo e compartilhar conhecimento. Ela
bléia política parece, para a maioria ativamente milhares de habitantes é baseada no princípio comunista
das pessoas, uma ação desesperada e nas deliberações orçamentárias da “para cada um de acordo com sua
impraticável dentro de uma sociedade cidade; em outros anos, especialmente necessidade, de cada um de acordo
complexa. O desenvolvimento do que quando o gasto discricionário é limi- com sua habilidade”. Ela é organizada
vem a ser conhecido como “orçamento tado, a participação declina. Em todo conforme princípios centrais de
participativo” é um forte e verdadeiro o caso, o orçamento participativo controle hierárquico. E, em menos de
desafio para a utopia real sobre a tem contribuído para um revigorante uma década, ela destruiu o mercado
sabedoria convencional. Aqui vai um envolvimento público nos assuntos da de enciclopédias que existiu desde o
breve relato: o orçamento participativo cidade e redirecionando seus gastos século XVIII.
foi introduzido quase por acidente em para as necessidades dos pobres e
Porto Alegre, Brasil, em 1989. Porto desfavorecidos, em contrapartida A Wikipédia é o mais familiar exemplo
Alegre é uma cidade com cerca de 1,5 às elites. Integralmente, então, o de uma nova forma de produção
milhão de habitantes localizada no orçamento participativo abriu espaço não-capitalista e anti-mercadológico
sul do país. No final de 1988, depois para uma expansão e aprofundamento que emergiu na era digital: peer-to-
de longos anos de ditadura militar da democracia através dos limites do peer, colaborativa, produção não-
e um período de transição para a que foi pensando possível. comercial. Estas novas formas de
democracia, um partido de esquerda produção, por sua vez, estão inti-
venceu as eleições na cidade, mas Nos anos seguintes à invenção do mamente conectadas a um número
não controlou a assembléia da cidade orçamento participativo em Porto de outras dimensões utópico-reais
e então encarou a expectativa de Alegre, houveram mais de 1000 da economia da informação, como o
ter quatro anos no gabinete sem cidades pelo mundo que implantaram Creative Commons, licenças copyleft
ter a possibilidade de fazer muito alguma forma similar de participação. e softwares abertos. O que resta
para avançar seu programa político Esta é uma instância em que uma perceber, é claro, é se estas novas
progressista. utopia real inovadora no Hemisfério formas serão corrosivas às formas
Sul tem migrado para as regiões de direitos autorais do capitalismo
Diante desta situação, os ativistas no desenvolvidas do mundo. convencional, ou simplesmente au-
partido fizeram a pergunta clássica: o mentarão a diversidade de formas
que há para ser feito? Sua resposta foi >Wikipedia econômicas dentro de uma economia
uma notável inovação institucional: o capitalista dominante.

DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011


> Desenvolvimento como Justiça: Uma
Utopia Real da Índia
Por Kalpana Kannabiran, Conselheiro para o Desenvolvimento Social, Hyderabad, Comitê da
ISA

Adivasis protestando em frente à casa do governador 5


contra a desapropriação em Jharkhand.

N
a India o denso discurso de desenvolvimento é formas de vida) devem caber em seu centro. Um olhar atento
tão internamente diverso, ironicamente, quanto sobre as lutas por sobrevivência e dignidade de comunidades
a deslumbrante biodiversidade das nossas e praticantes do ‘outro desenvolvimento’ (perdoem a falta de
florestas, colinas e terras florestais, embora nem perto de ser jeito desta formulação, mas é muito alterizada e distanciada
energizado o quanto poderia, se fosse conservado. Ao invés da norma), ressalta a inatingibilidade prática da justiça como
de seguir um caminho por este discurso, eu tentarei traçar seu problema central. Embora seja importante olhar para o
algumas conexões que emergem de meu trabalho com as desenvolvimento como liberdade, e mapear cuidadosamente
comunidades Adivasi e nossos engajamentos coletivos com as maneiras pelas quais cada desenvolvimento pode ser
a Constituição e a lei no curso deste trabalho. alcançado através da realização das capacidades (veja
o enorme corpus de escritos, especialmente por Martha
Para começar, há muitos caminhos de abordar o Nussbaum e Amartya Sen), é necessário também reexaminar
‘desenvolvimento’. As associações dominantes do termo as barreiras para a liberdade e a realização das capacidades
são: ‘substituição, ‘grandes danos’, ‘degradação ambiental, em suas especificidades históricas e sociais; é imperativo
‘revolução verde’, ‘crescimento econômico’, mineração, entender os meios que a nossa ordem social engendra
ocupação armada, apropriação do conhecimento indígena, o desenvolvimento do subdesenvolvimento e da falta de
do comércio, liberalização e globalização. Um pouco liberdade (para voltar a um velho debate).
abafado pelo rolo compressor do ‘desenvolvimento’ – tanto
sua prática e importância, a resistência para isto – é o Entre as comunidades Adivasi, existem mais de 500 tribos
‘outro desenvolvimento’ associado à sustentabilidade, reconhecidas nos termos do Artigo 342 da Constituição da
permacultura, proteção ambiental, o cultivo de sistemas Índia, que estão espalhadas pelo país, com exceção dos
ecológicos e sistemas de conhecimento tradicional. Incluídas estados de Punjab, Haryana, Déli, Pondicherry e Chandigarh.
aqui estão as pequenas, porém determinante, lutas pela As regiões Central e Nordeste da Índia possuem a maior
sobrevivência, voz e visibilidade em todo o subcontinente concentração das comunidades Adivasi; sendo a proporção
da Índia – a resistência para POSCO1, Vedanta, Narmada, de mais de 50% nos estados do Nordeste, Lakshadweep,
Polavaram; e a resistência em Chhattisgarh e Manipur, Dadra e Nagar Haveli. Destes, cerca de 75 são descritos
dentre outros. A lista é um livro por ela mesma. como Grupos Tribais Primitivos [PTGs] no discurso oficial,
Se nós utilizarmos as estruturas deste ‘outro desenvol- uma descrição que é ostensivamente baseada no habitat,
vimento’ como nosso ponto de partida, dificilmente se poderá na economia e tamanho populacional – mas que também é
contestar que o pluralismo e a diversidade (de todas as uma descrição estigmatizante.
>>
DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011
da Floresta) são designados para regular a governança e
A não-discriminação e a liberdade assumem uma res- autonomia política. Como tal, eles se tornaram o pára-raios
sonância muito distinta para os Adivasis. Tribos nômades e de intensas lutas e deliberações por redes Adivasi de todo o
semi-nômades, assim como tribos pastoras e engajadas na país. Num aspecto importante, os debates ao redor destes
caça, coleta de alimentos e agricultura itinerante, requerem atos representam um exercício no popular e até mesmo
a garantia da liberdade de movimento com o direito a constitucionalismo transformativo.
uma territorialidade móvel. Tribos que vivem em áreas
reconhecidas pelos Inicisos V e VI da Constituição indiana “... é produtivo utilizar o
requerem o direito de permanecer nessas áreas sem o medo constitucionalismo para pro-
de serem desapropriadas, assegurando-lhes a liberdade de
não se moverem. Pessoas pertencentes a tribos listadas mover a conexão próxima de
nestes termos que vivem em áreas irregulares não possuem
qualquer garantia de proteção de sua terra natal, mesmo que
desenvolvimento e justiça ”
estas possam ter existido por gerações. Para os Adivasi aproveitarem o direito à não-discriminação
protegido pela Constituição da Índia, o direito de liberdade
Em todos estes casos, o direito à liberdade é expresso deve traduzir-se em liberdade de colonização interna,
nos termos da definição da territorialidade – terras natais um direito que foi assinado em 1950, o ano em que a
que podem ser móveis ou fixas, mas que conferem uma Constituição entrou em vigor com força. Ele é, portanto, apto
identidade particular a seu povo, permitindo práticas a situar a PESA e as Forest Right Acts (FRA) no âmbito da
distintas de sustento. As relações da terra têm sido o cerne estrutura da moralidade constitucional. Para Ambedkar, o
do trabalho dos adivasi com a lei e a Constituição – ambos grande defensor dos direitos populares e constitucionais,
no caso das comunidades camponesas ou não – de modo funcionamento pacífico de uma Constituição Democrática
que grandes vitórias foram ganhas através de lutas dentro requisitou “uma forma de administração [...] apropriada e no
dos tribunais de Justiça. mesmo sentido da Constituição”.

