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DIREITO

CONSTITUCIONAL I

autora do original
RENATA FURTADO DE BARROS

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2016
Conselho editorial  rafael m.iório filho, camille guimarães, roberto paes, gladis
linhares

Autora do original  renata furtado de barros

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gladis linhares

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  rafael m.iório filho

Imagem de capa  www.billionphotos.com | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

B277d Barros, Renata Furtado de


Direito constitucional I / Renata Furtado de Barros.
Rio de Janeiro: SESES, 2016.
128 p: il.

isbn: 978-85-5548-263-2

1. Teoria da constituição. 2. Poder constituinte. 3. Direitos


fundamentais. 4. Garantias fundamentais. 5. História das constituições.
I SESES. II. Estácio. cdd 342

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 7

1. Teoria da Constituição 9
1.1  Direito Constitucional: conceito, objeto e conteúdo 11
1.2 Constitucionalismo 13
1.3  Conceito de Constituição 18
1.4  Classificação das Constituições 22
1.4.1  Quanto à origem 22
1.4.2  Quanto à forma 23
1.4.3  Quanto ao modo de elaboração 23
1.4.4  Quanto à extensão 24
1.4.5  Quanto à finalidade 24
1.4.6  Quanto à estabilidade 24
1.4.7  Quanto ao conteúdo 26
1.4.8  Quanto à sistemática 26
1.5  Elementos das Constituições 26
1.6  Normas Constitucionais: aplicabilidade e eficácia 27
1.6.1  Normas Constitucionais de eficácia plena 27
1.6.2  Normas Constitucionais de eficácia contida 28
1.6.3  Normas Constitucionais de eficácia limitada 28
1.7  Hermenêutica das Normas Constitucionais 29
1.8  Preâmbulo e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias 33
1.8.1  Preâmbulo da Constituição 33
1.8.2  Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) 35

2. Poder Constituinte 37

2.1 Conceito 39
2.2  Espécies de poder constituinte 42
2.2.1  Poder constituinte originário 42
2.2.1.1  Espécies de poder constituinte originário 44
2.2.2  Poder constituinte derivado 44
2.3  Espécies de poder constituinte derivado 44
2.3.1  Poder constituinte derivado revisional 45
2.3.2  Poder constituinte derivado reformador 46
2.3.2.1  Poder constituinte derivado reformador: limitações formais 48
2.3.3  Poder constituinte derivado decorrente 51
2.4  Poder constituinte difuso 53
2.5  Poder constituinte supranacional 54
2.6  Nova constituição e a ordem jurídica anterior 54
2.6.1  Teoria da constitucionalidade superveniente 56
2.6.2  Teoria da repristinação 56

3. Direitos e Garantias Fundamentais 59

3.1  Teoria dos direitos fundamentais 61


3.2  Direitos e garantias fundamentais 67
3.2.1  Características dos direitos fundamentais 68
3.2.2  Eficácia dos direitos fundamentais 69
3.2.3  Destinatários dos direitos fundamentais 70
3.2.4  Aplicação e aplicabilidade dos direitos fundamentais 71
3.3  Direitos e deveres individuais e coletivos – art. 5o 72
3.3.1  Direito à vida 73
3.3.2  Direito à igualdade 74
3.3.3  Princípio da legalidade 75
3.3.4  Vedação da prática de tortura e ao tratamento
desumano ou degradante 76
3.3.5  Direito à liberdade de manifestação de pensamento 77
3.3.6  Direito à liberdade de credo 77
3.3.7  Direito à liberdade intelectual, artística, científica e
de comunicação 79
3.3.8  Direito à inviolabilidade domiciliar 80
3.3.9  Direito à intimidade e sigilo bancário 80
3.3.10  Sigilo de correspondência e de comunicação 80
3.3.11  Liberdade de profissão 81
3.3.12  Liberdade de informação 82
3.3.13  Liberdade de locomoção 83
3.3.14  Liberdade de reunião 83
3.3.15  Liberdade de associação 84
3.3.16  Direito de propriedade 85
3.3.17  Direito de petição e obtenção de certidões 86
3.3.18  Limites à retroatividade da lei 87
3.3.19  Tribunal do Júri 88
3.3.20  Segurança jurídica em matéria penal 88
3.4  Direitos Sociais – Arts. 6o a 11 89
3.5  Direitos de nacionalidade – Arts. 12 e 13 92
3.6  Direitos políticos – arts. 14 a 17 97
3.7  Remédios Constitucionais 103
3.7.1  Habeas Corpus 103
3.7.2 Habeas Data 104
3.7.3  Mandado de Segurança 105
3.7.4  Mandado de segurança coletivo 106
3.7.5  Mandado de injunção 107
3.7.6  Ação Popular 109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 109

4. História das Constituições Brasileiras 111

4.1  Constituição imperial de 1824 113


4.2  Constituição republicana de 1891 116
4.3  Constituição de 1934 118
4.4  Constituição de 1937 119
4.5  Constituição de 1946 120
4.6  Constituição de 1967 e a EC no1 de 1969 120
4.7  Constituição de 1988 123
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

O estudo do Direito Constitucional ocupa um papel central na formação de


qualquer estudante de Direito e na própria sociedade. O Direito Constitucional
trata do regramento basilar do Estado e tem como premissa a organização dos
Estados e a defesa dos direitos fundamentais. A constituição de um Estado goza
de superioridade diante das outras normas jurídicas, e é a partir das normas
constitucionais que se estabelecem todos os outros ramos jurídicos, sejam eles
públicos ou privados.
A importância do estudo dessa disciplina está na estruturação constitucio-
nal do raciocínio jurídico no Estado Democrático de Direito. A constituição do
Estado é o elemento jurídico de instituição do Estado e modificação da realida-
de jurídico- social. Diante disso, adota-o como eixo central do Projeto Pedagó-
gico do Curso de Direito a hermenêutica constitucional, ou seja, a interpreta-
ção de todos os ramos do Direito à luz da constituição.
A disciplina de Direito Constitucional I é interdisciplinar, pois conta com
elementos de Sociologia, Antropologia, História, Política e Ciência Política para
discutir a Teoria da Constituição e o Constitucionalismo brasileiro.
Aborda-se, nessa obra, noções introdutórias de Direito Constitucional, a
fim de que o aluno tenha a habilidade de compreender a evolução do Consti-
tucionalismo como um movimento social, jurídico e político de transformação
da sociedade. Objetiva-se entender que no Constitucionalismo defende-se que
todos os Estados devem ter uma constituição que proteja os direitos funda-
mentais dos homens, diante do arbítrio do Estado.
No primeiro capítulo, trata-se da Teoria da Constituição, dos conceitos de
constituição, do objeto do Direito Constitucional, da classificação, dos seus ele-
mentos, da aplicabilidade, da eficácia das normas constitucionais, da herme-
nêutica constitucional, do preâmbulo e do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. No segundo capítulo, aborda-se o Poder Constituinte e suas vari-
áveis, e no terceiro capítulo, os direitos e garantias fundamentais. No quarto e
último capítulo, faz-se um estudo da história das constituições brasileiras.

capítulo •7
O Direito Constitucional é a base para o entendimento dos valores mais
profundos de uma sociedade e do ordenamento jurídico. A presente obra tem
o objetivo de introduzir didaticamente o Direito Constitucional, além de ser
um convite à reflexão sobre a defesa de direitos fundamentais no Estado Demo-
crático de Direito brasileiro.

Bons estudos!
1
Teoria da
Constituição
O estudo do Direito constitucional é desafiador e instigante para o aluno de
Direito por várias razões. O Direito Constitucional é a base para a compreensão
de todas as outras disciplinas do Direito; sem ele, o ordenamento jurídico não
encontraria respaldo para sua sistematização democrática. O aluno deve dedi-
car-se ao estudo do Direito Constitucional, pois todo estudo jurídico se dá sob
a ótica da constituição dos Estados. Além disso, é importante e fundamental
para a compreensão do desenvolvimento histórico da defesa de direitos pela
humanidade e para o entendimento da história do Estado Brasileiro.
A constituição é a manifestação jurídica basilar que organiza e efetiva a exis-
tência jurídica dos Estados, uma vez que representa a norma básica que organi-
za as relações entre governantes e governados nos diferentes Estados. Estudar
a constituição brasileira é entender a norma fundamental na qual se baseiam
todos os outros ramos jurídicos. Na atualidade, a busca constante da defesa do
texto constitucional no dia a dia faz com que, cada vez mais, as prescrições po-
sitivadas, no texto da constituição, sejam efetivadas. Além disso, o povo clama
pelo cumprimento real dos paradigmas do Estado Democrático de Direito.
No primeiro capítulo desta obra, a temática abordada é a Teoria da Constitui-
ção, que é uma área do Direito Constitucional que trata dos fundamentos de
um Estado com governo constitucional. A Teoria da Constituição utiliza-se
das diferentes concepções e teorias jurídicas para buscar uma explicação so-
bre o que é a constituição, qual o motivo de sua elaboração, quais os tipos de
constituições existentes nos diferentes Estados e qual é a abordagem da teoria
democrática.
A Teoria da Constituição no Brasil é uma disciplina acadêmica que incide
sobre o significado e importância da Constituição da República Federativa do
Brasil e seus antecedentes históricos.

10 • capítulo 1
1.1  Direito Constitucional: conceito, objeto e
conteúdo

CONCEITO
O Direito Constitucional é o ramo do Direito Público, didaticamente autônomo, que estuda a
organização e o funcionamento do Estado e a defesa dos direitos e garantias fundamentais.

É importante lembrar que o direito só se divide em ramos com objetivos di-


dáticos, ou seja, o direito é uma única árvore, pertencente a um único sistema,
mas divide-se em ramos para facilitar seu estudo em disciplinas acadêmicas.
Segundo a teoria clássica, dual, o direito se divide em Direito Público e Direito
Privado. O Direito Constitucional está inserido no Direito Público e pode ser
chamado de Direito Público fundamental, pois se ocupa da lei fundamental e
principal do Estado, ou seja, a Constituição.
Segundo Alexandre de Moraes:

O Direito Constitucional é um ramo do Direito Público, destacado por ser fundamental


à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do
mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política.
Tem, pois, por objeto a constituição política do Estado, no sentido amplo de estabelecer
sua estrutura, a organização de suas instituições e órgãos, o modo de aquisição e limita-
ção do poder, através, inclusive, da previsão de diversos direitos e garantias fundamen-
tais. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 36.

O Direito Público se caracteriza pela existência de normas cogentes, impo-


sitivas ou de ordem pública. Essas normas não admitem disposição em con-
trário, ainda que haja acordo entre as partes. A máxima do Direito Público é a
de que ‘só se pode fazer aquilo que está autorizado no texto da lei’. No Direito
Privado a regra é a presença de normas dispositivas, ou seja, que admitem dis-
posição em contrário. No âmbito privado prevalece o acordo de vontades, ou
seja, as leis são uma opção e as partes podem estabelecer-se de forma diversa,
desde que haja um consenso. A máxima do Direito Privado é a da liberdade,

capítulo 1 • 11
ou seja, ‘os entes privados podem fazer tudo aquilo que a lei não proíbe’. No
Direito Público, a norma impositiva não permite desobediência ou disposição
em contrário. A constituição, por exemplo, prevê a proteção dos direitos fun-
damentais do homem e o Estado não tem liberdade de desobedecer ou violar
esses direitos, uma vez que o Estado deve obedecer a norma constitucional de
forma cogente (obrigatória).
Entretanto, destaca-se que a divisão dicotômica entre o Direito Público e
o Privado tem se demonstrado como uma metodologia ultrapassada, pois as
relações jurídicas estão cada vez mais constitucionalizadas e o Direito Privado
passa por um fenômeno de constitucionalização, que leva ao questionamento
dessa divisão acadêmica.
O Direito Constitucional aborda os princípios fundamentais por meio dos
quais o governo organiza as relações estatais, sem se olvidar da defesa dos di-
reitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Em alguns casos, estes princí-
pios concedem competências e obrigações específicas para o governo, como o
poder de tributar e de gastar recursos públicos, em prol da efetivação do bem
-estar social. Outras vezes, os princípios constitucionais agem para determinar
limites sobre o exercício das atribuições do governo, objetivando a proteção do
povo contra possíveis abusos no exercício do poder pelo Estado.
Nas palavras de Luís Roberto Barroso:

Como domínio científico, o direito constitucional procura ordenar elementos e saberes


diversos, relacionados a aspectos normativos do poder político e dos direitos funda-
mentais, que incluem: as reflexões advindas da filosofia jurídica, política e moral – fi-
losofia constitucional e teoria da Constituição; a produção doutrinária acerca das nor-
mas e dos institutos jurídicos – dogmática jurídica; e a atividade de juízes e tribunais
na aplicação prática do Direito – jurisprudência. Embora o conceito de ciência, quando
aplicado às ciências sociais, e em particular ao Direito, exija qualificações e delimi-
tações de sentido, a ciência do direito constitucional desempenha papel análogo ao
das ciências em geral. Nele se inclui a identificação ou elaboração de determinados
princípios específicos, a consolidação e sistematização dos conhecimentos acumula-
dos e, muito importante, o oferecimento de material teórico que permita a formulação
de novas hipóteses, a especulação criativa e o desenvolvimento de ideias e categorias
conceituais inovadoras que serão testadas na vida prática. BARROSO, Luís Roberto.
Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2013.

12 • capítulo 1
O Direito Constitucional claramente baseia-se na constituição para de-
linear a sua aplicação eficaz. O objeto de estudo do Direito Constitucional é
a constituição e as normas constitucionais, diante da sistemática do ordena-
mento jurídico dos Estados e de discussões sobre os valores estatais, a eficácia
das normas constitucionais, técnicas e interpretação do texto constitucional
(Hermenêutica Constitucional), costumes e defesa de direitos fundamentais.
A constituição promove um encontro entre a política e o Direito, uma vez
que a constituição organiza politicamente a sociedade. A partir dessa organi-
zação surge o conceito de Estado, que é a sociedade politicamente organizada.
O papel da constituição é de estabelecer a organização do Estado, definir
os direitos fundamentais e estabelecer metas e programas para o futuro do
Estado.
Os principais conteúdos tratados pelo Direito Constitucional e pelas cons-
tituições dos Estados são: os direitos e garantias fundamentais; a estrutura e
organização do Estado e de seus órgãos; o modo de aquisição e a forma de exer-
cício do poder; a defesa da Constituição, do Estado e das instituições democrá-
ticas e os objetivos socioeconômicos do Estado.

1.2  Constitucionalismo

CONCEITO
O Constitucionalismo é o movimento social, jurídico e político que tem como principal carac-
terística a limitação do exercício do poder do Estado por meio do texto constitucional, com o
objetivo de preservar os direitos fundamentais do povo.

Nos ensinamentos de José Joaquim Gomes Canotilho, o Constitucionalismo


é uma:

Teoria que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos
em dimensão estruturante da organização política-social de uma comunidade.

capítulo 1 • 13
Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de
limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo trans-
porta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal
como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo. CANOTILHO, José Joaquim
Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.51 e 218.

Os antecedentes históricos do Constitucionalismo são bastante remotos. Na


Antiguidade (até o século VIII) observava-se a existência do Constitucionalismo.
Kal Lowesnstein, citado por Pedro Lenza1 , afirma que o Constitucionalismo
demonstrava suas raízes, nesse período, em dois momentos distintos. No
Estado Teocrático Hebreu os profetas tinham a atribuição de fiscalizar os atos
do poder público para verificar se esses atos eram compatíveis com o texto
bíblico, limitando, portanto, a atuação do Estado, principal característica do
Constitucionalismo. Na Grécia Antiga, em especial em Atenas e Esparta, era
possível que o cidadão grego ajuizasse ações para controlar os atos do poder
público2.
Na Idade Média, o grande marco do Constitucionalismo foi a Magna Carta
de 1215, assinada pelo rei inglês João I, mais conhecido como João sem terra.
O nome é peculiar, mas o rei ficou assim apelidado por não ter recebido ne-
nhuma herança territorial de seu pai. Em 1215, João I outorgou a Magna Carta,
documento no qual reconhecia uma série de direitos do povo inglês, tais como
o direito à propriedade e liberdade. Diante do documento, pode-se cair no equí-
voco de concluir que João I era um rei garantidor de direitos, mas, na verdade,
era um grande tirano, que foi obrigado a assinar a Magna Carta, pressionado
pelos barões ingleses. A Magna Carta tem sua importância histórica, mas pou-
ca importância prática, pois nunca foi verdadeiramente cumprida3.
Foi somente no século XVII que os direitos previstos na Magna Carta come-
çaram a ser respeitados, quando alguns documentos elaborados na Inglaterra
começaram a reafirmar os direitos previstos anteriormente. Os principais docu-
mentos criados para a efetivação dos direitos foram o Petition of Rights (1628),
o Habeas Corpus Act (1679), o Bill of Rights (1689) e o Act of Settlement (1701)4.
1  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 67.
2  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 67.
3  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 67.
4  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 68.

14 • capítulo 1
No século XVIII, dois documentos mudaram a história do
Constitucionalismo: a Constituição Norte Americana de 1787 e a Constituição
Francesa de 1791. No meio dessas duas constituições, a Revolução Francesa
em 1789 reforçou o movimento constitucionalista. Por influência dessas duas
constituições e dos ideais da Revolução Francesa, o Constitucionalismo se es-
palhou por toda a Europa e cada monarquia foi caindo por terra. Em decorrên-
cia dessa influência, foram elaboradas várias constituições, como a Primeira
Constituição Espanhola de 1812 e a Primeira Constituição de Portugal de 1822.
No Brasil, em 1824, foi elaborada a Primeira Constituição brasileira, outorgada
por Dom Pedro I. Dom Pedro I sabia que a única forma de se legitimar no poder
era por meio de uma constituição.
O Constitucionalismo na contemporaneidade recebe o nome de
Neoconstitucionalismo, sendo fruto de uma série de princípios constitucionais
do século XX. Antes de se abordar de forma específica o Neoconstitucionalismo,
é importante tratar de alguns constitucionalismos que o precedem.
O Constitucionalismo Social é o movimento que passou a prever na cons-
tituição os direitos sociais, como por exemplo, o direito à saúde, à educação,
à moradia, à alimentação, dentre outros. O Constitucionalismo Social sur-
ge na Constituição de México de 1917, mas se torna mais conhecido com a
Constituição de Weimar (alemã) de 1919. Antes do Constitucionalismo Social,
tinha-se a previsão somente de direitos individuais, em uma perspectiva liberal
de defesa de direitos. No Estado Liberal, o indivíduo tinha seus direitos indi-
viduais e o Estado não interferia nas relações privadas, ou seja, as pessoas se
viravam na luta pela sobrevivência. No Estado Social, a constituição prevê a ne-
cessidade de se defender os direitos sociais, o que exige uma postura mais ativa
do Estado. No Brasil, a Constituição de 1934 (terceira constituição brasileira)
foi a primeira a prever a defesa de direitos sociais5.
O Transconstitucionalismo é outro movimento de observação do
Constitucionalismo que trata da relação que há entre o direito interno e o
Direito Internacional para a melhor tutela dos direitos fundamentais. Segundo
o autor Marcelo Neves, nem sempre as constituições conseguem prever todos
os fatos que desafiarão os direitos fundamentais e, por esse motivo, os dispo-
sitivos internacionais que tratam de direitos humanos podem complementar a
defesa dos direitos fundamentais6.

5  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 68-69.
6  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 69.

capítulo 1 • 15
[...] o transconstitucionalismo implica o reconhecimento de que as diversas ordens
jurídicas entrelaçadas na solução de um problema-caso constitucional – a saber, de
direitos fundamentais ou humanos e de organização legítima do poder – que lhes são
concomitantemente relevantes, devem buscar formas transversais de articulação para
solução do problema, cada uma delas observando a outra, para compreender os seus
próprios limites e possibilidades de contribuir para solução do problema. Sua identi-
dade é reconstruída, dessa maneira, enquanto leva a sério a alteridade, a observação
do outro. Isso parace-me frutífero e enriquecedor da própria identidade porque todo
observador tem um limite de visão no “ponto cego”, aquele que o observador não
pode ver em virtude da sua posição ou perspectiva de observação. NEVES, Marcelo.
Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 265.

Outro movimento contemporâneo é o chamado “Constitucionalismo do


Futuro”, ou “Constitucionalismo do por vir”, desenhado pelo jurista argentino
José Roberto Dromi, que afirma que as constituições no futuro serão baseadas
nos valores da solidariedade e da veracidade. Com a solidariedade se buscará
promover a cooperação recíproca. A Constituição Brasileira de certa forma já
faz essa previsão quando afirma que “construir uma sociedade solidária” é um
dos objetivos da República Federativa do Brasil. O valor constitucional da vera-
cidade estabelece que as constituições do futuro não podem fazer promessas
vazias e de difícil realização, uma vez que as constituições devem ser efetivadas7.
Há, ainda, o Constitucionalismo Transnacional, que difere-se do
Transconstitucionalismo, pois defende a possibilidade de se elaborar uma
única constituição para mais de um Estado. Na União Europeia, por exem-
plo, depois de anos de esforços para conferir a toda a Europa uma única
constituição, em 2008, foi acordado o Tratado de Lisboa, que baseia-se na
ideia de Constitucionalismo Transnacional, mas que não substituiu as cons-
tituições originárias dos Estados membros do bloco, mantendo-as de forma
concomitante8.
O Neoconstitucionalismo surgiu após a Segunda Guerra Mundial,
como fruto do movimento do Pós-positivismo, tendo como marco teóri-
co a Teoria da Força Normativa da constituição. O principal objetivo do
Neoconstitucionalismo é buscar uma maior eficácia da constituição, em

7  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 70.
8  NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 267.

16 • capítulo 1
especial dos direitos fundamentais. Após a Segunda Guerra Mundial, verificou-
se que os regimes ditatoriais mais autoritários baseavam-se no Pós-positivismo.
Na Alemanha nazista, por exemplo, leis estabeleciam a autorização de esterili-
zação dos deficiente físicos, ou seja, as leis eram utilizadas como argumento
para a violação dos direitos humanos e fundamentais. A experiência vivida na
Segunda Guerra levou à elaboração de novas formas de se abordar o direito,
que fossem menos preocupadas com o positivismo jurídico e mais preocupa-
das com a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, não se pode confundir
o Direito Constitucional com apenas o que está escrito no texto da constituição
dos Estados. O Direito Constitucional é muito mais do que a norma positivada
nas constituições.
O ideal neoconstitucional afirma, ainda, nos ensinamentos de Konrad
Hesse, que toda constituição possui força normativa e deve, portanto, ser efe-
tivada. A noção é a de que a constituição é uma lei, um documento com força
normativa para modificar a realidade social, em prol da defesa dos direitos fun-
damentais. O objetivo dessa visão é buscar uma maior eficácia de todo o texto
constitucional e, em especial, dos direitos fundamentais9. O Supremo Tribunal
Federal tem corroborado esse pensamento, em especial quando afirma que as
normas programáticas não podem se converter em promessas constitucionais
inconsequentes, “sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas
nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumpri-
mento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade
governamental”10.
Em resumo, o Neoconstitucionalismo objetiva assegurar uma maior eficá-
cia dos direitos fundamentais, limitando o poder do Estado e exigindo dele o
cumprimento integral do que está prescrito no texto constitucional.
Importante consequência desse movimento é uma maior eficácia dos prin-
cípios constitucionais, que também são vistos como obrigatórios nessa ideolo-
gia. Exemplo dessa afirmativa se deu na decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF), que examinou a questão da união homoafetiva, a união entre pessoas
do mesmo sexo. O STF não se baseou apenas no texto constitucional, ou seja,
no artigo 226 da Constituição, que define a união estável apenas como a união
9  HESSE, Conrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio
Fabris Editor, 1991.
10  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 393175/RS. Relator: Celso de Mello. Diário
de Justiça Eletrônico, Brasília, 1 fev. 2006. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/
informativo414.htm>. Acesso em: 27 set. 2015.

capítulo 1 • 17
entre homem e mulher. O STF baseou-se no princípio constitucional da digni-
dade da pessoa humana para dizer que a união homoafetiva também é consi-
derada como entidade familiar, equiparando-se à união estável. A importância
dessa decisão na efetivação do ideal neoconstitucionalista, pós-positivista, é
fundamental, pois ao invés de se aplicar a regra do texto da constituição, apli-
cou-se o princípio constitucional11.
Outra consequência foi o alargamento da jurisdição constitucional no
Brasil, ou seja, o surgimento de novas ações constitucionais defensoras do
Direito Constitucional e dos direitos fundamentais. Como, por exemplo, a cria-
ção da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), assim
como outras ações que surgiram nos últimos vinte anos. O Judiciário recebe,
portanto, uma enorme responsabilidade de fiscalizar o cumprimento das nor-
mas e princípios constitucionais.

