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CAMPUS SERTÃO
GRADUAÇÃO EM LETRAS
DELMIRO GOUVEIA – AL
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – UFAL
CAMPUS SERTÃO
GRADUAÇÃO EM LETRAS
DELMIRO GOUVEIA – AL
2019
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca do Campus Sertão
Sede Delmiro Gouveia
Bibliotecária responsável: Renata Oliveira de Souza – CRB-4/2209
CDU: 869.0(81)-1
Dedico este trabalho a Deus, pois
À minha família, que nunca deixou de acreditar em mim, mesmo quando tudo
conspirava contra, sempre havia onde buscar socorro;
À minha mãe, criatura maravilhosa que Deus escolheu para cuidar de mim;
Ao meu pai, meu conselheiro, que sempre me ajuda com amor incondicional;
Ao professor Dr. Marcos Alexandre de Moraes, que conheci como músico, poeta,
cantor e pesquisador. Sei que o sertão galgou um espaço no coração antes já
fendido pelas águas do Atlântico;
Ao professor Dr. Márcio Ferreira da Silva, que com sua grandiosa competência, tem
participação direta em minha formação, sempre atencioso e prestativo, um exemplo
de profissional e de ser humano;
Ao professor Dr. José Ivamilson Silva Barbalho, de quem sempre tenho ouvido falar
bem pelos corredores do campus e, mesmo sem ter o conhecido bem, já tenho uma
profunda admiração;
Aos demais docentes do curso de Letras, por participar dessa jornada em busca do
conhecimento;
Aos meus colegas de equipe: Ataniel, Cristina, Deyse, Michely, Vinícius, Pablo,
Patrícia e Rakel.
Tendo em vista que João Cabral de Melo Neto, poeta pertencente à icônica Geração
de 45, ainda surpreende os estudiosos que focam o aspecto metalinguístico de seus
poemas com resultados que sempre se mostram novos, pesquisa-se sobre a
construção da metalinguagem nos poemas da obra A Educação Pela Pedra, a fim
de compreender como é construída a metalinguagem, assim como, os temas
tratados por ela. Para tanto, é necessário identificar aspectos metalinguísticos nos
poemas, perceber como é construída a metalinguagem na obra em questão e
analisar os temas metalinguísticos tratados nos poemas. Realiza-se, então, uma
pesquisa de caráter teórico e bibliográfico, utilizando como base teórica principal os
estudos de Aguiar e Silva (2009), Jacobson (2007) e Teles (1979) para pensar
acerca da metalinguagem na poesia.Diante disso, verifica-se que o poeta se utiliza
do texto para discutir o fazer poético, manifesta sua opinião acerca da arte literária e
trata de diversos assuntos relacionados ao modo de feitura e forma do poema, o que
impõe a constatação de que os poemas são utilizados para se refletir sobre
diferentes pontos e assuntos acerca do fazer poético. Além disso, realiza-se neste
trabalho, uma leitura da chamada Geração de 45 tendo como base o olhar da teoria
geracional moderna, porquanto, objetiva-se compreender como o contexto
geracional influencia o fazer literário.
Given that João Cabral de MeloNeto, a poet belonging to the iconic generation of
1945, still surprises scholars who focus on the metalinguistic aspect of his poems
with results that are always new, research on the construction of metalanguage in the
poems of the work A EducaçãoPelaPedra in order to understand how metalanguage
is built, as well as the subjects it deals with.Therefore, it is necessary to identify
metalinguistic aspects in the poems, to understand how the metalanguage is
constructed in the work in question and to analyze the subjects treated in the poems.
Then, a theoretical and bibliographical research is carried out, using as main
theoretical basis the studies by Aguiar e Silva (2009), Jacobson (2007) and Teles
(1979) to think about metalanguage in poetry. Given this, it appears that the poet
uses the text to discuss the poetic doing, expresses his opinion about the literary art
and deals with various issues related to the mode of making and form of the poem,
which requires the finding that poems they are used to reflect on different points and
subjects about poetic making. In addition, this paper presents a reading of the so-
called Geração de 45, based on the perspective of modern generational theory, since
it aims to understand how the generational context influences literary practice.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
2 A PROBLEMÁTICA DA GERAÇÃO ...................................................................... 14
2.1 Falhas na Aplicação do Conceito Moderno/ Sociológico ................................. 18
2.2 A Aplicação/ Explicação do Conceito: Fatores Internos ................................... 20
3 A GERAÇÃO DE 1945 .......................................................................................... 25
3.1 Contextualização Histórica ............................................................................... 26
3.2 As Características da Geração de 1945 .......................................................... 32
3.3 Principais Vultos e Obras ................................................................................. 37
4 JOÃO CABRAL DE MELO NETO: O POETA DA METALINGUAGEM ................. 44
4. 1 Contextualização da Poesia Cabralina ........................................................... 47
4.2 Metalinguagem Cabralina: Conceitos .............................................................. 55
4. 3 A Metalinguagem em A Educação Pela Pedra ............................................... 58
4.3.1 Aprendendo da Pedra ................................................................................ 59
4.3.2 Catando (Selecionando) Palavras ............................................................. 61
4.3.3 O Poema e seu Discurso .......................................................................... 63
4.3.4 As Palavras e os Sentidos no Poema ........................................................ 65
4.3.5 As imagens Poéticas ................................................................................. 66
1 INTRODUÇÃO
1
Não mencionaremos aqui títulos ou autores que pesquisam ou pesquisaram alguma obra de João Cabral de
Melo Neto, pois o quadro se mostra tão amplo que seria uma injustiça citar um em detrimento de outros, basta
uma rápida busca em um site de pesquisa para ver a grande gama de trabalhos feitos sobe obras de João
Cabral de Melo Neto.
11
2
Este trabalho trilha dois caminhos simultaneamente, pois à medida que foca na produção poética de João
Cabral, reflete o seu contexto histórico na Geração de 45.
13
2 A PROBLEMÁTICA DA GERAÇÃO
Ao propor um trabalho que tem como recorte principal uma obra de um poeta
como João Cabral de Melo Neto e uma Geração icônica como a de 1945, na qual
está inserido, sentimos a necessidade de refletir acerca da teoria geracional
moderna para conceituar melhor o nosso objeto.
