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CONSTITUCIONAL I
autora do original
RENATA FURTADO DE BARROS
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2016
Conselho editorial rafael m.iório filho, camille guimarães, roberto paes, gladis
linhares
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016.
isbn: 978-85-5548-263-2
Prefácio 7
1. Teoria da Constituição 9
1.1 Direito Constitucional: conceito, objeto e conteúdo 11
1.2 Constitucionalismo 13
1.3 Conceito de Constituição 18
1.4 Classificação das Constituições 22
1.4.1 Quanto à origem 22
1.4.2 Quanto à forma 23
1.4.3 Quanto ao modo de elaboração 23
1.4.4 Quanto à extensão 24
1.4.5 Quanto à finalidade 24
1.4.6 Quanto à estabilidade 24
1.4.7 Quanto ao conteúdo 26
1.4.8 Quanto à sistemática 26
1.5 Elementos das Constituições 26
1.6 Normas Constitucionais: aplicabilidade e eficácia 27
1.6.1 Normas Constitucionais de eficácia plena 27
1.6.2 Normas Constitucionais de eficácia contida 28
1.6.3 Normas Constitucionais de eficácia limitada 28
1.7 Hermenêutica das Normas Constitucionais 29
1.8 Preâmbulo e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias 33
1.8.1 Preâmbulo da Constituição 33
1.8.2 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) 35
2. Poder Constituinte 37
2.1 Conceito 39
2.2 Espécies de poder constituinte 42
2.2.1 Poder constituinte originário 42
2.2.1.1 Espécies de poder constituinte originário 44
2.2.2 Poder constituinte derivado 44
2.3 Espécies de poder constituinte derivado 44
2.3.1 Poder constituinte derivado revisional 45
2.3.2 Poder constituinte derivado reformador 46
2.3.2.1 Poder constituinte derivado reformador: limitações formais 48
2.3.3 Poder constituinte derivado decorrente 51
2.4 Poder constituinte difuso 53
2.5 Poder constituinte supranacional 54
2.6 Nova constituição e a ordem jurídica anterior 54
2.6.1 Teoria da constitucionalidade superveniente 56
2.6.2 Teoria da repristinação 56
capítulo •7
O Direito Constitucional é a base para o entendimento dos valores mais
profundos de uma sociedade e do ordenamento jurídico. A presente obra tem
o objetivo de introduzir didaticamente o Direito Constitucional, além de ser
um convite à reflexão sobre a defesa de direitos fundamentais no Estado Demo-
crático de Direito brasileiro.
Bons estudos!
1
Teoria da
Constituição
O estudo do Direito constitucional é desafiador e instigante para o aluno de
Direito por várias razões. O Direito Constitucional é a base para a compreensão
de todas as outras disciplinas do Direito; sem ele, o ordenamento jurídico não
encontraria respaldo para sua sistematização democrática. O aluno deve dedi-
car-se ao estudo do Direito Constitucional, pois todo estudo jurídico se dá sob
a ótica da constituição dos Estados. Além disso, é importante e fundamental
para a compreensão do desenvolvimento histórico da defesa de direitos pela
humanidade e para o entendimento da história do Estado Brasileiro.
A constituição é a manifestação jurídica basilar que organiza e efetiva a exis-
tência jurídica dos Estados, uma vez que representa a norma básica que organi-
za as relações entre governantes e governados nos diferentes Estados. Estudar
a constituição brasileira é entender a norma fundamental na qual se baseiam
todos os outros ramos jurídicos. Na atualidade, a busca constante da defesa do
texto constitucional no dia a dia faz com que, cada vez mais, as prescrições po-
sitivadas, no texto da constituição, sejam efetivadas. Além disso, o povo clama
pelo cumprimento real dos paradigmas do Estado Democrático de Direito.
No primeiro capítulo desta obra, a temática abordada é a Teoria da Constitui-
ção, que é uma área do Direito Constitucional que trata dos fundamentos de
um Estado com governo constitucional. A Teoria da Constituição utiliza-se
das diferentes concepções e teorias jurídicas para buscar uma explicação so-
bre o que é a constituição, qual o motivo de sua elaboração, quais os tipos de
constituições existentes nos diferentes Estados e qual é a abordagem da teoria
democrática.
A Teoria da Constituição no Brasil é uma disciplina acadêmica que incide
sobre o significado e importância da Constituição da República Federativa do
Brasil e seus antecedentes históricos.
10 • capítulo 1
1.1 Direito Constitucional: conceito, objeto e
conteúdo
CONCEITO
O Direito Constitucional é o ramo do Direito Público, didaticamente autônomo, que estuda a
organização e o funcionamento do Estado e a defesa dos direitos e garantias fundamentais.
capítulo 1 • 11
ou seja, ‘os entes privados podem fazer tudo aquilo que a lei não proíbe’. No
Direito Público, a norma impositiva não permite desobediência ou disposição
em contrário. A constituição, por exemplo, prevê a proteção dos direitos fun-
damentais do homem e o Estado não tem liberdade de desobedecer ou violar
esses direitos, uma vez que o Estado deve obedecer a norma constitucional de
forma cogente (obrigatória).
Entretanto, destaca-se que a divisão dicotômica entre o Direito Público e
o Privado tem se demonstrado como uma metodologia ultrapassada, pois as
relações jurídicas estão cada vez mais constitucionalizadas e o Direito Privado
passa por um fenômeno de constitucionalização, que leva ao questionamento
dessa divisão acadêmica.
O Direito Constitucional aborda os princípios fundamentais por meio dos
quais o governo organiza as relações estatais, sem se olvidar da defesa dos di-
reitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Em alguns casos, estes princí-
pios concedem competências e obrigações específicas para o governo, como o
poder de tributar e de gastar recursos públicos, em prol da efetivação do bem
-estar social. Outras vezes, os princípios constitucionais agem para determinar
limites sobre o exercício das atribuições do governo, objetivando a proteção do
povo contra possíveis abusos no exercício do poder pelo Estado.
Nas palavras de Luís Roberto Barroso:
12 • capítulo 1
O Direito Constitucional claramente baseia-se na constituição para de-
linear a sua aplicação eficaz. O objeto de estudo do Direito Constitucional é
a constituição e as normas constitucionais, diante da sistemática do ordena-
mento jurídico dos Estados e de discussões sobre os valores estatais, a eficácia
das normas constitucionais, técnicas e interpretação do texto constitucional
(Hermenêutica Constitucional), costumes e defesa de direitos fundamentais.
A constituição promove um encontro entre a política e o Direito, uma vez
que a constituição organiza politicamente a sociedade. A partir dessa organi-
zação surge o conceito de Estado, que é a sociedade politicamente organizada.
O papel da constituição é de estabelecer a organização do Estado, definir
os direitos fundamentais e estabelecer metas e programas para o futuro do
Estado.
Os principais conteúdos tratados pelo Direito Constitucional e pelas cons-
tituições dos Estados são: os direitos e garantias fundamentais; a estrutura e
organização do Estado e de seus órgãos; o modo de aquisição e a forma de exer-
cício do poder; a defesa da Constituição, do Estado e das instituições democrá-
ticas e os objetivos socioeconômicos do Estado.
1.2 Constitucionalismo
CONCEITO
O Constitucionalismo é o movimento social, jurídico e político que tem como principal carac-
terística a limitação do exercício do poder do Estado por meio do texto constitucional, com o
objetivo de preservar os direitos fundamentais do povo.
Teoria que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos
em dimensão estruturante da organização política-social de uma comunidade.
capítulo 1 • 13
Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de
limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo trans-
porta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal
como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo. CANOTILHO, José Joaquim
Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.51 e 218.
14 • capítulo 1
No século XVIII, dois documentos mudaram a história do
Constitucionalismo: a Constituição Norte Americana de 1787 e a Constituição
Francesa de 1791. No meio dessas duas constituições, a Revolução Francesa
em 1789 reforçou o movimento constitucionalista. Por influência dessas duas
constituições e dos ideais da Revolução Francesa, o Constitucionalismo se es-
palhou por toda a Europa e cada monarquia foi caindo por terra. Em decorrên-
cia dessa influência, foram elaboradas várias constituições, como a Primeira
Constituição Espanhola de 1812 e a Primeira Constituição de Portugal de 1822.
No Brasil, em 1824, foi elaborada a Primeira Constituição brasileira, outorgada
por Dom Pedro I. Dom Pedro I sabia que a única forma de se legitimar no poder
era por meio de uma constituição.
O Constitucionalismo na contemporaneidade recebe o nome de
Neoconstitucionalismo, sendo fruto de uma série de princípios constitucionais
do século XX. Antes de se abordar de forma específica o Neoconstitucionalismo,
é importante tratar de alguns constitucionalismos que o precedem.
O Constitucionalismo Social é o movimento que passou a prever na cons-
tituição os direitos sociais, como por exemplo, o direito à saúde, à educação,
à moradia, à alimentação, dentre outros. O Constitucionalismo Social sur-
ge na Constituição de México de 1917, mas se torna mais conhecido com a
Constituição de Weimar (alemã) de 1919. Antes do Constitucionalismo Social,
tinha-se a previsão somente de direitos individuais, em uma perspectiva liberal
de defesa de direitos. No Estado Liberal, o indivíduo tinha seus direitos indi-
viduais e o Estado não interferia nas relações privadas, ou seja, as pessoas se
viravam na luta pela sobrevivência. No Estado Social, a constituição prevê a ne-
cessidade de se defender os direitos sociais, o que exige uma postura mais ativa
do Estado. No Brasil, a Constituição de 1934 (terceira constituição brasileira)
foi a primeira a prever a defesa de direitos sociais5.
O Transconstitucionalismo é outro movimento de observação do
Constitucionalismo que trata da relação que há entre o direito interno e o
Direito Internacional para a melhor tutela dos direitos fundamentais. Segundo
o autor Marcelo Neves, nem sempre as constituições conseguem prever todos
os fatos que desafiarão os direitos fundamentais e, por esse motivo, os dispo-
sitivos internacionais que tratam de direitos humanos podem complementar a
defesa dos direitos fundamentais6.
5 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 68-69.
6 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 69.
capítulo 1 • 15
[...] o transconstitucionalismo implica o reconhecimento de que as diversas ordens
jurídicas entrelaçadas na solução de um problema-caso constitucional – a saber, de
direitos fundamentais ou humanos e de organização legítima do poder – que lhes são
concomitantemente relevantes, devem buscar formas transversais de articulação para
solução do problema, cada uma delas observando a outra, para compreender os seus
próprios limites e possibilidades de contribuir para solução do problema. Sua identi-
dade é reconstruída, dessa maneira, enquanto leva a sério a alteridade, a observação
do outro. Isso parace-me frutífero e enriquecedor da própria identidade porque todo
observador tem um limite de visão no “ponto cego”, aquele que o observador não
pode ver em virtude da sua posição ou perspectiva de observação. NEVES, Marcelo.
Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 265.
7 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 70.
8 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 267.
16 • capítulo 1
especial dos direitos fundamentais. Após a Segunda Guerra Mundial, verificou-
se que os regimes ditatoriais mais autoritários baseavam-se no Pós-positivismo.
Na Alemanha nazista, por exemplo, leis estabeleciam a autorização de esterili-
zação dos deficiente físicos, ou seja, as leis eram utilizadas como argumento
para a violação dos direitos humanos e fundamentais. A experiência vivida na
Segunda Guerra levou à elaboração de novas formas de se abordar o direito,
que fossem menos preocupadas com o positivismo jurídico e mais preocupa-
das com a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, não se pode confundir
o Direito Constitucional com apenas o que está escrito no texto da constituição
dos Estados. O Direito Constitucional é muito mais do que a norma positivada
nas constituições.
O ideal neoconstitucional afirma, ainda, nos ensinamentos de Konrad
Hesse, que toda constituição possui força normativa e deve, portanto, ser efe-
tivada. A noção é a de que a constituição é uma lei, um documento com força
normativa para modificar a realidade social, em prol da defesa dos direitos fun-
damentais. O objetivo dessa visão é buscar uma maior eficácia de todo o texto
constitucional e, em especial, dos direitos fundamentais9. O Supremo Tribunal
Federal tem corroborado esse pensamento, em especial quando afirma que as
normas programáticas não podem se converter em promessas constitucionais
inconsequentes, “sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas
nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumpri-
mento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade
governamental”10.
Em resumo, o Neoconstitucionalismo objetiva assegurar uma maior eficá-
cia dos direitos fundamentais, limitando o poder do Estado e exigindo dele o
cumprimento integral do que está prescrito no texto constitucional.