Dado que uma maioria de comunidades Adivasi são Nós agora podemos reformular a questão: Como a
moradores das florestas, a questão da terra natal não é discriminação produz exclusão a partir de um desenvolvimento
limitada à terra, mas se estende à sua presença em toda a concebido nos termos da justiça? É este contexto de
floresta. Dessa forma, as preocupações destas comunidades múltiplas camadas da discriminação e uma multiplicidade
não se limitam à subsistência e residência por si mesmas, de intersecções de opressôes que precisam ser levadas
mas se espalham por questões de ecologia, meio-ambiente, em conta na construção de uma ideia de desenvolvimento. 6
conservação, regeneração e sistemas de conhecimento Dadas as específicas e crescentes manifestações da
que fazem parte da economia política da floresta. Devido à discriminação e sua tendência à auto-perpetuação, a ideia
sua estreita relação com a vida da floresta, eles são alvos de desenvolvimento não deve permanecer, como foi em
fáceis de autoridades e grupos em nome da proteção da vida sua maior parte no passado, um projeto anti-constitucional,
selvagem e conservação da floresta. mas entrar no campo do constitucionalismo e proliferar
suas ferramentas. Embora o campo da justiça possa ser
A localização deles na floresta dá margem para em torno aberto de muitas maneiras diferentes, é produtivo utilizar
da governança, autonomia e auto-determinação, assim o constitucionalismo para promover a estreita ligação
como do direito das florestas – lutas que representam uma do desenvolvimento e da justiça. Quais aspectos de
ameaça à concepção de soberania assegurada pelo Estado constitucionalismo são indispensáveis para esta ideia de
neoliberal desenvolvimentista. No entanto, é a própria desenvolvimento enquanto justiça? Se concordarmos que o
defesa da autonomia – expressa no slogan dos Adivasi pluralismo e a diversidade, sem prejuízo, são idealmente o
“maava naate maava raaj” [nossa terra, nossas regras] mas pulsar de uma sociedade vibrante e justa, e portanto, central
também nos Incisos V e VI da Constituição indiana – que para ideia de desenvolvimento, como a Constituição lida com
protege especificamente a terra natal dos adivasi e provêm este imperativo?
linguagem, ferramentas e estratégias para responder à
insensível, hegemônica e violenta soberania e tenta limitar o A abordagem de constitucional aborda o desenvolvimento
alcance da Constituição. como um esforço limitado em que a justiça e a liberdade são
espacialmente e socialmente protegidas e realizadas em
Os Adivasis também cada vez mais se sentem confrontados conjunto pelo Estado democrático – responsável pela proteção
pelo poderoso lobby na Suprema Corte, que está localizada a contra danos, pela distribuição dos bens e a realização
uma distância física e social instransponível a partir deles. Eles das capacidades, em resumo, um repositório -chave da
têm afirmado, contudo, seus direitos com uma tenacidade moralidade constitucional. Estas não são responsabilidades
que foi sua herança primária ao longo das gerações – que fácil ou voluntariamente suportadas por um governo,
embora a imaginação popular tenda a estigmatizá-los como mas elas são inegavelmente responsabilidades do Estado
“simples” e “sem astúcia”. que pode disciplinar os governos, especialmente quando
sujeitos às pressões dos movimentos pelas liberdades civis e
O Ato Panchayat pela Extensão das Áreas de Proteção direitos dos Adivasi.
Governamental de 1996 (PESA), as Castas Reconhecidas e
Outros Habitantes Tradicionais da Floresta (Reconhecimento
dos Direitos da Floresta) Ato de 2006 (Ato pelos Direitos

DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011


1
Pohang Iron and Steel Company

> Esquina da História


as Associações Nacionais ativas. Os dois vice-
presidentes desenvolveram um padrão de organização
de uma conferência à margem da necessária reunião
Associações Nacionais e do Conselho entre os Congressos Mundiais. Essa
Comissões de Pesquisa conferência e a reunião do Conselho permitiriam,
simultaneamente, uma participação mais eficaz e mais
por Jennifer Platt, Vice-Presidente de ampla nos assuntos da ISA, como também, associa a
Publicações da ISA estrutura de governança e os padrões da vida intelectual.
As publicações coletivas que têm aparecido nos últimos

A
anos mostram a nova energia intelectual desta estrutura
s Associações nacionais são membros cole- bipartite.
tivos da ISA, e as Comissões de Pesquisa são
também uma parte vital de sua estrutura
interna, mas suas funções mudaram consideravelmente
ao longo do tempo. Quando a ISA foi fundada em 1949,
sob os auspícios da UNESCO, o modelo de representação
> Celebrando
nacional das Nações Unidas foi usado. Existiam poucas
Associações Nacionais de sociologia naquela época.
Robert K. Merton
Isso mudou rapidamente, os países foram encorajados Por Nadia Asheulova, Centro para a Sociologia da
a criar suas associações e, em 1959, 35 associações Ciência e Estudos da Ciência, filial de São Petersburgo,
Academia Russa de Ciências, membro da Diretoria
se juntaram à ISA. O Conselho Dirigente da ISA era
- RC231 ; e Jaime Jiménez, Universidade Nacional
constituído por representantes dos países membros, Autônoma do México, Comitê Executivo da ISA
que elegiam o Comitê Executivo (EC) entre si. Ainda havia

O
uma Comissão de Pesquisa (RC), que decidiu começar centésimo aniversário do nascimento de Robert
a trabalhar com questões de estratificação social e Merton foi celebrado em julho de 2010. Ele foi um
mobilidade. Ao final dos anos 1950, no entanto, por dos principais
meio de subcomissões, pesquisas foram se proliferando sociólogos do século XX.
para outros campos, como a família. Contudo, cada Não foi somente esta data
subcomissão permaneceu em um pequeno grupo de que nos fez olhar para Ro-
trabalho, que recrutava seus membros por convite, sem bert Merton, mas tam-bém
que houvesse mais de dois representantes do mesmo o fato de que seu no-me 7
país. esteve intimamente ligado
à emergência e ao reco-
Ao longo do tempo, as Subcomissões de Pesquisa nhecimento da Sociologia
passaram a serem vistas como mais ativamente da Ciência como um sub-
internacionalistas e, portanto, merecedoras de um campo da sociologia. Em
papel mais saliente. Em 1970, importantes mudanças 1966, Merton co-fundou
constitucionais tanto abriram as Subcomissões de (com Joseph Ben-David) o Robert Merton, 1910-2003.
Pesquisa quanto intrduziram a adesão individual, Comitê de Pesquisa da ISA
enquanto os membros do Comitê Executivo não eram 23 - Sociologia da Ciência (e Tecnologia) e então se tornou
mais escolhidos apenas a partir dos membros do seu primeiro Presidente até 1974. Ele também atuou como
Conselho Dirigente. O Conselho de Pesquisa foi criado Membro Associado do Comitê Executivo da ISA em 1970-71.
e elegeu quatro membros do Comitê Executivo para Merton nasceu na Filadélfia em 1910, de pais imigrantes da
se juntarem aos 11 representantes nacionais. Quanto Ucrânia. Seu nome está ligado a várias direções da pesquisa
mais as Comissões de Pesquisa se tornaram abertas, sociológica, mas, principalmente, se tornou um epônimo
muito maiores elas ficaram e alguns membros não eram para a Sociologia da Ciência. A frase “sociologia da ciência
mais tão ativos na pesquisa de seu campo, e portanto, mertoniana” tornou-se amplamente aceita pela comunidade
participar da Comissão de Pesquisa tornou-se menos científica. Merton foi o primeiro sociólogo a receber a
prático. Gradualmente, as Comissões de Pesquisa Medalha Nacional de Ciência, a mais alta honraria científica
tornaram-se mais salientes na direção e, em 1994, a nos EUA, em 1994. Concentrando-se na teoria de “alcance
estrutura atual foi introduzida, na qual as Comissões médio” –ao invés da grande teoria ou do empirismo abstrato-
de Pesquisa e as Associações Nacionais atendem a um Merton estabeleceu conceitos que foram incorporados
Conselho, votam e compõem metade dos membros do na vida cotidiana. Ele cunhou o conceito de profecia auto-
Comitê Executivo. realizável, desenvolvendo a idéia de papéis modelos e
criou, com seus colegas, a entrevista focada que mais tarde
A Comissão de Pesquisa elegia o Vice-Presidente de evoluiu para grupos focais -uma distorção da idéia original de
Pesquisa, contudo isso deixou alguns representantes Merton. Em 1942, Merton ganhou muita atenção quando
nacionais insatisfeitos com seu papel limitado. Em descreveu o ethos da ciência, e as conseqüências desses
2002, foi acordado a criação de um Vice-Presidente valores no comportamento dos cientistas em contextos
das Associações Nacionais, e Sujata Patel foi eleito institucionais. O trabalho de Merton teve conseqüências para
como o primeiro titular do cargo. Isso tornou novamente além da academia, incluindo seu estudo sobre comunidades
integradas com sucesso, que, por sua vez, ajudou a moldar o
>>
DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011
caso Brown vs. Board of Education, que, por sua vez, levou a econômico ou social revertem para aqueles que já os tem,
Suprema Corte a decidir pelo fim da segregação das escolas eles alavancam então estes recursos para ganhar mais
públicas dos EUA. Merton é provavelmente mais conhecido poder ou capital. Uma edição especial em homenagem ao
pelo seu trabalho The Sociology of Science: Theoretical centésimo aniversário foi publicado pela Academia Russa
and Empirical Investigations, e por ter cunhado o efeito de de Ciências, filial de São Petersburgo, e pelo Comitê de
Matthew que se referia ao fenômeno dos ricos ficando mais Pesquisa 23.
ricos e os pobres ficando mais pobres, ou seja, a acumulação
da vantagem. Bíblico em sua origem, o conceito descreve 1
Comitê de Pesquisa em Sociologia da Ciência e Tecnologia.
o fenômeno social na ciência em que poder e capital

Passeata contra a privatização da água,


Fórum Social Mundial em 2003.

