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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – UFAL

CAMPUS SERTÃO
GRADUAÇÃO EM LETRAS

JOSÉ EUDES CORDEIRO LIMA ARAÚJO

O ESCULTOR DO POEMA: UMA ANÁLISE DA METALINGUAGEM NA OBRA A


EDUCAÇÃO PELA PEDRA DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO E UMA LEITURA
GERACIONAL DA POESIA DE 45

DELMIRO GOUVEIA – AL
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – UFAL
CAMPUS SERTÃO
GRADUAÇÃO EM LETRAS

JOSÉ EUDES CORDEIRO LIMA ARAÚJO

O ESCULTOR DO POEMA: UMA ANÁLISE DA METALINGUAGEM NA OBRA A


EDUCAÇÃO PELA PEDRA DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO E UMA LEITURA
GERACIONAL DA POESIA DE 45

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Universidade Federal de Alagoas-UFAL, como
requisito parcial para obtenção do título de
Graduação em Licenciatura em Letras

Orientador: Prof. Dr. Marcos Alexandre Morais


Cunha

DELMIRO GOUVEIA – AL
2019
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca do Campus Sertão
Sede Delmiro Gouveia
Bibliotecária responsável: Renata Oliveira de Souza – CRB-4/2209

A663e Araújo, José Eudes Cordeiro Lima


O escultor do poema: uma análise da metalinguagem na obra a
educação pela pedra, de João Cabral de Melo Neto e uma leitura gera-
cional da poesia de 45 / José Eudes Cordeiro Lima Araújo. –
2019.
75 f. : il.

Orientação: Prof. Dr. Marcos Alexandre de Moraes Cunha.


Monografia (Licenciatura em Letras) – Universidade Federal
de Alagoas. Curso de Licenciatura em Letras. Delmiro Gouveia, 2019.

1. Literatura brasileira. 2. Poesia brasileira. 3. Poesia de 45.


4. Melo Neto, João Cabral de, 1920-1999. 5. A educação pela pedra.
6. Metalinguagem. I. Título.

CDU: 869.0(81)-1
Dedico este trabalho a Deus, pois

sem ele nada disso seria possível. A

realização de um sonho desejado

partiu das mãos do invisível. A

certeza de que não estou só.


AGRADECIMENTOS

À minha família, que nunca deixou de acreditar em mim, mesmo quando tudo
conspirava contra, sempre havia onde buscar socorro;

À minha mãe, criatura maravilhosa que Deus escolheu para cuidar de mim;

Ao meu pai, meu conselheiro, que sempre me ajuda com amor incondicional;

Ao meu irmão, meu melhor amigo, sempre ao meu lado (literalmente);

Ao professor Dr. Marcos Alexandre de Moraes, que conheci como músico, poeta,
cantor e pesquisador. Sei que o sertão galgou um espaço no coração antes já
fendido pelas águas do Atlântico;

Ao professor Dr. Márcio Ferreira da Silva, que com sua grandiosa competência, tem
participação direta em minha formação, sempre atencioso e prestativo, um exemplo
de profissional e de ser humano;

Ao professor Dr. José Ivamilson Silva Barbalho, de quem sempre tenho ouvido falar
bem pelos corredores do campus e, mesmo sem ter o conhecido bem, já tenho uma
profunda admiração;

À minha banca examinadora, obrigado por aceitar o convite;

Ao professor Dr. Murilo Alves, que me apresentou a literatura no curso de Letras;

Ao professor Dr. Paulo Valença, que acrescentou bastante à minha formação;

À professora Ma. Cristian Sales, que nos proporcionou momentos excelentes;

Ao professor Samuel Barbosa pelo auxílio prestado

Aos demais docentes do curso de Letras, por participar dessa jornada em busca do
conhecimento;

Aos meus colegas de equipe: Ataniel, Cristina, Deyse, Michely, Vinícius, Pablo,
Patrícia e Rakel.

Aos meus colegas de turma, que sempre estiveram prontos a me ajudar.


A sabedoria edificou a sua casa, lavrou as
suas sete colunas. Carneou seus animais,
misturou seu vinho e arrumou a sua mesa
(Provérbios, cap. 9). (Bíblia, 2015, p.444).
RESUMO

Tendo em vista que João Cabral de Melo Neto, poeta pertencente à icônica Geração
de 45, ainda surpreende os estudiosos que focam o aspecto metalinguístico de seus
poemas com resultados que sempre se mostram novos, pesquisa-se sobre a
construção da metalinguagem nos poemas da obra A Educação Pela Pedra, a fim
de compreender como é construída a metalinguagem, assim como, os temas
tratados por ela. Para tanto, é necessário identificar aspectos metalinguísticos nos
poemas, perceber como é construída a metalinguagem na obra em questão e
analisar os temas metalinguísticos tratados nos poemas. Realiza-se, então, uma
pesquisa de caráter teórico e bibliográfico, utilizando como base teórica principal os
estudos de Aguiar e Silva (2009), Jacobson (2007) e Teles (1979) para pensar
acerca da metalinguagem na poesia.Diante disso, verifica-se que o poeta se utiliza
do texto para discutir o fazer poético, manifesta sua opinião acerca da arte literária e
trata de diversos assuntos relacionados ao modo de feitura e forma do poema, o que
impõe a constatação de que os poemas são utilizados para se refletir sobre
diferentes pontos e assuntos acerca do fazer poético. Além disso, realiza-se neste
trabalho, uma leitura da chamada Geração de 45 tendo como base o olhar da teoria
geracional moderna, porquanto, objetiva-se compreender como o contexto
geracional influencia o fazer literário.

PALAVRAS-CHAVE: Metalinguagem. Fazer poético. João Cabral de Melo Neto.


Geração de 45.
ABSTRACT

Given that João Cabral de MeloNeto, a poet belonging to the iconic generation of
1945, still surprises scholars who focus on the metalinguistic aspect of his poems
with results that are always new, research on the construction of metalanguage in the
poems of the work A EducaçãoPelaPedra in order to understand how metalanguage
is built, as well as the subjects it deals with.Therefore, it is necessary to identify
metalinguistic aspects in the poems, to understand how the metalanguage is
constructed in the work in question and to analyze the subjects treated in the poems.
Then, a theoretical and bibliographical research is carried out, using as main
theoretical basis the studies by Aguiar e Silva (2009), Jacobson (2007) and Teles
(1979) to think about metalanguage in poetry. Given this, it appears that the poet
uses the text to discuss the poetic doing, expresses his opinion about the literary art
and deals with various issues related to the mode of making and form of the poem,
which requires the finding that poems they are used to reflect on different points and
subjects about poetic making. In addition, this paper presents a reading of the so-
called Geração de 45, based on the perspective of modern generational theory, since
it aims to understand how the generational context influences literary practice.

KEY-WORDS: Metalanguage. Make Poetic. João Cabral de Melo Neto. Geração de


45.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
2 A PROBLEMÁTICA DA GERAÇÃO ...................................................................... 14
2.1 Falhas na Aplicação do Conceito Moderno/ Sociológico ................................. 18
2.2 A Aplicação/ Explicação do Conceito: Fatores Internos ................................... 20
3 A GERAÇÃO DE 1945 .......................................................................................... 25
3.1 Contextualização Histórica ............................................................................... 26
3.2 As Características da Geração de 1945 .......................................................... 32
3.3 Principais Vultos e Obras ................................................................................. 37
4 JOÃO CABRAL DE MELO NETO: O POETA DA METALINGUAGEM ................. 44
4. 1 Contextualização da Poesia Cabralina ........................................................... 47
4.2 Metalinguagem Cabralina: Conceitos .............................................................. 55
4. 3 A Metalinguagem em A Educação Pela Pedra ............................................... 58
4.3.1 Aprendendo da Pedra ................................................................................ 59
4.3.2 Catando (Selecionando) Palavras ............................................................. 61
4.3.3 O Poema e seu Discurso .......................................................................... 63
4.3.4 As Palavras e os Sentidos no Poema ........................................................ 65
4.3.5 As imagens Poéticas ................................................................................. 66

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 69


Referências ............................................................................................................... 73
10

1 INTRODUÇÃO

A produção poética de João Cabral de Melo Neto sempre despertou interesse


dos estudiosos em literatura, seja por seu estilo “inovador” no contexto literário
brasileiro, seja por sua personalidade forte e defesa de suas convicções acerca do
fazer literário.
De fato, na poesia brasileira, João Cabral de Melo Neto merece destaque, e
os muitos estudos feitos sobre sua poesia são compreensíveis devidos à vastidão de
aspectos a serem analisados. Questões como a métrica poética empregada por
Cabral, as imagens construídas em seus poemas, a linguagem sem excessos e a
metalinguagem são temas discutidos no meio literário.
Apesar de ter uma vasta fortuna crítica, os trabalhos que têm como
corpusobras de Cabral não são esgotados devido à constante renovação dos focos
pesquisados, assim, a obra de João Cabral se expande cada vez mais, de acordo
com o crescimento dos estudos1, os quais sempre procuram coisas novas.A
constante novidade e o não esgotamento da obra de João Cabral podem ser
explicados pelo pensamento de Ítalo Calvino (1993, p.11), o qual afirma que um
clássico sempre tem sempre algo novo à acrescentar a cada leitura, para o
estudioso italiano, os clássicos são obras que não se esgotam, pois “toda releitura
de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira”. Considerando isso,
podemos afirmar que as pesquisasque focam as obras produzidas João Cabral de
Melo Neto ainda podem acrescentar muito aos estudos em literatura. Assim,
acreditamos que este trabalho tem seu papel de contribuinte na grande gama de
estudos das obras de João Cabral. Por ser um poeta importante e visando
contribuições para os estudos em linguagem, escolhemos uma obra do poeta em
questão para que seja trabalhada.
Dentro do contexto da vasta produção de João Cabral, a obra A Educação
Pela Pedra se destaca por sua pluralidade de assuntos e pela maturidade da escrita
do poeta, neste período de criação literária, a uma concepção de poesia bem
formada, sendo assim, pode ser considerada um clássico dentro do conjunto de