Importante consequência desse movimento é uma maior eficácia dos prin-
cípios constitucionais, que também são vistos como obrigatórios nessa ideolo-
gia. Exemplo dessa afirmativa se deu na decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF), que examinou a questão da união homoafetiva, a união entre pessoas
do mesmo sexo. O STF não se baseou apenas no texto constitucional, ou seja,
no artigo 226 da Constituição, que define a união estável apenas como a união
9 HESSE, Conrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio
Fabris Editor, 1991.
10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 393175/RS. Relator: Celso de Mello. Diário
de Justiça Eletrônico, Brasília, 1 fev. 2006. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/
informativo414.htm>. Acesso em: 27 set. 2015.
capítulo 1 • 17
entre homem e mulher. O STF baseou-se no princípio constitucional da digni-
dade da pessoa humana para dizer que a união homoafetiva também é consi-
derada como entidade familiar, equiparando-se à união estável. A importância
dessa decisão na efetivação do ideal neoconstitucionalista, pós-positivista, é
fundamental, pois ao invés de se aplicar a regra do texto da constituição, apli-
cou-se o princípio constitucional11.
Outra consequência foi o alargamento da jurisdição constitucional no
Brasil, ou seja, o surgimento de novas ações constitucionais defensoras do
Direito Constitucional e dos direitos fundamentais. Como, por exemplo, a cria-
ção da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), assim
como outras ações que surgiram nos últimos vinte anos. O Judiciário recebe,
portanto, uma enorme responsabilidade de fiscalizar o cumprimento das nor-
mas e princípios constitucionais.
CONCEITO
Na concepção de Niklas Luhmann, a constituição é um acoplamento estrutural entre o direito
e a política, considerada como a lei máxima da sociedade. Portanto, o que viabiliza a conexão
entre o direito e a política, como ciência da organização, administração e estruturação das
vontades populares nos Estados Democráticos, é a constituição.12
11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 4277 DF. Relator: Ayres Brito.
Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 05 mai. 2011. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=628635>. Acesso em: 27 set. 2015.
12 LUHMANN, Niklas. EI derecho de la sociedad. Trad. Javier Nafarrate Torres. México: Universidad Iberoamericana,
2002.
18 • capítulo 1
Apesar de se desejar estabelecer um conceito de constituição mais objetivo,
diante da pluralidade de autores que já se debruçaram sobre a questão, é im-
prescindível discutir os principais conceitos existentes sobre a constituição na
doutrina. Essa discussão não é meramente teórica, pois permite uma reflexão
apurada sobre o papel da constituição na contemporaneidade.
A primeira concepção de constituição importante de ser abordada é a
Constituição em Sentido Sociológico, cujo principal responsável foi o autor
Ferdinand Lassale, considerado como o precursor da social democracia alemã
no século XIX. Para Lassale, a constituição é a soma dos fatores reais de poder
que emanam do povo, uma vez que a constituição não é somente uma folha
de papel. Assim, todo agrupamento humano tem uma constituição. No pen-
samento de Lassale percebe-se a existência de duas constituições: uma consti-
tuição real, que corresponde à soma dos fatores de poder que regem o Estado,
e uma constituição escrita, que, quando não cumprida, apresenta-se apenas
como uma folha de papel13.
Ao conceito sociológico associa-se o alemão Ferdinand Lassalle que, em sua obra "A
essência da Constituição", sustentou que esta seria o produto da soma dos fatores
reais de poder que regem a sociedade.
Segundo esta concepção, a Constituição é um reflexo das relações de poder vigentes
em determinada comunidade política. Assemelhada a um sistema de poder, seus
contornos são definidos pelas forças políticas, econômicas e sociais atuantes e pela
maneira como o poder está distribuído entre os diferentes atores do processo político.
Isso significa que Constituição real (ou efetiva) é, para o autor, o resultado desse
embate de forças vigentes no tecido social. MASSON, Nathalia. Manual de direito
constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 23.
capítulo 1 • 19
divide sua classificação da constituição em duas partes: a “constituição” e as
“leis constitucionais”. A Constituição” trata somente de normas que são es-
senciais, no âmbito constitucional, para a proteção das decisões políticas do
Estado. As “leis constitucionais" são as demais normas presentes no texto cons-
titucional, mas que poderiam estar previstas em matéria infraconstitucional.
Na teoria de Carl Schmitt, “constituição” é fundamento de existência política
do Estado, ao passo que “lei constitucional” é escolha de se defender regras no
texto constitucional15.
Schmitt é muito criticado, em especial porque foi o autor que embasou o
constitucionalismo da Alemanha nazista. A preocupação em se aplicar essa
teoria está na noção de que a validade de uma constituição não se apoia nos va-
lores da justiça e na defesa dos direitos fundamentais, mas na decisão política
que a origina.
A mais importante concepção de constituição é a Constituição no Sentido
Jurídico. Nessa concepção, Hans Kelsen afirma que a constituição é a lei mais
importante de todo ordenamento jurídico. Diante dessa afirmativa, ele conclui
que o ordenamento jurídico é um sistema hierárquico de normas, no qual a
norma principal é a constituição. Kelsen representa o ordenamento jurídico de
forma piramidal, colocando no topo da pirâmide a constituição, como norma
que valida a existência de todo o ordenamento jurídico brasileiro16.
CONSTITUIÇÃO
15 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 86.
16 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 87.
20 • capítulo 1
Kelsen estruturou o ordenamento de forma estritamente jurídica, baseando-se na
constatação de que toda norma retira sua validade de outra que lhe é imediatamen-
te superior.
Segundo o autor, no mundo das normas jurídicas uma norma só pode receber valida-
de de outra, de modo que a ordem jurídica sempre se apresente estruturada em nor-
mas superiores fundantes – que regulam a criação das normas inferiores – e normas
inferiores fundadas – aquelas que tiveram a criação regulada por uma norma superior.
Essa relação de validade culmina em um escalonamento hierárquico do sistema
jurídico, uma vez que as normas nunca estarão lado a lado, ao contrário, apresentarão
posicionamentos diferenciados em graus inferiores e superiores. MASSON, Nathalia.
Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 25.
capítulo 1 • 21
elaboração de normas que não são aplicadas de forma cogente, mas que servem
para abrandar, ideologicamente, o clamor social que reivindica soluções para
as necessidades sociais de efetivação de direitos fundamentais. Marcelo Neves
chama essas normas de legislação-álibi do Estado17. Exemplo dessa questão é a
atual e recorrente discussão sobre a redução da maioridade penal, uma vez que a
mudança da legislação não irá abrandar os problemas de segurança pública, mas
funcionará como um símbolo para satisfazer os grupos populares que buscam e
exigem uma maior segurança pública efetivada pelo Estado.
17 NEVES, Marcelo. Constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 197-198.
18 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 97.
19 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 96.
22 • capítulo 1
Ex.: Constituição do Chile, elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet
(1973-1990) e promulgada em 1980. 20
Paulo Bonavides cita, também, a classificação de “constituições Pactuadas”,
como aquelas que se efetivam por meio de um pacto realizado entre o rei (Executivo)
e o Legislativo, determinando que o monarca tenha que se sujeitar a limites cons-
titucionais. Ex.: Magna Carta de 1215, na qual os barões ingleses obrigaram o rei
João I (João sem terra) a assinar e conceder direitos de liberdade e propriedade21.
20 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.45.
21 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2006, p. 49.
22 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 98.
23 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 99.
24 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 101.
capítulo 1 • 23
1.4.4 Quanto à extensão
25 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 99.
26 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 99.
24 • capítulo 1
São classificadas como “constituições imutáveis” aquelas que não aditem
qualquer tipo de modificação. Esse tipo de constituição não é popular, devido
à dificuldade que ela coloca para a atualização do texto constitucional às novas
demandas sempre trazidas pela evolução da sociedade27.
As “constituições rígidas” são aquelas que admitem a modificação de seus
textos, mas que exigem que a alteração ocorra somente após um processo legis-
lativo mais dificultoso do que o utilizado para a elaboração de leis ordinárias.
As constituições “semi-rígidas” estabelecem um processo legislativo mais
complexo para a modificação da constituição somente para parte de seu texto
constitucional, sendo o restante modificado nos mesmos critérios de modifica-
ção de lei ordinária. Ex.: Constituição Brasileira de 1824. 28
As “constituições flexíveis” são aquelas que permitem a mudança do texto
constitucional, por meio do mesmo processo ordinário de elaboração e modi-
ficações de leis29.
A rigidez constitucional decorre do princípio de supremacia do texto cons-
titucional, que coloca a constituição como norma suprema do Estado. Essa ob-
servação leva à conclusão de que a constituição é a “norma de validade” que
“filtra” todos as leis e atos normativos, para conferir validade a eles, no Estado
constitucional. Além disso, todas as atuações do Executivo e Judiciário também
devem passar pelo crivo da constituição. O Estado deixou de ser somente um
Estado legislativo de Direito, no qual somente as normas e atos normativos
passavam por uma “filtragem constitucional” e se efetivou como um Estado
Democrático e Constitucional de Direito, a partir do momento que se exige a
obediência à constituição também daqueles que aplicam e executam a legisla-
ção no caso concreto (Executivo e Judiciário).
A constituição brasileira de 1988 é classificada como uma constituição rí-
gida pela maioria dos autores, pois possui um processo legislativo dificulta-
do para a modificação do texto constitucional. Entretanto, para Alexandre de
Moraes ela se classifica como um a constituição super rígida, pois além de pos-
suir essa rigidez, possui artigos que são imutáveis, conhecidos como Cláusulas
Pétreas (Art. 60, § 4º, Constituição)30.
27 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 102.
28 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 102.
29 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 102.
30 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 103.
capítulo 1 • 25
1.4.7 Quanto ao conteúdo
31 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 100. LENZA, Pedro.
Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 100.
32 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 104.
26 • capítulo 1
orgânico’, que organiza a estrutura do Estado. Ex.: Art. 2o, 18 e 92 da Constitui-
ção da República de 1988.
O segundo elemento é conhecido como ‘elemento limitativo’, que obje-
tiva restringir o exercício do poder do Estado, ao determinar a obrigação do
Estado de respeitar os direitos fundamentais dos indivíduos. Ex.: Art. 5o da
Constituição da República de 1988.33
Há, também, os ‘elementos sócio-ideológicos’, que tratam das diferentes
ideologias previstas no texto constitucional de um Estado. Ex.: Art. 3o e 170 da
Constituição da República de 1988. 34
Em quarto lugar, as constituições possuem também ‘elementos de estabi-
lização constitucional’, que estabelecem formas de se estabilizar a segurança
constitucional em casos de tumulto institucional do Estado. Ex.: Art. 34 (inter-
venção federal), art. 137 (estado de sítio) e art. 136 (estado de defesa)35.
Por fim, os ‘elementos formais de aplicabilidade’ estabelecem regras
e orientam na própria aplicação do texto constitucional. Ex.: preâmbulo
da Constituição, disposições constitucionais transitórias e Art. 5o, §1o da
Constituição36.
capítulo 1 • 27
1.6.2 Normas Constitucionais de eficácia contida
28 • capítulo 1
Tratam de programas institucionais a
serem cumpridos pelo governo em prol
NORMAS DE PRINCÍPIO do interesse social. Ex.: Art. 6o (direito
PROGRAMÁTICO à alimentação, art. 196 (direito à saúde)
etc.
‘Hermenêutica’ é uma palavra que vem de ‘Hermes’, o deus grego que era res-
ponsável pela interpretação das palavras dos deuses, traduzindo-as para os ho-
mens. A palavra “hermenêutica” trata de uma tentativa de explicar, traduzir,
a norma jurídica para que seja compreendida e aplicada na sociedade. A her-
menêutica é a ciência da interpretação, e por meio dela interpreta-se melhor e
entende-se quais princípios podem ser utilizados para a compreensão das nor-
mas jurídicas37.
A Hermenêutica Jurídica possui uma subespécie conhecida como
Hermenêutica Constitucional, consagrada pelo ideal do Neoconstitucionalismo.
Pela importância suprema da constituição é importante que ela seja aborda-
da por técnicas de interpretação específicas. Além disso, a constituição é do-
tada de uma série de princípios e normas de caráter político que desafiam a
compreensão e exigem abordagens específicas de interpretação, por meio da
Hermenêutica Constitucional. Conclui-se que interpretar a constituição é dife-
rente de interpretar as leis infraconstitucionais38.
A primeira posição da Hermenêutica Constitucional é o chamado
“Interpretativismo”, que determina que o intérprete se limita pelo texto e pelos
princípios explícitos na constituição39.
