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Poesias de Bené Lobão

1 - ÚLTIMO SUSPIRO

Limpando o suor que escorre pela testa


Ofegando pelo nervosismo de algo ainda incompleto
Necessidade de algo
Vontade de outra coisa
Vontade de morrer
Vontade de olhar pra trás
Consciência
Consciência de que o que há atrás não importa
Mas vontade
Vontade de refazer
De desfazer
De construir
mas ‘quem quer que queira construir deve destruir’
vontade de destruir.

Ó vida! Que males são estes que trazes consigo e entregas?


Não há nada mais que possas dar?
Dá-me o teu oposto que me cala
E calando, tu não precisas mais ser
Destrói-te e termina o que sou
Pois o que és não compensa o que falta.
Ó vida, porque insistes em ser
se não precisas mais?
O que foi feito se fez
Cada dia é um começo
Mas nada pode recomeçar se não tiver tido um fim.
Que venha o fim . . .

Vontade de calar
de esquecer
esquecer o que falou
o que fez
de jogar tudo pr’o ar
e vê-las voar
sorrindo.

Porém vontade é passageira


e procede da insanidade
e não deve ser ouvida
quando vem só para o mal.
O problema é que não se sabe
quando está para o mal
quando está para o bem
quando é insanidade
quando não vem de mim

Ó vida! Onde estás agora que te clamo?


Desapareces aos poucos e nem percebo
Queria não te ter mais
Mas quero que me ouças antes de ir.
Fostes insegura tantas vezes
Fostes o melhor que podias ser
Aquilo que devias ser, fostes
Agora estou te pedindo que vás e te expulso
Mas te peço:
Perdoa-me por te denegrir
Por ser quem eu fui fazendo seres quem tens sido
Vai-te deixando o teu antônimo
na ciência de que é o que quero
e o que deve ser
pois não te mereço mais.
Perdoa-me por não fazer valer tua importância
E só agora que já te esvais
Percebo o quanto tu importas
Dá-me uma última chance de olhar pra trás
E tentar reaver o perdido
Nem que seja de olhos fechados
E que apenas sinta
Mesmo sendo irreal
Que sinta que refaço o que fiz mal
Fazendo-o, então, bem
E aí me deixarás mais tranqüilo
Achando que corrigi os erros
Mesmo que seja mentira
Pois que árvores mortas não se replantam,
Mas só quero achar que não errei
Pra deixá-la ir
Se não me deixas sonhar meu último sonho
Entendo que mereço pelo mal que fiz
Mas creio que tenha valido minha intenção de desfazê-lo.
Perdoa-me uma última coisa,
Perdoa-me não ter lutado por ti quando forças tinha
Pois agora que já não as possuo
Te amo como nunca.

Podes ir agora que já me quero calar


A hora chegou
Apenas te ouço, não mais sinto
Adeus!
Deixa tudo que passou
Não carregues o que fiz
Joga fora o mal
Colhe e leva apenas o pouco aproveitável
Pra que quem de ti fale
Fale o bem
Te exalte pelo pouco que fostes bem
Mas conseguistes ser esse pouco
E já basta.
Vai!
Joga, enfim, tudo pr’o ar
Pra que possam sumir chorando
E que eu possa vê-las voar
Sorrindo. . .
Sorrindo. . .
Sorrindo. . .
Sorrindo...
Sorrindo...
s. . .
2 - SUMÁRIO

Vai dia, vem dia e a vida


continua vadia
Vadia porque há dia em que na vida
de vida, não há nada
Só morte, sem sorte
sem que tenha quem se importe
e é chato
(eu acho)
viver
mas tem que ser
Vai dia, vem dia e a vida
continua vadia
Vadia porque há dia em que na vida
de vida não há nada
Só morte, sem sorte
sem que tenha quem se importe
e é chato
(eu acho)
viver
mas tem que ser
Vai dia, vem dia e a vida
continua . . .
3 - MU(N)DO

Pasmo
ao ver o mundo
cego
surdo imundo
fétido
mundo pasmo
mudo
a identidade
ao ver
na minha a maldade
sádica
de um povo mudo.

Muda
só aparência
clemência!
surda
irreverência
demência
do mudo mundo.