Antes de falar sobre as teorias modernas, devemos atentar para a genealogia
do conceito “geração”3, o qual é um termo muito antigo, mas que ainda é muito
usado nos dias atuais. Conhecer a genealogia do conceito, assim como perceber
como ele é alterado no decorrer do tempo em virtude das necessidades e das
mudanças sociais, ajuda-nos a entender com mais propriedade o que este termo
representa e porque ele é usado na literatura.
Os gregos da Idade Clássica já faziam menção do termogeração, há
utilizações em obras atribuídas a Homero, como a Odisséia; vale salientar que,
nesse texto, a expressão aparece algumas vezes, demonstrando que existia um uso
constante no cenário grego Clássico. Destacamos a seguinte passagem da
Odisséia:
3
É importante salientar que estamos discutindo o “termo” (conceito) e não o “vocábulo”.
4
Consideramos aqui que está parte da bíblia teria sido escrita logo após a saída dos Hebreus do cativeiro no
Egito, portanto sua escrita teria se dado em terras da atual Palestina e Possivelmente da Jordânia.
15
5
Segundo a Bíblia Sagrada Cristã (Livro dos Gêneses, Capítulo, 12) , os descendentes de Abraão são
abençoados por conta de um promessa feita por Deus.
6
“Um” no sentido de numeral.
7
Podemos em um trabalho posterior problematizar o termo geração contido no discurso de Jesus no
evangelho segundo Mateus, todavia, demanda-se um foco maior do que o proposto aqui, fugindo de nosso
objetivo inicial.
16
sociológico, visto que as questões genealógicas, sozinhas, não estavam mais dando
conta do novo contexto social.
Questões que se sucederam desde o fim da Idade Média contribuíram para
amodificação do estilo de vida das populações européias; fatores como o aumento
da população urbana (devido ao Êxodo Rural) e as revoluções industriais
aumentaram e aceleraram o ritmo de vida dos europeus, neste contexto, aumenta
também a preocupação com o fator cronológico, o qual é decisivo nas sociedades, a
saber, Moderna e Contemporânea.
Um dos teóricos que mais se preocupou em pensar o “problema da Geração”
por um viés sociológico foi o espanhol Ortega y Gasset, somam-se a ele Julius
Petersen, Julián Marías, dentre outros.
Para Gasset (1966) o problema geracional não pode estar focado em
fenômenos da vida individual ou familiar, como se fez durante boa parte da história,
agora o foco recairia no social. A sociedade é impessoal, sendo assim, para o
teórico, o homem é regulado pela sociedade em que está inserido em determinado
momento histórico, todavia, o mesmo pode acrescentar à sua sociedade, fazendo
assim com que se torne dinâmica. Segundo Cunha (2010), a sociedade é
impulsionada pela força geracional e não pelo individualismo.
Fatores da teoria de Gasset (1966) como a impessoalidade e a submissão do
homem ao tempo, levam o teórico a propor o conceito de vigência, tal conceito
aponta que o homem nasce em um mundo sociamente pré-construído, ao qual o
individuo sente a necessidade de se adaptar, mesmo que alguns sujeitos
transgridam os padrões sociais. Portanto, como afirma Cunha (2010, p. 29), “[...]
nem tudo é possível a qualquer época e mesmo os grandes prodígios da história
estariam condicionados por um sistema de vigências”.
Para Ortega y Gasset o conceito de geração é o mais importante da história,
pois, como afirma Cunha (2010, p. 28):
XII, porém é no século XIX que a problemática ganha impulso. Eem relação à
definição do conceito, Moisés (2004) concorda, em certa medida, com os conceitos
propostos por Ortega y Gasset e seus filiados.
Portanto, com base no que foi discutido até aqui, observamos que
Geraçãocompreende um número finitos de indivíduos, os quais têm em comum, uma
proximidade nas datas de nascimento (LYRA, 1995). Podemos nos filiar a este
pensamento, considerado como o mais próximo a nossa visão teórica, para discorrer
acerca da chamada Geração de 45, cuja produção marcou a historiografia literária
brasileira.
Fazendo uma analogia com o mundo jurídico, poder-se-ia dizer que a teoria
geracional tem muitas “brechas” através das quais os seus acusadores
renegam a sua eficácia, fundamentalmente quando aplicada a grupos de
artistas ou literatos, quer dizer, o conceito de geração, que tende a
relativizar as individualidades, torna-se, deste modo, profusamente
susceptível a contestações. (CUNHA, 2010, p.55).
19
Uma pessoa da minha faixa etária pode não pertencer ao meu grupo, à
minha profissão; à minha forma de pensamento ou linha de conduta; pode
não partilhar dos meus ideais, mas – ou na minha cidade ou no extremo
oriente – pertencerá à minha geração, principalmente em face das
condições planetárias da vida humana em nosso tempo. (LYRA, 1995, p.
25-26).
8
Citados na sessão anterior.
20
político que se pode escolher que entra ou quem sai, quem pertence ou não; sendo
assim a visão de João Cabral se aproxima dos autores utilizados aqui.
Vale resaltar que, no contexto do uso cotidiano do termo geração, não há de
se considerar falhar seu uso no sentido genealógico, principalmente quando se
referir à descendencia de alguém, ou de alguma família. No entanto, observa-se que
no contexto lietrário a concepção genealogica não dá conta de se pensar as
questões de produção, publicação, estilo, dentre outras.
9
Estamos nos referindo às questões de rompimento com o Parnasianismo, assim como com outras estéticas
anteriores, questões defendidas pela primeira geração modernista.
22
10
Tais divergências não implicam em maiores problemas para o estudo aqui proposto.
23
Quadro 1
3 A GERAÇÃO DE 45
11
Citaremos autores quando for necessário, contudo, não focaremos detalhadamente em nenhum nome.
26
12
Temos plena consciência de que não há como discutir em um trabalho como este de maneira alongada sobre
cada um dos nomes importantes para a geração, todavia, os autores que trazemos com maior espaço possuem,
a nosso ver, especificidades que merecem maior espaço para a discussão.
27
13
Para o autor o Brasil passa a ter uma literatura nacional e nacionalizada
28
no Brasil; constituído por três fases, assim como por uma etapa anterior que não é
considerada por maior parte dos historiadores de literatura como um movimento
estético (pré- modernismo), o modernismo brasileiro é um dos pontos altos de nossa
literatura, sendo um forte marcador da identidade literária brasileira.