37 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 163.
38 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 163.
39 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.120.
capítulo 1 • 29
A segunda abordagem é a do “Não Interpretativismo”, na qual o intérpre-
te vai além da norma e defende a aplicação dos valores constitucionais para a
compreensão da constituição40.
A Hermenêutica Constitucional questiona, também, se o intérprete da
constituição deve buscar interpretar de acordo com a ‘vontade da lei’ (mens le-
gis) ou de acordo com a vontade do legislador (mens legislatoris). Os autores
subjetivistas entendem que deve-se buscar a vontade do legislador. Entretanto,
a doutrina majoritária entende que deve-se buscar interpretar de acordo com a
‘vontade da lei’, a que está no texto, de forma objetiva. Em especial porque a lei
é mais inteligente que o legislador, sendo capaz de se adaptar a situações não
imaginadas pelo legislador41.
É importante tratar sobre os diversos métodos de interpretação constitu-
cional consagrados pela doutrina, em especial pelos ensinamentos de José
Joaquim Gomes Canotilho.
O primeiro método é o Método Hermenêutico Jurídico Clássico (ou méto-
do de Savigny), no qual o intérprete utiliza-se dos métodos tradicionais de inter-
pretação das leis, como o método gramatical ou literal. Outro método utilizado
nessa perspectiva clássica é a interpretação histórica, que verifica a genealogia
da lei, que se preocupa com o momento histórico de criação da lei. O método
lógico utiliza-se de raciocínios lógicos para entender a lei e também faz parte
dessa perspectiva clássica. O método teleológico, que analisa os objetivos pe-
los quais a lei foi criada, também está nesse contexto de método hermenêutico
clássico. Portanto, o método hermenêutico jurídico clássico utiliza-se dos mes-
mos métodos de interpretação das leis para interpretar a constituição42.
Entretanto, existem outros métodos específicos de interpretação, específi-
cos da Hermenêutica Constitucional, que devem ser estudados.
Os principais métodos de interpretação da Hermenêutica Constitucional são:
• O Método Tópico Problemático, que parte do problema para chegar na
interpretação adequada na norma43.
40 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.120.
41 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.122.
42 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.120.
43 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.120.
30 • capítulo 1
• O Método Científico Espiritual, que busca o espírito, a vontade da consti-
tuição, para compreendê-la44.
• O Método Normativo Estruturante, no qual o interprete deve buscar o real
sentido da norma constitucional, que não se confunde com o texto constitucio-
nal. Nos ensinamentos de Friedrich Muller, a constituição pode ser comparada
metaforicamente a um iceberg e o texto constitucional seria apenas a ponta do
iceberg a ser explorado em sua totalidade pela hermenêutica constitucional45.
• O Método Hermenêutico Concretizador de Konrad Hesse, no qual o in-
térprete parte de uma pré-compreensão da norma para depois fazer um círculo
hermenêutico indo do fato à norma e da norma ao fato quantas vezes for neces-
sário para sua compreensão46.
• O Método Comparativo, no qual o intérprete compara o texto da consti-
tuição do seu Estado com a constituição de outros Estados47.
capítulo 1 • 31
ao máximo as reformas constitucionais, o que gera uma estabilidade e seguran-
ça jurídica50.
• Princípio da Concordância Prática (ou Harmonização): Trata do confli-
to de direitos fundamentais, afirmando que eles devem se harmonizar na sua
aplicabilidade51.
• Princípio da Justeza (ou conformidade funcional): Afirma que o intérpre-
te não pode alterar as competências constitucionais52.
• Princípios da Integração (força integradora): Nos casos de conflitos de
normas constitucionais, o intérprete deve prestigiar a norma que busca uma
maior integração politica e social do Estado53.
• Princípio de Presunção de Constitucionalidade das leis: As leis presu-
mem-se constitucionais até que haja prova em contrário54.
50 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.124.
51 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.125.
52 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.125.
53 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.125.
54 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:
Almedina, 2003, p.126.
32 • capítulo 1
EXEMPLO
Caso Concreto: Um dos direitos fundamentais previstos na constituição é o direito de ampla
defesa, conferindo ao réu o direto de estar presente nos atos processuais de seu processo.
Entretanto, a Lei 11.900 de 2009 prevê o interrogatório por vídeo conferência, limitando o
direito de ampla defesa. Pergunta-se: Essa limitação é constitucional? O critério da propor-
cionalidade vai auxiliar na resposta desse questionamento. QUESTIONA-SE: 1) É adequado?
SIM, uma vez que pode evitar fuga de presos perigosos. 2) Há necessidade? SIM, uma vez
que apresenta-se como o meio menos lesivo à ampla defesa. 3) É proporcional essa medida
no sentido estrito? SIM, pois ao se colocar na balança a ampla defesa e a segurança pública,
parece uma medida proporcional.
capítulo 1 • 33
Todas as constituições brasileiras até hoje tiveram um preâmbulo, mas ele
não é um elemento obrigatório para a existência das constituições. Há uma tra-
dição no direito brasileiro, mas não é essencial.55
Questiona-se, portanto, se o preâmbulo é considerado como norma consti-
tucional, dotado de força normativa. O Supremo Tribunal federal Federal tem
entendido que o preâmbulo não é norma constitucional, não sendo dotado de
força normativa. Portanto, o preâmbulo não é norma de repetição obrigatória
nas constituições estaduais, ou seja, as constituições estaduais não precisam
ter preâmbulo e, quando optarem por colocá-lo, não têm a obrigação de repro-
duzir os ideais do preâmbulo da constituição da República.56
ATENÇÃO
O Supremo Tribunal Federal manifestou-se, nesse sentido, quando o Acre elaborou sua
constituição estadual, pois na constituição do Acre não havia a previsão da palavra Deus,
diferente dos outros estados federados que copiaram a palavra “deus” da constituição da
república. O partido politico PSL ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pedindo
que o STF afirmasse que essa omissão do Acre era inconstitucional. O STF decidiu a questão
afirmando que como o preâmbulo não é norma da Constituição Federal, ele não é norma de
repetição obrigatória nas constituições estaduais.
Além disso, como o preâmbulo não é norma constitucional, ele não pode ser utilizado
como parâmetro do controle de constitucionalidade. Se alguma lei ou ato normativo ferir o
que está disposto no preâmbulo, não há configuração de inconstitucionalidade.
Questiona-se: a palavra “Deus” colocada no preâmbulo fere a laicidade57 do Estado
brasileiro? NÃO, pois como o preâmbulo não é norma constitucional, ele não é dotado de
obrigatoriedade, é somente uma introdução que representa o momento histórico em que a
constituição foi criada.
Os crucifixos nas repartições públicas ferem a laicidade do Estado brasileiro, uma vez
que representam uma única religião? O Conselho Nacional de Justiça afirma que não há
uma violação da laicidade, pois é uma expressão da cultura brasileira, assim como os feriados
católicos como o Natal, que se mantém.
55 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 203.
56 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 203.
57 Característica do Estado que não possui religião oficial e é chamado de Estado laico.
34 • capítulo 1
1.8.2 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva,
2013.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2006.
BRASIL. Constituição da República federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 4277 DF. Relator: Ayres
Brito. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 05 mai. 2011. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635>. Acesso em: 27 set. 2015.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 393175/RS. Relator: Celso de Mello.
Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 01 fev. 2006. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/
informativo/documento/informativo414.htm>. Acesso em: 27 set. 2015.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª
tiragem. Coimbra: Almedina, 2003.
HESSE, Conrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Sergio Antônio Fabris Editor, 1991.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
LUHMANN, Niklas. EI derecho de la sociedad. Trad. Javier Nafarrate Torres. México: Universidad
Iberoamericana, 2002.
58 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 205.
capítulo 1 • 35
MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.
NEVES, Marcelo. Constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 265.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015.
36 • capítulo 1
2
Poder Constituinte
38 • capítulo 2
2.1 Conceito
CONCEITO
O poder constituinte é o responsável pela criação, reforma, revisão e mutação das constituições.
1 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 62.
2 No Brasil o título do livro foi traduzido como “A Constituinte Burguesa”, mas no original, em francês o título é
“Qu'est-ce que le Tiers État?”, ou seja, “O que é o terceiro Estado?”.
3 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.211-212.
capítulo 2 • 39
Entretanto, o poder constituinte não se confunde com os “poderes”4 cons-
tituídos do Estado, ou seja, com o Executivo, Legislativo e Judiciário. O po-
der constituinte existe a partir da origem popular, sendo um poder de fato.
Ele possibilita a elaboração e modificação da constituição. Por outro lado, na
constituição existirá o estabelecimento dos “poderes” constituídos: Executivo,
Legislativo e Judiciário. O poder constituinte é um só e de titularidade do
povo. As ideias de Sieyès levam à possibilidade de estabelecimento do Estado
Constitucional de Direito, ou seja, o povo, legítimo titular de poder, elaborando
a regra máxima que vai vigorar no Estado5.
4 A Teoria do Estado afirma que o poder é único e indivisível, sendo que na gestão estatal teríamos apenas uma
delegação de exercício de competência para as funções legislativa, executiva e judiciária. Entretanto, utiliza-se a
expressão “poder” utilizada na Constituição da República de 1988.
5 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.211-212.
6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
40 • capítulo 2
No Brasil, portanto, “todo poder emana do povo”, mas quem é o “povo”?
Segundo a doutrina clássica o povo é constituído por aqueles elencados no arti-
go 12 da Constituição que trata de nacionalidade, ou seja, o povo são os nacio-
nais de um Estado.
No artigo 2o da Constituição7 trata-se dos poderes constituídos, Legislativo,
Executivo e Judiciário, que não são objeto de tratamento no tópico em questão,
pois se diferem do poder constituinte.
O poder constituinte é um poder de fato, pois não existe um regramento
específico e normativo para fins de exercício desse poder. O poder só é exerci-
do quando há, factualmente, a necessidade de se adequar uma nova realidade
social e novos valores com o que está disposto e juridicamente disciplinado na
constituição. Entretanto, a consequência do exercício desse poder será jurídi-
ca, pois se materializará na constituição.
A convocação para o exercício do poder constituinte se dá, via de regra,
por meio da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Observe o
preâmbulo da constituição se referindo a essa hipótese:
7 “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 2 • 41
2.2 Espécies de poder constituinte
Há uma divisão dicotômica do poder constituinte em: Poder Constituinte Ori-
ginário e Poder Constituinte Derivado. A primeira categoria é chamada de “Po-
der Constituinte Originário”, “Poder Constituinte Inaugural” ou “Poder Cons-
tituinte Genuíno”. A segunda categoria recebe o nome de “Poder Constituinte
Derivado”, “Poder Constituinte Secundário”, “Poder Constituinte de Segundo
Grau” ou “Poder Constituinte Remanescente”.
8 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.213.
9 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.214.
42 • capítulo 2
Quando o poder constituinte originário se manifesta surge, portanto, a
constituição. Do ponto de vista jurídico-formal, um novo Estado surge do exer-
cício do poder constituinte originário. O Estado nasce juridicamente do exercí-
cio do poder constituinte originário.
As características desse poder constituinte originário são:
ILIMITADO Não encontra limite temático, pode tratar dos temas que
JURIDICAMENTE desejar.*
ATENÇÃO
Atualmente há uma forte corrente doutrinária que questiona a característica da doutrina clás-
sica que diz que o poder constituinte originário é totalmente incondicionado. As condições a
que o poder constituinte originário deve se submeter são documentos internacionais, como,
por exemplo, tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil. O Brasil, por exemplo, que
ratificou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não poderá atuar de forma ilimitada
no exercício do poder constituinte originário, suprimindo os direitos humanos que se compro-
capítulo 2 • 43
meteu a obedecer e efetivar. Esse princípio que protege a não violação de direitos humanos
já conquistados pelo povo é consagrado pela doutrina com o nome de “Princípio da Vedação
do Retrocesso”.
44 • capítulo 2
As características do poder constituinte derivado são:
capítulo 2 • 45
revisional deve se dar pela maioria absoluta dos membros do Congresso
Nacional, ou seja, "mais que a metade" do número total de indivíduos que com-
põe o Congresso Nacional.
ATENÇÃO
Não há limitações de tempo para fins de reforma da constituição, somente para a revisão,
como determinado no item anterior, o prazo de 5 anos. Entretanto, a reforma da constituição
sujeita-se a outras limitações circunstanciais e materiais.