1
Não mencionaremos aqui títulos ou autores que pesquisam ou pesquisaram alguma obra de João Cabral de
Melo Neto, pois o quadro se mostra tão amplo que seria uma injustiça citar um em detrimento de outros, basta
uma rápida busca em um site de pesquisa para ver a grande gama de trabalhos feitos sobe obras de João
Cabral de Melo Neto.
11

produções do poeta. A questão de já ser um livro escrito no período de maturidade,


além de tratar de diversos assuntos, foram fatores decisivos para a escolha do
corpus.
Entre os traços presentes nas obras de João Cabral, a metalinguagem nos
chama a atenção, pois o poeta aparentemente recorre constantemente a este
recurso, discutindo o fazer poético na própria poesia e se mostrando um crítico que
utiliza como espaço para expressão de suas concepções a própria obra. Sendo
assim, considerando a importância desse traço na obra de João Cabral, este
aspecto foi selecionado para a análise neste trabalho.
O que este trabalho busca trazer de contribuição para este campo já tão
pesquisado é o fato de analisar a construção metalinguística e ter uma atenção
maior nas questões discutidas por essas metalinguagens, ou seja, nossa análise
focará o que está sendo discutido neste poema por meio do recurso da
metalinguagem. Assim, acreditamos que este trabalho traz importantes contribuições
para se refletir sobre o modo como João Cabral de Melo Neto construía suas
metalinguagens, assim como, quais os assuntos tratados.
Com base nisto, este trabalho tenciona analisar como é construída a
metalinguagem, assim como os assuntos por ela tratados, na obra A Educação Pela
Pedra de João Cabral de Melo Neto.
É sabido que o poeta em questão tinha fortes convicções acerca do fazer
poético, sabe-se também que havia nele certa “vocação” (ou vontade) à crítica
literária, isto fica evidente quando são lidas suas obras literárias ou seus artigos
críticos. Esta vontade de está sempre falando de poesia chega a ser uma marca do
poeta, pois suas obras apresentam a metalinguagem.
A estas questões, soma-se o interesse em fazer uma leitura da Geração de
45 pelo olhar da teoria geracional moderna, tendo como base textos de teóricos
como: Gasset (1966) e Lyra (1995). Esta leitura se mostra fundamental para que se
possa compreender o contexto de produção naquele determinado momento
histórico.
Como objetivo geral a ser alcançado ao finalizar esta análise, temos a
intenção de compreendercomo é construída a metalinguagem, assim como, quais os
temas tratados por ela, na obra A Educação Pela Pedra de João Cabral de Melo
Neto.
12

A este objetivo,somam-se algumas questões específicas, como identificar


aspectos metalinguísticos nos poemas da obra A Educação Pela Pedra de João
Cabral de Mel Neto. Este ponto se mostra fundamentalmente importante, pois é
necessário que a metalinguagem seja identificada no poema para que a análise
possa prosseguir.
O segundo ponto do processo é perceber como é construída a
metalinguagem nos poemas da obra em questão. Ao realizar este processo,
podemos ter ideias de como o artista discute o fazer poético na própria peça
artística.
O derradeiro passo é analisar os assuntos tratados nos poemas que se
utilizam do artifício da metalinguagem. Com este ultimo passo, podemos
compreender como o poeta constrói a metalinguagem e como os assuntos tratados
por ela são postos em questão.
O autor de A Educação Pela Pedra, João Cabral de Mel Neto, foi coetâneo
dos poetas que ficaram conhecidos nacionalmente por integrarem a Geração de 45,
a qual é vista como a terceira fase do Modernismo brasileiro. Levando em
consideração o fator geracional, o poeta em questão fez parte da geração, no
entanto, sua produção se distingue dos demais. Este ponto também será abordado
neste trabalho.
A pesquisa será de enfoque teórico bibliográfico analítico. O procedimento
metodológico escolhido será uma abordagem que focará o texto, na qual, alicerçado
pelos estudos em linguagem literária, dará ênfase na observação da construção
metalinguística do poema, assim como dos assuntos tratados ali. Nesse sentido, a
pesquisa se constituirá de leituras e análises de textos desenvolvidos por teóricos
que trabalham as funções da linguagem, bem como serão desenvolvidos
agenciamentos que dêem conta de nossa problemática.
Levando em consideração o exposto, e visando uma maior compreensão do
contexto histórico em que João Cabral estava inserido, visamos discutir questões da
problemática geracional, discutida por Ortega y Gasset (1993), Pedro Lyra (2003) e
Cunha (2010), para compreender melhor o processo de produção de João Cabral
em relação a outros poetas de sua geração2.

2
Este trabalho trilha dois caminhos simultaneamente, pois à medida que foca na produção poética de João
Cabral, reflete o seu contexto histórico na Geração de 45.
13

Além da discussão da teoria geracional, é necessária uma reflexão e análise


da Geração de 1945, para se entender os principais vultos, o contexto histórico, as
características e as contradições.
Por fim, a discussão e reflexão mais aprofundada acerca da obra de João
Cabral, assim como de suas concepções sobre do fazer poético, mostra-se de
estrema importância para que se possa fazer a análise da obra literária como foi
proposta anteriormente.
Nossa base teórica se mostra ampla, pois há a necessidade de se apropriar
de diferentes teorias neste processo. Os principais autores utilizados para refletir
acerca da metalinguagem foram: Aguiar e Silva (2009), Jacobson (2007) e Teles
(1979).
Portanto, este trabalho está dividido em cinco partes que dão conta da
organização exigida pela academia. A organização será exposta mais
detalhadamente a seguir.
A primeira parte é a presente introdução, aqui estão informações iniciais
sobre o trabalho, como o tema, problemática, objetivos, justificativa, metodologia,
dentre outros.
O segundo capítulo busca discutir sobre as teorias geracionais modernas,
visando melhor compreensão do que de fato foi a Geração de 1945 dentro da
perspectiva geracional.
O terceiro capítulo visa mostra um panorama do que foi a geração de 1945,
assim como contextualizá-la e apontar características. Trata-se de um capitulo que
visa à descrição de um panorama da geração, considerando as teorias descritas no
capítulo segundo.
No quarto capítulo é feita a contextualização da obra de João Cabral de Melo
Neto, são apresentadas características dele enquanto poeta, além de trazer alguns
dados biográficos. Neste capítulo também se encontra a análise proposta por este
trabalho.
E por fim temos as considerações finais, na qual apresentaremos uma visão
do que foi este trabalho de modo geral, assim como quais são suas contribuições e
limitações, as quais podem ser atendidas em trabalhos posteriores.
14

2 A PROBLEMÁTICA DA GERAÇÃO

Ao propor um trabalho que tem como recorte principal uma obra de um poeta
como João Cabral de Melo Neto e uma Geração icônica como a de 1945, na qual
está inserido, sentimos a necessidade de refletir acerca da teoria geracional
moderna para conceituar melhor o nosso objeto.
Antes de falar sobre as teorias modernas, devemos atentar para a genealogia
do conceito “geração”3, o qual é um termo muito antigo, mas que ainda é muito
usado nos dias atuais. Conhecer a genealogia do conceito, assim como perceber
como ele é alterado no decorrer do tempo em virtude das necessidades e das
mudanças sociais, ajuda-nos a entender com mais propriedade o que este termo
representa e porque ele é usado na literatura.
Os gregos da Idade Clássica já faziam menção do termogeração, há
utilizações em obras atribuídas a Homero, como a Odisséia; vale salientar que,
nesse texto, a expressão aparece algumas vezes, demonstrando que existia um uso
constante no cenário grego Clássico. Destacamos a seguinte passagem da
Odisséia:

Agora, até a décima geração, um por um alimentariam;


tantos haveres do senhor havia em seu palácio.
Dele, disse-me que fora a Dodona, para do divino
carvalho alta-copa escutar a vontade de Zeus,
como voltaria para a gorda cidade de Ítaca. (HOMERO, 2019, p.311)

Percebemos que o termo, neste contexto, é aplicado para se referir à


descendência; esta forma de utilização é a mais “comum” em textos da Antiguidade,
pois o fator descendência era extremamente significativo social e religiosamente.
Sendo assim, essa forma de utilização do termo é compatível com as necessidades
daquele contexto histórico.
Assim como os escritos gregos, os primeiros livros da Bíblia Sagrada, de
autoria atribuída a Moisés, empregam diversas vezes o termo geração. É perceptível
que no Oriente Médio4 também se tinha uma preocupação, sobretudo, com o fator

3
É importante salientar que estamos discutindo o “termo” (conceito) e não o “vocábulo”.
4
Consideramos aqui que está parte da bíblia teria sido escrita logo após a saída dos Hebreus do cativeiro no
Egito, portanto sua escrita teria se dado em terras da atual Palestina e Possivelmente da Jordânia.
15

descendência, o qual se faz muito importante também para os “descendentes de


Abraão”5.
É comum que as pessoas vejam a Bíblia como “um6 livro” sem atentar para o
fato de que sua escrita se constituiu em um longo processo, pois vai de Moisés
(“aproximadamente 1500 a.C.” Gêneses, Êxodo, Levítico e Deuteronômio) a João
(“primeiro século d.C”. Apocalipse, Evangelho segundo João, além das três epistolas
de João). Atentando-se para isso, a Bíblia, pode-nos oferecer um mapa e uma linha
do tempo doMundo Antigo; outro fator que pode ser observado é que os Israelitas
foram dominados por diversos povos (Egípcios, Sírios, Babilônios, Persas, Gregos e
Romanos), sem contar a influência dos povos vizinhos (Cananeus, Filisteus, entre
outros), o que nos pode apresentar um mapa da difusão do termo Geração no
Mundo Antigo.
Com base nisto, podemos perceber que, embora haja um distancia
cronológica tão grande, é evidente que o termo geração, acompanha a história da
humanidade em diversos períodos da Antiguidade.
Verificamos este termo sendo usado em diferentes contextos na bíblia e com
funções distintas, inclusive para marcar períodos de benção e maldição.
Percebemos que em determinados contextos havia o costume de nomear as
gerações7.
Com base no que foi discutido até aqui, podemos constatar que o termo
geração se faz muito presente no Mundo Antigo e se mostra muito importante
naquele contexto histórico, mesmo que as necessidades da época fossem
genealógicas na perspectiva de descendência.
As expressões do termo geração não são modificadas durante o período
medieval, pois permanecia, neste contexto, a preocupação com a questão das
descendências das famílias, sendo assim, o termo não sofre significativas mudanças
durante este período histórico.
A mudança do estilo de vida da população européia no início da Ídade
Moderna fez surgir a necessidade de uma “adaptação” do termo em um sentido mais

5
Segundo a Bíblia Sagrada Cristã (Livro dos Gêneses, Capítulo, 12) , os descendentes de Abraão são
abençoados por conta de um promessa feita por Deus.
6
“Um” no sentido de numeral.
7
Podemos em um trabalho posterior problematizar o termo geração contido no discurso de Jesus no
evangelho segundo Mateus, todavia, demanda-se um foco maior do que o proposto aqui, fugindo de nosso
objetivo inicial.
16

sociológico, visto que as questões genealógicas, sozinhas, não estavam mais dando
conta do novo contexto social.
Questões que se sucederam desde o fim da Idade Média contribuíram para
amodificação do estilo de vida das populações européias; fatores como o aumento
da população urbana (devido ao Êxodo Rural) e as revoluções industriais
aumentaram e aceleraram o ritmo de vida dos europeus, neste contexto, aumenta
também a preocupação com o fator cronológico, o qual é decisivo nas sociedades, a
saber, Moderna e Contemporânea.
Um dos teóricos que mais se preocupou em pensar o “problema da Geração”
por um viés sociológico foi o espanhol Ortega y Gasset, somam-se a ele Julius
Petersen, Julián Marías, dentre outros.
Para Gasset (1966) o problema geracional não pode estar focado em
fenômenos da vida individual ou familiar, como se fez durante boa parte da história,
agora o foco recairia no social. A sociedade é impessoal, sendo assim, para o
teórico, o homem é regulado pela sociedade em que está inserido em determinado
momento histórico, todavia, o mesmo pode acrescentar à sua sociedade, fazendo
assim com que se torne dinâmica. Segundo Cunha (2010), a sociedade é
impulsionada pela força geracional e não pelo individualismo.
Fatores da teoria de Gasset (1966) como a impessoalidade e a submissão do
homem ao tempo, levam o teórico a propor o conceito de vigência, tal conceito
aponta que o homem nasce em um mundo sociamente pré-construído, ao qual o
individuo sente a necessidade de se adaptar, mesmo que alguns sujeitos
transgridam os padrões sociais. Portanto, como afirma Cunha (2010, p. 29), “[...]
nem tudo é possível a qualquer época e mesmo os grandes prodígios da história
estariam condicionados por um sistema de vigências”.
Para Ortega y Gasset o conceito de geração é o mais importante da história,
pois, como afirma Cunha (2010, p. 28):

[...] as variações sociais que são percebidas na história só podem ser


apreendidas a partir da geração. Uma geração seria, então, uma espécie de
célula social, quer dizer, a partícula que permite compreender a evolução de
todo o tempo histórico.

