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MARCELO LEMOS BRESCIANE

AS CARACTERÍSTICAS RECORRENTES DA
POÉTICA MUSICAL DO BILL EVANS TRIO

Projeto de pesquisa para a disciplina Monografia da


Faculdade Santa Marcelina, em cumprimento parcial às
exigências para a obtenção do título de Bacharel em
Música Popular (Insrumento Popular)

Orientador: Prof. Ms. Sergio Augusto Molina

São Paulo
Dezembro/2010
2

AGRADECIMENTOS

Gostaria de dedicar esse trabalho a todas as pessoas que direta ou indiretamente me

auxiliaram de alguma maneira para que eu chegasse ao fim de um curso acadêmico em

música. Os nomes são muitos e eu não gostaria de esquecer nenhum deles, por isso apenas

separei por grupos que me ajudaram:

Aos meus familiares por me apoiarem pela escolha que fiz em minha profissão e

por não me questionarem quanto aos meus caminhos que escolhi para minha vida

profissional que engatinha. Aos meus amigos (músicos ou não) e namorada, que tiveram e

perderam a paciência com os meus monólogos sobre Bill Evans que já acontecem desde o

ano de 2008 e por compreenderem a importância da música em minha vida. Aos

professores que tive dentro e fora da faculdade, que ainda me fornecem fontes de estudo e

questionamentos. E principalmente ao próprio Bill Evans, que é e continuará sendo uma

fonte inesgotável de inspiração para a minha vida pessoal e profissional.

Sinceramente,

Marcelo Lemos Bresciane, dezembro de 2010.


3

RESUMO:

Este trabalho estuda e identifica as características musicais que aparecem


recorrentemente ao longo dos 25 anos da carreira fonográfica do Bill Evans Trio, tendo
como referência também, o contexto histórico em que o trio se insere.

ABSTRACT:

This work intends to analyze some usual musical principles that are shown on 25
years of the phonographic Carrer of Bill Evans Trio. Also giving attention to some
historical aspects that drawn musical choices.
4

SUMÁRIO

ÍNDICE DE FIGURAS/ CD ANEXO 1..............................................................................5

INTRODUÇÃO.....................................................................................................................6

CAPÍTULO 1: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

1.1 BIOGRAFIA RESUMIDA.............................................................................................8

1.2 PIANO NO JAZZ ANTES DE BILL EVANS............................................................15

CAPÍTULO 2: THE BILL EVANS TRIO……………………………………………...22

2.1 OS TRIOS E OS DISCOS - I (1956 – 1969)................................................................29

2.2 OS TRIOS E OS DISCOS – II (1970 – 1980).............................................................80

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................99

BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................102

FAIXAS CD ANEXO 2 – COMPARAÇÕES.................................................................104

PARTITURAS ANEXAS.................................................................................................106
5

ÍNDICE DE FIGURAS – CD ANEXO 1

Pág.----Exemplos em áudio: relação de faixas do CD Anexo 1


Figura 1.....................41 Faixa 1 – “Solar” 1961
Figura 2.....................45 Faixa 2 – “Waltz for Debby” 1961
Figura 3.....................46 Faixa 2 – “Waltz for Debby” 1961
Figura 4.....................50 Faixa 3 – “Re: Person I Knew” 1962
Figura 5.....................52 Faixa 3 – “Re: Person I Knew” 1962
Figura 6.....................54 Faixa 3 - “Re: Person I Knew” 1962
Figura 7.....................57 Faixa 4 – “Very Early” 1962
Figura 8.....................59 Faixa 5 – “Walkin’ Up” 1962
Figura 9.....................61 Faixa 6 – “34 Skidoo” 1962
Figura 10...................65 Faixa 7 - “Show Type Tune” 1962
Figura 11...................75 Faixa 8 – “A Sleepin’ Bee” 1967
Figura 12...................78 Faixa 8 – “A Sleepin’ Bee” 1967
Figura 13...................83 Faixa 9 – “Funkallero” 1971
Figura 14...................86 Faixa 10 – “Twelve Tone Tune” 1971
Figura 15...................89 Faixa 11 - “Twelve Tone Tune Two” 1973
Figura 16...................92 Faixa 12 – “The Opener” 1977
Figura 17...................94 Faixa 10 (CD ANEXO 2) – “You Must Believe in Spring”
1977
6

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como fonte de pesquisa a obra do Bill Evans Trio, seja lançada

em vida ou póstuma, onde há interessantes aspectos rítmicos, harmônicos, melódicos e

formais para serem estudados.

Entendemos que a análise aprofundada do Bill Evans Trio é uma conseqüência

natural para aqueles que se dedicam ao estudo de improvisação, no século XX. Os seus

trios utilizam a exploração de formas e harmonias que seguem padrões estilísticos do jazz

sem a preocupação de renovação ou de revolução, mas com a preocupação de

aperfeiçoamento de aspectos, procedimentos e maneiras de se portar diante de formas

distintas.

Esses aspectos que neste trabalho pretendemos analisar incluem, além da

interpretação de Evans, a interação com os baixistas e bateristas que passaram por seu trio

ao longo dos seus 25 anos de carreira em trio, como líder e mentor de uma concepção

própria, que influenciou uma geração de pianistas ainda vivos.

O trabalho vem acompanhado de dois CDs Anexos: o CD Anexo 2 –

Comparações, traz três temas diferentes, cada um em mais de uma versão em trio, com a

participação de integrantes diferentes no baixo e na bateria.

Por Exemplo, um desses temas presentes para audição e comparação é a

composição de Evans “Re: Person I Knew”, primeiramente gravada em 1961. O CD Anexo

2 – Comparações contém três versões desse tema que datam respectivamente de 1961,

1974 e 1979, cada gravação conta com baixistas e bateristas diferentes.


7

Os outros dois temas estão dispostos da mesma maneira, com gravações e ás vezes

arranjos e andamentos diferentes de versão para versão, com a participação de diversos

músicos. Esses outros temas são: “My Romance” e “34 Skidoo”.

Isso é uma pequena amostra da discografia do Bill Evans Trio, que recorrentemente

contém diversas gravações dos mesmos temas em álbuns distintos, apesar da aparente

repetição no repertório, é nítido que existem particularidades na maneira de tocar de Evans

e dos acompanhantes nas diferentes gravações, nos andamentos das músicas, dinâmicas e

outros aspectos musicais mostrados.

Apesar de haver, no decorrer do trabalho, pequenas análises de características

musicais encontradas na maneira de tocar piano de Evans, não há a pretensão de enfocar

tais análises em aspectos técnicos do piano. Essa monografia pretende entender a

importância da obra dos trios de Bill Evans como um todo, tendo em foco sua estilística

musical.

Este trabalho espera contribuir no sentido de estimular estudos no Brasil sobre a

obra de Bill Evans com mais fontes disponíveis em português para músicos e interessados

em jazz e improvisação.
8

CAPÍTULO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA


1.1 - BIOGRAFIA RESUMIDA

Para compreender o porquê da sonoridade, linguagem e estilo que caracterizam o

Pianista Bill Evans, que é o foco dessa pesquisa, é necessário que aspectos biográficos

sejam citados.

William John Evans, nasceu em Plainfield, New Jersey, nos Estados Unidos em 16

de agosto de 1929 numa família judaica de classe média. Sua mãe, de origem russa, o

incentivou a ter aulas de piano, juntamente ao seu irmão Henry, quando Bill tinha apenas

seis anos.

Como era usual na época em famílias de descendência européia que tem em sua

educação básica a presença de estudos em artes e música. Seus estudos no piano

começaram com o repertório clássico, o que ajuda a explicar o domínio e precocidade

técnica que o levou a alcançar êxitos em sua carreira, anos mais tarde. Bill Evans mostrou

interesse ainda jovem pela música de vanguarda da Europa da época. Tanto que aos sete

anos pediu como presente de natal um LP de 78 rotações de ‘Petrushka’ do compositor Igor

Stravinsky.

Aos sete anos, Evans chegou a estudar violino, mais tarde, flauta e piccolo. O

estudo desses instrumentos teve crucial importância no desenvolvimento de sua poética

musical, postura de dedicação ao instrumento, desempenho precoce por excesso de estudo

na infância, leitura ágil no instrumento e contato com grupos grandes de música ao vivo,

tanto para estudo quanto para sua própria sobrevivência anos mais tarde.

Bill Evans em mais de seus 40 discos lançados em vida, utilizou recorrentemente as

regiões agudas do piano, com tessituras próximas ás regiões que flautas e flautins de peças
9

eruditas que ele mesmo teve como referência em toda a sua vida, remetendo às regiões de

tais instrumentos. Um dos fatos que exemplificam sua obsessão por ‘cantar’ nas regiões

agudas do piano, às vezes com vozes triádicas fazendo caminhos melódicos internos que

reforcem ou adicione uma voz ao tema tocado.

Segundo ele mesmo, durante muito tempo, tocava apenas lendo partituras. Mesmo

interpretando as peças musicalmente, não conseguia tocar uma peça simples senão tivesse

uma partitura em sua frente:

“Dos seis aos treze anos de idade, eu adquiri a habilidade de ler rapidamente e tocar música
clássica, então eu estava tocando peças de Mozart, Beethoven, ou Schubert com inteligência e
musicalidade. Mas eu ainda não conseguia tocar um tema infantil como ‘My Country’ Tis of
Thee’ sem uma partitura”. (PETTINGER,1998, P.12).

Apesar da grande proximidade com o repertório erudito, Bill, aos 12 anos começou

a ter contato com o jazz através de big bands de Tommy Dorsey e Harry James e por

influência de seu irmão Henry que estava estudando além de piano, trompete e ensaiava na

banda da escola que estudavam. Bill incorporou rapidamente o idioma jazzístico, e como

citado antes, por causa de sua desenvoltura técnica, era considerado um dos pianistas mais

rápidos de boogie woogie do centro de New Jersey, ainda que muito jovem.

Sua leitura ágil proveniente dos anos em que estudou música erudita abriram portas

para a vida profissional, fazendo com que Bill começasse a tocar em bandas de polka,

grupos de danceterias, casamentos e outros eventos diversos nos fins de semana.

No verão de 1946, ele montou um trio de piano, baixo e bateria com amigos que

tocava em hotéis na região de New Jersey. Esse foi o primeiro contato profissional e fixo

que Bill teve com essa formação. Anos mais tarde, essa formação o consagraria,
10

influenciando gerações posteriores e contemporâneas de trios com seção rítmica (N.A.:

Leia-se: Baixo e Bateria) e é o foco desse trabalho.

Bill ainda estava no colégio quando o bebop1 apareceu, e essas novas maneiras de

improvisação propostas por esse gênero tiveram influencia sobre ele, assim como em

muitos jovens estudantes de música e amantes de jazz.

Em 1946, Bill se formou no segundo grau e foi continuar seus estudos de música na

Southeastern Louisiana College em Hammond, cerca de 50 milhas de New Jersey. Lá, ele

continuou sua jornada dupla – estudante e músico da noite – e começou a se interessar por

conhecer estruturas musicais mais profundamente, além de ter bastante contato com outros

músicos em jam sessions em suas noites de folga. Em suas férias de verão, ele costumava

voltar para New Jersey onde trabalhava com grupos locais.

Evans se formou em maio de 1950 com dois diplomas: Bacharelado em música,

com especialização em piano e Bacharelado em educação musical. A convite do guitarrista

Mundell Lowe, Bill foi para New York onde começou a trabalhar em trio de guitarra –

baixo – piano, formação que foi consagrada por um de seus ídolos Nat King Cole, e mais

tarde por Oscar Peterson. Com o guitarrista Lowe excursionou na região e depois foi

chamado para integrar a big band do clarinetista Herbie Fields, fazendo turnês

exaustivamente pelos Estados Unidos, tocando em variadas festas.

Em 1951, Evans teve sua carreira de músico interrompida, quando foi chamado para

integrar a seção de Serviços Especiais do exército devido à guerra entre os E.U.A. e a

Coréia, lá ele trabalhou como flautista da banda Fifth Army Band:“Eu estava muito feliz e

seguro até ser chamado para o exército” (PETTINGER, 1998, p.23).

1
Movimento Jazzístico surgido em meados dos anos de 1940, que desenhou o esqueleto, estrutura e
concepção do jazz moderno.
11

Em janeiro de 1954, Evans foi dispensado do exército e tirou um ano de férias na

casa de seus pais estudando piano. Em 1955, se mudou novamente para New York para

tentar a vida como músico. Lá, ele ingressou em um curso de pós-graduação em

composição durante três semestres na Mannes College of Music.

Entre os trabalhos que fez como músico nesse período podem ser citados

casamentos judaicos, algumas poucas apresentações de jazz, piano-bar no Friendship Club

no Brooklyn três noites por semana e no Roseland Ballroom ás quartas-feiras durante à

tarde.

Com essa grande demanda de trabalhos, Evans começou a ser reconhecido e

indicado para outros trabalhos por seus colegas e amigos Como foi o caso de sua estadia

alguns meses de 1953 com o clarinetista e band-leader Jerry Wald, líder de muitas

orquestras com quem Evans chegou a gravar em lançamentos hoje em dia fora de catálogo,

porém relatados nas fontes biográficas, tanto de Wald quanto de Evans2 o LP 45 ½ R.P.M.

Jerry Wald And His Orchestra (MGM/Lion L 70014). Aos 24 anos, tem-se o primeiro

registro de Evans atuando como músico encontrado disponível para possível audição.3

O primeiro trabalho, que deu mais credibilidade como músico a Bill Evans,

entretanto, foi o grupo do clarinetista/ saxofonista Tony Scott (1921-2007), com quem

gravou e excursionou durante alguns anos em orquestras diversas e quartetos do

2
Muitas fontes dessa pesquisa apontaram esses eventos citados como alguns dos cruciais antes da entrada de
Evans no universo em trio somente, por isso as referencias em numeração de catálogo de cds que fez
participações.
3
Esses discos poderão ser encontrados em comunidades de lojas especializadas, mercados de colecionadores
de discos de jazz no exterior, principalmente em países europeus que Evans gravou programas de rádio,
televisão e apresentações; e no mercado japonês da gravadora Riverside, onde Evans faz bastante sucesso
(vide a análise do álbum “Tokyo Concert” mais adiante nesse trabalho)
12

clarinetista, em temporadas do verão de 1956. A partir daqui, Bill Evans começou a ser

chamado para atuar como sideman4 dentro do universo jazzístico com mais recorrência.

Outro evento que teve crucial importância em sua maneira de tocar foi a

participação, ainda em 1956 o primeiro de alguns projetos que Bill Evans realizou com o

arranjador e compositor George Russell (1923-2009)5, Jazz Worshop (1956, RCA Victor,

74321591442) interpretando composições que exploravam conceitos baseados no livro

escrito pelo último em 1953, Lydian Chromatic Concept of Tonal Organization (for

Improvisers)6

Nesse livro7, o autor propõe uma visão tonal tendo o modo Lídio8 (Ex. em Dó: dó,

ré, mi, Fá#, sol, lá, si) e seus empilhamentos verticais harmônicos como centro tonal. Em

vez de ter-se o centro baseado no modo Jônio, como é disposta da escala de Dó no piano

em suas teclas brancas - Que contém seus respectivos empilhamentos harmônicos e modos

provenientes (C7M, Dm7, Em7, F7M, G7, Am7, Bm7b5) dessa tonalidade que foi tomada

como padrão na Europa9 – é sugerido que as construções harmônicas sejam enraizadas em

aberturas principalmente baseadas em modos diversos, vindo da música negra:

“Esta nova aborgagem foi baseada em um conceito de pantonalidade, - que ele distinguia
da atonalidade – e tinha sido abordado em seu livro Lydian Chromatic Concept of Tonal
Organization (for Improvisers). A idéia da fusão mais especificamente os aspectos

4
O termo Sideman é utilizado no meio musical para designar a função de “músico contratado”, que atua como
instrumentista de apoio em grupos de solistas ou cantores.
5
Curiosamente, George Russel, nos anos quarenta, trabalhou com um dos ícones da geração bebop, o
trompetista Dizzy Gillespie (1917-1993), no arranjo da faixa “Cubano Be/Cubano Bop” de 1947, quando
Evans ainda era estudante de música.
6
“Conceito de organização tonal através do modo lídio e seus caminhos cromáticos (para improvisadores) -
Tradução livre do autor.
7
N.A: Infelizmente, não há esse livro traduzido para o português e mesmo nos E.U.A. é um documento muito
caro e não tão fácil de encontrar.
8
N.A.: Exemplos em Dó são tomados com uma constante ao longo do trabalho para facilitar leitura e
pensamento mais ágil.
9
Padrões e regras tonais estabelecidos na Europa e adotados nas Américas através de colonizações e difusões
culturais.
13

“negros”10 da música afro-americana com elementos da tradição da música européia não


intrigou muitos músicos até meados da década de cinqüenta. Mas Russell, graças á uma
inteligência musicalmente perspicaz e uma boa dose de criatividade, conseguiu evitar as
armadilhas inerentes á esse tipo de mistura. De fato, como muitos outros exemplos da
Third Stream (Movimento que pretendia fundir o jazz com a música erudita
contemporânea), demonstrou que essa polinização cruzada pode facilmente gerar
monstros.” (PIERANUNZI,2003, p. 27)

Em Jazz Workshop, George Russell escreveu e arranjou doze peças baseadas nesse

conceito escalar e harmônico para um combo de seis músicos: Art Farmer no trompete, os

não tão conhecidos fonográficamente Hal McKusick no sax alto, clarone e flauta e Barry

Galbraith na guitarra. Além de dois baixistas e três bateristas que se revezam entre as

faixas11, além de Bill Evans no piano e a participação de Russell como instrumentista em

apenas uma faixa do álbum, tocando percussão cromática (uma espécie de Steel Drums) na

faixa "Fellow Delegates".