O período que antecede o acontecimento da Semana de Arte Moderna de
1922 é denominado de pré-modernismo e consistiu em um período de produção
abundante e com diversidade surpreendente. Esse momento da história da literatura
brasileira reuniu nomes importantes, sobretudo na prosa, tais como Euclides da
Cunha, Monteiro Lobato e Lima Barreto. O artista Graça Aranha também é
considerado um antecessor do modernismo, apesar de ter sido o proponente da
Semana de Arte Moderna após sua eleição para a Academia Brasileira de Letras.
Além dos acontecimentos literários que influenciaram e fizeram parte do
contexto de formação do Modernismo brasileiro, é importante atentar para o
contexto político e social em que os artistas participantes da Semana de Arte
Moderna (Geração de 22) estavam inseridos.
No Brasil recentemente republicano14 havia uma forte ascensão da classe
média paulista, a economia nacional estava “caminhado relativamente bem”,
sobretudo nos grandes centros do sudeste.
A recém proclamada República apresentava falhas que a tornavam pouco
democrática. Fatos como o não direito do voto feminino, além da falta de políticas
públicas para resolver a situação da população negra recém alforriada marcavam
uma democracia frágil e inexperiente.
A República brasileira carecia de uma identidade, a qual viesse a consolidá-
la no cenário nacional, por isso buscava em ideais norte-americanos e franceses de
república as soluções para seus problemas e esquecia-se dos citados
anteriormente.
Outros fatores se mostravam preocupantes e antidemocráticos, como pode se
notar na questão da política coronelista do interior, a qual guiava a população a votar
em candidatos pré-determinados, pois não havia voto secreto e tão pouco
segurança ou fiscalização que visasse coibir fraudes. Sendo assim, os populares
“votos de cabresto” tinham papel de destaque na República Velha.
14
A proclamação da república tinha ocorrido em 1889, apenas 33 anos atrás.
29
15
Sabemos que o Modernismo não se resumiu à literatura, nem tão pouco, à poesia, no entanto, nosso recorte
visa contemplar a lírica da geração.
30
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas . . ."
Urra o sapo-boi:
— "Meu pai foi rei" — "Foi!"
— "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!"
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
— "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
31
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
— "Sei!" — "Não sabe!" — "Sabe!".
16
As poucas características dessa geração compõem aquilo que achamos necessário para discutimos o nosso
objeto neste capítulo, a Geração de 1945.
32
Uma geração pode continuar a outra. A poesia dos poetas brasileiros que,
nascidos no princípio do século, estrearam por volta de 1930, quando a face
mais agudantemente destruidora dos modernistas de 22 estava superada,
não foi dirigida contra as ideias da Semana de Arte Moderna. Ao contrário –
partiram deles, dos pontos de partida que eles haviam fixado no meio de
seu combate. E não me consta que alguém, em nome da necessidade de
renovação pela revolta, houvesse exigido desses poetas de 1930 o retorno
ao que se existia antes de 1922. (MELO NETO, 2007, p. 2).
17
As visões acerca de outras fases do modernismo serão melhor explicadas posteriormente no corpo deste
texto.
34
Para o poeta de 1930, o que havia a fazer era cantar, simplesmente. Não
havia uma sensibilidade criada, como sua exigência, sua preferência por tal
ou qual forma. A eles é que competia criar essa sensibilidade. Eles estavam
colocados numa posição especial. Naquele momento coincidia a criação de
sua poesia pessoal coma a criação de uma nova poesia brasileira, com
suas novas formas, sua mitologia, sua sensibilidade, isto é, seu
público.(MELO NETO, 2007, p. 5).
18
Citados na próxima seção, a exemplo de Lêdo Ivo, Domingos e Geraldo Vidigal.
36
período houve grandes nomes na prosa também. Autores como Clarice Lispector e
Guimarães Rosa fizeram parte dessa zona temporal.
Assim como a poesia, a prosa de 1945 não foi unânime e apresenta diversas
características em escritores que se destacam por sua individualidade, sendo assim,
seguimos João Cabral de Melo Neto (2007) quando afirma que a literatura moderna
é individualista. A prosa de 1945 se constitui de fato como uma literatura de alta
qualidade, porém altamente individual, com autores que consolidaram formas de
escrita por vezes distintas, mas muito apreciadas.
Quando se surge um movimento estético literário, ou uma nova fase
pertencente a um determinado movimento,é comum procurarmos “notas
dominantes” e manifestos que especifiquem o que são de fato esses movimentos ou
essas fases, assimcomo, o que elas têm de diferente daquelas que a precederam.
Essa é uma estratégia didática e eficiente para a memorização e o aprendizado,
todavia, uma geração não pode ser confundida com um “movimento”, se olharmos
pelo viés das teorias geracionais, a geração independe de convergências no modo
de fazer algo, diferentemente de um movimento, o qual busca uma unidade nas
concepções adotadas.
Essas “confusões” envolvendo a utilização do termo geração provocaram
diversos debates entre os pertencentes à Geração de 1945, dentre elas podemos
citar as opiniões de João Cabral de Melo Neto e Lêdo Ivo, dois nomes importantes
para 1945.
Em entrevista no ano de 2004, como podemos observar em Ivo apud Santos
&Teles (2019), Lêdo Ivo nega uma possível “invenção” da Geração de 1945, ele
deixa transparecer em seu discurso que tem a compreensão de “geração” como um
possível “sinônimo” para um movimento político literário. O poeta alagoano estava
respondendo a uma afirmação de João Cabral “Quando Lêdo Ivo inventou a geração
de 45 eu estava na Espanha. No Brasil, nunca participei de política literária
nenhuma” (MELO NETO, 2007, p. 36).
Enquanto João Cabral ironiza a criação de uma política literária, Lêdo Ivo
mostra que há no ar uma compreensão de “geração” que foge ao proposto por
Ortega y Gasset e demais teóricos geracionais. Essa visão de geração não é
exclusiva do Lêdo Ivo, ao contrário, se mostra comum no meio literário.
