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A história de vida é um procedimento de investigação adotado pela Sociologia e pela Antropologia, que

consiste, fundamentalmente, numa recolha intensiva de dados de carácter biográfico, sobre uma ou
mais pessoas, sendo que o próprio ou os próprios são a fonte principal da informação, embora não
necessariamente a única. Pressupõe, regra geral, a realização de uma série de entrevistas, cujo objetivo
é reconstituir o percurso biográfico da pessoa em causa ou episódios e etapas particulares desse mesmo
percurso, de acordo com os critérios preestabelecidos pelo investigador. A vida do sujeito não tem de ser
uniforme nem integralmente narrada. Por vezes, procura-se estruturá-la em torno de momentos-chave,
assinalados pelo próprio sujeito; outras, trunca-se o percurso biográfico apenas a um dado período de
vida ou esfera de atividade do inquirido. Do ponto de vista dos fundamentos, esta metodologia de
investigação assenta em pressupostos ideográficos, isto é, na valorização do singular, do irrepetível,
consequentemente, do não generalizável, como objeto de estudo. Na história da ciência social ela surgiu
e difundiu-se pelos anos 20 e 30 do século XX, nomeadamente no contexto da sociologia americana e no
seio de escolas que procuraram compreender por dentro os fenómenos sociais. Como obra pioneira,
aponta-se, normalmente, The Polish Peasant in Europe and America (1918-20), de Thomas e Znaniecki.
As histórias de vida voltaram a reaparecer, pelos anos 60, já num contexto pós-estruturalista. São-lhes
reconhecidas vantagens, no que respeita ao estudo das articulações entre o psicológico e o social. Há
autores que distinguem ainda, dentro delas, psicobiografia e sociobiografia. Por outro lado, a história de
vida tem parentesco óbvio com a biografia e a autobiografia, desde longa data praticadas em outros
âmbitos que não o das Ciências Sociais. Por sua vez, a história oral, cujo exercício é hoje largamente
cultivado pelos anglo-saxónicos (enquanto método privilegiado de recolha de testemunhos orais sobre
objetos da história recente), partilha com a história de vida vários objetivos, procedimentos e resultados.
Se, em alguns casos, a história de vida é apresentada como um relato exaustivo da narrativa do sujeito
biografado, apagando-se o autor o mais possível, tal perspetiva não invalida uma outra que é a de tratar
esse documento primário (o depoimento) como um material de partida que o investigador trabalha,
depois. Argumentam os defensores desta segunda posição que a própria recolha não é, regra geral,
"fria", isto é, que ela é provocada pelo investigador, ao solicitar uma narrativa oral ou escrita ao sujeito.
A consulta de documentos, nomeadamente de documentos pessoais, surge, assim, como método
complementar e de controlo da validade dos depoimentos. São, de resto, conhecidos os mecanismos
mais comuns que originam enviesamentos: falhas e imprecisões de memória, empolamento de certas
informações para salientar o papel desempenhado pelo sujeito na ação narrada, substituição da
realidade pelos sonhos que foram sendo alimentados acerca dessa realidade, presença e participação do
investigador na tomada do depoimento, entre outros... Também se constroem histórias de vida cruzadas,
sendo que, nesses casos, se multiplicam as oportunidades de verificação da coerência e da fidedignidade
dos dados apresentados. Em suma, este é um género que resulta de um procedimento que se enquadra
na chamada observação intensiva dos fenómenos sociais. As críticas que é possível traçar-lhe (uma
patente subjetividade e potencialidades explicativas limitadas) parecem ser contrabalançadas pelo que
propicia: um conhecimento profundo do objeto e uma perspetiva privilegiada sobre os acontecimentos
sociais, do ponto de vista do ator.

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