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O título acima foi tirado do livro recém lançado pela editora Verbena-FAP1, organizado
por Cristovam Buarque et alii, reunindo textos de variados autores, como José de Souza Martins,
Lourdes Sola, Bolívar Lamounier, Marco A. Nogueira, Alberto Aggio, entre outros. Os
organizadores tinham em mente entender como nos equilibramos “em meio a uma generalizada
crise, a qual estaria (…) corroendo a sociedade e suas estruturas”, não obstante questionarem a
ideia de um “estado de crise”.
Não vou comentar os textos que fazem parte da coletânea agora. Apenas, pretendo tecer
algumas considerações em torno do tema da nossa recorrente instabilidade político-institucional,
que tem a data da República (1889) e, portanto, não deveria nos causar espanto.
Não obstante isso, em qualquer época as crises chocam porque se trata de processos
muitas vezes dolorosos que afetam vidas (às vezes mortalmente). No caso atual, o espanto também
se deve ao processo deseducativo que teve transcurso nos meios de comunicação e na
intelectualidade, do Plano Real (1994) até a eleição Presidencial de 2014, quando os grupos no
poder chegaram ao ápice da manipulação das expectativas e, mais recentemente, à própria
maquiagem da realidade.
1 http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/produto/brasil-brasileiros-porque-somos-assim/.
Nesse período, quando ainda era comum realizar nas universidades debates entre pessoas
de opiniões diferentes, me lembro que fui convidado a participar de uma mesa sobre a conjuntura
político-eleitoral de 2006 e me foi pedida uma sugestão de nome para o evento. Eu, então, sugeri
algo que incluía o nome Crise no tema em discussão, o que fez meu interlocutor, um equilibrado
colega da UENF, fazer uma cara de espanto e me perguntar: “mas, que crise é essa Hamilton?!”.
Bem, estávamos na primeira eleição após o escândalo do Mensalão petista, mas o clima era de
total otimismo com a recuperação econômica (modesta) que agora, de maneira pouco usual em
nossa história, vinha acompanhada de políticas de inclusão social e combate ao desemprego.
Seja como for, devemos buscar entender a persistência histórica das nossas crises – nosso
"estado de crise” –, para além de sua dimensão cíclica, que se relaciona com as dificuldades
naturais dos processos de democratização/modernização que se processam, no Ocidente, desde as
revoluções burguesas do século XVII. Aliás, aqui está uma das chaves para entender porque as
crises em determinados países, como o nosso, sempre nos levam ao limiar de uma refundação
enquanto em outros, como na Inglaterra e EUA, são resolvidos nos marcos institucionais
fundadores de suas modernidades políticas (respectivamente, séc. XVII e XVIII).
Eis nosso problema: onde se encontra o marco fundador de nossa modernidade política?
Nossa independência, provocada pela revolução liberal portuguesa, que precipitou a volta
do monarca lusitano à terra natal, em 1821, abriu as portas para um reinado nacional sem rupturas
radicais com o legado português, mantendo o monopólio sobre as terras (inclusive urbanas) e o
trabalho escravo como pilar da economia, situação que impediu a emergência de uma sociedade
isonômica por aqui. José Bonifácio bem tentou emplacar uma constituição moderna (liberal) no
país, mas foi desautorizado e exilado por D. Pedro I, que impôs a constituição
centralizadora/conservadora que nos regeria até o advento da República.
É Getúlio Vargas que, no Estado Novo (1937-45), golpe sustentado pelos militares e por
um empresariado já afeito ao intervencionismo estatal, vai inaugurar uma fase de intensa
modernização econômico-social e estatal (de cunho racionalizante) mantendo, todavia, a sociedade
aprisionada ao paternalismo. Somente a partir da redemocratização de 1945 é que conheceremos
partidos nacionais que visavam representar os interesses sociais. Mesmo assim, em 1947, o partido
dos trabalhadores (PCB) era posto na ilegalidade e os sindicatos mantidos sob as rédeas do
governo.
Quando a urbanização nos bate às portas, a partir dos anos 1950, e os conflitos sociais
(greves operárias e revoltas camponesas) adquirem uma dimensão importante, a modernização do
Estado claudicava e a inclusão social restava barrada num parlamento pouco representativo, em
meio a instituições políticas atrofiadas – não obstante a diversificação social provocada pelos
avanços econômicos –, fazendo com que, de novo, a crise cíclica de democratização desembocasse
em intervenção militar. Ao final do último ciclo militar, que durou inéditos 20 anos, a economia
fora modernizada, mas a racionalização do Estado ficara restrito à esfera federal e a inclusão social
limitara-se à classe-média urbana e rural, ficando as instituições políticas prisioneiras do casuísmo
do regime.