Outra faixa desse álbum é “Concerto For Billy the Kid”, uma faixa dedicada a Bill

Evans, dá espaço para o jovem pianista improvisar em cima desses conceitos que

permearam futuras abordagens que Bill teria em seus trios. Principalmente pelo fato de

“Concerto” ser uma re-harmonização baseada no Standard “I’ll Remember April”(Gene

DePaul, Patrícia Johnson, Don Raye).

Outra faixa que tem sua base formal em um standard - “Love For Sale” de Cole

Porter – é a faixa “Ezz-Thetic”, em que George Russell utiliza idéias harmonicas baseadas

em outro educador musical de grande importância e influencia nos anos 50, o pianista cego

Lennie Tristano (1919-1978)12. Tristano também teve influencia sobre Evans quando era

10
N.A.: Tradução livre. Entretanto o termo “negros” desse texto pode ser compreendido como aspectos
rítmicos comuns existentes na música afro que são a constante presença de instrumentos essencialmente
rítmicos, as fortes sincopas e o denominado swing que originou o jazz.
11
Incluindo o futuro parceiro de Evans, Paul Motian (1931) na bateria de algumas faixas.
12
Para mais informações sobre o trabalho de Lennie Tristano, é interessante ler o trabalho de dissertação de
Mário Checchetto Neto “O Free Jazz e a atonalidade” que explicam mais profundamente conceitos abordados
nos estudos do pianista.
14

estudante, com suas “concepções rítmicas e harmônicas, muito avançadas para a época,

atraíam músicos muito jovens que se tornaram seus alunos e colaboradores.”

(CHECCHETTO, 2007, p. 57).

Bill Evans, na segunda metade da década de setenta, chegou a colaborar com alguns

desses estudantes e difusores da escola de Tristano, sobre quem Evans declarou: “Eu ouvi

os integrantes de seu grupo construindo linhas [melódicas] que tinham design e estruturas

gerais [em seus improvisos] que eram diferentes de tudo que eu já tinha ouvido no Jazz. Eu

acho que fiquei mais impressionado com Lee [Konitz – Sax alto] e Warne [Marshall – Sax

tenor] mais do que o próprio Lennie, apesar de ele ser provavelmente a influencia que os

germinou”. (PETTINGER, 1998, p.35)

Essa influencia citada por Evans, é notável principalmente nas partes formais de

estudos propostos por Tristano, como acontece na faixa antes citada “Ezz-thetic”. Esta

composição de Russell para o álbum Jazz Sextet teve a harmonia baseada principalmente

nos estudos do tema “Love for Sale” que Tristano ensinava em suas aulas.

Interessante notar que Evans gravou “Love For Sale” e “I’ll Remember April” em

sua carreira após essa ocasião. Além de outros futuros trabalhos com Russell em futuros

projetos nas décadas seguintes de sua carreira, como no disco Living Time (1972, Legacy,

65467), com Bill Evans e uma peça escrita para Bill e uma orquestra.

A próxima parte desse capítulo pretende dissertar sobre outras influencias

importantes que tiveram impacto sobre o ainda jovem estudante de música Bill Evans das

décadas de 1940 e 1950, primeiro focando nos pianistas do gênero que apareceram antes de

seu primeiro lançamento solo, que o influenciaram em concepções de repertório, harmonia,

improvisação, arranjo, formação de trio, rítmicas, etc.


15

1.2 : O PIANO NO JAZZ ANTES DE BILL EVANS (1944-1956)

O aparecimento de Bill Evans na cena jazzística como artista solo em meados dos

anos 50 necessita uma contextualização e descrição. Algumas características musicais e

históricas provêm de nomes influentes de outros pianistas do gênero anteriores a Bill. Estes

músicos serão citados de maneira historicamente cronológica, para que possamos

compreender a influencia que pianistas do período pós-guerra tiveram sobre o ainda jovem

Bill em meados dos anos quarenta, até seu debut New Jazz Conceptions de 1956.

Este capítulo não tem a intenção de catalogar todos os pianistas de jazz anteriores a

Bill Evans, pois isso levaria em conta mais de meio século de história. A função dessa

descrição é focar em alguns pianistas que influenciaram-no diretamente no período

supracitado.

Art Tatum (1909-1956), por exemplo, é um desses importantes pianistas, uma figura

central que influenciaria todos os boppers nos anos quarenta, antes da 2ª Guerra Mundial

(1939-1945), devido a sua técnica extremamente precisa em andamentos rápidos. Outra

característica estilística de Art Tatum era sua condução ágil nos acompanhamentos tanto

em stride piano13 quanto em harmônicos de sua mão esquerda (que tinha uma envergadura

que alcançava até um intervalo de décima no piano).

Alguns nomes de peso na história do piano no jazz como Thomas “Fats” Waller

(1904-1943), James P. Johnson (1894-1955), entre outros não serão abordados para não

haver um desvio muito grande do assunto principal dessa monografia.

13
Stride Piano é uma técnica usada por pianistas nos anos trinta, em que á função da mão esquerda era
harmonizar e conduzir o baixo. Essa técnica pianística teve grande influencia do Ragtime, um dos gêneros que
originou o jazz. As conduções de baixo serviram de base para o desenvolvimento da técnica de walking bass,
entre os baixistas acústicos de Bebop em temas rápidos e lentos, com rítmicas semelhantes.
16

Para embasar essa pesquisa e organizar aspectos estilísticos desses pianistas que

tiveram influencia sobre Bill, faz-se necessário uma referência a um trecho da Biografia

Bill Evans: Everything Happens To Me – A Musical Biography de Keith Shadwick14:

“ Em 1955, a primeira onda de pianistas do Bebop – Bud Powell [1924-1966], Al


Haig [1924-1982], Dodo Marmarosa [1925-2002], Thelonious Monk [1917-1982],
Lennie Tristano e George Wallington [1924-1993] – estavam por uma razão ou outra
mais ou menos fora da cena. Bud Powell estava vivendo uma devastadora seqüência de
eventos em sua vida, incluindo tratamentos de choque, que iriam futuramente acabar
com grande parte de sua criatividade. (...) Thelonious Monk estava ocultado, sem poder
se apresentar ao vivo na cidade de Nova York por razões legais. (...) Lennie Tristano
que estava associado à revolução bebop que acontecia na rua 52, também em Nova
York no meio dos anos 1940, foi se isolando das idéias de [Charlie] Parker, [Dizzy]
Gillespie, Powell e Monk e se concentrando em suas próprias teorias (...)”
(SHADWICK, 2002, p. 10).15

Essa primeira leva de pianistas que são descritos têm, todos, algum tipo de

influencia em Evans, como o já antes citado Tristano, que o influenciou em suas assimetrias

rítmicas e melódicas provenientes de seus estudos anteriormente descritos.

Já Bud Powell, que assimilou características da avançada técnica de Art Tatum, teve

uma enorme influencia não apenas em Bill, mas na maioria de seus contemporâneos, por

sua concepção e realização de arranjos e temas que privilegiavam a improvisação para

formações de trio de piano – baixo - bateria:

‘Talvez, o maior legado de improvisação de Powell foi sua evolução de um estilo de


piano que podia confortavelmente se encaixar tanto em excursões solo com pequenos
trios da nova geração do Bebop, assim como a recente evolução das funções da bateria
aperfeiçoadas por Max Roach [1924-2007], Kenny Clarke [1914-1985](...) Powell
continuou tendo grande influencia em jovens pianistas também na década de
50(...).”(SHADWICK, 2002, p. 11)

14
Para realização desse trabalho, a fonte encontrada de maneira mais organizada para contextualizar
historicamente o aparecimento Bill Evans no cenário pianístico no capítulo 1.2 em específico, foi o primeiro
capítulo do livro Everything Happens To Me, de Keith Shadwick, que encontra-se apenas escrito em língua
inglesa, citado na biografia, para informações mais detalhadas sobre outros pianistas e características musicais
aprofundadas de cada um, recomenda-se a leitura do mesmo, cuja citação foi usada acima.
15
Tradução Livre do Autor.
17

Em quesitos harmônicos, principalmente quando relacionado á conduções de mão

esquerda, o desenvolvimento de aspectos musicais registrados em pianistas de bebop

tiveram grande influencia sobre Evans:

“Powell, como Marmarosa e outros poucos pianistas de jazz da época, haviam tido
estudo formal de piano que permitia á ele usar sua imaginação harmônica e rítmica de
novas maneiras.(...)Outros elementos dentro de seu repertório de mão esquerda, incluindo
patterns de ostinatos, rítmicas baseadas em música latino-americana e caribenha, além de
ocasionalmente um sabor blues. Ele também usou o acompanhamento de acordes na mão
esquerda quando sentia que adicionaria outro elemento para suas idéias.” (SHADWICK,
2003, p. 11).

Thelonious Monk, que estava ‘eclipsado’ na época, devido aos seus constantes

problemas com a policia, influenciou Evans em termos formais e composicionais, apesar da

estética díspare entre os dois pianistas. Isso pode ser na observado na constante inclusão de

temas de Monk no repertório de Bill, principalmente nos anos sessenta.

A composição “Round Midnight” (T. Monk) pode ser ouvida tanto em gravações de

trio, como nos discos Trio 65’ (1965, Verve, 314-519808- 2), California Here I Come

(gravação ao vivo de 1967 lançada postumamente em 1982, Verve, B0002681-02) e

também em alguns de seus discos de piano solo e experimentações de estúdio,

Conversations With Myself (1963, Verve, 0602517036857), que contém ainda mais outras

duas composições de Monk.

Outro músico que aparece citado como influência em suas duas biografias e em

muitas declarações de Evans na mídia impressa ao longo dos anos é o pianista Nat “King”

Cole (1919-1965): “Eu sentei no mesmo piano e toquei nas mesmas teclas que Nat King

Cole, era uma reverência!” (PETTINGER, 1998, P. 21)

No ano de 1955, o trio de baixo-guitarra-piano de do pianista “King” Cole, que o

consagrou como um pianista de jazz influente, se dissolveu devido a grande popularidade


18

de Nat “King” como cantor e intérprete de standards, acompanhado por big bands. Cole

havia optado por uma carreira mais comercial como cantor, diferente de seu antigo trio, que

desde 1938, lançava álbuns instrumentais que influenciaram outros pianistas da geração de

Evans, como Oscar Peterson (1925-2007), que também tem muitos álbuns com essa

formação de trio.

Outro grupo de pianistas é o dos contemporâneos de Evans, que apareceram no fim

da década de quarenta e na primeira metade dos anos de 1950. Como a quantidade desses

também é muito grande, apenas alguns serão citados, com a intenção de visar influencias

que esses pianistas, de uma época pós-Bebop (Post-Bop) e Cool, também tiveram sobre

Evans.

O primeiro a ser citado dessa segunda leva de pianistas é Dave Brubeck (1920), que

também é um grande apreciador e conhecedor da música européia e inseriu essas

influencias rítmicas não tão usuais no jazz até então juntamente com uma rica linguagem

harmônica que abriu caminhos para explorações que Evans futuramente veio a fazer em

suas composições:

“O interesse de Brubeck em formas, fórmulas de compasso e aplicação de


conceitos harmônicos avançados despertou interesse em outros pianistas dos anos
cinqüenta. Mas os métodos que ele mostrou em sua gravação solo de 1956 tocando suas
próprias músicas, Brubeck Plays Brubeck (Columbia, CL 878), revelam uma estreita
ligação com o que viria a ser principal prática de improvisação e composição de Bill
Evans. Brubeck passa pelos doze tons na abertura do tema “The Duke”, por exemplo,
encantou alguns pianistas de jazz contemporâneo, embora tais modulações sejam
complexas, elas soam naturais e o raciocínio musical por trás desses recursos seria uma
fonte de fascínio explorada na arte de Evans ao longo dos 25 anos seguintes.”
(SHADWICK, 2002, p. 13)

Composições de Evans que serão analisadas de alguma maneira nesse trabalho,

como “Waltz For Debby”, “Very Early”, etc., têm explorações harmônicas ricas e grande

quantidade de modulações, assim como acontece, por exemplo, na composição “In Your
19

Own Sweet Way” de Brubeck, que Evans gravou pela primeira vez em 1962. Evans

também tem outras composições como “Sugar Plum” que também passam pelas doze

tonalidades diferentes ao longo da forma da música.

Outro pianista, um pouco mais velho que Evans, que veio a ter uma importante

participação na carreira é o pianista John Lewis (1920-2001). O pianista teve envolvimento

com os músicos da geração bebop, como o trompetista Dizzy Gillespie e o baterista Kenny

Clarke na década de 1940, e ainda trabalhou com figuras mais experientes do jazz como o

saxofonista Lester Young (1909-1959) nos anos cinqüenta.

Além desse envolvimento com personagens importantes do período bebop, Lewis, a

exemplo de Evans, tem um vasto conhecimento de procedimentos utilizados nas formas da

música europeia. Ele usava em seu grupo Modern Jazz Quartet (MJQ) e em peças escritas e

arranjadas por ele para grandes, pequenas formações e até orquestras sinfônicas:

“Lewis tinha um amor particular pela cultura e música Européias e se manteve


constante em seus esforços em trazer sensos de forma e proporções da música Européia
para as performances no jazz. Ele foi tão longe que chegou á abertamente importar
procedimentos incluindo fugas, contrapontos, e a forma suíte. Lewis tinha muito
apreço e amor pelo blues, mas os modelos para muitas de suas venturas com
cruzamentos culturais eram baseados em compositores do período clássico e barroco,
como Bach, Vivaldi, Mozart, Haydn.” (SHADWICK, 2002, p.12-13).

Durante os anos sessenta, Bill se apresentou ao lado de Lewis em duos de pianos

em muitas ocasiões, além de participar de workshops em faculdades de música, festivais e

projetos em que Lewis atuava exclusivamente como arranjador e Evans como pianista

como na faixa “Criss Cross [Variações em um tema de Thelonious Monk]”, do disco Jazz

Abstractions (1960, Atlantic, LP1365), do próprio John Lewis.

George Shearing (1919), pianista britânico cego, também influenciou fortemente

Evans, principalmente no período dos anos 50, como pode ser visto na gravação de
20

“Conception” em seu debut, além da escolha de repertório de Evans conter muitos temas

standards que faziam parte do repertório de Shearing.

Outros pianistas que podem ser agregados são aqueles que tocaram no grupo do

influente trompetista Miles Davis. Esse grupo inclui nomes como Red Garland, que assim

como Miles chegou a tocar com o saxofonista Charlie Parker (1920-1955). No ano 1956,

Garland participou da gravação do álbum ‘Round Midnight (1956, Columbia, CK – 40160)

de Davis, cuja faixa título composta por Monk, teve bastante repercussão pela interpretação

de Davis e serviu de base para arranjos futuros de Evans e dezenas de outros músicos.

Wynton Kelly, que substituiu Evans no grupo de Davis em 1959 e participou

também da gravação de Kind Of Blue (1959, Columbia, 88697282382). Horace Silver, que

assim como Evans tinha forte influência das conduções de mão esquerda de Bud Powell,

cruzava elementos vindos da música pop americana com estruturas e improvisações

jazzísticas.

Ahmad Jamal (1930), pianista da Filadélfia, que também tocou com Davis, chegou

inclusive a gravar a composição “Waltz for Debbie” de Bill, tinha semelhantes

características conforme levantado pelo biógrafo de Evans, Keith Shadwick: “Como Evans,

Jamal também foi muitas vezes acusado de ser emocionalmente fraco. Mas como Evans,

Jamal trouxe profunda emoção para sua música.”(SHADWICK, 2002, p.13). Ele também

lançou muitos discos em formações variadas de trio.

Com essa gama de influencias, Evans teve envolvimento profissional e artistico

com diversos pianistas de jazz de diferentes gerações: os que reviviam conceitos do Bebop

misturados ao soul e rhythm and blues no chamado hard bop; o cool jazz, que tinha como

características principais as riquezas harmônica, andamentos lentos; o free jazz que aos

poucos foi se delineando como influência em muitos jovens músicos dessa época por seu
21

desapego á formas tradicionais do jazz; o aparecimento da third stream que fundia aspectos

da música erudita européia com o jazz americano; o Modal Jazz, explorava modos e escalas

em detrimento de conceitos harmônicos tonais e era uma extensão do Cool Jazz.

Além do continuo lançamento de novos trabalhos de artistas de gêneros já mais

antigos como o swing e bebop, o jovem pianista Bill Evans, judeu e de descendência russa,

aparece no cenário musical de Nova York como um dos brancos mais respeitados por

jazzistas negros, numa época em que ainda existia um grande racismo politicamente aberto

nos E.U.A..

O próximo capitulo volta ao relato biográfico do artista, porém inteiramente focado

nas aspectos históricos e analíticos de sua discografia que vai de 1956, até sua morte por

hemorragia no pâncreas em decorrência do abuso de narcóticos e álcool em 1980.

Entretanto, fatores de vida pessoal serão citados apenas se condizerem com o

direcionamento musical de sua carreira.


22

CAPÍTULO 2 – THE BILL EVANS TRIO

Os discos lançados em trio por Bill Evans abrangem o período de 1956 até 1980.