> Confrontando
a injustiça da água
Por José Esteban Castro, Newcastle University, (Reino Unido) Comitê de Programa da ISA

N
a década de 1980 as Nações acesso a saneamento básico. Então as Os MDGs para água e saneamento
Unidas estabeleceram como Nações Unidas adotaram os Objetivos básico imaginavam reduzir pela
objetivo trazer 40 litros de Desenvolvimento do Milênio (MDGs) metade a proporção da população
de água limpa e potável diariamente no ano de 2000. Estes, em comparação mundial com falta de acesso a
a todo ser humano até 19901 na aos objetivos da “Década da Água”, esses serviços até 2015. Apesar de
“Década de água”. É desnecessário parecem mais frágeis e até mesmo especialistas afirmarem que estes
dizer que o objetivo não foi alcançado, retrógrados, talvez como resultado da objetivos são mais “realistas” do que
de forma que em 1990 cerca de 17% influência do conservadorismo de livre os da década de 1980, na prática
da população mundial não possuía mercado dominante na década de isso significa aceitar que milhões de
acesso nem mesmo a 1 litro de água 1990. seres humanos continuarão a sofrer
limpa, enquanto 40% necessitavam de e morrer de doenças preveníveis num
>>
DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011
futuro próximo. Na realidade, relatórios frequentemente solicitadas a se geral; a construção de infra-estrutura
oficiais da ONU que monitoram o comportar como negócios privados, hídrica de grandes obras, incluindo
progresso das MDGs mostram que em colocando a eficiência econômica barragens, desvio de rios, e hidrovias;
algumas das regiões mais pobres do (geralmente entendida como “lucro”) e a destruição dos ecossistemas aquá-
mundo a situação piorará, e embora antes da eficácia social (i.e. fornecendo ticos frágeis, como manguezais e
a maioria dos países possa alcançar um serviço universal a todos indepen- áreas úmidas para abrir espaço para a
o objetivo de ter água limpa, muitos dentemente da sua capacidade de expansão das atividades empresariais.
falharão no objetivo de possuir serviços pagar por ele). Além disso, muitos
de saneamento básico. Para piorar a operadores públicos têm que entrar > Confrontando a desigualdade
situação, o cumprimento das MDGs em “parcerias” público-privado, geral- de água e injustiça
para água e saneamento também pode mente uma privatização de facto com
implicar no agravamento das condições um nome diferente, a fim de obter De uma perspectiva sociológica que
ambientais, de forma que mais água acesso a fundos de investimento. enfatiza o potencial transformador
doce teria que ser utilizada para Estes e outros problemas, incluindo do conhecimento científico, esses
satisfazer a população não-atendida práticas prolongadas de corrupção, processos possuem um caráter binário:
e haveria um aumento significativo do ineficiência e irresponsabilidade, que eles são dignos e relevantes enquanto
fluxo de água residual. Se levarmos em caracterizam, em muitos casos, os objetos intelectuais de estudos, mas
consideração que no Hemisfério Sul serviços públicos, e não apenas nos o conhecimento resultante desses
apenas 5% da água residual recebe países pobres, continuam a ser a fonte esforços intelectuais também possui
algum tipo de tratamento antes de de multiplicação de confrontos sociais conseqüências bastante praticas,
ser lançada ao meio ambiente, entre e políticos. materiais e fundamentalmente polí-
outras razões por causa dos enormes ticas, sejam elas reconhecidas ou não.
custos envolvidos, torna-se claro O acesso à água e aos serviços de Esta é uma premissa fundamental dos
que o cumprimento das MDGs não saneamento são claramente aspectos atuais esforços inter e transdiciplinares
requer somente esforços econômicos, fundamentais da vida civilizada que de pesquisa em discussões sobre a
financeiros e logísticos substantivos, continuam a estar além do alcance da desigualdade da água e injustiça na
mas também implicações éticas grande proporção dos seres humanos. América Latina e no Caribe, conduzidos
políticas espinhosas e a longo prazo. Entretanto, os problemas acima pela rede de pesquisa WATERLAT
destacados são apenas a ponta do (www.waterlat.org). A abordagem da
> Lutas sociais e a mercan- iceberg das condições estruturais de rede de pesquisa é composta por três
tilização de bens públicos desigualdade e injustiça características hipóteses principais: 9
da relação dos humanos com a água
A situação internacional sobre este e, de forma geral, com o ambiente 1) O caráter capitalista de governo
assunto pode ser ilustrada pelo fato de natural. Sem abandonar o tópico e de gestão da água. O fato de que a
que a iniciativa da ONU de declarar o sobre a água, levaria ainda muito dinâmica central que crescentemente
acesso diário a poucos litros de água espaço para fornecer uma descrição estruturas as atividades relacionadas
limpa um “direito humano” tem sido superficial sobre a característica ao governo e à gestão da água
firmamente combatida por muitos multidimensional dessas condições. ao redor do mundo é em grande
países, particularmente no Norte rico. Há, ainda, alguns assuntos de par- parte dirigida pelo processo de acu-
Embora em 2010 a ONU finalmente ticular relevância que devem ser mulação de capital. Considerações
conseguiu obter uma maioria de votos mencionados neste breve artigo. Eles como a necessidade de enfrentar
em favor de tornar o acesso à água um incluem a expansão descontrolada de a insustentabilidade ambiental, a
direito humano, a maioria desses países mineração a céu aberto, que desde a desigualdade e a injustiça são su-
que se opôs à iniciativa se absteve de década de 1990 tem sido extendida a bordinadas à dinâmica dominante do
votar. Isto não está desconectado do regiões do planeta onde a mineração processo de acumulação.
fato de que desde a década de 1980 tinha sido bastante marginal, como
as políticas promovidas em todo o em grande parte da América Latina. 2) A sociogênese do desamparo2 em
mundo para “resolver” a crise da Atualmente, a mineração a céu aberto relação à água. Os seres humanos
água e saneamento foram centradas do México à Patagônia está destruindo estão expostos a uma ampla gama de
na privatização e mercantilização da geleiras e florestas, contaminando a perigos e riscos relacionados às formas
água e de serviços à base de água, o água e o solo com cianeto, mercúrio em que a água é governada e gerida.
que exigiu o abandono da noção de e outras substâncias nocivas e, Estes perigos e riscos derivam de uma
que o acesso aos serviços básicos deslocando – muitas vezes com série de causas – da falta de acesso
é um bem social ou público. Apesar força –, ou envenenando populações à água limpa e aos serviços essenciais
das claras políticas de privatização humanas. Nas raízes das contínuas à exposição a fenômenos naturais ou
da água terem sido derrotadas – embora muitas vezes silenciadas antropogênicos como inundações, se-
em muitos países, o processo de ou ocultas – lutas sociais ao redor do cas ou poluição. Apesar do crescente
mercantilização é implacável e proce- mundo estão: o intenso desmatamento e sofisticado conhecimento técnico-
de independentemente da identi- com conseqüências significativas científico e da capacidade de prever e
dade dos provedores de serviços para os sistemas hidrogeológicos, intervir, tais perigos e riscos continuam
públicos, privados ou da “sociedade comunidades humanas e padrões a estar entre as maiores ameaças à
civil”. As companhias públicas são globais climáticos de forma mais civilização humana. A WATERLAT coloca
>>
DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011
ênfase não somente no estudo da internacional de 3 dias sobre “A tensão com conferências, mesas-redondas,
vulnerabilidade e fragilidade humana, entre justiça social e ambiental: o caso workshops e reu-niões com o público.
mas mais fundamentalmente na so- da gestão da água”. A conferência Cada dia será centrado em um tema.
ciogênese do desamparo que afeta teve cerca de 300 participantes da O primeiro dia terá foco nas “Formas
um grande proporção da população Argentina, Bolívia, Brasil, Canadá, de desigualdade de água, injustiça
mundial no que diz respeito a essas Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, e desamparo”, enquanto o segundo
ameaças. Haiti, Itália, México, Nicarágua, Peru, será direcionado às questões de
Espanha, Suécia, Reino Unido, Uruguai “Desigualdade, injustiça e impotência
3) Confrontando o desamparo através e Venezuela. Um livro eletrônico com na interface da saúde entre a água
da democratização substantiva do uso, mais de 100 páginas (em sua maioria e o público”. Finalmente, o terceiro
gestão e controle da água, mas também em espanhol e português) apresentado dia se concentrará em “Confrontando
a democratização da produção e do no evento está disponível online a desigualdade de água, injustiça e
acesso ao conhecimento sobre a água. (http://www.waterlat.org/publications. desamparo: um desafio x-disciplinar”.
A WATERLAT adota uma abordagem html), ), e um DVD com a síntese das Informações atualizadas sobre o
transdisciplinar, que reúne acadêmicos atividades, incluindo gravações de encontro estarão disponíveis online
e uma ampla gama de atores sociais vídeo de palestras e entrevistas com e m : ( h t t p : / / w w w. w a t e r l a t . o r g /
envolvidos na luta para democratizar participantes também está disponível AcademicEvents.html).
estas atividades relacionadas à água. via pedido (e-mail: waterlat@ncl.ac.uk).
Estes atores incluem criadores e
implementadores de políticas, ges- O próximo encontro da rede será
1
40 litros é de acordo com algumas estimativas, a
quantidade mínima de água potável necessária para
tores da água, movimentos sociais, realizado na Cidade do México entre 24 satisfazer as necessidades básicas.
sindicatos, organizações de meio am- e 26 de outubro de 2011, organizado
biente e comunidades indígenas, entre pela Faculdade Latino-Americana de
2
Enquanto “vulnerabilidade” implica a propensão a ser
ferido ou sofrer ataques e “fragilidade” é a qualidade
outros. Ciências Sociais (FLACSO México), ou estado de uma coisa que pode ser facilmente
um dos parceiros da rede. O evento quebrada ou destruída, “desamparo” incorpora a
A WATERLAT realizou a sua reunião será dedicado à “Luta contra a dimensão social do problema: é a propriedade dos
seres humanos sem seus meios de defesa, isto é, a
anual de 2010 em São Paulo, desigualdade e injustiça da água na propriedade de estar desarmado.
Brasil, que incluiu uma conferência América Latina e Caribe”, e contará

10

> Jovens Sociólogos, jovens perspectivas


Por Ana Vidu, Universidade de Barcelona

Jovens sociólogos da Catalunha

a sociologia. A conferência foi aberta


com uma palestra da Dra. Pun Ngai
da Universidade Politécnica de Hong
Kong. Ela descreveu o envolvimento
de jovens sociólogos chineses na
investigação e condenação da
exploração laboral. Ela encontrou uma
causa comum com seu público quando

apontou para as formas pelas quais a
sociologia pode contribuir para uma
sociedade mais democrática. Ela nos
inspirou a construir uma rede global de
sociologia para jovens sociólogos