46 • capítulo 2
reforma constitucional. O legislador constituinte, em regra, permitiu a altera-
ção da constituição, mas alguns conteúdos afirmou que não podem ser restrin-
gidos ou abolidos da constituição. Esses temas são intitulados pela doutrina de
Cláusulas Pétreas.
ATENÇÃO
Muitos doutrinadores afirmam que as cláusulas pétreas são imutáveis, mas há um erro técni-
co nessa afirmativa, pois há a possibilidade de termos emendas constitucionais sobre temas
de cláusulas pétreas, desde que não se restrinja ou extinga esses direitos, ampliando-os. É
possível, portanto, a existência de emendas para ampliar e melhorar a defesa das cláusu-
las pétreas.
Importante chamar atenção para o Art. 60, § 4º, inciso IV, que fala de di-
reitos e garantias individuais e não dos direitos fundamentais, pois a doutrina
majoritária tem entendido que sua interpretação deve ser restrita ao exato texto
constitucional. Exemplo de emenda constitucional que tratou de cláusula pé-
trea, para ampliá-la, foi a emenda 45 de 2004 que incluiu no Art. 5o os parágra-
fos 3o e 4o, tratando de direitos e garantias individuais. Portanto, é permitida
a mudança trazida pelos parágrafos 3o e 4o do Art. 5o da constituição, pois os
direitos e garantias individuais não foram restritos ou abolidos, mas amplia-
dos. Essa conclusão decorre do entendimento de que direitos e garantias fun-
damentais não são taxativos, restritos somente ao que já foi positivado, mas
exemplificativos, pois a evolução das relações humanas faz surgir novos direi-
tos fundamentais a serem protegidos.
Em relação ao inciso II do § 4º, do artigo 60 da constituição, é importante
ressaltar que os aspectos que são cláusulas pétreas do voto são: voto direito (o
capítulo 2 • 47
povo escolhe exatamente a pessoa que vai exercer o cargo), secreto (não há a
obrigação de se revelar o voto), universal (todos podem votar e seu voto tem o
mesmo peso) e periódico (é obrigatória a consulta a cada período de mandato
estipulado na constituição).
ATENÇÃO
O voto obrigatório é cláusula pétrea? Não! É possível uma emenda à constituição para colo-
car o voto como optativo, pois não está previsto na cláusula pétrea.
48 • capítulo 2
ATENÇÃO
Em relação ao inciso I do artigo 60 exige-se 1/3 da Câmara dos Deputados ou do Senado
Federal. Em provas da OAB se costuma colocar para confundir os alunos!
ATENÇÃO
Em relação ao inciso III do artigo 60 exige-se mais da metade das Assembleias Legislativas
das unidades da Federação, ou seja, maioria absoluta! Hoje seriam 27 unidades federa-
tivas, 26 estados da federação mais o Distrito Federal. No caso, a metade seriam 27 : 2 =
13,5, ou seja, precisa-se de 14 Assembleias Legislativas aprovando para que seja levada a
PEC ao Congresso Nacional. Cada Assembleia Legislativa, internamente, precisa se mani-
festar por maioria relativa de seus membros, ou seja, a maioria dos presentes.
PERGUNTA
É possível se ter iniciativa popular de emenda constitucional? O povo propor PEC?
No artigo 61, §2º, da constituição há previsão da iniciativa popular para a apresentação
de um Projeto de Lei, e essa iniciativa popular tem como requisito a presença de 1% do
eleitorado nacional, distribuído em 5 estados da federação, cada um deles representados
por 3/10% de seus eleitores.12
Há uma grande divergência doutrinaria sobre a questão acima. José Afonso da Silva
entende que SIM, pois a interpretação teria que ser sistemática, e se o povo é o titular do
poder constituinte, permitiria-se a iniciativa popular13. Entretanto, a doutrina majoritária e o
STF entendem que NÃO, pois deve ser tratada de forma restritiva a interpretação do artigo
para a proteção do texto constitucional, sem analogias.
12 “Art. 61, § 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de
lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não
menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”. BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
13 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.196.
capítulo 2 • 49
As limitações formais objetivas tratam das outras condições que a cons-
tituição impõe para permitir a mudança de seu texto, por meio de emendas
constitucionais.
A primeira exigência é que a PEC seja discutida e votada, em cada casa do
Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), e que em cada
uma das duas casas a votação tem que se dar em 2 turnos, ou seja, 4 votações ao
todo. Vota-se 2 vezes na Câmara e, se aprovado, vota-se 2 vezes no Senado. Via
de regra a PEC começa na Câmara dos Deputados, salvo se proposto por 1/3 do
Senado. Ela só será aprovada se obtiver, em ambas as casas, 3/5 dos votos dos
respectivos membros (60%) da maioria absoluta. O quórum é, portanto, maior
que o da aprovação de leis (maioria simples) e da revisão constitucional (maio-
ria absoluta).
PERGUNTA
É possível sanção de emenda à constituição? NÃO!!! A PEC não é submetida à aprovação
do Chefe do Executivo!!! Não há participação do Presidente da República na promulgação
e publicação de PEC, sendo que não existe sanção ou veto de emenda constitucional.
Quem promulga são as mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, órgãos
do Legislativo.
Além disso, a matéria que constar de uma PEC e que foi rejeitada ou pre-
judicada não pode ser reapresentada na mesma sessão legislativa, ou seja, no
mesmo ano, independente do quórum.
50 • capítulo 2
Art. 60, § 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por
prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado,
1988.
EC DE REVISÃO EC DE REFORMA
3/5 em 2 turnos de
QUÓRUM Maioria absoluta todos os deputados e
senadores
LIMITES MATERIAIS,
CIRCUNSTANCIAIS SE APLICAM SE APLICAM
PROCEDIMENTAIS E
IMPLÍCITOS
capítulo 2 • 51
os entes federativos brasileiros não tenham a mesma liberdade do federalismo
estadunidense. Os estados-membros podem editar suas próprias constitui-
ções, mas o poder constituinte decorrente é limitado a obedecer os ditames e
estar de acordo com a Constituição da República.
O art. 11 do ADCT estabeleceu a existência do poder constituinte derivado
decorrente: “Art. 11. Cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes,
elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulga-
ção da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta”14.
Muitas normas das constituições estaduais são repetições da constituição
federal e, por isso, recebem o nome de “normas de repetição”. Somente as nor-
mas constitucionais, que não são de repetição obrigatória, permitirão ao esta-
do-membro agir de forma autônoma ao elaborar a sua constituição e estabele-
cer um regramento próprio.
Portanto, nos estados existe poder constituinte, que é derivado da própria
constituição e está, portanto, limitado e condicionado ao poder constituin-
te originário.
Há uma polêmica em relação aos municípios, pois no artigo 18 da cons-
tituição eles estão incluídos no rol de entes federativos, sendo que antes de
1988 eram considerados como autarquias: “Art. 18. A organização político
-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos
desta Constituição”15. Diante dessa premissa, questiona-se se os municípios
também possuem poder constituinte decorrente. Entretanto, entende-se que
o município não pode exercer poder constituinte e criar constituições munici-
pais, sendo que há somente uma lei orgânica do município que tem a mesma
funcionalidade de uma constituição municipal, mas tecnicamente não é um
documento constitucional. A Constituição da República de 1988 não conferiu
aos municípios poder constituinte decorrente, somente aos estados. A lei orgâ-
nica do município, portanto, não tem natureza de norma constitucional, não
há poder constituinte decorrente municipal, sendo que se for desobedecida
não se gera uma inconstitucionalidade, apenas uma ilegalidade.
Os temas que são considerados, pela doutrina, como norma de repetição
obrigatória no âmbito estadual são: processo legislativo, CPI, organização do
Tribunal de Contas e eleição do Chefe do Executivo.
14 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
15 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
52 • capítulo 2
REFLEXÃO
Caso Concreto: Em 2002 foi julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2076)
do Partido Social Liberal (PSL), contra a Assembleia Legislativa do Acre, por omissão no
preâmbulo da Constituição daquele estado da expressão "sob a proteção de Deus". Na ação
julgada, o partido alegava ofensa ao preâmbulo da Constituição da República de 1988, que
mantém a expressão. Para o PSL, omissão apenas na Constituição do Acre tornava o estado
"o único no país privado de ficar sob a proteção de Deus". Argumentou-se ainda que, na
Assembleia Nacional Constituinte, a emenda que visava suprimir do texto constitucional a
invocação de Deus foi derrotada na Comissão de Sistematização.
PERGUNTA
Caso você fosse ministro do STF, na época, como julgaria a questão, levando em conside-
ração argumentos mais contundentes que a simples laicidade do estado? O preâmbulo é
norma de repetição obrigatória da constituição?
capítulo 2 • 53
É importante destacar que a mutação constitucional tem que estar presa às
normas e ao sistema constitucional, sendo impossível a interpretação do tex-
to constitucional de forma arbitrária16. Assim, como se pode falar em mutação
constitucional, pode-se falar também em mutação inconstitucional, que não é
permitida, pois vai contra a própria constituição.
16 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 73.
17 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional . São Paulo: Editora Método, 2014, p. 85.
54 • capítulo 2
com um caráter hierárquico ordinário. Essa possibilidade é aplicada na França
e em Portugal. O STF entende que não existe mais no Brasil essa possibilidade,
apesar de já ter existido. Exemplo: O artigo 147 da Constituição do Estado de
São Paulo de 1967 desconstitucionalizou a constituição paulista de 1947.
Na recepção, a norma constitucional anterior continua em vigor, mas man-
tém o seu status hierárquico constitucional, pois é recepcionada no que for ma-
terialmente compatível e nos pontos que a nova constituição determina que a
constituição anterior será mantida. Exemplo: Art. 34 do ADCT que recepcionou
as regras de 1967 do sistema tributário nacional por tempo determinado, ou
seja, 5 meses (vacatio constitutionis)18.
Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do
quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da
Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas
posteriores. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília:
Senado, 1988.
18 Vacatio constitutionis: tempo que a nova constituição leva entre a data de sua promulgação e a data oficial em
que passa a vigorar.
capítulo 2 • 55
2.6.1 Teoria da constitucionalidade superveniente
PERGUNTA
É possível que uma norma que nasceu inconstitucional, mas que não tenha sido declarada
como inconstitucional, possa se tornar constitucional em razão de uma emenda constitucio-
nal que passe a lhe dar validade?
NÃO, uma vez que no Brasil não existe a constitucionalidade superveniente, pois uma norma
que nasceu inconstitucional, mesmo que não declarada, nunca vai poder ser constitucional.
A análise de constitucionalidade é feita no momento do nascimento da norma (princípio da
contemporaneidade) e, portanto, a norma que nasceu inconstitucional, morre inconstitucional.
56 • capítulo 2
A repristinação é diferente e aplicada na forma de exceção. Ela pode ocor-
rer quando uma lei nova expressamente determina que uma lei antiga re-
vogada, ou parte dela, volte a ter validade; ou quando uma lei é declarada in-
constitucional e o STF determina que a lei revogada anteriormente pela lei
recém-inconstitucional volte a ter vigor. A repristinação em regra não é apli-
cada no Brasil, exceto quando a lei ou o STF determinam a volta do vigor da lei
revogada anteriormente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva,
2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (1942). Rio de Janeiro: Senado, 1942.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional . São Paulo: Editora Método, 2014, p. 85.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015.
capítulo 2 • 57
58 • capítulo 2
3
Direitos e
Garantias
Fundamentais
60 • capítulo 3
3.1 Teoria dos direitos fundamentais
O ser humano, para viver em sociedade, utiliza-se de instrumentos de controle
social que o possibilita conviver em grupo, através da limitação das relações
humanas, em prol de uma “paz social”1 . Sem esses mecanismos, as relações
humanas seriam um verdadeiro caos, uma anarquia, sem regras e respeito às
individualidades de cada pessoa. São instrumentos de controle social os valo-
res, a ética, os costumes e o direito.
A organização social, por meio do ideal do Constitucionalismo, determina a
importância de se estipular limites para a atuação do Estado para que a ordem
social não seja mais importante que a proteção dos direitos dos seres humanos,
no Estado Democrático de Direito. A história dos direitos fundamentais está
diretamente ligada à história do Constitucionalismo.
Os direitos fundamentais e os direitos humanos são definidos historicamen-
te pela sociedade de acordo com a evolução do pensamento filosófico, jurídico e
político do homem. Os jusnaturalistas defendem que a proteção dos direitos hu-
manos e fundamentais baseia-se na crença de que os seres humanos devem ter
os seus direitos básicos respeitados pela simples justificativa de serem humanos
e os Estados nacionais devem acatá-los. Entretanto, por mais que se conceba o
ideal universal, aceito pela humanidade, de proteger o ser humano, sabe-se que,
na realidade, os direitos humanos e fundamentais não surgem da natureza, mas
de inúmeras lutas históricas que travaram a longo dos séculos.