Foram escolhidos para análises formais, rítmicas, harmônicas e melódicas, álbuns das

décadas de sessenta e setenta, com intervalos entre estes que não sejam de muitos anos,

para que não haja nenhum salto bruto entre mudanças de formações. Os discos que não

forem analisados serão citados para adicionar exemplos e dar continuidade histórica ao

trabalho, assim como para entender que procedimento Bill Evans usou estilisticamente ao

longo dos anos, seja em improvisações, em arranjos diversos para um mesmo tema ou solos

de diferentes músicos que participaram improvisando, dessas sessões.

Como a quantidade de baixistas e bateristas que gravaram em trio com o pianista

também é grande, a ênfase maior será dada aos chamados “trios regulares”, ou seja, os trios

que eram constantes durante os anos, que lançaram discos e fizeram apresentações ao vivo

freqüentemente. Os trios que gravaram um disco apenas serão levados em consideração se

o material fonográfico teve importância histórica e analítica para os meios antes citados. Os

discos lançados postumamente se forem citados, serão pelos mesmos motivos, sendo de

trios “regulares” ou de fases de transição e escolha de um grupo fixo.

Os discos escolhidos para análise são Sunday At the Village Vanguard e Waltz For

Debbie de 1961, Moonbeams e How My Heart Sings de 1962, At Montreux de 1968, The

Bill Evans Album de 1971, Tokyo Concert de 1973, You Must Believe in Spring de 1977 e

Paris Concert - Edition I e II de 1979. No caso dos álbuns de 1961, 1962 e de 1979, foram

escolhidos dois lançamentos, ao invés de um, pois ambos são gravações ao vivo ou sessões
23

de estúdio que se completam, então podem ser considerados como um registro único, já

que foram lançados no mesmo ano.

Esse grupo de álbuns inclui gravações em estúdio e ao vivo e são todas, sem

exceção, takes únicos, com as formas das músicas do começo ao fim, sempre com forte

presença de improvisações e interações entre os instrumentos, que aconteceram nesses

momentos específicos registrados fonográficamente, seja em uma sala de estúdio ou em

cima de um palco em um pequeno bar ou uma grande casa de show.

A escolha de mais da metade dos álbuns ao vivo é proposital e serve para

exemplificar a importância das apresentações do trio, inserido num contexto de

performances de jazz:

“(...)O jazz é também uma arte visual. É uma manifestação que para ser percebida em sua
totalidade deve ser presenciada ao vivo. Mesmo que essa observação também possa ser
aplicada a outros gêneros musicais, no caso do jazz a performance encontra um grau de
interiorização musical gestual e emocional especialmente marcante. (...) Essa
expressividade está diretamente ligada à improvisação, procedimento que diferencia o jazz
de outros gêneros.”(CALADO, 1988, p. 18/19)

Apesar desses álbuns não mostrarem a imagem de Evans com as costas curvadas

em direção às teclas sem olhar para o piano, eles registram a intensidade sonora contida em

cada apresentação. E algumas transcrições são leituras desses momentos dos trios.

Dentre esses discos, foram escolhidas algumas das faixas que abrangem as

diferentes formas, re-harmonizações, mudanças de ritmos, etc, que os diferentes trios

lidaram com os arranjos de Evans durante os anos, além da interpretação do próprio, que

serão analisados alguns elementos de improvisação, como em “Very Early” e “Re: Person I

Knew”, de autoria do próprio, gravação de 1962 ou “You Must Believe in Spring” (Michel

Legrand), de 1977.
24

A quantidade de temas que Bill Evans tocou durante sua vida como artista solo e

sideman é muito grande. Só em seu trio, existem registros em áudio de mais de 400

músicas diferentes lançadas no mercado fonográfico. Uma parte desses temas lançados

foram re-gravados ao longo dos anos, em discos lançados até 1980.16

Dentro dessas centenas de temas, é possível levantar o tipo de repertório executado

durante os anos e as características contidas durante o passar das décadas. Como antes dito,

Bill Evans havia sido bastante influenciado desde sua adolescência por temas populares

não necessariamente ligados ao jazz, pois já havia trabalhado com diversos grupos musicais

como bandas marciais, orquestras de Polka, casamentos judaicos, entre muitas outras

situações envolvendo gêneros distintos.

A escolha de seu repertório também abrangia composições diversas de diferentes

meios. Assim como Evans já foi gravado executando uma dezena de temas do pianista

Thelonious Monk, podemos ouvir também uma interpretação de uma peça do compositor

alemão J.S. Bach. Ou ainda um tema como “Someday my Prince will come” da trilha

sonora do desenho da Disney “Branca de Neve e Os Sete Anões”.17

Contudo, é possível notar certas preferências dentre as escolhas que são constantes

e fazem alguns temas ficarem em grupos que contêm características semelhantes. Para

compreensão da existência desses diferentes grupos, foram selecionados dois critérios de

avaliação: formas musicais mais encontradas; procedência e período histórico das

composições.

16
Na dissertação de mestrado “Aspectos Estilísticos do Jazz através da identificação de estruturas verticais
encontradas na obra de Bill Evans”, o autor Marcelo Gimenes, lista as 652 músicas que Bill Evans gravou
como artista solo e sideman e quantas vezes cada uma foi tocada.
17
Esse tema foi primeiramente gravado por Dave Brubeck, cuja influencia já foi citada anteriormente.
25

Os autores que Evans fez interpretações podem ser selecionados em alguns grupos.

Estes englobam a maioria dos temas executados, vamos focar as canções selecionadas

nesses pequenos grupos a serem descritos a seguir:

A primeira leva de composições a ser explicitada são aquelas que são de pianistas e

outros músicos que o influenciaram. Analisando sob um aspecto histórico, é possível

encontrar temas que foram lançados por artistas de gerações anteriores e posteriores de

Evans, o que mostra o interesse contínuo por um tipo de repertório que lhe agradava, já que

é possível encontrar semelhanças formais que se repetem ao longo dos anos.

Artistas como Earl Zindars (1927-2005)18, por exemplo, teve suas composições

gravadas ao longo dos anos mais de quinze vezes dentre seus álbuns. “Elsa”, um desses

temas, apareceu pela primeira vez no álbum Explorations (Riverside,1961) de Bill e

continuou em seu repertório durante anos, aparecendo em apresentações e discos

posteriores.

“Elsa”, pode ser tomada como exemplo, pois traz uma característica formal que

virou uma marca registrada no repertório de Evans: A inclusão de temas que tivessem a

condução rítmica em 3/4 ou ternária. “Bill sempre me disse que era uma pessoa em 3/4, e

eu sabiamente concordava, pois eu era, também. Essa era provavelmente uma boa razão

porque ele tinha “Elsa” sempre pronta aonde quer que ele tocasse.”(PETTINGER, 1998, p.

104)

Os artistas que tiveram composições que podem ser citadas como referencia dentre

o repertório de Evans são: Thelonious Monk, Dave Brubeck, Michel Legrand, Denny

Zeitlin, Steve Swallow, entre muitos outros.

18
Earl Zindars (1927-2005) era compositor, percussionista sinfônico e pianista, natural de Chicago e amigo
pessoal de Evans.
26

Outro grande grupo de composições são as músicas de filmes, peças de teatro,

musicais e seriados de televisão. Muitas dessas composições já faziam parte do repertório

dos músicos de jazz anteriores á Bill Evans, outras se tornaram parte desse repertório após

gravações dele terem sido lançadas.

Os compositores mais gravados por Evans dessa segunda leva foram George

Gerswhin, Victor Young, Cole Porter, a dupla de compositores Richard Rodgers e Lorenz

Hart, entre outros.

O terceiro e último grupo são as composições do próprio Bill Evans, que são cerca

de 70 temas compostos em seus 25 anos de carreira fonográfica, quase todos editados em

áudio e partitura, enquanto o pianista ainda era vivo. Temas como “Very Early”, “Waltz for

Debby”, “Re: Person I Knew” e “Turn Out the Stars”, fizeram parte de suas apresentações

desde que foram compostos até a sua morte.

Sob o aspecto das formas musicais encontradas, também existem as mais

executadas e exploradas por Evans. Baseado no prefácio “A educação do músico de jazz”

do livro “The Harmony of Bill Evans” (REILLY, 1993), explicitaremos as formas mais

usadas no gênero, aplicando essa perspectiva em Evans:

“O curriculum do jazz é dividido em três estágios: 1. A FORMA BLUES; 2. A FORMA


CANÇÃO; 3. A FORMA LIVRE. Cada estágio traça um paralelo com as classificações da
música erudita respectivamente: Modal (1100 – 1600 D.C.), tonal (1600 – 1900 D.C.) e atonal
(1900 – presente).(...) ”(REILLY,1993, p. vi)

Evans explorou dois desses estágios profundamente ao longo dos anos, a forma blues

e a forma canção. Apesar de ser de uma geração de músicos que estava fortemente

relacionada com a exploração de formas mais livres, que desencadeou no movimento free

jazz, na virada da década de 50 para a de 60, Evans não abordava o terceiro estágio
27

anteriormente proposto somente, mas sim, relacionado aos primeiro e segundo, como o

próprio diz em uma entrevista para a revista de jazz Down Beat: “O único jeito que eu posso

trabalhar é tendo algumas restrições envolvidas – o desafio de uma certa arte ou forma – e

então encontrar liberdade nisso... Eu tenho me permitido o outro tipo de liberdade

ocasionalmente”. (SHADWICK, 2002, p. 84).

Segundo Reilly, a forma mais encontrada em seu repertório é a forma canção: “(...)

esse estágio está mais focado nas estruturas, relações entre tonalidades, e harmonia. (...)”

(REILLY, 1993). Sobre a forma canção, Bill utilizou recursos diferentes para explorar os

conteúdos musicais contidos nessas centenas de composições. Os temas tocados são

majoritariamente baseados em estruturas AABA e ABAC, essas disposições formais já

vinham sendo utilizadas desde o bebop, usualmente esses temas são tonais e possibilitam

rearmonizações, explorações melódicas e rítmicas nos improvisos.

Essa postura de reconstrução das estruturas internas como harmonia, melodia, sem

alterar a forma é algo que Evans se baseou em seus ídolos do bebop, como o antes citado

Bud Powell, sobre quem declarou uma vez: “Powell tem o talento mais compreensível para a

composição entre qualquer músico de jazz que eu já ouvi se apresentando na cena

jazzística.”(SHADWICK, 2002, p.8 ).

O “talento composicional” que Evans cita é exatamente a habilidade de reconstrução

explicada anteriormente quando usada pelos músicos da geração bebop, que o mesmo deu

continuidade em sua música, aliada á uma maneira mais livre de tocar, por uma questão

histórica e de concepção musical própria de seu trio.

Traçando um paralelo com trabalhos futuros que Evans lançou ao longo das décadas,

é possível identificar rearmonizações e procedimentos que influenciaram-no em seu começo

de carreira profissional, como sideman e estudante de jazz de uma geração altamente


28

influenciada por acontecimentos em diversas partes do globo, através de rádios, gravações de

45 1/2 R.P.M., como a recente explosão da cena nova-iorquina de Bebop no fim dos anos

quarenta, além de transmissões de trilhas de filmes em rádios durante o dia nos anos 30,

quando Evans ainda estudava um repertório focado em peças eruditas de épocas diversas.
29

2.1 – OS TRIOS E OS DISCOS - I (1956 – 1970)

Antes de começar a descrever os álbuns que Bill Evans lançou como artista solo, é

necessário relembrar que ele estudava piano desde os três anos, já havia trabalhado com

dezenas de artistas e tinha gravado como sideman em oito discos, como afirma o site Bill

Evans Webpages (www.billevanswebpages.com/collaborations.html) que cuida de

informações oficiais sobre lançamentos na mídia.

Apenas aos 27 anos, Bill Evans registrou uma primeira obra em seu nome, com

uma concepção musical sua, com temas de sua escolha, fazendo todos os arranjos, em uma

formação que gostava e dispostos de uma maneira que lhe agradasse.

New Jazz Conceptions (1956) contava com o contra-baixista Teddy Kotick e o

baterista Paul Motian. Esse álbum contém sete peças de outros compositores, incluindo

alguns standards e quatro temas de sua autoria, sendo um deles uma versão para piano solo

“Waltz For Debbie”, obra que no futuro se tornaria sua composição mais famosa. Nessa

sessão, ele também registrou em versão solo do standard “My Romance”, que fez parte do

repertório em trio, até o fim de sua carreira. Essa gravação ocorreu através de uma pequena

gravadora da época, chamada Riverside19 e de acordo com o biografo Peter Pettinger, foi

19
A Riverside Jazz Records, é um selo de jazz (hoje em dia administrado pela gravadora e
distribuidora mundialmente famosa Universal Music) por onde Bill Evans teve muitos de seus lançamentos
editados ao longo da carreira. Como legalmente, as gravadoras que lançaram na mídia os discos de Bill
Evans, normalmente têm direito sobre a reprodução desses documentos, muitos álbuns saíram postumamente,
lançados em CD’s e LP’S desde 1980 até hoje, com e sem autorização dos administradores do legado de
Evans.
As versões em CD’s de antigos LP’s, usualmente trazem logo em seguida ao take lançado
originalmente no LP, uma versão alternativa e completa do mesmo tema que não foi utilizada para aquela
gravação (Ex: “Gloria’s Step” - take 2 é a versão que foi originalmente para o álbum e “Gloria’s Step” – take
1 é o não utilizado, mas incluído no na versão em CD ) , fazendo com que haja uma enorme quantidade de
registros históricos de procedimentos e formas constantes. (N.A: Esses out-takes não serão usados para
análise nesse trabalho)
30

agendada em dois dias separados pelo seu futuro amigo e produtor Orrin Keepnews (1923).

O baixista e o baterista eram colegas de trabalho de Evans no quarteto do clarinetista Tony

Scott, fato que deixou o pianista mais à vontade para a gravação:

“(...) Keepnews teve dificuldade em convencer Evans de que estava pronto para
gravar um disco solo, com seu nome, em trio; usualmente, é claro, é o artista que tenta
20
persuadir o produtor”.(PETTINGER, 1998, p. 36)

Apesar deste álbum ainda não ter a interação musical entre os executantes, que seria

a assinatura de seus futuros trabalhos solo, as características estilísticas usadas na escolha

de repertório são base para a maneira que seus futuros discos seriam concebidos. Na

disposição das faixas, verifica-se mescla de: repertório enraizado em standards de filmes,

peças de teatro e musicais; composições próprias; temas de pianistas e compositores

contemporâneos que admirava; a inclusão de pelo menos uma faixa em ritmo ternário e

momentos de piano solo.

Entretanto, a inclusão de solos de baixo, ainda não acontece com tanta recorrência

aqui, pelas características rítmicas fortes e não tão melódicas de Teddy Konick. Outra

assinatura musical forte dos futuros Evans Trios que não ocorre em New Jazz Conceptions

é a atuação quase que solista de Motian, que continuou gravando com Bill Evans até

meados dos anos sessenta. Motian também aparece tocando de maneira diferente das

gravações posteriores do grupo, com mais condução rítmica e menos interação com as

improvisações do pianista.

Com esse disco Bill Evans iniciou sua carreira fonográfica como solista, entretanto,

apenas dois anos mais tarde, ele voltaria a gravar dessa mesma maneira. Esse primeiro trio

20
Tradução livre do autor.
31

não chegou a fazer apresentações ao vivo tocando as músicas escolhidas para essas sessões.

Mas os três continuaram acompanhando o clarinetista Tony Scott em seu quarteto.

Evans era muito critico com suas performances, e como anos mais tarde em um

programa – entrevista de televisão, chamado “The Universal Mind Of Bill Evans”, ele disse

que após aquela gravação, ele se concentrou em estudar música e ter um cuidado maior

com ela:

“Eu me lembro quando vim para Nova York para tocar jazz. Eu ficava me
perguntando: Como eu posso atacar esse problema prático de me tornar um músico de
jazz e viver dessa profissão? E finalmente, cheguei à conclusão de que tudo que eu
preciso fazer é cuidar da música, mesmo que eu toque dentro de um armário. E se eu
realmente fizer isso, alguém virá e abrirá a porta do armário dizendo: Ei! Estávamos
procurando por você!”. (PETTINGER, 1998, p.38).

Nesse período que o pianista não gravou um trabalho próprio, ele começou a atuar

como sideman, gravando uma série de discos. Participou de execuções de obras de

compositores de jazz como o arranjador George Russell, o contra-baixista Charles Mingus

e o saxofonista Jimmy Giuffre, de 1956 até 1958.

No ano de 1958, Bill Evans foi chamado para integrar o Quinteto do trompetista

Miles Davis durante seis meses de sua carreira, entre 1958 e 1959. Duas de suas

biografias disponíveis, que foram utilizadas para esse trabalho, citam esse período como

um grande acontecimento na carreira musical de Evans. Assim como referências

explícitas do próprio Davis sobre essa colaboração musical que houve entre os dois,

inclusive em sua autobiografia.

Essa pequena passagem pelo grupo de Davis tem um alto grau de importância

devido principalmente á carreira do trompetista estar em ascendência há mais de dez

anos: desde o auge do Bebop, seus álbuns como líder - que começaram a ser lançados no

final da década de 1940 - contam com diferentes formações, que incluíam álbuns
32

inteiramente gravados por Big Bands e outros que continham formações pequenas como

quintetos (piano, baixo, bateria, trompete, saxofone tenor ou alto) eram comercialmente

bem sucedidos na mídia.