Neste sentido, falar de Geração é falar de um conceito complexo, mas


importante para se pensar as conjunturas sociais, assim como os contextos literários
de cada época.
17

No Brasil, quando se trata da problemática da Geração, um dos nomes de


destaque é Pedro Lyra, o qual desenvolveu um olhar sobre as teorias geracionais do
século XX em sua obra intitulada Sincretismo: A Poesia da Geração 60. Para Lyra
(1995), quando se pensa nas questões geracionais é deveras importante que se
considere também o fator genealógico e não somente o histórico, visto que o
segundo funda-se no primeiro, porquanto, para o autor, o fator histórico não elimina
o genealógico, pois, o homem histórico seria um produto da genealogia.
Em seus escritos, Lyra (1995), problematiza uma “minimização” do fator
genealógico por parte de dois teóricos que trabalharam este tema, a saber, Marías
(1949) e Donfut (1988). Lyra (1995) relembra que a “palavra Geração” alude a ação
de gerar, sendo assim, o teórico explica:

[...] atendo-se ao sentido etimológico da palavra, a questão geracional deve


começar a ser enfocada pelo fator genealógico.sob esse prisma, geração é
um conceito que compreende um conjunto finito de indivíduos agrupáveis
por uma mesma faixa etária determinada pelo temo necessário à sua
reprodução. Portanto, toda Geração abriga, num mesmo tempo-espaço
histórico, um grade número de pessoas [...] que só precisam ter em comum
o nascimento num mesmo arco temporal. (LYRA, 1995, p.25).

Além de problematizar o fator genealógico, Pedro Lyra enfatiza com clareza


que toda Geração é definida pelas questões de “nascimento” em determinado
período temporal, neste ponto ele se aproxima dos teóricos citados anteriormente.
O termo Geração, devido sua importância, adentra as questões literárias e
torna-se fundamental em determinados contextos, como o Modernismo brasileiro,
fixando-se no vocabulário da historiografia literária e obrigando ser estudado para
melhor compreensão desses movimentos estéticos.
Dentro deste contexto, em seu dicionário de termos literários, Massaud
Moisés (2004), dá uma grade importância para o termo no contexto literário, para
ele:

De qualquer forma, a apalavra “geração” além de definitivamente adentrar ao


vocabulário da teoria da literatura (ver crítica), torna-se muitas vezes
imprescindível, sobretudo quando se abrem questões de natureza histórica
ou histórico-ideologica.[...]O vocábulo “geração”, bem como os demais,
relacionados à historiografia literária, evolve uma complexa tarefa de
conceituação, deslinde e limitação, que nem sempre corresponde ao esforço
despedido. Sem dúvida, trata-se de um conceito útil e necessário ainda hoje
[...](MOISÉS, 2004, p.209).

Após destacar a importância do termo, Moisés (2004) lembra que a ideia de


Geração remete aos períodos da história antiga, mas o vocábulo remete ao século
18

XII, porém é no século XIX que a problemática ganha impulso. Eem relação à
definição do conceito, Moisés (2004) concorda, em certa medida, com os conceitos
propostos por Ortega y Gasset e seus filiados.
Portanto, com base no que foi discutido até aqui, observamos que
Geraçãocompreende um número finitos de indivíduos, os quais têm em comum, uma
proximidade nas datas de nascimento (LYRA, 1995). Podemos nos filiar a este
pensamento, considerado como o mais próximo a nossa visão teórica, para discorrer
acerca da chamada Geração de 45, cuja produção marcou a historiografia literária
brasileira.

2.1 Falhas na Aplicação do Conceito Moderno/ Sociológico

Ao estudar o conceito de geração pelo viés sociológico na modernidade,


percebemos que algumas confusões são feitas em relação à utilização do conceito,
tais confusões se dão, em certa medida, pelo uso amplamente difundido do termo
sem um devido aporte teórico. Sendo assim, como afirma Cunha (2010), o problema
da geração não é muito discutido,mas o termo é usado de forma rasa:

Apesar da recorrência do termo nos manuais de história da literatura —


muitas vezes, por comodidade, como diria o poeta João Cabral —, poucas
são actualmente as investigações que se debruçam sobre o tema ou
acrescentam novos enfoques às doutrinas geracionais. Esta escusa, por
parte dos departamentos literários, cada vez mais segmentados, ou mesmo
por parte dos investigadores, também se deve ao facto de que poucos
conceitos, em literatura moderna, podem ser alvo de tantas objecções.
(CUNHA, 2010, p. 55).

Com base neste argumento de Cunha (2010) percebemos que há uma


defasagem na aplicação desse conceito, mesmo que ele seja recorrente e de tanta
importância. Um fator causador de tal desinteresse em uma abordagem mais
profunda do problema da geração é apontado pelo autor em questão em uma
analogia:

Fazendo uma analogia com o mundo jurídico, poder-se-ia dizer que a teoria
geracional tem muitas “brechas” através das quais os seus acusadores
renegam a sua eficácia, fundamentalmente quando aplicada a grupos de
artistas ou literatos, quer dizer, o conceito de geração, que tende a
relativizar as individualidades, torna-se, deste modo, profusamente
susceptível a contestações. (CUNHA, 2010, p.55).
19

É sabido que em teorias, principalmente nas ciências humanas, há


discordâncias e “brechas”, no entanto, isso deve ser usado a favor do pesquisador, o
qual deve buscar problematizar e alcançar alternativas.
Os “deslizes” na utilização do conceito se acentuam quando o termo geração
começa a fazer parte do vocabulário literário e histórico-literário, pois, devido à
disseminação do termo neste novo contexto, passou-se a usá-lo de forma
inconsciente ou despreocupada.
No meio literário um dos pensamentos mais comuns acerca do termo geração
é concebê-la como um “grupo fechado” e marcado por características comuns como
classe social, ideologia política/artística, dentre outras coisas. Esta forma de pensar
sobre geração, segundo Lyra (1995), não atende à devida abrangência do conceito.
Segundo ele:

Uma pessoa da minha faixa etária pode não pertencer ao meu grupo, à
minha profissão; à minha forma de pensamento ou linha de conduta; pode
não partilhar dos meus ideais, mas – ou na minha cidade ou no extremo
oriente – pertencerá à minha geração, principalmente em face das
condições planetárias da vida humana em nosso tempo. (LYRA, 1995, p.
25-26).

O autor afirma que pensar em geração como um grupo, no qual seus


componentes têm certas afinidades, como as citadas anteriormente, resume muito o
potencial do termo, sendo assim, ele se filia a uma visão cronológica e descartas
outros fatores, no entanto, ele não nega que exista uma divisão de classes ou de
ideologias, existe, mas isso não é geração.
A falta de um conceito unívoco tem levado ao abandono dos questionamentos
em relação ao tema e às problemáticas da geração. Estas dificuldades de definição
já eram esperadas por teóricos geracionais 8, visto que se trata de um termo
amplamente utilizado no decorrer da história e que atingiu o uso popular, como
afirma Cunha (2010).
Para o autor, não há por parte das pesquisas atuais em literatura, uma
preocupação com a problemática do conceito, assim como de sua aplicação no
contexto literário, apesar de, segundo ele, ser um termo muito utilizado nos manuais
de história da literatura.
João Cabral de Melo Neto (2007) concorda que o conceito de geração tem
que levar em conta o fator etário, pois não acredita em geração como um grupo

8
Citados na sessão anterior.
20

político que se pode escolher que entra ou quem sai, quem pertence ou não; sendo
assim a visão de João Cabral se aproxima dos autores utilizados aqui.
Vale resaltar que, no contexto do uso cotidiano do termo geração, não há de
se considerar falhar seu uso no sentido genealógico, principalmente quando se
referir à descendencia de alguém, ou de alguma família. No entanto, observa-se que
no contexto lietrário a concepção genealogica não dá conta de se pensar as
questões de produção, publicação, estilo, dentre outras.

2.2 A Aplicação/ Explicação do Conceito: Fatores Internos

A aplicação do conceito de geração não é tarefa simples, principalmente se


olharmos que teóricos comoGasset (1966), Marías (1949) e Lyra (1995), apresentam
pontos de vistas diferentes sobre aspectos importantes para o conceito, como, por
exemplo, as questões de idade e de vigência. Não podemos ignorar, todavia, que há
pontos convergentes, os quais são, até certo ponto, suficientes para a aplicação de
um conceito de tamanha importância no Mundo Moderno e Contemporâneo.
Para compreender alguns aspectos do conceito de geração, faz-se
necessário problematizar fatores internos ao conceito. Encontrar um “fator” que seja
ponto de partida para uma discussão satisfatória consiste em um desafio, pois os
fatores internos ao termo estão ligados entre si e estabelecendo relações.
É importante que, antes de adentrar por um caminho mais problemático
comecemos por questões de menor complexidade. Segundo Lyra (1995) há dois
atributos substanciais em toda geração – o herdado e o próprio – o primeiro se
refere ao que determinada geração recebe da anterior, já o segundo se refere a
aquilo que certa geração tem de criar. Para Gasset (1966) a “identidade” de cada
geração depende de como se organiza internamente esses dois fatores.
Ora, segundo esses pensamentos, podemos entender como algumas
gerações (literárias) ganham um tom mais radical em relação à anterior, ou se
constituem como geração de extensão de conquistas. Podemos ter como exemplo
dessa equação de forma bem clara a primeira e a segunda geração do Modernismo
brasileiro, a saber, a Geração de 1922 e a Geração de 1930; a primeira tem a
predominância do fator criativo, sendo assim, tem a característica de ser incisiva em
21

questionar gerações anteriores9, em contrapartida, na Geração de 1930 predominou


o herdado, mas isso não quer dizer que não houve “criação” e “melhoramento”, isso
existiu, no entanto, não houve uma contestação incisiva em relação à geração
anterior.
Segundo Lyra (1995), a relação entre esses dois fatores conferem
individualidade às gerações e criam uma fisionomia geracional. Nesta fisionomia
estão contidos elementos e características próprias.
Com base nisso, podemos perceber que cada geração tem uma “obrigação”
de aperfeiçoar a anterior, então, pensar esses dois elementos se faz fundamental
para entender como cada uma das gerações assumem suas identidades,
fisionomias.
A fisionomia geracional vai ser fator determinante que possamos
problematizar a questão da fronteira entre gerações, ou seja, indivíduos com idades
próximas se encontram em regiões fronteiriças. Lyra (1995, p. 29) exemplifica que:

Exatamente como cidades num mapa – onde a história exerce o


mesmíssimo papel da fisionomia. E assim como a situação histórica é a
fonte primaria dos conflitos intra e inter nacionais, assim também a
fisionomia é a fonte primária dos conflitos intra e inter geracionais.