João Cabral de Melo Neto se apropria com mais veemência das teorias
geracionais, principalmente da escola espanhola, aliás, o poeta viveu algum tempo
37
de sua vida no país europeu, pelo qual desenvolveu certo vínculo afetivo. Para
Cabral, fazer parte de uma geração não significa ser participante de determinada
política literária, pois seus conceitos apontam que o pertencimento a uma geração é
definida por meios cronológicos:
19
Falaremos do poeta com mais profundidade no próximo capítulo.
20
Guimarães Rosa pesquisava as regiões, costumes e falares dos lugares onde se desenvolveriam suas tramas,
por isso é, além de grande escritor, um revolucionário no fazer e pesquisar.
38
21
É importante ressaltar que este trabalho detalhará com mais propriedade cinco autores, mas não nega a
existência de outros ou tenta fazer qualquer juízo de valor.
39
Lêdo Ivo
Como um dos nomes mais significativos da geração de 45 se destaca o
alagoano Lêdo Ivo, nascido em Maceió no ano de 1924. Lêdo Ivo foi poeta, cronista,
contista, ensaísta, romancista, ensaísta e crítico; também atuou como tradutor e
jornalista.
Como obra de estréia publicou em 1944 Asimaginações, mas, segundo
Coutinho (2004), é na obra Ode e elegia (1945) que o poeta revela seu poder verbal
que marcará sua carreira literária. A poesia de Ledo Ivo acaba ganhando a
“aparência de fogo de artifício” (COUTINHO, 2004, p.210). Além do poder verbal,
outra característica que marca a obra de Lêdo Ivo é a forte adjetivação.
Lêdo Ivo, como outros nomes da Geração de 45, opta por voltar à formalidade
na escrita, sendo assim, os sonetos são retomados em sua obra, como também vale
ressaltar que os decassílabos assumem papel importante em obras como Ode e
elegia. Essa retomada do rigor formal por parte do poeta não torna sua poesia
“esgotada”, como se referiam aos parnasianos, antes a visão que se Lêdo tem da
poesia, durante maior parte de sua produção, é a de “um convite à aventura”, afirma
Coutinho (2004, p.212).
Outra característica marcante em sua obra é a fluidez da linguagem,
peculiaridade que leva Lêdo Ivo a uma escrita, neste sentido, oposta a de um João
Cabral de Melo Neto, o qual preferia que a linguagem não fosse tão fluida 22. O fato é
que Ledo Ivo marcou seu nome como um importante poeta da geração de 1945,
sendo citado por João Cabral como o “criador de um movimento”, fato negado
veementemente por Lêdo Ivo.
22
Característica que veremos na seção dedicada a João Cabral de Melo Neto.
40
Gerado Vidigal
Outro poeta que pode ser considerado um Ícone da Geração de 1945 é o
poeta Geraldo Vidigal. Sua produção não foi tão extensa como a de outros artistas
de seu tempo, Vidigal publicou apenas dois livros, entretanto, são obras que muito
colaboraram para uma possível fixação de uma nota dominante no cenário da
Geração de 1945.
Sua disciplina no verso foi motivo de elogios, pois, para Coutinho (2004), não
prejudica a lírica de seus versos, pelo contrário, torna-a ainda mais aguda. Sendo
assim, Vidigal compartilhava com Ledo Ivo, Domingos Carvalho, João Cabral e
outros poetas de seu tempo à volta às formas fixas, no entanto, sua utilização, vale
ressaltar novamente, não é parnasiana.
Geraldo Vidigal tem como particularidade uma influência de ideário romântico,
quando se trata do fazer poético, para ele, poesia era inspiração, a qual viria sobre
um profeta (poeta) iluminado e predestinado ao fazer poético. Essa concepção
acaba afastando Vidigal da ideia de fazer artístico que vemos em João Cabral.
Mesmo com apenas duas obras Gerado Vidigal merece atenção pelo que
representou para a Geração de 45, sobretudo, com sua produção de qualidade
perante artistas de outras gerações do Modernismo, trazendo maior credibilidade.
A poesia do artista em questão seria inconfundível, uma vez que sua proposta
era estritamente estética, o poeta optava por uma lírica mais livre, divergindo assim,
de poetas como João Cabral que ficou marcado pelas formas mais fixas. De fato
Péricles nos traz um importante contraponto em meio a geração 1945, mostrando na
prática que para pertencer a uma geração não é necessário participar de um “grupo”
e seguir o estilo predominante da época. A poesia de Eugênio nos leva a refletir o
quão plural foi a produção poética de 1945.
Além da preferência pelos versos livres, seu vocabulário seria considerado
aristocrático, segundo Coutinho (2004), e os temas eróticos faziam parte de seu
estilo poético.
Trazer o exemplo de Péricles Eugênio para reflexão evita (ou ajuda a evitar)
que caiamos em generalizações/caracterizações rasas sobre o que de fato foi a
produção de 1945.
Com base nos dados analisados (podem ser vistos na tabela abaixo),
podemos perceber que a década de 1920 é o período aproximado de nascimento
dos autores.
Para efeito ilustrativo trazemos uma planilha com os nomes dos principais
autores e suas respectivas obras de estréia; calculados a idade de estréia e a idade
em que cada um dos autores tinham em 1945. Essa ideia, assim como o modelo de
tabela foi inspirada em Cunha (2010). A planilha ajuda a perceber e a refletir sobre o
que já foi falado anteriormente.
Quadro 2
23
Para listar esses nomes utilizamos manuais de história da Literatura como Bosi (2006) e Coutinho (2004).
44
24
As opiniões de João Cabral de Melo Neto presentes neste trabalho forma retiradas de recortes de
comentários trazidos em sua antologia poética (2007) na parte intitulada João Cabral por ele mesmo.
45
Cabral era a arquitetura, ele afirmou por diversas vezes que seu “filosofo” preferido
era um arquiteto, diferindo dos demais intelectuais.
A forma de pensar, assim como de expor seu pensamento acerca da maneira
como se deveria conduzir o fazer poético, rendeu a João Cabral de Melo Neto a
imagem de um sujeito completamente comprometido com suas convicções
conceituais. Na realidade o poeta tinha uma concepção de fazer literário e fazia
questão de divulgá-la, seja por meio da crítica, ou utilizando a própria poesia.