Miles Davis, ao longo dos anos, também foi uma espécie de ‘descobridor de

talentos’ e seus grupos usualmente contavam com instrumentistas que com o passar dos

anos se tornaram referencia por suas maneiras de tocar e pela grande influencia que eles

tiveram sobre músicos de outras gerações. Isso aconteceu com instrumentistas de

gerações distintas, que tocavam instrumentos de diferentes naturezas.

A quantidade de saxofonistas, pianistas, baixistas, bateristas, guitarristas, etc. que

passou pelo grupo de Davis é imensa, a carreira que cada um desses músicos

desenvolveram, em grande parte, têm relação com o envolvimento direto com Miles.

Com Evans não foi diferente, já que teve espaço para se expressar musicalmente quando

substituiu Red Garland no quinteto de Davis no ano de 1958:

“O trompetista Miles Davis, após trabalhar com pequenas orquestra, havia finalmente, no
fim de 1955, formado o que viria a ser um grupo fixo, chamado de The New Miles Davis
Quintet. Os outros músicos do grupo eram John Coltrane no sax tenor, Red Garland no
Piano, Paul Chambers no baixo e Philly Joe Jones na bateria(...) Esse grupo ficou junto
na estrada durante dois anos e meio e fez uma série de álbuns clássicos(...) quando seu
líder, por muitas razões, começou á procurar por um novo pianista. Apesar do grupo ser
bem sucedido, haviam muitos problemas relacionados á drogas; [Red] Garland estava
tendo problemas com o vício que o tornava não confiável para o posto e Phillie Joe Jones
estava para ser substituído por Jimmy Cobb pelo mesmo movito. (...)” (PETTINGER,
1998, P. 52, 53)

Por indicação de George Russel, arranjador que era um amigo em comum de ambos,

Miles Davis contratou Bill Evans para abordar uma nova concepção musical direcionada

pela maneira de tocar piano de Evans:

“ Davis, o mestre em comunicação, estava também procurando por um pianista que


pudesse complementar sua visão de espaço. Garland tendia á tocar seus acordes com
intervalos regulares e ás vezes insistentemente, ocupando os espaços na maioria das
vezes. Evans, em contraste, era específico, seus silêncios eram cuidadosamente
integrados á estrutura musical em questão e agiam como um andaime de imensa força.
33

Tal claridade cool, sem sacrificar a flexibilidade, chamou a atenção de Davis como a
fresca linguagem harmônica que Evans trouxe para suas conduções de vozes no piano
[voicings].” (PETTINGER, 1998, P. 52)

Bill excursionou com esse quinteto, que desde 1957, havia se tornado um sexteto,

com a adição de Julian “Cannonball” Adderley no Sax alto, durante sete meses no ano de

1958, tocando um extenso repertório que incluía temas que foram regravados e

rearranjados por ele em seus trios como o Standard “All Of You” (Cole Porter). É

importante relembrar que o primeiro disco de Bill Evans como líder, New Jazz

Conceptions, havia sido lançado em 1956, e em 1958, já tinha experiência e tocava

usualmente em casas de jazz de Nova York.

Após meses de excursão com esse grupo, Bill Evans havia desenvolvido seu vício

em heroína e estava sofrendo grande pressão pelas longas excursões do Sexteto de Miles

Davis através dos E.U.A. Além do fato de Evans ser o único branco na banda de Davis,

algo que fazia com que o pianista virasse alvo de manifestações racistas que eram comuns

tanto em meios brancos contra negros, como em meios negros que não aceitavam

brancos.

Outros fatores pessoais adicionados á longa jornada de gravações e apresentações

fizeram com que Evans deixasse o grupo amigavelmente, para descansar e repensar a sua

carreira.

Também neste ano, juntamente com seus colegas de trabalho John Coltrane, Miles

Davis e Paul Chambers, Evans tocou em algumas faixas de um disco em Big Band do

compositor e arranjador francês Michel Legrand chamado Legrand Jazz. E como é dito no

nome, contém uma série de faixas de clássicos do jazz americano, apenas com músicos dos
34

Estados Unidos. Muitas composições de Legrand vieram fazer parte do repertório de seus

trios após essa ocasião.

Com essa quantidade de aparições como sideman, Evans gravou seu segundo álbum

com um título sugestivo para a situação artística que estava vivendo: Everyboy Digs Bill

Evans foi lançado em 1959, quase três anos depois de sua estréia em trio. A capa do

trabalho trazia várias pequenas frases de artistas em voga no mundo do jazz do final da

década de 50 elogiando-o. O pianista ao ver a capa, disse ao produtor do disco

modestamente, com seu típico senso de humor: “Porque vocês não pegaram uma frase da

minha mãe?”.(PETTINGER, 1998, p. 56).

Essas sessões contaram com seu companheiro de banda Philie Joe Jones, segundo o

próprio Evans “seu baterista favorito” e o baixista Sam Jones. Apesar de seus

companheiros de banda serem outros nesse registro, a concepção de escolha de repertório é

parecida em muitos aspectos com New Jazz Conceptions. Momentos de piano solo voltam

a aparecer no álbum, assim como a mescla de composições próprias com outras de artistas

que admirava e a inclusão de um tema em ritmo ternário. Esse trio também só tem esse

registro e não tocou ao vivo.

Apesar de Evans ter deixado o grupo de Miles Davis em 1958, no ano seguinte, ele

foi chamado para uma gravação do grupo que estava planejada antes da entrada de

Wynton Kelly como diz o próprio Davis:

“Wynton havia se juntado ao grupo um pouco antes de eu entrar em estúdio pra fazer
Kind Of Blue, mas eu já havia planejado um álbum baseado na maneira de tocar de Bill
Evans, que tinha concordado em gravar conosco.” (DAVIS apud PETTINGER, 1998,
P. 81)

Para a gravação desse álbum, que contém cinco composições que trabalham em

cima de conceitos modais, que estavam aliados á propostas de estudo da obra do


35

arranjador/ teórico George Russel, como explicado anteriormente no primeiro capítulo

desse trabalho.

Recentemente, no ano de 2007, foi lançado um livro que explora profundamente

características e relatos sobre a gravação do álbum Kind Of Blue, que está citado na

bibliografia. Devido á esse documento e há muitas outras referencias históricas de que são

de fácil acesso, também em função do recente aniversário de cinqüenta anos desse álbum

em 2009, essa monografia não pretende se alongar sobre a história da gravação desse disco,

para não soar repetitivo.

Em 1959, Evans começou a procurar músicos para integrar um trio fixo que além de

fazer gravações, se apresentasse ao vivo. Era o primeiro trio “regular” do pianista, que

contava com Paul Motian, seu antigo companheiro do quarteto de Tony Scott. E um jovem

contra-baixista chamado Scott LaFaro, que também estava envolvido com algumas

personalidades importantes para o nascimento do free jazz, como Ornette Coleman e Eric

Dolphy.21

Evans estava á procura de uma forma de expressar sua música nesse trio, como ele

declarou em uma entrevista:

“Eu espero que esse trio cresça em direção á improvisação coletiva, em vez de um cara
solando e sendo acompanhado por outro. Se o baixista, por exemplo, ouve uma idéia que ele
quer responder, por que ele deveria apenas continuar conduzindo em 4/4? Os homens que vou
trabalhar aprenderam a tocar da maneira comum, então eu penso que agora nós temos a
permissão de mudar isso e tocar diferente. Afinal, nas composições clássicas, não se ouve
uma parte que continua estagnada até que haja um momento solo. Existem passagens
transicionais de desenvolvimento - uma voz começa a ser escutada mais e mais e finalmente
cai na notoriedade”. (PETTINGER, 1998, p.98)

Com essas idéias e a formatação de um trio fixo, Evans gravou no final de 1959

Portrait In Jazz (Riverside, 187306), o primeiro de quatro álbuns com esses três

21
No ano de 1960, foi lançado o álbum Free Jazz (Waner Jazz, 8122736092) do quarteto duplo de Ornette
Coleman que incluia dois baixos, duas baterias e quatro sopros. Esse é considerado um álbum divisor de
águas para o jazz e LaFaro é um dos baixistas.
36

integrantes. Algumas características e assinaturas musicais que no futuro se tornariam

recorrentes na abordagem de Bill Evans como band-leader aparecem com esse lançamento,

assim como a continuidade dos padrões estilísticos antes citados.

Entretanto, segundo o produtor Orrin Keepnews, esse ainda é um álbum que mostra

um período de transição na carreira de Evans, pois ainda contém, como em seus dois álbuns

anteriores, arranjos que não trabalham inteiramente com o conceito de improvisação

simultânea e contraponto entre os três instrumentos. Além de conter conceitos antes

abordados por pianistas como Horace Silver e o já antes citado Lennie Tristano, que eram

duas fortes influências em Evans na época.22

O segundo registro desse trio foi Explorations (Riverside, 25218603720) lançado

em 1961, após esse disco ter sido lançado, o grupo já estava com um entrosamento maior

devido ao tempo que estavam juntos e á quantidade de apresentações feitas. As direções

que Evans desejava aos poucos se concretizavam. Quatro, dos oito temas de Explorations

fizeram parte de seu repertório ao longo dos anos, como a antes citada “Elsa”.

Outra dessas faixas é a primeira gravação do tema mais tocado por Bill Evans em

toda a sua carreira23: “Nardis”, que tem seu primeiro registro fonográfico no álbum Portrait

of Cannonball (Riverside, OJCCD3612), do saxofonista Julian “Cannonball” Adderley, em

que Evans participou como sideman em 1958. O tema foi composto pelo ex-band leader de

ambos Miles Davis especialmente para essa sessão do quinteto do saxofonista, acabou por

se tornar um dos clássicos do repertório dos diversos Bill Evans Trios ao longo dos anos.

22
Informação colhida do podcast “Portrait of Bill”, que contém uma entrevista com o produtor Orrin
Keepnews realizada pela Concord Music,Group (www.concordmusicgroup.com), que cuida de relançamentos
de álbuns que Keepnews produziu, incluindo os quatro lançamentos de Bill Evans com Scott LaFaro.
Acessado via YouTube (Http://www.youtube.com/watch?v=Ahgg4G3xLZM) dia 28/09/10.
23
Como consta no “Anexo 2. Temas tocados por Bill Evans” do mestrado de Marcelo Gimenes de 2003
citado na bibliografia, existem 49 registros diferentes de “Nardis” disponíveis em áudio.
37

Nesse mesmo ano, duas semanas de apresentações foram agendadas em uma

pequena casa de jazz, com grande importância para o gênero: o Village Vanguard24. Uma

dessas apresentações foi gravada em um domingo que o trio fez três entradas e foi lançada

em dois LP’S em 1961: Sunday at the Village Vanguard (Riverside,1861402) e Waltz for

Debby (Riverside, 1862102).

Curiosamente, o produtor Orrin Keepnews, escolheu a última data do trio na casa

para essa gravação que aconteceu em uma matine de domingo, em cinco entradas com

cerca de vinte minutos cada. Variações em cada set mostram que havia um extenso

repertório que incluía standards, composições de Evans e do baixista Scott LaFaro.25

Essa apresentação mostra o nível de interação alcançado pelos três músicos e

exemplifica as sonoridades que o pianista buscava. Por exemplo, a ausência da marcação

rítmica constante no baixo, como acontece em “Solar” de seu antigo parceiro Miles Davis,

em andamento acelerado, entretanto, o trio preenche contratempos adiantando ou

ausentando as cabeças de tempo. Algumas vezes colocando pausas longas que não são

usualmente utilizadas em ritmos acelerados do jazz que já haviam existido antes do Bill

Evans Trio.

Até então, temas rápidos eram feitos com uma condução que marcava mais

constantemente a clave que indicava acentos nos tempos fracos de um compasso (dois e

quatro) no baixo e também na bateria, característico do jazz. Tais momentos acontecem ao

longo desse tema, onde recursos mais tradicionais do jazz como o walkin’ bass é executado.

24
O Village Vanguard é uma pequena casa de jazz situada na cidade de Nova York, que tem uma grande
importância na história do estilo, pois por lá já passaram e ainda passam nomes que são expoentes de gerações
distintas. O Bill Evans Trio era atração do lugar quase que anualmente, quando estavam na capital nova-
iorquina. Para mais informações sobre a casa, gravações de músicos que tocaram no recinto, etc. recomenda-
se o livro Ao vivo no Village Vanguard, citado na bibliografia.
25
LaFaro aparece com duas composições: “Gloria’s Steps” e “Jade Visions”, que tinha sua fórmula de
compasso em 9/8, algo raro no repertório de Bill.
38

Entretanto também existem pausas na condução tanto de baixo, quanto de bateria, que não

estão ás vezes em finais de seções ou partes da música.

Outro recurso que também seria bastante utilizado futuramente era o fato de o

baterista Paul Motian às vezes direcionar a condução rítmica para o desenvolvimento da

idéia do solista, muitas vezes um ostinato do piano, algum pedal de baixo ou a antecipação

de idéias que era feita durante as pausas do solista.

A performance do baixista Scott LaFaro nesses dois discos ao vivo é algo que deve

ser focado pois influenciou inúmeros baixistas e outros músicos de distintas gerações

devido á sua abordagem não convencional de condução no baixo, sua interação com o Bill

Evans e seus longos e ricos improvisos.

Marc Johnson (1953), último baixista que tocou com Bill Evans no período de 1978

até 1980, descreve, em uma entrevista26, alguns aspectos musicais característicos de

LaFaro:

“Scotty tinha um som único e original – tão real e fluido. Ele não usava nenhum tipo
de captação no contra-baixo, não é possível ouvir nenhum barulho de cordas de metal soando,
pois ele usava cordas de tripa. Ele também era muito melódico e inventivo, soava como um
instrumento de sopro quando improvisava nas regiões agudas. Em um período de minha vida
fui mais a fundo em coisas que ele fez, para entender escolhas e colocações de notas quando
ele acompanhava. As coisas que ele fazia entre as frases de piano e sua condução rítmica
através do tempo eram fenomenais e tiveram um impacto profundo sobre mim. Era algo
conceitual, ele servia de contraponto melódico para tudo que estava acontecendo. Ele não
conduzia o tempo inteiro em 4/4, apesar de ter uma conexão forte no groove com Bill e Paul
Motian. Quando eles tocavam baladas, mudavam a intenção rítmica em “primeira-marcha”
para “segunda-marcha”, depois voltavam para a primeira com implicação de double time e
outras medidas. Ele tinha idéias que atravessavam partes da música e ofuscavam essa
mudança. Sua maneira de tocar era verdadeiramente criativa e bela” (2008, Bass Player)

26
Resposta para a pergunta “Como Scott LaFaro influenciou o seu jeito de tocar Contra-baixo?” na entrevista
concedida ao redator Anil Prasad do site Bass Player (http://www.bassplayer.com/article/marc-johnsons-
homage/mar-08/34331 ) em 2008, em suporte para a divulgação do cd da pianista Elliane Elias “Here is
Something for You”, homenagem a Bill Evans, em que Marc Johnson é o baixista. Acessado dia 12 de agosto
de 2010.
39

A seguir, está a grade transcrita de “Solar”(Miles Davis) de baixo, bateria e piano, 27

de alguns trechos do improviso do baixista Scott Lafaro, que exemplificam essas interações

entre os três músicos. A forma da música é derivada da Forma Blues de 12 compassos, com

uma rearmonização.

A Figura 1 – “Solar” – Solo de baixo28 mostra os dois primeiros chorus de

improvisação do baixo, que se iniciam com o acompanhamento de Evans na região aguda

do piano com acordes de três á cinco vozes, com ausência de Fundamental e aberturas que

enfatizam as extensões dos acordes (9as, 13as, 11as) e o pedal de sustain pressionado. Há

pausa de colcheia no primeiro tempo de cada compasso, ou ligaduras que saem do segundo

tempo de um compasso e vão até o segundo tempo do próximo, proporcionando um

deslocamento rítmico dentro do 4/4 e um espaçamento no acompanhamento que enfatiza o

fraseado de LaFaro.

A redução de elementos rítmicos na levada de bateria, do primeiro compasso para o

segundo, na primeira linha do exemplo, vê-se claramente que o baterista Paul Motian vai,

aos poucos, limpando sua condução para deixar o baixo se destacar como solista. As duas

últimas linhas transcritas do solo de baixo na página seguinte (onde há indicado “8ª”)

exemplificam o uso constante de regiões agudas, algo que seria característico de todos os

baixistas que tocaram em trio no futuro.

Esse exemplo mostra a preocupação que Evans tinha com a passagem de um solista

para outro. Os finais das improvisações são pontos cruciais para que as idéias do próximo

solista possam tomar forma com clareza. A transição de um solo para outro não acontece de

27
Transcrição retirada do livro “Artist Transcriptions – Bill Evans Trio – Volume 1”, p. 114 e 115, como
explicitado na bibliografia.
28
“Solar” é a faixa 1 do CD Anexo 1 – Exemplos em áudio, o exemplo transcrito inicia-se em 3:27
40

maneira abrupta, já que Evans usualmente finaliza seus improvisos antes dos últimos

compassos da música, como será ilustrado futuramente nesse trabalho.

A variação de densidade rítmica nessa transição é algo á se notar, pois nos primeiros

cinco compassos, há pausa na região grave do piano e o baixo continua conduzindo a

harmonia. Apenas no segundo tempo do primeiro compasso da segunda linha da Figura 229,

LaFaro inicia realmente seu solo, com uma frase de colcheias melodicamente ascendente,

chegando ás regiões agudas do Baixo acústico.