1.3  Conceito de Constituição


A “Constituição” é o objeto de estudos dos mais variados teóricos do Direito
Constitucional.

CONCEITO
Na concepção de Niklas Luhmann, a constituição é um acoplamento estrutural entre o direito
e a política, considerada como a lei máxima da sociedade. Portanto, o que viabiliza a conexão
entre o direito e a política, como ciência da organização, administração e estruturação das
vontades populares nos Estados Democráticos, é a constituição.12

O direito dá legitimidade à atividade política e a política confere coercibili-


dade ao direito. A noção de que a constituição é a lei suprema do Estado estabe-
lece que todas as leis e atos normativos devem se fundar na constituição.

11  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 4277 DF. Relator: Ayres Brito.
Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 05 mai. 2011. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=628635>. Acesso em: 27 set. 2015.
12  LUHMANN, Niklas. EI derecho de la sociedad. Trad. Javier Nafarrate Torres. México: Universidad Iberoamericana,
2002.

18 • capítulo 1
Apesar de se desejar estabelecer um conceito de constituição mais objetivo,
diante da pluralidade de autores que já se debruçaram sobre a questão, é im-
prescindível discutir os principais conceitos existentes sobre a constituição na
doutrina. Essa discussão não é meramente teórica, pois permite uma reflexão
apurada sobre o papel da constituição na contemporaneidade.
A primeira concepção de constituição importante de ser abordada é a
Constituição em Sentido Sociológico, cujo principal responsável foi o autor
Ferdinand Lassale, considerado como o precursor da social democracia alemã
no século XIX. Para Lassale, a constituição é a soma dos fatores reais de poder
que emanam do povo, uma vez que a constituição não é somente uma folha
de papel. Assim, todo agrupamento humano tem uma constituição. No pen-
samento de Lassale percebe-se a existência de duas constituições: uma consti-
tuição real, que corresponde à soma dos fatores de poder que regem o Estado,
e uma constituição escrita, que, quando não cumprida, apresenta-se apenas
como uma folha de papel13.

Ao conceito sociológico associa-se o alemão Ferdinand Lassalle que, em sua obra "A
essência da Constituição", sustentou que esta seria o produto da soma dos fatores
reais de poder que regem a sociedade.
Segundo esta concepção, a Constituição é um reflexo das relações de poder vigentes
em determinada comunidade política. Assemelhada a um sistema de poder, seus
contornos são definidos pelas forças políticas, econômicas e sociais atuantes e pela
maneira como o poder está distribuído entre os diferentes atores do processo político.
Isso significa que Constituição real (ou efetiva) é, para o autor, o resultado desse
embate de forças vigentes no tecido social. MASSON, Nathalia. Manual de direito
constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 23.

Cal Schmitt define a Constituição no Sentido Político e afirma que ela é


“uma decisão política fundamental do povo”14. A posição decisionista é apon-
tada por Schmitt, pois entende a constituição como um reflexo das escolhas,
decisões, tomadas para a gestão do Estado. O ponto de encontro entre as duas
teorias é o entendimento de Schmitt de que a constituição também não é só
uma lei escrita em uma folha de papel. Diante dessa preocupação, Schmitt
13  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.42.
14  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 85.

capítulo 1 • 19
divide sua classificação da constituição em duas partes: a “constituição” e as
“leis constitucionais”. A Constituição” trata somente de normas que são es-
senciais, no âmbito constitucional, para a proteção das decisões políticas do
Estado. As “leis constitucionais" são as demais normas presentes no texto cons-
titucional, mas que poderiam estar previstas em matéria infraconstitucional.
Na teoria de Carl Schmitt, “constituição” é fundamento de existência política
do Estado, ao passo que “lei constitucional” é escolha de se defender regras no
texto constitucional15.
Schmitt é muito criticado, em especial porque foi o autor que embasou o
constitucionalismo da Alemanha nazista. A preocupação em se aplicar essa
teoria está na noção de que a validade de uma constituição não se apoia nos va-
lores da justiça e na defesa dos direitos fundamentais, mas na decisão política
que a origina.
A mais importante concepção de constituição é a Constituição no Sentido
Jurídico. Nessa concepção, Hans Kelsen afirma que a constituição é a lei mais
importante de todo ordenamento jurídico. Diante dessa afirmativa, ele conclui
que o ordenamento jurídico é um sistema hierárquico de normas, no qual a
norma principal é a constituição. Kelsen representa o ordenamento jurídico de
forma piramidal, colocando no topo da pirâmide a constituição, como norma
que valida a existência de todo o ordenamento jurídico brasileiro16.

CONSTITUIÇÃO

A constituição existe em dois planos para Kelsen: no plano lógico-jurídico


e no plano jurídico-positivo. A visão lógico-jurídica refere-se ao ideal da norma
hipotética fundamental presente nos Estados, ou seja, trata do fundamento ló-
gico, valorativo, no qual o legislador constituinte irá se basear para a elaboração
da norma constitucional positiva. No plano jurídico-positivo trata da constitui-
ção como norma suprema positivada.

15  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 86.
16  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 87.

20 • capítulo 1
Kelsen estruturou o ordenamento de forma estritamente jurídica, baseando-se na
constatação de que toda norma retira sua validade de outra que lhe é imediatamen-
te superior.
Segundo o autor, no mundo das normas jurídicas uma norma só pode receber valida-
de de outra, de modo que a ordem jurídica sempre se apresente estruturada em nor-
mas superiores fundantes – que regulam a criação das normas inferiores – e normas
inferiores fundadas – aquelas que tiveram a criação regulada por uma norma superior.
Essa relação de validade culmina em um escalonamento hierárquico do sistema
jurídico, uma vez que as normas nunca estarão lado a lado, ao contrário, apresentarão
posicionamentos diferenciados em graus inferiores e superiores. MASSON, Nathalia.
Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 25.

Conclui-se que Kelsen cria o ideal da Concepção Jurídica hoje adotado no


ordenamento jurídico brasileiro. A constituição é, portanto, o pressuposto de
validade de todas as leis e atos normativos, ou seja, para que uma lei seja válida
ela precisa estar de acordo com a constituição.
Há, ainda, a Concepção Culturalista de constituição que afirma que toda
constituição possui um forte elemento cultural, por ser fruto da cultura ou das
culturas presentes em um Estado. Essa teoria leva em consideração os aspec-
tos sociológico, político e jurídico de constituição de forma complementar e
não antagônica. A relação é complexa, pois ao mesmo tendo que a constituição
é fruto da cultura de um povo ela é também um elemento condicionante des-
sa cultura.
Por fim, é importante abordar a teoria da Constitucionalização Simbólica
desenvolvida pelo jurista Marcelo Neves. A visão de Neves é crítica em relação à
importância simbólica e de dominação ideológica que a constituição possui no
Estado. O autor afirma que a partir do momento que as constituições asseguram
direitos que não são cumpridos, percebe-se a intenção de utilizar-se do texto da
constituição como uma forma de defesa democrática simbólica, que não tem o
objetivo de sair do papel. A elaboração de leis e atos normativos, que não pos-
suem a intenção de serem cumpridos, faz com que a constituição assuma um ca-
ráter simbólico e não efetivo no Estado. Marcelo Neves define a constituição sim-
bólica como aquela em que há o predomínio de sua função político ideológica,
sem se preocupar com a sua efetividade normativa. A principal crítica trazida é
no sentido de se observar a intenção de dominação ideológica que há por trás da

capítulo 1 • 21
elaboração de normas que não são aplicadas de forma cogente, mas que servem
para abrandar, ideologicamente, o clamor social que reivindica soluções para
as necessidades sociais de efetivação de direitos fundamentais. Marcelo Neves
chama essas normas de legislação-álibi do Estado17. Exemplo dessa questão é a
atual e recorrente discussão sobre a redução da maioridade penal, uma vez que a
mudança da legislação não irá abrandar os problemas de segurança pública, mas
funcionará como um símbolo para satisfazer os grupos populares que buscam e
exigem uma maior segurança pública efetivada pelo Estado.

1.4  Classificação das Constituições


A classificação das constituições pode se dar de diversas formas distintas, de-
pendendo dos critérios utilizados para distinguir as constituições.

1.4.1  Quanto à origem

Quanto à origem observar-se-á a forma de colocação da constituição no Estado,


se será imposta ou democrática.
A constituição é chamada de “promulgada”, “democrática” ou “popular”
quando é elaborada com a participação do povo que irá ordenar, por meio
da democracia direta ou da democracia representativa (eleição direta de uma
Assembleia Nacional Constituinte). No Brasil, foram instituídas de forma de-
mocrática as constituições de 1891, 1934, 1946 e 1988.18
As constituições nomeadas como “outorgadas” ou “impostas” são aquelas
elaboradas sem a participação popular, impostas pelos governantes ao povo.
Elas são o resultado de uma manifestação unilateral daqueles que exercem a
gestão do Estado. No Brasil, foram instituídas de forma outorgadas as consti-
tuições de 1824, 1937, 1967 e a emenda constitucional de 1969. 19
Há, ainda, na classificação de José Afonso da Silva, as constituições no-
meadas como “cesaristas”. Elas são fruto de uma elaboração autoritária pelo
Estado, mas passam por aprovação popular posterior por meio de plebiscito.

17  NEVES, Marcelo. Constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 197-198.
18  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 97.
19  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 96.

22 • capítulo 1
Ex.: Constituição do Chile, elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet
(1973-1990) e promulgada em 1980. 20
Paulo Bonavides cita, também, a classificação de “constituições Pactuadas”,
como aquelas que se efetivam por meio de um pacto realizado entre o rei (Executivo)
e o Legislativo, determinando que o monarca tenha que se sujeitar a limites cons-
titucionais. Ex.: Magna Carta de 1215, na qual os barões ingleses obrigaram o rei
João I (João sem terra) a assinar e conceder direitos de liberdade e propriedade21.

1.4.2  Quanto à forma

Quanto à forma pode-se classificar as constituições como constituições “escri-


tas” e “não escritas”.
As constituições escritas são aquelas materializadas em um documento es-
crito a fim de se buscar instrumentalizar e garantir a obediência de suas deter-
minações. Todas as constituições brasileiras são escritas22.
As constituições não escritas não são codificadas e, portanto, não se mate-
rializam de forma específica como constituição. Essas constituições baseiam-
se nos costumes e, por isso, são utilizadas em Estados com consuetudinárias.
Ex.: Constituição Inglesa em que parte das normas são costumeiras23.
No caso das constituições não escritas é importante salientar que nada im-
pede que essas constituições sejam compostas, em parte, por costumes e em
parte por normas escritas. Na Inglaterra, por exemplo, parte da constituição
são os costumes, mas a jurisprudência e as normas basilares que fazem parte
da constituição são escritas.

1.4.3  Quanto ao modo de elaboração

As constituições poderão ser elaboradas de formas diferentes e em momentos


diferentes e esparsos. A constituição nomeada como “dogmática” é aquela ela-
borada em um único período, de uma só vez, sofrendo influências da época e
do momento em que foi elaborada. A constituição “histórica” é elaborada “aos
poucos”, pois surge com o passar do tempo e com a evolução da sociedade24.

20  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.45.
21  BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2006, p. 49.
22  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 98.
23  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 99.
24  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 101.

capítulo 1 • 23
1.4.4  Quanto à extensão

As constituições extensas são classificadas como “prolixas” ou “analíticas”


e são aquelas que, além de versar sobre os conteúdos básicos de uma consti-
tuição, optam por abordar outros assuntos no texto constitucional, e por isso
ficam bastante estendidas. No Brasil, a Constituição da República de 1988 é
extremamente extensa, pois o regime anterior à constituição era ditatorial e
o constituinte entendeu ser mais seguro defender e determinar como seriam
as relações estatais no Estado Democrático, por meio do texto constitucional,
norma suprema do Estado. Essas constituições prolixas tendem a ser menos
estáveis, pois como tratam de assuntos diversos acabam precisando com mais
frequência de uma adaptação legislativa do texto à evolução humana25.
As constituições “concisas” ou “sintéticas” possuem um conteúdo res-
trito ao que é estritamente necessário de ser tratado pela constituição. Ex.: a
Constituição dos Estados Unidos da América é composta de apenas sete artigos
originais e vinte e sete emendas26.

1.4.5  Quanto à finalidade

As constituições podem ser classificadas ao se analisar a finalidade da elabora-


ção do texto constitucional. É nomeada como “constituição garantia” aquela que
pretende garantir os direitos fundamentais frente ao Estado, determinando limi-
tes para a atuação do Estado. A constituição será “dirigente” ou “programática”
quando os seus artigos definirem objetivos para o futuro e para a atuação estatal.
O legislador constituinte “dirige” a atuação futura dos órgãos governamentais.
As constituições dirigentes possuem, portanto, as chamadas “normas programá-
ticas”, que requerem uma atuação futura do governo para serem efetivadas.

1.4.6  Quanto à estabilidade

O nível de estabilidade de uma constituição leva em conta o grau de facilidade


que se encontra para modificar o texto da constituição de um Estado. Entende-
se que a colocação da constituição como norma suprema de um Estado exige
uma proteção especial para que esse texto seja modificado.

25  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 99.
26  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 99.

24 • capítulo 1
São classificadas como “constituições imutáveis” aquelas que não aditem
qualquer tipo de modificação. Esse tipo de constituição não é popular, devido
à dificuldade que ela coloca para a atualização do texto constitucional às novas
demandas sempre trazidas pela evolução da sociedade27.
As “constituições rígidas” são aquelas que admitem a modificação de seus
textos, mas que exigem que a alteração ocorra somente após um processo legis-
lativo mais dificultoso do que o utilizado para a elaboração de leis ordinárias.
As constituições “semi-rígidas” estabelecem um processo legislativo mais
complexo para a modificação da constituição somente para parte de seu texto
constitucional, sendo o restante modificado nos mesmos critérios de modifica-
ção de lei ordinária. Ex.: Constituição Brasileira de 1824. 28
As “constituições flexíveis” são aquelas que permitem a mudança do texto
constitucional, por meio do mesmo processo ordinário de elaboração e modi-
ficações de leis29.
A rigidez constitucional decorre do princípio de supremacia do texto cons-
titucional, que coloca a constituição como norma suprema do Estado. Essa ob-
servação leva à conclusão de que a constituição é a “norma de validade” que
“filtra” todos as leis e atos normativos, para conferir validade a eles, no Estado
constitucional. Além disso, todas as atuações do Executivo e Judiciário também
devem passar pelo crivo da constituição. O Estado deixou de ser somente um
Estado legislativo de Direito, no qual somente as normas e atos normativos
passavam por uma “filtragem constitucional” e se efetivou como um Estado
Democrático e Constitucional de Direito, a partir do momento que se exige a
obediência à constituição também daqueles que aplicam e executam a legisla-
ção no caso concreto (Executivo e Judiciário).
A constituição brasileira de 1988 é classificada como uma constituição rí-
gida pela maioria dos autores, pois possui um processo legislativo dificulta-
do para a modificação do texto constitucional. Entretanto, para Alexandre de
Moraes ela se classifica como um a constituição super rígida, pois além de pos-
suir essa rigidez, possui artigos que são imutáveis, conhecidos como Cláusulas
Pétreas (Art. 60, § 4º, Constituição)30.

27  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 102.
28  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 102.
29  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 102.
30  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 103.

capítulo 1 • 25
1.4.7  Quanto ao conteúdo

A constituição, quanto ao conteúdo, é classificada como ‘material’ ou ‘formal’.


As constituições que possuem apenas conteúdos essencialmente constitucio-
nais são chamadas de ‘materiais’, pois cuidam somente de matérias, assuntos
constitucionais, e reservam à legislação infraconstitucional os outros conteú-
dos. As constituições formais, além do conteúdo material, tratam de assuntos
extras, colocados na constituição por escolha do legislador constituinte, mas
que poderiam estar previstos em outras normas. A constituição da República
de 1988 é uma constituição formal, pois por ser prolixa, além de possuir o con-
teúdo materialmente constitucional também trata de assuntos que poderiam
ser tratados por leis infraconstitucionais31.

1.4.8  Quanto à sistemática

As constituições, em relação à sua sistemática, são classificadas como ‘codifi-


cadas’ quando estão contidas em um só texto, em um só código.
As constituições variadas são as que são compostas por mais de um texto
normativo, sendo formadas por um conjunto de leis32.
Inicialmente, a Constituição de 1988 classifica-se como codificada, mas os
autores estão questionando essa classificação devido à possibilidade de trata-
dos internacionais de direitos humanos poderem ser recepcionados com sta-
tus de emenda constitucional, após a aprovação da Emenda Constitucional 45
de 2004. Nesse sentido, a constituição brasileira não seria somente o código
escrito em 1988, mas englobaria também os tratados internacionais de direitos
humanos ratificados pelo Brasil após referendo do Legislativo com o quórum
de 3/5 em dois turnos.

1.5  Elementos das Constituições


A doutrina encontra 5 (cinco) elementos que fazem parte das constituições. O
primeiro elemento que toda constituição possui recebe o nome de ‘elemento

31  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 100. LENZA, Pedro.
Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 100.
32  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 104.

26 • capítulo 1
orgânico’, que organiza a estrutura do Estado. Ex.: Art. 2o, 18 e 92 da Constitui-
ção da República de 1988.
O segundo elemento é conhecido como ‘elemento limitativo’, que obje-
tiva restringir o exercício do poder do Estado, ao determinar a obrigação do
Estado de respeitar os direitos fundamentais dos indivíduos. Ex.: Art. 5o da
Constituição da República de 1988.33
Há, também, os ‘elementos sócio-ideológicos’, que tratam das diferentes
ideologias previstas no texto constitucional de um Estado. Ex.: Art. 3o e 170 da
Constituição da República de 1988. 34
Em quarto lugar, as constituições possuem também ‘elementos de estabi-
lização constitucional’, que estabelecem formas de se estabilizar a segurança
constitucional em casos de tumulto institucional do Estado. Ex.: Art. 34 (inter-
venção federal), art. 137 (estado de sítio) e art. 136 (estado de defesa)35.
Por fim, os ‘elementos formais de aplicabilidade’ estabelecem regras
e orientam na própria aplicação do texto constitucional. Ex.: preâmbulo
da Constituição, disposições constitucionais transitórias e Art. 5o, §1o da
Constituição36.

1.6  Normas Constitucionais: aplicabilidade e


eficácia

As normas constitucionais, apesar de serem dotadas de obrigatoriedade, po-


dem possuir diferentes graus de eficácia. Assim, as normas constitucionais,
quanto ao grau de eficácia, são classificadas em:

1.6.1  Normas Constitucionais de eficácia plena

As normas constitucionais de eficácia plena têm a possibilidade de produzir


efeitos desde o momento em que são editadas e entram em vigor, pois não de-
pendem de outras normas para serem efetivadas. Elas já são completas e estão
aptas a serem seguidas de imediato.
33  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 110.
34  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 110.
35  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 110.
36  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 111.

capítulo 1 • 27
1.6.2  Normas Constitucionais de eficácia contida

As normas constitucionais de eficácia contida tiveram sua abrangência restrita


após a sua entrada em vigor, pois eram de eficácia plena e foram restritas em
sua aplicabilidade.
As normas de eficácia contida poderão ser restritas:
•  pelo legislador infraconstitucional. (Ex.: art. 5º, VIII; art. 5º, XIII; art. 37, I
da Constituição de 1988);
•  por outras normas constitucionais. (Ex.: arts. 136 a 141 da Constituição
de 1988);
•  por conceitos jurídicos consagrados na doutrina e na jurisprudência.
(Ex.: conceito de ordem pública na aplicação do art. 5º, XXV da Constituição
de 1988).

1.6.3  Normas Constitucionais de eficácia limitada

As normas constitucionais de eficácia limitada são o oposto das normas de efi-


cácia plena, pois, no momento de entrada em vigor do texto constitucional, não
possuem a possibilidade de serem aplicadas, por dependerem de regulação es-
pecífica do legislador ordinário para serem regulamentadas.
José Afonso da Silva divide as normas de eficácia limitada em dois tipos:

Nas quais o legislador constituinte


indica que é necessária a estruturação
posterior do órgão estatal, previsto na
constituição, por atuação do legislador
NORMAS DE PRINCÍPIO ordinário. As normas de princípio institu-
INSTITUTIVO (ORGANIZACIONAIS) tivo podem ser impositivas (obrigatórias)
ou facultativas. Ex.: Art. 33: “a lei disporá
sobre a organização administrativa e
judiciária dos Territórios” (art. 33).

28 • capítulo 1
Tratam de programas institucionais a
serem cumpridos pelo governo em prol
NORMAS DE PRINCÍPIO do interesse social. Ex.: Art. 6o (direito
PROGRAMÁTICO à alimentação, art. 196 (direito à saúde)
etc.

1.7  Hermenêutica das Normas


Constitucionais

‘Hermenêutica’ é uma palavra que vem de ‘Hermes’, o deus grego que era res-
ponsável pela interpretação das palavras dos deuses, traduzindo-as para os ho-
mens. A palavra “hermenêutica” trata de uma tentativa de explicar, traduzir,
a norma jurídica para que seja compreendida e aplicada na sociedade. A her-
menêutica é a ciência da interpretação, e por meio dela interpreta-se melhor e
entende-se quais princípios podem ser utilizados para a compreensão das nor-
mas jurídicas37.
A Hermenêutica Jurídica possui uma subespécie conhecida como
Hermenêutica Constitucional, consagrada pelo ideal do Neoconstitucionalismo.
Pela importância suprema da constituição é importante que ela seja aborda-
da por técnicas de interpretação específicas. Além disso, a constituição é do-
tada de uma série de princípios e normas de caráter político que desafiam a
compreensão e exigem abordagens específicas de interpretação, por meio da
Hermenêutica Constitucional. Conclui-se que interpretar a constituição é dife-
rente de interpretar as leis infraconstitucionais38.
A primeira posição da Hermenêutica Constitucional é o chamado
“Interpretativismo”, que determina que o intérprete se limita pelo texto e pelos
princípios explícitos na constituição39.
37  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 163.
38  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 163.
39  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.120.

capítulo 1 • 29
A segunda abordagem é a do “Não Interpretativismo”, na qual o intérpre-
te vai além da norma e defende a aplicação dos valores constitucionais para a
compreensão da constituição40.
A Hermenêutica Constitucional questiona, também, se o intérprete da
constituição deve buscar interpretar de acordo com a ‘vontade da lei’ (mens le-
gis) ou de acordo com a vontade do legislador (mens legislatoris). Os autores
subjetivistas entendem que deve-se buscar a vontade do legislador. Entretanto,
a doutrina majoritária entende que deve-se buscar interpretar de acordo com a
‘vontade da lei’, a que está no texto, de forma objetiva. Em especial porque a lei
é mais inteligente que o legislador, sendo capaz de se adaptar a situações não
imaginadas pelo legislador41.
É importante tratar sobre os diversos métodos de interpretação constitu-
cional consagrados pela doutrina, em especial pelos ensinamentos de José
Joaquim Gomes Canotilho.
O primeiro método é o Método Hermenêutico Jurídico Clássico (ou méto-
do de Savigny), no qual o intérprete utiliza-se dos métodos tradicionais de inter-
pretação das leis, como o método gramatical ou literal. Outro método utilizado
nessa perspectiva clássica é a interpretação histórica, que verifica a genealogia
da lei, que se preocupa com o momento histórico de criação da lei. O método
lógico utiliza-se de raciocínios lógicos para entender a lei e também faz parte
dessa perspectiva clássica. O método teleológico, que analisa os objetivos pe-
los quais a lei foi criada, também está nesse contexto de método hermenêutico
clássico. Portanto, o método hermenêutico jurídico clássico utiliza-se dos mes-
mos métodos de interpretação das leis para interpretar a constituição42.
Entretanto, existem outros métodos específicos de interpretação, específi-
cos da Hermenêutica Constitucional, que devem ser estudados.
Os principais métodos de interpretação da Hermenêutica Constitucional são:
•  O Método Tópico Problemático, que parte do problema para chegar na
interpretação adequada na norma43.

