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Perspectivas analítico-discursivas do artigo “Corpo imagem – corpo arte:

materialidades discursivas”

Matheus Santana Ribeiro

No artigo “Corpo imagem – corpo arte: materialidades discursivas”, Nádia Neckel propõe
um exercício de análise em materialidades do Discurso Artístico (DA). Para isso, ela
justifica essa ação analítica-discursiva em dois pressupostos basilares da Análise de
Discurso (AD), de origem francesa. A primeira está relacionada a AD ser uma disciplina
viva, de interpretação, enquanto que a segunda advém justamente do seu maior
expoente da AD, Michel Pêcheux ao analisar materialidades significantes como imagem
e memória no seu livro “O papel da memória” e da análise do enunciado “on a gagné” no
livro “Estrutura ou Acontecimento”.

Partindo desses pressupostos da AD, Neckel então propõe analisar a relação “imagem-
corpo” a partir do gesto como ato simbólico, haja vista que “o corpo não foi compreendido
na arte sempre da mesma forma [...] marcam-se diferentes dizeres do e sobre o corpo
ao longo da história da arte” (NICKEL, 2019, p. 65). Assim como Orlandi (2020, p. 25)
nos informa, “a AD trabalha no entremeio, fazendo uma ligação, mostrando que não há
separação estanque entre a linguagem e sua exterioridade constitutiva”, Neckel busca
analisar as materialidades por meio de imbricações, ou seja, a partir de Lagazzi (2011)
em não analisar a imagem separada, mas na sua constituição, no entremeio com outros
elementos. Isso porque “a língua concebida como materialidade do discurso não está
dissociada do sujeito, que por ela se constitui” (LAGAZZI, 2011, p. 17). Além disso,
Lagazzi (2011, p. 17-18) afirma:

“a materialidade significante nos remete à estrutura e à estruturação, a


um suporte que permita a produção de sentidos para sujeitos. Dessa
forma, não se trata de sinonimizar materialidade significante e material
de análise. Trata-se de considerar o modo de estruturação dos
materiais tomados para análise, o modo como materializam discursos.
Trata-se, enfim, da formulação discursiva”.

Neckel então faz duas análises: de um videoarte exposto em uma Bienal e da cena
introdutória do filme “Ano Branco”.
No primeiro, a autora nota como “o tempo, o espaço, a gestualidade, a sonoridade, a
visualidade significada e significando no movimento do espectador” (NICKEL, 2019, p.
63) produz uma eventual nova obra/texto a partir das diferentes leituras. Enquanto que
no segundo, ela analisa o corpo nas perspectivas das questões sócio-históricas e
ideológicas das sociedades e dos sujeitos, haja vista que considera a arte como uma
produção simbólica. Valendo-se de Austin (1955) e Butler (2010), Neckel busca pensar,
a partir do filme, o “corpo biopolítico destinado à produção e ao consumo, um corpo
normatizada e desenhado sob a égide binária do feminino/masculino” (NICKEL, 2019, p.
67). A análise ainda considera as imbricações através da maquiagem, do figurino e da
atuação, além dos objetos de cena, cenografia e os enquadramentos.

O artigo da Nádia Neckel tem uma relevância extrema na contemporaneidade e


principalmente para os elementos teóricos-metodológicos da Análise de Discurso. Se
pensarmos que provavelmente pouco encontraremos textos nas nossas práticas sociais
que não sejam multimodais, é necessário, portanto, a análise deles para que seja
possível “chegar a regularidades significativas de um funcionamento discursivo que se
quer compreender” Lagazzi (2011, p. 18). Assim como Lagazzi (2009), outrora Orlandi
(2007) e Pêcheux (2008) já suscitavam tais discussões e encaminhamentos para as
imbricações nas diversas materialidades.

Referências

AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer. Trad. de Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre:
Artes Médicas: 1990.
BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato
Aguiar. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
LAGAZZI, S. O recorte significante na memória. Apresentação no III SEAD – Seminário de
Estudos em Análise do Discurso, UFRGS, Porto Alegre, 2007. In: O Discurso na
Contemporaneidade. Materialidades e Fronteiras. F. Indursky, M. C. L. Ferreira & S.
bMittmann (orgs.). São Carlos: Claraluz, 2009. p.67-78.
NECKEL, N. Corpo imagem – corpo arte: materialidades discursivas. HASHIGUTI, S.T., ed.
O corpo e a imagem no discurso: gêneros híbridos [online]. Uberlândia: EDUFU, 2019, pp. 61-
72. Linguística in focus collection, vol. 12. ISBN: 978-85-7078-503-9.
http://dx.doi.org/10.14393/EDUFU-978-85-7078-503-9.
ORLANDI, E. P. Interpretação e autoria: leitura e efeitos do trabalho simbólico. Rio de
Janeiro: Pontes, 2020.
ORLANDI, E. As formas do silêncio – no movimento dos sentidos. 6. ed. Campinas:
Editora da Unicamp, 2007.
PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. 3. ed. Campinas, SP:
Pontes, 2008.

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