Esse início de solo é característico ao longo dos anos e terá uma comparação futura

com solos de baixistas posterior á LaFaro, que foi o primeiro á enraizar essas fortes

características do papel do contrabaixo. Após esses dois chorus exemplificados, Bill Evans

abandona seu acompanhamento no piano, deixando apenas a condução rítmica guiando o

solista, no penúltimo compasso do exemplo. A harmonização de Bill é retomada após doze

passagens da forma do tema.

29
Exemplo retirado de Artist Transcriptions – The Bill Evans Trio – Volume 1, págs.15,16
41

Figura 1 – “Solar” - solo de baixo 1


42

Figura 1 – “Solar” - solo de baixo 2


43

O tema “My Foolish Heart”, composto por Victor Young para a trilha sonora do

filme de mesmo nome, é a primeira faixa de Waltz For Debby. Esta primeira gravação em

Lá maior, uma tonalidade não muito comum no repertório jazzístico até então, é um

exemplo da preocupação de Evans com escolha de tonalidades para seus arranjos de

standards. A condução do baixo nesse tema acentua apenas o primeiro tempo de cada

compasso, assim, espaços aparecem para que as vozes internas da harmonização do tema se

destaquem.

Essa é mais uma característica que veio a ser comum ao longo dos anos em baladas

em andamento lento. Outra balada desse álbum que contém similaridades em andamento e

procedimentos é “Detour Ahead” (Carter / Ellis / Frigo).

A composição de Evans “Waltz for Debby” também aparece no disco de mesmo

nome, em uma nova versão. O tema é exposto com piano solo em rubato em 3/4, como na

versão original de seu disco de estréia. Quando os improvisos são iniciados, a rítmica da

música muda de 3/4 para 4/4, reduzindo dois compassos de 3/4 para um de 4/4, fazendo

com que haja dois acordes por tempo nas seções de improviso de piano e baixo

respectivamente. Há então, a redução formal da rítmica apresentada do tema antes em ¾

A’A’’ B A’ C, somando um total de 80 compassos, para 40 compassos em 4/430.

Essa redução formal que ocorre acontece de maneira natural, já que o valor de duas

semínimas pontuadas, inseridas em um compasso de 3/4, tem o mesmo valor de duas

semínimas de um compasso de 4/4, fazendo com que a adaptação rítmica não soe forçada e

o andamento da música não acelere de maneira perceptível. Outro fator interessante é como

LaFaro e Evans inserem figuras rímicas que remetem ao 3/4 quando estão em 4/4.

30
CD Anexo 1 – Faixa 2 : “Waltz For Debby”
44

A Figura 231 mostra o momento em que ocorre essa transição rítmica de ¾ para 4/4

que voltará a aparecer com os anos, sob diferentes formas, em discos de trios posteriores.

No segundo tempo do primeiro compasso, após a mudança indicada de ¾ para 4/4,

há uma acentuação do baixo junto com o piano, que faz uma convenção rítmica com os

últimos acordes do tema em voicings em clusters e outras aberturas no piano de cinco á sete

vozes internas.

Após essa convenção que é responsável pela transição da rítmica do tema, no

primeiro compasso da última linha do exemplo o contra-baixo acentua pela primeira vez o

primeiro tempo da nova fórmula de compasso em 4/4.32

31
Exemplo retirado de Artist Transcriptions – The Bill Evans Trio – Volume 1 pág. 138
32
Faixa 2 do CD Anexo 1, A Figura 2 transcrita aparece aos 0:57 segundos
45

Figura 2 – “Waltz For Debby” – transição 3/4 para 4/4 – 0:57

Esse exemplo acima ilustrado acontece em rubato, em tem sua intenção de

condução delineada aos poucos, quando aparece “moving up” na partitura e a rítmica em
46

4/4 é explicitada aos poucos. Em outras músicas futuras, as transições de rítmicas serão

exploradas de maneira mais aprofundada, exemplos futuros explicitarão esse recursos.

Na reexposição do tema em trio após as improvisações, o pianista opta por

continuar em 4/4, para que não haja uma mudança brusca na condução, então, a rítmica do

tema também é adaptada, utilizando a mesma forma das improvisações

No final da re-exposição do tema, acontece uma pequena coda (indicada na partitura

por “colla voce”) que valoriza aspectos harmônicos que viriam a se tornar também uma

assinatura em seus trios posteriores:

Figura 3 – “Waltz For Debby” - CODA33:

Figura 3 – “Waltz For Debby” – CODA - 6:43

33
Exemplo retirado de Artist Transcriptions – The Bill Evans Trio – Volume p. 159. Faixa 2 CD Anexo 1 –
6:43
47

Essa opção, mostrada na Figura 4, de encerrar o tema com uma pequena coda quase

que somente composta por acordes de 3ª e 7ª maiores, será novamente explicitada em

exemplos futuros, com uma análise mais aprofundada.

Infelizmente, dez dias após essa gravação ao vivo, que veio a ser uma das obras

mais conhecidas de Bill Evans em meios não-jazzísticos, o contra-baixista Scott LaFaro

morreu em um acidente de carro, ainda em 1961, precocemente, aos 25 anos de idade.

LaFaro em seus seis anos de atividade como contrabaixista trouxe uma nova estética para a

maneira de se tocar o instrumento no jazz devido ao seu alto grau de interatividade

alcançado nesse trio.

A morte do baixista interrompeu bruscamente as atividades do Bill Evans Trio e

abalou profissionalmente e emocionalmente os integrantes. O trio tinha planos futuros

como o baterista Paul Motian declarou anos mais tarde em uma entrevista em 1996:

“Nós não sabíamos o que fazer, não sabíamos se ainda tínhamos um trio. Nós
havíamos chegado em tal pico com Scott, com tanta liberdade. Parecia que tudo estava se
tornando possível (...) Nós possivelmente iríamos fazer uma sessão de gravação com Miles
Davis: o trio, Bill, Scott e eu... Nós estávamos falando com Miles sobre isso, estava tudo
sendo preparado, então Scott faleceu e tudo foi esquecido.” (SHADWICK, 2002, p. 91)

Evans foi o mais abalado emocionalmente, entrando em um período que sofreu uma

forte depressão e abusou fortemente do uso de heroína, uma dependência tóxica que lhe

causou muitos problemas em toda a sua vida. O resto do ano de 1961 foi muito difícil para

Evans, que se afastou da cena jazzística e declarou posteriormente: “Musicalmente, parecia

que tudo havia parado. Eu nem tocava piano em casa” (PETTINGER, 1998, p. 119).

Após esse breve afastamento da música, Evans gravou em diferentes formações

como sideman, como na orquestra do arranjador Tadd Dameron, no disco “The Magic

Touch” (1962, Riverside RLP 419). Um disco em duo com o guitarrista Jim Hall
48

“Undercurrent” (1962, Blue Note, 724353822828). E no disco “Nirvana” (1962, Atlantic

1426) do flautista Herbie Mann, contando com a participação de Paul Motian na bateria e o

novo baixista de seu reformulado trio, que já foi citado nesse trabalho: Chuck Israels.

As sessões que renderam os dois primeiros registros com o jovem Israels, que

substituiu LaFaro, aconteceram entre maio e junho de 1962 e renderam dois discos:

Moonbeams, disco inteiramente composto por baladas e temas em andamento lento. E How

My Heart Sings, que tem temas em andamentos mais rápidos, além de standards mais

“cantáveis”.

A proposta, ainda inédita na carreira de Bill, desses dois lançamentos foi sugestão

de Orrin Keepnews, que novamente produziu o disco e tem uma composição de Bill

dedicada a ele: “Re: Person I Knew”, o título da música é um anagrama contendo as

mesmas letras do nome do produtor. Em reedições desses álbuns em Cd, existem

usualmente referências em texto dessas pequenas “brincadeiras” de Evans com nomes,

homenagens, adaptações, colocadas como títulos entre algumas de suas composições.

O repertório desse par de discos contém algumas de suas composições que ainda

não haviam sido registradas por seu trio. Esse grupo de composições diversas, dispostas em

dois álbuns diferentes, traz as formas mais importantes e usuais no repertório de Evans

durante os anos, que serão enfocadas ao longo desse trabalho.

Esses temas são: “Re: Person I Knew”, “Very Early”, “Walkin’ Up”, “34 Skidoo”,

“Show-Type Tune”. A seguir, haverá uma descrição da forma de cada tema comparada ao

repertório anteriormente gravado em seus discos com a participação do falecido LaFaro e

dos outros temas (standards e temas de outros pianistas) contidos nesses dois álbuns de 62

com Israels.

A homenagem a Orrin Keepnews, “Re: Person I Knew”, é um tema baseado na


49

forma blues de 16 compassos, anteriormente descrita no capítulo 2.2. Esse tema se

assemelha estruturalmente a outro tema dessa mesma sessão: “Summertime”, de George

Gershwin, que também aborda essa mesma forma blues.

Entretanto a rearmonização utilizada no tema “é construída sobre um baixo-pedal”

(ISRAELS, 1985, p. 114). Esse pedal sustentado na nota Dó durante a exposição do tema,

faz com que a harmonia da música contenha apenas acordes que contenham a nota Dó

como nota principal da tétrade (T, 3ª, 5ª, 7ª) ou extensão (9ª, 11ª, 13ª) – C7M,

C7M (#5), Cm7, Cm7M, Fm7, Bb7M9, Bb7M9 (#5), Db7M. Essa harmonia movimenta-se

de maneira que privilegia os movimentos das vozes internas do acorde, com movimentos

ascendentes e descendentes de quinta, como mostra a Figura 434 á seguir que mostra a

primeira exposição em rubato de “Re: Person I Knew” no piano:

34
Exemplo retirado de Artist Transcriptions – The Bill Evans Trio – Volume 2 – pág. 67. Faixa 3, CD Anexo
I, 0:00.
50

Figura 4 – “Re: Person I Knew” – introdução 0:00

É importante notar que Evans ressalta cada modo utilizado em cada acorde,

tocando-os em pequenos intervalos, de maneira escalar, ascendente e descendentemente.

Com valorização rítmica que é viável devida a dilatação do tempo, que só começa a ser

ritmicamente constante quando aparece a referência “rit.”, no último compasso do exemplo

acima.
51

A improvisação dessa primeira gravação de “Re: Person I Knew” já foi transcrita

por duas grandes editoras com análises que apontam importantes aspectos melódicos

relativo á sua concepção harmônica:

“(...) Apesar de haverem muitos componentes interessantes no solo de Evans, um dos


licks mais interessantes ocorrem á partir do compasso 65 [N.A: Explicitado na Figura 5 á
seguir].Aqui, Evans usa tríades tocadas descendentemente sobre os acordes C7M9,
Gm7M e Fm7. Para o acorde C7M (9), ele usa tríades da escala de Dó maior: ré-si-sol,
dó-lá-fá, si-sol-mi, lá, fá, ré, sol-mi-dó. Note que as notas de passagem são utilizadas para
embelezar os acordes provenientes da escala do tom.(...)É claro, essa passagem atinge o
ouvido por causa de seu ritmo interessante; Evans cria um efeito de ritmo cruzado por
agrupar tercinas de colcheia com acentuação de quatro em quatro notas.” (EDSTROM,
1999, p. 18)

É também importante notar os deslocamentos rítmicos (hemiolas) acentuados de

três em três notas nas colcheias dos compassos 49 e 50 desse próximo exemplo. Assim

como as aproximações cromáticas características de seu vocabulário na frase que se inicia

no compasso 52 e contém tercinas de semicolcheia melodicamente descendentes. Outra

característica importante são os acompanhamentos de mão esquerda que preenchem as

pausas da improvisação melódica da mão direita. Como a seguir na Figura 535:

35
Exemplo retirado de Bill Evans – Signature Licks – P. 20. Faixa 3 CD Anexo 1,
52

Figura 5 - “Re: Person I Knew” – Solo de Piano 1:15


53

Esses desenvolvimentos de motivos rítmicos foram, ao longo dos anos, sendo aprofundados

e alongados nos chorus de improvisação das dezenas de gravações de Bill sobre o tema.36

Porém, tais desenvolvimentos são baseados principalmente em aspectos abordados nessa

primeira gravação de 62, como o detalhe do exemplo das tríades descendentes.

O final da improvisação de Evans retoma a idéia das tercinas como na Figura 637 á

seguir, com uma longa frase que ocupa quatro compassos a partir da segunda linha do

exemplo e antecipa o final do solo antes da forma de 16 compassos se completar.

Importante reparar que o único uso de semicolcheia em toda a improvisação, acontece no

terceiro compasso da terceira linha, com penúltima informação melódica.

Os últimos compassos da forma, indicados na Figura 7 - 2ª parte, são apenas

motivos rítmicos que antecedem a harmonização nas regiões agudas do piano na indicação

G, onde se inicia o próximo chorus com o solo de baixo de Israels.

36
“Re: Person I Knew” tem algumas versões em áudio disponíveis no cd Anexo 2.
37
Exemplo retirado de Artist Transcriptions – The Bill Evans Trio – Volume 2 - pág. 75 e 76.
54

Figura 6 – “Re: Person I Knew” - Transição de solos – 2:32


55

Figura 6 – “Re: Person I Knew” transição de solos 2


56

O tema “Very Early” é outra composição de Evans, que esteve presente em seu

repertório constantemente desde essa gravação de 62. Essa outra valsa (waltz) de seu

repertório, foi um desenvolvimento de sua primeira composição:

“Em de seu terceiro ano na faculdade, Evans produziu uma pequena obra prima em 3/4
que ele chamou de “Very Early”. É uma peça que contém sua escrita altamente
disciplinada, que pode suportar as mais rigorosas análises estruturais. (...) Essa
abordagem foi a espinha dorsal da forma e conteúdo da arte de Evans. (...) Quando
ouvimos sua música, estamos conscientes não do processo de composição, mas da poesia
resultante. Tocada “por inteira”, a peça é uma jóia lírica, que também providenciou
caminhos harmônicos ricos para a improvisação, essa é uma das primeiras composições
que sustentaram Evans ao redor do globo por trinta anos.” (PETTINGER,1998 , p. 17)

“Very Early”, que tem sua estrutura formal AAB, também traz momentos

característicos e importantes de seu estilo pianístico em sua improvisação dessa gravação:

“(...)O solo começa depois de duas passagens completas pelo tema. Não é muito longo ou
difícil mas contém as características essenciais das técnicas de Evans: posições fechadas na
mão esquerda, acordes com omissão de Tonica, dobras rítmicas de mão esquerda e direita,
desenvolvimentos de motivos e variedade rítmica. Evans usa ativamente sua mão esquerda
em grande parte desse solo. Importante notar que a mão esquerda dobra muitas rítmicas
importantes de sua linha melódica.” (EDSTROM, 2003, p. 52)

A Figura 738 mostra essa presença da mão esquerda, onde há dobras rítmicas em

tercina de colcheia e de semínimas no trecho que está compreendido entre os compassos 37

e 48 do improviso de Evans:

38
Exemplo retirado de Bill Evans – Signature Licks – P. 54. Faixa 4 - CD Anexo 1
57

Figura 7- “Very Early” – solo de piano – 2:01

Interessante notar que o arranjo dessa versão se difere da tocada por seus outros

trios nos anos seguintes, já que seu solo de piano não vai para a segunda parte da música,

fazendo com que haja um vamp na seção A. Em gravações dos anos setenta, o solo de piano

é feito sobre a estrutura completa AAB.


58

“Very Early” é um tema que fortemente representa a presença de composições em

ritmos ternários no repertório do pianista, uma constante característica composicional que

Evans desenvolveu ao longo dos anos com outras composições como “We Will Meet

Again”, “B Minor Waltz”, entre outras. Temas ternários de outros compositores também

podem ser agregados em um grande grupo dentro do repertório tocado por Evans.

O tema “Walkin’ Up” “é baseado em acordes maiores e tem uma melodia que se

movimenta com grandes saltos melódicos disjuntos”(ISRAELS, 1985, p.113). Sua estrutura

AABA baseada em um modelo que se encaixa no pantonalismo anteriormente descrito na

teoria de George Russell em sua primeira parte.

A peça se torna modalmente estática aos modelos de “So What” de Miles Davis na

parte B do tema e estabelece uma melodia com semínimas e mínimas pontuadas, que

atravessam compassos, com fortes características modais, como a escala dórica sugerida

para improvisação. Quatro compassos de Ebm7 modulam por cromatismo paralelo

descendente para Dm7. Um contraste de densidade harmônica de dois acordes por

compasso na primeira parte para um acorde parado, sem a ocorrência de movimento

harmônico por quatro compassos na segunda parte. Procedimento semelhante ao que ocorre

no rhythm changes. Como pode ser observado na partitura cifrada do tema a seguir

mostrada na Figura 839:

39
Exemplo retirado de Bill Evans Fake Book – Pág. 90. Faixa 5 – CD Anexo 1
59

Figura 8 – “Walkin’ Up”

“Walkin’ Up” também tem o mesmo formato da estrutura rhythm-changes, disposta

em AABA com 32 compassos (oito compassos para cada parte), foi muito utilizada e

consagrada no período Bebop, porém tem o seu material harmônico usado insere

características pantonais que se diferem das abordagens utilizadas em tal gênero. Evans já
60

havia gravado outros temas que continham essa estrutura, como “Oleo” (Sonny Rollins) e

“Five” de sua própria autoria.

