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1. Introdução
O consumo é visto como uma ocupação das pessoas, ou seja, uma atividade
econômica que busca satisfazer algumas necessidades. Inspirados em Lipovetsky
(2007), podemos mencionar que há várias e incessantes formas de consumo, que variam
de acordo com o acúmulo de capital das sociedades. Dessa maneira, podemos
considerar que os modos de consumo estariam presentes em todas as camadas da
sociedade, sendo elas mais ou menos ricas.
Compreendendo o consumo como uma atividade econômica que afeta toda
sociedade, Costa (2009, p. 35) menciona que o consumo é o “[...] centro organizador da
ordem social, política, econômica e cultural do presente e todos nós somos educados
para e por ele”. Sendo o consumo algo tão presente nas sociedades, podemos observar
que consumo não é algo tão ingênuo e deixado ao acaso, ou seja, o consumo é algo de
grande interesse para Estado, pois afeta continuamente os sistemas econômicos.
Lemke (2018, p. 148), menciona que há uma importância de controle sobre a
vida, e esse controle é visto ou é dado como uma atuação política, principalmente nos
processos econômicos. Ou seja, esse tipo de política “[...] atribui aos mecanismos
econômicos de coordenadas e de condução uma tarefa de servir à vida, de modo que
esses mecanismos são meios para um fim, e não um fim em si mesmos”. Articulando
essas ideias, e também, aquela que mencionamos, a de Costa (2009), em que somos
educados para e pelo consumo, podemos compreender que o mesmo também é um
objeto de controle da sociedade contemporânea, ou seja, um objeto político do Estado.
Veiga Neto e Saraiva (2011), mencionam o quanto em uma sociedade
contemporânea a Educação tem se tornado uma importante ferramenta para o controle
das condutas. Pensando nessa direção, temos a Educação, o currículo como uma
ferramenta que pode colocar em prática esse controle exigido pela sociedade
contemporânea. Nesse sentido, vislumbramos qual seria o papel da matemática presente
nos currículos escolares, ou para sermos mais específicos, quais discursos sobre o
consumo compõem o currículo de matemática do ensino médio?
Para discorrer um pouco mais sobre essa temática, apresentaremos a seguir, um
recorte de uma investigação que está sendo desenvolvida no Programa de Pós-
Graduação em Educação Matemática, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Esse recorte tem como objetivo “descrever e analisar os discursos sobre consumo
presente nos livros didáticos de matemática do ensino médio aprovados pelo Programa
nacional do livro didático - PNLD de 2018 (BRASIL, 2017) ”.
Essa investigação também vem sendo desenvolvida junto ao GPCEM – Grupo
de Pesquisa em Currículo Educação Matemática. O GPCEM tem desenvolvido
investigações no campo da Educação Matemática e Currículo de Matemática.
Atualmente desenvolve o projeto “Redes discursivas construídas em livros didáticos de
Matemática do ensino médio1”. Os estudos realizados têm buscado as contribuições de
Foucault e outros interlocutores. Com isso, tem vislumbrado o currículo como um
campo que endereça e contribui para constituição de um tipo desejável de sujeito2.
Nesse artigo apresentaremos como o currículo de matemática, os livros didáticos
de matemática do ensino médio, tem se referido ao consumo, em quais condições de
possibilidades a matemática apresenta essa temática. Para isso utilizamos as
contribuições de Foucault, ou seja, um ‘“[...] pensar com ele’ a Educação Matemática”,
assim como propõem Valero (2018, p. 47), pois o mesmo não pensou nessa área de
investigação, mas podemos deslocar alguns de seus problemas para pensar “[...] como
as pessoas se tornam sujeitos como efeitos do poder e como o conhecimento, em tempos
modernos, fazem partes das tecnologias de governo e poder”. Ou seja, como o currículo
tem contribuído para essa dinâmica. Nesse sentido, nos inspiramos em sua caixa de
ferramenta.
Em seguida apresentaremos como a pesquisa se desenvolve, em quais processos
constituímos esse método. Pois, observamos que as contribuições de Foucault, nos
inspira na constituição de um método singular de cada pesquisa, e que em cada um,
1
Atendendo à Chamada Universal MCTI/CNPQ Nº 14/2014.