Calo
marcado mundo
cérebro miúdo
mudo
aumenta o calo
calo!
Voltas
volta mundo
dá a volta
outra
e nada muda
viagem
passagem
vertigem
população
muda
tudo
muda
e eu?!
. . . mudo?
4 - BRINQUEDO

Parecia brincadeira
brincadeira infantil
quebra-cabeça.
Faltavam peças
eu não sabia
mas brincava
sem conseguir.
Re-misturava
Re-tentava
Retornava ao zero
Resistia à falta
Recordava os erros
Remontava as peças
só pra fugir.
Fugir da outra brincadeira
de labirinto minotauriano
do que diziam ser difícil
do que ninguém costuma brincar
ninguém costuma tentar
esse brinquedo de entrar
só pra depois sair.
E parece mesmo difícil
esse negócio de labirinto
mas não é não.
Quebra-cabeça é brincar de vida
labirinto é brincar de amar.
Se as peças faltam,
nem sempre se monta
mas o labirinto
está sempre lá
e com certeza há
um jeito de sair.
Quando se vence
há quem perca:
o minotauro
(os problemas)
que é quem tenta impedir.
No quebra-cabeça não tem perdedor oponente.
Ou você ganha ou perde
e é contra si mesmo.
Nos buracos já sabe o que falta
mas se não há peças mais
não há como concluir.
E perde a brincadeira
desmonta tudo
tenta outra
sem ninguém por perto
pra ser adversário
pra pelo menos rir
porque você perdeu.
Mas mesmo assim
brincamos de vida
quebra-cabeça
perdemos, perdemos, perdemos
vendo que peças faltam
mas só desmontamos
e vamos lá de novo.
Só pra fugir
da outra brincadeira
que parece ser pior
e não sabemos nós
que as brincadeiras são uma só
e o minotauro é que roubou as peças
e esconde-as no labirinto.
E, assim,
Pra vencer só existe um jeito:
recuperar as peças perdidas da vida
no labirinto do amor
enfrentando o minotauro
que é o oponente maior
agora das duas brincadeiras.
Resta às gentes brincarem
porque é o que se deve
mesmo que se não queira. . .
Vida:
Quebra-cabeça
Vitória:
Conseqüência de quem tenta
Amar:
Labirinto finito
Amor:
Prêmio de quem quer
Tenta
Luta
Vence
Vive.
5 - MORTE

Minha vida é um marasmo


e eu não sei aonde vou
Se me perco, se me acho
ou se continuo onde estou

e eu nem sei onde é.

Cada passo dois tropeços


cada trecho uma avenida
falta d’água, de luz, de céu
de sentido
vida com falta de vida.

E se morrer é não ter vida,


morri.
Inda não sei onde estou.

Só sei que estou com fome


e me alimento
do que mais me consome
o fato de ser eu (homem)
deus de mim
sem ser

morto eu vivo
e corro
persigo a vida
fugindo dela
busco encontra-la bem longe em mim
busco encontrar
eu.
Malogro.
Não busco ma(i)s
já me disseram:
a vida é mesmo estar-se morto
e vou vivendo
sendo defunto.
Todos são mesmo!

Ninguém me disse,
mas eu vi
com alguns dos olhos que ainda vêem
que ainda vejo
que se vivesse aventurava
mas quem ta morto tem medo de viver
isso é normal.
Medo é antônimo de quase tudo
e não tem sinônimo
coragem
vontade
alegria
paz
luta
respeito
contato
medo é antônimo até de amor
e não o ódio
medo é o antônimo da vida
e não a morte

Até quem acha que vive


sendo morto
tem medo de morrer.
E se há alguém sem medo
luta
faz
crê
canta
ama
vive
são poucos
(se há. . .)
é mesmo uma aventura
odisséia incerta
fácil de desistir
e se há alguém que insista
insistirá até morrer
de novo

Os falsos vivos não querem viver


Os mortos têm medo
Os vivos sabem que vão morrer
mas, sem medo,
correm atrás da vida
Antes que a morte chegue
se aventuram.

Inda não sei onde estou


‘Só sei que não sei’
e é por isso que corro
vou tentando a aventura
mas ainda há medo
e, no medo, a morte
essa falsa vida
o marasmo.
Só que alguém disse
eu já vi com aqueles olhos
e não estou parado
eu já canto
faço
creio
luto
corro
tento
eu, até, já amo
falta pouco
alguns dos olhos ainda estão fechados
e eu não sei se vão abrir
mas já creio
já luto
nesse mundo de mortos
em que, vida
só tem quem um dia
decidir abrir os olhos. . .

. . . se aventurar.

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