40  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.120.
41  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.122.
42  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.120.
43  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.120.

30 • capítulo 1
•  O Método Científico Espiritual, que busca o espírito, a vontade da consti-
tuição, para compreendê-la44.
•  O Método Normativo Estruturante, no qual o interprete deve buscar o real
sentido da norma constitucional, que não se confunde com o texto constitucio-
nal. Nos ensinamentos de Friedrich Muller, a constituição pode ser comparada
metaforicamente a um iceberg e o texto constitucional seria apenas a ponta do
iceberg a ser explorado em sua totalidade pela hermenêutica constitucional45.
•  O Método Hermenêutico Concretizador de Konrad Hesse, no qual o in-
térprete parte de uma pré-compreensão da norma para depois fazer um círculo
hermenêutico indo do fato à norma e da norma ao fato quantas vezes for neces-
sário para sua compreensão46.
•  O Método Comparativo, no qual o intérprete compara o texto da consti-
tuição do seu Estado com a constituição de outros Estados47.

Além dos métodos de interpretação constitucional, ao se estudar a


Hermenêutica Constitucional é importante tratar dos princípios que norteiam
a compreensão e interpretação da constituição.
Os princípios fundamentais da Hermenêutica Constitucional são:
•  Princípio da Unidade: Estabelece que quando houver conflito entre nor-
mas constitucionais elas devem se compatibilizar, ou seja, esse conflito não
deve ser solucionado como critérios de medição de qual seria a norma mais
importante. A constituição é um todo harmônico e a interpretação deve levar
essa máxima em consideração48.
•  Princípio da Máxima Efetividade (ou Eficiência): Determina que o intér-
prete deve extrair das normas constitucionais a maior eficácia, eficiência, pos-
sível, mesmo que sejam normas programáticas49.
•  Princípio da Força Normativa da Constituição: Idealizado por Konrad
Hesse e estabelece que a constituição deve durar o máximo possível, evitando-se
44  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.120.
45  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.120.
46  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.120.
47  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.120.
48  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.124.
49  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.124.

capítulo 1 • 31
ao máximo as reformas constitucionais, o que gera uma estabilidade e seguran-
ça jurídica50.
•  Princípio da Concordância Prática (ou Harmonização): Trata do confli-
to de direitos fundamentais, afirmando que eles devem se harmonizar na sua
aplicabilidade51.
•  Princípio da Justeza (ou conformidade funcional): Afirma que o intérpre-
te não pode alterar as competências constitucionais52.
•  Princípios da Integração (força integradora): Nos casos de conflitos de
normas constitucionais, o intérprete deve prestigiar a norma que busca uma
maior integração politica e social do Estado53.
•  Princípio de Presunção de Constitucionalidade das leis: As leis presu-
mem-se constitucionais até que haja prova em contrário54.

Destacam-se dois dos mais importantes princípios que regem a


Hermenêutica Constitucional: Princípio da Razoabilidade e Princípio da
Proporcionalidade. Esses princípios não devem se confundir, pois são distin-
tos. O princípio da razoabilidade tem sua origem nos Estados Unidos, decor-
rendo do devido processo legal substantivo (substantive due process of law).
Segundo a razoabilidade, analisa-se se o ato praticado pelo poder público é ra-
zoável, ou seja, se o ato não é razoável ele não será constitucional. O Princípio da
Proporcionalidade é diferente, tendo sua origem no Tribunal Constitucional
Alemão e trata da verificação da limitação dos direitos fundamentais, por meio
da legislação. O princípio da proporcionalidade utiliza-se de vários critérios
para ser observado, como o da necessidade, adequação e, em especial, o crité-
rio da proporcionalidade em sentido estrito, que coloca na balança dos direitos
constitucionais em conflito.

50  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.124.
51  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.125.
52  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.125.
53  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.125.
54  CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.126.

32 • capítulo 1
EXEMPLO
Caso Concreto: Um dos direitos fundamentais previstos na constituição é o direito de ampla
defesa, conferindo ao réu o direto de estar presente nos atos processuais de seu processo.
Entretanto, a Lei 11.900 de 2009 prevê o interrogatório por vídeo conferência, limitando o
direito de ampla defesa. Pergunta-se: Essa limitação é constitucional? O critério da propor-
cionalidade vai auxiliar na resposta desse questionamento. QUESTIONA-SE: 1) É adequado?
SIM, uma vez que pode evitar fuga de presos perigosos. 2) Há necessidade? SIM, uma vez
que apresenta-se como o meio menos lesivo à ampla defesa. 3) É proporcional essa medida
no sentido estrito? SIM, pois ao se colocar na balança a ampla defesa e a segurança pública,
parece uma medida proporcional.

1.8  Preâmbulo e Ato das Disposições


Constitucionais Transitórias

A constituição brasileira se divide em três partes: o preâmbulo, a sua parte per-


manente e os atos de disposições constitucionais transitórias.

1.8.1  Preâmbulo da Constituição

O preâmbulo é a parte preparatória do texto constitucional, a própria palavra


“preâmbulo” significa introdução. O preâmbulo brasileiro encontra-se, por-
tanto, antes do artigo 1o da Constituição e determina que:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte


para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igual-
dade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e interna-
cional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus,
a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. BRASIL.
Constituição da República federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 1 • 33
Todas as constituições brasileiras até hoje tiveram um preâmbulo, mas ele
não é um elemento obrigatório para a existência das constituições. Há uma tra-
dição no direito brasileiro, mas não é essencial.55
Questiona-se, portanto, se o preâmbulo é considerado como norma consti-
tucional, dotado de força normativa. O Supremo Tribunal federal Federal tem
entendido que o preâmbulo não é norma constitucional, não sendo dotado de
força normativa. Portanto, o preâmbulo não é norma de repetição obrigatória
nas constituições estaduais, ou seja, as constituições estaduais não precisam
ter preâmbulo e, quando optarem por colocá-lo, não têm a obrigação de repro-
duzir os ideais do preâmbulo da constituição da República.56

ATENÇÃO
O Supremo Tribunal Federal manifestou-se, nesse sentido, quando o Acre elaborou sua
constituição estadual, pois na constituição do Acre não havia a previsão da palavra Deus,
diferente dos outros estados federados que copiaram a palavra “deus” da constituição da
república. O partido politico PSL ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pedindo
que o STF afirmasse que essa omissão do Acre era inconstitucional. O STF decidiu a questão
afirmando que como o preâmbulo não é norma da Constituição Federal, ele não é norma de
repetição obrigatória nas constituições estaduais.
Além disso, como o preâmbulo não é norma constitucional, ele não pode ser utilizado
como parâmetro do controle de constitucionalidade. Se alguma lei ou ato normativo ferir o
que está disposto no preâmbulo, não há configuração de inconstitucionalidade.
Questiona-se: a palavra “Deus” colocada no preâmbulo fere a laicidade57 do Estado
brasileiro? NÃO, pois como o preâmbulo não é norma constitucional, ele não é dotado de
obrigatoriedade, é somente uma introdução que representa o momento histórico em que a
constituição foi criada.
Os crucifixos nas repartições públicas ferem a laicidade do Estado brasileiro, uma vez
que representam uma única religião? O Conselho Nacional de Justiça afirma que não há
uma violação da laicidade, pois é uma expressão da cultura brasileira, assim como os feriados
católicos como o Natal, que se mantém.

55  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 203.
56  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 203.
57  Característica do Estado que não possui religião oficial e é chamado de Estado laico.

34 • capítulo 1
1.8.2  Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) estão presentes


no texto da constituição, após a parte permanente, ou seja, após o artigo 250
da constituição. O ADCT inicia-se no artigo 1o, de forma apartada à contagem
de artigos da constituição, mas o ADCT é norma constitucional, diferente do
preâmbulo. O ADCT inclusive já foi objeto de emendas constitucionais, e ser-
ve como norma de validade para conferêencia da constitucionalidade de leis e
atos normativos.58
A principal diferença do ADCT, para a parte permanente do texto constitu-
cional, é o fato de não ter um caráter permanente, ou seja, tem o objetivo de ser
aplicado de forma transitória, por um tempo determinado. As normas consti-
das presentes no ADCT têm o objetivo de regulamentar o período de transição
que se dá do regime jurídico estabelecido pela antiga constituição para o regi-
me jurídico estabelecido pela nova constituição.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva,
2013.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2006.
BRASIL. Constituição da República federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 4277 DF. Relator: Ayres
Brito. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 05 mai. 2011. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635>. Acesso em: 27 set. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 393175/RS. Relator: Celso de Mello.
Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 01 fev. 2006. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/
informativo/documento/informativo414.htm>. Acesso em: 27 set. 2015.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª
tiragem. Coimbra: Almedina, 2003.
HESSE, Conrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Sergio Antônio Fabris Editor, 1991.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
LUHMANN, Niklas. EI derecho de la sociedad. Trad. Javier Nafarrate Torres. México: Universidad
Iberoamericana, 2002.

58  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 205.

capítulo 1 • 35
MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.
NEVES, Marcelo. Constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 265.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015.

36 • capítulo 1
2
Poder Constituinte
38 • capítulo 2
2.1  Conceito

CONCEITO
O poder constituinte é o responsável pela criação, reforma, revisão e mutação das constituições.

No século XVIII, desenvolve-se a ideia de “poder constituinte”, na França,


a partir de uma profunda mudança de mentalidade que marca o fim da Idade
Média e o início da Idade Moderna1.
Há uma gradativa substituição do teocentrismo (doutrina ou crença que
considera Deus como o centro de tudo) pelo antropocentrismo (ideia na qual
se defende que o homem deve estar no centro das ações, da cultura, da história
e da filosofia). Essa mudança de paradigma desenvolve o ideal do “racionalis-
mo”, como decorrência da visão iluminista que traz uma concepção organi-
zacional racionalizada da humanidade. Resumindo, a ideia básica é a de que
não há mais um ser divino que comanda os ideais humanos, mas o próprio ser
humano e sua racionalidade definirão as formas de organização das relações
estatais. Esses ideais levam à criação da “Teoria do Poder Constituinte”, idea-
lizada pelo francês Emmanuel Joseph Sieyès, na obra intitulada “O que é o ter-
ceiro Estado?”2. Na sua publicação, Sieyès questiona o que é o terceiro Estado.
O primeiro Estado seria o clero, o segundo, a nobreza, sendo essas as classes
que exerciam o poder. Entretanto, Sieyès afirma que o terceiro Estado seria o
povo, que também deveria exercer o poder. Ele questiona o papel do povo na
sociedade e afirma que há uma origem popular do poder. O povo se torna o
detentor da capacidade de elaborar um documento legal com características
de superioridade hierárquica legislativa, que ficou intitulado de constituição.
O nome constituição explica muito bem o seu ideal, ou seja, ela cria, viabiliza o
nascimento das regras às regras vigentes no Estado. Sieyès nomeou esse poder
de origem popular e titularidade popular de “poder constituinte”3.

1  BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 62.
2  No Brasil o título do livro foi traduzido como “A Constituinte Burguesa”, mas no original, em francês o título é
“Qu'est-ce que le Tiers État?”, ou seja, “O que é o terceiro Estado?”.
3  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.211-212.

capítulo 2 • 39
Entretanto, o poder constituinte não se confunde com os “poderes”4 cons-
tituídos do Estado, ou seja, com o Executivo, Legislativo e Judiciário. O po-
der constituinte existe a partir da origem popular, sendo um poder de fato.
Ele possibilita a elaboração e modificação da constituição. Por outro lado, na
constituição existirá o estabelecimento dos “poderes” constituídos: Executivo,
Legislativo e Judiciário. O poder constituinte é um só e de titularidade do
povo. As ideias de Sieyès levam à possibilidade de estabelecimento do Estado
Constitucional de Direito, ou seja, o povo, legítimo titular de poder, elaborando
a regra máxima que vai vigorar no Estado5.

O poder constituinte é a energia (ou força) política que se funda em si mesma, a


expressão sublime da vontade de um povo em estabelecer e disciplinar as bases
organizacionais da comunidade política. Autoridade suprema do ordenamento jurídico,
exatamente por ser anterior a qualquer normatização jurídica, o poder é o responsá-
vel pela elaboração da Constituição, esta norma jurídica superior que inicia a ordem
jurídica e lhe confere fundamento de validade. Por ser um poder que constitui todos
os demais e não é por nenhum instituído, é intitulado "constituinte", termo que revela
toda sua potência criadora e faz jus à sua atribuição: a criação de um novo Estado
(sob o aspecto jurídico), a partir da apresentação de um novo documento constitucio-
nal. MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013,
p. 95.

No Brasil, o poder do povo está estipulado no artigo 1o, parágrafo único


da Constituição da República de 1988: “Art. 1o - Parágrafo único. Todo o po-
der emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou dire-
tamente, nos termos desta Constituição”6. Observa-se que no texto do artigo
da constituição a palavra “poder” está no singular porque é somente um po-
der, elementar do Estado. Essa conclusão histórica é fruto do questionamento
da Revolução Francesa contra o Absolutismo, colocando limites à atuação do
Estado, em prol do interesse popular.

4  A Teoria do Estado afirma que o poder é único e indivisível, sendo que na gestão estatal teríamos apenas uma
delegação de exercício de competência para as funções legislativa, executiva e judiciária. Entretanto, utiliza-se a
expressão “poder” utilizada na Constituição da República de 1988.
5  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.211-212.
6  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

40 • capítulo 2
No Brasil, portanto, “todo poder emana do povo”, mas quem é o “povo”?
Segundo a doutrina clássica o povo é constituído por aqueles elencados no arti-
go 12 da Constituição que trata de nacionalidade, ou seja, o povo são os nacio-
nais de um Estado.
No artigo 2o da Constituição7 trata-se dos poderes constituídos, Legislativo,
Executivo e Judiciário, que não são objeto de tratamento no tópico em questão,
pois se diferem do poder constituinte.
O poder constituinte é um poder de fato, pois não existe um regramento
específico e normativo para fins de exercício desse poder. O poder só é exerci-
do quando há, factualmente, a necessidade de se adequar uma nova realidade
social e novos valores com o que está disposto e juridicamente disciplinado na
constituição. Entretanto, a consequência do exercício desse poder será jurídi-
ca, pois se materializará na constituição.
A convocação para o exercício do poder constituinte se dá, via de regra,
por meio da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Observe o
preâmbulo da constituição se referindo a essa hipótese:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte


para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção
de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado,
1988, grifo nosso.

Assim sendo, o povo brasileiro tem o seu poder constituinte reuni-


do na Assembleia Nacional Constituinte, com o objetivo de elaborar uma
nova constituição.

7  “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 2 • 41
2.2  Espécies de poder constituinte
Há uma divisão dicotômica do poder constituinte em: Poder Constituinte Ori-
ginário e Poder Constituinte Derivado. A primeira categoria é chamada de “Po-
der Constituinte Originário”, “Poder Constituinte Inaugural” ou “Poder Cons-
tituinte Genuíno”. A segunda categoria recebe o nome de “Poder Constituinte
Derivado”, “Poder Constituinte Secundário”, “Poder Constituinte de Segundo
Grau” ou “Poder Constituinte Remanescente”.

2.2.1  Poder constituinte originário

O poder constituinte originário é o poder constituinte que tem a capacidade


de criar uma constituição, documento que organiza juridicamente um Estado.
A constituição é um documento jurídico normativo que fará nascer um novo
Estado do ponto de vista jurídico-formal. Ou seja, o exercício desse poder faz
surgir, inaugurar, um novo Estado. O Estado nasce do documento editado pelo
poder constituinte originário8.
A organização da sociedade, realizada pelo poder constituinte originário,
não deriva de uma norma jurídica, mas sim de um fato social que exige a ela-
boração de uma nova constituição. Portanto, a natureza do poder constituinte
originário é fática ou extrajurídica; somente a consequência do exercício desse
poder que é jurídico ou normativo, pois produz uma nova constituição. Na ver-
dade, portanto, o poder constituinte é um poder fático, pois não se baseia no
direito, mas em fatores político, sociais e econômicos9.

O Poder Constituinte originário estabelece a Constituição de um novo Estado, organi-


zando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade.
Tanto haverá Poder Constituinte no surgimento de uma primeira Constituição, quanto
na elaboração de qualquer Constituição posterior. A ideia da existência de um Poder
Constituinte é o suporte lógico de uma Constituição superior ao restante do ordena-
mento jurídico e que, em regra, não poderá ser modificada pelos poderes constituídos.
É, pois, esse Poder Constituinte, distinto, anterior e fonte da autoridade dos poderes
constituídos, com eles não se confundindo. MORAES, Alexandre de. Direito constitu-
cional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.55.

8  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.213.
9  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.214.

42 • capítulo 2
Quando o poder constituinte originário se manifesta surge, portanto, a
constituição. Do ponto de vista jurídico-formal, um novo Estado surge do exer-
cício do poder constituinte originário. O Estado nasce juridicamente do exercí-
cio do poder constituinte originário.
As características desse poder constituinte originário são:

É o ponto de partida do regramento de um Estado, ou seja,


INICIAL inaugura a existência do ordenamento jurídico e o Estado
do ponto de vista jurídico-formal.

Não reconhece nenhuma força superior a si próprio, nem


SOBERANO no âmbito interno ou internacional.

Pode estruturar a constituição como bem entender, de


AUTÔNOMO forma autônoma.

Não se vincula à ordem jurídica anterior, por ser um poder


INCONDICIONADO político e não jurídico. Não se limita por lei.*

ILIMITADO Não encontra limite temático, pode tratar dos temas que
JURIDICAMENTE desejar.*

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo:


Saraiva, 2014, p. 215.

ATENÇÃO
Atualmente há uma forte corrente doutrinária que questiona a característica da doutrina clás-
sica que diz que o poder constituinte originário é totalmente incondicionado. As condições a
que o poder constituinte originário deve se submeter são documentos internacionais, como,
por exemplo, tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil. O Brasil, por exemplo, que
ratificou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não poderá atuar de forma ilimitada
no exercício do poder constituinte originário, suprimindo os direitos humanos que se compro-

capítulo 2 • 43
meteu a obedecer e efetivar. Esse princípio que protege a não violação de direitos humanos
já conquistados pelo povo é consagrado pela doutrina com o nome de “Princípio da Vedação
do Retrocesso”.

2.2.1.1  Espécies de poder constituinte originário

O poder constituinte originário histórico (ou fundacional) será aquele que


cria a primeira constituição do Estado, no caso do Brasil efetivou-se com a ela-
boração da Constituição Imperial de 1824.
Todas as demais constituições serão criadas por meio do poder constituin-
te originário revolucionário, que é o poder que cria uma nova constituição, em
substituição à anterior, gerando uma profunda ruptura com a ordem jurídica
anterior do Estado.

2.2.2  Poder constituinte derivado

O poder constituinte derivado é também chamado de poder constituinte insti-


tuído, secundário, de 2o grau ou remanescente. O poder constituinte derivado
tem esses sinônimos porque tecnicamente ele não é um poder constituinte,
mas um poder constituído, uma vez que no momento da elaboração da cons-
tituição o legislador constituinte irá determinar juridicamente como o poder
constituinte derivado será exercido. Portanto, a própria constituição estabele-
cerá como deverá ser exercido, daquele momento em diante, quando se dese-
jar alterá-la. É exatamente por essa característica que recebe o nome de poder
constituinte “derivado”, pois deriva do exercício do poder constituinte originá-
rio, que traça suas características na constituição10.

2.3  Espécies de poder constituinte derivado


O poder constituinte derivado se divide em três espécies: Decorrente, Reforma-
dor e Revisor. As três espécies de poder constituinte derivado são previstas e
estipuladas pelo próprio texto da constituição, tendo características próprias.
10  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.218-219.

44 • capítulo 2
As características do poder constituinte derivado são:

Sujeita-se a uma ordem jurídica implementada, na consti-


tuição, justamente porque é instituído, juridicamente, pelo
SUBORDINADO poder constituinte originário. É, portanto, um poder jurídico
e não de fato.

A constituição impõe limites para a modificação da cons-


LIMITADO tituição, que são os limites de seu exercício. Ex.: Limitação
de conteúdo (cláusulas pétreas).

Está vinculado a condições para fins de seu exercício. Seu


CONDICIONADO exercício é limitado e possui condições pré-estabelecidas.

Portanto, na edição original da constituição (poder constituinte originário)


não há limites, mas todas as alterações feitas a esse texto serão limitadas no
aspecto formal e material e estarão condicionadas a situações e regramentos
estabelecidos originariamente no texto constitucional.

2.3.1  Poder constituinte derivado revisional

A revisão é ampla e genérica, sendo exceção, pois é via extraordinária de mo-


dificação da constituição. A revisão constitucional se dá por meio de emendas
constitucionais amplas, chamadas de revisionais, que possuem o intuito de
analisar a adaptação do novo texto constitucional à sua aplicação prática, fa-
zendo-se ajustes.
A revisão constitucional está prevista no artigo 3o do ADCT: “Art. 3º. A revi-
são constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação
da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso
Nacional, em sessão unicameral”11. Assim sendo, a revisão só pode ocorrer
5 anos após a edição da constituição (limitação temporal) e em sessão uni-
cameral do Congresso Nacional, sem distinguir Câmara dos Deputados de
Senado Federal. Além disso, o quórum de aprovação da emenda constitucional
11  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 2 • 45
revisional deve se dar pela maioria absoluta dos membros do Congresso
Nacional, ou seja, "mais que a metade" do número total de indivíduos que com-
põe o Congresso Nacional.

2.3.2  Poder constituinte derivado reformador

O poder constituinte derivado reformador estabelece a via ordinária de altera-


ção da constituição, tendo caráter pontual e específico, tratando de temas par-
ticulares do texto constitucional, em obediência aos limites impostos na pró-
pria constituição.
A reforma se faz por meio de ‘emendas constitucionais’. O artigo 60 da cons-
tituição prevê a reforma constitucional, por meio de emendas constitucionais
específicas, o que não se confunde com o exercício do poder constituinte origi-
nário revisor.

ATENÇÃO
Não há limitações de tempo para fins de reforma da constituição, somente para a revisão,
como determinado no item anterior, o prazo de 5 anos. Entretanto, a reforma da constituição
sujeita-se a outras limitações circunstanciais e materiais.

Os limites circunstanciais são aqueles que impedem, diante de situações


sociais excepcionais, a alteração do texto constitucional. O objetivo desses limi-
tes é preservar a integralidade do Estado Democrático de Direito quando esteja
passando por momentos de instabilidade social, que possam impedir a livre
manifestação do poder constituinte derivado. Nesse caso, quando o Estado está
passando por um período de Estado de Legalidade Extraordinária, não pode-
rão ser discutidas e aprovadas emendas constitucionais. As situações que não
permitem a reforma do texto constitucional são: Estado de Defesa (Art. 136),
Estado de Sítio (Art. 137) e Intervenção Federal (Art. 34).
Algumas provas da OAB e de concursos já questionaram se estado de ca-
lamidade pública impede a alteração do texto constitucional. NÃO!!! Estado
de calamidade pública não é circunstância limitadora da reforma prevista
na constituição.
As limitações materiais referem-se a temas (matérias) que a constitui-
ção protege e as coloca como impossíveis de serem restritas ou abolidas pela

46 • capítulo 2
reforma constitucional. O legislador constituinte, em regra, permitiu a altera-
ção da constituição, mas alguns conteúdos afirmou que não podem ser restrin-
gidos ou abolidos da constituição. Esses temas são intitulados pela doutrina de
Cláusulas Pétreas.