Este empenho na “defesa” de sua concepção de fazer poético levou João
Cabral a questionar alguns poetas que se revelavam distantes de seus ideais. Os
principais exemplos deste empenho são as críticas dirigidas a Fernando Pessoa e a
Vinícius de Moraes. Com firmeza, João Cabral afirmou que Fernando Pessoa
causou um “mal” imenso à literatura por conta de seu estilo “inspirado”. Amigo de
João Cabral, Vinícius de Morais, não escapou às críticas do colega, as quais foram
dirigidas à forma apaixonada com a qual Vinícius compunha seus poemas e à
repetição constante do “signo” coração. Além dessas críticas João Cabral também
criticava o fato de Vinícius de Moraes ter se tornado compositor de música popular.
Ora, João Cabral de Melo Neto tinha fortes convicções de que a poesia
deveria ser uma peça de linguagem “enxuta”, sem os excessos apaixonados
comuns na história poesia. O poeta procurava a “precisão do dizer”, esta precisão
deveria ser a maior possível, sendo assim, não há espaço para “enfeites” na
concepção de poesia de João Cabral de melo Neto.
Na visão do poeta em questão o vocabulário poético deveria mudar em
relação ao que estava posto pela maioria dos artistas até aquele momento, os quais
utilizavam constantemente palavras “poéticas” de cunho pouco preciso. Para João
Cabral de Melo Neto a poesia deveria ser construída com palavras concretas, pois
ele concebia a existência de adjetivos concretos, palavras que transmitiriam a
precisão necessária à poesia.
Tal precisão e concretude se materializam na obsessão pelo signo “pedra”,
palavra constante na poesia de João Cabral. A “pedra” para o poeta não se
configura como um obstáculo indesejável, antes é um obstáculo que se faz
necessário:
Para Cabral a linguagem poética não poderia ser algo espontâneo, ou seja, não
poderia fluir simplesmente, antes seria necessário o trato da linguagem, sendo
assim, a linguagem seria como uma “pedra na boca”.
O signo “faca” também se mostra recorrente na poesia de Cabral, fazendo
parte de dois títulos de obras, a saber, Uma Faca Só Lâmina e A Escola das Facas.
A ideia de “corte”, “decréscimo” se expressa no signo “faca”. A lâmina, para Cabral,
é instrumento de trabalho, de manufatura, como uma ferramenta indispensável ao
escultor, o qual faz sua obra com diversos cortes precisos.
O rio também é uma constante na poesia de Cabral, o Capibaribe, rio
pernambucano que corta a cidade do Recife. O poeta possui duas obras mostrando
os olhares diferentes para o mesmo rio 25, em Morte e Vida Severina, o retirante, em
certo ponto do percurso, segue o mesmo curso do rio Capibaribe. Em A Educação
Pela Pedra o rio também tem certo protagonismo, como podemos notar em A Mulher
e o Beberibe:
João Cabral de Melo Neto, utiliza-se do signo “rio” tirando dele aquilo que é
pertinente à sua poesia, como se pode ver nos versos acima, não há um poeta
“caudaloso”, antes um poeta que constrói, por meio da linguagem, “rios secos” por
mais água que tenham.
Dois “lugares” se mostram muito frequentes na poesia de João Cabral, às
vezes até são relacionados entre si, a saber, a Espanha e o Nordeste. São dois
lugares significativos na vida do poeta, fazendo-se presentes também em sua arte.
O nordeste, lugar de nascimento do poeta não é esquecido, pelo contrário, faz-se
25
Ver a explicação acerca das obras O Cão Sem Plumas e O Rio na seção 4.1.
47
26
Ver seção 4.1.
27
A organização desta seção, assim como muitas das informações contidas aqui, seguem a linha de
pensamento de Antônio Carlos Secchin em seu prefácio escrito para a antologia de João Cabral (2007).
48
João Cabral de Melo Neto se destaca como um poeta cerebral, seus versos
são secos e precisos, marca que o acompanhará por sua extensa obra, o que acaba
se tornando marca de sua personalidade literária. João Cabral é, sem dúvida, o
nome de maior destaque da Geração de 1945, apesar de não ter feito parte de
movimentos político-literários, seu nome é um dos primeiros a ser lembrado quando
é mencionada a geração.
Com marcas inconfundíveis, seja o verso difícil e incomum, seja pelo uso de
termos concretos e palavras “não poéticas”, ou pelo fato de não publicar poemas
isolados, João Cabral de Melo Neto consolidou uma obra relativamente grande no
cenário literário brasileiro. Publicou 20 livros, através dos quais podemos perceber
como o poeta foi construindo seu estilo que marcou sua geração.
Pedra do Sono
Publicado inicialmente em 1942, Pedra do Sono, é a obra de estréia de João
Cabral de Melo Neto. Neste livro, ainda encontramos pouco da estética que
destacou João Cabral no cenário nacional. A poesia presente na obra é marcada,
segundo Coutinho (2004) e Secchin (2007), por a influência de poetas como Murilo
Mendes e Carlos Drummond de Andrade, os quais eram admirados por João Cabral.
Em questão de conteúdo, o livro trata de temas comuns de uma vida sóbria.
Como o próprio João insistia em afirmar, o livro não traz uma poesia “inspirada” no
sentido romântico da palavra.
Os Três Mal-amados
Ainda sob forte influência de Drummond, João Cabral publica em 1943 a obra
em questão. Trata-se de um texto dramático, o qual é constituído por três
personagens provenientes do poema intitulado Quadrilha de autoria de Drummond.
O engenheiro
O título já se mostra sugestivo, visto que, João Cabra de Melo Neto tinha uma
profunda admiração pela “construção”, pelo “trabalho” e por signos “concretos”. No
livro em questão, segundo Secchin (2007), o poeta apresenta reflexões teóricas que
proveem dos personagens de Os Três Mal-amados, todavia, apresenta também
poemas que mostram o novo rumo que a poesia cabralina está para tomar.
Uma das obras mais queridas pelo autor, o Cão Sem Plumas, publicado em
1950, trata de forma metafórica da passagem do curso do rio Capibaribe e de sua
passagem pela cidade do Recife.
O poema já traz a essência da poesia de Cabral, associa-se também a
questão social, todavia, o trabalho com a linguagem à maneira de Cabral torna o
poema extremamente concreto e preciso em suas metáforas, assim, o fator social
que existe no poema fica em segundo plano, pois a maior questão para o poeta em
é o fazer poético.