2
Cf. Foucault (1995, p. 235), “há dois significados para a palavra sujeito: sujeito a alguém pelo controle
e dependência, e preso a sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento, ambos
sugerem uma forma de poder que subjuga e torna sujeito a”, ou seja, essa constituição se instaura, pelos
processos de “subjetivação” (LARROSA, 2011).
compõem-se com os materiais que lhes são disponíveis em sua caixa de ferramentas. A
seguir das análises e problematização do enunciado.
2. Referencial teórico
Como já foi mencionado anteriormente, a Educação seria de grande importância
para o controle da conduta das pessoas, e estando inseridas nessa esfera econômica, faz
com que haja essa necessidade de controle. Nesse sentido, seria o currículo que estaria
ditando como deve ser esse controle, levando em consideração o currículo como “[...]
práticas de ensino e aprendizagem, bem como o conteúdo da matemática escolar tem
um significado específico ao direcionar as novas gerações para se tornarem
determinados tipos e pessoas. (VALERO, 2018, p. 44). Ou seja, o currículo enquanto
documento de identidade.
Dessa maneira, o currículo escolar pode ser visto como discurso, impondo como
e o que deve ser ensinado, como deve ser moldado esse sujeito desejável, tornando
como estatuto de verdade o que deve ou não fazer parte do currículo de matemática. Ou
seja, os conteúdos matemáticos não pensados de maneira intencional, como se tivesse
algo idealizado, mas sim, como os conteúdos matemáticos e os contextos que são
apresentados entram nessa ordem dos discursos da sociedade contemporânea
atravessando o currículo escolar.
Podemos observar isso na seguinte fala de Morgan (2016, p. 1):
o discurso é levado a envolver não apenas o uso do idioma, mas também suas
funções dentro das práticas sociais da Educação matemática. Essas práticas
envolvem formas distintas de ver o mundo e atuar nela, formas de identidade
e relações entre os participantes, e conjuntos de valores e expectativas, todos
os quais formam e são moldados pelo uso da linguagem. O componente
discursivo de uma prática envolve os padrões distintivos de linguagem e
outras formas de comunicação que os participantes usam para interpretar sua
experiência do mundo. Considerar a Educação matemática como uma
questão de discurso, portanto, implica estudar os padrões de uso da
linguagem: os objetos e ações que são falados, as relações entre eles e os
valores que lhes são atribuídos; as posições sujeitas que estão disponíveis e as
formas em que podem ser aceitas ou contestadas; e quais tipos de coisas
podem ser ditas e quais os participantes no discurso são capazes de dizer o
que. (MORGAN, 2016, p. 1, tradução nossa 3).
3
discourse is taken to involve not only use of language but also its functions within the social practices
of mathematics education. These practices involve distinctive ways of seeing the world and acting in it,
forms of identity and relationships among participants, and sets of values and expectations, all of which
shape and are shaped by language use. The discursive component of a practice involves the distinctive
patterns of language and other forms of communication that participants use to construe their
E nesse sentido que Foucault tem nos inspirando, mostrando que o discurso não
se reduz a estreita relação entre a realidade e língua, mas sim “[...] que, analisando os
próprios discursos, vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as
palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da prática discursiva”
(FOUCAULT, 1987, p. 56). Essas regras seriam as regras de um tempo histórico de
uma sociedade, verdades inabaláveis que controlam as condutas dos sujeitos que
habitam esses discursos.
O discurso é um conjunto de enunciados que se apoiam na mesma formação
discursiva, ou seja, que se apoiam no mesmo campo do saber (FOUCAULT, 1987). De
acordo com Fischer (2012, p. 77), os enunciados são “raros”, isto é, não são óbvios, e
estão além das “coisas dadas”, “[...] pois ele se encontra na transversalidade de frases,
proposições e atos de linguagem: ele é sempre um acontecimento, que nem a língua
nem o sentido podem esgotar inteiramente” (Foucault,1987, p.32).
Os enunciados são formados pelas enunciações e visibilidades, ou seja, aquilo
que está escrito, que foi narrado, ou o que está ilustrado, como por exemplo imagens.