Os direitos humanos são aqueles direitos conquistados historicamente pe-
los homens e que são protegidos independente da anuência dos Estados, no
âmbito internacional e de forma universal, ou seja, sem qualquer distinção de
sexo, cor, etnia, raça, classe social, nacionalidade etc. Os direitos fundamen-
tais são os direitos humanos que foram positivados no texto constitucional dos
Estados, com o intuito de limitar o arbítrio do Estado e assegurar aos indiví-
duos a efetividade de sua dignidade humana.
A conceituação dos direitos humanos como direitos inerentes àqueles
que possuem a condição humana os coloca, em muitos países, como direitos
fundamentais da sociedade. O exercício dos direitos humanos, portanto, não
1 Paz Social: Entende-se como “paz social” a possibilidade de viabilização de uma convivência pacífica entre seres
humanos que possuem características distintas, mesmo que o único motivo para a existência desse convívio seja
uma imposição legal. Não há um comprometimento da paz social com a justiça, o que persiste é a preocupação em
viabilizar uma coabitação pacífica de seres humanos, em um mesmo local.
capítulo 3 • 61
dependerá de uma concessão do Estado, já que a condição humana é a causa
determinante para a existência desses direitos.
O papel do Estado será o de consagrar, garantir e viabilizar o exercício dos
direitos humanos, sem distinções de qualquer natureza como de raça, cultura,
etnia e nacionalidade. Os direitos humanos, assegurados pela sociedade inter-
nacional após a constatação histórica da importância de defesa desses direitos,
fruto da Segunda Guerra Mundial, passaram a ser consagrados pela legislação
interna de grande parte dos Estados nacionais em seus textos constitucionais.
Essa decisão da maioria dos países corroborou a necessidade de efetivação e
viabilização desses direitos e os transformou em direitos fundamentais, aque-
les assegurados pelas constituições de grande parte dos países-membros da so-
ciedade internacional, como faz o Brasil.
62 • capítulo 3
pertencente a gerações distintas, existirá ao mesmo tempo, sendo, portanto,
mais adequado se utilizar do termo ‘dimensões de direitos humanos’ para
distinguir esses direitos e dar a ideia de evolução da percepção e concessão de
direitos3.
As várias “dimensões dos direitos fundamentais” nada mais são do que novas facetas
de um mesmo direito, o direito à vida, só que em momento histórico diferente. Assim,
a expressão “gerações dos direitos fundamentais” pode nos dar, erroneamente, a ideia
de alternância, de superação, de descarte. Por outro lado, quando se fala em “dimen-
sões”, se resgata a ideia de expansão, de acumulação, de fortalecimento, de nova
visão.
As diversas dimensões dos direitos fundamentais foram construídas como respostas
às grandes violações, injustiças e estado de insegurança da humanidade. As dimen-
sões são resultados de reações às violações dos direitos. SCHNEIDER, Jeferson.
Direitos Humanos e a Reforma do Poder Judiciário. Disponível em: <http://www.
mt.trf1.gov.br/judice/jud3/art1.html>. Acesso em: 19 out. 2009.
3 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1056
4 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1056
capítulo 3 • 63
Segundo Gilmar Mendes:
64 • capítulo 3
seja, percebe-se a existência de fatores que podem vir a criar desigualdades en-
tre os homens e a lei busca igualá-los através de tratamentos diferenciados para
indivíduos diferentes5.
5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.214.
6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.212.
7 CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1995.
capítulo 3 • 65
Os principais instrumentos que protegem essa ideologia são: Constituição
do México de 1917, Constituição de Weimar de 1919, Tratado de Versalhes de
1919 e Constituição Brasileira de 1934. 8
A terceira dimensão de direitos surge após a Segunda Guerra Mundial com
a necessidade de uma proteção efetiva da pessoa humana, da expansão dos di-
reitos já existentes e do nascimento de novos direitos.
Esses novos direitos estão ligados ao terceiro ideal da Revolução Francesa:
a fraternidade. Eles pertencem a todos os indivíduos, mas sua realização e seu
exercício extrapolam a esfera individual e as fronteiras dos Estados. Esses di-
reitos não defenderão a igualdade entre coletividades distintas, mas direitos
suficientemente importantes para toda a sociedade tanto no âmbito nacional
como no internacional. A liberdade de ação da primeira dimensão de direitos
fundamentais persiste, entretanto, na terceira dimensão alguns direitos serão
criados para conceder o mínimo de dignidade ao homem universal.
8 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1057.
9 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.
66 • capítulo 3
Norberto Bobbio divide os direitos somente até à terceira dimensão, en-
tretanto, outros autores falam em mais dimensões de direitos fundamentais,
como a quarta dimensão que cuida dos direitos que seriam oriundos da glo-
balização das relações sociais e do desenvolvimento biotecnológico responsá-
vel, sendo seus principais exemplos: direito à democracia, à informação e ao
pluralismo10.
EXEMPLO
O direito fundamental de liberdade de locomoção está previsto na Constituição da República
de 1988, no artigo 5o, inciso XV: “XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo
de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
com seus bens”13. Esse direito é declarado no artigo 5o, inciso XV, como supracitado, mas
é assegurado pela garantia constitucional do habeas corpus, que permite que aquele que
tenha o seu direito de liberdade de locomoção violado possa recorrer ao judiciário por meio
dessa ação constitucional.
Os direitos fundamentais são encontrados na constituição da República em inúmeros
artigos. No artigo 5o da constituição são elencados os direitos individuais e coletivos, sendo
10 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.
11 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.
12 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.
13 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 67
um dos mais importantes artigos da constituição. Os direitos sociais estão previstos no artigo
6o ao artigo 11 da constituição. Na sequência prevê-se o direito de nacionalidade, no artigo
12. Por fim, estão previstos os direitos políticos, previstos nos artigos 14 e 15. Além desses
artigos, em toda a constituição percebe-se a presença dos direitos e garantias fundamentais.
Além do texto constitucional, os direitos e garantias fundamentais estão previstos nos
tratados internacionais, em especial nos que tratam sobre direitos humanos.
Pergunta: Os tratados internacionais teriam força normativa no Brasil para configurarem
como normas assecuratórias de direitos humanos?
Sim! É importante entender que historicamente os tratados ratificados14 pelo Brasil têm
força de lei ordinária, sendo até a emenda constitucional 45 de 2004 essa a regra. Entretan-
to, hoje, se o tratado internacional versa sobre direitos humanos e é aprovado pelo Congres-
so Nacional, com o mesmo procedimento legislativo de aprovação da emenda constitucional
(3/5 dos votos, em dois turnos, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal) ele terá
status, ou seja, hierarquia de emenda constitucional. Entretanto, segundo decisão do STF, se
o tratado de direitos humanos não for aprovado com a hierarquia de emenda constitucional,
terá hierarquia supralegal, ou seja, acima da lei e abaixo da constituição.
14 A ratificação é o ato internacional pelo qual “um Estado estabelece no plano internacional o seu consentimento
em obrigar-se por um tratado”. (BRASIL, Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Brasília:
Senado Federal, 2009.
68 • capítulo 3
EXEMPLO
Imagine que um indivíduo esteja assistindo um repórter na televisão dando a sua opinião.
Nesse caso, o telespectador está exercendo seu direito fundamental de informação e o
repórter seu direito fundamental de opinião, de forma concomitante.
Os direitos fundamentais são relativos, pois não podem ser aplicados sempre de forma
absoluta, ou seja, sempre existem exceções aos direitos fundamentais, por mais importantes
que sejam.
EXEMPLO
O direito à vida é um dos direitos fundamentais mais importantes, entretanto, mesmo assim
existem exceções para a sua proteção. No direito brasileiro o direito à vida sofre exceção, por
exemplo, nos casos de guerra declarada, quando a constituição permite a pena de morte.15
Os direitos fundamentais são também irrenunciáveis, inalienáveis, pois ninguém pode
abrir mão de seus direitos ou aliená-los com objetivos financeiros; apesar de poder não exer-
cê-los se desejar. São também imprescritíveis, pois não possuem tempo de validade, não
há intervalo temporal que possa invalidá-los.
EXEMPLO
O direito à vida é garantido pela constituição e as pessoas possuem esse direito, por outro
lado, o Estado tem o dever de não interferir na vida humana e de resguardá-la para que
seja efetivada.
15 “Art. 5o,XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”. (BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988).
capítulo 3 • 69
Além da eficácia vertical, os direitos fundamentais possuem uma eficácia horizontal, ou
seja, os direitos fundamentais são também aplicados nas relações entre os particulares. O
STF já decidiu nesse sentido, sendo um direito e uma obrigação dos particulares o respeito
aos direitos fundamentais.
EXEMPLO
O STF julgou um caso em que uma pessoa foi excluída de uma associação e disse que, nes-
se caso, deve ser respeitado entre os particulares o direito à ampla defesa do excluído, não
bastando somente a vontade expressada pelos outros associados.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à li-
berdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... BRASIL. Cons-
tituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988, grifo nosso.
70 • capítulo 3
não residentes que estejam de passagem no Brasil, o STF decidiu que esses es-
trangeiros podem gozar de seus direitos e garantias fundamentais. O ideal seria
que a previsão constitucional fosse relativa aos “estrangeiros em território na-
cional” e é essa a interpretação dada pelo STF.
16 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 71
Procurou-se, com isso, superar a concepção de Estado de Direito formal, no qual os
direitos fundamentais apenas ganham expressão quando regulados por lei. MASSON,
Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 203.
72 • capítulo 3
direitos da mesma natureza, que tenham o mesmo propósito de proteção do
indivíduo diante do Estado para garantir sua dignidade humana. Conclui-se
que os direitos e garantias fundamentais previstos na constituição são um rol
somente exemplificativo (rol numerus apertus) e não taxativo.
O caput do artigo 5o da constituição expressa os direitos que intenciona resguar-
dar em seus incisos, quais sejam: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
O direito à vida, previsto no artigo 5o, deve ser analisado em conjugação com o
artigo 1o, inciso III, que trata da dignidade da pessoa humana. O direito à vida
prevê o direito de não ser morto e de se ter uma vida digna nos termos constitu-
cionais. Assim como todos os direitos constitucionais, o direito à vida também
é relativo, pois limita-se por outros direitos. Os direitos convivem e um direito
sofre limitação dos outros (princípio da convivência das liberdades públicas). A
relativização do direito à vida é feita no artigo 5o, inciso XLVII, quando a consti-
tuição autoriza a pena de morte no caso de guerra declarada18.
Outros desdobramentos da relativização do direito à vida:
• O primeiro caso é o da pesquisa com células-tronco, discutida na Ação
Direta de Inconstitucionalidade 3510, que questionava a constitucionalida-
de do artigo 5o da Lei de Biossegurança (Lei 11.105 de 2005) que autorizava a
pesquisa com células-tronco embrionárias fruto da reprodução assistida (em-
briões excedentários), desde que congelados por no mínimo três anos e obtida
autorização dos donos do material genético. Questionou-se se essa pesquisa
violaria o direito à vida. O STF entendeu que não, desde que obedecidas as de-
terminações legais. A ideia é a de que já que o embrião pode ser descartado, não
haveria dano utilizá-lo para pesquisa científica de suas células-tronco.
18 “Art. 5o,XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”. (BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988).
capítulo 3 • 73
• O segundo caso é o dos fetos anencefálicos, no qual o STF decidiu, na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 de 2012, que o abor-
to de anencefálico não tipifica a conduta penal quando se realiza a interrupção
da gravidez. Permite-se que a gestante decida sobre a interrupção da gravidez,
não podendo se caracterizar a conduta como um aborto.
O segundo direito que está previsto no artigo 5o, caput, combinado com o artigo 5o,
inciso I, é o direito à igualdade. O caput afirma a igualdade formal, perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, e o inciso I afirma que “homens e mulheres
são iguais em direitos e obrigações”19. Questão interessante e polêmica, debatida
na atualidade, fala da não necessidade de distinguir homens e mulheres, com o tra-
tamento de todos os indivíduos como pessoas que poderiam denominar-se como
se sentirem mais confortáveis, independente de suas características físicas.