ATENÇÃO
Muitos doutrinadores afirmam que as cláusulas pétreas são imutáveis, mas há um erro técni-
co nessa afirmativa, pois há a possibilidade de termos emendas constitucionais sobre temas
de cláusulas pétreas, desde que não se restrinja ou extinga esses direitos, ampliando-os. É
possível, portanto, a existência de emendas para ampliar e melhorar a defesa das cláusu-
las pétreas.

Art. 60 – § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente


a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais. BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Importante chamar atenção para o Art. 60, § 4º, inciso IV, que fala de di-
reitos e garantias individuais e não dos direitos fundamentais, pois a doutrina
majoritária tem entendido que sua interpretação deve ser restrita ao exato texto
constitucional. Exemplo de emenda constitucional que tratou de cláusula pé-
trea, para ampliá-la, foi a emenda 45 de 2004 que incluiu no Art. 5o os parágra-
fos 3o e 4o, tratando de direitos e garantias individuais. Portanto, é permitida
a mudança trazida pelos parágrafos 3o e 4o do Art. 5o da constituição, pois os
direitos e garantias individuais não foram restritos ou abolidos, mas amplia-
dos. Essa conclusão decorre do entendimento de que direitos e garantias fun-
damentais não são taxativos, restritos somente ao que já foi positivado, mas
exemplificativos, pois a evolução das relações humanas faz surgir novos direi-
tos fundamentais a serem protegidos.
Em relação ao inciso II do § 4º, do artigo 60 da constituição, é importante
ressaltar que os aspectos que são cláusulas pétreas do voto são: voto direito (o

capítulo 2 • 47
povo escolhe exatamente a pessoa que vai exercer o cargo), secreto (não há a
obrigação de se revelar o voto), universal (todos podem votar e seu voto tem o
mesmo peso) e periódico (é obrigatória a consulta a cada período de mandato
estipulado na constituição).

ATENÇÃO
O voto obrigatório é cláusula pétrea? Não! É possível uma emenda à constituição para colo-
car o voto como optativo, pois não está previsto na cláusula pétrea.

Entretanto, não são somente as regras do Art. 60, § 4º da constituição que


são cláusulas pétreas, pois a doutrina conclui pela existência das chamadas
cláusulas pétreas implícitas. Essas cláusulas decorrem de um raciocínio lógi-
co. Assim sendo, o próprio artigo 60 é considerado pelo sistema constitucional
como uma cláusula pétrea implícita, pois caso ele fosse alterado por uma emen-
da constitucional, as cláusulas explicitas poderiam ser desrespeitadas. Além do
artigo 60, todos os dispositivos estruturantes e fundamentais do Estado brasi-
leiro são vistos como cláusulas pétreas, em especial o Art. 1o (fundamentos da
República Federativa do Brasil), Art. 3o (objetivos da República Federativa do
Brasil) e Art. 34, VII (princípios constitucionais sensíveis).

2.3.2.1  Poder constituinte derivado reformador: limitações formais

O Poder Constituinte Derivado Reformador possui limitações formais que se


dividem em limitações subjetivas e objetivas.
As limitações formais subjetivas tratam de “quem” pode propor um Projeto
de Emenda Constitucional (PEC). São 3 os legitimados para propor uma ‘PEC’:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:


I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Sena-
do Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, mani-
festando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. BRASIL. Consti-
tuição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988. (Grifo nosso).

48 • capítulo 2
ATENÇÃO
Em relação ao inciso I do artigo 60 exige-se 1/3 da Câmara dos Deputados ou do Senado
Federal. Em provas da OAB se costuma colocar para confundir os alunos!

ATENÇÃO
Em relação ao inciso III do artigo 60 exige-se mais da metade das Assembleias Legislativas
das unidades da Federação, ou seja, maioria absoluta! Hoje seriam 27 unidades federa-
tivas, 26 estados da federação mais o Distrito Federal. No caso, a metade seriam 27 : 2 =
13,5, ou seja, precisa-se de 14 Assembleias Legislativas aprovando para que seja levada a
PEC ao Congresso Nacional. Cada Assembleia Legislativa, internamente, precisa se mani-
festar por maioria relativa de seus membros, ou seja, a maioria dos presentes.

PERGUNTA
É possível se ter iniciativa popular de emenda constitucional? O povo propor PEC?
No artigo 61, §2º, da constituição há previsão da iniciativa popular para a apresentação
de um Projeto de Lei, e essa iniciativa popular tem como requisito a presença de 1% do
eleitorado nacional, distribuído em 5 estados da federação, cada um deles representados
por 3/10% de seus eleitores.12
Há uma grande divergência doutrinaria sobre a questão acima. José Afonso da Silva
entende que SIM, pois a interpretação teria que ser sistemática, e se o povo é o titular do
poder constituinte, permitiria-se a iniciativa popular13. Entretanto, a doutrina majoritária e o
STF entendem que NÃO, pois deve ser tratada de forma restritiva a interpretação do artigo
para a proteção do texto constitucional, sem analogias.

12  “Art. 61, § 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de
lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não
menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”. BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
13  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.196.

capítulo 2 • 49
As limitações formais objetivas tratam das outras condições que a cons-
tituição impõe para permitir a mudança de seu texto, por meio de emendas
constitucionais.
A primeira exigência é que a PEC seja discutida e votada, em cada casa do
Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), e que em cada
uma das duas casas a votação tem que se dar em 2 turnos, ou seja, 4 votações ao
todo. Vota-se 2 vezes na Câmara e, se aprovado, vota-se 2 vezes no Senado. Via
de regra a PEC começa na Câmara dos Deputados, salvo se proposto por 1/3 do
Senado. Ela só será aprovada se obtiver, em ambas as casas, 3/5 dos votos dos
respectivos membros (60%) da maioria absoluta. O quórum é, portanto, maior
que o da aprovação de leis (maioria simples) e da revisão constitucional (maio-
ria absoluta).

PERGUNTA
É possível sanção de emenda à constituição? NÃO!!! A PEC não é submetida à aprovação
do Chefe do Executivo!!! Não há participação do Presidente da República na promulgação
e publicação de PEC, sendo que não existe sanção ou veto de emenda constitucional.
Quem promulga são as mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, órgãos
do Legislativo.

Art. 60, § 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção


federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos
dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputa-
dos e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. BRASIL. Constituição
da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Além disso, a matéria que constar de uma PEC e que foi rejeitada ou pre-
judicada não pode ser reapresentada na mesma sessão legislativa, ou seja, no
mesmo ano, independente do quórum.

50 • capítulo 2
Art. 60, § 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por
prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado,
1988.

RESUMINDO: REVISÃO X REFORMA

EC DE REVISÃO EC DE REFORMA

3/5 em 2 turnos de
QUÓRUM Maioria absoluta todos os deputados e
senadores

SISTEMA DE Congresso Nacional Câmara + Senado (ses-


VOTAÇÃO (sessão unicameral) são bicameral)

LIMITES MATERIAIS,
CIRCUNSTANCIAIS SE APLICAM SE APLICAM
PROCEDIMENTAIS E
IMPLÍCITOS

LIMITE TEMPORAL SIM – 5 ANOS NÃO TEM

2.3.3  Poder constituinte derivado decorrente

O poder constituinte derivado decorrente é o poder outorgado aos entes esta-


duais da federação de editarem as suas próprias constituições. Nas federações
há mais de um poder constituinte, pela existência do poder constituinte decor-
rente. O federalismo brasileiro, por ter características próprias, determina que

capítulo 2 • 51
os entes federativos brasileiros não tenham a mesma liberdade do federalismo
estadunidense. Os estados-membros podem editar suas próprias constitui-
ções, mas o poder constituinte decorrente é limitado a obedecer os ditames e
estar de acordo com a Constituição da República.
O art. 11 do ADCT estabeleceu a existência do poder constituinte derivado
decorrente: “Art. 11. Cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes,
elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulga-
ção da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta”14.
Muitas normas das constituições estaduais são repetições da constituição
federal e, por isso, recebem o nome de “normas de repetição”. Somente as nor-
mas constitucionais, que não são de repetição obrigatória, permitirão ao esta-
do-membro agir de forma autônoma ao elaborar a sua constituição e estabele-
cer um regramento próprio.
Portanto, nos estados existe poder constituinte, que é derivado da própria
constituição e está, portanto, limitado e condicionado ao poder constituin-
te originário.
Há uma polêmica em relação aos municípios, pois no artigo 18 da cons-
tituição eles estão incluídos no rol de entes federativos, sendo que antes de
1988 eram considerados como autarquias: “Art. 18. A organização político
-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos
desta Constituição”15. Diante dessa premissa, questiona-se se os municípios
também possuem poder constituinte decorrente. Entretanto, entende-se que
o município não pode exercer poder constituinte e criar constituições munici-
pais, sendo que há somente uma lei orgânica do município que tem a mesma
funcionalidade de uma constituição municipal, mas tecnicamente não é um
documento constitucional. A Constituição da República de 1988 não conferiu
aos municípios poder constituinte decorrente, somente aos estados. A lei orgâ-
nica do município, portanto, não tem natureza de norma constitucional, não
há poder constituinte decorrente municipal, sendo que se for desobedecida
não se gera uma inconstitucionalidade, apenas uma ilegalidade.
Os temas que são considerados, pela doutrina, como norma de repetição
obrigatória no âmbito estadual são: processo legislativo, CPI, organização do
Tribunal de Contas e eleição do Chefe do Executivo.

14  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
15  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

52 • capítulo 2
REFLEXÃO
Caso Concreto: Em 2002 foi julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2076)
do Partido Social Liberal (PSL), contra a Assembleia Legislativa do Acre, por omissão no
preâmbulo da Constituição daquele estado da expressão "sob a proteção de Deus". Na ação
julgada, o partido alegava ofensa ao preâmbulo da Constituição da República de 1988, que
mantém a expressão. Para o PSL, omissão apenas na Constituição do Acre tornava o estado
"o único no país privado de ficar sob a proteção de Deus". Argumentou-se ainda que, na
Assembleia Nacional Constituinte, a emenda que visava suprimir do texto constitucional a
invocação de Deus foi derrotada na Comissão de Sistematização.

PERGUNTA
Caso você fosse ministro do STF, na época, como julgaria a questão, levando em conside-
ração argumentos mais contundentes que a simples laicidade do estado? O preâmbulo é
norma de repetição obrigatória da constituição?

2.4  Poder constituinte difuso


Na sociedade existem grupos, instituições e pessoas que têm poder de inter-
pretar e aplicar a constituição e, como esse poder está espalhado em toda a so-
ciedade, a doutrina o nomeia como ‘poder constituinte difuso’. Pode-se ques-
tionar o motivo desse poder ser visto e intitulado como um poder constituinte,
mas essas interpretações podem modificar o sentido do texto constitucional na
sociedade, gerando uma mudança nas normas constitucionais.
A sociedade interpreta a constituição de formas distintas a partir de sua
evolução histórica e o poder social ganha o nome doutrinário de poder consti-
tuinte difuso. Há uma alteração informal da constituição, pois o texto não é al-
terado, mas o significado da norma constitucional se modifica provocando-se
o fenômeno da MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL. Há a mudança da interpretação
da constituição, sem se alterar o texto da norma.

capítulo 2 • 53
É importante destacar que a mutação constitucional tem que estar presa às
normas e ao sistema constitucional, sendo impossível a interpretação do tex-
to constitucional de forma arbitrária16. Assim, como se pode falar em mutação
constitucional, pode-se falar também em mutação inconstitucional, que não é
permitida, pois vai contra a própria constituição.

2.5  Poder constituinte supranacional


Segundo essa teoria, o poder constituinte é possível de ser exercido além das
fronteiras territoriais dos Estados nacionais, por meio da união de Estados, em
prol da elaboração de uma constituição comunitária que englobe mais de um Es-
tado. Esse poder constituinte é chamado de ‘poder constituinte supranacional’17.
A intenção é observar direitos com o ideal de universalidade dos direitos
humanos, gerando uma maior interação entre diferentes povos e integração no
âmbito interno e internacional.
A União Europeia tem passado por um processo de constitucionalização
em “bloco”, e apesar de terem sido frustradas as suas tentativas de unificar os
documentos constitucionais dos Estados, o Tratado de Lisboa, que entrou em
vigor em 2009, tem fortes características de integração nacional, conforme de-
fende a teoria do poder constituinte supranacional.

2.6  Nova constituição e a ordem jurídica


anterior

No momento do surgimento de uma nova constituição, a constituição anterior


pode sofrer três possíveis consequências: revogação, desconstitucionalização
ou recepção.
A revogação da constituição é a regra e estabelece a perda de validade do
texto da constituição anterior, de forma tácita.
Na desconstitucionalização, a constituição anterior deixa de ser constitui-
ção e permanece no ordenamento jurídico como norma infraconstitucional,
ou seja, no que estiver de acordo com a nova constituição, continua em vigor,

16  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 73.
17  NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional . São Paulo: Editora Método, 2014, p. 85.

54 • capítulo 2
com um caráter hierárquico ordinário. Essa possibilidade é aplicada na França
e em Portugal. O STF entende que não existe mais no Brasil essa possibilidade,
apesar de já ter existido. Exemplo: O artigo 147 da Constituição do Estado de
São Paulo de 1967 desconstitucionalizou a constituição paulista de 1947.
Na recepção, a norma constitucional anterior continua em vigor, mas man-
tém o seu status hierárquico constitucional, pois é recepcionada no que for ma-
terialmente compatível e nos pontos que a nova constituição determina que a
constituição anterior será mantida. Exemplo: Art. 34 do ADCT que recepcionou
as regras de 1967 do sistema tributário nacional por tempo determinado, ou
seja, 5 meses (vacatio constitutionis)18.

Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do
quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da
Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas
posteriores. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília:
Senado, 1988.

Além das consequências referentes ao texto da antiga constituição, enten-


de-se que a entrada em vigor de uma nova constituição fará com que as normas
infraconstitucionais sofram uma série de consequências jurídicas, uma vez
que entende-se que todas as normas infraconstitucionais devem estar de acor-
do com o novo texto constitucional.
Em regra, no Brasil, a nova constituição opera uma total revogação da cons-
tituição anterior e, nesse sentido, as leis infraconstitucionais, existentes no
Estado, ficam sem base de validade. Na medida em que as leis são utilizadas pe-
los juristas, elas passam, paulatinamente, por uma análise detalhada de ques-
tionamento de sua validade, diante do novo padrão de validade estabelecido
pela nova constituição.
Assim, as normas infraconstitucionais, que não estiverem de acordo com a
nova constituição, serão revogadas, e as que estiverem de acordo serão recep-
cionadas. A recepção e a revogação poderão ser totais, quando se recepciona
toda a lei, ou parciais, quando somente parte da lei mantém sua validade.

18  Vacatio constitutionis: tempo que a nova constituição leva entre a data de sua promulgação e a data oficial em
que passa a vigorar.

capítulo 2 • 55
2.6.1  Teoria da constitucionalidade superveniente

A análise constante da constitucionalidade das normas é uma das prioridades


do Direito Constitucional, pois uma norma que nasce constitucional pode se
tornar inconstitucional em virtude de mudanças formais da constituição ou
por meio da mutação constitucional.
A Teoria da Constitucionalidade Superveniente trata da hipótese contrária,
na qual uma norma que inicialmente seria inconstitucional, mas que não teve
essa inconstitucionalidade afirmada formalmente, possa, após uma emenda
constitucional, tornar-se constitucional posteriormente19.

PERGUNTA
É possível que uma norma que nasceu inconstitucional, mas que não tenha sido declarada
como inconstitucional, possa se tornar constitucional em razão de uma emenda constitucio-
nal que passe a lhe dar validade?
NÃO, uma vez que no Brasil não existe a constitucionalidade superveniente, pois uma norma
que nasceu inconstitucional, mesmo que não declarada, nunca vai poder ser constitucional.
A análise de constitucionalidade é feita no momento do nascimento da norma (princípio da
contemporaneidade) e, portanto, a norma que nasceu inconstitucional, morre inconstitucional.

2.6.2  Teoria da repristinação

A Teoria da Repristinação estabelece a possibilidade de que uma lei que já te-


nha sido revogada volte a ter validade. O ordenamento jurídico brasileiro não
permite a repristinação de forma tácita, apenas quando há uma previsão for-
mal na nova lei20.
O artigo 1o, §3o, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro fala so-
bre o efeito repristinatório: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não
se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”21. Nesse sentido, não há
efeito repristinatório no Brasil, pois pressupõe-se que o efeito repristinatório
seria tácito.
19  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.231-232.
20  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.234.
21  BRASIL. Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (1942). Rio de Janeiro: Senado, 1942.

56 • capítulo 2
A repristinação é diferente e aplicada na forma de exceção. Ela pode ocor-
rer quando uma lei nova expressamente determina que uma lei antiga re-
vogada, ou parte dela, volte a ter validade; ou quando uma lei é declarada in-
constitucional e o STF determina que a lei revogada anteriormente pela lei
recém-inconstitucional volte a ter vigor. A repristinação em regra não é apli-
cada no Brasil, exceto quando a lei ou o STF determinam a volta do vigor da lei
revogada anteriormente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva,
2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (1942). Rio de Janeiro: Senado, 1942.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional . São Paulo: Editora Método, 2014, p. 85.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015.

capítulo 2 • 57
58 • capítulo 2
3
Direitos e
Garantias
Fundamentais
60 • capítulo 3
3.1  Teoria dos direitos fundamentais
O ser humano, para viver em sociedade, utiliza-se de instrumentos de controle
social que o possibilita conviver em grupo, através da limitação das relações
humanas, em prol de uma “paz social”1 . Sem esses mecanismos, as relações
humanas seriam um verdadeiro caos, uma anarquia, sem regras e respeito às
individualidades de cada pessoa. São instrumentos de controle social os valo-
res, a ética, os costumes e o direito.
A organização social, por meio do ideal do Constitucionalismo, determina a
importância de se estipular limites para a atuação do Estado para que a ordem
social não seja mais importante que a proteção dos direitos dos seres humanos,
no Estado Democrático de Direito. A história dos direitos fundamentais está
diretamente ligada à história do Constitucionalismo.
Os direitos fundamentais e os direitos humanos são definidos historicamen-
te pela sociedade de acordo com a evolução do pensamento filosófico, jurídico e
político do homem. Os jusnaturalistas defendem que a proteção dos direitos hu-
manos e fundamentais baseia-se na crença de que os seres humanos devem ter
os seus direitos básicos respeitados pela simples justificativa de serem humanos
e os Estados nacionais devem acatá-los. Entretanto, por mais que se conceba o
ideal universal, aceito pela humanidade, de proteger o ser humano, sabe-se que,
na realidade, os direitos humanos e fundamentais não surgem da natureza, mas
de inúmeras lutas históricas que travaram a longo dos séculos.
Os direitos humanos são aqueles direitos conquistados historicamente pe-
los homens e que são protegidos independente da anuência dos Estados, no
âmbito internacional e de forma universal, ou seja, sem qualquer distinção de
sexo, cor, etnia, raça, classe social, nacionalidade etc. Os direitos fundamen-
tais são os direitos humanos que foram positivados no texto constitucional dos
Estados, com o intuito de limitar o arbítrio do Estado e assegurar aos indiví-
duos a efetividade de sua dignidade humana.
A conceituação dos direitos humanos como direitos inerentes àqueles
que possuem a condição humana os coloca, em muitos países, como direitos
fundamentais da sociedade. O exercício dos direitos humanos, portanto, não

1  Paz Social: Entende-se como “paz social” a possibilidade de viabilização de uma convivência pacífica entre seres
humanos que possuem características distintas, mesmo que o único motivo para a existência desse convívio seja
uma imposição legal. Não há um comprometimento da paz social com a justiça, o que persiste é a preocupação em
viabilizar uma coabitação pacífica de seres humanos, em um mesmo local.

capítulo 3 • 61
dependerá de uma concessão do Estado, já que a condição humana é a causa
determinante para a existência desses direitos.
O papel do Estado será o de consagrar, garantir e viabilizar o exercício dos
direitos humanos, sem distinções de qualquer natureza como de raça, cultura,
etnia e nacionalidade. Os direitos humanos, assegurados pela sociedade inter-
nacional após a constatação histórica da importância de defesa desses direitos,
fruto da Segunda Guerra Mundial, passaram a ser consagrados pela legislação
interna de grande parte dos Estados nacionais em seus textos constitucionais.
Essa decisão da maioria dos países corroborou a necessidade de efetivação e
viabilização desses direitos e os transformou em direitos fundamentais, aque-
les assegurados pelas constituições de grande parte dos países-membros da so-
ciedade internacional, como faz o Brasil.

Os direitos fundamentais cumprem na nossa atual Constituição a função de direitos


dos cidadãos, não só porque constituem – em um primeiro plano, denominado jurídico
objetivo – normas de competência negativa para os poderes públicos, impedindo
essencialmente as ingerências destes na esfera jurídico-individual, mas também
porque – num segundo momento, em um plano jurídico subjetivo – implicam o poder
de exercitar positivamente certos direitos (liberdade positiva), bem como o de exigir
omissões dos poderes públicos, evitando lesões agressivas por parte dos mesmos
(liberdade negativa). MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador:
Juspodivm, 2013, p. 192.

A definição de quais são os direitos fundamentais consagrados no texto


constitucional é o resultado de evoluções e lutas históricas, fato que possibili-
tou a divisão dos direitos de acordo com as épocas em que eles surgiram e suas
características comuns.
Os direitos fundamentais inicialmente são definidos, pela doutrina, de acor-
do com o ideal da Revolução Francesa da ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’.
Esse ideal possibilitou que, na concepção de Norberto Bobbio, eles fossem divi-
didos em três ‘gerações’ de direitos2. O melhor entendimento dessas gerações
de direitos humanos nos faz as chamar de ‘dimensões’, uma vez que a ideia de
gerações nos remete à possibilidade de evolução de direitos e substituição de
um direito de uma geração por outra. Na realidade, cada direito fundamental,
2  BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 11. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.24.

62 • capítulo 3
pertencente a gerações distintas, existirá ao mesmo tempo, sendo, portanto,
mais adequado se utilizar do termo ‘dimensões de direitos humanos’ para
distinguir esses direitos e dar a ideia de evolução da percepção e concessão de
direitos3.

As várias “dimensões dos direitos fundamentais” nada mais são do que novas facetas
de um mesmo direito, o direito à vida, só que em momento histórico diferente. Assim,
a expressão “gerações dos direitos fundamentais” pode nos dar, erroneamente, a ideia
de alternância, de superação, de descarte. Por outro lado, quando se fala em “dimen-
sões”, se resgata a ideia de expansão, de acumulação, de fortalecimento, de nova
visão.
As diversas dimensões dos direitos fundamentais foram construídas como respostas
às grandes violações, injustiças e estado de insegurança da humanidade. As dimen-
sões são resultados de reações às violações dos direitos. SCHNEIDER, Jeferson.
Direitos Humanos e a Reforma do Poder Judiciário. Disponível em: <http://www.
mt.trf1.gov.br/judice/jud3/art1.html>. Acesso em: 19 out. 2009.