Sendo assim, é necessário atentar para a fisionomia de cada geração para


perceber quais são suas fronteiras, as quais podem ser nítidas ou quase invisíveis,
no entanto elas existem.
Ao discutir a questão das fronteiras, somos levados a retomar a discussão
acerca do termo vigência, o qual foi citado brevemente em sessão anterior. A
questão da vigência é um fator decisivo para compreender as questões pertinentes
ao todo do problema da geração, pois, para Lyra (1995) e Gasset (1966), a questão
da vigência de uma geração é um fator básico para se compreender a aplicação do
conceito sociológico do termo.
A vigência é o período em que uma geração se torna dominante entre duas
outras, a saber, uma que ainda não chegou ao período de estréia e outra que já
concluiu sua vigência. Sendo assim, segundo Lyra (1995) o período de vigência vai
do momento de estréia ou momento de rendição, no qual a geração vigente “passa o
bastão” para a próxima.

9
Estamos nos referindo às questões de rompimento com o Parnasianismo, assim como com outras estéticas
anteriores, questões defendidas pela primeira geração modernista.
22

Para um aprofundamento necessário em relação ao fator vigência, faz-se


indispensável discutir as “etapas geracionais”, ou seja, as etapas vitais de uma
geração. Neste caso, a problemática também não apresenta uma visão unívoca para
a definição de quantas etapas é constituída uma geração, nem tão pouco há um
consenso quanto à duração de cada uma, no entanto, buscamos discutir alguns
pontos das principais teorias dos autores que estamos trabalhando neste capítulo.
Certamente a questão do tempo de duração de uma etapa geracional é umas
das principais divergências que envolvem os teóricos desse tema. Para Gasset
(1966) o tempo estimado de uma etapa geracional seria de 15 (quinze) anos;
considerando o tempo proposto, a iniciação, etapa proposta por Gasset, aconteceria
dos 30 (trinta) anos até os 45 (quarenta e cinco), quando inicia o predomínio. Já
para Lyra (1995), o tempo de uma etapa geracional é de 20 (vinte) anos, pois, as
condições presentes elevaram a estimativa de vida produtiva de um individuo,
concomitantemente, o período de 15 (quinze) anos não seria suficiente.
Falado isso, é importante ressaltar que, apesar das discordâncias em relação
ao tempo, os teóricos citados acima concordam em relação à existência de cinco
etapas geracionais, as quais são fundamentais para a aplicação do conceito de
geração. Para Gasset (1966) as etapas são – Infância(até os 15 anos), Juventude
(até os 30 anos), Iniciação (até os 45 anos), Predomínio (até os 60 anos) e Velhice
(até a morte). Para Lyra (1995) são admitidas as seguintes etapas geracionais –
Adolescência (até os 20 anos), Juventude (dos 20 aos 40 anos), Maturidade (dos 40
aos 60 anos), Velhice (dos 60 aos 80 anos) e Senectude (dos 80 à morte).
Ambas as visões têm fundamentações lógicas que podem nos ajudar a
compreender a problemática geracional, claro que não esperamos atingir um
denominador comum, todavia, procuramos utilizar as visões dos autores para refletir
com cuidado acerca dessa problemática. Sendo assim, as duas visões
exemplificadas, apesar das diferenças10, são úteis para pensarmos o todo da
problemática geracional.
Considerando as reflexões feitas até aqui, e com base no que afirma Lyra
(1995), podemos afirmar que entender que a vigência, afirma-se como o período de
domínio de uma geração, entretanto, a atividade produtiva são se resume a esse
período de tempo.

10
Tais divergências não implicam em maiores problemas para o estudo aqui proposto.
23

A problemática da geração ainda acolhe em seu repertório termos mais


gerais, todavia, são importantes para a compreensão e aplicação do conceito. Não
poderíamos deixar de citar dois termos que nos serão úteis para pensar
procedimentos a seguintes. O primeiro a ser destacado é otermo coetâneo, o qual
faz referência a indivíduos com a mesma idade ou idades próximas; o segundo a ser
destacado é o termo contemporâneo, o qual se refere aos indivíduos que vivem em
um mesmo momento histórico.
Uma geração pode conviver com outras em um mesmo momento histórico,
sendo assim, indivíduos de diferentes gerações podem participar de uma mesma
cena histórica, no entanto, com papeis diferentes. As gerações podem conviver
como contemporâneas, mas não como coetâneas, pois suas etapas não são as
mesmas em determinada momento histórico, ou seja, um avô, que pertence a uma
geração X, pode ter contato com seu neto, que pertence a uma geração Z, no
entanto, as etapas geracionais em que cada um está inserido divergem.
Ora, pode haver uma convivência entre as gerações diferentes um mesmo
momento histórico. Lyra (1995) aponta para dois termos que podem explicar esse
fenômeno, a saber, sucessividade e simultaneidade. O primeiro se refere ao
andamento das etapas geracionais, enquanto o segundo se refere à coexistência de
gerações. Lyra (1995, p.34) nos traz um quadro que exemplifica o dito aqui:

Quadro 1

Fonte: Pedro Lyra (1995). Sincretismo: a poesia da geração 60.


24

O quadro de Lyra (1995) mostra na horizontal a linha da sucessividade


geracional, enquanto na vertical há a linha da simultaneidade. Todas as gerações
apresentam a mesma sucessividade, mas em momentos diferentes, entretanto, há o
momento em que as gerações se encontram simultaneamente.
Apesar de complexo e repleto de lacunas, o conceito geracional necessita de
reflexões acerca de sua aplicação, principalmente quando nos referimos à sua
aplicação no campo da literatura. Os conceitos debatidos aqui visaram trazer
compreensões que nos ajudaram em capítulos posteriores.
25

3 A GERAÇÃO DE 45

É difícil conceituar precisamente a chamada Geração de 1945 na literatura


nacional, visto que os próprios artistas, participantes dela, não conseguiam defini-la
com exatidão, diferentemente da primeira geração modernista, na qual havia uma
série de manifestos em prol daquele novo modo de fazer poético, assim como um
“espírito”, mesmo que não unívoco. Os manifestos existiram em relação à Geração
de 45; houve encontros e até congressos, mas é observável que há sérias
divergências entre nomes importantes da geração, fato que dificulta uma definição
precisa.Em artigo publicado na revista Inventário,Wladimir Saldanha dos Santos e a
professora Lígia Guimarães Telles falam sobre essa não organização da geração:

[...] O grupo de 45 não se articulou de forma consensual em torno de


“manifestos” − embora também os tenha conhecido; não cultivou uma
postura iconoclasta em relação aos poetas que lhe precederam –
especialmente ao núcleo imediatamente anterior, que começara a publicar
em torno de 1930; não se reconheceu precursor de nenhum outro grupo,
não fez “herdeiros” – e isto a despeito de João Cabral de Melo Neto, em
mais de uma oportunidade, ter manifestado simpatia em relação aos
concretistas; pois também deixou dito num poema que sua poesia era “sem
discípula” (SANTOS & TELLES, 2019, p. 3).

Neste trabalho visamos um corte para um aprofundamento maior no que diz


respeito à produção lírica, no entanto, mencionaremos nomes considerados
fundamentais para pensar a Geração 45 também nas produções em prosa11.
De antemão, é preciso deixar claro que se trata de uma geração plural no que
diz respeito ao fazer poético, sendo assim, o que se aplica a um dos autores pode
ou não servir para caracterizar as produções como um todo.
Há, entretanto, diferentes formas com as quais críticos tentam desvendar este
momento artístico, a mais comum é mencionar as características das obras de dos
principais autores do período em busca de semelhanças; a intenção é alcançar uma
possível “nota dominante”. De certa forma nos filiaremos a esse método para tentar
explicar o fenômeno de 1945.
Levando em consideração as menções acima, este capítulo visa caracterizar
brevemente a Geração de 45. Para isso, utilizaremo-nosde uma breve
contextualização histórica que é fundamental para pensar o processo no qual a
Geração de 1945 está inserido; em seguida procuramos discutir acerca de uma
possível “nota dominante” no contexto estético da geração, assim como procuramos

11
Citaremos autores quando for necessário, contudo, não focaremos detalhadamente em nenhum nome.
26

mostrar as principais “dissonantes”presentes neste momento; como um terceiro


passo, temos a importante tarefa de listar os principais autores desta geração, além
de refletir com maior ênfase sobre as características de nomes que consideramos
icônicos para a geração12.

3.1 Contextualização Histórica

Nesta sessão, temos a intenção de contextualizar de forma sucinta a Geração


de 1945. Para tanto, surgiu à necessidade de traçar um percurso que foge da
simples caracterização da geração isoladamente, ou seja, precisamos mencionar de
forma breve, acontecimentos anteriores a 1945 e até ao próprio Modernismo que
contribuíram para que45 se tornasse um marco na historiografia literária brasileira.
Assim, visamos passar por “caminhos” pouco percorridos em
contextualizações de trabalhos acadêmicos e fazer uma pequena linha do tempo
estética-histórica e social que ajude a compreender de forma lata o estabelecimento
da Geração de 1945.
Sabemos que cada momento histórico tem sua concepção de literatura, isso
fica claro em qualquer manual de história literária. Mas é fundamental observar
como essas visões acerca dessa arte são construídas e reconstruídas no decorrer
do tempo.
Sendo assim, não podemos deixar de mencionar a importância de
“movimentos estéticos” que, a nosso ver, contribuíram grandemente para a
construção da poesia do Modernismo brasileiro. Assim, em seu artigo Do Barroco ao
Modernismo: O Desenvolvimento Cíclico do Projeto Literário Brasileiro, Affoson Ávila
(2002), um dos pertencentes à Geração de 45, contemplaalgumas contribuições
importantes de outros movimentos; sobre a compreensão do Modernismo como um
“movimento Isolado” ele adverte:

Um momento em que se pretendeu considerar o Modernismo como um fato


literário autônomo, desvinculado das linhas gerais de desenvolvimento do
processo de nossa literatura. Deu-se ênfase, com isso, ao aspecto de
ruptura que o movimento realmente assumiu na sua radicalidade, omitindo,
porém, uma tal atitude, a evidência crítica e histórica de que todo passo
criativo do homem não a margem da fatalidade datransformação inerente ao
organismo vivo da cultura. (ÁVILA, 2002, p. 29).