“34 Skidoo” é outro tema que desenvolve uma idéia antes utilizada e exemplificada

em “Waltz For Debby”. Como é explicitada no nome da composição, a forma da música

tem sua fórmula de compasso que varia de 3/4 para 4/4 no decorrer do tema. Entretanto,

diferentemente de “Waltz for Debby” que se inicia em 3/4 e depois tem sua forma adaptada

para 4/4 em suas seções de improvisação, “34 Skidoo” tem mudanças em sua fórmula de

compasso nas suas mudanças de seção: “A primeira parte desse tema consiste em uma séria

de acordes sobre um baixo pedal em Mi.(...) Não há uma melodia “real” nessa

seção”(EDSTROM, 2003, p. 40), como exemplifica a partitura cifrada desse tema do Bill

Evans Fake Book na Figura 940:

40
Exemplo retirado de Bill Evans Fake Book – Pág. 73. Faixa 6 CD Anexo 1
61

Figura 9 – “34 Skidoo”


62

Em anexo nesse trabalho estão incluídas três versões do tema “34 Skidoo” que

foram tocadas ao longo dos anos, com três diferentes formações41. Interessante notar como

cada baixista e baterista acrescentam aspectos musicais que se diferenciam em cada versão

ao longo dos anos. Já que tecnicamente, harmonicamente e ritmicamente, esse tema traz

desafios interessantes para os três instrumentistas que compõem o trio.

O tema “34 Skidoo” varia ritmicamente de ternário para binário, assim como a faixa

título de um dos dois discos: “How My Heart Sings!” (Earl Zindars), que tem a forma mais

compacta (ABAC) comparada a “Skidoo”. Em “How My Heart Sings”, cada A contém 16

compassos em 3/4 e o B contém oito compassos em 4/4.

Em “34 Skidoo”, a forma é ABCD e a variação rítmica é mais complexa: o A é em

um ciclo harmônico de quatro acordes com presença de baixo pedal, distribuído em quatro

compassos em 4/4 que se repetem três vezes e não tem tema definido; o B ocupa doze

compassos de 3/4 e tem seu tema é em colcheias pontuadas, fazendo com que haja

sobreposição rítmica binária contra a fórmula de compasso ternária; a parte C é outro ciclo

harmônico de quatro acordes em quatro compassos de 4/4, repetidos três vezes como o A; e

a parte D, que como o B, tem um ciclo harmônico mais denso e tem uma sobreposição

rítmica sugerida pelo tema em 3/4.

As improvisações ocorrem na forma ABCD e após a reexposição do tema, ocorre

uma coda em Lá bemol menor, com harmonia estática em 4/4. Esse tema também é outro

exemplo da riqueza harmônica e rítmica que Evans aborda: “Evans pegou a idéia de

justapor partes diferentes ritmicamente entre si do tema “How My Heart Sings” de Earl

Zindars.”(PETTINGER, 1998, p.129)

41
As três gravações datam respectivamente de 1962: com o baixista Chuck Israels e o baterista Paul Motian,
1974: com o baixista Eddie Gómez e o baterista Marty Morell e de 1979: que conta com Marc Johnson no
contrabaixo e Joe Labarbera na bateria. E são as faixas 7, 8 e 9 do CD Anexo 2 – comparações.
63

A escolha de arranjos, composições e repertório de Evans com temas com essas

ricas formas, incluindo mudanças rítmicas e partes que transcendem as formas Standard de

32 compassos AABA ou ABAC – citadas no capítulo 2.1 - pode ter como ponto inicial a

composição analisada “34 Skidoo”. Outras composições de Evans que contém essas

características serão citadas ao longo do trabalho.

Características tonais de Standards é a proposta do próximo tema á ser analisado:

“Show Type Tune” é uma composição que, como o próprio nome sugere, era para soar

como um “tema de show”:

“Temas normalmente me requerem muito trabalho mais tarde no piano. Mas esse veio
quase completo. Eu ainda tenho muitas composições em meus cadernos que eu deveria
revisitar e terminar. Eu li em algum lugar que George Gerswhin tinha que escrever doze
temas ruins para escrever um bom. Isso me dá confiança”.(EVANS apud PETTINGER,
1998, p.129).

A maneira que esse tema é apresentado também remete aos antigos standards e

trilhas de filmes que fizeram parte de seu repertório do começo ao fim de sua carreira. Sua

primeira parte, chamada de sessão A (na partitura a seguir), é tocada sem condução rítmica

de maneira livre (Freely) e ocorre apenas uma vez no tema, servindo apenas como uma

introdução, que antecedesse a entrada de baixo e bateria.

Essa parte A que se difere das outras partes é equivalente a recitativos (também

conhecidos como “verse”, como indicado no início do exemplo a seguir) que antecediam as

formas usuais AABA ou ABAC de antigos standards. “Love For Sale” de Cole Porter e

“My Funny Valentine” (Rodgers/Hart) contêm letras e estruturas próprias, também tocadas

de maneira livre, sem condução rítmica. O ‘recitativo instrumental’ de “Show Type Tune”

também se diferem de suas outras partes que usualmente são utilizadas para improvisação
64

quando são tocadas por instrumentistas de jazz.

As sessões B e C, indicadas, são as utilizadas para as improvisações como

exemplifica a partitura cifrada tema da gravação de “Show Type Tune” de 1962 na Figura

1042:

42
Exemplo retirado de Bill Evans Fake Book – Pág. 62, 63, Faixa 7, Cd Anexo 1.
65

Figura 10- “Show Type Tune”


66

Figura 10 – “Show Type Tune” - 2

É importante notar a sugestão de baixo pedal na nota Dó, no ciclo harmônico

compreendido na terceira linha da parte C do tema. Mais uma vez o recurso de baixo pedal

aparece como parte integrante da composição. Nos últimos compassos, onde há a indicação

“Fine” é possível encontrar um turnaround que contém somente acordes maiores (F7M,

Ab7M, Db7M e Gb7M), esse recurso harmônico também é característico dessas seções da

música.

Chuck Israels, o jovem baixista estreante dessa segunda formatação do trio tem um

interessante depoimento sobre as transições de finais que desembocavam novamente no

início da forma e como ocorria essa passagem do tema um improvisador para outro:
67

“ Em uma forma de trinta e dois compassos, por exemplo, os dois últimos compassos
costumam ser um vácuo entre os chorus, onde a harmonia se movimenta da Tonica
para a Dominante, com o intuito de preparar a Tonica que normalmente aparece no
começo do próximo chorus. Os músicos de jazz chamam esse final de seção de
turnaround. Muitos improvisadores sofisticados deixam seus melhores licks - frases
melódicas características pré-definidas para execução nesse esse momento -
parcialmente devido á harmonia, que cai em um número limitado de padrões que
renovam idéias para o improvisador. Evans enxargava o turnaround como pertencente
ao próximo chorus, em vez de encará-lo apenas como um final. Na prática, isso
significa que uma nova idéia poderia ser introduzida no turnaround, podendo haver um
desenvolmento no chorus seguinte. Esse simples conceito é arrebatador e tem um
efeito eletrizante no grupo. O improvisador pode solar com confiança nas passagens de
chorus, sabendo que o solo iria tanto continuar, ter uma nova idéia inserida ou acabar,
apenas se mantendo alerta nos turnarounds. Evans tinha princípios orientadores que
procuravam articular a execução desses temas, para fazer transições suaves e
interessantes.”(ISRAELS, 1985, p.112-113)

Ritmicamente, esse tema é conduzido pela técnica de walkin’ bass também de

maneira mais próxima aos antigos standards é executado por Israels, que ainda não estava

musicalmente entrosado com o trio nessa primeira gravação e não faz tantas intervenções

melódicas durante os improvisos de Evans como seu antecessor costumava fazer.

Por esse motivo e por outras características técnicas e estéticas da maneira de Chuck

Israels tocar baixo, esse segundo trio fixo teve o direcionamento de repertório e arranjos

voltados para o piano e a exploração harmônica e rítmica de voicings contidos nas

interpretações de temas, improvisos do piano de Evans, como pode ser conferido nos dois

discos analisados anteriormente.

Ainda no ano de 1962, Evans foi convidado a participar de uma gravação em trio

pelo baterista Shelly Manne (1920-1984) e, juntamente com o baixista Monty Budwig

(1926-1992), que resultou no álbum Empathy (1962, CTI Records, 11262) que contém

apenas standards e se difere dos conceitos abordados por Evans em seu próprio trio.

No ano de 1963, após problemas de agenda tidos com Paul Motian, Evans teve de

procurar um substituto para o posto da bateria quando Motian tivesse algum outro

compromisso. Após alguns testes e apresentações com substitutos, Larry Bunker (1928-
68

2005), baterista californiano que já havia tocado ao vivo e gravado em estúdio com nomes

como Ella Flitzgerald, Billie Holiday e Art Pepper foi o escolhido para o posto. Bunker

também tocava vibrafone e chegou a tocar tímpano na Orquestra Filarmônica de Los

Angeles.

Esses atributos adquiridos por experiência com repertório erudito de Bunker se

diferenciavam da maneira improvisada e econômica que Motian tocava bateria no trio.

Com esses “novos ares” provindos das características de Larry Bunker como músico, o Bill

Evans Trio voltou a tocar com uma formação fixa em casas de jazz americanas e européias.

O álbum seguinte mostra partes de uma apresentação desse novo trio. At Shelly

Manne’s Hole (1963, Riverside, OJCCD 263-2) contém standards, alguns temas já

gravados anteriormente como novamente “Round Midnight” (T. Monk), com um longo

solo do baixista Chuck Israels, mais interado a concepção de trio proposta por Bill:

“ Esse álbum ao vivo mostra um Israels que claramente evoluiu, comparado ao músico
tímido de Moonbeams e How My Heart Sings, do ano anterior. Esse trio parecia ter
encontrado um novo equilíbrio, com Israels e Bunker talvez não exatamente “voando” e
interagindo com improvisações simultâneas, mas providenciando uma base sólida, calma e
tranquila o suficiente para o que Evans necessitava naquele momento. Seu repertório
permaneceu mais ou menos estático durante esses anos. Nessa época, compôs muito pouco,
tocando, pelo menos até 1966, suas composições que datavam até 1962, juntamente com
standards e canções pop, ás vezes com uma ou outra nova adição de algo diferente.”
(PIERANUZI, 2003, p. 102)

Em 1964, Evans teve seu primeiro lançamento via outro selo que não a Riverside

Records. Trio 64’ foi o primeiro lançamento de Evans pela Verve Records, do produtor

Creed Taylor. Para essa sessão, curiosamente, o produtor escolheu o baixista Gary Peacock

(1935) e o baterista Paul Motian, que aparece em estúdio pela última vez ao lado de Evans.

Esse trio gravou apenas nas sessões que deram fruto ao Trio 64’(Verve, 1964, 8578).

O repertório do disco contém as já usuais baladas em andamentos lentos e entre os


69

standards está a canção “A Sleepin’ Bee” (Harold Arlen), trilha do filme House Of

Flowers, que tem sua estrutura e harmonia baseada no arranjo feito para a cantora Bárbara

Streisand da mesma canção, com letra do escritor norte-americano Truman Capote (1924-

1984) gravada no ano de 1962.

Apenas em 1965, após o projeto With Symphony Orchestra - que trazia essa edição

do trio de Evans com a participação da Orquestra Sinfônica de arranjada e conduzida por

Claus Orgeman (1930) - que o trio Israels-Bunker entrou em estúdio e registrou Trio 65

(Verve, 1965, 8613).

Para esse álbum, Evans escolheu apenas composições que já haviam sido lançadas

em discos anteriores, atitude que lhe rendeu críticas negativas da mídia na época.

Curiosamente, Trio 65’ conta com três faixas são aberturas de três discos antecessores á

esse:

“Israel” (John Carisi), que abre o disco Explorations de 1961, com o baixista Scott

LaFaro aparece em Trio 65’ com um andamento mais rápido e convenções rítmicas

adicionais. Já “Come Rain Or Come Shine” também é outro exemplo de faixa de abertura,

do álbum Portrait in Jazz, que também contava com a presença do falecido LaFaro. E o

arranjo também acelerado de “How My Heart Sings”, do disco homônimo, primeira

gravação do atual baixista Israels é a última das faixas de aberturas que aparecem

rearranjadas em Trio 65. As outras quatro faixas também são regravações de temas antigos

com novos arranjos.

Em 1965, o baterista Larry Bunker deixou o trio para continuar a vida como músico
70

de estúdio, deixando o cargo para o baterista Arnie Wise (?)43 que permaneceu no trio até

1966 e ocasionalmente tocava com Evans quando esse precisava de um substituto para a

bateria.

Com Arnie Wise, o único registro é o projeto idealizado por sua nova produtora

Helen Keane, a gravadora Verve que lançou em 1966 o álbum At Town Hall (Verve, 1966,

6683), que traz a gravação de um concerto que o pianista deu em três diferentes formações:

trio, com standards como “I Should Care”(Cahn/ Stordahl/ Weston); Solo, no qual ele toca

uma série temas autorais em homenagem á seu recentemente falecido pai; e com uma big

band formada por músicos amigos de Evans, liderada pelo saxofonista Al Cohn (1925-

1988).

Apenas o material solo e de trio foi lançado pela gravadora, por insatisfação de Bill:

“Dois álbuns eram planejados pela Verve, mas foi decidido que o material de Big Band não

seria usado. Apenas a primeira metade do concerto foi lançada como Bill Evans At Town

Hall – Volume I” (PETTINGER, 1998, p. 172)

Esse é também o último registro do baixista Chuck Israels, que deixou o trio ainda

em 1966: “Israels queria viajar menos e continuar seus estudos de arranjo e composição, e

ele estava achando a relação de Bill com as drogas difícil de tolerar”.(PETTINGER, 1998,

P. 173)

Novamente, Evans necessitava de um novo baixista para seu trio fixo. Dentre os

substitos temporários, houve inclusive a reaparição do baixista Teddy Kotick, que havia

gravado o debut de Evans New Jazz Conceptions dez anos antes, voltou para algumas

apresentações no Village Vanguard que aconteceram ao lado do baterista Arnie Wise, que

43
Não foram encontradas referencias diretas sobre datas de nascimento e/ ou morte baterista em questão,
apenas referencias de seu nome em gravações de áudio de álbuns diversos de jazz, incluindo alguns de Bill
Evans.
71

também estava deixando o trio nesse ano para passar mais tempo com sua família. Kotick

não se encaixava nos moldes do trio já que não improvisava com tanta freqüência e

desenvoltura como os baixistas LaFaro e Israels, companheiros de Evans nos últimos

tempos. Já um jovem da América latina ansiava por aquele posto:

“Nessa temporada no Vanguard, toda noite um baixista de vinte um anos, natural de Porto
Rico chamado Eddie Gómez vinha assistir o trio nos intervalos dados entre os sets de uma
casa de jazz em frente, que estava realizando um teste para o posto de baixista no grupo do
sax-barítonista Gerry Mulligan. Por algum tempo, Gómez maturou a idéia de tocar com
Evans, e o teste não foi acidental. Ele sabia que Chuck Israels ia deixar o grupo, e ele
arranjou de participar do grupo de Mulligan para que o pianista o visse em ação. Evans o
convidou para uma audição e como não demora muito para reconhecer um potencial e um
talento, Bill rapidamente instruiu sua produtora Helen Keane á contratá-lo. Ela lembra de
sua ligação para Eddie: “Ele ficou sem palavras”.(...)” (PETTINGER, 1998, p. 175)

Gómez foi o baixista que mais tempo permaneceu no Evans trio, durante 11 anos,

entre 1966 e 1978. Ele chegou á tocar com diversas formações de trio com muitos

bateristas, inclusive com Shelly Manne, em seu primeiro registro com o Bill Evans trio, no

álbum A Simple Matter Of Conviction (Verve, 1966, 8675), que traz algumas composições

de Evans que não foram muito tocadas em seu repertório ao longo dos anos como a própria

faixa-título.

No ano de 1967, já com Gómez tocando há um ano com Bill, o trio estava sem um

baterista fixo que pudesse fazer turnês dentro dos E.U.A. e também viajar para a Europa

freqüentemente. Ocorreu uma breve passagem do seu grande amigo e antigo companheiro

de trabalhos como sideman: o baterista Phlie Joe Jones, que participou de algumas

apresentações do trio e deixou o pianista em um bom estado de espírito naquele turbulento

período de instabilidade em seu trio. Evans mudou totalmente sua conduta de escolha de

um novo baterista para cargo quando Jack DeJohnette (1942) entrou no Trio, no fim de 67.

Diferente de Philie Joe Jones, o jovem baterista, que também era pianista, reutilizou
72

o estilo espaçado e contrapontístico que era característico de quando Paul Motian integrava

o trio no início da mesma década. Todavia, Jack Dejohnette utiliza esses recursos de

improvisação dialogando e conduzindo de forma mais solta e ritmicamente menos

econômica do que Motian. Essa nova característica que desafiava Evans a tocar de maneira

diferente, como pode ser ouvido no álbum At the Montreux (Verve, 1968, 8762):

“Evans, ainda estava com uma boa saúde mental que o permitia trabalhar num
contexto mais livre que o usual, e ele incorporou a maneira de tocar do jovem DeJohnette
com facilidade”.(PETTINGER, 1998, p. 190)

Dejohnette, também gravou apenas um álbum e logo depois recebeu uma proposta

para tocar no grupo do ex-companheiro de Evans, Miles Davis que estava experimentando

sonoridades totalmente diferentes das de Bill com seu Jazz-Rock com instrumentos

elétricos:

“(...) Sem o convite de Miles, DeJohnette teria, sem dúvida, permanecido com Evans
mais tempo; Miles Davis era o único músico naquela época capaz de seduzir o baterista
para largar o trio de Bill. Tendo ele mesmo tocado com Davis uma década antes, Evans
lamentosamente teve de admitir que ele não estava em posição de argumentar”
(PETTINGER, 1998, p. 191).