A igualdade pode ser vista sob dois aspectos: a igualdade formal e a igual-
dade material. A igualdade formal é aquela perante a lei, que estabelece que a
norma jurídica não pode estabelecer tratamento desigual, sem uma justificati-
va efetiva. Isso porque adota-se o conceito de igualdade descrito por Aristóteles
que afirma que: “Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os de-
siguais, na medida de sua desigualdade.” A afirmativa de Aristóteles parte da
observação de que se tratarmos pessoas desiguais de forma igual não se obtém
igualdade, mas sim mais desigualdade.
EXEMPLO
Afirmar que todos têm o direito de ir e vir de fora igual, sem dar condições para os deficientes
físicos se locomoverem de acordo com suas necessidades. A consagração da igualdade só
se dará com o tratamento diferenciado para as necessidades específicas.
19 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
74 • capítulo 3
Entretanto, na prática, isso não ocorre de verdade e é por isso que há o enfo-
que da igualdade material, real. Todas as medidas que buscam a efetiva igualda-
de dos indivíduos no Estado são medidas que consagram a igualdade material.
São as atuações que o Estado deve realizar para efetivar a igualdade entre as pes-
soas. Desse conceito surgem as chamadas ‘ações afirmativas’ ou ‘descriminações
positivas’. As ações afirmativas são todas as medidas realizadas pelo Estado que
tratam de forma desigual para fins de consagrar a igualdade na prática.
EXEMPLO
Cotas raciais, PROUNI e Lei Maria da Penha.
ATENÇÃO
É importante se analisar o princípio da igualdade nos concursos públicos. O STF admite limi-
tações nos editais dos concursos públicos em relação ao sexo, idade, altura, dentre outros.
A condição será a exigência de uma previsão legal do tratamento diferenciado e a distinção
tem que decorrer do exercício da função ou cargo.
capítulo 3 • 75
o dispositivo legal. Em resumo: o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não
proibir e o administrador público só pode fazer o que a lei determina.
O artigo 5o, inciso III, afirma que “Art. 5o, III – ninguém será submetido a tortu-
ra nem a tratamento desumano ou degradante”21 . Assim não se permite a uti-
lização da tortura ou qualquer tratamento desumano violador da dignidade da
pessoa humana. Essa colocação do impedimento da tortura, logo no início do
artigo 5o, é uma herança histórica da ditadura militar brasileira. O inciso XLIII
do artigo 5o também estabelece que:
Art. 5o, XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anis-
tia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo
e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os exe-
cutores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
21 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
76 • capítulo 3
Portanto, a súmula vinculante 11 estabelece limites também à atuação do
Estado no uso de algemas, em prol da dignidade da pessoa humana.
capítulo 3 • 77
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. BRASIL. Constitui-
ção da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
78 • capítulo 3
“ART. 210, § 1º O ENSINO
RELIGIOSO, DE MATRÍCULA O artigo afirma que, nas escolas
FACULTATIVA, CONSTITUIRÁ públicas, a matrícula é facultativa no
DISCIPLINA DOS HORÁRIOS ensino religioso, para que se garanta o
NORMAIS DAS ESCOLAS pluralismo religioso.
PÚBLICAS DE ENSINO
FUNDAMENTAL”.
22 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 79
3.3.8 Direito à inviolabilidade domiciliar
O artigo 5o, inciso XI, trata da inviolabilidade domiciliar: “Art. 5o, XI – a casa é
asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consenti-
mento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para pres-
tar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”23.
Esse dispositivo afirma que a ‘casa’ é asilo inviolável, mas ‘casa’ é interpre-
tada de forma extensiva pela jurisprudência, entendendo-se que se refere a
qualquer local onde se exerça suas atividades particulares, como, por exemplo,
escritório, quarto de hotel, consultório, apartamento etc.
A regra é que ninguém pode entrar na casa de outrem sem sua autorização,
tendo como exceções, a qualquer hora e sem autorização judicial, os casos de
flagrante delito, desastre ou para prestar socorro. Durante o dia, quem pode
determinar a entrada é somente o juiz de direito, ou seja, só se entra sem a au-
torização particular com determinação do juiz; é o que se chama de cláusula de
reserva de jurisdição.
O artigo 5o, inciso X, afirma: “Art. 5o, X – são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”24.
A norma constitucional deixa claro que a violação da intimidade, vida priva-
da, honra e imagem das pessoas pode ensejar na cobrança de indenizações pe-
los danos moral e material sofridos. Entretanto, mais uma vez afirma-se que os
direitos fundamentais não são absolutos e, portanto, existem exceções que per-
mitem essa violação. A jurisprudência tem se apoiado nos princípios da pon-
deração e razoabilidade para analisar a possibilidade de imputação de danos.
23 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
24 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
80 • capítulo 3
Art. 5o, XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial,
nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
(1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 81
Portanto, no Brasil qualquer trabalho, ofício ou profissão é livre, exceto nos
casos em que a atividade é tipificada na lei como algo ilegal. Essa é uma norma
constitucional de eficácia contida, pois há uma liberdade que pode ser restrin-
gida por norma infraconstitucional, como dispõe o inciso.
O exercício da atividade da advocacia, por exemplo, exige, além do bachare-
lado em Direito, a aprovação da OAB. É por esse motivo que o STF decide de for-
ma reiterada pela constitucionalidade da cobrança da aprovação no exame da
OAB. No caso do jornalismo, entretanto, como não há lei específica que regule
a profissão, o STF entende pela aplicação da liberdade de profissão, estipulada
na constituição, concluindo pela não necessidade do curso superior em jorna-
lismo para o exercício da profissão.
82 • capítulo 3
direito será responsabilizado. A única exceção está nas informações cujo sigilo
é imprescindível à segurança social ou do Estado.
Art 5o, XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qual-
quer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e funda-
mentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar
ou crime propriamente militar, definidos em lei. BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
O artigo 5o, inciso XVI, estabelece a liberdade de reunião dos indivíduos, sem
armas, em locais abertos ao público.
Art 5o, XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao
público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso
à autoridade competente. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
(1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 83
bens de uso especial não estão na regra constitucional. A reunião deve ter fins
pacíficos e, portanto, sem armas. A reunião nos termos constitucionais não de-
pende de autorização, mas deve-se avisar a autoridade pública a fim de se evitar
o conflito de reuniões para o mesmo local. O aviso é para fins de organização do
próprio poder público.
Art 5o, XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de cará-
ter paramilitar;
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de
autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas
atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito
em julgado;
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade
para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente. BRASIL. Constituição da
República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
84 • capítulo 3
A participação da associação é uma liberdade, não podendo-se obrigar a
entrada ou permanência em uma associação. Os associados dão legitimidade
para as associações representarem seus associados no âmbito judicial e extra-
judicial. A constituição exige apenas a autorização expressa de representação
no Estatuto da associação ou por meio de autorização especial.
capítulo 3 • 85
para atendimento de iminente perigo público. Exemplo: uso de escada no caso
de inundação. Nesse caso só há indenização, ulterior, se houve dano.
Por fim, o inciso XXVI prevê a proteção da pequena propriedade rural e o
tamanho é estabelecido por legislação infraconstitucional. Além disso, exige-se
que essa propriedade tenha atividade produtiva familiar e a proteção é apenas
relativa aos débitos decorrentes de sua atividade produtiva, a fim de se finan-
ciar o desenvolvimento rural familiar.
86 • capítulo 3
O inciso XXXV do artigo 5o da constituição prevê o princípio da inafastabili-
dade da jurisdição, que se relaciona diretamente com o direito de petição. “Art
5o, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito”27. Esse princípio afirma que nenhuma lei pode afastar da análise judi-
cial qualquer lesão ou ameaça de direito. Isso porque o Judiciário tem o dever de
dizer o direito no caso concreto e de forma definitiva, sendo vedada a autotutela.
O inciso XXXVI do artigo 5o estabelece limites à retroatividade da lei: “Art. 5o, XXXVI
– a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
O direito adquirido é todo aquele que o indivíduo já incorporou, ou seja, já
pode invocar perante alguém, pois já cumpriu os requisitos legais para exercê
-lo. Esse direito não pode ser prejudicado pela lei, ou seja, se a lei for modifica-
da não poderá se alterar o direito já adquirido no tempo.
EXEMPLO
Adquire-se determinado direito no dia 1o de agosto e a lei se modifica no dia 2 de setembro.
Nesse caso, a lei nova não se aplica para aqueles que já adquiriram o direito que não poder
ser mais retirado do indivíduo.
O ato jurídico perfeito é aquele ato praticado nos termos da lei e atendendo
todos os requisitos estabelecidos na lei. Portanto, em regra, se o ato foi pratica-
do nos termos da lei vigente no momento de sua prática não tem sentido ele ser
modificado por lei posterior.
No caso da coisa julgada preservam-se todas as decisões judiciais que já es-
tão decididas de forma definitiva (trânsito julgado), não se podendo alterar por
lei posterior, exceto nos casos estabelecidos na lei.
Assim sendo, a lei deve produzir efeitos do momento em que ela foi editada
para a frente. Se ela atinge situações pretéritas, não é possível a violação do direito
adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, em nome da segurança jurídica.
27 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 87
3.3.19 Tribunal do Júri
Art. 5o, XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a
lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. BRASIL. Cons-
tituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
Art. 5o, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal;
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberda-
des fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena
de reclusão, nos termos da lei;
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os
definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores
e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. BRASIL. Constitui-
ção da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
88 • capítulo 3
No direito penal trata-se da segurança jurídica de forma especial no inciso
XXXIX do artigo 5o. Afirma-se que não haja a retroatividade da lei para prejudi-
car o réu penal, ou seja, o Estado só pode punir o indivíduo se já deixou muito
claro na lei qual é a conduta que ele tipifica e quais as consequências da viola-
ção legal.
No inciso XL do artigo 5o afirma-se que a nova lei penal não produz efei-
tos pretéritos para prejuízo, apenas para benefício (retroatividade benéfica da
lei penal).
Em relação ao racismo, o inciso XLII do artigo 5o da constituição estabele-
ce que a prática de racismo é inafiançável e imprescritível, assim como os cri-
mes de grupos armados contra o Estado Democrático de Direito (inciso XLIV,
ART. 5O). Os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o
terrorismo são inafiançáveis e não suscetíveis de graça ou anistia (inciso XLIII,
ART. 5O).
capítulo 3 • 89
Os direitos sociais são caracterizados pela irrenunciabilidade, pois não po-
dem ser anulados pela vontade dos interessados como, por exemplo, nas rela-
ções de trabalho não se pode diminuir os direitos do trabalhador por meio de
um contrato de trabalho.
Todos são beneficiários dos direitos sociais, mas precisam deles, em es-
pecial os hipossuficientes, que dependem do Estado para obter as condições
materiais mínimas para o seu desenvolvimento e manutenção da dignidade da
pessoa humana.
O artigo 7o da constituição trata dos direitos dos trabalhadores de forma in-
dividual e os artigos 8o ao 11º tratam da defesa dos trabalhadores de forma co-
letiva. O artigo 7o fala dos trabalhadores urbanos e rurais e quais serias os seus
direitos básicos para a manutenção da dignidade no ambiente de trabalho.
Os trabalhadores protegidos pelos direitos sociais previstos no artigo 7o são
nos termos do artigo 3o da CLT: “Art. 3º - Considera-se empregada toda pessoa
física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a depen-
dência deste e mediante salário”28.
Os direitos sociais coletivos dos trabalhadores, previsto nos artigos 8o ao
11º da constituição, são o direito de associação profissional ou sindical, direito
de greve, direito de substituição processual, direito de participação e direito de
representação classista.
O direito de associação profissional ou sindical é exercido nos termos do
artigo 8o da constituição:
28 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Brasília: Senado, 1943.
90 • capítulo 3
V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;
VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;
VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatu-
ra a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um
ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos ru-
rais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer. BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 91
3.5 Direitos de nacionalidade – Arts. 12 e 13
A nacionalidade é o vínculo jurídico e político que o indivíduo tem com o Esta-
do. Não deve se confundir com naturalidade, que designa o local físico, cidade,
de nascimento da pessoa. Não necessariamente é o mesmo Estado a que o indi-
víduo será vinculado pela nacionalidade.
A nacionalidade poder ser originária (primária ou de origem), estabelecida
no momento do nascimento do indivíduo ou adquirida (secundária), oriunda
da manifestação da vontade do indivíduo que deseja se vincular ao Estado.
Na nacionalidade originária tem-se dois critérios que vinculam o indivíduo
ao Estado: a territorialidade (ius solis) e a consanguinidade (ius sanguinis).
No critério do solo atribui-se a nacionalidade a quem nasceu no território do
Estado, e no critério de sangue estabelece-se que são nacionais os descenden-
tes de nacionais, os que têm vínculo de sangue com os nacionais, e cada estado
estabelece seus critérios.