A primeira dimensão de direitos fundamentais trata dos direitos indivi-


duais e está ligada ao ideal revolucionário francês da liberdade. Na época do
surgimento desses direitos, defendia-se o Liberalismo Político acima do inte-
resse social, o que possibilitou a criação de direitos que pressupunham uma
igualdade formal, perante a lei, e consideravam o indivíduo de forma abstrata.
A primeira dimensão de direitos fundamentais irá, portanto, determinar direi-
tos individuais específicos para limitar a ação do Estado diante do indivíduo, já
que eles criam uma obrigação negativa do Estado perante os membros de sua
população. O governo terá, deste modo, a obrigação de não agir e não interferir
na vida pessoal do homem, além de possibilitar que ele consiga exercer o seu
livre arbítrio diante de suas escolhas pessoais. A lei determinará que todos os
indivíduos são iguais e lhes dará a liberdade de agir sem a interferência estatal.
Os principais textos constitucionais que defendem essa ideologia de defesa
dos direitos individuais de forma liberal são: Magna Carta de João sem terra de
1215, Tratados de Westfália de 1648, Habeas Corpus Act de 1679. Bill of Rights
1688, Declaração Americana de 1776 e a Declaração Francesa de 17894.

3  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1056
4  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1056

capítulo 3 • 63
Segundo Gilmar Mendes:

Constituem postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não


fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo. São conside-
rados indispensáveis a todos os homens, ostentando, pois, pretensão universalista.
Referem-se a liberdades individuais, como a de consciência, de culto, à inviolabilidade
de domicílio, à liberdade de culto e de reunião. São direitos em que não desponta a
preocupação com desigualdades sociais. O paradigma de titular desses direitos é
o homem individualmente considerado. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Constitucional. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 2010, p. 61.

A primeira dimensão está ligada aos direitos individuais do homem. São


eles: direito à vida, integridade física, liberdade (individual, de iniciativa e con-
corrência, de pensamento e de consciência filosófica e política), propriedade
privada, vida privada, intimidade e inviolabilidade de domicílio, sigilo de cor-
respondência, sigilo bancário, dentre outros.

A primeira geração dos direitos fundamentais surgiu com as revoluções burguesas


dos séculos XVII e XVIII. Esses direitos assentam-se no liberalismo clássico, encon-
trando, pois, inspiração no iluminismo racionalista, base do pensamento ocidental
entre os séculos XVI e XIX. São também chamados de direitos individuais ou direitos
de liberdade e têm por destinatários os indivíduos isoladamente considerados e são
oponíveis ao Estado. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. As três dimensões dos direitos
humanos e o novo conceito de cidadania. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da
13ª Região, João Pessoa, v. 12, n. 9, p. 104-108, 2004.

A segunda dimensão de direitos fundamentais é marcada pelo questiona-


mento das bases do Estado Liberal e da igualdade formal, aquela apenas de-
terminada no texto da lei. A necessidade de viabilidade desses direitos impõe
ao Estado uma obrigação de atuar em prol da satisfação das carências da cole-
tividade. Há, consequentemente, o surgimento dos direitos sociais, culturais,
econômicos e coletivos. Os indivíduos deixam de ser vistos dentro do contexto
da igualdade formal e a igualdade assume uma perspectiva material (real), ou

64 • capítulo 3
seja, percebe-se a existência de fatores que podem vir a criar desigualdades en-
tre os homens e a lei busca igualá-los através de tratamentos diferenciados para
indivíduos diferentes5.

O surgimento dessa segunda dimensão de direitos é decorrência do crescimento


demográfico, da forte industrialização da sociedade e, especialmente, do agravamento
das disparidades sociais que marcaram a virada do século XIX para o século XX. Rei-
vindicações populares começam a florescer, exigindo um papel mais ativo do Estado
na correção das fissuras sociais e disparidades econômicas, em suma, na realização
da justiça social – o que justifica a intitulação desses direitos como "direitos sociais",
não por envolverem direitos de coletividades propriamente, mas por tratarem de direi-
tos que visam alcançar a justiça social. MASSON, Nathalia. Manual de direito constitu-
cional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 194.

Os direitos sociais e coletivos terão o intuito de defender direitos das co-


letividades que possuem características específicas que precisam de normas
particulares para atingirem uma igualdade real nas relações sociais. Um exem-
plo é o caso das pessoas portadoras de necessidades especiais que precisam de
normas que viabilizem o seu acesso físico a prédios públicos e privados, crian-
do uma igualdade de acesso para todos os indivíduos. Aqueles que possuem
uma limitação física terão condições iguais após a construção de rampas, por
exemplo, para o acesso de cadeiras de roda. Somente através dessas normas se
alcançará a igualdade real.
José Afonso da Silva justifica a necessidade de uma igualdade material ao
afirmar que "porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou
material que busque realizar a igualização das condições desiguais"6.
Canotilho também defende a igualdade material ao afirmar que há igualda-
de "quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente (proibição
do arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras: o princípio da igual-
dade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária"7.
Os direitos de segunda dimensão buscam efetivar a igualdade através da tenta-
tiva de suprir essas desigualdades para viabilizar a igualdade real.

5  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.214.
6  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.212.
7  CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1995.

capítulo 3 • 65
Os principais instrumentos que protegem essa ideologia são: Constituição
do México de 1917, Constituição de Weimar de 1919, Tratado de Versalhes de
1919 e Constituição Brasileira de 1934. 8
A terceira dimensão de direitos surge após a Segunda Guerra Mundial com
a necessidade de uma proteção efetiva da pessoa humana, da expansão dos di-
reitos já existentes e do nascimento de novos direitos.
Esses novos direitos estão ligados ao terceiro ideal da Revolução Francesa:
a fraternidade. Eles pertencem a todos os indivíduos, mas sua realização e seu
exercício extrapolam a esfera individual e as fronteiras dos Estados. Esses di-
reitos não defenderão a igualdade entre coletividades distintas, mas direitos
suficientemente importantes para toda a sociedade tanto no âmbito nacional
como no internacional. A liberdade de ação da primeira dimensão de direitos
fundamentais persiste, entretanto, na terceira dimensão alguns direitos serão
criados para conceder o mínimo de dignidade ao homem universal.

Os direitos fundamentais de terceira geração, também chamados de direitos de


fraternidade ou de solidariedade, aparecem com a conscientização de que o mundo é
dividido em nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase de desenvolvimen-
to. Decorrem, pois, da reflexão acerca de temas referentes ao desenvolvimento, à paz,
ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.
Dotados de altíssima dose de humanismo e universalidade, os direitos de terceira
geração não se destinam especificamente à proteção de um indivíduo, de um grupo
de pessoas ou de um determinado Estado, pois os seus titulares são, via de regra,
indeterminados. A rigor, seu destinatário, por excelência, é o próprio gênero humano,
num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos existen-
ciais. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. As três dimensões dos direitos humanos e o
novo conceito de cidadania. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região,
João Pessoa, v. 12, n. 9, p. 104-108, 2004.

O direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente sadio, à propriedade


sobre o patrimônio comum da humanidade e à conservação do patrimônio cul-
tural e o direito à comunicação são exemplos de direitos de terceira dimensão9.

8  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1057.
9  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.

66 • capítulo 3
Norberto Bobbio divide os direitos somente até à terceira dimensão, en-
tretanto, outros autores falam em mais dimensões de direitos fundamentais,
como a quarta dimensão que cuida dos direitos que seriam oriundos da glo-
balização das relações sociais e do desenvolvimento biotecnológico responsá-
vel, sendo seus principais exemplos: direito à democracia, à informação e ao
pluralismo10.

3.2  Direitos e garantias fundamentais


A distinção dos direitos e garantias fundamentais é importante para se com-
preender o papel de cada um desses institutos no Estado Democrático de Direi-
to. Rui Barbosa foi o primeiro no Brasil a distinguir os dois institutos11.
Os direitos fundamentais são normas de conteúdo declaratório, pois diz
quais são os direitos que os indivíduos têm. Por outro lado, as garantias funda-
mentais são normas de conteúdo assecuratório, pois asseguram o exercício dos
direitos fundamentais na sociedade. Os chamados de ‘remédios constitucio-
nais’ são as garantias fundamentais previstas no artigo 5o que visam a proteção
de direitos fundamentais, sendo eles o habeas corpus, habeas data, mandado
de segurança, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e ação po-
pular, que serão abordados em momento oportuno12.

EXEMPLO
O direito fundamental de liberdade de locomoção está previsto na Constituição da República
de 1988, no artigo 5o, inciso XV: “XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo
de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
com seus bens”13. Esse direito é declarado no artigo 5o, inciso XV, como supracitado, mas
é assegurado pela garantia constitucional do habeas corpus, que permite que aquele que
tenha o seu direito de liberdade de locomoção violado possa recorrer ao judiciário por meio
dessa ação constitucional.
Os direitos fundamentais são encontrados na constituição da República em inúmeros
artigos. No artigo 5o da constituição são elencados os direitos individuais e coletivos, sendo
10  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.
11  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.
12  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.
13  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 3 • 67
um dos mais importantes artigos da constituição. Os direitos sociais estão previstos no artigo
6o ao artigo 11 da constituição. Na sequência prevê-se o direito de nacionalidade, no artigo
12. Por fim, estão previstos os direitos políticos, previstos nos artigos 14 e 15. Além desses
artigos, em toda a constituição percebe-se a presença dos direitos e garantias fundamentais.
Além do texto constitucional, os direitos e garantias fundamentais estão previstos nos
tratados internacionais, em especial nos que tratam sobre direitos humanos.
Pergunta: Os tratados internacionais teriam força normativa no Brasil para configurarem
como normas assecuratórias de direitos humanos?
Sim! É importante entender que historicamente os tratados ratificados14 pelo Brasil têm
força de lei ordinária, sendo até a emenda constitucional 45 de 2004 essa a regra. Entretan-
to, hoje, se o tratado internacional versa sobre direitos humanos e é aprovado pelo Congres-
so Nacional, com o mesmo procedimento legislativo de aprovação da emenda constitucional
(3/5 dos votos, em dois turnos, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal) ele terá
status, ou seja, hierarquia de emenda constitucional. Entretanto, segundo decisão do STF, se
o tratado de direitos humanos não for aprovado com a hierarquia de emenda constitucional,
terá hierarquia supralegal, ou seja, acima da lei e abaixo da constituição.

Portanto, conhecer os tratados internacionais de direitos humanos ratifica-


dos pelo Brasil é extremamente importante, pois é também conhecer os direi-
tos fundamentais que não constam no texto da constituição.

3.2.1  Características dos direitos fundamentais

A primeira característica dos direitos fundamentais é que são universais, ou


seja, aplicam-se a todos, sem qualquer preconceito de gênero, classe social, et-
nia, nível de instrução intelectual, raça, origem, nacionalidade etc.
Os direitos fundamentais são também dotados de historicidade, ou seja,
são históricos, pois são fruto da evolução da história humana. Eles vão se de-
senvolvendo com a evolução histórica humana.
Os direitos fundamentais são também concorrentes, pois são exercidos si-
multaneamente. Ao mesmo tempo mais de um direito fundamental é aplicado.

14  A ratificação é o ato internacional pelo qual “um Estado estabelece no plano internacional o seu consentimento
em obrigar-se por um tratado”. (BRASIL, Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Brasília:
Senado Federal, 2009.

68 • capítulo 3
EXEMPLO
Imagine que um indivíduo esteja assistindo um repórter na televisão dando a sua opinião.
Nesse caso, o telespectador está exercendo seu direito fundamental de informação e o
repórter seu direito fundamental de opinião, de forma concomitante.
Os direitos fundamentais são relativos, pois não podem ser aplicados sempre de forma
absoluta, ou seja, sempre existem exceções aos direitos fundamentais, por mais importantes
que sejam.

EXEMPLO
O direito à vida é um dos direitos fundamentais mais importantes, entretanto, mesmo assim
existem exceções para a sua proteção. No direito brasileiro o direito à vida sofre exceção, por
exemplo, nos casos de guerra declarada, quando a constituição permite a pena de morte.15
Os direitos fundamentais são também irrenunciáveis, inalienáveis, pois ninguém pode
abrir mão de seus direitos ou aliená-los com objetivos financeiros; apesar de poder não exer-
cê-los se desejar. São também imprescritíveis, pois não possuem tempo de validade, não
há intervalo temporal que possa invalidá-los.

3.2.2  Eficácia dos direitos fundamentais

A primeira forma de eficácia dos direitos fundamentais é a eficácia vertical, ou


seja, a defesa dos direitos fundamentais é um dever do Estado e um direito das
pessoas. Há uma relação de verticalidade, pois o Estado é um devedor e os indi-
víduos são os credores dos direitos.

EXEMPLO
O direito à vida é garantido pela constituição e as pessoas possuem esse direito, por outro
lado, o Estado tem o dever de não interferir na vida humana e de resguardá-la para que
seja efetivada.
15  “Art. 5o,XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”. (BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988).

capítulo 3 • 69
Além da eficácia vertical, os direitos fundamentais possuem uma eficácia horizontal, ou
seja, os direitos fundamentais são também aplicados nas relações entre os particulares. O
STF já decidiu nesse sentido, sendo um direito e uma obrigação dos particulares o respeito
aos direitos fundamentais.

EXEMPLO
O STF julgou um caso em que uma pessoa foi excluída de uma associação e disse que, nes-
se caso, deve ser respeitado entre os particulares o direito à ampla defesa do excluído, não
bastando somente a vontade expressada pelos outros associados.

3.2.3  Destinatários dos direitos fundamentais

No artigo 5o, caput, encontra-se expressamente quem são os destinatário dos


direitos fundamentais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à li-
berdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... BRASIL. Cons-
tituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988, grifo nosso.

Importante salientar que os destinatários previstos são aqueles que fazem


parte da população brasileira, ou seja, brasileiros e estrangeiros residentes no
Brasil. Entretanto, questiona-se se os que não estão abrangidos no artigo 5o,
caput, também poderiam invocar direitos fundamentais, como os estrangeiros
não residentes no Brasil e as pessoas jurídicas.
A ideia do constituinte é a de que se deveria outorgar direitos fundamen-
tais aos que estão vinculados ao seu território, portanto a previsão a nacionais
e estrangeiros residentes. Entretanto, ao tentar aumentar a abrangência, o le-
gislador constituinte acabou restringindo, pois o Brasil não pode consagrar
direitos ao estrangeiro que está residindo em outro Estado, por uma questão
de respeito à soberania do outro Estado. Contudo, em relação aos estrangeiros

70 • capítulo 3
não residentes que estejam de passagem no Brasil, o STF decidiu que esses es-
trangeiros podem gozar de seus direitos e garantias fundamentais. O ideal seria
que a previsão constitucional fosse relativa aos “estrangeiros em território na-
cional” e é essa a interpretação dada pelo STF.

É certo que o caput do art. 5° da CF/88 somente referencia, de modo expresso, os


brasileiros – natos ou naturalizados – e os estrangeiros residentes no país enquan-
to titulares dos direitos fundamentais. Nada obstante, a doutrina mais recente e a
Suprema Corte têm realizado interpretação do dispositivo na qual o fator meramente
circunstancial da nacionalidade não excepciona o respeito devido à dignidade de to-
dos os homens, de forma que os estrangeiros não residentes no país, assim como os
apátridas, devam ser considerados destinatários dos direitos fundamentais. MASSON,
Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 201.

Em relação às pessoas jurídicas o STF entende que toda a proteção é aplica-


da dentro dos limites possíveis para a natureza da pessoa jurídica. Em resumo,
são destinatários de direitos fundamentais todas as pessoas físicas e jurídicas,
nacionais ou estrangeiras, desde que estejam dentro do território nacional.

3.2.4  Aplicação e aplicabilidade dos direitos fundamentais

A aplicação dos direitos fundamentais está prevista no artigo 5o,§1º, da consti-


tuição, sendo imediata: “Art. 5o,§ 1º - As normas definidoras dos direitos e ga-
rantias fundamentais têm aplicação imediata”16 . A aplicação imediata significa
que os direitos e garantias fundamentais são dotados de meios e instrumento
que efetivam a sua aplicação, mesmo que não estejam ainda devidamente regu-
lados (ex.: mandado de injunção).

Em conformidade com o teor do art. 5°, § 1°, CF/88, as normas definidoras


dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, o que retrata a preo-
cupação dos modernos sistemas constitucionais em evitar que as posições firmadas
como essenciais para a identidade da Constituição não passem de retórica, ou então
que sejam dependentes da atuação legislativa para que tenham eficácia.

16  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 3 • 71
Procurou-se, com isso, superar a concepção de Estado de Direito formal, no qual os
direitos fundamentais apenas ganham expressão quando regulados por lei. MASSON,
Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 203.

Entretanto, a aplicabilidade não se confunde com a aplicação, pois a aplica-


bilidade dependerá de uma análise da eficácia das normas e não de sua obriga-
toriedade. As normas de eficácia plena e contida possuem aplicabilidade ime-
diata. Todavia, as normas de eficácia limitada têm eficácia mediata, ou seja,
dependem de instrumentos que viabilizem o exercício desses direitos.
Existem, assim, direitos fundamentais de eficácia imediata, pois têm aplicabili-
dade imediata por serem normas de eficácia plena ou limitada, sendo geralmente
direitos individuais. Os direitos fundamentais de eficácia limitada terão aplicabili-
dade mediata e são, na sua maioria, direitos sociais, econômicos e culturais.

3.3  Direitos e deveres individuais e coletivos


– art. 5o

O título II da constituição consagra os direitos e garantias fundamentais como


instrumentos de proteção do indivíduo frente à atuação do Estado. São os di-
reitos que garantem o mínimo necessário para que o indivíduo exista de forma
digna dentro de um Estado.
O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no artigo 3o, in-
ciso III, da constituição de 1988, quando se discorre sobre os fundamentos da
República Federativa do Brasil. O princípio da dignidade da pessoa humana,
portanto, além de ser um alicerce do Estado brasileiro, é trazido como parâme-
tro para fins de consagração dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais não estão previstos de forma exaustiva no texto
constitucional, tanto que o artigo 5o da constituição, prevê: “Art. 5o,§ 2º - Os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorren-
tes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte”17. Assim sendo, o rol de
direitos e garantias fundamentais expressos na constituição não exclue outros
17  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

72 • capítulo 3
direitos da mesma natureza, que tenham o mesmo propósito de proteção do
indivíduo diante do Estado para garantir sua dignidade humana. Conclui-se
que os direitos e garantias fundamentais previstos na constituição são um rol
somente exemplificativo (rol numerus apertus) e não taxativo.
O caput do artigo 5o da constituição expressa os direitos que intenciona resguar-
dar em seus incisos, quais sejam: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

3.3.1  Direito à vida

O direito à vida, previsto no artigo 5o, deve ser analisado em conjugação com o
artigo 1o, inciso III, que trata da dignidade da pessoa humana. O direito à vida
prevê o direito de não ser morto e de se ter uma vida digna nos termos constitu-
cionais. Assim como todos os direitos constitucionais, o direito à vida também
é relativo, pois limita-se por outros direitos. Os direitos convivem e um direito
sofre limitação dos outros (princípio da convivência das liberdades públicas). A
relativização do direito à vida é feita no artigo 5o, inciso XLVII, quando a consti-
tuição autoriza a pena de morte no caso de guerra declarada18.
Outros desdobramentos da relativização do direito à vida:
•  O primeiro caso é o da pesquisa com células-tronco, discutida na Ação
Direta de Inconstitucionalidade 3510, que questionava a constitucionalida-
de do artigo 5o da Lei de Biossegurança (Lei 11.105 de 2005) que autorizava a
pesquisa com células-tronco embrionárias fruto da reprodução assistida (em-
briões excedentários), desde que congelados por no mínimo três anos e obtida
autorização dos donos do material genético. Questionou-se se essa pesquisa
violaria o direito à vida. O STF entendeu que não, desde que obedecidas as de-
terminações legais. A ideia é a de que já que o embrião pode ser descartado, não
haveria dano utilizá-lo para pesquisa científica de suas células-tronco.
18  “Art. 5o,XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”. (BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988).

capítulo 3 • 73
•  O segundo caso é o dos fetos anencefálicos, no qual o STF decidiu, na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 de 2012, que o abor-
to de anencefálico não tipifica a conduta penal quando se realiza a interrupção
da gravidez. Permite-se que a gestante decida sobre a interrupção da gravidez,
não podendo se caracterizar a conduta como um aborto.

3.3.2  Direito à igualdade

O segundo direito que está previsto no artigo 5o, caput, combinado com o artigo 5o,
inciso I, é o direito à igualdade. O caput afirma a igualdade formal, perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, e o inciso I afirma que “homens e mulheres
são iguais em direitos e obrigações”19. Questão interessante e polêmica, debatida
na atualidade, fala da não necessidade de distinguir homens e mulheres, com o tra-
tamento de todos os indivíduos como pessoas que poderiam denominar-se como
se sentirem mais confortáveis, independente de suas características físicas.
A igualdade pode ser vista sob dois aspectos: a igualdade formal e a igual-
dade material. A igualdade formal é aquela perante a lei, que estabelece que a
norma jurídica não pode estabelecer tratamento desigual, sem uma justificati-
va efetiva. Isso porque adota-se o conceito de igualdade descrito por Aristóteles
que afirma que: “Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os de-
siguais, na medida de sua desigualdade.” A afirmativa de Aristóteles parte da
observação de que se tratarmos pessoas desiguais de forma igual não se obtém
igualdade, mas sim mais desigualdade.

EXEMPLO
Afirmar que todos têm o direito de ir e vir de fora igual, sem dar condições para os deficientes
físicos se locomoverem de acordo com suas necessidades. A consagração da igualdade só
se dará com o tratamento diferenciado para as necessidades específicas.

A igualdade formal é, portanto, voltada para o Estado e é determinada na


lei. O Estado não poderá, portanto, consagrar na lei desigualdades ou situações
que gerem tratamentos iguais a desiguais.

19  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

74 • capítulo 3
Entretanto, na prática, isso não ocorre de verdade e é por isso que há o enfo-
que da igualdade material, real. Todas as medidas que buscam a efetiva igualda-
de dos indivíduos no Estado são medidas que consagram a igualdade material.
São as atuações que o Estado deve realizar para efetivar a igualdade entre as pes-
soas. Desse conceito surgem as chamadas ‘ações afirmativas’ ou ‘descriminações
positivas’. As ações afirmativas são todas as medidas realizadas pelo Estado que
tratam de forma desigual para fins de consagrar a igualdade na prática.

EXEMPLO
Cotas raciais, PROUNI e Lei Maria da Penha.

ATENÇÃO
É importante se analisar o princípio da igualdade nos concursos públicos. O STF admite limi-
tações nos editais dos concursos públicos em relação ao sexo, idade, altura, dentre outros.
A condição será a exigência de uma previsão legal do tratamento diferenciado e a distinção
tem que decorrer do exercício da função ou cargo.

3.3.3  Princípio da legalidade

O princípio da legalidade está previsto no artigo 5o da Constituição que afirma:


“Art. 5o, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se-
não em virtude de lei”20. Portanto, o Estado não pode obrigar ninguém a fazer ou
deixar de fazer algo se não estiver previamente documentado em um dispositivo
elaborado pelos representantes do povo (lei). A ideia é a de que os membros da
sociedade autorizaram essa limitação em prol da viabilidade do convívio social.
É importante entender que o princípio da legalidade dos particulares do artigo 5o
não se confunde com a legalidade do artigo 37, caput, da constituição que trata
da legalidade do administrador público. O artigo 37 estabelece que o adminis-
trador só pode agir ou realizar um ato se houver previsão expressa em lei, pois o
administrado público não tem margem de escolha, só pode agir de acordo com
20  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 3 • 75
o dispositivo legal. Em resumo: o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não
proibir e o administrador público só pode fazer o que a lei determina.