At the Montreux foi ganhador do prêmio Grammy do ano de 1969, por “Melhor

Performance de Jazz Instrumental - Solista com Pequeno Grupo”. Esse álbum conta com

um repertório que contém características musicais que dão seguimento ás explorações de

arranjos e formas iniciados em seu primeiro trio com o baixista Scott LaFaro e que foram

sedimentadas na primeira metade da década de sessenta nas formações que contavam com

o baixista Chuck Israels.

O tema “Someday My Prince Will Come”, tem um arranjo que retoma as idéias de

mudança de fórmula de compasso, primeira vez utilizada em 1961 na composição “Waltz


73

For Debby”, do disco homonimo. A cada chorus da forma ABAC desse tema, a fórmula de

compasso varia de 3/4 para 4/4, mas diferente de “Waltz For Debby”, que muda

defeinitivamente sua condução rítmica de 3/4 para 4/4, esse novo arranjo de “Someday My

Prince Will Come” tem alternância constante de fórmula de compasso ternário para uma

binária, inclusive, durante as improvisações.

Também aparecem dois temas de Evans, a faixa que abre o disco: “One For Helen”,

outra homenagem de Bill, dessa vez para sua atual produtora e empresária Helen Keane. E

a reaparição do tema “Walkin’ Up”, composição de 1962.

Novos temas de compositores que foram freqüentes em seu repertório durante anos

também estão presentes como “Mother Of Earl”, do já citado percussionista Earl Zindars. E

a regravação da composição de Miles Davis, constante no repertório de Bill, “Nardis”

aparece aqui com um solo de bateria.

Escolher Dejohnette mostrava uma certa renovação por parte do próprio Bill Evans,

que optou por um baterista que tanto tivesse a capacidade técnica para execução de tal

repertório, como tivesse a visão de um improvisador não apenas rítmico, mas também

melódico, o que o fato de DeJohnette tocar piano e ser de uma geração posterior à de Evans

contribuía para um novo resultado sonoro no trio.

Essa maneira mais livre que o trio toca nesse concerto gravado na Suíça pode ser

exemplificada na Figura 1144, que mostra um trecho da reexposição do tema “A Sleepin’

Bee”, já anteriormente gravado em 1964. Na gravação de 1967, o baterista Jack DeJohnette

insere explicitamente uma sobreposição rítmica de ritmos ternários sobre binários, que

criam uma textura rítmica rica e inusitada até em então no Bill Evans Trio.

44
Ilustração retirada do livro Artist Transcrptions – The Bill Evans Trio – volume 3, página 113. Faixa 8, Cd
Anexo 1
74

Dentro da fórmula de compasso 4/4 do tema, Dejohnette insere duas sextinas de

semínima, criando um padrão bem claro de condução e independência de caixa e chimbal

com o pé, essa técnica cria uma textura polirrítmica dentro dos últimos compassos da parte

A da reexposição.

Bill Evans e Eddie Gómez aos poucos vão acentuando os quatro tempos da fórmula

de compasso original do tema, simplificando suas idéias, fazendo com que Dejonhette

tenha espaço para inserir e desenvolver uma polirritimia com dinâmica baixa, que vai se

intensificando com elementos rítmicos e dobras de caixa e condução.

O padrão de condução é crescente e vai aos poucos inserindo outros padrões

rítmicos internos, com acentuações que são exploradas no todo improvisacional citado

anteriormente até o cluster de piano no acorde de Eb7, no segundo compasso da 2ª parte,

tocado por Evans, com rítmica uníssona com Eddie Gómez e DeJonhette. A densidade

rítmica é diluída nos úlimos compassos do exempo. E á partir do acorde de Ab7M do

exemplo encerra-se o momento de interplay realizado através do recurso polirrítmico

introduzido por DeJonhette. A bateria tem suas partes dispostas da seguinte maneira: As

figuras rítmicas (colcheias, por exemplo) marcadas com um “x” no lugar de notas

representam pratos, os situados na parte superior da partitura são os pratos de condução de

mão direita e ataque quando mencionado na partitura; e os situados na parte inferior da

partitura representam a acentuação de chimbal controlada pelos pés. E por último, as

figuras centrais, que está posicionada no 3º espaço, tendo como referencia a direção do

pentagrama de baixo para cima - como se fosse a nota Dó em clave de sol - essa marcação

representa a caixa.
75

Figura 11 – “A Sleepin’ Bee” – polirritmia – 4:39


76

Figura 11 – “A Sleepin Bee” – Polirritimia 2

Outro refinamento encontrado nesse arranjo de “A Sleepin’ Bee” é o

desenvolvimento da coda final desse tema, exemplificado na Figura 12, á seguir. Essa

última parte da composição, tocada de maneira livre e não constante ritmicamente, repete

os últimos dois compassos, que contêm um turnaround com quatro acordes - Ab7M, B7M,

E7M, A7M -, cujas análises em graus romanos no tom de Lá bemol maior são

respectivamente I, bIII, bVI e bII.


77

Esse turnaround apenas com acordes X7M, que já foi exemplificado anteriormente

em “Show Type Tune” passou a ser característico em muitos finais de temas executados

pelos trios. Essa coda em específico, tem seus acordes arpejados ascendentemente no piano

em aberturas de décima, com uma rítmica que é valorizada pelo acompanhamento do baixo

e bateria.

Os arpejos paralelos de cada acorde (T , 3ªM, 5ªJ, 7ªM – na voz inferior do piano e

3ªM, 5ªJ, 7ªM, 9ªM – na voz superior, uma décima acima) resultam em um gráfico sonoro

que vai em direção as regiões agudas do piano, com uma pequena aceleração do andamento

e acaba após repitições duas repetições melódicas do turnaround no acorde de Ab7M, que

é arpejado de maneira mais livre e contém uma linha melódica escalar tocada em oitavas,

com intervalos ascendentes de 2ªs e 3ªs, mas ritmicamente não constante.

A Figura 1245 a seguir mostra a transcrição dos conteúdos abordados:

45
Exemplo retirado de Artist Transcrptions – The Bill Evans Trio – volume 3, página 116. Faixa 8 Cd Anexo
2
78

Figura 12 – “A Sleepin Bee” – CODA - 5:28


79

Como antes dito, Jack Dejohnette deixou o trio ainda em 1968 para integrar o grupo

do trompetista Miles Davis e por indicação de Eddie Gómez, o jovem Marty Morell (1944)

passou a integrar o grupo e é um “ilustre desconhecido dentro do mundo dos trios de

piano” (PETTINGER, 1998, p.223). Essa formação do trio – Evans – Gómez - Morell, foi a

que durou mais tempo, compreendendo o período de 1968 até 1974.

Pela primeira vez desde a saída do baterista Larry Bunker do trio, três anos antes,

em 1965, Evans consolidou um grupo que gravava e excursionava constantemente, a

interação desse trio, principalmente entre Gómez e Evans foi se aprimorando ao longo dos

anos.

Morell traz características técnicas que se diferem de seus antecessores em seu trio.

Diferentemente da liberdade com que Jack DeJohnette ou Paul Motian executavam as

conduções, omitindo inícios de compassos e tornando a rítmica dúbia ou totalmente

direcionada ao dialogo com o improvisador em questão, Marty Morell é o baterista que

mais conduz ritmicamente com claves constantes no chimbal ou no prato de condução.

Morell também utilizava constantemente baquetas de madeira e tocava com um

volume mais alto do que seus antecessores, entretanto continuava a usar vassouras para

condução de baladas e temas em andamento lento.

Com o volume de bateria mais alto que o comum, Evans nessa época começou a

explorar com mais recorrência as regiões mais agudas do piano em suas improvisações,

enriquecendo ainda mais seus acompanhamentos harmônicos utilização de extensões e

sobreposições triádicas.
80

CAPÍTULO 2.2:

OS TRIOS E OS DISCOS II (1970-1980)

Com o trio fixo com Morell ativo por dois anos consecutivos, o Bill Evans trio tem

sua discografia iniciada nos anos setenta com Montreux II (CTI, 1970, 6004). O álbum

contém um trecho da apresentação dessa última formação do trio no mesmo festival no ano

de 1970. Talvez, a escolha de mais uma gravação da apresentação ao vivo no mesmo local

e festival possa ser atrelada ao fato de seu álbum anterior em trio At the Montreux ter-lhe

rendido o prêmio Grammy dois anos antes.

Montreux II tem o repertório repleto de composições de Bill e temas consagrados

por seus próprios antigos trios, agora com novos arranjos e idéias interpretativas dos dois

mais recentes companheiros de grupo de Bill. Entre essas composições estão as

anteriormente descritas:

“Very Early”, tema em 3/4 que aqui tem seu improviso em toda a forma AAB,

diferente de sua versão original que só tem o improviso na seção A; “Peri’s Scope”, tema

composto para o primeiro álbum com LaFaro de 11 anos antes Portrait in Jazz, reaperece

com novas convenções rítmicas e andamento mais acelerado comparado á versão original;

e a rítmica e formalmente interessante “34 Skidoo” também é inclusa no repertório.

Em Montreux II, como em Trio 65’, existem regravações dos temas “Israel” e “How

My Heart Sings”. Essas revisitações, novos arranjos da alguns temas antigos começou a ser

a base de parte do repertório de Evans na década de setenta.

No ano de 1971, Bill Evans assinou um contrato com a Columbia Records e lançou

The Bill Evans Album (Columbia, 1971, 30855), esse é o primeiro disco do pianista que é
81

inteiramente autoral. A carreira de Evans nesse início de década estava finalmente se

tornando estável:

“(...) Sua produtora Helen Keane conseguiu notavelmente melhorar a sua imagem
artística, achando seu público-alvo principalmente na Europa. Apesar da grande
difusão do Jazz Rock, uma parcela do público e de outros músicos tinha, de fato,
rejeitado a “revolução elétrica” e viram Evans como um porta-estandarte de
importantes e sérios valores de uma estética musical que estava sendo desmantelada
pela disseminação de ideologias politizadas de música-de-massa. A mensagem de
Evans encontrou numerosos e atenciosos receptores(...).” (PIERANUZI, 2003, p. 180)

Nessa gravação, Evans também utiliza pela segunda vez em sua carreira o piano

elétrico Fender Rhodes em algumas faixas. A gravadora Columbia, que tinha mais

visibilidade no mercado – leia-se ‘vendas de discos’ - estava investindo em Bill Evans e

propôs essa ‘roupagem elétrica’, que era abordada por muitos pianistas jovens da geração

Jazz-Rock que tinham contratos com a Columbia.

Bill Evans Album é uma reunião de temas autorais inéditos e nunca antes gravados.

Além da regravação do tema “Waltz For Debby”, passados dez anos da gravação que dava

nome ao último disco com Scott LaFaro, de 1961:

“The Bill Evans Álbum inaugurou um breve período com a Columbia, uma grande
gravadora que não seria sensível aos aspectos mais significativos da arte de Evans. Eles
chegaram até á oferecer a gravação de um álbum de rock!” (PIERANUZI, 2003, p.181)

Essa roupagem elétrica agradava Evans que, depois dessa gravação ainda flertou

com o uso desse instrumento. A exemplificação dessa roupagem está na Figura 1346 que

mostra o baixo de Eddie Gómez conduzindo a melodia do tema que abre o álbum

“Funkallero”, a harmonização do piano está sendo feita no Fender Rhodes.

46
Artist Transcrptions – The Bill Evans Trio – volume 3, página s 39 e 40
82

O tema “Funkallero” é uma pequena forma AABA distribuída em 16 compassos.

Importante notar que a condução mais constante e padronizada do baterista Marty Morell

que está usando baquetas de madeira – Onde há indicado Sticks, no segundo compasso do

exemplo - faz com que a melodia de Gómez se sobressaia.

A harmonização de Evans não precisa fazer referencias diretas á fórmula 4/4 da

música, fazendo com que haja inserções de pausa que causam um efeito rítmico

fragmentado na condução harmônica. E como o tema está sendo feito por Gómez, a

harmonia é enriquecida com a presença de seis vozes por acorde, como pode ser observada

na harmonização de Evans do final da forma do tema na Figura 13, até o solo de baixo

indicado por Bass Solo.

Eddie Gómez novamente ressalta a importância do baixo acústico nos trios de

Evans com essa melodia de “Funkallero”. O legado deixado por LaFaro teve seu

aprimoramento técnico com o porto-riquenho Gómez, anos mais tarde.


83

Figura 13 – “Funkallero” tema no baixo – 0:26


84

Figura 14 – “Funkallero” - Tema no baixo 2

Outro Tema presente em Bill Evans Álbum é a balada “The Two Lonely People”,

composta por Evans a partir de um poema de seu colega Carol Hall47:

“Eu escrevi “The Two Lonely People” para uma letra que me foi mandada por Carol Hall.
Quando você está escrevendo uma letra, você tem de tentar fazer a música se encaixar na
métrica do poema, e eu tentei seguir o caminho que a poesia tomava e tentei fazer linhas
melódicas mais expansivas e tentei relacioná-las motivicamente, juntando assim o

47
Datas de nascimento e morte não encontradas para tal poeta.
85

significado do poema á forma, criando uma unidade entre os dois.” (EVANS apud
JACOBS, 2002, p. 31)

Ainda sobre o tema, o pianista italiano Enrico Pieranuzi, autor de uma das

biografias usadas cita:

“Mesmo sendo um mestre nas mais evoluídas técnicas de composição, Evans aparecia mais
sincero em temas que tinha uma forma narrativa, como a tocante “The Two Lonely
People”, também gravada pela primeira vez no Bill Evans Álbum e é fruto de um período
muito intenso de Evans como compositor” (PIERANUZI, 2003, p. 182)

Outra composição inédita que é fruto desse período é o tema “Twelve Tone Tune”,

esse tema é o primeiro de dois temas de Evans que são baseados em séries de doze notas,

inspirados no modelo dodecafônico do século XX, proposta por Arnold Schoenberg:

“ “ Twelve Tone Tune” é uma clara demonstração da maestria composicional de


Evans. Como o próprio título sugere, esta peça utiliza os princípios da música serial, que
exige a escolha de uma linha melódica de doze notas, nenhuma das quais pode ocorrer até
que todos elas tenham sido utilizadas. Evan apresenta sua linha melódica a cada três
seções de quatro compassos cada deixando, no entanto, a sua respectiva harmonização
fluir com uma relação que obedece a uma lógica tonal. Alguns de seus interessantes
rascunhos permitem-nos a seguir o gradual desenvolvimento de sua idéia composicional
e o processo pelo qual ele chegou ao resultado final. Evans trabalhou como pedreiro
paciente que, após a escolha de seus materiais, pouco a pouco constrói a obra. Este
procedimento é, seguramente, muito mais próximo da prática da música clássica do que o
imediatismo instintivo geralmente associada a um tema de jazz.” (PIERANUZI, 2003, p.
182)

Após essa breve explicação sobre a estrutura de “Twelve Tone Tune”, segue a

Figura 1448, que mostra o tema de doze compassos. O “sentido harmonico” da citação

acima pode ser interpretado pelos movimentos de 5ªJ descendente ou 4ªJ ascendente que

remetem-nos á uma sensação de movimento tonal, como acontece nos cinco primeiros

acordes dos tres primeiros compassos (Gm, Cm, Fm, Bbm, Eb13).

48
Exemplo retirado de Bill Evans FakeBook Pág. 81. Faixa 10 Cd Anexo 1.
86

Figura 14 – “Twelve Tone Tune”


87

Outros temas desse álbum incluem regravações de “Waltz For Debby” com novo

arranjo e “Re: Person I Knew”. Já o tema “Sugar Plum” que é um ciclo harmonico de oito

compassos que modula por quartas e passa pelos doze tons, é mais um exmplo da profunda

exploração de mudanças de tonalidade utilizadas por Evans.

A úlima composição desse álbum “Comrad Conrad” aborda mais uma vez as

mudanças de fórmulas de compassos de 3/4 da primeira seção do tema para 4/4 na segunda

seção do tema.

Após o fim do contrato de Evans com a Columbia, foi lançado o álbum The Tokyo

Concert (Fantasy Records, 1973, 3452), mostrava ainda a formação do Bill Evans trio que

durou mais tempo, em uma apresentação no Yubin Chokin Hall, em Janeiro daquele ano.

Com o baixista Eddie Gómez, que já vinha tocando com Evans desde 1966 e o

baterista Marty Morell, que há cinco anos ocupava o cargo, o trio mostra um diferente

repertório para essa apresentação, revivendo alguns temas que eram executados pelo

primeiro trio fixo de Bill Evans (LaFaro-Motian), como “My Romance” (Rodgers-Hart),

em uma nova roupagem que já tinha sido usada em regravações de temas: um esquema de

forma diferente, com um solo de bateria na forma canção A-B-A-C, e um solo de Baixo

com arco. Ambas improvisações, sem acompanhamento do piano, que é o terceiro a

improvisar, na seqüência há um breve solo de bateria que antecede a volta do tema.