12
Temos plena consciência de que não há como discutir em um trabalho como este de maneira alongada sobre
cada um dos nomes importantes para a geração, todavia, os autores que trazemos com maior espaço possuem,
a nosso ver, especificidades que merecem maior espaço para a discussão.
27

Em literatura, há sempre “retomadas”, não se cria um movimento estético do


“nada”, visto que, o passado é sempre revisitado, tanto para ser reafirmado, quanto
para ser negado. A tradição é um fator a ser examinado cuidadosamente quando se
fala em um determinado movimento estético, pois alguns deles podem surgir por
conseguência ou em detrimento de outros.
Neste trabalho, citaremos alguns movimentos que se demonstraram
importantes nesse processo de constituição do Modernismo Brasileiro. Ávila (2002)
destaca a importância do Barroco, colocando-o como o movimento fundador da
literatura nacional, inovando em relação ao que se produzia em Portugal; segundo o
autor, o Barroco constituiu um processo de “apropriação”13. Ávila (2002) destaca a
importância da obra de Gregório de Matos para a construção de uma poesia
nacional. Sendo assim, não podemos ignorar que houve contribuições feitas a “logo
prazo” das quais os artistas modernistas tiraram proveito, portanto, achamos
fundamental marcar o Barroco como um movimento que contribuiu para essa
construção de uma arte literária brasileira com uma identidade própria.
Não poderíamos deixar de citar a importância do Romantismo em uma
contextualização como essa, visto que tal movimento criou uma verdadeira
revolução na literatura, principalmente no que se refere ao rompimento com os
padrões do gosto clássico:

No movimento romântico, que se desenvolveu entre as duas últimas


décadas do século XVIII e os fins do século XIX, quando, num período de
cronologia oscilante, verificou-se a grande ruptura com os padrões do gosto
clássico, perlongados através do neoclassicismo iluminista, fundiram-se
várias fontes filosóficas, estéticas e religiosas próximas, e reabriram-se
veios mágicos, míticos e religiosos remotos. Pela variedade de seus
aspectos, extensivos, para além da literatura e da arte, a todas as
dimensões da cultura, pela divergência das posições contrastantes que
abrangeu, o Romantismo foi, na verdade, uma confluência de vertentes até
certo ponto autônomas, vinculadas a diferentes tradições
nacionais.(NUNES, 2002, p. 52).

Como também podemos ver em Benjamim (1989), os românticos


estabeleceram novos parâmetros e apresentaram novas possibilidades ao fazer
artístico, além de ter inovado em reação à compreensão de arte e crítica. As
contribuições dos românticos reverberaram nos simbolistas e até nos modernistas.
Podemos perceber que existe forte influência de outros movimentos estéticos
que contribuíram para que se culminasse no Modernismo do jeito que ele se formou

13
Para o autor o Brasil passa a ter uma literatura nacional e nacionalizada
28

no Brasil; constituído por três fases, assim como por uma etapa anterior que não é
considerada por maior parte dos historiadores de literatura como um movimento
estético (pré- modernismo), o modernismo brasileiro é um dos pontos altos de nossa
literatura, sendo um forte marcador da identidade literária brasileira.
O período que antecede o acontecimento da Semana de Arte Moderna de
1922 é denominado de pré-modernismo e consistiu em um período de produção
abundante e com diversidade surpreendente. Esse momento da história da literatura
brasileira reuniu nomes importantes, sobretudo na prosa, tais como Euclides da
Cunha, Monteiro Lobato e Lima Barreto. O artista Graça Aranha também é
considerado um antecessor do modernismo, apesar de ter sido o proponente da
Semana de Arte Moderna após sua eleição para a Academia Brasileira de Letras.
Além dos acontecimentos literários que influenciaram e fizeram parte do
contexto de formação do Modernismo brasileiro, é importante atentar para o
contexto político e social em que os artistas participantes da Semana de Arte
Moderna (Geração de 22) estavam inseridos.
No Brasil recentemente republicano14 havia uma forte ascensão da classe
média paulista, a economia nacional estava “caminhado relativamente bem”,
sobretudo nos grandes centros do sudeste.
A recém proclamada República apresentava falhas que a tornavam pouco
democrática. Fatos como o não direito do voto feminino, além da falta de políticas
públicas para resolver a situação da população negra recém alforriada marcavam
uma democracia frágil e inexperiente.
A República brasileira carecia de uma identidade, a qual viesse a consolidá-
la no cenário nacional, por isso buscava em ideais norte-americanos e franceses de
república as soluções para seus problemas e esquecia-se dos citados
anteriormente.
Outros fatores se mostravam preocupantes e antidemocráticos, como pode se
notar na questão da política coronelista do interior, a qual guiava a população a votar
em candidatos pré-determinados, pois não havia voto secreto e tão pouco
segurança ou fiscalização que visasse coibir fraudes. Sendo assim, os populares
“votos de cabresto” tinham papel de destaque na República Velha.

14
A proclamação da república tinha ocorrido em 1889, apenas 33 anos atrás.
29

O período conseguinte aos governos do Marechal Deodoro da Fonseca e do


Marechal Floriano Peixoto, os dois primeiros presidentes do Brasil, ficou conhecido
como República Velha, Primeira República ou República do Café com Leite. O
último nome remete ao acordo dos paulistas (produtores de café) e mineiros
(produtores de leite) para se revezar na vaga de presidente do país. A fragilidade
das instituições era usada para perpetuar políticos das principais economias e
colégios do país no poder.
É nesse contexto que os primeiros modernistas produzem, influenciados,
sobretudo, pelas vanguardas européias e pelo desejo de criar uma arte que
rompesse de vez com o passado. O primeiro momento do modernismo brasileiro não
se resume à literatura, todavia, nosso recorte focará nela, sendo mais especifico
com suas manifestações líricas.
Como já foi mencionado, o Brasil do início do século XX vivia um período de
desenvolvimento nas grandes cidades do sudeste, o que acarretou em um
crescimento da classe média, especialmente paulistana; o desenvolvimento
possibilitou que muito mais jovens pudessem ir à Europa.
Ao chegar à Europa os jovens deparavam com as Vanguardas européias da
época, os jovens que tinhas aspirações artísticas se inspiravam com as novidades
vindas, sobretudo, da França, na época a capital cultural do mundo ocidental. As
influências européias despertaram em poetas brasileiros a vontade de renovar a
poesia nacional, isso seria alcançado mediante uma revolução no fazer poético15.
Poetas significativos da Geração de 1922, a exemplo de Mário de Andrade e
Manuel Bandeira estiveram na Europa e trouxeram novas ideias e começam a
propor mudanças no fazer poético, assim como buscavam uma ruptura com as
formas parnasianas, as quais eram consideradas esgotadas pelos Modernistas da
primeira geração.
O clima era considerado propício para uma mudança radical, com uma
ruptura violenta; artistas de diversas artes(Anita Malfatti, na pintura; Vila Lobos, na
música; além dos escultores e poetas) procuravam um momento para abalar o
cenário nacional. Faltava um “marco” para fixar na memória coletiva a ascensão do
novo movimento.

15
Sabemos que o Modernismo não se resumiu à literatura, nem tão pouco, à poesia, no entanto, nosso recorte
visa contemplar a lírica da geração.
30

O marco viria com o acontecimento da Semana de Arte Moderna, a qual


aconteceu em São Paulo. Um dos promotores ilustres do acontecimento foi Graça
Aranha, artista da literatura recém eleito para ocupar uma cadeira na Academia
Brasileira de Letras.
A poesia da primeira geração se caracterizou por uma ação combativa em
relação ao Parnasianismo, corrente estética antecedente, sendo assim, a poesia
ganha liberdade dos aspectos formais e o poeta passa a ter uma autonomia maior
para criar. Um poema ícone desta fase é com certeza Os sapos de Manuel
Bandeira, em seus versos, o poeta critica a poesia parnasiana:

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,


Berra o sapo-boi:
— "Meu pai foi à guerra!"
— "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo


Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos!

O meu verso é bom


Frumento sem joio
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos


Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas . . ."

Urra o sapo-boi:
— "Meu pai foi rei" — "Foi!"
— "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!"

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
— "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
31

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
— "Sei!" — "Não sabe!" — "Sabe!".

Longe dessa grita,


Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;

Lá, fugindo ao mundo,


Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,


Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio.
(BANDEIRA apud FUKS, 2019, p.1)

O poema transparece o rigor combativo e o apego à proposta de construção


de uma nova poesia brasileira. Bandeira, assim como os demais poetas de sua
geração, buscava transformar o fazer poético; Coutinho (2004) intitula a Geração de
1922 como “fase de ruptura”16.
Como a literatura não está desvinculada da sociedade, é normal que as
mudanças no sócio-político afetem as formas de se produzir, pois podem criar as
condições para que determinado estilo possa progredir.
A década de 20 foi importante para a fixação do Modernismo no Brasil, no
entanto o país estava prestes a vivenciar uma brusca mudança política, a qual
afetaria todos os setores da sociedade.
No final da década de 1920, a política do café com leite entra em crise. São
Paulo e Minas Gerais, não têm um acordo sobre a sucessão presidencial, fato que
gera um mal-estar nacional e uma oportunidade para mudar o contexto político. Na
ocasião, o estado de Minas Gerais queria a indicação do governador Antônio
Marcos, porém o estado de São Paulo indicou seu governador Julio Prestes,
apoiado pelo então presidente Washington Luiz. Após a vitória de Prestes, houve um
descontentamento que levou alguns estados, como Minas Gerais, Paraíba e Rio

16
As poucas características dessa geração compõem aquilo que achamos necessário para discutimos o nosso
objeto neste capítulo, a Geração de 1945.
32

Grande do Sul a se unirem em torno de um nome para tomar o poder. Getúlio


Vargas foi escolhido e tomou o poder em 3 de novembro de 1930, data chamada
pelos vitoriosos de Revolução de 30.
É nesse contexto de mudanças radicais que jovens poetas começam a
publicar e formar a Geração de 1930. A prosa da geração se destaca, sobretudo,
com temas regionalistas e de cunho social; na poesia, nomes como Carlos
Drummond de Andrade e Murilo Mendes se tornam destaque no cenário nacional e
servem de exemplo para outros poetas; João Cabral, por exemplo, menciona
Drummond como o maior poeta brasileiro. Com uma poesia sucessora da grande
revolução de 22, os poetas aprimoraram técnicas e consolidaram ainda mais a lírica
modernista.
Em 1945 o mundo vive um momento impar, chega ao fim o período mais
traumático da humanidade, a Segunda Guerra Mundial, no Brasil acaba o “Regime
Vargas”, que assumira o poder em 1930. A Europa começava sua reconstrução,
enquanto o Brasil passava por um processo de redemocratização.
Em um contexto de reconstrução no cenário mundial, marcado pelas
cicatrizes da guerra e pela redemocratização nacional, os poetas da chamada
Geração de 1945, começam a produzir a poesia que marcará a terceira fase do
Modernismo brasileiro.