A constituição de cada Estado determinará quais os critérios adotados pelos
Estados, entretanto, os Estados que receberam imigrantes, como os Estados da
América, geralmente adotam o critério do solo. Os Estados que não foram colo-
nizados ou não receberam muitos imigrantes geralmente adotam o critério do
sangue, como, por exemplos, os Estados europeus.
A partir do critério da nacionalidade originária tem-se aqueles que são na-
tos do Estado, pois decorre do nascimento. No caso de nacionalidade adquiri-
da, decorrente da manifestação da vontade do indivíduo de se tornar nacional,
tem-se a chamada naturalização.
O Brasil adota os dois critérios: do solo (art. 12, I, ‘a’) e do sangue (art. 12, I,
‘b’ e ‘c’). O artigo 12, inciso I, da constituição estabelece quem são os brasileiros
natos e são três as hipóteses:
92 • capítulo 3
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam
registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República
Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade,
pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de
2007). BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília:
Senado, 1988.
capítulo 3 • 93
Os critérios de naturalização estão no artigo 12, inciso II, da constituição:
94 • capítulo 3
exige-se a nacionalidade para exercer um direito como, por exemplo, o direito
de votar e ser votado.
Não se pode ter discriminação entre os brasileiros natos ou naturalizados,
salvos os casos de diferenciação previstos na constituição, como afirma-se no
artigo 12, §2o: “Art. 12, §2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasilei-
ros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição”30.
Outra questão interessante está ligada à extradição, instituto que permite a
entrega de indivíduo a outro país, que tenha expedido ordem de prisão contra
ele. Nesse caso estabelece-se distinção entre o brasileiro nato e o naturalizado:
Art. 5o. LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime
comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.
30 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
31 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 95
Ao se analisar o § 3º do artigo 12 observa-se que os primeiros cargos, pri-
vativos de brasileiros natos referem-se aos que estão na linha sucessória da
Presidência da República, sendo eles o próprio Presidente e Vice-Presidente da
República; o Presidente da Câmara dos Deputados; de Presidente do Senado
Federal e de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Atenção: brasileiros natu-
ralizados podem ser deputados e senadores, mas eles não podem ser presiden-
tes da Câmara ou do Senado. No caso do STF, não se restringe somente o cargo
de presidente do STF, que estaria na linha sucessória, mas todos os ministros
do STF devem ser brasileiros natos. Isso porque o sistema de ocupação da pre-
sidência do STF é feito de forma rotativa, o que poderia colocar um brasileiro
naturalizado na linha sucessória da Presidência da República.
No caso de carreira diplomática, oficial das forças armadas e ministro de
Estado da Defesa, não se permite que seja um brasileiro naturalizado, pois es-
ses cargos estão ligados diretamente à defesa nacional.
O artigo 89, inciso VII, também se limita constitucionalmente à presença de
brasileiros naturalizados:
96 • capítulo 3
II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos:
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em
estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o
exercício de direitos civis. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
(1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 97
necessários para que a soberania popular seja exercida estão concentrados no
capítulo da constituição que trata dos direitos políticos.
No Brasil adota-se o sufrágio universal, ou seja, o direito de escolha dos re-
presentantes no Estado de Direito é realizado por todos que participam do povo
de forma direta e secreta, com valor igual para todos os votos.
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
§ 1º O alistamento eleitoral e o voto são:
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
Art. 60 - § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...)
II - o voto direto, secreto, universal e periódico.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
98 • capítulo 3
Na democracia direta tem-se a participação efetiva e individual de cada ci-
dadão em relação a uma temática específica e, no Brasil, ela pode ser exercida
por meio do plebiscito, referendo ou iniciativa popular.
O plebiscito e o referendo são formas de consulta ao povo e, por isso decor-
rem da condição de cidadão. A consulta se dá em momentos distintos, pois no
plebiscito consulta-se o povo previamente para depois se ter uma votação no
Legislativo. No referendo a ordem é contrária, após uma votação no Legislativo
o povo é consultado. Importante salientar que a opinião popular não vincula a
decisão do Legislativo e vice-e-versa, a ideia é se fazer uma consulta dupla sobre
a temática.
A iniciativa popular prevê a possibilidade de participação do povo para a
apresentação de um projeto de lei perante o Legislativo para que coloque em
votação e eventualmente venha a aprovar. Os requisitos estão previstos no ar-
tigo 61, § 2º, da constituição: 1% do eleitorado nacional, distribuídos em pelo
menos 5 estados da federação e cada um deles representado por 3/10 de seus
eleitores.
Art. 61, § 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos
Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado na-
cional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por
cento dos eleitores de cada um deles. BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 99
As condições de elegibilidade tratam das condições para ser votado no
Estado Brasileiro. São elas: a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos
direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral, a filiação parti-
dária e a idade mínima exigida para o cargo pleiteado. Os inalistáveis e analfa-
betos não podem ser eleitos, apesar de se assegurar o direito de votar de forma
facultativa para os analfabetos.
34 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
100 • capítulo 3
até seis meses antes do pleito”35. Nos cargos do Legislativo não há limites de
reeleição e nem é necessária a renúncia para se candidatar a outros cargos
do Legislativo.
Além disso, são inelegíveis os cônjuges, parentes consanguíneos ou afins
até o segundo grau daqueles que ocupam o cargo de presidente, governador
e prefeito do território. Essa inelegibilidade também se estende a quem tiver
substituído os ocupantes desses cargos, no período de seis meses anteriores
ao pleito. Salvo se for candidato a reeleição de mandato eletivo. A ideia é não
permitir uma perpetuação familiar na ocupação dos cargos executivos.
35 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 101
Art. 14, § 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no
prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso
do poder econômico, corrupção ou fraude”.
§ 11 - A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respon-
dendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé. BRASIL. Consti-
tuição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará
nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos
do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
O artigo 16 da constituição prevê que “Art. 16. A lei que alterar o processo
eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição
que ocorra até um ano da data de sua vigência”36. A ideia é conferir uma maior
estabilidade ao processo eleitoral e uma alteração legislativa que não seja volta-
da especificamente às eleições correntes.
Por fim, é importante falar sobre os sistemas eleitorais existentes no Brasil.
O sistema eleitoral é um conjunto de regras que tem por finalidade a organiza-
ção das eleições. O sistema pode ser majoritário ou proporcional. No sistema
36 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
102 • capítulo 3
majoritário vence o candidato que obtiver a maioria dos votos. No sistema pro-
porcional a eleição se dá com base na proporção de preferência dos eleitores.
No sistema majoritário pode-se adotar o critério de maioria simples ou
absoluta. A maioria simples prevê uma única votação, e quem obtiver a maio-
ria dos votos, independente da quantidade de votos, estará eleito. É o sistema
aplicado aos cargos de senadores e de prefeitos em municípios com menos de
200 mil habitantes (único turno de votação). A maioria absoluta requer a obten-
ção da maioria em primeiro turno de votação, ou seja, 50% mais 1 voto de todos
os votos válidos, votos brancos e nulos são ignorados. Caso não se obtenha essa
maioria em primeiro turno, realizar-se-á um segundo turno com os dois candi-
datos mais votados no primeiro. Essa regra vale para os cargos de Presidente da
República, governador e prefeito em cidades com mais de 200 mil habitantes.
capítulo 3 • 103
de ordem técnica para o seu ingresso. Ele nada mais é que um pedido direcio-
nado à autoridade judiciária para a proteção contra a prisão indevida, por ilega-
lidade ou abuso de poder. Basta, portanto, informar o fato que ele será apurado
pelo Judiciário de forma prioritária.
O inciso LXVIII prevê: “Art. 5o, LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre
que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”37.
Há, portanto, duas hipóteses de utilização do habeas corpus, como previsto
na constituição, de forma preventiva ou repressiva. Quando se utiliza do habeas
corpus pela ameaça à liberdade, tem-se o habeas corpus preventivo. É um salvo
conduto que impossibilita a prisão. Caso a prisão já tenha ocorrido, cabe o ha-
beas corpus repressivo.
A prisão ilegal decorre de um ato vinculado, ou seja, o ato deveria ser pra-
ticado de acordo com a lei e não se seguiu as determinações legais. No caso
da prisão por abuso de poder trata-se do caso de ato discricionário, no qual há
uma margem de atuação para o agente, mas ele ultrapassa esse limite e abusa
do poder. Portanto, ilegalidade refere-se a atos vinculados à lei e abusividade
a atos discricionários. Ambos são causas para se impetrar um habeas corpus.
O habeas data tem como objetivo resguardar a liberdade de dados (‘data’). Os in-
divíduos têm direito de acesso a informações, e caso as informações pessoais dos
indivíduos não forem obtidas de forma livre, cabe o remédio constitucional do
habeas data. Portanto, o indivíduo tem o direito constitucional de obter seus dados
personalíssimos, e caso seja impedido de acessá-los poderá impetrar o habeas data.
37 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
104 • capítulo 3
O habeas data é possível em duas hipóteses, a primeira é para garantir o
acesso a informações relativas à pessoa do impetrante, que estejam em ban-
cos públicos de dados ou de natureza pública. Esse habeas data tem natureza
personalíssima, ou seja, somente a pessoa do impetrante pode entrar com o
habeas data para saber seus dados pessoais, ninguém pode pedir informações
de terceiros. As informações devem estar previstas em bancos de dados públi-
cos ou de caráter público, para uma informação pessoal em registros privados
não caberia habeas data, por não ser entidade pública. Entretanto, bancos pri-
vados com caráter público podem ser acionados pelo habeas data como, por
exemplo, o SPC, que tem caráter social público.
A segunda possibilidade de utilização do habeas data é a utilização desse
remédio constitucional para retificação de dados, quando a pessoa não prefere
fazer de outra forma e não deseja o sigilo administrativo ou processual.
Art. 5o, LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no
exercício de atribuições do Poder Público. BRASIL. Constituição da República Fede-
rativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 105
líquido e certo que está sendo violado por uma autoridade coatora que será
agente público, ou privado, com atribuições de poder público.
EXEMPLO
Autoridade coatora de entidade privada com atribuições de poder público é o caso de reitor
de Universidade privada.
Art. 5o, LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e
em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus mem-
bros ou associados. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).
Brasília: Senado, 1988.
106 • capítulo 3
constituição a defender esses direitos: partido político, organização sindical,
entidades de classe e associações.
A grande diferença está no polo ativo da ação, pois o direito não será de-
fendido pelo detentor do direto, mas por uma “coletividade” que irá defender
direito alheio por meio desse remédio constitucional.
Os entes constitucionalmente autorizados a defender os direitos de outrem,
por meio do mandado de segurança coletivo, são os partidos políticos com re-
presentação no Congresso Nacional e organização sindical, entidades de classe
e associações que funcionem há pelo menos um ano, em prol de seus membros.
No caso do partido político, como sujeito ativo do mandado de segurança
coletivo, basta que ele tenha um único representante na Câmara dos Deputados
ou no Senado Federal. Segundo a corrente majoritária, o partido político pode-
rá defender qualquer pessoa, ou seja, não há qualquer tipo de exigência de per-
tinência temática ou conexão da pessoa com o partido.
No caso da organização sindical, entidades de classe e associações, que são
pessoas jurídicas que devem obedecer à defesa de seus membros ou associa-
dos, tem-se, portanto, a necessidade de pertinência temática. No caso da asso-
ciação ela deve existir e estar em funcionamento há pelo menos um ano; não
basta ter sido fundada há um ano, deve estar em atuação por esse período.
Art. 5o, LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. BRASIL. Cons-
tituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
capítulo 3 • 107
O que se pretende é defender o exercício dos direitos e liberdades consti-
tucionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania.
O mandado de injunção é uma ação com formalidades, exigindo-se a pre-
sença do advogado. Além disso, a jurisprudência vem admitindo, por analogia,
o mandado de injunção coletivo, ingressado pelos mesmos legitimados do
mandado de segurança coletivo.
Os efeitos do mandado de injunção são um ponto polêmico na jurisprudên-
cia e que foram revisitados pelo STF. Anteriormente, adotava-se a corrente não
concretista, entendendo-se que o mandado de injunção servia apenas para uma
comunicação da omissão, ou seja, o Judiciário informava a autoridade omissa
de sua omissão, mas não tinha poder de impor obrigação ao Legislativo, pois
deveria se respeitar a autonomia do exercício das funções do Estado. Na atuali-
dade, tem se adotado a corrente concretista, pois o STF mudou seu posiciona-
mento e agora entende que o mandado de injunção produz efeitos concretos
e que a decisão do STF pode fazer com que o direito seja efetivado, apesar da
omissão legislativa. Passou a se entender que o papel do Judiciário, nesse caso,
é efetivar o exercício do direito e, no caso de direito de interesse coletivo, os
efeitos da decisão do Judiciário podem ser modulados e aplicados para todos
(erga omnes).