N
osso papel na Sociologia é abril de 2011 em Barcelona. Pela
Na mesa redonda sobre O futuro da
essencial... o fato de 300 primeira vez, estudantes (graduandos,
Sociologia tivemos um debate sobre a
de nós, jovens sociólogos, mestrandos e doutorandos) de Madri,
forma como a sociologia pode se tornar
estarmos aqui hoje é a chave para o Granada, Málaga e Valência também
um serviço público. “Nós precisamos
futuro desta disciplina”. Com estas se juntaram aos da Catal-unha. Cerca
parar de analisar o que já sabemos,
palavras o presidente da Associação de 90 trabalhos fo-ram entregues em
precisamos parar de publicar sobre
Júnior de Sociologia – um estudante temas como iden-tidades, racismo,
temas que são de pouco interesse
de mestrado e pesquisador júnior - desemprego, de-mocracia, sexualidade
público, em vez disso, atender as
abriu o 4º Congresso Catalão de Jovens e ecologia - demonstrando aos colegas
demandas da sociedade”. Também
Sociólogos, realizado em 29 e 30 de e professores nosso compromisso com
>>
DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011
tivemos sessões sobre a profissionalização da sociologia, científico e comprometida socialmente. Será desenvolvido um
compartilhando conhecimentos e experiências de pesquisas site para a Associação Júnior de Sociologia, bem como sua
aplicadas e acadêmicas. Encontramos espaço para discutir presença no Facebook e Twitter. Por último, mas não menos
nosso futuro na profissão e uma colaboração possível com importante, a festa do Congresso foi outro momento chave
outras organizações como a Sociedade Catalã de Sociólogos onde nós pudemos debater, criar projetos, fazer amigos e
Profissionais e Politologistas. também dançar!

O Congresso está organizando uma rede jovens sociólogos


comprometidos em desenvolver uma sociologia com rigor

> Sociologia na Revolução Espanhola


Por Teresa Sordé, Universidade Autônoma de Barcelona e Tatiana Santos, Universidade de Girona

11

Praça da Catalunya, Barcelona - “Este lugar

O
tem sido reivindicado pelo povo”.
Washington Post apelidou da sociedade civil com ela mesma
o nosso movimento que – uma discussão que ocorre longe
começou em 15 de maio das instituições formais de poder e
como “A Revolução Espanhola” – um de decisão política. Entre as idéias
movimento que se espalhou muito mais difundidas é o principio de que Na Plaça Catalunya de Barcelona
além da Espanha e chegou até o Japão. “ninguém nos representa”. Assim, O (Praça da Catalunha), encontramos um
Cidadãos se apropriaram do espaço Movimento 15 de maio desenvolveu desses espaços, um dos mais fortes
público para debater, discutir, refletir uma forma política distinta baseada na “agoras” neste movimento. Dentro do
e, finalmente, em comum acordo sobre auto-organização coletiva da sociedade acampamento permanente na praça,
como eles gostariam de reorganizar civil através de assembléias. Os o ponto central é a Assembléia Geral
a habitação, a saúde, a educação e espaços públicos são, assim, abertos diária, apoiada por comissões que têm
outras esferas da sociedade. O povo para pessoas de diferentes culturas, por base as necessidades e exigências
elabora as suas propostas particulares idades, níveis educacionais e todos do movimento. Qualquer pessoa
através de uma forma “dialógica” de eles possuem voz igual para expressar que vem para a praça pode aderir a
democracia, com base na discussão suas opiniões. qualquer uma das comissões. Cada

>>
DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011
Praça Catalunya, Barcelona - Assembléia 12
Geral em Sessão.

comissão ocupa um espaço onde os da decisão do Tribunal Supremo e


facilitadores, assumindo o lugar um do para cima, com democracia direta e
do Tribunal Constitucional a favor da
outro em torno do relógio, coordenam apelos feitos através da Internet. Um
retirada do acampamento.
as reuniões. Se houver discordância, dos professores de sociologia insistiu
a questão é debatida na reunião na gravidade da situação econômica
Muitos sociólogos estão participando
seguinte. Se há uma questão que e política. Ele apontou para o exemplo
do Movimento 15 de maio. Nós não
provoca divergências na Assembléia dos movimentos na África do Norte
estamos ali para proporcionar aos
Geral, ela é devolvida à comissão, onde para mostrar como as pessoas em
cidadãos “a verdadeira” interpretação
foi iniciada. As pessoas que estão em diferentes lugares e enfrentando
do que eles estão fazendo ou o que eles
desacordo são convidadas a participar diferentes condições foram sonhando
deveriam estar fazendo – uma posição
das reuniões para discutir as suas com a mesma revolução. Ele até
claramente rejeitada pelo movimento.
opiniões. Há uma equipe especial que mesmo colocou uma data no levante –
Mas nós também não estamos ali
trabalha em turnos para preparar a algo em torno de 26 de abril e 31 de
simplesmente para participar sem
agenda das assembléias. maio. A partir desse dia não paramos
contribuir para o diálogo. Os cidadãos
de nos organizar e difundir nossas
na praça querem que a gente traga
Esta “democracia real” é promovida, crenças para provocar esta revolução.
o nosso conhecimento sociológico
divulgada e ampliada através de redes para a debates. Nós estamos lá para
sociais, em grande parte com base no Assim, os sociólogos têm agido de
desenvolver uma abordagem dialógica
Facebook, Twitter, vários blogs, a web, acordo com suas próprias previsões,
para a democracia, colocando em
e um fórum online. A página da web contribuindo para as deliberações da
prática uma sociologia pública que
publica, com 24 horas de antecedência, “agora”, aproveitando a riqueza de
demonstra o valor de nossa ciência
as atas de todas as comissões, bem seus conhecimentos disciplinares.
social a todos os que estavam reunidos
como todos os temas importantes que Mas a “Revolução Espanhola” não
e para além disso.
serão votados na Assembleia Geral. somente tem se beneficiado de nossa
No fórum online há debates paralelos sociologia, também tem contribuído
Houve defensores de “espontaneísmo”
aos da praça. O próprio povo decide para o enriquecimento da sociologia,
anti-sociológico que disseram que
sobre as questões mais importantes para que sejamos mais capazes
ninguém previu este movimento. Isso
que caracterizam o movimento. Este de compreender as condições de
não é verdade. Nós fomos convidados
foi o caso, por exemplo, na decisão possibilidade da democracia dialógica.
em 12 de abril para lançar o que
de continuar a mobilização, apesar chamamos de uma revolução de baixo

DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011


> Trabalho Global – Uma perspectiva
sul-africana
Por Edward Webster, Universidade de Witwatersrand, África do Sul, primeiro Presidente
do Comitê de Pesquisa da ISA em Movimentos Trabalhistas

D
izem que o historiador inglês E. H. Carr teria governo do apartheid a negociar com o Congresso Nacional
observado que o que você vê depende de qual lado Africano, sob a liderança de Nelson Mandela. A solidariedade
da montanha você está. Estou no extremo sul da mostrada, por exemplo, por trabalhadores portuários em
África, em Johanesburgo, a cidade de ouro. Johanesburgo São Francisco, quando se recusaram a descarregar navios
foi construída na primeira fase da globalização – a primeira sul-africanos, é um dos muitos exemplos de solidariedade
grande transformação – no final do século XIX. internacional.

Nesta breve palestra, farei três coisas: (1) apresentar A vitória do Congresso Nacional Africano em 1994 foi precária,
o contexto social para um entendimento do trabalho na medida em que ocorreu em um mundo em que o poder
global de uma perspectiva do Sul; (2) discutir meu próprio havia se deslocado decisivamente para o capital. A África
trabalho sobre o impacto da reestruturação global sobre do Sul estava sofrendo uma dupla transição. Por um lado,
os trabalhadores; (3) sugerir uma maneira diferente de foi uma transição para a democracia, em que o movimento
entender como um contramovimento poderia ser construído operário militante havia obtido direitos significativos; por outro
no Sul Global. lado, tinha entrado na economia global, onde a competição
internacional estava forçando empregadores a reduzir custos
> O contexto social e a produzir pelo preço chinês.

A ideia de solidariedade entre trabalhadores – ou seja, a > O impacto da reestruturação global


ideia de que os fortes devem ajudar os fracos – remonta ao
início do capitalismo industrial. É capturada no conhecido Para o trabalho, o processo da reestruturação global que
slogan de Marx: trabalhadores do mundo, uni-vos! começou com a vitória da democracia transformou o mercado
de trabalho, criando uma força de trabalho cada vez mais 13
Na África do Sul, este chamado à unidade entre insegura. É o que examinamos em nosso livro Grounding
trabalhadores assumiu uma forma peculiar quando, na greve Globalization. Tomamos a produção de bens da linha branca
geral de 1922, trabalhadores brancos se mobilizaram com o – geladeiras, máquinas de lavar – como uma lente para
slogan “trabalhadores do mundo, uni-vos por uma África do mostrar como a competição internacional está criando maior
Sul branca”. insegurança entre trabalhadores nas três fábricas dos três
países que estudamos
Os primeiros socialistas revolucionários que trouxeram a ideia • Na Electrolux Austrália, encontramos resignação frente ao
de internacionalismo operário da Europa não conseguiram downsizing, amortecido pelo Estado de Bem-Estar Social;
persuadir os trabalhadores brancos – os colonizadores – • Na Coreia do Sul, trabalhadores da LG respondiam à
que seu destino estava com os trabalhadores negros – os competição trabalhando mais;
colonizados. Os trabalhadores brancos defendiam sua • Na África do Sul, trabalhadores se refugiavam na esfera
posição alegando que seus salários estavam ameaçados por doméstica, adotando várias estratégias de sobrevivência na
trabalho negro mais barato. economia informal.