3.2 As Características da Geração de 45

No período histórico de meados de 1945, surgiu uma terceira fase do


Modernismo brasileiro, a qual marcaria a literatura nacional por ser considerada
como a Geração que traz à poesia moderna uma preocupação mais formal, isso
principalmente quando falamos de nomes como João Cabral de Melo Neto e
Domingos Carvalho da Silva. Todavia, a Geração de 1945 não se constituiu como
um movimento “neoparnasiano”; seria antes de tudo uma continuação da estética
moderna; segundo Lins apud Coutinho (2004),os poetas estavam preocupados em
restabelecer a forma artística e bela como uma evolução dentro do gosto de seu
tempo.
Alguns poetas entendiam que existia naquele momento histórico uma “nova
poesia no Brasil”, uma nova forma de fazer artístico que diferenciaria os poetas que
começaram a publicar em meados do fim da Segunda Guerra Mundial. Domingos
33

Carvalho da Silva organizou no ano de 1948 o I Congresso Paulista de Poesia. Para


Édison José da Costa:

A motivação para o empreendimento é anunciada de maneira clara por seu


idealizador em conferência que intitula "Há uma Nova Poesia no Brasil" e na
qual propõe a denominação que passa a designar o grupo de poetas
surgidos ao redor do término da 2ª Guerra Mundial. Domingos Carvalho da
Silva tem em vista livros que Lêdo Ivo, Bueno de Rivera, João Cabral de
Melo Neto, Geraldo Vidigal, Péricles Eugênio da Silva Ramos e ele próprio
haviam publicado.(COSTA, 2017, p.54)

Estava se formando nos poetas da época uma consciência de que faziam


parte de algo diferente na literatura nacional, mesmo que os coetâneos não
compartilhassem das mesmas ideias em relação à arte e ao fazer artístico, era
visível que estava vigente uma nova forma de poesia no cenário nacional. De fato,
nunca houve uma unanimidade entre os poetas para definir aquela geração, assim
como suas características e sua atitude diante de outras gerações17.
João Cabral vê a Geração de 1945 como uma continuação do que se vinha
propondo em fases anteriores do Modernismo. Ele afirma:

Uma geração pode continuar a outra. A poesia dos poetas brasileiros que,
nascidos no princípio do século, estrearam por volta de 1930, quando a face
mais agudantemente destruidora dos modernistas de 22 estava superada,
não foi dirigida contra as ideias da Semana de Arte Moderna. Ao contrário –
partiram deles, dos pontos de partida que eles haviam fixado no meio de
seu combate. E não me consta que alguém, em nome da necessidade de
renovação pela revolta, houvesse exigido desses poetas de 1930 o retorno
ao que se existia antes de 1922. (MELO NETO, 2007, p. 2).

De fato, é perceptível que João Cabral acreditava em uma “evolução” da


poesia, assim como defendia que para que uma geração se consolidasse não teria
necessariamente que negar ou contradizer uma preexistente, antes, na visão de
Cabral, a poesia poderia também ser feita de continuidades. Outro fato observável e
nítido, é que, ao se referir à continuidade, o poeta se aproxima à sua geração
antecessora (1930), sendo que essa seria uma continuidade de 1922.
Para os historiadores da literatura, especialmente Coutinho (2004), uma das
características encontradas nos principais poetas da Geração de 45 que pode se
tomada como uma “nota dominante”, no contexto geral, é o fato da retomada do
rigor formal à poesia, mesmo depois da inquestionável consolidação do verso livre
na primeira fase do modernismo.

17
As visões acerca de outras fases do modernismo serão melhor explicadas posteriormente no corpo deste
texto.
34

O rigor pretendido pela Geração de 1945 se diferencia do parnasiano, pois


não se encontra esgotado ou petrificado, antes seria, segundo Lins apud Coutinho
(2004), uma evolução dentro do próprio modernismo, buscando se adaptar ao gosto
estético do novo tempo. Sendo assim, a geração não retomou o pensamento da
forma pela forma, mas associou a estética da forma às conquistas da Geração de
1922.
A luta e o engajamento contra as formas “esgotadas” e concepções
parnasianas de poesia (luta da Geração de 22), levou ao pensamento errôneo de
que a mesma se tornaria uma completa anarquia, e qualquer um, se um esforço
artístico, poderia fazer poesia modernista. Alguns poetas como Manuel Bandeira e
Mário de Andrade já advertiam que a liberdade e a subjetividade não poderiam ser
usadas como pretextos para o abandono do trabalho com a linguagem. Segundo
Coutinho (2004, p. 197):

[...] muito de cujos poetas sabiam, tecnicamente, o que estavam fazendo,


ou, se usava forma na aparência desleixada, usavam-na teleologicamente
com finalidade definida. A conversão do desleixo em sistema é que
ameaçava torna-se grave, pois a ideia que vinha fazendo do modernismo
era a de que este se confundia com a mais completa desordem de redação.

Podemos concluir que a poesia modernista da Geração de 22 não era uma


desordem total e havia certa preocupação com o fazer poético, todavia, a
necessidade/vontade de combater intensamente os ideais parnasianos levou ao
pensamento errôneo de uma poesia anárquica. Portanto, ver-se que a Geração de
1945 não negou totalmente os ideais de 22, antes os associou à necessidade
estética de pensar também a forma.
Dando “novos rumos” ao fazer poético, fugindo da pura subjetividade e lirismo
exacerbado, buscando uma poesia com mais de “artesanato”; os poetas de 1945
acabaram por construir uma ideia de poesia que aliaria a forma às conquista de
1922. A preocupação de ver a poesia como artesanato voltaria a ser importante no
cenário de 45, mesmo sem desconsiderar as gerações passadas, 22 e 30; sobre
isso Coutinho (2004) pontua que a visão que os poetas de 45 tinham dos de 30 era
a de admiração, no entanto, apesar de serem vistos como excelentes líricos eram
considerados fracos artesãos.
Certamente, o nome mais representativo em se tratando da concepção de
poesia como artesanato, é João Cabral de Melo Neto, um dos pertencentes à
Geração de 1945. Cabral (2007) afirmava que não vê uma fronteira entre o
35

artesanato e a arte. Para ele, o artista é como um fabricante de sapatos. Castelo


(1996) em sua obra João Cabral de Melo Neto o Homem sem Almatrata dessa
forma, nada convencional, de como o poeta vê a poesia como um “trabalho”, mais
transpiração do que inspiração.
Havia de fato, na Geração de 1945, certa preocupação com o fazer poético,
não só por parte do João Cabral – para quem o fazer literário era uma obsessão que
fazia parte da própria escrita – como também por outros nomes importantes da
geração18. Se as gerações anteriores estavam mais preocupadas com aspectos
subjetivos do fazer poético, a Geração de 45 encontra um terreno mais tenso que
exige uma reinvenção do poeta e da poesia. João Cabral afirma:

Para o poeta de 1930, o que havia a fazer era cantar, simplesmente. Não
havia uma sensibilidade criada, como sua exigência, sua preferência por tal
ou qual forma. A eles é que competia criar essa sensibilidade. Eles estavam
colocados numa posição especial. Naquele momento coincidia a criação de
sua poesia pessoal coma a criação de uma nova poesia brasileira, com
suas novas formas, sua mitologia, sua sensibilidade, isto é, seu
público.(MELO NETO, 2007, p. 5).

João Cabral admirava o trabalho de alguns poetas de 30, principalmente o


Carlo Drummond de Andrade. Cabral reconhece a importância da obra deixada por
gerações anteriores, entretanto a poesia de 45 teria um novo desafio em um novo
tempo e com novas demandas.
Estas características citadas até aqui, em comparação com outras gerações,
fazem com que possamos, mesmo que não com total precisão, identificar aspectos
de semelhança entre os principais poetas da geração, entretanto, notamos que
alguns dos artistas são marcados mais fortemente por determinada característica.
Quando se fala em geração de 45 é comum que as pessoas associem à lírica
e as produções de poetas como João Cabral e Lêdo Ivo, por exemplo. A memória
coletiva tem a primeira imagem dessa geração como uma “geração da poesia”, em
contraponto à lembrança da literatura de 1930 como a literatura do romance.
Quando se analisa esses dois momentos do modernismo brasileiro se pode ver que
em ambos existem artistas de alta repercussão no cenário literário nacional.
Como já mencionamos anteriormente este trabalho foca seu recorte nas
produções líricas da Geração de 1945, todavia, é importante mencionar que neste

18
Citados na próxima seção, a exemplo de Lêdo Ivo, Domingos e Geraldo Vidigal.
36

período houve grandes nomes na prosa também. Autores como Clarice Lispector e
Guimarães Rosa fizeram parte dessa zona temporal.
Assim como a poesia, a prosa de 1945 não foi unânime e apresenta diversas
características em escritores que se destacam por sua individualidade, sendo assim,
seguimos João Cabral de Melo Neto (2007) quando afirma que a literatura moderna
é individualista. A prosa de 1945 se constitui de fato como uma literatura de alta
qualidade, porém altamente individual, com autores que consolidaram formas de
escrita por vezes distintas, mas muito apreciadas.
Quando se surge um movimento estético literário, ou uma nova fase
pertencente a um determinado movimento,é comum procurarmos “notas
dominantes” e manifestos que especifiquem o que são de fato esses movimentos ou
essas fases, assimcomo, o que elas têm de diferente daquelas que a precederam.
Essa é uma estratégia didática e eficiente para a memorização e o aprendizado,
todavia, uma geração não pode ser confundida com um “movimento”, se olharmos
pelo viés das teorias geracionais, a geração independe de convergências no modo
de fazer algo, diferentemente de um movimento, o qual busca uma unidade nas
concepções adotadas.
Essas “confusões” envolvendo a utilização do termo geração provocaram
diversos debates entre os pertencentes à Geração de 1945, dentre elas podemos
citar as opiniões de João Cabral de Melo Neto e Lêdo Ivo, dois nomes importantes
para 1945.
Em entrevista no ano de 2004, como podemos observar em Ivo apud Santos
&Teles (2019), Lêdo Ivo nega uma possível “invenção” da Geração de 1945, ele
deixa transparecer em seu discurso que tem a compreensão de “geração” como um
possível “sinônimo” para um movimento político literário. O poeta alagoano estava
respondendo a uma afirmação de João Cabral “Quando Lêdo Ivo inventou a geração
de 45 eu estava na Espanha. No Brasil, nunca participei de política literária
nenhuma” (MELO NETO, 2007, p. 36).
Enquanto João Cabral ironiza a criação de uma política literária, Lêdo Ivo
mostra que há no ar uma compreensão de “geração” que foge ao proposto por
Ortega y Gasset e demais teóricos geracionais. Essa visão de geração não é
exclusiva do Lêdo Ivo, ao contrário, se mostra comum no meio literário.
João Cabral de Melo Neto se apropria com mais veemência das teorias
geracionais, principalmente da escola espanhola, aliás, o poeta viveu algum tempo
37

de sua vida no país europeu, pelo qual desenvolveu certo vínculo afetivo. Para
Cabral, fazer parte de uma geração não significa ser participante de determinada
política literária, pois seus conceitos apontam que o pertencimento a uma geração é
definida por meios cronológicos:

Sim, eu sou da Geração de 45 porque nasci em 1920 [...], acontece que


quiseram fazer dessa Geração uma espécie de grupo, um clube. Essa
Geração de 45 adotava pessoas, expulsava pessoas, era uma coisa de
política literária no sentido mais provinciano, no sentido mais barato. Eu não
sou da Geração de 45 no sentido de haver feito a política literária da
Geração de 45, que era o que havia de mais ridículo e medíocre. (MELO
NETO, 2007,p.36).

A afirmação de João Cabral deixa transparecer que houve uma tentativa de


enquadrar os poetas que publicavam em meados de 1945 em uma espécie de clube
com normas e um estilo a ser seguido.
Conclui-se, portanto, que é possivelmente insuficiente uma caracterização da
Geração de 45 em termos mais gerais do que os abordados aqui, no entanto, o que
se pode perceber na geração, como nomeia Coutinho (2004), é a formação de uma
III fase esteticista dentro da poesia do Modernismo brasileiro.