A outra regravação era “Gloria’s Steps”, do já falecido há 12 anos, baixista Scott

LaFaro, também com um novo arranjo: convenções rítmicas que valorizam o tema,

andamento acelerado em comparação à original; a inclusão de um solo de bateria sem a

presença de baixo e piano, como em “My Romance”; e um solo de baixo de Eddie Gómez

que sem acompanhamento novamente, fecha a música, com uma citação da melodia dos
88

últimos compassos do tema original, levando à reapresentação final da composição de

LaFaro.

Há também nesse disco o segundo tema baseado em uma série de doze notas, o

tema “Twelve Tone Tune Two”, que tem sua melodia principal executada pelo piano e

depois pelo baixo de Gómez.

Sua seção de improvisação baseada apenas em acordes maiores, sem centro tonal,

com sugestões da escala lídia para material improvisacional, num modelo muito parecido

ao de outra composição sua antes analisada “Walkin’ Up”, como exemplificado na segunda

parte da Figura 1549:

49
Exemplo retirado de Bill Evans Fake Book – pág. 82 e 83. Faixa 11, Cd Anexo 1
89

Figura 15 - “Twelve Tone Tune Two”


90

Figura 15 – 2ª parte

Figura 15 - “Twelve Tone Tune Two” 2


91

O álbum Since We Met (Fantasy Records, 1974, 252186662222) é o último registro

ao vivo desse trio, com a participação do baterista Marty Morell. A gravação também ao

vivo no Village Vanguard é composta por três temas de autoria de Bill Evans: “Time

Remembered”, que explora conceitos modais, “Since We Met” que é mais uma composição

que varia sua fórmula de compasso de 3/4 para 4/4 ao longo de sua forma. E os outros

quatro temas continuam abordando standards, temas ternários e temas de pianistas que

admirava como o tema “Midnight Mood” de Joe Zawinul (1932-2007).

Em 1975, após a saída de Morell e o lançamento de um disco em duo entre Bill

Evans e Eddie Gómez, o baterista canhoto Elliot Zigmund (1945), que era um musico de

estúdio experiente entrou para o trio.

Com ele foram lançados dois álbuns em trio, ambos gravados em 1977: I Will Say

Goodbye (Fantasy Records, 1977, 25218676120) e You Must Believe in Spring (Warner

Bros, 1982, 923504) que foi lançado postumamente. Os dois álbuns têm como título

composições de Michel Legrand e continuam contendo as características de repertório de

seus álbuns anteriores.

Nesse período, Evans estava explorando mais intensamente arranjos pianísticos

mais complexos, como pode ser exemplificado no comentário á seguir:

“Em “The Opener”, podemos ver um lado refinado de Bill Evans como um
mestre em harmonização e execução. Uma vez ouvi uma descrição dizendo que Evans
tocava como se tivesse três mãos – Isso quer dizer que ele tocava a melodia com a mão
direita, os baixos com a mão esquerda e ambas as mãos partilhavam toda a harmonia na
terceira parte. (...) Evans não toca apenas uma melodia sobre acordes, ele era um mestre
em condução de vozes internas no piano.” (EDSTROM, 2002, p.35)

A Figura 1650 exemplifica esse preenchimento de “três mãos” de Evans que

movimenta intensamente as vozes harmônicas no acompanhamento da segunda exposição

50
Exemplo retirado de Bill Evans – Signature Licks – Pág. 36. Faixa 12 – Cd Anexo 1.
92

da composição de Evans “The Opener”, até o início do solo de piano, do álbum I Will Say

Goodbye:

Figura 16 – “The Opener” - 0:21

O outro álbum: You Must Believe In Spring, contém uma das melhores qualidades

de gravações em estúdio lançado por Bill Evans. O álbum traz quatro temas ternários. Dois

desses temas são composições suas dedicadas á duas pessoas próximas á Evans que haviam

cometido suicídio: “B Minor Waltz” é para sua ex-mulher Ellaine e “We will Meet Again”

é dedicada a seu irmão mais velho Harry.


93

Esse álbum é praticamente composto apenas por músicas melancólicas e baladas

lentas. A composição “You Must Believe in Spring” de Michel Legrand que é

exemplificada na Figura 1751, mostra a primeira exposição do tema em rubato e ilustra a

riqueza harmônica e os floreios melódicos que Evans explora nesse repertório abordado.

Importante notar as vozes mais agudas da melodia têm uma dobra paralela uma 5ªJ

abaixo, ás vezes uma 6aM. Esse contraponto simples proporciona um direcionamento

harmônico forte e é utilizada por Evans desde o início do da Figura 17.

As frases de mão esquerda na região grave do piano vão aos poucos intensificando-

se como pode ser notado no último compasso da primeira página do exemplo. A dobra de

oitavas na frase melódica ascendente do último tempo do segundo compasso da segunda

linha da Figura 17 – 2ª parte, onde há indicação de cifra “Dmaj7”, antecipa o movimento

forte de tritono que a cadencia de engano proporcionada pela pelos acordes G#m7b5 – C#7.

Para encerrar essa primeira exposição do tema, Evans usa uma frase melodicamente

ascendente em semi-colcheias, utilizando usando um material melódico que se reduz ás

quatro notas básicas do acorde de Cm7 e suas extensões - 9aM, 11aJ, 13ªm.

51
Exemplo retirado de The Artistry of Bill Evans – Págs. 66, 67 e 68. Faixa 10 Cd anexo 2.
94

Figura 17 – “You Must Believe In Spring”


95

Figura 17 – “You Must Believe in Spring” – 2ª Parte


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Figura 17 – “You Must Believe in Spring” – 3ª parte

Em 1978, Gómez deixa o trio após 11 anos e é substituído pelo jovem Marc

Johnson, que permanece até a morte do pianista como baixista de seu trio. Elliot Zigmund

também deixa o trio e é substituído por Joe Labarbera (1948) que também permaneceu até

1980.
97

Com essa última edição do trio, os álbuns The Paris Concert – Edition I e II trazem

grande parte de alguns concertos realizados na França em 1979. O repertório desses dois

álbuns, lançados postumamente, trazem um interessante panorama para encerrar a

discografia de Evans antes de seu falecimento em 1980.

O repertório abrange as características levantadas nesse trabalho, com a presença

dos dois novos integrantes:

“O trio com Johnson e LaBarbera evoluiu rapidamente. Bill estava satisfeito e


orgulhoso com o progresso extremamente rápido de seus integrantes, e como eles dois
estavam antenados com o seu mundo musical. Mas ele estava começando á ter sérios
problemas pelo vício em cocaína, principalmente após a morte de seu irmão Henry,e
isso estava afetando sua maneira de tocar, juntamente á tendência de acelerar os
andamentos das músicas. (Algo que ele estava totalmente consciente, segundo o que
ele disse ao baterista LaBarbera)” (PIERANUZI, 2003, p. 235)

Seu trio também está com uma postura diferente e Evans tem mais momentos de

piano solos do que em seus antigos trios. Diferentemente do estilo espaçado e fragmentado

que Bill tinha nos anos 60, seus improvisos são mais virtuosísticos e frenéticos nessa

gravação que renovou.

Composições próprias como “Re: Person I Knew”, “34 Skidoo” reaparecem em

novos arranjos, também há a inclusão de sua mais recente composição “Letter to Evan”,

dedicada á seu filho, com quatro anos na época.

Há também a presença de Standards que já faziam parte do repertório de Evans á

mais de vinte anos, como os também regravados “Beautiful Love” e “My Romance”, que

aparece com um arranjo que se difere dos anteriormente gravados.

Canções populares também fizeram parte de seu repertório, como pode ser

conferido na gravação do arranjo de Evans para “I Do it For Your Love”, que tem música e

letras compostas pelo cantor/ compositor norte-americano de folk Paul Simon (1941), e

havia sido lançada em 1976.


98

A última música de Paris Concert – Edition Two é a faixa “Nardis” e costumava ser

o encerramento de muitos shows de Evans, que faz uma longa incursão de piano solo na

estrutura AABA do tema de Miles Davis e segue com solos individuais de baixo e bateria,

ambos sem acompanhamento de piano. É importante relembrar que “Nardis” é a faixa mais

tocada por Bill durante sua carreira.

O último trio de Evans excursionou até pouco antes da morte de Bill Evans em 15

de Setembro de 1980, por hemorragia no pâncreas, devido ao abuso de narcóticos e álcool

ao longo de mais de 25 anos.


99

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o passar dos anos, a obra de Bill Evans, mesmo enquanto esse estava vivo, foi

tendo, cada vez mais, apreciadores ao redor do globo e até hoje desperta interesse em

estudantes de música de gerações posteriores.

A influência de Evans em concepções teve seu legado desenvolvido e aprofundado

por outros pianistas de gerações posteriores. Por exemplo, o pianista Herbie Hancock

(1940), que participou de outro famoso quinteto de Miles Davis anos mais tarde, segue com

incursões harmônicas que remetem ao estilo de Evans.

Outros dois pianistas que já prestaram tributo chegaram á tocar também com Davis

e são claramente influenciados por Evans são Chick Corea (1941) e Keith Jarrett (1945).

Interessante notar que os três pianistas já tiveram trios também com baixo e bateria, no

caso de Jarrett e Corea, com baixistas e bateristas que foram de trios significativos de

Evans.

No caso de Jarrett, toca á mais de 25 anos em trio com o contra-baixista Gary

Peacock, que gravou o álbum Trio 64 de Evans e com o baterista Jack DeJohnette, que

participa do registro Montreux, de 1967. Esse trio de Jarrett é também conhecido como

“Standards Trio” dá continuidade na tradição de tocar standards de jazz com o objetivo de

improvisação em primeiro plano, com influencias claras de concepções de improvisação

coletiva que também havia em Evans, apesar da tendência mais ligada ao Free Jazz de

Jarrett.

Paul Motian, integrante do trio mais conhecido de Evans também chegou a tocar

com Jarrett é recentemente, no ano de 2010, fez uma temporada acompanhando Chick
100

Corea em bares como Village Vanguard e Blue Note nos E.U.A., em pequenas

apresentações em trio que abordavam um repertório similar ao de Evans. O baixista Eddie

Gómez que permaneceu no trio de Evans durante onze anos, também participou dessse trio

de Corea, além de colaborar em outros trabalhos do pianista.

O mesmo baterista Paul Motian também já gravou ao lado de Marc Johnson, o

último baixista á acompanhar Evans, o álbum Bill Evans (JMT, 1992, 919043), que contém

apenas composições do mesmo, tocadas em um quarteto sem piano, fato que comprova o

valor composicional de seus temas, que podem ser adaptados por qualquer instrumentista.

Marc Johnson, também já gravou outros trabalhos homenageando Bill Evans, como

o disco de Elliane Elias (1960) Here is Something for You (EMI, 2007, 117952), que

contém apenas temas de Evans e standards que ele executava, tocados e cantados por

Elliane Elias. Johnson também acompanhou o pianista italiano e um dos biógrafos de

Evans, Enrico Pieranunzi (1949), músico que tem uma interessante visão sobre a carreira

de Bill.

Outro pianista que lançou uma série de álbuns em trio, ao vivo no mesmo Village

Vanguard que consagrou Evans, é o pianista Brad Mehldau (1970), que também toca

standards antigos com uma nova visão, á partir de meados da década de noventa. Mehldau

tem o interessante hábito de chamar alguns desses seus álbuns de “A arte do trio”, arte que

deve muito ao legado deixado por Evans e também desenvolvido por Ketih Jarrett.

No website www.billevans.nl existe uma seção chamada Tribute Albums, que

cataloga os álbums dedicados á Bill Evans, com mais detalhes sobre cada tributo e com

atualizações mensais sobre lançamentos relacionados á Bill. Nessa seção, é perceptível

como Evans influenciou não apenas pianista, mas também guitarristas e cantores e até
101

pequenos grupos de câmara, com roupagens que não são tão ligadas a improvisação já

prestaram tributos ao pianista.

Constatamos, portanto ao longo desse trabalho que a influência pianística que Bill

Evans teve no decorrer da história do jazz é significativa, já que ele incorporou muitos

elementos provenientes de seus anos de estudo de música erudita e mesclou essas

características com outras provindas de manifestações populares.

Existem centenas de pianistas influenciados por Evans ao longo das décadas e seus

temas continuam sendo regravados por outros músicos até hoje.

Essa organização de aspectos característicos da maneira de Evans tocar e proceder

com seu trio é apenas uma sugestão de catalogar muitos aspectos musicais que podem ser

estudados por qualquer pessoa e mostrar o quão vastas são as possibilidades de se

interpretar e arranjar temas de jazz.

A comparação entre os fonogramas de diferentes fases é sugestiva para mostrar

também que Evans, apesar da aparente repetição de características recorrentemente usadas,

consegue se renovar ao longo dos anos, tanto em sua maneira de tocar, como em sua

abordagem de trio.
102

BIBLIOGRAFIA

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BERENDT, Joachim-Ernst. Jazz: Do Rag ao Rock. São Paulo: Abril Cultural, 1981.

CALADO, Carlos. O Jazz como espetáculo. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1985

__________. O Jazz Ao Vivo. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1988

DREYFUSS, Peter. Bill Evans – Piano Solos. New York: TRO Ludlow Music, 1991.

__________. Bill Evans – 4 Pieces. New York: TRO Ludlow Music, 1993.

EDSTROM, Brant. Keyboard Signature Analysis – Bill Evans. New York: TRO Ludlow
Music, 1999.

GIMENES, Marcelo. Aspectos estilísticos do Jazz através da identificação de estruturas


verticais encontradas na obra de Bill Evans. Campinas: Ed. Unicamp, 2003.

HOBSBAWN, Eric. História Social do Jazz. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

ISRAELS, Chuck. Bill Evans: A Music Memoir. New York, 1985

JACOBS, Sid. The Bill Evans Guitar Book. Milwaukee: Hal Leonard, 2002.

KAHN, Ashley. Kind of Blue: a História da Obra-Prima de Miles Davis. São Paulo:
Barracuda, 2007.

LEONARD Corporation, Hal. Bill Evans Plays Standards. Milwaukee: Hal Leonard, 1998.

_____________. .Artist transcriptions – piano, bass, drums: The Bill Evans Trio – Vol.
1,2,3,4. Milwaukee: Hal Leonard, 2002.

MURPHY, Art. Bill Evans – The 70’s Piano Solos. New York: TRO Ludlow Music, 1995.

PETTINGER, Peter. How My Heart Sings. London: Yale University Press, 1998.

PIERANUZI, Enrico. Bill Evans: The Pianist as an Artist. Roma: Stampa Alternativa,
2003.

REILLY, Jack. The Harmony of Bill Evans. Milwaukee: Hal Leonard, 1993.
103

RICIGLIANO, Daniel. Popular and Jazz Harmony. New York: Donato Music Publishing
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SHADWICK, Keith. Bill Evans: Everything Happens To Me – A musical biography. San


Francisco: Backbeat Book, 2002.

SCHOENBERG, Arnold. Harmonia. São Paulo: Ed. Unesp, 1999.

WETZEL, Pascal. Bill Evans Fake Book. New York: TRO Ludlow Music, 1997.

Alguns websites que foram utilizados ao longo dessa pesquisa, para consultas rápidas,
downloads, etc..:

www.allmusic.com

www.thebillevanswebpages.com

www.billevans.nl

http://theuniversalmindof.blogspot.com/

Discografia em TRIO de Bill Evans (incluem textos com entrevistas), cerca de 30 álbuns
lançados em vida, em mais de 30 lançados postumamente. Os utilizados para as fontes de
áudio para esse trabalho são (em ordem cronológica das gravações):

Sunday at the Village Vanguard (1961, Riverside,1861402)

Waltz for Debby (1961, Riverside, 1862102)

MoonBeams (1962, Riverside, 1861325)

How My Heart Sings! (1962, Riverside, 1860308)

At Montreux Jazz Festival (1968, Verve, 9424)

The Bill Evans Album (1971, Columbia, 30855),

Tokyo Concert (1973, Fantasy Records, 3452),

Re: Person I Knew (1987, Fantasy Records, 41490)

I Will Say Goodbye (1977, Fantasy Records, 25218676120)


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You Must Believe in Spring (1982, Warner Bros, 923504)

Paris Concert – Edition 1 (1979, Elektra Records, 7559601642)

Paris Concert – Edition 2 (1979, Elektra Records, 7559603112)

FAIXAS CD ANEXO 2 – COMPARAÇÕES

1- Re: Person I Knew (1962)


Baixo: Chuck Israels
Bateria: Paul Motian

2- Re: Person I Knew (1974)


Baixo: Eddie Gómez
Bateria: Marty Morrell

3- Re: Person I Knew (1979)


Baixo: Marc Johnson
Bateria: Joe LaBarbera
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4- My Romance (1961)
Baixo: Scott LaFaro
Bateria: Paul Motian

5- My Romance (1973)
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Baixo: Eddie Gómez


Bateria: Marty Morrell

6- My Romance (1979)
Baixo: Marc Johnson
Bateria: Joe LaBarbera
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7- 34 Skidoo (1962)
Baixo: Chuck Israels
Bateria: Paul Motian

8- 34 Skidoo (1974)
Baixo: Eddie Gómez
Bateria: Marty Morrell

9- 34 Skidoo (1979)
Baixo: Marc Johnson
Bateria: Joe LaBarbera

10- (Bônus) You Must Believe In Spring – gravação do último exemplo do CD anexo
I, que não coube no outro CD.
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