Para análise, descrevemos as imagens, tornando-as textos, assim como propõem de
Collange, Almeida e Amorim (2014),
[...] submissão da imagem à sua descrição e transformação em texto escrito,
tratando-a, analiticamente, de forma equivalente à palavra escrita, à narrativa,
à expressão do conceito e/ou às teorias das concepções mentais, sociais muito
presentes nos estudos de aprendizagem em ensino de ciências”.
(COLLANGE; ALMEIDA; AMORIM, 2014, p.826).
Ainda por enunciações Foucault (1987, p. 114) menciona que “[...]há enunciação
cada vez que um conjunto de signos for emitido. Cada uma dessas articulações tem sua
individualidade espaço-temporal”. E que a “[...]enunciação é um acontecimento que
não se repete; tem uma singularidade situada e datada que não se pode reduzir”.
experience of the world. Considering mathematics education as a matter of discourse, therefore, entails
studying the patterns of language use: the objects and actions that are spoken of, the relationships
between them, and the values attached to them; the subject positions that are available and the ways
these may be taken up or contested; and what kinds of things can be said and which participants in the
discourse are able to say what. (MORGAN, 2016, p. 1).
Esses elementos, ou melhor, essas ferramentas, nos possibilitou pensar discursos
sobre o consumo, discurso que regulam condutas, que constituem sujeitos desejáveis
pelos currículos de matemática. E como reguladores, exercem verdades e
consequentemente atuam com relações de poder e saber, ou seja, práticas sociais por
definição permanentemente presas, amarradas às relações de poder, que as supõem e as
atualizam.
Articulando essas ideias juntamente com currículo, temos que:
a escolaridade é uma prática que visa não só transmitir o conhecimento
acadêmico, mas também formar estudantes em tipos específicos de assuntos
sociais, Bernstein argumenta que o discurso da sala de aula consiste em um
discurso instrucional (o discurso recontextualizado da matemática) que está
sempre inserido dentro de um discurso regulador que molda os tipos de
comportamentos, identidades e relacionamentos disponíveis para estudantes e
professores. O tipo de conhecimento matemático que os alunos adquirem é
uma função não só do discurso instrucional matemático que eles encontram,
mas também das oportunidades de adquirir isso que são oferecidas pelo
discurso regulador. (MORGAN, 2016, p. 4, tradução nossa) 4.
4
is a practice that aims not only to transmit academic knowledge but also to form students into
particular kinds of social subjects, Bernstein argues that the discourse of the classroom consists of an
instructional discourse (the recontextualized discourse of mathematics) that is always embedded within
a regulative discourse that shapes the kinds of behaviors, identities, and relationships available to
students and teachers. The kind of mathematical knowledge that students acquire is a function not only
of the mathematical instructional discourse they encounter but also of the opportunities. to acquire this
that are afforded by the regulative discourse (MORGAN, 2016, p. 4, tradução nossa).
indivíduos” (LARROSA, 2011, p. 52). Tecnologias orientadas ao próprio trabalho do
sujeito sobre si mesmo.
Sobre essa tecnologia Foucault (1984, p. 297-298, apud, LARROSA, 2011,
p.55) a chamou de “subjetividade”, trata-se de: “[...] estudar a constituição do sujeito
como objeto para si mesmo: a formação dos procedimentos pelos quais o sujeito é
induzido a observar-se a si mesmo, analisar-se, decifrar-se, reconhecer-se como um
domínio de saber possível”. Nesse sentido acreditamos que o currículo não busca
apenas por um processo de formação, mas também, propõem práticas que contribuem
para que sujeito se auto conduza.
Até aqui apresentamos alguns conceitos de nossa caixa de ferramenta, passamos
a seguir para os processos analíticos.
3. Movimento analítico
5. Referências
BRASIL. Guia PNLD 2017 - Matemática ensino médio. MEC, Brasília, 2016.
Disponível em:< http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guias-dopnld>.
Acesso em 02/05/2017.
Balestri, R. Matemática: interação e tecnologia, 2. ed, São Paulo: Leya, 2016. v.2.
______. O cuidado com a verdade. In: FOUCAULT, M. Ditos & Escritos V: Ética,
sexualidade, política. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 240-250.
______. Segurança, Território, População: Curso dado no Collège de France (1977-
1978). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
SOUZA, J. R. de. Novo olhar matemática. 2. ed. São Paulo: FTD, 2018. v. 3.