3.3 Principais Vultos e Obras

O período de 1945 foi um momento de grande produção literária, neste


sentido, a poesia ganha destaque por autores e obras que representam uma
verdadeira revolução no fazer poético; não há dúvidas de que o nome mais
significativo desta geração é João Cabral de Melo Neto, com uma poesia que difere
de outros autores que produziram suas obras até o momento 19.
Não poderíamos deixar de mencionar, mesmo que de forma breve, a prosa
deste momento histórico, visto que se mostra muito importante para a historiografia
literária brasileira; Guimarães Rosa é o autor destaque desta geração, sua prosa
densa com um elaborado trabalho com a linguagem fez das obras “rosianas”
verdadeiras “fontes de linguagem”, pois traz para o interior da obra de arte os frutos
de suas pesquisas20. Mesclando, ora a norma culta, ora os falares populares;
Guimarães Rosa soube unir duas categorias de linguagem distintas e com elas tecer
tramas densas e muito bem construídas.

19
Falaremos do poeta com mais profundidade no próximo capítulo.
20
Guimarães Rosa pesquisava as regiões, costumes e falares dos lugares onde se desenvolveriam suas tramas,
por isso é, além de grande escritor, um revolucionário no fazer e pesquisar.
38

Os dois principais nomes desta geração, um no verso e outro na prosa, são


extremamente opostos quanto a suas construções literárias. No entanto, apesar das
diferenças antagônicas, os dois autores desta geração marcaram por sua qualidade
estética e a construção de uma careira firme. João Cabral de Melo Neto, o poeta da
“construção em pedra”, da “escassez”, do “quanto menos, melhor”, do “concreto” e
do “palpável”; entra em contraste com a densidade das obras de Guimarães Rosa,
ricas em linguagem, e de possibilidades tão vastas quanto “o sertão que não tem
fim”. Opostos no fazer literário, mas excelentes em suas individualidades de
propostas.
Nada melhor do que começar falando desses dois grandes gênios que
fizeram parte da Geração de 1945, porquanto transparecem a riqueza do fazer
literário deste período histórico. Porém, não podemos afirmar que a estética de 1945
girou em torno desses dois autores, visto que foi um período de grade diversidade
de produções, contendo diferentes propostas estéticas.
Neste trabalho propomos um recorte desta geração focando nas obras em
verso para que possamos dar maior ênfase no que foi produzido neste período. Esta
eleição do gênero lírico se dá por questões didáticas, não anulando e tão pouco
negando o que foi produzido na prosa.
Um trabalho de seleção de autores e obras nos leva sempre a pensar nos
perigos de cometemos apagamentos em relação a alguns outros, visto que em uma
geração, como a de 1945, há uma produção muito vasta e espalhada por diversos
cantos do país. A ação de pesquisar, selecionar e comentar torna-se um desafio
difícil de ser vencido, principalmente quando o pesquisador tem o cuidado de
investigar a fundo as produções.
Para a construção de uma sessão como esta, temos muitas demandas em
relação à esquematização dos autores que tem de ser comentados. Como fonte de
pesquisa, recorremos a alguns manuais de história da literatura, a saber, Bosi (2006)
Coutinho (2004) e Nejar (2011) para compor essa lista dos nomes mais importantes
para a Geração de 194521. De antemão, é necessário informar que João Cabral de
Melo Neto não será citado nesta seção, pois há um espaço específico para ele e sua
obra.

21
É importante ressaltar que este trabalho detalhará com mais propriedade cinco autores, mas não nega a
existência de outros ou tenta fazer qualquer juízo de valor.
39

Lêdo Ivo
Como um dos nomes mais significativos da geração de 45 se destaca o
alagoano Lêdo Ivo, nascido em Maceió no ano de 1924. Lêdo Ivo foi poeta, cronista,
contista, ensaísta, romancista, ensaísta e crítico; também atuou como tradutor e
jornalista.
Como obra de estréia publicou em 1944 Asimaginações, mas, segundo
Coutinho (2004), é na obra Ode e elegia (1945) que o poeta revela seu poder verbal
que marcará sua carreira literária. A poesia de Ledo Ivo acaba ganhando a
“aparência de fogo de artifício” (COUTINHO, 2004, p.210). Além do poder verbal,
outra característica que marca a obra de Lêdo Ivo é a forte adjetivação.
Lêdo Ivo, como outros nomes da Geração de 45, opta por voltar à formalidade
na escrita, sendo assim, os sonetos são retomados em sua obra, como também vale
ressaltar que os decassílabos assumem papel importante em obras como Ode e
elegia. Essa retomada do rigor formal por parte do poeta não torna sua poesia
“esgotada”, como se referiam aos parnasianos, antes a visão que se Lêdo tem da
poesia, durante maior parte de sua produção, é a de “um convite à aventura”, afirma
Coutinho (2004, p.212).
Outra característica marcante em sua obra é a fluidez da linguagem,
peculiaridade que leva Lêdo Ivo a uma escrita, neste sentido, oposta a de um João
Cabral de Melo Neto, o qual preferia que a linguagem não fosse tão fluida 22. O fato é
que Ledo Ivo marcou seu nome como um importante poeta da geração de 1945,
sendo citado por João Cabral como o “criador de um movimento”, fato negado
veementemente por Lêdo Ivo.

Domingos Carvalho da Silva


O poeta Domingos Carvalho da Silva é considerado por muitos como o
criador da denominação “Geração de 45”, ele ficou marcado na história por feitos
importantes, por exemplo, a realização de congressos de poesia para a divulgação
dos novos poetas (Geração de 45), a participação na fundação da Academia
Brasiliense de Letras, da qual foi presidente, assim como fundou revistas de poesia,
a saber, Revista Brasileira de Poesia e Revista de Poesia e Crítica.

22
Característica que veremos na seção dedicada a João Cabral de Melo Neto.
40

Domingos Carvalho da Silva nasceu em Portugal, mais especificamente, na


Vila Nova de Gaia, a 21 de junho de 1915. Aos nove anos muda-se para o Brasil e
passa a residir em São Paulo.
Uma característica presente na obra do poeta em questão, também
encontrada em Ledo Ivo, é o apego formal em parte de sua obra, mostrando uma
similaridade no que diz respeito à retomada das formas fixas na poesia modernista
da III geração. Outra característica observável na obra de Domingos Carvalho é,
segundo Coutinho (2004), a implicação biográfica, é perceptível nas primeiras obras
do poeta, a exemplo de Bem-amada Ifigênia, as marcas de sua vida.

Gerado Vidigal
Outro poeta que pode ser considerado um Ícone da Geração de 1945 é o
poeta Geraldo Vidigal. Sua produção não foi tão extensa como a de outros artistas
de seu tempo, Vidigal publicou apenas dois livros, entretanto, são obras que muito
colaboraram para uma possível fixação de uma nota dominante no cenário da
Geração de 1945.
Sua disciplina no verso foi motivo de elogios, pois, para Coutinho (2004), não
prejudica a lírica de seus versos, pelo contrário, torna-a ainda mais aguda. Sendo
assim, Vidigal compartilhava com Ledo Ivo, Domingos Carvalho, João Cabral e
outros poetas de seu tempo à volta às formas fixas, no entanto, sua utilização, vale
ressaltar novamente, não é parnasiana.
Geraldo Vidigal tem como particularidade uma influência de ideário romântico,
quando se trata do fazer poético, para ele, poesia era inspiração, a qual viria sobre
um profeta (poeta) iluminado e predestinado ao fazer poético. Essa concepção
acaba afastando Vidigal da ideia de fazer artístico que vemos em João Cabral.
Mesmo com apenas duas obras Gerado Vidigal merece atenção pelo que
representou para a Geração de 45, sobretudo, com sua produção de qualidade
perante artistas de outras gerações do Modernismo, trazendo maior credibilidade.

Péricles Eugênio da Silva Ramos


Péricles Eugênio da Silva Ramos é um poeta que merece espaço para se
discutir sua obra neste trabalho, pois sua poesia, mesmo pertencendo à mesma
geração, distancia-se de seus pares.
41

A poesia do artista em questão seria inconfundível, uma vez que sua proposta
era estritamente estética, o poeta optava por uma lírica mais livre, divergindo assim,
de poetas como João Cabral que ficou marcado pelas formas mais fixas. De fato
Péricles nos traz um importante contraponto em meio a geração 1945, mostrando na
prática que para pertencer a uma geração não é necessário participar de um “grupo”
e seguir o estilo predominante da época. A poesia de Eugênio nos leva a refletir o
quão plural foi a produção poética de 1945.
Além da preferência pelos versos livres, seu vocabulário seria considerado
aristocrático, segundo Coutinho (2004), e os temas eróticos faziam parte de seu
estilo poético.
Trazer o exemplo de Péricles Eugênio para reflexão evita (ou ajuda a evitar)
que caiamos em generalizações/caracterizações rasas sobre o que de fato foi a
produção de 1945.

Maria da Saudade Cortesão


O fato de trazemos Maria da Saudade Cortesão se dá por motivo de uma
especificidade peculiar em sua trajetória artística. A poetisa, esposa do poeta Murilo
Mendes, só começa a publicar tardiamente, sua primeira obra estreou no ano de
1955, quando ela já tinha a idade de 42 anos.
O fato de ter publicado praticamente no limite da vigência da geração de1945
(se utilizarmos como parâmetro a teoria geracional de Ortega y Gasset), a autora
mostra características que a colocam, segundo Coutinho (2004), como uma das
mais puras expressões do espírito de 45. Sua poesia demonstra, segundo Coutinho
(2004), um forte vigor conotativo, apesar apresentar formas claras e nítidas
enquanto denotação.
Delimitar a vigência de uma geração é um trabalho complicado, visto que
precisamos atentar para datas, marcos históricos, nomes de pessoas ilustres, dentre
outras coisas. Como forma didática para delimitar a vigência da Geração de 1945,
utilizamos como parâmetro a própria data de 1945, a data de nascimento de dois
grandes poetas da geração, a saber, João Cabral de Melo Neto e Lêdo Ivo, além de
atentarmos para datas de publicação das obras consideradas pertencentes à
Geração de 1945.
42

Com base nos dados analisados (podem ser vistos na tabela abaixo),
podemos perceber que a década de 1920 é o período aproximado de nascimento
dos autores.
Para efeito ilustrativo trazemos uma planilha com os nomes dos principais
autores e suas respectivas obras de estréia; calculados a idade de estréia e a idade
em que cada um dos autores tinham em 1945. Essa ideia, assim como o modelo de
tabela foi inspirada em Cunha (2010). A planilha ajuda a perceber e a refletir sobre o
que já foi falado anteriormente.