3.3.4  Vedação da prática de tortura e ao tratamento desumano ou


degradante

O artigo 5o, inciso III, afirma que “Art. 5o, III – ninguém será submetido a tortu-
ra nem a tratamento desumano ou degradante”21 . Assim não se permite a uti-
lização da tortura ou qualquer tratamento desumano violador da dignidade da
pessoa humana. Essa colocação do impedimento da tortura, logo no início do
artigo 5o, é uma herança histórica da ditadura militar brasileira. O inciso XLIII
do artigo 5o também estabelece que:

Art. 5o, XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anis-
tia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo
e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os exe-
cutores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Cuidado, o dispositivo acima afirma que os crimes de tráfico ilícito de en-


torpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes hediondos não são sus-
cetíveis de fiança ou graça ou anistia. Entretanto, eles não se confundem com
os crimes que são chamados de imprescritíveis e inafiançáveis, sendo eles o
racismo e a ação de grupos armados contra o Estado Democrático de Direito.
Importante citar também a súmula vinculante 11:

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga


ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros,
justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar,
civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual
a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. SUPREMO TRIBU-
NAL FEDERAL. Súmula Vinculante 11. Brasília, 2008.

21  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

76 • capítulo 3
Portanto, a súmula vinculante 11 estabelece limites também à atuação do
Estado no uso de algemas, em prol da dignidade da pessoa humana.

3.3.5  Direito à liberdade de manifestação de pensamento

Outro direito fundamental importante é a liberdade de manifestação de pensa-


mento, previsto no artigo 5o, incisos IV e V da constituição.

ART, 5O, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;


V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem; BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

A liberdade de manifestação de pensamento não é absoluta, pois nenhum


direito é absoluto. Ter um direito é respeitar os deveres. Todos têm direito de
manifestar seu pensamento, entretanto, não se pode desrespeitar o direito
alheio nessa manifestação. É importante esse cuidado em todas as manifesta-
ções, sejam elas orais, escritas ou virtuais. O anonimato é vedado, para que se
possa exigir do manifestante o ressarcimento do dano realizado por outrem,
assegurando o direito de resposta.

3.3.6  Direito à liberdade de credo

A liberdade de consciência, crença e culto está assegurada nos incisos VI a VIII


do artigo 5o da constituição:

Art. 5o, VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o


livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais
de culto e às suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entida-
des civis e militares de internação coletiva;

capítulo 3 • 77
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. BRASIL. Constitui-
ção da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

A constituição, ao proteger a liberdade de crença no inciso VI do artigo 5o


está assegurando também a liberdade de não crença, ou seja, o ateu ou agnósti-
co têm o direito de pensarem dessa forma. A liberdade de crença está assegura
a todas as religiões, desde que as práticas religiosas respeitem um mínimo so-
cial. Por exemplo, uma religião que pratique rituais de sacrifício ou tortura de
seres humanos não seria aceitável e constitucionalmente protegida. Essa pro-
teção se estende aos locais de culto e suas liturgias.
O inciso VII do artigo 5o fala da assistência religiosa em entidades civis e
militares de internação coletiva, como, por exemplo, presídios. Esse dispositivo
permite a presença, nas instituições de internação coletiva, de pastores, padres
e praticantes religiosos que levam aos presos o acesso à religião.
A escusa de consciência está prevista no inciso VIII do artigo 5o da constitui-
ção que defende a ideia de que ninguém poderá ser privado de direitos pelo que
crê no aspecto religioso, filosófico ou político. A única exceção está nos casos
em que se utiliza dessa convicção para não cumprir uma obrigação que todos
devem cumprir e não se aceita cumprir prestação alternativa.
Existem alguns casos importantes de serem abordados para se entender a
laicidade do Estado brasileiro:

Não há violação do Estado laico, pois o


preâmbulo não tem caráter de norma
constitucional, funcionando apenas
MENÇÃO DE DEUS NO como vetor interpretativo às normas
PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO constitucionais e representa um
sentimento histórico do momento de
elaboração da constituição.

78 • capítulo 3
“ART. 210, § 1º O ENSINO
RELIGIOSO, DE MATRÍCULA O artigo afirma que, nas escolas
FACULTATIVA, CONSTITUIRÁ públicas, a matrícula é facultativa no
DISCIPLINA DOS HORÁRIOS ensino religioso, para que se garanta o
NORMAIS DAS ESCOLAS pluralismo religioso.
PÚBLICAS DE ENSINO
FUNDAMENTAL”.

O Conselho Nacional de Justiça decidiu


CRUCIFIXOS NAS REPARTIÇÕES que é permitido, por se tratar de um
PÚBLICAS símbolo cultural e histórico e não neces-
sariamente religioso.

3.3.7  Direito à liberdade intelectual, artística, científica e de


comunicação

O artigo 5o, inciso IX da constituição, assegura o direito de liberdade intelec-


tual, artística, científica ou de comunicação: “Art. 5o, IX – é livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemen-
te de censura ou licença”22. O que se vê como indicação de idade para progra-
mas televisivos não é censura, apenas indicação etária para a programação para
que os pais possam identificar conteúdos que julgam impróprios para seus fi-
lhos. A liberdade é total, em qualquer tipo de comunicação, entretanto o direito
também é relativo, pois não podem violar os outros direitos fundamentais.
Exemplos de aplicação dessa liberdade estão na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no 130 de 2009, que enten-
deu que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela constituição, e na Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4451 de 2010, que julgou constitucional
a Lei Eleitoral sobre o humor, que vedava a atividade humorística com políticos
que estivessem em processo eleitoral.

22  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 3 • 79
3.3.8  Direito à inviolabilidade domiciliar

O artigo 5o, inciso XI, trata da inviolabilidade domiciliar: “Art. 5o, XI – a casa é
asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consenti-
mento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para pres-
tar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”23.
Esse dispositivo afirma que a ‘casa’ é asilo inviolável, mas ‘casa’ é interpre-
tada de forma extensiva pela jurisprudência, entendendo-se que se refere a
qualquer local onde se exerça suas atividades particulares, como, por exemplo,
escritório, quarto de hotel, consultório, apartamento etc.
A regra é que ninguém pode entrar na casa de outrem sem sua autorização,
tendo como exceções, a qualquer hora e sem autorização judicial, os casos de
flagrante delito, desastre ou para prestar socorro. Durante o dia, quem pode
determinar a entrada é somente o juiz de direito, ou seja, só se entra sem a au-
torização particular com determinação do juiz; é o que se chama de cláusula de
reserva de jurisdição.

3.3.9  Direito à intimidade e sigilo bancário

O artigo 5o, inciso X, afirma: “Art. 5o, X – são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”24.
A norma constitucional deixa claro que a violação da intimidade, vida priva-
da, honra e imagem das pessoas pode ensejar na cobrança de indenizações pe-
los danos moral e material sofridos. Entretanto, mais uma vez afirma-se que os
direitos fundamentais não são absolutos e, portanto, existem exceções que per-
mitem essa violação. A jurisprudência tem se apoiado nos princípios da pon-
deração e razoabilidade para analisar a possibilidade de imputação de danos.

3.3.10  Sigilo de correspondência e de comunicação

O sigilo de correspondência e comunicação está previsto no artigo 5o, inciso XII


e afirma que:

23  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
24  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

80 • capítulo 3
Art. 5o, XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial,
nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
(1988). Brasília: Senado, 1988.

Na norma, em questão, quatro sigilos são protegidos: o sigilo de correspon-


dência, comunicações telegráfica, de dados e as comunicações telefônicas.
Entretanto, todos os sigilos podem ser relativizados por leis infraconstitucio-
nais, exceto o telefônico, que só pode ser relativizado por ordem judicial para
investigação criminal ou processo penal, nos termos do inciso da constituição.
Questão importante de ser discutida é a quebra do sigilo bancário que foi
debatida pelo Recurso Extraordinário 389808 de 2010, no qual se questionou
se a quebra do sigilo bancário é ou não privativa do juiz. Entendeu-se que as
Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s) podem realizar a quebra de sigi-
lo bancário, pois não há a restrição no texto constitucional como nos casos de
quebra de sigilo telefônico. Portanto, o STF afirma que pode-se quebrar o sigilo
bancário por determinação judicial, ordem do plenário da câmara e do senado
ou por decisão de CPI.
A quebra do sigilo bancário prevista pela Lei Complementar 105/2001 coloca
mais um impasse na definição das hipóteses de quebra do sigilo, pois afirma ser
possível a quebra do sigilo bancário por autoridade fiscal, sem ordem judicial.
Entretanto, desde 2010 o STF25 nega essa possibilidade, mesmo indo em desen-
contro com o estabelecido na Lei Complementar. O entendimento é de que ad-
ministrativamente não seria possível a quebra do sigilo dos dados que são pro-
tegidos pela constituição. O auditor fiscal, portanto, não pode solicitar os dados
diretamente à instituição financeira, deve ser feito por medida judicial.

3.3.11  Liberdade de profissão

O sigilo de correspondência e comunicação está previsto no artigo 5o, inciso


XII, e afirma que: “Art. 5o, XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício
ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”26.

25  Recurso Extraordinário 389808 e Petição de Emenda de Acórdão 3898


26  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 3 • 81
Portanto, no Brasil qualquer trabalho, ofício ou profissão é livre, exceto nos
casos em que a atividade é tipificada na lei como algo ilegal. Essa é uma norma
constitucional de eficácia contida, pois há uma liberdade que pode ser restrin-
gida por norma infraconstitucional, como dispõe o inciso.
O exercício da atividade da advocacia, por exemplo, exige, além do bachare-
lado em Direito, a aprovação da OAB. É por esse motivo que o STF decide de for-
ma reiterada pela constitucionalidade da cobrança da aprovação no exame da
OAB. No caso do jornalismo, entretanto, como não há lei específica que regule
a profissão, o STF entende pela aplicação da liberdade de profissão, estipulada
na constituição, concluindo pela não necessidade do curso superior em jorna-
lismo para o exercício da profissão.

3.3.12  Liberdade de informação

A liberdade de informação está prevista na constituição:

Art 5o, XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da


fonte, quando necessário ao exercício profissional; (...)
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interes-
se particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei,
sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado. BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O inciso XIV assegura o direito dos indivíduos de terem acesso às informa-


ções no território nacional. Desta forma, as informações que possam ser classi-
ficadas como sigilosas devem justificar-se pelo próprio sistema jurídico.
Além disso, para que a informação seja divulgada àqueles que a divulgam
deve-se resguardar o sigilo inerente ao exercício profissional. Por exemplo, um
jornalista não pode ser obrigado a contar a sua fonte de informação, pois caso
contrário perderia sua fonte.
No inciso XXXIII afirma-se o direito à informação que esteja arquivada em
órgãos públicos, seja ela pessoal (personalíssima) ou de interesse coletivo ou
geral. Caso não seja oferecida essa informação, como assegurado, o violador do

82 • capítulo 3
direito será responsabilizado. A única exceção está nas informações cujo sigilo
é imprescindível à segurança social ou do Estado.

3.3.13  Liberdade de locomoção

A liberdade de locomoção está prevista na constituição:

Art 5o, XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qual-
quer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e funda-
mentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar
ou crime propriamente militar, definidos em lei. BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

A locomoção, em tempo de paz, é livre no território nacional para qualquer


pessoa com os seus bens. Diante dessa premissa ninguém poderá ter essa li-
berdade restrita por prisão ilegal ou abusiva, por isso a constituição exige o fla-
grante delito ou decisão judicial para permitir a prisão legal. A exceção ao caso
é somente para os militares que terão regramento próprio da sua restrição de
liberdade.

3.3.14  Liberdade de reunião

O artigo 5o, inciso XVI, estabelece a liberdade de reunião dos indivíduos, sem
armas, em locais abertos ao público.

Art 5o, XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao
público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso
à autoridade competente. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
(1988). Brasília: Senado, 1988.

A constituição garante a liberdade de reunião nos estritos termos consti-


tucionais, ou seja, em locais abertos ao público, de uso comum do povo, pois

capítulo 3 • 83
bens de uso especial não estão na regra constitucional. A reunião deve ter fins
pacíficos e, portanto, sem armas. A reunião nos termos constitucionais não de-
pende de autorização, mas deve-se avisar a autoridade pública a fim de se evitar
o conflito de reuniões para o mesmo local. O aviso é para fins de organização do
próprio poder público.

3.3.15  Liberdade de associação

A liberdade de associação está prevista na constituição:

Art 5o, XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de cará-
ter paramilitar;
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de
autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas
atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito
em julgado;
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade
para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente. BRASIL. Constituição da
República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

A liberdade de associação com objetivos legais é plena. O limite está estipu-


lado apenas para as associações ilegais. A constituição reforça a ideia de que
não se permite associação com fins paramilitares, ou seja, não se permite a for-
mação de exército paralelo que possa se voltar contra o Estado Democrático
de Direito.
A criação de associações é protegida para efetivar o direito pleno às associa-
ções, mas deve ser feita nos termos legais. O que o Estado não pode fazer é exi-
gir que ele tenha que autorizar a criação de associações, pois caracterizaria uma
intervenção direta, vedada na constituição. As associações poderão ser dissolvi-
das, de forma compulsória pelo Estado, por meio de decisão judicial transitada
em julgado. Nos casos de suspensão das associações também exige-se a decisão
judicial, mas não é necessário o trânsito em julgado.

84 • capítulo 3
A participação da associação é uma liberdade, não podendo-se obrigar a
entrada ou permanência em uma associação. Os associados dão legitimidade
para as associações representarem seus associados no âmbito judicial e extra-
judicial. A constituição exige apenas a autorização expressa de representação
no Estatuto da associação ou por meio de autorização especial.

3.3.16  Direito de propriedade

O direito de propriedade está previsto na constituição nos seguintes termos:

Art 5o, XXII - é garantido o direito de propriedade;


XXIII - a propriedade atenderá à sua função social;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou uti-
lidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro,
ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de
propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela
família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua
atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Garante-se, no inciso XXII, o direito de ter bens no território nacional. Esse


direito também não é absoluto e é limitado, em especial, pelo inciso XXIII que
estabelece que a propriedade deve cumprir sua função social.
O inciso XXIV trata da desapropriação ordinária, instituto estudado no
Direito Administrativo. Exige-se que ela só possa ocorrer nos casos de necessi-
dade pública, utilidade pública ou interesse social. Desapropriar significa re-
tirar a propriedade alheia, mas de forma retribuída, ou seja, por meio de uma
compra compulsória feita pelo Estado. A indenização ordinária deve ser feita
de forma justa, prévia e em dinheiro. Não se confunde com o confisco, que é a
retirada do bem, mas sem a retribuição pela propriedade perdida.
O inciso XXV trata do instituto da requisição que permite a possibilidade
do Estado de requisitar propriedade privada para seu uso, caso seja necessário,

capítulo 3 • 85
para atendimento de iminente perigo público. Exemplo: uso de escada no caso
de inundação. Nesse caso só há indenização, ulterior, se houve dano.
Por fim, o inciso XXVI prevê a proteção da pequena propriedade rural e o
tamanho é estabelecido por legislação infraconstitucional. Além disso, exige-se
que essa propriedade tenha atividade produtiva familiar e a proteção é apenas
relativa aos débitos decorrentes de sua atividade produtiva, a fim de se finan-
ciar o desenvolvimento rural familiar.

3.3.17  Direito de petição e obtenção de certidões

O direito de petição e obtenção de certidões perante os órgão públicos é assegu-


rado a todos, independentemente do pagamento de taxas.

Art 5o, XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento


de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalida-
de ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e escla-
recimento de situações de interesse pessoal. BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O direito de petição nada mais é do que o direito do indivíduo de apresentar


pedidos, em defesa de seus direitos. Se algum órgão ou repartição pública se ne-
gar a receber pedidos, essa ação seria inconstitucional e abusiva. Se há ilegalida-
de ou abuso de poder os indivíduos têm o direito constitucional de apresentar
um pedido que deve ser apreciado e respondido pelos órgãos públicos. Caso isso
não seja garantido na prática, devem ser tomadas as medidas jurídicas cabíveis.
A obtenção de certidões em repartições públicas é um direito, independen-
temente do pagamento de taxas. A intenção será a busca de defesa de direitos
ou esclarecimento de informações de interesse pessoal. A repartição pública
tem o dever constitucional de emitir a certidão. As taxas geralmente cobradas
são pelo trabalho para a emissão da certidão e não pela própria certidão, além
disso, é possível se obter a isenção, nos termos legais.

86 • capítulo 3
O inciso XXXV do artigo 5o da constituição prevê o princípio da inafastabili-
dade da jurisdição, que se relaciona diretamente com o direito de petição. “Art
5o, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito”27. Esse princípio afirma que nenhuma lei pode afastar da análise judi-
cial qualquer lesão ou ameaça de direito. Isso porque o Judiciário tem o dever de
dizer o direito no caso concreto e de forma definitiva, sendo vedada a autotutela.

3.3.18  Limites à retroatividade da lei

O inciso XXXVI do artigo 5o estabelece limites à retroatividade da lei: “Art. 5o, XXXVI
– a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
O direito adquirido é todo aquele que o indivíduo já incorporou, ou seja, já
pode invocar perante alguém, pois já cumpriu os requisitos legais para exercê
-lo. Esse direito não pode ser prejudicado pela lei, ou seja, se a lei for modifica-
da não poderá se alterar o direito já adquirido no tempo.

EXEMPLO
Adquire-se determinado direito no dia 1o de agosto e a lei se modifica no dia 2 de setembro.
Nesse caso, a lei nova não se aplica para aqueles que já adquiriram o direito que não poder
ser mais retirado do indivíduo.

O ato jurídico perfeito é aquele ato praticado nos termos da lei e atendendo
todos os requisitos estabelecidos na lei. Portanto, em regra, se o ato foi pratica-
do nos termos da lei vigente no momento de sua prática não tem sentido ele ser
modificado por lei posterior.
No caso da coisa julgada preservam-se todas as decisões judiciais que já es-
tão decididas de forma definitiva (trânsito julgado), não se podendo alterar por
lei posterior, exceto nos casos estabelecidos na lei.
Assim sendo, a lei deve produzir efeitos do momento em que ela foi editada
para a frente. Se ela atinge situações pretéritas, não é possível a violação do direito
adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, em nome da segurança jurídica.

27  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 3 • 87
3.3.19  Tribunal do Júri

O inciso XXXVIII do artigo 5o estabelece a instituição do tribunal do júri:

Art. 5o, XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a
lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. BRASIL. Cons-
tituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O júri é reconhecido e o regramento é feito por legislação infraconstitucional,


assegurando-se a plenitude de defesa, sigilo de votações, soberania da decisão
do júri e aplicação somente nos crimes dolosos contra a vida e conexos a eles.
Os crimes seriam, portanto, o homicídio doloso, o infanticídio, o induzimento
auxílio ou instigação ao suicídio e o aborto (art. 121 e seguintes do Código Penal).

3.3.20  Segurança jurídica em matéria penal

Art. 5o, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal;
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberda-
des fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena
de reclusão, nos termos da lei;
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os
definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores
e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. BRASIL. Constitui-
ção da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

88 • capítulo 3
No direito penal trata-se da segurança jurídica de forma especial no inciso
XXXIX do artigo 5o. Afirma-se que não haja a retroatividade da lei para prejudi-
car o réu penal, ou seja, o Estado só pode punir o indivíduo se já deixou muito
claro na lei qual é a conduta que ele tipifica e quais as consequências da viola-
ção legal.
No inciso XL do artigo 5o afirma-se que a nova lei penal não produz efei-
tos pretéritos para prejuízo, apenas para benefício (retroatividade benéfica da
lei penal).
Em relação ao racismo, o inciso XLII do artigo 5o da constituição estabele-
ce que a prática de racismo é inafiançável e imprescritível, assim como os cri-
mes de grupos armados contra o Estado Democrático de Direito (inciso XLIV,
ART. 5O). Os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o
terrorismo são inafiançáveis e não suscetíveis de graça ou anistia (inciso XLIII,
ART. 5O).

3.4  Direitos Sociais – Arts. 6o a 11


Os direitos sociais são os conhecidos direitos de segunda dimensão, pois de-
mandam uma prestação positiva do Estado para sua efetivação, em prol da dig-
nidade da pessoa humana no convívio social. Os direitos sociais básicos estão
previstos no artigo 6o da constituição:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,


o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O rol do caput do artigo 6o da constituição não é taxativo, sendo que a pró-


pria constituição estabelece a defesa de outros direitos sociais como o direi-
to à cultura, ao desporto, da família, das crianças e adolescentes, dos idosos e
dos povos indígenas. Há direitos sociais que decorrem dos direitos previstos na
constituição e é possível, ainda, a criação de outros direitos sociais por meio da
legislação infraconstitucional.

capítulo 3 • 89
Os direitos sociais são caracterizados pela irrenunciabilidade, pois não po-
dem ser anulados pela vontade dos interessados como, por exemplo, nas rela-
ções de trabalho não se pode diminuir os direitos do trabalhador por meio de
um contrato de trabalho.
Todos são beneficiários dos direitos sociais, mas precisam deles, em es-
pecial os hipossuficientes, que dependem do Estado para obter as condições
materiais mínimas para o seu desenvolvimento e manutenção da dignidade da
pessoa humana.
O artigo 7o da constituição trata dos direitos dos trabalhadores de forma in-
dividual e os artigos 8o ao 11º tratam da defesa dos trabalhadores de forma co-
letiva. O artigo 7o fala dos trabalhadores urbanos e rurais e quais serias os seus
direitos básicos para a manutenção da dignidade no ambiente de trabalho.
Os trabalhadores protegidos pelos direitos sociais previstos no artigo 7o são
nos termos do artigo 3o da CLT: “Art. 3º - Considera-se empregada toda pessoa
física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a depen-
dência deste e mediante salário”28.
Os direitos sociais coletivos dos trabalhadores, previsto nos artigos 8o ao
11º da constituição, são o direito de associação profissional ou sindical, direito
de greve, direito de substituição processual, direito de participação e direito de
representação classista.
O direito de associação profissional ou sindical é exercido nos termos do
artigo 8o da constituição:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:


I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressal-
vado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a
intervenção na organização sindical;
II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, repre-
sentativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será
definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior
à área de um Município;
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da
categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
IV - a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profis-
sional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da represen-
tação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

28  BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Brasília: Senado, 1943.

90 • capítulo 3
V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;
VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;
VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatu-
ra a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um
ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos ru-
rais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer. BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

A greve é um direito assegurado aos trabalhadores, que têm a liberdade de


escolher quando irão exercê-lo. A limitação constitucional existe em relação à
prestação de serviços ou atividades essenciais, que deverão ser mantidas par-
cialmente, para se atender às necessidades de urgência da sociedade.

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a


oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento
das necessidades inadiáveis da comunidade.
§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. BRASIL. Consti-
tuição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O direito de participação dos empregados está previsto nos artigos 10 e 11


da constituição.

Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos cole-


giados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários
sejam objeto de discussão e deliberação.
Art. 11. Nas empresas de mais de duzentos empregados é assegurada a eleição de
um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento
direto com os empregadores. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
(1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 3 • 91
3.5  Direitos de nacionalidade – Arts. 12 e 13
A nacionalidade é o vínculo jurídico e político que o indivíduo tem com o Esta-
do. Não deve se confundir com naturalidade, que designa o local físico, cidade,
de nascimento da pessoa. Não necessariamente é o mesmo Estado a que o indi-
víduo será vinculado pela nacionalidade.
A nacionalidade poder ser originária (primária ou de origem), estabelecida
no momento do nascimento do indivíduo ou adquirida (secundária), oriunda
da manifestação da vontade do indivíduo que deseja se vincular ao Estado.
Na nacionalidade originária tem-se dois critérios que vinculam o indivíduo
ao Estado: a territorialidade (ius solis) e a consanguinidade (ius sanguinis).
No critério do solo atribui-se a nacionalidade a quem nasceu no território do
Estado, e no critério de sangue estabelece-se que são nacionais os descenden-
tes de nacionais, os que têm vínculo de sangue com os nacionais, e cada estado
estabelece seus critérios.
A constituição de cada Estado determinará quais os critérios adotados pelos
Estados, entretanto, os Estados que receberam imigrantes, como os Estados da
América, geralmente adotam o critério do solo. Os Estados que não foram colo-
nizados ou não receberam muitos imigrantes geralmente adotam o critério do
sangue, como, por exemplos, os Estados europeus.
A partir do critério da nacionalidade originária tem-se aqueles que são na-
tos do Estado, pois decorre do nascimento. No caso de nacionalidade adquiri-
da, decorrente da manifestação da vontade do indivíduo de se tornar nacional,
tem-se a chamada naturalização.
O Brasil adota os dois critérios: do solo (art. 12, I, ‘a’) e do sangue (art. 12, I,
‘b’ e ‘c’). O artigo 12, inciso I, da constituição estabelece quem são os brasileiros
natos e são três as hipóteses:

Art. 12. São brasileiros:


I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros,
desde que estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer
deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

92 • capítulo 3
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam
registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República
Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade,
pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de
2007). BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília:
Senado, 1988.