Esta segmentação da classe trabalhadora permanece Enquadramos o estudo nos termos da noção de Polanyi do
o desafio central à construção da solidariedade entre duplo movimento, sugerindo que este período de globalização
trabalhadores – não há uma condição proletária homogênea, neoliberal poderia ser mais bem descrito como a segunda
aqui ou em qualquer outro lugar do mundo. Assim como no grande transformação. Encontramos modestos experimentos
final do século XIX, em muitas partes do mundo hoje, um e iniciativas para proteger a sociedade contra o mercado
emprego ruim é melhor do que não ter nenhum emprego! desregulado, mas em geral suas respostas à reestruturação
global foram localizadas. A única tentativa de desafiar a
reestruturação global foi uma iniciativa dos trabalhadores
Mas (e essa história precisa ser contada) os trabalhadores
da Electrolux em Orange, na Austrália, de globalizar sua luta.
negros demoraram a ganhar seu direito de se organizar e
Por meio da internet, conseguiram estabelecer contato com
se unir a um sindicato. Sua luta para obter reconhecimento
trabalhadores da Electrolux em Greenville, uma pequena
para seus sindicatos foi longa e dolorosa, tendo em vista
cidade em Michigan, nos Estados Unidos, e da sede da
os empregadores intransigentes e um Estado do apartheid
Electrolux na Suécia. Mas esta tentativa de construir
hostil e brutal.
solidariedade entre trabalhadores na produção fracassou. A
liderança do sindicato sueco era próxima demais da gerência
Um fator importante em sua vitória foi a solidariedade para não ver as vantagens de transferir a empresa para a
internacional. A campanha para boicotar a África do Sul China. Mas “fracassos bem-sucedidos” podem fornecer a
e impor sanções financeiras foi crucial para persuadir o
>>
DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011
base para o próximo passo na luta. Lembramos o boicote de Uma ideia inovadora que está sendo implementada no
ônibus de Montgomery mas, como Aldon Morris demonstrou, Sul Global é a ideia de um piso social global – um direito a
ele foi precedido por vários outros “mal sucedidos” e pouco pensão, acesso à saúde, auxílio maternidade e uma renda
lembrados boicotes. mínima básica, seja por meio de uma garantia de emprego
ou um auxílio direto em dinheiro. Estas são inovações
> As implicações para a solidariedade contemporâneas em política social em países como Brasil,
transnacional? Índia e África do Sul.

É útil, quando pensamos em solidariedade transnacional, Estas novas políticas são o embrião de um contramovimento
distinguir entre três tipos diferentes de solidariedade. – mas é um contramovimento de cima; o Estado está
intervindo na Índia por meio da NREGA para garantir a cada
Chamarei o primeiro tipo de humanitário. Estes são atos lar rural 100 dias de trabalho por ano. Dá a cada lar o direito
de solidariedade em defesa de vítimas de violações de ao trabalho, desde que tenham um cartão de emprego.
direitos humanos – como vítimas de racismo ou trabalho Alguns podem considerá-lo um mero reformismo ou uma
infantil ou uma luta por reconhecimento sindical por um estratégia de cooptação – mas isto é ignorar o principal.
grupo de trabalhadores. Estes são motivados em grande Estes podem ser os primeiros passos numa longa trajetória
parte por reivindicações morais e podem ser relativamente de expansão estável do sistema de proteção social.
poderosos, como o bem sucedido movimento anti-apartheid
demonstrou. Este tipo de solidariedade pode assumir a forma O ponto é que a globalização não é somente um
de um boicote de consumidores, ou campanhas, como a constrangimento; é também uma oportunidade para
campanha contra Rio Tinto por direitos trabalhistas básicos. a organização para além das fronteiras. A globalização
Estas campanhas são relativamente fáceis e baratas de acelerou o fluxo de um discurso baseado em direitos, e isto
organizar na era da internet. está levando a movimentos de base como vimos em meses
recentes no norte da África.
Chamarei o segundo tipo de solidariedade transnacional
de abordagem da produção. Aqui, atos de solidariedade são Contudo, as organizações mais inovadoras que emergiram
entre trabalhadores de fábrica a fábrica. Estes atos são os são redes transnacionais como StreetNet International.
mais difíceis de organizar, como vimos no caso australiano Baseada em Durban, StreetNet International reúne
– a internacionalização da produção criou uma lógica internacionalmente vendedores ambulantes para pressionar
competitiva entre países. Se trabalhadores da GM entram governos municipais pelo reconhecimento de seu direito de
em greve, outros fabricantes de carros venderão mais. Mas, vender em espaços públicos. 14
a despeito destes obstáculos, há crescente coordenação de
solidariedade transnacional na produção. Trabalhadores da A escolha não é entre se tornar global ou permanecer local,
Volkswagen se reúnem anualmente para coordenar suas mas sim navegar entre o local e o global. Esta combinação
demandas em fábricas da Volks na Alemanha, Brasil, Índia do local e do global levou à emergência do que Sidney Tarrow
e África do Sul. Marinheiros são o primeiro setor a iniciar chama de “cosmopolitanos enraizados”.
negociações coletivas globais. Inspetores da federação
internacional de trabalhadores do transporte realizam Ao conectar a produção globalmente por meio de cadeias
inspeções em embarcações quando elas atracam em portos. globais de valor, as empresas se tornaram vulneráveis a
Deste modo, pela primeira vez na história, conseguem novas fontes de poder. Um atraso na entrega de uma parte
definir um salário mínimo global no setor e garanti-lo para de motor fabricada na Coreia para uma linha de montagem
marinheiros de todo o mundo. na Australia pode forçar empregadores na Australia e Coreia
a negociar. Isto não é tão diferente do desafio que Henry
Ford encarou em Detroit na década de 1930. Novas fontes e
Estas novas formas de organização transnacional
formas de poder emergiram na era da globalização.
desafiam as formas convencionais de sindicalismo,
baseadas nacionalmente, que prevaleceram no século XX.
Se é prematuro chamar de globalização contra-hegemônica
De acordo com um modelo mais antigo de solidariedade
estas formas de ação, elas sacudiram nossa agenda de
internacional, tais vínculos tendiam a ser canalizados por
pesquisa, e nos desafiaram a repensar a relação entre o
meio de departamentos internacionais especializados e se
capital global e as Instituições Financeiras Internacionais,
davam mais provavelmente entre os líderes das federações
por um lado, e o trabalho global e os movimentos sociais, por
sindicais. A comunicação instantânea e direta por e-mail
outro. Esta agenda de pesquisa emergente irá requerer uma
e Skype mudou tudo isto. Estas novas formas de ação
análise de múltiplos níveis para contribuir com a construção
transnacional são descentralizadas e tendem a ser tanto de
de um contramovimento global.
baixo para cima quanto de cima para baixo.

Chamarei o terceiro tipo de solidariedade de abordagem


regulatória. Esta abordagem não tenta aproximar
trabalhadores da produção, mas tenta criar um corpo comum
de soft law – direitos globais e padrões; o objetivo é regular
o mercado, ao invés de substituir o mercado – para torná-
lo, como disse Peter Evans, o servo da sociedade, e não o
senhor.

DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011


Trabalhadores da Construção civil de
Pequim em seus dormitórios.

terras a baixos preços; também busca


por trabalhadores chineses migrantes
que sejam aplicados, habilidosos e
bem educados, dispostos a trabalhar
em condições desumanas, adequados
para produções por demanda e
que também sejam potenciais
consumidores de produtos globais. O
reposicionamento da China como a
“oficina do mundo” fornece portanto a
base para o surgimento de uma nova
classe operária chinesa.

Foi amplamente reconhecido que


trabalhadores de todo o mundo são
colocados uns contra os outros em
um jogo de “corrida para baixo”, sobre
quem irá aceitar os salários e benefícios
mais baixos e as condições de vida e

> Trabalho Global – de trabalho mais miseráveis. A SACOM


(Estudantes e Estudiosos contra o

Uma perspectiva Mal Comportamento Corporativo) –


uma organização transnacional que

chinesa
visa vincular os estudantes às lutas
trabalhistas – documentou abusos
generalizados sobre os direitos
de trabalhadores chineses por
Por Pun Ngai, Universidade Politécnica de Hong Kong
corporações transnacionais durante 15
a década passada. Atrasos nos