Mesmo tratando da metáfora do rio Capibaribe, a linguagem empregada por
Cabra se mostra tão precisa e concreta, que a obra não se torna uma obra “alagada”
e “úmida”, fazendo referência ao signo “água”, antes, o artista consegue “enxugar” o
poema e torná-lo concreto e “seco”, sendo assim, o poeta consegue o pretendido em
sua teoria, “secando o Capibaribe”.
Esta oba assume um lugar de importância na poesia de Cabral, pois mostra a
visão do rio contada por um ser externo:
50
Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
(MELO NETO, 2019, p. 1).
O Rio
Em O Rio (1954) o poeta demonstra sua genialidade, visto que, dá vida e voz
ao rio Capibaribe para que conte sua própria história, sendo assim, o rio passa a
contar a visão que tem dos homens e de seu percurso, desde sua nascente à sua
foz. Enquanto na obra anterior, os homens descreviam a visão que tinham do rio,
agora os papeis são invertidos:
Sempre pensara em ir
caminho do mar.
Para os bichos e rios
nascer já é caminhar.
Eu não sei o que os rios
têm de homem do mar;
sei que se sente o mesmo
e exigente chamar.
(MELO NETO, 20-?, p. 1).
O poema foi escrito por encomenda como um auto de natal, mas ganhou o
publico dos teatros em todo o território nacional. O tema de frequente sucesso na
literatura brasileira (retirantes fugindo da seca e mudando em busca da
sobrevivência), certamente colaborou para que este poema se tornasse um ícone da
poesia de língua portuguesa, unindo-se a outros clássicos.
um vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo
igual ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,
relógio que tivesse
o gume de uma faca [...]
(MELO, NETO, 20-?, p. 1-2).
Podemos perceber que a obra trás um poema longo, o verso é difícil e o texto
é repleto de metáforas. Estas características refletem bem a poesia de Cabral, além
disso, os signos “bala” e “relógio” são abundantes no poema. Ora, a utilização de
palavras não frequentes na poesia é uma característica do poeta que se encontra na
obra referida.
Quaderna
Publicado em 1961, este livro traz características importantes da obra de João
Cabral, como a questão da utilização das quadras em sua poesia, que neste livro
são predominantes.
A obra traz de volta à cena da poesia de Cabral o Nordeste e a Espanha,
retomando duas grandes paixões do poeta, o lugar onde nasceu e a terra onde que
adotou enquanto vivia como diplomata.
A figura feminina se faz presente neste poema, mas diferentemente de
Vinícius de Morais, o qual trazia a paixão e a sensualidade para seus versos, Cabral
descreve a mulher sem um foco sensual ou apaixonado.
Dois parlamentos
Trata-se de uma obra de 1961, na qual o poeta traz a tona temas de cunho
social, como a miséria, além disso, é marcante também o tom irônico de crítica e
descrença para com a classe política, assim como, para com seus discursos.
Em termos de estrutura, o livro traz poemas longos, característica de algumas
de suas obras, as marcas da crítica social fazem com que se associe a Morte e Vida
Severina.
Serial
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Serial (1961) é, segundo Secchin (2007), a obra onde o poeta atinge o ápice
da sofisticação formal, tornando-se um destaque nas produções por um rigor
obsessivo.
A estrutura da obra é construída tendo como base o número “quatro”, este
que foi trabalhado através das quadras poéticas em Quaderna, retorna com mais
força, agora tomando toda a estrutura do livro, o qual é composto por dezesseis
poemas, estes também divididos em quatro partes.
Em termos de conteúdo, trata-se de uma obra plural, a qual vai dá apreciação
dos espaços espanhóis e nordestinos à metapoesia, passando pelas celebrações
dos aspectos físicos femininos.
Museu de tudo
Museu de tudo (1975) é uma obra que destaca com muita ênfase o fator
metalinguístico. Seus versos possuem o rigor formal característico de João Cabral
de Melo Neto.
O poema pode ser visto como uma reestréia do poeta, após ter ficado mais de
dez anos sem uma publicação inédita, fato raro no período produtivo cabralino.
No que se refere ao tema da obra, constata-se que o poeta trata da “arte” –
pintura e literatura – principalmente as admiradas por João Cabral.
Segundo Secchin (2007),A escola das facas (1980) é uma obra memorialista,
a qual se destaca pelo eu lírico enunciar em primeira pessoa, fato raro na poesia de
João Cabral. O poeta se utiliza deste referido memorialismo para refletir acerca de
tensões presentes na vida. As tensões, sobretudo, aquelas que serviam de
inspiração seu fazer poético, são contempladas nesta obra, no entanto, sem o
sentimentalismo e o tédio empregado pelos românticos da segunda fase.
Auto do Frade
54
Agrestes
A poesia de João Cabral em Agrestes é marcada pela construção de imagens
paisagísticas, elemento observável em boa parte obra do poeta, no entanto, na obra
em questão, não é só o nordeste e a Espanha que tomam o cenário de sua poesia,
antes, cenários africanos, latinos, dentre outros, compõem uma obra mais
“globalizada”, na qual o autor também discute questões humanas, como a morte.
Segundo Secchin (2007), a obra é escrita após a experiência de João Cabral em
diversos países durante sua carreira diplomática, fato que possibilitou um grande
acervo imagético-intelectual para a construção desta obra.
Sevilha Andando
Podemos dizer que mais que um livro de poemas, Sevilha Andando é uma
obra de tributo a duas paixões de João Cabral de Melo Neto, a saber, sua esposa,
Marly de Oliveira, e a cidade espanhola.
Apesar de se tratar de temas tão íntimos, o poeta não foge à sua
característica de não deixar que seu poema seja “contaminado” pelos excessos,
sendo assim, o autor consegue falar do que gosta, com a forma poética que
escolheu.
Primeiros poemas
55
As antologias
28
Não podemos, neste trabalho, aprofundar-nos nas concepções de linguagem literária, assim como da própria
metalinguagem, pois são temas complexos que demandam mais espaço para discussões, fato que torna
inviável para este trabalho, contudo, a noção básica dos conceitos é necessária para a realização desta
pesquisa.