EXEMPLO
A constituição, no artigo 37, inciso VII, fala que o funcionário público tem o direito de greve
nos termos da lei, mas o problema é que a lei regulamentadora não foi criada, usurpando-se
por omissão o direito de greve dos funcionários públicos. Diante disso, sindicatos e servido-
res impetraram mandados de injunção de número 670, 708 e 712 para buscar esse com-
plemento e o STF decidiu que os servidores, por causa dos mandados de injunção, poderiam
exercer o direito de greve, até que o Congresso Nacional produza a lei.
Outro caso foi o mandado de injunção 4059 impetrado por um servidor pú-
blico da Fundação Oswaldo Cruz, pleiteando o direito de uma aposentadoria
especial alegando a insalubridade de sua função e a não regulamentação do
artigo 40, 4o da constituição. Nesse caso o STF lhe deu o direito e ele aposentou,
apesar da omissão legislativa.
108 • capítulo 3
3.7.6 Ação Popular
Art. 5o, LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise
a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe,
à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,
ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da su-
cumbência. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília:
Senado, 1988.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva,
2013.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 11. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre
o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Brasília:
Senado Federal, 2009.
BRASIL. Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (1942). Rio de Janeiro: Senado, 1942.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. As três dimensões dos direitos humanos e o novo conceito de
cidadania. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, João Pessoa, v. 12, n. 9, p. 104-
108, 2004.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p.192.
capítulo 3 • 109
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de
Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional . São Paulo: Editora Método, 2014, p. 85.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015.
110 • capítulo 3
4
História das
Constituições
Brasileiras
O estudo da História do Estado brasileiro mistura-se com a compreensão das
constituições elaboradas ao longo da história. A constituição, como elemento
normativo capaz de inaugurar uma nova ordem jurídica, cumpriu no Estado
brasileiro o papel de refletir os momentos históricos vividos que acabaram le-
vando ao ideal democrático defendido no atual texto constitucional.
O Constitucionalismo, como movimento jurídico e político, fez com que os
Estados entendessem que seria necessário criar uma constituição como norma
limitadora do poder do Estado. O movimento do constitucionalismo ao se es-
palhar no mundo acabou influencia
112 • capítulo 4
4.1 Constituição imperial de 1824
A independência do Brasil foi declarada no dia 7 de setembro de 1822, às
margens do Rio Ipiranga, onde Dom Pedro I teria gritado a célebre frase “In-
dependência ou morte!”. A partir desse instante, o Brasil se torna um Estado
independente e soberano, livre do colonialismo português e, por esse motivo,
entendeu-se que seria necessário elaborar uma constituição que legitimasse o
Brasil juridicamente.
A Constituição Política do Império do Brasil foi elaborada por um Conselho
de Estado e outorgada (imposta) pelo Imperador Dom Pedro I, em 25.03.1824.
Dom Pedro Primeiro, Por Graça De Deos, e Unanime Acclamação dos Povos,
Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil : Fazemos saber a todos os
Nossos Subditos, que tendo-Nos requeridos o Povos deste Imperio, juntos em Cama-
ras, que Nós quanto antes jurassemos e fizessemos jurar o Projecto de Constituição,
que haviamos offerecido ás suas observações para serem depois presentes á nova
Assembléa Constituinte mostrando o grande desejo, que tinham, de que elle se obser-
vasse já como Constituição do Imperio, por lhes merecer a mais plena approvação, e
delle esperarem a sua individual, e geral felicidade Politica : Nós Jurámos o sobredito
Projecto para o observarmos e fazermos observar, como Constituição, que dora em
diante fica sendo deste Imperio a qual é do theor seguinte. IMPÉRIO DO BRASIL.
Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original
com português utilizado na época).
capítulo 4 • 113
divisão era apenas territorial em províncias. “Art. 2. O seu territorio é dividido
em Provincias na fórma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser sub-
divididas, como pedir o bem do Estado”1.
A Constituição de 1824 é a única constituição brasileira que tinha uma reli-
gião oficial, sendo que o Brasil era um Estado católico.
O voto era censitário, ou seja, só votavam aqueles que tinham uma certa po-
sição econômica e social, pois excluía-se o voto das mulheres, negros, pobres e
dos que não professavam a fé católica.
1 IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original
com português utilizado na época).
114 • capítulo 4
Art. 93. Os que não podem votar nas Assembléas Primarias de Parochia, não podem
ser Membros, nem votar na nomeação de alguma Autoridade electiva Nacional,
ou local.
Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Mem-
bros dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa Parochial.
Exceptuam-se
I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz, indus-
tria, commercio, ou emprego.
II. Os Libertos.
III. Os criminosos pronunciados em queréla, ou devassa.
Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados.
Exceptuam-se
I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda liquida, na fórma dos Arts. 92
e 94.
II. Os Estrangeiros naturalisados.
III. Os que não professarem a Religião do Estado. IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição
Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original com portu-
guês utilizado na época).
2 IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original
com português utilizado na época).
3 IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original
com português utilizado na época).
capítulo 4 • 115
de toda família real do Brasil. Com a mudança radical do Brasil, tornou-se ne-
cessária a elaboração de uma nova constituição4.
Art 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representa-
tivo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se,
por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos
do Brasil. ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil (1891). Rio de Janeiro, 1891. (Texto original com português utilizado
na época).
Art 43 - O Presidente exercerá o cargo por quatro anos, não podendo ser reeleito
para o período presidencial imediato.
§ 1º - O Vice-Presidente que exercer a Presidência no último ano do período presi-
dencial não poderá ser eleito Presidente para o período seguinte.
4 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.112.
5 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.115.
116 • capítulo 4
§ 2º - O Presidente deixará o exercício de suas funções, improrrogavelmente, no
mesmo dia em que terminar o seu período presidencial, sucedendo-lhe logo o
recém-eleito.
§ 3º - Se este se achar impedido, ou faltar, a substituição far-se-á nos termos do art.
41, §§ 1º e 2º.
§ 4º - O primeiro período presidencial terminará a 15 de novembro de 1894.
Art 44 - Ao empossar-se no cargo, o Presidente pronunciará, em sessão do Congres-
so, ou se este não estiver reunido, ante o Supremo Tribunal Federal esta afirmação:
"Prometo manter e cumprir com perfeita lealdade a Constituição federal, promover o
bem geral da República, observar as suas leis, sustentar-lhe a união, a integridade e
a independência." ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil (1891). Rio de Janeiro, 1891. (Texto original com português
utilizado na época).
O Brasil deixou de ter uma religião oficial e se tornou um Estado laico. “Art
11 - É vedado aos Estados, como à União: (...) 2 º ) estabelecer, subvencionar ou
embaraçar o exercício de cultos religiosos”6.
Além disso, o Poder Moderador deixou de existir e passou a ser somente
adotada a clássica divisão em três de Montesquieu: Executivo, Legislativo e
Judiciário. “Art 15 - São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o
Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si”7.
Nessa constituição surgiu também o controle difuso de constituciona-
lidade, ou seja, estabeleceu-se que qualquer juiz poderia declarar uma lei
como inconstitucional.
O primeiro momento da República brasileira foi muito tumultuado, em es-
pecial porque o voto era aberto e os derrotados nem sempre aceitavam de forma
pacífica a derrota nas urnas. Houve, então, a Revolução Constitucionalista de
1932, que clamava pela queda de Getúlio Vargas e por uma nova constituição8.
6 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891). Rio de Janeiro,
1891. (Texto original com português utilizado na época).
7 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891). Rio de
Janeiro, 1891. (Texto original com português utilizado na época).
8 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.113.
capítulo 4 • 117
4.3 Constituição de 1934
A Constituição de 1934 foi fruto da Revolução Constitucionalista de 1932, que
objetivava a alternância de poder e a elaboração de uma constituição mais ade-
quada para os clamores de defesa dos direitos sociais da época, como a saúde,
educação, trabalho e cultura. Em maio de 1933 foi eleita a Assembleia Nacional
Constituinte, que elaborou e aprovou a Constituição de 1934.
Outubro de 1930 marcou o fim de uma República ao mesmo tempo em que fechou
um capítulo de nossa história federativa e republicana. Foi 30, sem dúvida, ano de
grande comoções patrióticas, de esperanças cívicas, de confiança no futuro. O Estado
Liberal da versão clássica – durante mais de um século a idéia-força das nossas ins-
tituições – chegava ao fim, depois de haver atravessado dois regimes: de um Império
e uma Republica. O País acordava então para as mudanças do século. A ditadura do
Governo Provisório, em algumas matérias políticas e sociais, entrava com a mesma
força, o mesmo ímpeto, a mesma energia dos republicanos de 89, quando instauraram
a Primeira Republica e cuidaram de varrer, em vinte e quatro horas, por decreto-lei,
todas as instituições básicas do Império. Era a aurora do Estado Social. BONAVIDES,
Paulo; ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil. 3. ed. São Paulo: PAZ E
TERRA, 1991, p. 259-260.
9 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.
10 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1934). Rio de
Janeiro, 1934. (Texto original com português utilizado na época).
118 • capítulo 4
Art. 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos
Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros
domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e eco-
nômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade
humana. ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil (1934). Rio de Janeiro, 1934. (Texto original com português utilizado
na época).
Art. 139 - Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e em-
pregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será
regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à
competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum.
A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao
capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional. ESTA-
DOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
(1937). Rio de Janeiro, 1937. (Texto original com português utilizado na época).
capítulo 4 • 119
absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes poderão os Tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da República”12.
A Constituição de 1937 não se sustentou após o fim da Segunda Guerra
Mundial, em 1945, pois o sistema ditatorial e antidemocrático brasileiro não
combinava com a vitória democrática obtida na guerra, com a atuação do Brasil
ao lado dos vencedores aliados. Diante dessa realidade foram convocadas no-
vas eleições e foi elaborada a Constituição de 1946.
No dia 31 de março de 1964, João Goulart foi deposto, acusado de estar colabo-
rando com o comunismo internacional, e no dia 09 de abril de 1964 foi edita-
do o Ato Institucional no 1, que restringia a democracia no Brasil permitindo
12 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1937). Rio de
Janeiro, 1937. (Texto original com português utilizado na época).
13 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.
14 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1946). Rio de
Janeiro, 1946. (Texto original com português utilizado na época).
120 • capítulo 4
a suspensão dos direitos políticos dos indivíduos por um prazo de 10 anos, a
decretação do estado de sítio e a cassação de mandatos legislativos, dentre ou-
tras mudanças.
15 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.
capítulo 4 • 121
Art 76 - O Presidente será eleito pelo sufrágio de um Colégio Eleitoral, em sessão,
pública e mediante votação nominal.
§ 1.º - O Colégio Eleitoral será composto dos membros do Congresso Nacional e de
Delegados indicados pelas Assembléias Legislativas dos Estados.
§ 2º - Cada Assembléia indicará três Delegados e mais um por quinhentos mil
eleitores inscritos, no Estado, não podendo nenhuma representação ter menos de
quatro Delegados.
§ 3º - A composição e o funcionamento do Colégio Eleitoral serão regulados em lei
complementar. BRASIL. Ato Institucional no 1(1964). Brasília, 1964.
122 • capítulo 4
Em 1969, foi imposta a Emenda Constitucional no 1 de 1969, determinando-
se, no Brasil, o governo das Juntas Militares. A emenda manteve em vigor todos
os atos institucionais, em especial o 5. O mandato do Presidente da República
foi aumentado para 5 anos, com eleição mantida na forma indireta.
Vários movimentos de redemocratização surgiram no final da década de se-
tenta, inclusive o conhecido ‘movimento das diretas já’, o que fez o povo brasi-
leiro movimentar-se em prol da promulgação de uma constituição democrática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ato Institucional no 1(1964). Brasília, 1964.
BRASIL. Ato Institucional no 5(1968). Brasília, 1968.
BRASIL. Constituição da República federativa do Brasil de 1967. Brasília, 1967.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.
ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
(1934). Rio de Janeiro, 1934.
18 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.140.
capítulo 4 • 123
ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
(1937). Rio de Janeiro, 1937.
ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
(1946). Rio de Janeiro, 1946.
IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
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