Em um primeiro momento entende-se que todos que nascem no Brasil são


brasileiros natos, exceto os filhos de diplomatas estrangeiros que estejam a ser-
viço de seu Estado de origem (art. 12, I, a). A exceção se estabelece porque se
entende que os filhos de diplomatas que estão no Brasil, porque seus pais estão
servindo o seu país aqui, não possuem vinculação com o território brasileiro e,
por isso, não gozariam da possibilidade de serem brasileiros natos.
O segundo critério da alínea ‘b’ do inciso I do artigo 12 da constituição es-
tabelece o critério oposto, pois diz que são brasileiros natos os filhos de diplo-
matas brasileiros, que tenham nascido no estrangeiro, pelo motivo de seus pais
estarem servindo o Estado Brasileiro no exterior. Observa-se que basta que um
dos pais seja diplomata e não os dois, ou seja, pai ou mãe.
Os filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira poderão ser brasileiros natos,
mesmo que seus pais não sejam diplomatas, obedecendo-se o disposto no arti-
go 12, inciso I, alínea ‘c’ da constituição, que prevê duas hipóteses para conferir
a nacionalidade originária. Os pais poderão registar seus filhos em repartição
brasileira competente. Caso não tenha sido registrado por seus pais, o filho de
brasileiro poderá, a qualquer tempo (sem prazo), depois de atingida a maiori-
dade, optar pela nacionalidade brasileira, caso venha residir no Brasil.
A nacionalidade decorrente da vontade chama-se de ‘naturalização’ e os
critérios constitucionais estão estabelecidos pelo artigo 12, inciso II, da cons-
tituição. Caso o indivíduo não seja brasileiro nato e nem naturalizado, será
um estrangeiro, pois não tem vínculo com o Estado por estar vinculado a ou-
tro Estado.
A constituição no artigo 12, inciso II, estabelece regras que viabilizam a pos-
sibilidade de um indivíduo manifestar a sua vontade de se tornar brasileiro e se
naturalizar. Ninguém poderá ser compelido a se naturalizar, a vontade deve ser
respeitada. As hipóteses são distintas.

capítulo 3 • 93
Os critérios de naturalização estão no artigo 12, inciso II, da constituição:

Art. 12. São brasileiros:


I - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários
de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneida-
de moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa
do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que
requeiram a nacionalidade brasileira. BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

A constituição primeiro afirma que podem se naturalizar todos aqueles que


cumpram os requisitos estabelecidos na lei, ou seja, o Estatuto do Estrangeiro.
Entretanto, a constituição confere uma facilidade para os originários de qual-
quer país de língua portuguesa, com os únicos requisitos de residência por
um ano ininterrupto no Brasil e idoneidade moral. Essas hipóteses são as de
naturalização ordinária e estão previstas no artigo 12, inciso II, alínea ‘a’ da
constituição. Mas atenção, em relação à naturalização ordinária o Brasil tem
discricionariedade para conceder ou não mesmo que tenham sido cumpridos
os requisitos, pois não é um direito, mas um ato discricionário naturalizar o
estrangeiro pelas vias ordinárias.
Na alínea ‘b’ do inciso II do artigo 12 da constituição tem-se a previsão da
naturalização extraordinária, sendo que se qualificam para esse critério todos
os estrangeiros residentes do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem
condenação penal que requeiram a nacionalidade brasileira. Nesse caso, o ato
é vinculado, ou seja, os requisitos são objetivos e não há margem de escolha
para o Estado, sendo obrigatória a concessão da nacionalidade.
O artigo 12, §1º da Constituição, estabelece que: “Art. 12, §1º - Aos portu-
gueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor
de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os ca-
sos previstos nesta Constituição”29. Esse é o caráter de ‘quase nacionalidade’
citado pela doutrina que confere somente aos portugueses com residência per-
manente no Brasil os mesmos direitos inerentes ao brasileiro, salvo quando
29  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

94 • capítulo 3
exige-se a nacionalidade para exercer um direito como, por exemplo, o direito
de votar e ser votado.
Não se pode ter discriminação entre os brasileiros natos ou naturalizados,
salvos os casos de diferenciação previstos na constituição, como afirma-se no
artigo 12, §2o: “Art. 12, §2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasilei-
ros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição”30.
Outra questão interessante está ligada à extradição, instituto que permite a
entrega de indivíduo a outro país, que tenha expedido ordem de prisão contra
ele. Nesse caso estabelece-se distinção entre o brasileiro nato e o naturalizado:

Art. 5o. LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime
comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.

Assim, o brasileiro nato não pode nunca ser extraditado e o naturalizado só


poderá ser extraditado se for condenado por crime cometido antes da naturali-
zação ou, a qualquer tempo, se for condenado por tráfico ilícito de entorpecen-
tes ou drogas afins.
O Brasil não extradita estrangeiro condenado ou acusado por crime político
e de opinião, uma vez que concedemos asilo político. “Art. 5o – LII – não será
concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”31.
A constituição estabelece, ainda, cargos que somente poderão ser ocupados
por brasileiros natos.

Art. 12 – § 3º São privativos de brasileiro nato os cargos:


I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
II - de Presidente da Câmara dos Deputados;
III - de Presidente do Senado Federal;
IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
V - da carreira diplomática;
VI - de oficial das Forças Armadas.
VII - de Ministro de Estado da Defesa.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

30  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
31  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 3 • 95
Ao se analisar o § 3º do artigo 12 observa-se que os primeiros cargos, pri-
vativos de brasileiros natos referem-se aos que estão na linha sucessória da
Presidência da República, sendo eles o próprio Presidente e Vice-Presidente da
República; o Presidente da Câmara dos Deputados; de Presidente do Senado
Federal e de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Atenção: brasileiros natu-
ralizados podem ser deputados e senadores, mas eles não podem ser presiden-
tes da Câmara ou do Senado. No caso do STF, não se restringe somente o cargo
de presidente do STF, que estaria na linha sucessória, mas todos os ministros
do STF devem ser brasileiros natos. Isso porque o sistema de ocupação da pre-
sidência do STF é feito de forma rotativa, o que poderia colocar um brasileiro
naturalizado na linha sucessória da Presidência da República.
No caso de carreira diplomática, oficial das forças armadas e ministro de
Estado da Defesa, não se permite que seja um brasileiro naturalizado, pois es-
ses cargos estão ligados diretamente à defesa nacional.
O artigo 89, inciso VII, também se limita constitucionalmente à presença de
brasileiros naturalizados:

Art. 89. O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da


República, e dele participam: (...)
VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo
dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e
dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a
recondução. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília:
Senado, 1988, grifo nosso.

Pode haver a perda da nacionalidade nos termos do artigo 12, § 4º


da constituição:

§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:


I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade
nociva ao interesse nacional;

96 • capítulo 3
II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos:
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em
estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o
exercício de direitos civis. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
(1988). Brasília: Senado, 1988.

A naturalização pode ser cancelada por sentença judicial, fundamentada


por realização de atividade nociva ao interesse nacional. A segunda hipótese
trata da possibilidade do nacional adquirir outra nacionalidade, salvo nos ca-
sos de reconhecimento de nacionalidade originária estrangeira ou imposição
da naturalização para que o indivíduo permaneça no território estrangeiro ou
para o exercício de direitos civis.

3.6  Direitos políticos – arts. 14 a 17


Os direitos políticos referem-se a um conjunto de regras que disciplinam o
exercício da soberania popular, viabilizando a participação concreta dos indiví-
duos na gestão do Estado. É importante distinguir a nacionalidade da cidada-
nia. A nacionalidade refere-se ao vínculo jurídico e político do indivíduo com o
Estado, que se estabelece pelo nascimento ou pela manifestação da vontade. A
cidadania é a qualidade que o cidadão adquire, formalmente, após o alistamen-
to eleitoral, para votar e ser votado.
O direito de escolha (sufrágio) existe de forma ativa, que trata do direito de
votar, e de forma passiva, com o direito de ser votado. O voto é o ato político que
materializa o direito de sufrágio. A eleição será um processo pelo meio do qual
se escolhe alguém para exercer uma função, e o escrutínio é o ato de coleta e
apuração dos votos.
A participação direta do indivíduo na gestão do Estado se vincula direta-
mente à previsão dos direitos políticos na constituição, por isso sua extrema
importância. Nos termos do artigo 1o, parágrafo único: “Art. 1º - Parágrafo
único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”32. Todos os elementos
32  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988, grifo nosso.

capítulo 3 • 97
necessários para que a soberania popular seja exercida estão concentrados no
capítulo da constituição que trata dos direitos políticos.
No Brasil adota-se o sufrágio universal, ou seja, o direito de escolha dos re-
presentantes no Estado de Direito é realizado por todos que participam do povo
de forma direta e secreta, com valor igual para todos os votos.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
§ 1º O alistamento eleitoral e o voto são:
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O voto direto, secreto, universal e periódico está previsto, também, no artigo


60, § 4º, inciso II, como cláusula pétrea, ou seja, não pode ser abolido ou restri-
to por emenda constitucional.

Art. 60 - § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...)
II - o voto direto, secreto, universal e periódico.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Tem-se duas possibilidades de exercício de direitos políticos, por meio do


voto com a escolha de representantes para que exerçam o poder em nome do
povo e os casos de se candidatar para ocupar esses cargos públicos. Essas são
características de democracia indireta, pois o povo escolhe quem irá atuar nos
cargos públicos, em seu nome.

98 • capítulo 3
Na democracia direta tem-se a participação efetiva e individual de cada ci-
dadão em relação a uma temática específica e, no Brasil, ela pode ser exercida
por meio do plebiscito, referendo ou iniciativa popular.
O plebiscito e o referendo são formas de consulta ao povo e, por isso decor-
rem da condição de cidadão. A consulta se dá em momentos distintos, pois no
plebiscito consulta-se o povo previamente para depois se ter uma votação no
Legislativo. No referendo a ordem é contrária, após uma votação no Legislativo
o povo é consultado. Importante salientar que a opinião popular não vincula a
decisão do Legislativo e vice-e-versa, a ideia é se fazer uma consulta dupla sobre
a temática.
A iniciativa popular prevê a possibilidade de participação do povo para a
apresentação de um projeto de lei perante o Legislativo para que coloque em
votação e eventualmente venha a aprovar. Os requisitos estão previstos no ar-
tigo 61, § 2º, da constituição: 1% do eleitorado nacional, distribuídos em pelo
menos 5 estados da federação e cada um deles representado por 3/10 de seus
eleitores.

Art. 61, § 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos
Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado na-
cional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por
cento dos eleitores de cada um deles. BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos


e facultativo para os analfabetos, maiores de 70 anos e menores de 16 e meno-
res de 18 anos. Os menores de 16 anos não participam do processo político no
país e, por isso, não são cidadãos por não terem direitos políticos. Atenção! A
obrigatoriedade do voto não é cláusula pétrea e pode, portanto, a obrigatorieda-
de do voto ser modificada por emenda constitucional.
A constituição estabelece, ainda, que não podem se alistar como eleitores
os estrangeiros, por não terem direitos políticos, e os conscritos, que são os que
estão em serviço militar obrigatório e por isso não irão se alistar.
“Art. 14 - § 2º Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, duran-
te o período do serviço militar obrigatório, os conscritos”33.
33  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 3 • 99
As condições de elegibilidade tratam das condições para ser votado no
Estado Brasileiro. São elas: a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos
direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral, a filiação parti-
dária e a idade mínima exigida para o cargo pleiteado. Os inalistáveis e analfa-
betos não podem ser eleitos, apesar de se assegurar o direito de votar de forma
facultativa para os analfabetos.

Art. 14 – § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:


I - a nacionalidade brasileira;
II - o pleno exercício dos direitos políticos;
III - o alistamento eleitoral;
IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;
V - a filiação partidária;
VI - a idade mínima de:
a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;
b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;
c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito,
Vice-Prefeito e juiz de paz;
d) dezoito anos para Vereador.
§ 4º São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Nos cargos do Executivo (Presidente da República, os Governadores de


Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos) é possível a reeleição por um único pe-
ríodo subsequente, aplicando-se a mesma regra aos vices. Não há impedimen-
to para outro mandato subsequente. “Art. 14, §5º O Presidente da República,
os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver
sucedido, ou substituído no curso dos mandatos, poderão ser reeleitos para um
único período subsequente”34.
Há necessidade de renúncia dos cargos do Executivo, seis meses ante do
pleito, para candidatura a outros cargos políticos. “Art. 14, § 6º Para concorre-
rem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e
do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos

34  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

100 • capítulo 3
até seis meses antes do pleito”35. Nos cargos do Legislativo não há limites de
reeleição e nem é necessária a renúncia para se candidatar a outros cargos
do Legislativo.
Além disso, são inelegíveis os cônjuges, parentes consanguíneos ou afins
até o segundo grau daqueles que ocupam o cargo de presidente, governador
e prefeito do território. Essa inelegibilidade também se estende a quem tiver
substituído os ocupantes desses cargos, no período de seis meses anteriores
ao pleito. Salvo se for candidato a reeleição de mandato eletivo. A ideia é não
permitir uma perpetuação familiar na ocupação dos cargos executivos.

Art. 14, § 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os


parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente
da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito
ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já
titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O militar também tem disposição específica para sua elegibilidade:

Art. 14, § 8º O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:


I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;
II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e,
se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade. BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O mandato eletivo pode ser impugnado, no prazo de 15 dias, contados da di-


plomação. A ideia é de que qualquer um pode impugnar o mandato adquirido
de forma ilegal ou viciada, entretanto, deve-se instruir com provas essa impug-
nação. Essa ação de impugnação correrá em segredo de justiça e, caso o autor
tenha a agido de má-fé, será responsabilizado na forma da lei.

35  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 3 • 101
Art. 14, § 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no
prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso
do poder econômico, corrupção ou fraude”.
§ 11 - A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respon-
dendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé. BRASIL. Consti-
tuição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

É vedada a cassação dos direitos políticos pela constituição, pois nenhum


nacional pode perder seus direitos políticos. O que pode ocorrer é a suspensão
ou perda que ocorre com a perda da condição de ser titular de direitos políti-
cos. A perda se dá nos casos de cancelamento da naturalização que coloca nova-
mente o indivíduo como estrangeiro e, portanto, perde os direitos políticos. Os
casos de suspensão são: incapacidade civil absoluta, condenação criminal com
trânsito em julgado durante os efeitos da condenação, recusa de cumprimento
de prestação alternativa (escusa de consciência) e improbidade administrativa.

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará
nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos
do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

O artigo 16 da constituição prevê que “Art. 16. A lei que alterar o processo
eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição
que ocorra até um ano da data de sua vigência”36. A ideia é conferir uma maior
estabilidade ao processo eleitoral e uma alteração legislativa que não seja volta-
da especificamente às eleições correntes.
Por fim, é importante falar sobre os sistemas eleitorais existentes no Brasil.
O sistema eleitoral é um conjunto de regras que tem por finalidade a organiza-
ção das eleições. O sistema pode ser majoritário ou proporcional. No sistema
36  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

102 • capítulo 3
majoritário vence o candidato que obtiver a maioria dos votos. No sistema pro-
porcional a eleição se dá com base na proporção de preferência dos eleitores.
No sistema majoritário pode-se adotar o critério de maioria simples ou
absoluta. A maioria simples prevê uma única votação, e quem obtiver a maio-
ria dos votos, independente da quantidade de votos, estará eleito. É o sistema
aplicado aos cargos de senadores e de prefeitos em municípios com menos de
200 mil habitantes (único turno de votação). A maioria absoluta requer a obten-
ção da maioria em primeiro turno de votação, ou seja, 50% mais 1 voto de todos
os votos válidos, votos brancos e nulos são ignorados. Caso não se obtenha essa
maioria em primeiro turno, realizar-se-á um segundo turno com os dois candi-
datos mais votados no primeiro. Essa regra vale para os cargos de Presidente da
República, governador e prefeito em cidades com mais de 200 mil habitantes.

3.7  Remédios Constitucionais


Os remédios constitucionais são garantias previstas no texto constitucional,
ou seja, elementos normativos que têm como objetivo assegurar o exercício re-
gular dos direitos fundamentais. Essa proteção é necessária para se efetivar e
resguardar a implantação dos direitos fundamentais em toda sua medida e ex-
tensão. O nome “remédio” é utilizado para fazer alusão à cura de uma doença,
que no caso é o desrespeito a um direito fundamental.
Os remédios constitucionais são: habeas corpus, habeas data, manda-
do de segurança, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e
ação popular.

3.7.1  Habeas Corpus

O habeas corpus é uma garantia constitucional específica que se destina à pro-


teção do direito de ir e vir, ou seja, tutela à liberdade de locomoção. Todas as
vezes que a liberdade de locomoção for restringida de forma ilegal ou abusiva o
remédio cabível é o habeas corpus. O sentido da expressão habeas corpus é “cor-
po livre”, pois trata do direito de ir e vir resguardado por meio desse instituto.
A natureza jurídica do habeas corpus é de ação constitucional que possui
menos formalidades que as demais ações, pois não há a necessidade de advo-
gado para ingressar com o habeas corpus, pagamento de custas ou formalidade

capítulo 3 • 103
de ordem técnica para o seu ingresso. Ele nada mais é que um pedido direcio-
nado à autoridade judiciária para a proteção contra a prisão indevida, por ilega-
lidade ou abuso de poder. Basta, portanto, informar o fato que ele será apurado
pelo Judiciário de forma prioritária.
O inciso LXVIII prevê: “Art. 5o, LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre
que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”37.
Há, portanto, duas hipóteses de utilização do habeas corpus, como previsto
na constituição, de forma preventiva ou repressiva. Quando se utiliza do habeas
corpus pela ameaça à liberdade, tem-se o habeas corpus preventivo. É um salvo
conduto que impossibilita a prisão. Caso a prisão já tenha ocorrido, cabe o ha-
beas corpus repressivo.
A prisão ilegal decorre de um ato vinculado, ou seja, o ato deveria ser pra-
ticado de acordo com a lei e não se seguiu as determinações legais. No caso
da prisão por abuso de poder trata-se do caso de ato discricionário, no qual há
uma margem de atuação para o agente, mas ele ultrapassa esse limite e abusa
do poder. Portanto, ilegalidade refere-se a atos vinculados à lei e abusividade
a atos discricionários. Ambos são causas para se impetrar um habeas corpus.

3.7.2  Habeas Data

O habeas data tem como objetivo resguardar a liberdade de dados (‘data’). Os in-
divíduos têm direito de acesso a informações, e caso as informações pessoais dos
indivíduos não forem obtidas de forma livre, cabe o remédio constitucional do
habeas data. Portanto, o indivíduo tem o direito constitucional de obter seus dados
personalíssimos, e caso seja impedido de acessá-los poderá impetrar o habeas data.

Art. 5o, LXXII - conceder-se-á habeas data:


a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,
constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de
caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso,
judicial ou administrativo. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
(1988). Brasília: Senado, 1988.

37  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

104 • capítulo 3
O habeas data é possível em duas hipóteses, a primeira é para garantir o
acesso a informações relativas à pessoa do impetrante, que estejam em ban-
cos públicos de dados ou de natureza pública. Esse habeas data tem natureza
personalíssima, ou seja, somente a pessoa do impetrante pode entrar com o
habeas data para saber seus dados pessoais, ninguém pode pedir informações
de terceiros. As informações devem estar previstas em bancos de dados públi-
cos ou de caráter público, para uma informação pessoal em registros privados
não caberia habeas data, por não ser entidade pública. Entretanto, bancos pri-
vados com caráter público podem ser acionados pelo habeas data como, por
exemplo, o SPC, que tem caráter social público.
A segunda possibilidade de utilização do habeas data é a utilização desse
remédio constitucional para retificação de dados, quando a pessoa não prefere
fazer de outra forma e não deseja o sigilo administrativo ou processual.

3.7.3  Mandado de Segurança

Art. 5o, LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no
exercício de atribuições do Poder Público. BRASIL. Constituição da República Fede-
rativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O mandado de segurança é o remédio constitucional utilizado quando não


cabe nem habeas corpus e nem habeas data e objetiva-se defender direito lí-
quido e certo, ou seja, o direito que pode ser provado de plano e não depende
de dilação probatória no processo, pois se tem todos os elementos necessários
para pleitear o direito. O mandado de segurança, como o habeas corpus, é uma
ação, mas não é uma ação simples, pois exige uma série de requisitos para ser
aceita. Ele será cabível, portanto, para proteger qualquer direito constitucional,
desde que não seja liberdade (habeas corpus) ou dados pessoais em bancos pú-
blicos (habeas data).
O mandado de segurança exige capacidade postulatória para se impetrar
um mandado de segurança, ou seja, é necessária a presença de advogado
habilitado. Além disso, exige a comprovação de plano que se trata de um direito

capítulo 3 • 105
líquido e certo que está sendo violado por uma autoridade coatora que será
agente público, ou privado, com atribuições de poder público.

EXEMPLO
Autoridade coatora de entidade privada com atribuições de poder público é o caso de reitor
de Universidade privada.

No mandado de segurança à violação do direito constitucional também se


dá por ilegalidade (ato vinculado) ou abuso de poder (ato discricionário) de au-
toridade coatora. Importante salientar, que o mandado de segurança é uma
ação extremamente formal e cheia de requisitos estabelecidos na legislação in-
fraconstitucional e que depende de capacidade postulatória para fins de pedir
esse direito (advogado).

3.7.4  Mandado de segurança coletivo

As mesmas regras do mandado de segurança aplicam-se ao mandado de segu-


rança coletivo, pois irá se defender direito líquido e certo violado por ilegalida-
de ou abuso de poder, por meio de uma autoridade coatora. O ingresso do man-
dado de segurança exige a presença do advogado. Os requisitos são, portanto,
os mesmos.

Art. 5o, LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e
em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus mem-
bros ou associados. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).
Brasília: Senado, 1988.

O mandado de segurança coletivo existe para proteger direitos de quem te-


nha seus direitos líquidos e certos violados, mas a legitimidade ativa é diferente
da do mandado de segurança simples, pois dois grupos são autorizados pela

106 • capítulo 3
constituição a defender esses direitos: partido político, organização sindical,
entidades de classe e associações.
A grande diferença está no polo ativo da ação, pois o direito não será de-
fendido pelo detentor do direto, mas por uma “coletividade” que irá defender
direito alheio por meio desse remédio constitucional.
Os entes constitucionalmente autorizados a defender os direitos de outrem,
por meio do mandado de segurança coletivo, são os partidos políticos com re-
presentação no Congresso Nacional e organização sindical, entidades de classe
e associações que funcionem há pelo menos um ano, em prol de seus membros.
No caso do partido político, como sujeito ativo do mandado de segurança
coletivo, basta que ele tenha um único representante na Câmara dos Deputados
ou no Senado Federal. Segundo a corrente majoritária, o partido político pode-
rá defender qualquer pessoa, ou seja, não há qualquer tipo de exigência de per-
tinência temática ou conexão da pessoa com o partido.
No caso da organização sindical, entidades de classe e associações, que são
pessoas jurídicas que devem obedecer à defesa de seus membros ou associa-
dos, tem-se, portanto, a necessidade de pertinência temática. No caso da asso-
ciação ela deve existir e estar em funcionamento há pelo menos um ano; não
basta ter sido fundada há um ano, deve estar em atuação por esse período.