57
Com base no que foi discutido neste trabalho e observando entrevistas do poeta,
podemos afirmar que a poesia é a “função artística” da linguagem.
Tendo discutido de forma breve as concepções de linguagem poética,
adentramos à nossa função principal em discussão neste capítulo, a metalinguagem,
a qual é o aspecto observado na poesia de João Cabral de Melo Neto.
Segundo os estudos de Jacobson (2007), a lógica moderna fez uma
separação conceitual entre dois de linguagem, a saber, a linguagem-objeto, a qual
se refere aos objetos no mundo, e a metalinguagem, a qual ocorre quando a língua
é usada para reflexão sobre ela mesma.
Em seu dicionário de termos literários, Moisés (2004, p. 289) comenta acerca
da origem do termo: “empregado inicialmente em 1920 pelos positivistas da escola
de Viena, cuja figura central era Rudolf Carnap, o termo derivou para os círculos da
semiótica e da linguística, graças a Louis Hjemslev [...]”. O termo ganha repercussão
nos estudos em linguagem e avança para aprofundamento dos conceitos e
aplicações em diferentes campos.
Inicialmente a metalinguagem é problematizada pensando a linguagem
científica, ou seja, quando a ciência linguística toma uma linguagem como objeto.
Nos estudos de Jacobson (2007, p.127) verificamos que a problemática da
metalinguagem avança ao campo da vida cotidiana:“a metalinguagem não é apenas
um instrumento científico necessário, utilizado pelos lógicos e pelos linguistas;
desempenha também papel importante em nossa linguagem cotidiana”. A
metalinguagem, para Jacobson (2007), ocorre cotidianamente quando o indivíduo
reflete acerca da própria língua, sendo assim, quando uma pessoa comum conversa
sobre a língua está em uma atividade metalinguística. Para o autor, a metalinguística
é um importante fator na aquisição da linguagem humana:
A Educação Pela Pedra (1965) é uma das obras mais importantes de João
Cabral de Melo Neto, pois carrega traços de uma poesia “madura”, a qual sabe
quais suas intenções poéticas, pois foi escrita em um momento que a ideia e o estilo
poético de Cabral já estava formado e bem maturado.
29
A metalinguagem também é observada em outras artes como o cinema e a pintura.
59
30
João Cabral de Melo Neto não gostava de publicar poemas soltos, assim, segundo ele, seus livros possuíam
uma unidade temática.
60
*
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
(MELO NETO, 2007, p. 312).
Nos dois primeiro versos o eu poético mostra a pedra como algo de que se
tira lições, assim se aprende dela. O posicionamento da voz do poema oferece uma
reflexão acerca das coisas que se pode aprender da pedra; tais lições também são
aplicáveis ao fazer poético, principalmente, quando estamos nos referindo à visão de
poesia de João Cabral.
Nos versos terceiro e quarto, o eu poético adjetiva a voz da pedra como
“inefática” e “impessoal”, neste trecho a mestra pedra mostra, por meio desta
metáfora, como deve ser a voz da poesia.
A partir do quinto verso a aula metalinguística começa. Os versos quinto e
sexto mostram a pedra em sua lição de moral, ensinado que sua “resistência fria”
pode ser pode ser maleada, ou seja, o eu poético se refere ao trabalho com a
linguagem “concreta”, “fria” e “seca”, a qual pode ser “maleada”, fazendo com que a
linguagem comum se torne poética, isso só seria possível por meio do trabalho.
No verso sétimo, a metalinguagem é explicita. A lição dada pela pedra é
direcionada à poesia mais diretamente: “a de poética, sua carnadura concreta”, o eu
poético traz a visão de uma poesia concreta, como é de fato a concepção de João
Cabral, sendo assim, o poeta deve aprender da pedra o seu fazer poético, pois ela é
a professora do concreto, do palpável e do preciso, traços importantes para a
construção da poesia31.
No oitavo verso a lição é de economia: “a de economia, seu adensar-se
compacta”, podemos pensar que o eu poético está se referindo, dentre outras
coisas, à economia da linguagem, visto que o poeta deve procurar a “perfeição do
dizer”, comunicar com poucas palavras o que for necessário.
A segunda estrofe começa apresentando uma “Outra educação pela pedra:
no Sertão”, a lição agora é aplicada no Sertão, mas no Sertão “a pedra não sabe
31
Na visão de João Cabral.
61
lecionar”, e mesmo que soubesse, não teria nada a ensinar, pois suas lições são a
essência do Sertão e já o acompanha desde o nascimento. O eu poético afirma que
o sertão é um lugar onde as lições apresentadas anteriormente já fazem parte do
conhecimento geral, sendo assim, não há lições para se tirar da pedra. O sertão de
Severino de Maria do finado Zacarias e de tantos outros Severinos com mães
chamadas Marias, e filhos de tantos outros, já finados Zacarias, é um lugar concreto
por si, econômico por essência e preciso no dizer.
O último verso “uma pedra de nascença, estranha a alma”, o eu poético
mostra que até mesmo a pedra, símbolo da resistência e concretude, estranha o
ambiente do sertão.
O poema A Educação Pela Pedraprocura ensinar o modo como deve ser
construída a linguagem poética, a qual tem de ser econômica, precisa, concreta e
resistente, sendo assim, podemos afirma que é uma obra que busca
metalinguisticamente falar sobre uma concepção de fazer poético.
Em Catar feijão, poema composto por duas estrofes, cada uma contendo oito
versos,o eu poético utiliza uma metáfora, comparando o ato simples de catar feijão
com a escrita um poema:
compara as palavras escritas em um papel, aos grãos de feijão colocados para boiar
na água. O eu enunciador está se referindo ao trabalho do poeta no processo de
escrita, pois o ele deve colocar as palavras no papel e depois revisar seu texto,
excluindo os exageros e o que não for necessário para uma escrita concreta e
precisa.
No sétimo verso da primeira estrofe, o eu poético apresenta um segundo
trabalho que quem cata feijão precisa executar, a saber, o de soprar para que as
palhas e outras impurezas leves voem. Em comparação a isso, o ato de escrever
também deve excluir o oco, o leve e o sem consistência, pois não serão úteis para
construção de um dizer poético “concreto”.