A
pagamentos, horas extras forçadas
aceleração da “reprodução da batalha.
e excessivas, e condições de saúde e
ampliada” do capitalismo em
> O nascimento de uma nova segurança terríveis são lugares comuns.
uma escala global contribuiu
classe operária na China Essa força de mercado capitalista
para uma rápida transformação das
global é de certo modo facilitada pelo
relações de classe na China e no Ao longo dos últimos 30 anos, o
Estado chinês pós-socialista, com suas
resto do mundo. Edward Webster (na Estado reformista e o capital global
medidas de restrição da liberdade de
presente edição da Diálogo Global) conjuntamente transformaram a
associação e do direito de greve.
fala sobre a possibilidade de uma nova China na “oficina do mundo”, criando
forma de solidariedade transnacional uma nova classe operária de algumas
que poderia promover a unidade centenas de milhões. Aliados ao > Ativismo trabalhista de
do movimento trabalhista mundial. movimento trabalhista internacional, e operários migrantes na China
Compartilho o mesmo sonho e gostaria desprovidos de otimismo, ainda assim A China da era reformista teste-
de contextualizar os esforços locais devemos manter um espírito inabalável munhou o desenvolvimento da dife-
na China em uma perspectiva global. para confrontar esse pesadelo global. renciação de classe, conflitos de
Todos nós sabemos que o avanço Se a China é hoje o sonho para o capital classe e da polarização de classe.
da tecnologia e da informação cria global à procura por novas formas Desprovidas de canais institucionais
fluxos de capital hiper-móveis, e a de acumulação em ritmo e escala para explicitar suas queixas, as
transnacionalidade do novo trabalho inimagináveis, defendo que ergueu-se classes subordinadas mobilizam agora
continua a esfacelar as relações simultaneamente um pesadelo global protestos de massa para demonstrar
de classe existentes. Contudo, a para as novas classes operárias. Esse seu descontentamento e resistir à
“despedida da classe operária” dos é apenas o início de sua luta. opressão. Estatísticas oficiais revelam
acadêmicos ocidentais ou o fim da que, entre 1993 e 2005, o número
“análise de classes” não tornaram Nos últimos anos, o termo “oficina do de protestos em massa aumentou por
as relações de classes obsoletas. mundo” foi usualmente empregado todo o país de 10 mil para 87 mil casos
Em vez disso, as questões de classe para descrever a capacidade da – um acréscimo médio aproximado
e dos conflitos de classe foram China para a produção global. de 20% ao ano. Do mesmo modo,
transferidas, com a fuga de capitais, Quando o capital global é realocado o número de participantes nesses
para as sociedades do Terceiro Mundo, para a China, ele não está apenas protestos aumentou de 730 mil para
posicionando a China na linha de frente procurando por trabalho barato e mais de três milhões, e deve ser notado
>>
DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011
que 75% desses protestos foram mostra que a formação e a maturidade de esferas, contudo, foi cedendo
iniciados por operários e camponeses. da classe trabalhadora enraízam-se lugar para o surgimento de um regime
Essas manifestações não aumentaram normalmente entre a segunda e a laboral dormitório, que oferece uma
apenas em número, mas também em terceira gerações de trabalhadores nova combinação de trabalho e
tamanho médio, alcance social e grau rurais que foram trabalhar em “lar”, refazendo arranjos capitalistas
de organização. cidades industriais. Esse é o processo anteriores de trabalho-e-residência,
de proletarização, que transforma mas que continua a segregar o
O aumento da polarização das
trabalhadores da agricultura em trabalhador da cidade.
relações de classe na China manifesta-
operários industriais pela privação
se nos conflitos trabalhistas, atual-
de seus meios de produção e O modelo resultante é uma pro-
mente intensificados, e na proliferação
subsistência; de fato, esse tema letarização inacabada, que leva a
do ativismo trabalhista. Lutas cole-
perpassa a história do capitalismo um sentido mais profundo de tornar-
tivas, como manifestações por pen-
mundial. Como resultado, o destino dos se incompleto, isto é, de tornar-
sões, bloqueios de estradas por
trabalhadores depende do processo de se nongmingong (um trabalhador
furiosos trabalhadores que não foram
acumulação do capital e da extensão “quase” ou “semi” inserido no mundo
pagos, e ações legais coletivas contra
da mercantilização do trabalho. Esses industrial). O indivíduo, sofrendo
compensações ilegais deixaram de ser
trabalhadores não possuem nem de uma sensação de inadequação,
notícias exóticas. Seja em empresas
controlam as ferramentas que utilizam, é sujeito a um “vaguear” forçado.
privadas, estrangeiras ou estatais,
as matérias-primas que processam, ou Os portões do mundo urbano e
os protestos estão se tornando
os produtos que produzem. industrial permanecem fechados à
mais conflituosos, e algumas vezes
segunda geração de trabalhadores
os manifestantes chegam a atacar
Quando a China se transformou migrantes. O nongmingong não teve
prédios do governo, redundando em
na fábrica mundial e se tornou para onde ir nem onde ficar, como
confrontos violentos com a polícia. Há
uma sociedade industrializada con- é expresso no poema trabalhista:
evidência ampla de que trabalhadores
temporânea, ela reordenou um fenô- “Você diz que sua vida é destinada
migrantes tornam-se mais pró-ativos
meno comum na história mundial a um estado de pelambulância” e
na defesa de seus direitos, e eles
do capitalismo. O especial sobre a escolheu esse caminho de tornar-se
mobilizam ações de variados tipos,
China é seu peculiar processo de pro- ninguém porque você não é nem um
individuais e coletivas, diretas e
letarização: com fins de incorporar o nongmin (camponês) nem um gongren
legais. Isso significa que as ações
sistema socialista chinês à economia (operário). “Nunca se arrependa,
coletivas de trabalhadores migrantes
global, as autoridades chinesas criaram Mesmo que tenha que sofrer tremendas 16
não se restringem ao uso de meios
o sistema hukou de registro que, como dificuldades”. Esse é o lema da nova
institucionais e legais estabelecidos
o sistema da lei do passe do apartheid geração de trabalhadores dagong, que
para a defesa de seus interesses.
da África do Sul, chamou trabalhadores tentam superar sua experiência de
Eles também estão passando por
rurais para trabalhar na cidade, mas incompletude.
um processo de “radicalização”, por
sem permanecerem na cidade. Para
meio de suas greves, ações de rua
a nova classe trabalhadora chinesa, > Conclusão
e protestos. Apesar do cerceamento
a industrialização e a urbanização
do desenvolvimento de uma força Em resumo, o processo de pro-
ainda são dois processos altamente
de trabalho organizada, greves nas letarização na China da era das
desconexos, uma vez que muitos
fábricas, paralisações do trabalho, reformas criou uma nova classe tra-
operários-camponeses foram privados
negociações coletivas sobre salários, balhadora, progressivamente mais
da oportunidade de viver onde traba-
divulgação de reclamações coletivas, consciente e preparada para participar
lham ou trabalhar onde vivem. Os
ações elaboradas para angariar de várias formas de ação coletiva. A
governos urbanos locais não foram
exposição na mídia ou até ataques “inclusão” da segunda geração de
incentivados a assumir a iniciativa de
contra aparatos estatais são meios trabalhadores migrantes alimentou
conciliar as necessidades do consumo
comuns empregados por trabalhadores uma epidemia de greves espontâneas
coletivo dos trabalhadores, em termo
migrantes para expressar suas no sul da China.
de habitação, educação, atendimento
insatisfações e exigir mudanças. Foram observados o sentido do self,
médico e outras provisões sociais. Os
a ira e a ação coletiva da segunda
trabalhadores migrantes rurais foram
> O desafio para a luta trabalhista geração de trabalhadores campesinos,
barrados de jure, mas não de facto, de
e notou-se que tais trabalhadores estão
viver em centros urbanos pelo sistema
É óbvio que existem barreiras rigidamente posicionados no centro de
hukou e por barreiras de classe que ga-
estruturais que constrangem a luta uma rede de controles e dominações,
rantiam que trabalhadores migrantes
da nova classe trabalhadora chinesa. em que devem negociar e articular
com salários miseráveis seriam im-
Já argumentei que essa nova classe seus próprios interesses. Apesar das
possibilitados de se estabelecer em
passou por um processo sem fim de barreiras estruturais, a nova classe
comunidades urbanas. Em suma,
(semi-)proletarização, mas a nova trabalhadora evoca um conjunto de
o processo de proletarização de
geração está agora experimentando formas de insurgência cotidianas e
camponeses chineses foi moldado
um tremendo “invólucro espiritual” nas coletivas que ameaçam as forças do
por uma separação espacial entre
cidades industriais onde trabalham. capital e tornam o Estado ainda mais
a produção em áreas urbanas e a
determinado a subjugá-las.
reprodução no campo. Tal separação
A história mundial do trabalho nos

DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011


> Trabalho Global – Uma Perspectiva
Mexicana
Por Enrique de la Garza, Universidade
Autônoma Metropolitana, Cidade do México

E
dward Webster coloca uma questão clássica, porém
atual: se, juntamente à globalização do capital,
uma globalização do trabalho como movimento
social é possível e, nesta conexão, qual é o significado da
constituição de outras identidades e solidariedades.