3.7.5  Mandado de injunção

O mandado de injunção tem o objetivo de possibilitar o exercício de um direi-


to que não pode ser exercido, pois não foi regulamentado pelo poder público.
Tratam-se, portanto, de direitos que a legislação constituinte deixou para o le-
gislador o seu regramento, ou seja, são as normas constitucionais de eficácia
limitada, que dependem de norma infraconstitucional para serem exercidas.
Quando não há regulamentação do direito e, por esse motivo, não se pode exer-
cê-lo, é cabível o mandado de injunção.

Art. 5o, LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. BRASIL. Cons-
tituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

capítulo 3 • 107
O que se pretende é defender o exercício dos direitos e liberdades consti-
tucionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania.
O mandado de injunção é uma ação com formalidades, exigindo-se a pre-
sença do advogado. Além disso, a jurisprudência vem admitindo, por analogia,
o mandado de injunção coletivo, ingressado pelos mesmos legitimados do
mandado de segurança coletivo.
Os efeitos do mandado de injunção são um ponto polêmico na jurisprudên-
cia e que foram revisitados pelo STF. Anteriormente, adotava-se a corrente não
concretista, entendendo-se que o mandado de injunção servia apenas para uma
comunicação da omissão, ou seja, o Judiciário informava a autoridade omissa
de sua omissão, mas não tinha poder de impor obrigação ao Legislativo, pois
deveria se respeitar a autonomia do exercício das funções do Estado. Na atuali-
dade, tem se adotado a corrente concretista, pois o STF mudou seu posiciona-
mento e agora entende que o mandado de injunção produz efeitos concretos
e que a decisão do STF pode fazer com que o direito seja efetivado, apesar da
omissão legislativa. Passou a se entender que o papel do Judiciário, nesse caso,
é efetivar o exercício do direito e, no caso de direito de interesse coletivo, os
efeitos da decisão do Judiciário podem ser modulados e aplicados para todos
(erga omnes).

EXEMPLO
A constituição, no artigo 37, inciso VII, fala que o funcionário público tem o direito de greve
nos termos da lei, mas o problema é que a lei regulamentadora não foi criada, usurpando-se
por omissão o direito de greve dos funcionários públicos. Diante disso, sindicatos e servido-
res impetraram mandados de injunção de número 670, 708 e 712 para buscar esse com-
plemento e o STF decidiu que os servidores, por causa dos mandados de injunção, poderiam
exercer o direito de greve, até que o Congresso Nacional produza a lei.

Outro caso foi o mandado de injunção 4059 impetrado por um servidor pú-
blico da Fundação Oswaldo Cruz, pleiteando o direito de uma aposentadoria
especial alegando a insalubridade de sua função e a não regulamentação do
artigo 40, 4o da constituição. Nesse caso o STF lhe deu o direito e ele aposentou,
apesar da omissão legislativa.

108 • capítulo 3
3.7.6  Ação Popular

A ação popular também é um remédio constitucional, mas é diferente dos ou-


tros dispositivos, pois qualquer cidadão pode propor uma ação popular. A legi-
timidade ativa exige então que o autor seja cidadão, ou seja, esteja no exercício
de seus direitos políticos (possui título de eleitor). O objetivo dessa ação será
anular atos que lesem o patrimônio público ou questões de ordem pública.

Art. 5o, LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise
a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe,
à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,
ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da su-
cumbência. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília:
Senado, 1988.

Nos termos da constituição objetiva-se defender o patrimônio público ou


de entidade de que o Estado participe, a moralidade administrativa, o meio am-
biente e o patrimônio histórico e cultural. A ação popular é isenta de custas,
salvo comprovada a má-fé do autor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva,
2013.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 11. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre
o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Brasília:
Senado Federal, 2009.
BRASIL. Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (1942). Rio de Janeiro: Senado, 1942.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. As três dimensões dos direitos humanos e o novo conceito de
cidadania. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, João Pessoa, v. 12, n. 9, p. 104-
108, 2004.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p.192.

capítulo 3 • 109
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de
Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional . São Paulo: Editora Método, 2014, p. 85.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015.

110 • capítulo 3
4
História das
Constituições
Brasileiras
O estudo da História do Estado brasileiro mistura-se com a compreensão das
constituições elaboradas ao longo da história. A constituição, como elemento
normativo capaz de inaugurar uma nova ordem jurídica, cumpriu no Estado
brasileiro o papel de refletir os momentos históricos vividos que acabaram le-
vando ao ideal democrático defendido no atual texto constitucional.
O Constitucionalismo, como movimento jurídico e político, fez com que os
Estados entendessem que seria necessário criar uma constituição como norma
limitadora do poder do Estado. O movimento do constitucionalismo ao se es-
palhar no mundo acabou influencia

112 • capítulo 4
4.1  Constituição imperial de 1824
A independência do Brasil foi declarada no dia 7 de setembro de 1822, às
margens do Rio Ipiranga, onde Dom Pedro I teria gritado a célebre frase “In-
dependência ou morte!”. A partir desse instante, o Brasil se torna um Estado
independente e soberano, livre do colonialismo português e, por esse motivo,
entendeu-se que seria necessário elaborar uma constituição que legitimasse o
Brasil juridicamente.
A Constituição Política do Império do Brasil foi elaborada por um Conselho
de Estado e outorgada (imposta) pelo Imperador Dom Pedro I, em 25.03.1824.

Dom Pedro Primeiro, Por Graça De Deos, e Unanime Acclamação dos Povos,
Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil : Fazemos saber a todos os
Nossos Subditos, que tendo-Nos requeridos o Povos deste Imperio, juntos em Cama-
ras, que Nós quanto antes jurassemos e fizessemos jurar o Projecto de Constituição,
que haviamos offerecido ás suas observações para serem depois presentes á nova
Assembléa Constituinte mostrando o grande desejo, que tinham, de que elle se obser-
vasse já como Constituição do Imperio, por lhes merecer a mais plena approvação, e
delle esperarem a sua individual, e geral felicidade Politica : Nós Jurámos o sobredito
Projecto para o observarmos e fazermos observar, como Constituição, que dora em
diante fica sendo deste Imperio a qual é do theor seguinte. IMPÉRIO DO BRASIL.
Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original
com português utilizado na época).

A Constituição Imperial previu a monarquia, na qual o poder era adquirido


por sucessão hereditária, com a dinastia de Dom Pedro I no poder.

Art. 3. O seu Governo é Monarchico Hereditario, Constitucional, e Representativo.


Art. 4. A Dynastia Imperante é a do Senhor Dom Pedro I actual Imperador, e Defensor
Perpetuo do Brazil. IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil
(1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original com português utilizado na época).

O Brasil era um Estado Unitário, ou seja, não se dividia em entes autônomos


com autonomia. O poder era central e único, sendo exercido pelo imperador. A

capítulo 4 • 113
divisão era apenas territorial em províncias. “Art. 2. O seu territorio é dividido
em Provincias na fórma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser sub-
divididas, como pedir o bem do Estado”1.
A Constituição de 1824 é a única constituição brasileira que tinha uma reli-
gião oficial, sendo que o Brasil era um Estado católico.

Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio.


Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular
em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. IMPÉRIO DO
BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824.
(Texto original com português utilizado na época).

O voto era censitário, ou seja, só votavam aqueles que tinham uma certa po-
sição econômica e social, pois excluía-se o voto das mulheres, negros, pobres e
dos que não professavam a fé católica.

Art. 91. Têm voto nestas Eleições primarias


I. Os Cidadãos Brazileiros, que estão no gozo de seus direitos politicos.
II. Os Estrangeiros naturalisados.
Art. 92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes.
I. Os menores de vinte e cinco annos, nos quaes se não comprehendem os casados, e
Officiaes Militares, que forem maiores de vinte e um annos, os Bachares Formados, e
Clerigos de Ordens Sacras.
II. Os filhos familias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem
Officios publicos.
III. Os criados de servir, em cuja classe não entram os Guardalivros, e primeiros cai-
xeiros das casas de commercio, os Criados da Casa Imperial, que não forem de galão
branco, e os administradores das fazendas ruraes, e fabricas.
IV. Os Religiosos, e quaesquer, que vivam em Communidade claustral.
V. Os que não tiverem de renda liquida annual cem mil réis por bens de raiz, industria,
commercio, ou Empregos.

1  IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original
com português utilizado na época).

114 • capítulo 4
Art. 93. Os que não podem votar nas Assembléas Primarias de Parochia, não podem
ser Membros, nem votar na nomeação de alguma Autoridade electiva Nacional,
ou local.
Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Mem-
bros dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa Parochial.
Exceptuam-se
I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz, indus-
tria, commercio, ou emprego.
II. Os Libertos.
III. Os criminosos pronunciados em queréla, ou devassa.
Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados.
Exceptuam-se
I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda liquida, na fórma dos Arts. 92
e 94.
II. Os Estrangeiros naturalisados.
III. Os que não professarem a Religião do Estado. IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição
Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original com portu-
guês utilizado na época).

A característica mais importante da Constituição de 1824 é a divisão dos po-


deres em quatro: Legislativo, Executivo, Judiciário e Poder Moderador. O Poder
Moderador era superior aos demais poderes e de titularidade do imperador
para controlar os demais poderes. “Art. 10. Os Poderes Politicos reconhecidos
pela Constituição do Imperio do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder
Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial”2.
O imperador não poderia ser responsabilizado por seus atos, pois era con-
siderado figura sagrada e detentor do poder estatal, nos termnos do artigo 99:
“Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a
responsabilidade alguma”3.
A Constituição de 1824 foi a que durou mais tempo, mas ela perdeu sua vi-
gência com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 e expulsão

2  IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original
com português utilizado na época).
3  IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original
com português utilizado na época).

capítulo 4 • 115
de toda família real do Brasil. Com a mudança radical do Brasil, tornou-se ne-
cessária a elaboração de uma nova constituição4.

4.2  Constituição republicana de 1891


O fim da monarquia e a adoção da República trouxe a necessidade de se ela-
borar uma nova constituição para o Estado brasileiro. A Assembleia Nacional
Constituinte foi eleita em 1890 para elaborar Constituição Republicana que
foi promulgada em 24 de fevereiro. Essa constituição ficou apelidada como a
Constituição de Rui Barbosa, senador relator do anteprojeto da constituição
que consagrava o presidencialismo e a forma federativa de Estados, nos mol-
des do modelo adotado na Constituição dos Estados Unidos. O Brasil mudou
inclusive de nome passando a ser chamado de Estados Unidos do Brasil5.
O federalismo foi adotado determinando-se que o Brasil conferiria autono-
mia aos seus entes federativos, descentralizando o poder.

Art 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representa-
tivo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se,
por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos
do Brasil. ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil (1891). Rio de Janeiro, 1891. (Texto original com português utilizado
na época).

O Brasil ao se tornar uma República estabeleceu que o governante é escolhi-


do pelo povo para um mandato determinado e tem o dever de agir em prol do
interesse de seu povo.

Art 43 - O Presidente exercerá o cargo por quatro anos, não podendo ser reeleito
para o período presidencial imediato.
§ 1º - O Vice-Presidente que exercer a Presidência no último ano do período presi-
dencial não poderá ser eleito Presidente para o período seguinte.

4  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.112.
5  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.115.

116 • capítulo 4
§ 2º - O Presidente deixará o exercício de suas funções, improrrogavelmente, no
mesmo dia em que terminar o seu período presidencial, sucedendo-lhe logo o
recém-eleito.
§ 3º - Se este se achar impedido, ou faltar, a substituição far-se-á nos termos do art.
41, §§ 1º e 2º.
§ 4º - O primeiro período presidencial terminará a 15 de novembro de 1894.
Art 44 - Ao empossar-se no cargo, o Presidente pronunciará, em sessão do Congres-
so, ou se este não estiver reunido, ante o Supremo Tribunal Federal esta afirmação:
"Prometo manter e cumprir com perfeita lealdade a Constituição federal, promover o
bem geral da República, observar as suas leis, sustentar-lhe a união, a integridade e
a independência." ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil (1891). Rio de Janeiro, 1891. (Texto original com português
utilizado na época).

O Brasil deixou de ter uma religião oficial e se tornou um Estado laico. “Art
11 - É vedado aos Estados, como à União: (...) 2 º ) estabelecer, subvencionar ou
embaraçar o exercício de cultos religiosos”6.
Além disso, o Poder Moderador deixou de existir e passou a ser somente
adotada a clássica divisão em três de Montesquieu: Executivo, Legislativo e
Judiciário. “Art 15 - São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o
Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si”7.
Nessa constituição surgiu também o controle difuso de constituciona-
lidade, ou seja, estabeleceu-se que qualquer juiz poderia declarar uma lei
como inconstitucional.
O primeiro momento da República brasileira foi muito tumultuado, em es-
pecial porque o voto era aberto e os derrotados nem sempre aceitavam de forma
pacífica a derrota nas urnas. Houve, então, a Revolução Constitucionalista de
1932, que clamava pela queda de Getúlio Vargas e por uma nova constituição8.

6  ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891). Rio de Janeiro,
1891. (Texto original com português utilizado na época).
7  ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891). Rio de
Janeiro, 1891. (Texto original com português utilizado na época).
8  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.113.

capítulo 4 • 117
4.3  Constituição de 1934
A Constituição de 1934 foi fruto da Revolução Constitucionalista de 1932, que
objetivava a alternância de poder e a elaboração de uma constituição mais ade-
quada para os clamores de defesa dos direitos sociais da época, como a saúde,
educação, trabalho e cultura. Em maio de 1933 foi eleita a Assembleia Nacional
Constituinte, que elaborou e aprovou a Constituição de 1934.

Outubro de 1930 marcou o fim de uma República ao mesmo tempo em que fechou
um capítulo de nossa história federativa e republicana. Foi 30, sem dúvida, ano de
grande comoções patrióticas, de esperanças cívicas, de confiança no futuro. O Estado
Liberal da versão clássica – durante mais de um século a idéia-força das nossas ins-
tituições – chegava ao fim, depois de haver atravessado dois regimes: de um Império
e uma Republica. O País acordava então para as mudanças do século. A ditadura do
Governo Provisório, em algumas matérias políticas e sociais, entrava com a mesma
força, o mesmo ímpeto, a mesma energia dos republicanos de 89, quando instauraram
a Primeira Republica e cuidaram de varrer, em vinte e quatro horas, por decreto-lei,
todas as instituições básicas do Império. Era a aurora do Estado Social. BONAVIDES,
Paulo; ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil. 3. ed. São Paulo: PAZ E
TERRA, 1991, p. 259-260.

A Constituição de 1934 conservou a estrutura principal da constituição de


1891, mantendo-se o federalismo, a República, a divisão tripartite dos poderes
e a laicidade do Estado.
Uma das mudanças ocorridas foi um aumento dos poderes da União e,
diante disso, como os estados membros perderam poder, houve uma diminui-
ção dos poderes do Senado que quase desapareceu9.
Além disso, foi na Constituição de 1934 que surgiu o voto feminino, até en-
tão não existente no Brasil. “Art 109 - O alistamento e o voto são obrigatórios
para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública re-
munerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar”10.
Ela previu os chamados direitos de segunda dimensão, ou seja, os direitos
sociais que eram exigidos por uma reclamação direta da sociedade.

9  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.
10  ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1934). Rio de
Janeiro, 1934. (Texto original com português utilizado na época).

118 • capítulo 4
Art. 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos
Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros
domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e eco-
nômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade
humana. ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil (1934). Rio de Janeiro, 1934. (Texto original com português utilizado
na época).

A Constituição de 1934 perdeu sua validade por meio de um golpe militar


realizado por Getúlio Vargas, que não queria deixar o poder e acabou outorgan-
do a Constituição de 1937.

4.4  Constituição de 1937


A Constituição de 1937 foi imposta por Getúlio Vargas e ficou conhecida como
“polaca”, pois foi inspirada na Constituição Polonesa da época.
O Brasil era uma ditadura e essa constituição viabilizava a concentração de
poderes nas mãos do chefe do Executivo e a diminuição dos direitos fundamen-
tais. Por exemplo, foram suprimidos os direitos fundamentais de greve, o direi-
to ao mandado de segurança, ação popular, dentre outros11.

Art. 139 - Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e em-
pregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será
regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à
competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum.
A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao
capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional. ESTA-
DOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
(1937). Rio de Janeiro, 1937. (Texto original com português utilizado na época).

O controle de constitucionalidade também foi enfraquecido, para se viabili-


zar a livre atuação do Executivo, uma vez que o federalismo era apenas nominal,
pois concentrava-se o poder nas mãos do Presidente. “Art. 96 - Só por maioria
11  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.127.

capítulo 4 • 119
absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes poderão os Tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da República”12.
A Constituição de 1937 não se sustentou após o fim da Segunda Guerra
Mundial, em 1945, pois o sistema ditatorial e antidemocrático brasileiro não
combinava com a vitória democrática obtida na guerra, com a atuação do Brasil
ao lado dos vencedores aliados. Diante dessa realidade foram convocadas no-
vas eleições e foi elaborada a Constituição de 1946.

4.5  Constituição de 1946


A Constituição de 1946 é a menos inovadora de todas as constituições brasi-
leiras, pois ela praticamente repetiu os dispositivos da Constituição de 193413.
Foram duas as inovações trazidas pela Constituição de 1934. A primeira foi
a previsão de que a capital da República sairia do Rio de Janeiro e seria insta-
lada no Planalto Central. “Art. 4º - A Capital da União será transferida para o
planalto central do Pais”14.
A segunda inovação foi o surgimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade,
durante a vigência dessa constituição.
A Constituição de 1946 foi aplicada até 1964, quando o golpe militar exi-
giu a elaboração de uma nova constituição, que chancelasse a nova ditadura
no Brasil.

4.6  Constituição de 1967 e a EC no1 de


1969

No dia 31 de março de 1964, João Goulart foi deposto, acusado de estar colabo-
rando com o comunismo internacional, e no dia 09 de abril de 1964 foi edita-
do o Ato Institucional no 1, que restringia a democracia no Brasil permitindo

12  ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1937). Rio de
Janeiro, 1937. (Texto original com português utilizado na época).
13  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.
14  ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1946). Rio de
Janeiro, 1946. (Texto original com português utilizado na época).

120 • capítulo 4
a suspensão dos direitos políticos dos indivíduos por um prazo de 10 anos, a
decretação do estado de sítio e a cassação de mandatos legislativos, dentre ou-
tras mudanças.

Art. 1º - São mantidas a Constituição de 1946 e as Constituições estaduais e respec-


tivas Emendas, com as modificações constantes deste Ato.
Art. 2º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, cujos mandatos
terminarão em trinta e um (31) de janeiro de 1966, será realizada pela maioria abso-
luta dos membros do Congresso Nacional, dentro de dois (2) dias, a contar deste Ato,
em sessão pública e votação nominal.
§ 1º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, outra realizar-se-á no mesmo
dia, sendo considerado eleito quem obtiver maioria simples de votos; no caso de em-
pate, prosseguir-se-á na votação até que um dos candidatos obtenha essa maioria.
§ 2º - Para a eleição regulada neste artigo, não haverá inelegibilidades. BRASIL.
Constituição da República federativa do Brasil de 1967. Brasília, 1967.

A Constituição de 1967, outorgada, viabilizava a imposição do poder ditato-


rial militar estabelecendo novamente a diminuição dos direitos fundamentais
e a redução das atribuições do Executivo e Judiciário para o fortalecimento do
Executivo. Os poderes da União também foram aumentados, diminuindo a au-
tonomia dos estados-membros15.
Durante o golpe militar o Estado passou a ser governado por atos institucio-
nais, sendo que o Congresso Nacional foi fechado em 1966, reabrindo somente
para aprovar a Constituição de 1967.
O texto da Constituição de 1967 mantinha o governo republicano e a tripar-
tição dos poderes formalmente, apesar de concentrar quase todo o poder nas
mãos do Chefe do Executivo federal.
O Presidente da República não seria eleito mais pelo voto direito, mas
pelo sufrágio de um colégio eleitoral, composto por membros do Congresso
Nacional e delegados das Assembleias Legislativas dos estados, mediante vota-
ção pública e nominal.

15  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.

capítulo 4 • 121
Art 76 - O Presidente será eleito pelo sufrágio de um Colégio Eleitoral, em sessão,
pública e mediante votação nominal.
§ 1.º - O Colégio Eleitoral será composto dos membros do Congresso Nacional e de
Delegados indicados pelas Assembléias Legislativas dos Estados.
§ 2º - Cada Assembléia indicará três Delegados e mais um por quinhentos mil
eleitores inscritos, no Estado, não podendo nenhuma representação ter menos de
quatro Delegados.
§ 3º - A composição e o funcionamento do Colégio Eleitoral serão regulados em lei
complementar. BRASIL. Ato Institucional no 1(1964). Brasília, 1964.

O Ato Institucional no 5 de forma concomitante com Constituição de 1967


estabeleceu poderes extraordinários ao Presidente da República e suspendeu
uma série de direitos e garantias constitucionais.

Art. 1º - São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições


estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional.
Art. 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacio-
nal, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Comple-
mentar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando
convocados pelo Presidente da República. BRASIL. Ato Institucional no 5(1968).
Brasília, 1968.

A garantia do habeas corpus ficou suspensa para os praticantes de crimes


políticos. “Art. 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de
crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a
economia popular”16.
Além disso, a justiça militar ganhou destaque, ampliando os seus poderes,
tendo a competência para julgar civis que pudessem atentar contra o regime
ditatorial. “Art. 11 - Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos
praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares,
bem como os respectivos efeitos”17.

16  BRASIL. Ato Institucional no 5(1968). Brasília, 1968.


17  BRASIL. Ato Institucional no 5(1968). Brasília, 1968.

122 • capítulo 4
Em 1969, foi imposta a Emenda Constitucional no 1 de 1969, determinando-
se, no Brasil, o governo das Juntas Militares. A emenda manteve em vigor todos
os atos institucionais, em especial o 5. O mandato do Presidente da República
foi aumentado para 5 anos, com eleição mantida na forma indireta.
Vários movimentos de redemocratização surgiram no final da década de se-
tenta, inclusive o conhecido ‘movimento das diretas já’, o que fez o povo brasi-
leiro movimentar-se em prol da promulgação de uma constituição democrática.

4.7  Constituição de 1988


A constituição de 1988 foi promulgada em 5 de outubro de 1988 por 559 cons-
tituintes entre deputados e senadores, tendo recebido o nome de ‘constitui-
ção cidadã’ pela sua característica democrática e pelo aumento dos direitos
fundamentais18.
A constituição de 1988 é uma constituição prolixa, pois possui 250 artigos
na parte permanente de seu texto, além do preâmbulo e dos Atos das Disposição
Constitucionais Transitórias (ADCT) com mais 100 artigos.
Ela é dotada de formalidade, pois apresenta-se na forma escrita e é hierar-
quicamente superior aos demais dispositivos legais do Estado brasileiro, sendo
rígida, pois só pode ser modificada por meio de um processo legislativo mais
dificultoso que o ordinário. Pode-se dizer que também é dogmática, pois foi
elaborada em um único só momento para gerir o Estado brasileiro.
O estudo dos dispositivos da Constituição de 1988 será realizado durante
todo o curso de Direito constitucional, de forma minuciosa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ato Institucional no 1(1964). Brasília, 1964.
BRASIL. Ato Institucional no 5(1968). Brasília, 1968.
BRASIL. Constituição da República federativa do Brasil de 1967. Brasília, 1967.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
(1934). Rio de Janeiro, 1934.

18  LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.140.

capítulo 4 • 123
ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
(1937). Rio de Janeiro, 1937.
ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
(1946). Rio de Janeiro, 1946.
IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

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