Apartir da segunda estrofe o eu enunciador procura deixar claro que essa
metáfora não é perfeita, pois quando se faz o trabalho de catar feijão, retira-se com
cuidado as partes indigestas e nocivas à saúde, a exemplo das pedras; estas
impurezas são catadas e descartadas, visto que não podem ser consumidas pelo
ser humano, diferentemente da escrita do poema, a qual utiliza-se do que há de
mais concreto, mais “duro”, da “própria pedra” para realização do trabalho com a
linguagem.
Os versos quinto e sexto da segunda estrofe “Certo, não, quando ao catar
palavras”, “a pedra da à frase seu grão mais vivo” mostram metalinguisticamente
que para o poeta, os termos concretos são mais importantes do que palavras
consideradas “previamente poéticas32”, pois “a pedra dá à frase seu grão mais vivo”,
ou seja, a palavra concreta dá mais vida ao poema, é mais útil no dizer, que outras
palavras, assim, o poeta deve separar as palavras mais concretas (pedras) e não
descartá-las, antes, utilizar em sua construção artística.
Nos versos sétimo e oitavo, temos a explicação do motivo pelo qual se deve
preferir a pedra em detrimentos dos outros grãos.
No sétimo verso temos: “obstrui a leitura fluviante, flutual”, o eu lírico quer
dizer que a leitura de obras em que são utilizadas palavras já “poéticas” é muito
fluente, trata-se de uma linguagem espontânea que não impõe maiores dificuldades
ao leitor. João Cabral de Melo Neto, enquanto poeta, afirmava que o ofício do poeta
era, por meio do trabalho com a linguagem, transformar a forma espontânea, que é
32
palavras comuns na poesia tradicional como “coração” e “paixão”.
63
que o curso do rio é seu caminho, já o discurso é o falar; há neste ponto um jogo
metafórico, pois o curso do rio é comprado a um discurso, porquanto, ambos devem
ter a fluidez necessária para seguir seu caminho e atingir seus objetivos.
O rio é a metáfora do poema, o qual precisa de um curso (discurso) para
atingir seu objetivo, ou seja, curso está para rio, assim como, discurso está para o
texto.
*
O curso de um rio, seu discurso-rio
chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o foi antigo que fez.
Salvo a grandiloguência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
em frases curtas, então frase a frase,
até a sentença rio do discurso único
em que se tem voz a seca ele combate.
(MELO NETO, 2007, p. 324-325).
Nos primeiros quatro versos, o eu poético traz uma metáfora de um rio que foi
cortado e assim perdeu seu curso, tornando-se poços de água parada que não corre
mais em direção alguma. Está metáfora se refere ao fato de poemas que não
possuem uma unidade discursiva, ou seja, as palavras estão juntas no mesmo
poema, mas constroem um sentido, pois não há ligação entre elas, assim não se
constrói um discurso (poético).
Nos versos quinto, sexto, sétimo, oitavo e nono; a água em situação de poço,
ou seja, parada, estanque em um lugar, é comparada a uma palavra em situação
dicionária “isolada, estanque no poço dela mesma”. A palavra que está inserida em
um contexto de discurso, não constrói sentidos semâtico-discursivos suficientes para
uma boa comunicação; o eu lírico chega a classificá-la como (palavra) muda. Nesta
concepção de poesia, o trabalho com a organização linguística do texto é que faz
65
um bom texto, sendo assim, o eu lírico, rejeita a ideia de que existam palavras
previamente poéticas, pois a poesia é construída pelos arranjos da linguagem.
Nos últimos versos da primeira estrofe o eu enunciador diz: “porque cortou-se
a sintaxe desse rio,” “o foi de água por que ele discorria”. Estes versos dizem que é
necessário que o texto tenha uma sintaxe que construa um discurso, pois se as
palavras estiverem soltas não haverá uma comunicação. Na visão de João Cabral,
poema precisa comunicar algo, não pode ser apenas um “aglomerado de
palavrinhas bonitas”, antes precisa dizer algo e construir discursos.
Na segunda estrofe o eu enunciador fala da dificuldade de reatar um rio
fragmentado “chega raramente a se reatar de vez” (segundo verso), pois é preciso
uma grande “cheia” para unir os poços que se encontram separados. O eu lírico diz
metaforicamente que é necessário um grande esforço para que as pequenas frases
ou mesmo as palavras soltas, sejam inseridas em sentenças, formando assim, um
texto (poético) que tenha um discurso.
33
Esta era a visão de João Cabral.
67
*
Certo poema imaginou que daria a ver
(quando dentro da dança) com a chama
imagem pouca e pequena para contê-la,
conter sua chama e seu mais-que-chama.
E embora o poema estime que a imagem
não conteria tudo dessa chama sozinha,
que por si se ateia (se e quando quer),
de quando o mais-que-chama não estima;
pois vale o duplo de uma qualquer chama:
estas só dançam da cintura para cima.
(MELO NETO, 2007, p. 318-319).
Nos últimos três versos, o eu poético afirma que é mais interessante que as
imagens sejam maiores que a intenção do poeta. Neste poema, o importante
aspecto das imagens poéticas é discutido construindo um discurso metalinguístico
acerca delas.
Nesta seção, a metalinguagem foi observada em cinco poemas, a análise
revelou aspectos presentes na concepção de poesia de João Cabral de Melo Neto.
O poeta pernambucano utilizou esses poemas para apresentar suas opiniões e
refletir acerca do fazer poético.
Verificamos que a metalinguagem trata de assuntos diferentes em cada um
dos poemas; é perceptível que o poema acaba se tornando um espaço para a
discussão do fazer poético em diferentes níveis, os quais foram tratados neste
trabalho.
Por fim, a nossa problemática inicial foi devidamente respondida, visto que
conseguimos compreender como o poeta se utiliza da obra para discutir aspectos
literários, assim, acreditamos que, devido à novidade deste movimento de pesquisa,
este trabalho agrega importantes contribuições para nosso campo de estudo.
69
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
34
Pois o presente trabalho não dispôs de recursos para a obtenção de maior quantidade de material teórico.
35
A questão do espaço do gênero foi decisiva para que houvesse tal delimitação do corpus trabalhado.
72
Referências
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SECCHIN, Antonio Carlos. Prefácio. João Cabral de Melo Neto: Poesia Completa e
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