Embora Webster enfoque o “Sul”, acredito que sua análise se


estende para além das velhas dicotomias desenvolvimento /
subdesenvolvimento, e não só porque países desenvolvidos,
como a Austrália, também existem no Sul, mas porque os
países do Norte contêm neles aspectos do Sul. Ainda assim,
a questão básica corretamente aborda como superar a
fragmentação entre trabalhadores, fragmentação que se Metalúrgicos canadenses apoiam mineiros
origina de diferenças de etnia, religião, nacionalidade e, mexicanos e metalúrgicos.
acima de tudo, de diferenças em tipos de ocupação (formal
versus informal; assalariados versus não-assalariados;
trabalhadores em cadeias globais versus aqueles em 3. Há um número enorme de trabalhadores fora das cadeias
microempresas; trabalhadores das empresas principais globais de valor: formais e informais, assalariados e não-
versus trabalhadores subcontratados etc.). Neste sentido, assalariados, e trabalhadores tradicionais e não-tradicionais.
Webster tem razão ao afirmar que fortes pressões globais É necessário perguntar se um movimento global pode ser
sobre as empresas para reduzir custos e ser competitivas criado a partir de uma identidade de exclusão compartilhada.
resultam em sentimentos de impotência e resignação
entre trabalhadores, levando muitos a aceitar a perda de No caso da América Latina, os problemas são semelhantes 17
direitos e proteções como uma estratégia de sobrevivência. aos mencionados por Webster. Em cada caso, é necessário
Esta estratégia pode também resultar da fragmentação de especificar a importância do setor informal, que não
identidades. está sujeito às leis trabalhistas. De acordo com a nova
definição da Organização Internacional do Trabalho, a
Contudo, algumas lições ainda podem ser aprendidas da porcentagem de trabalhadores em países latinoamericanos
história: em ocupações informais ou que não dispõem de proteções
do trabalho em empresas formais varia de 40 a 70% da
1. A tese da fragmentação das identidades, seja devido força de trabalho. O setor informal inclui grandes empresas
à nova heterogeneidade das ocupações (Claus Offe) assim como pequenas, mas é especialmente proeminente
ou às trajetórias de trabalho divergentes (Zygmunt entre empresas com menos de cinco trabalhadores. Tais
Bauman), acaba sendo superficial pois sempre houve microentidades constituem a maioria das empresas em
heterogeneidade em ocupações, empresas, ramos, assim todos os países da América Latina. Neste setor, parte da
como divisões regionais, nacionais ou internacionais. (Os força de trabalho é assalariada, mas muitos trabalham por
afiliados da Primeira Internacional eram mais homogêneos conta própria ou sem receber pagamento em empresas
em suas ocupações? As Frentes Populares do passado, familiares. Os empregados pagos por comissão também
ocasionalmente lideradas por sindicatos, eram exemplos de devem ser incluídos nesse setor. Neste momento, as lutas
homogeneidade ocupacional?) O processo de constituição por regulação do trabalho neste setor são muito importantes.
de identidades, ações coletivas e movimentos sociais não A posição dos trabalhadores em cadeias internacionais de
depende somente das posições dos atores em estruturas valor é também uma questão, colocando o problema da
ocupacionais. É claro, as estruturas sociais dão origem relação entre trabalhadores das empresas principais e
à construção coletiva de diferenças, mas as identidades grupos de trabalhadores subcontratados.
sociais também derivam de interações sociais, movimentos
sociais, cultura e subjetividades incrustadas. Assim como as diferenças ocupacionais, a legislação
trabalhista e as políticas de organização dos trabalhadores
2. Do ponto de vista dos trabalhadores, vínculos internacionais variam de acordo com os países. Com relação à legislação
no sentido material já existem nas cadeias globais de trabalhista, a região pode ser dividida entre países que
valor, incluindo conflitos atuais sobre subcontratação e, continuam a aplicar um modelo neoliberal ortodoxo (México
em particular, off-shoring. Contudo, este vínculo material e Colômbia são exemplos notáveis) e aqueles em que
tampouco garante solidariedade, embora exemplos positivos políticas alternativas lideradas pelo Estado são tentadas (por
existam. exemplo, Argentina, Uruguai, Venezuela, Bolívia, Equador e
Brasil). O declínio da força dos sindicatos e dos direitos dos
>>
DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011
trabalhadores é notável no primeiro grupo. No segundo, acordos comerciais.
há alguma revitalização dos sindicatos e da proteção
aos trabalhadores. Durante a década de 1990, quando Em outras palavras, as formas já existentes de solidariedade
um duro neoliberalismo se consolidou em quase todo o de tipo internacional mencionadas por Webster são
subcontinente, trabalhadores sofreram perdas notáveis importantes: a humanitária e as abordagens da produção
em proteção. Contudo, com o alvorecer de um novo século, e regulatória. Contudo, é possível que o impacto mais
sua sorte começou a mudar numa direção positiva em importante da “liquefação” das ações coletivas e identidades
muitas partes da região. Ainda assim, enquanto algumas não precisa ser buscado na estrutura das ocupações ou nas
legislações nacionais preveem direitos de sindicalização de trajetórias de trabalho fluidas, ou mesmo estritamente nas
trabalhadores não-assalariados, outras não prevêem. pressões de mercado globais, mas sim na perda de utopias
de trabalhadores. Essas utopias comunistas, socialistas,
Algo semelhante ocorre com as políticas dos sindicatos. anarquistas ou mesmo social-democratas, que existiram
Enquanto alguns sindicatos não oferecem resistência ao lado de certas condições materiais e que impulsionaram
significativa às políticas neoliberais, outros são bastante o compromisso com alternativas à sociedade capitalista,
beligerantes em sua oposição. Além disso, alguns sindicatos geralmente não foram renovadas ou substituídas por outras.
estão muito comprometidos com uma definição restritiva
de trabalho, limitando-o ao trabalho assalariado, enquanto No máximo, reformas factíveis podem ter aparecido dentro
outros estão abertos a uma definição muito mais ampla. As do mesmo sistema neoliberal, como nas três formas de
mais importantes expressões de solidariedade internacional, solidariedade de Webster. Elas são limitadas, por exemplo,
embora incipientes, são por meio de grandes confederações pela regulação do sistema financeiro, ou por uma projeção
globais, de secretariados de filiais, de acordos específicos anacrônica do Estado Benfeitor ao nível global, como o
entre confederações de diferentes países, de campanhas Fórum Social Mundial. Parece não haver ainda a confluência
sobre problemas específicos, e usando alguns acordos inter- de sentimento e pensamento que se traduz em projetos
governamentais, como aqueles da OIT ou outros ligados a globais, nem de caráter intelectual ou no plano material.

> Carta do Egito: Sobre a Técnica


de Rolagem de Esterco
18

Eu então descrevi o processo de rolar uma bola de neve, e


sobre como ela se torna maior e maior, e o questionei se
havia qualquer coisa com a qual eles são familiarizados
que, quando rolada, aumenta progressivamente de
tamanho. Desse modo poderíamos dar um nome africano
à técnica de coleta por “bola de neve”

Após um longo silêncio, um dos estagiários disse em


voz alta, ao fundo: “É assim que nós rolamos esterco de
vaca”.

Então, a técnica de bola de neve é agora a “técnica de


‘rolagem de esterco de vaca’”.

Uma reflexão que vocês podem querer compartilhar com


colegas da ISA, particularmente Michael Burawoy.

Lembranças,
Coleta de esterco.
Ray Jureidini

A
Centro para Migrações e Estudos de Refugiados,
cabo de ter notícias de um de meus ex-alunos Universidade Americana do Cairo
que está trabalhando em Juba, no Sudão do
Sul, que escreveu: “Eu tento explicar a técnica
‘bola de neve’ de coleta, o que é um pesadelo para os
africanos que não têm idéia do que seria uma bola de
neve.”

DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011


> Apresentando a Equipe Editorial Paulista
Em cada número apresentaremos uma das equipes editoriais que colaboraram na tradução e na
produção da Diálogo Global.

Os jovens Paulistas –Da esquerda


para a direita: Juliana Tonche,
Andreza Galli, Pedro Mancini,
Renata Preturlan, Fábio Tsunoda,
Dmitri Fernandes e Gustavo
Taniguti.

É
um prazer apresentar nossa equipe de editores Gustavo Takeshy Taniguti é bacharel em Ciências
regionais brasileiros aos leitores da Diálogo Sociais pela Universidade de São Carlos (UFSCar) e 19
Global ao redor do mundo. Além disso, estamos atualmente realiza doutorado em Sociologia (USP). Ele
muito felizes por trabalharmos numa publicação que vem desenvolvendo pesquisas sobre a imigração japonesa
vem contribuindo de forma decisiva ao intercâmbio de no Brasil e tem, também, experiência em sociologia do
experiências e informações na sociologia dos mais diferentes trabalho, sociologia econômica e imigração. Ele é membro
locais. Esperamos que este espaço de diálogo possa crescer do corpo editorial da Plural, revista de ciências sociais,
ainda mais. A seguir apresentaremos um breve resumo das e é pesquisador em antropologia do grupo “Núcleo de
atividades de nossos membros, também conhecidos como Antropologia Urbana” (NAU-USP).
“A Equipe Paulista”.
Juliana Tonche é bacharel em Ciências Sociais pela
Andreza Tonasso Galli é bacharel em Relações Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde
Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP). também obteve seu título de mestre. Hoje, é estudante de
Atualmente é mestranda do Departamento de Sociologia doutorado em Sociologia na Universidade de São Paulo
(USP), onde pesquisa relações de raça e o movimento com foco em iniciativas restaurativas na justiça. Seus
negro. Ela também participa do projeto de extensão interesses são administração de conflitos e a sociologia
da universidade “Educar para o Mundo”, que lida com da punição. Ela é também membro dos seguintes grupos:
educação popular, imigração e direitos humanos. Núcleo da Antropologia do Direito (USP), Grupo de Estudos
da Violência e Administração de Conflitos (UFSCar).
Dmitri Cerboncini Fernandes é bacharel em Ciências
Sociais (2004) e doutor em Sociologia (2010) pela Pedro Felipe de Andrade Mancini é bacharel em
Universidade de São Paulo (USP). Em 2008 concluiu Ciências Sociais pela USP, onde também está finalizando
estágio na École des Hautes Études en Sciences Sociales seu mestrado em Mídias Sociais, mais especificamente
de Paris, França. Atualmente está desenvolvendo pesquisa sobre a sociabilidade em realidades virtuais. No mais, ele é
de pós-doutoramento em História Social na USP sobre as membro do corpo editorial da Plural, a revista de sociologia
relações entre as representações simbólicas que envolvem dos estudantes de pós-graduação da USP.
o gênero musical samba e a política de afirmação cultural
negra nos anos 1970. Renata Preturlan é estudante de mestrado em Sociologia
na USP, pesquisando atualmente a imigração boliviana em
Fábio Silva Tsunoda é bacharel em Ciências Sociais São Paulo. Ela é bacharel em Relações Internacionais
pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/ Marília) e na USP. É membro do Grupo de Estudos de Imigração
atualmente é mestrando em Sociologia (USP), onde realiza no Laboratório de Antropologia Urbana e do projeto de
pesquisas sobre militantes por direitos humanos no Brasil extensão “Educar para o Mundo”.
pós-ditadura militar.

DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011


Islã encontra a Sociologia - Dr. Seyed
Mohammad Saghafi, um notável clérigo da
Universidade Azad com Dr. Gholamabas
Tavasoli, decano da Sociologia iraniana.

iranianos e turcos dos séculos XIX e XX


e advertiram para que os conteúdos de
seus pensamentos fossem seriamente
considerados para o estabelecimento
de uma sociologia do Oriente Médio.
Além disso, a fonte da sociologia do
Oriente Médio não era para ser restrita
a um pensamento social estreitamente
> Sociologia do Oriente definido, mas deveria ser estendida
à literatura, como ressaltado por
Médio em movimento Biuk Mohammadi. Uma sociologia
dessas não negligencia o pensamento
ocidental, mas criativamente o
Por Syed Farid Alatas, Departamento de Sociologia,
assimila. Özervarli revelou como
Universidade Nacional de Cingapura
isso foi feito por muitos pensadores
otomanos do século XIX.

O
primeiro do que pode vir a contribuir para a universalização da Outra questão, central para as
ser uma série de encontros sociologia. Tavasoli, basicamente em discussões da sociologia no Oriente
regionais a respeito da harmonia com a posição de Burawoy, Médio, é a relação entre o Islã e a
sociologia no (e sobre o) Oriente Médio chamou a atenção para perspectivas sociologia. Baseado em sua vasta
teve lugar em Teerã, em 28 e 29 de alternativas no pensamento social, experiência de ensino e pesquisa nesta
maio de 2011. Intitulado “Conferência enfatizando, por exemplo, que existem área, Riaz Hassan discutiu com o que
Regional sobre Pensamento Social idéias na sociologia, como a de um curso de sociologia do Islã deveria
e Sociologia no Oriente Médio sociedade civil, que têm suas origens se parecer. Isto inevitavelmente
Contemporâneo”, o encontro reuniu num Irã pré-islâmico ou islâmico, e não levanta a questão sobre se havia um
sociólogos árabes, iranianos e turcos apenas na Grécia. conflito entre as abordagens teológica 20
da região, e de mais outros lugares. e sociológica, sobretudo quando se
A conferência foi organizada pela Discussões da sociologia no Oriente tratava da explicação das origens do
Associação Iraniana de Sociologia Médio geralmente avaliam de forma Islã. O trabalho de Sara Shariati discutiu
em colaboração com a Associação crítica o estado da sociologia e esta relação problemática em detalhes
Internacional de Sociologia e apoiada enfatizam a necessidade de considerar e, ao fazê-lo, claramente se distanciou
pela Fundação de Istambul para a alternativas do Oriente Médio para as da idéia de uma sociologia islâmica.
Ciência e Cultura, pela Biblioteca tradições ocidentais. Esta conferência Ao mesmo tempo, a conferência
Nacional e Arquivos da República não foi uma exceção. Diversos incluiu também apresentações de
Islâmica do Irã, pelo Instituto para trabalhos, de Tina Uys, Sari Hanafi, vários clérigos que desenvolveram a
o Estudo da Religião e Pensamento Michael Kuhn e Ebrahim Towfigh idéia de uma sociologia islâmica, e
em Mashhad, pelo Centro para discutiram o estado problemático da apresentaram uma posição mais hostil
Estudos Científicos Internacionais e sociologia no Oriente Médio como em relação à sociologia ocidental.
Colaboração, e pela Faculdade de o Orientalismo ou a dependência
Ciências Sociais, das Publicações acadêmica. Os participantes foram Muitos dos participantes estavam
Jamee-Shenasan. Cerca de cinqüenta rápidos em apontar, entretanto, que entusiasmados com a idéia de con-
trabalhos foram apresentados durante o objetivo não era se envolver em tinuar a se encontrar anualmente ou
os dois dias, a metade deles em persa. críticas ao ocidente, mas fazer boa semestralmente. Estão em curso planos
sociologia. Isto significa estender para organizar a próxima conferência
As palestras de abertura foram feitas nossos horizontes para além do sobre o pensamento social no Oriente
por Michael Burawoy e pelo decano conhecimento gerado no ocidente e Médio em Istambul, possivelmente em
em sociologia iraniana Gholamabas incluir o Oriente Médio e outras regiões 2011. Em consonância com o espírito
Tavasoli. Burawoy direcionou suas como fontes de conceitos e teorias. crítico da conferência, contudo, foi
observações para o que a conferência De fato, freqüentemente se ouvem sugerido também que o termo “Oriente
sentiu ser um aspecto importante, isto chamados por sociologias indígenas Médio” fosse descartado, já que ele é
é, o estabelecimento de uma sociologia ou alternativas. Foi reconfortante que inadequado para se referir à região do
regional no Oriente Médio. Espera- esta conferência não somente discutiu ponto de vista de, como o estudante
se que tal sociologia compreenda essas reivindicações, mas também holandês de comércio e sociedade
processos não somente dentro das apresentou exemplos de fontes do coloniais J. C. Van Leur disse certa vez:
nações, mas também entre elas. Oriente Médio para o pensamento “o convés do navio, as muralhas da
Burawoy viu o Oriente Médio como um social. Sait Özervarli, Mohamad Tavakol fortaleza, a galeria superior da casa de
teste à possibilidade de uma sociologia e Seyyed Javad Miri discutiram as comércio”.
global, na medida em que a região pode obras de uma galáxia de pensadores

DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011


Hicham Yezza and Rizwaan Sabir do lado
de fora da biblioteca em que ocorreu o
controverso episódio do Manual da Al-Qaeda

mostra como, após a liberação deles,


a direção da universidade empenhou-
se num esforço arranjado tanto para
desacreditar os dois e seus defensores
dentro da universidade, quanto para
silenciar suas reclamações, alegando
que o material de pesquisa era ilegal e
as prisões fundamentadas.

A UoN classificou os argumentos


do Dr. Thornton como “sem base”,
e manifestou que seu relatório
difamava os colegas. Contudo, a UoN
não forneceu ao público um único
traço de evidência que escorasse

> Ataque à liberdade suas afirmações. Em outras palavras,


o propósito da suspensão do Dr.
Thornton parece ser o de silenciar um
acadêmica: o caso da denunciante.

denúncia de Nottingham O artigo do Dr. Thornton aparece


como um relatório meticulosamente
delineado, que colige sólidas evidências
em suas afirmações. Com mais de 112
Por Alf Gunvald Nilsen, Universidade de Bergen, Noruega páginas, ele submete à análise forense
o arsenal de comunicações internas
da universidade reunidas durante 21

N
a Universidade de Nottin- 2008. um período de três anos sob o Ato de
gham (UoN), acontecimen- Informação da Liberdade. Também é
tos recentes sugerem que Os dois foram mantidos encarcerados interessante esclarecer que antes de
a liberdade acadêmica – a liberdade por seis dias e depois liberados publicar o artigo, Thornton percorreu
de se realizar pesquisas e apresentar sem acusação formal. As prisões exaustivamente todas as vias internas
seus resultados ao público sem temer se seguiram à descoberta efetuada possíveis para apresentar as queixas
uma ação disciplinar, demissão ou por um dos colegas de Yezza de um contra a UoN.
violações de nossas liberdades civis – documento intitulado “O Manual de
pode muito bem ter se tornado mera Treinamento da Al Qaeda” e de dois É exatamente por esta razão que o
retórica na chamada era de “guerra ao artigos acadêmicos no computador de relatório do Dr. Thornton e sua crítica
terror”. seu escritório. Sabir em princípio baixou à UoN e sua conduta não merecem
os documentos para sua dissertação ser interpretados como outro ataque
No dia 4 de maio deste ano, o Dr. de mestrado sobre o Islã radical e à liberdade acadêmica. Se a justiça for
Rod Thornton, um antigo soldado então os enviou a seu amigo Yezza feita neste caso, o Dr. Thornton deverá
Britânico e especialista em terrorismo para que ele tomasse conhecimento ser imediatamente reconduzido, e a
internacional e de contra-insurgência, de tais materiais. Basicamente, Sabir UoN deve submeter a uma sindicância
foi suspenso de seu trabalho como havia obtido o “Manual da Al Qaeda” pública independente os argumentos
professor da Faculdade de Política do site do Ministério da Justiça dos apresentados por ele contra a
e de Relações Internacionais (SPIR), Estados Unidos. universidade.
UoN. A suspensão foi resultado de o
Dr. Thornton ter publicado um artigo no Em seu artigo, o Dr. Thornton detalha Por favor, junte-se a Noam Chomsky
qual ele afirma que os mais elevados como, em vez de levar a cabo uma e outros na defesa dessa causa
escalões da UoN foram responsáveis avaliação da periculosidade dos assinando a petição S.W.A.N. em
diretos pela prisão errônea de dois documentos que foram encontrados http://www.thepetitionsite.com/1/
inocentes muçulmanos – Rizwaan – algo que a UoN é obrigada a efetuar support-whistleblower-at-
Sabir, um estudante de mestrado na de acordo com procedimentos legais nottingham/.
SPIR, e Hicham Yezza, um membro – a direção da universidade preferiu
da equipe na Faculdade de Línguas contatar diretamente a polícia.
Modernas e editor do jornal político Conseqüência desse ato, os dois
Ceasefire – como suspeitos de homens inocentes foram presos. E
terrorismo há três anos, em maio de não só isso: o Dr. Thornton também

DGN VOL. 1 / # 5 / JULHO 2011

Você também pode gostar