Quadro 2

AUTOR (DATA DE OBRA DE ESTREIA IDADE DE IDADE EM 1945


NASCIMENTO. (ANO) ESTREIA

Afonso Félix de O Túnel (1948) 23 20


Souza (1925)
Antônio Rangel Poesias (1945) 28 28
Bandeira (1917)
Bueno de Rivera Mundo submerso 30 31
Junior (1914) (1944)
Ciro Pimentel Poemas (1948) 22 19
(1926)
Dantas Mota (1913) Planície dos Mortos 32 32
(1945)
Darcy Damasceno Poemas (1946) 24 23
(1922)
Domingos Carvalho Bem-amada Ifigênia 28 30
da Silva (1915) (1943)
Geir Campos Rosa dos 26 21
(1924)
Rumos(1950)
Geraldo Vidigal Predestinação (1945) 24 24
(1921)
João Cabral de Pedra do sono (1922) 22 25
Melo Neto (1920)
José Paulo Moreira Elegia diurna (1947) 25 23
da Fonseca (1922)
Ledo Ivo (1924) As imaginações (1945) 21 21
Marcos Konder Tempo e Milagre 22 23
Reis (1922) (1944)

Maria da Saudade O dançado destino 42 32


Cortesão (1913) (1955)
43

Mária da Silva Brito Três Romances da 30 29


(1916) Idade Urbana (1946)
Mauro Mota (1912) Elegias (1952) 40 33

Paulo Mendes A Palavra Escrita 29 23


Campos (1922) (1951)

Péricles Eugênio da Lamentação Floral 27 26


Silva Ramos (1919) (1946)
Tiago de Melo Silêncio e Palavra 25 19
(1926) (1951)

Ao garimpar alguns manuais de história da literatura23 constatamos que


também fizeram parte da Geração de 1945 ou tiveram contato direto com ela os
seguintes poetas em ordem alfabética: Afonso Ávila, AfrânioZucolotto, Alberto da
Costa e Silva, Alphonsus Guimarães Filho,Aluízio Medeiros, Andre Carneiro, Antônio
Olinto, Artur Eduardo Benevides, Augusto de Campos, Bandeira Tribuzi, Carlos
Moreira,Carlos Pena Filho, Décio Pignatari, Dulce Carneiro, Edmir Domingues,
Edson Régis, Fernando Ferreira de Loanda, Ferreira Gular, Foed Castro Chamma,
Girado Pinto Rodrigues, Gonzaga Leão,Haroldo de Campos,Hilda Hilst, Idelma
Ribeiro de Faria, IlcaBrunildeLaurito, João Francisco Ferreira, Jorge Medauar, José
Paulo Paes, José Santiago Nad, Lago Bornett, Laís Correia de Araújo, Maria Isabel,
Milton Lima e Sousa, Moacir Felix, Nilo Aparecido Pinto, Otávio Melo Alvarenga,
Olímpio Monat, Osvaldino Marques, Paulo Bonfim, Renato Pallottine, Rui Afonso,
Rui Guilherme Barata, Santos Sousa, Stela Leonardos, Wilson Rocha, Zilá Mamede.

23
Para listar esses nomes utilizamos manuais de história da Literatura como Bosi (2006) e Coutinho (2004).
44

4 JOÃO CABRAL DE MELO NETO: O POETA DA METALINGUAGEM24

João Cabral de Melo Neto é um dos autores mais icônicos da literatura


brasileira, seu temperamento forte e suas tomadas de posições, além de seu
inquestionável talento, tornaram-no uma figura folclórica no cânone literário nacional.
Este autor é comumente comparado à figura de um escultor, o qual se apossa
de sua matéria prima, “pedra”, que é manuseada com esforço e trabalho duro. Assim
Cabral via a poesia como artesanato, algo que teria que ser feito com esforço e
trabalho e não com inspiração e transcendência.
A título de metáfora, João Cabral de Melo Neto é semelhante ao escultor, que
pega a pedra bruta no meio onde se encontra, não há nada de especial nela, é
apenas um material comum, nada tem que chame a atenção, mas ao pegá-la, o
escultor a trabalha, de forma precisa, com golpes certeiros dá a forma ao material,
material que se torna arte; o escultor nada acrescentou à pedra, simplesmente
“retirou”, “diminuiu”, “esculpiu”. Assim era a visão cabralina de poesia, a poesia do
“concreto”, do “menos”, dos “cortes precisos”.
João Cabra de Melo Neto nasceu no ano de 1920 na cidade do Recife- PE.
Foi um jovem marcado por uma dor de cabeça crônica, a qual tentou se tratar com
as terapias mais modernas da época. José Castelo em entrevista ao programa De lá
pra cá da TV Brasil (2002) comentou que João Cabral foi submetido a tratamentos
com choques elétricos, realizados na clinica de seu tio, mas nada adiantou e Cabral
continuou com esse problema até o fim da vida.
Não podemos deixar de mencionar a paixão do João Cabral por futebol,
inclusive, ainda jovem, participou de um campeonato juvenil por seu time. Castelo
conta que o time de João Cabral foi eliminado, no entanto, um dos times finalistas
contratou-o para disputar a final, sagrando-se campeão.
Desde cedo conviveu com os intelectuais de Pernambuco, sendo que nomes
com Gilberto Freire e Manuel Bandeira faziam parte de sua família. João Cabral vivia
cercado por influências intelectuais na cidade do Recife, fato que se mostra
importante para pensar o desenvolvimento intelectual deste grande escritor.
No quesito arte, sempre foi admirador das artes plásticas, tinha um carinho
especial pela pintura, a qual segundo ele era a “principal arte”. Outra admiração de

24
As opiniões de João Cabral de Melo Neto presentes neste trabalho forma retiradas de recortes de
comentários trazidos em sua antologia poética (2007) na parte intitulada João Cabral por ele mesmo.
45

Cabral era a arquitetura, ele afirmou por diversas vezes que seu “filosofo” preferido
era um arquiteto, diferindo dos demais intelectuais.
A forma de pensar, assim como de expor seu pensamento acerca da maneira
como se deveria conduzir o fazer poético, rendeu a João Cabral de Melo Neto a
imagem de um sujeito completamente comprometido com suas convicções
conceituais. Na realidade o poeta tinha uma concepção de fazer literário e fazia
questão de divulgá-la, seja por meio da crítica, ou utilizando a própria poesia.
Este empenho na “defesa” de sua concepção de fazer poético levou João
Cabral a questionar alguns poetas que se revelavam distantes de seus ideais. Os
principais exemplos deste empenho são as críticas dirigidas a Fernando Pessoa e a
Vinícius de Moraes. Com firmeza, João Cabral afirmou que Fernando Pessoa
causou um “mal” imenso à literatura por conta de seu estilo “inspirado”. Amigo de
João Cabral, Vinícius de Morais, não escapou às críticas do colega, as quais foram
dirigidas à forma apaixonada com a qual Vinícius compunha seus poemas e à
repetição constante do “signo” coração. Além dessas críticas João Cabral também
criticava o fato de Vinícius de Moraes ter se tornado compositor de música popular.
Ora, João Cabral de Melo Neto tinha fortes convicções de que a poesia
deveria ser uma peça de linguagem “enxuta”, sem os excessos apaixonados
comuns na história poesia. O poeta procurava a “precisão do dizer”, esta precisão
deveria ser a maior possível, sendo assim, não há espaço para “enfeites” na
concepção de poesia de João Cabral de melo Neto.
Na visão do poeta em questão o vocabulário poético deveria mudar em
relação ao que estava posto pela maioria dos artistas até aquele momento, os quais
utilizavam constantemente palavras “poéticas” de cunho pouco preciso. Para João
Cabral de Melo Neto a poesia deveria ser construída com palavras concretas, pois
ele concebia a existência de adjetivos concretos, palavras que transmitiriam a
precisão necessária à poesia.
Tal precisão e concretude se materializam na obsessão pelo signo “pedra”,
palavra constante na poesia de João Cabral. A “pedra” para o poeta não se
configura como um obstáculo indesejável, antes é um obstáculo que se faz
necessário:

A fala a nível do sertanejo engana:


as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glace
de uma entonação lisa, de adocicada.
46

Enquanto que sob ela, dura e endurece


o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
incapaz de não se expressar em pedra.
(MELO NETO, 2007. p.309).

Para Cabral a linguagem poética não poderia ser algo espontâneo, ou seja, não
poderia fluir simplesmente, antes seria necessário o trato da linguagem, sendo
assim, a linguagem seria como uma “pedra na boca”.
O signo “faca” também se mostra recorrente na poesia de Cabral, fazendo
parte de dois títulos de obras, a saber, Uma Faca Só Lâmina e A Escola das Facas.
A ideia de “corte”, “decréscimo” se expressa no signo “faca”. A lâmina, para Cabral,
é instrumento de trabalho, de manufatura, como uma ferramenta indispensável ao
escultor, o qual faz sua obra com diversos cortes precisos.
O rio também é uma constante na poesia de Cabral, o Capibaribe, rio
pernambucano que corta a cidade do Recife. O poeta possui duas obras mostrando
os olhares diferentes para o mesmo rio 25, em Morte e Vida Severina, o retirante, em
certo ponto do percurso, segue o mesmo curso do rio Capibaribe. Em A Educação
Pela Pedra o rio também tem certo protagonismo, como podemos notar em A Mulher
e o Beberibe:

Ela se imove o andamento da água


(indecisa entre ser tempo ou espaço)
daqueles rios do litoral do Nordeste
que os geógrafos chamam “rios fracos”.
Lânguidos; que se deixam pelo mangue
a um banco de areia do mar da chegada;
vegetais; de água espaço e tempo
(sem cabo por que o tempo a arrasta).
(MELO NETO, 2007, p. 315)

João Cabral de Melo Neto, utiliza-se do signo “rio” tirando dele aquilo que é
pertinente à sua poesia, como se pode ver nos versos acima, não há um poeta
“caudaloso”, antes um poeta que constrói, por meio da linguagem, “rios secos” por
mais água que tenham.
Dois “lugares” se mostram muito frequentes na poesia de João Cabral, às
vezes até são relacionados entre si, a saber, a Espanha e o Nordeste. São dois
lugares significativos na vida do poeta, fazendo-se presentes também em sua arte.
O nordeste, lugar de nascimento do poeta não é esquecido, pelo contrário, faz-se

25
Ver a explicação acerca das obras O Cão Sem Plumas e O Rio na seção 4.1.
47

recorrente em diversas obras de Cabral26, evidenciando que o imaginário do poeta


contemplaria seu lugar de origem. A Espanha é o país que acolheu João Cabral
como diplomata e como um “filho da terra”, sendo o lugar onde o poeta construiu
uma vida e um imaginário consistente, o qual reverbera em sua produção poética.
O verso octossílabo é uma novidade que João Cabral trouxe para a poesia
brasileira, pois não é um verso comum em poesia de língua portuguesa, todavia,
provavelmente por influência da poesia espanhola, João Cabral iniciou uma
produção que se mostra diferenciada no cenário nacional.
Na literatura João Cabral tinha admiração especial por dois brasileiros, os
quais foram importantes para sua formação intelectual e artística, a saber, o poeta
Carlos Drummond de Andrade e o sociólogo Gilberto Freire, primo de Cabral.
Drummond foi uma referência para João Cabral no início de sua produção literária,
sendo, na visão de Cabral, um dos maiores poetas de língua portuguesa. Já Gilberto
Freire era admirado por Cabral por sua prosa consistente e genialidade de ideias.
Reconhecido pelo estilo único se tronou um escritor vastamente premiado.
João Cabral de Melo Neto foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras, além
de receber prêmios como: o prêmio Jabuti e o prêmio da União Brasileira de
Escritores.
Sem abrir mão de suas convicções acerca do fazer poético, João Cabral
deixou um legado a ser admirado por críticos e estudiosos de literatura, sendo um
dos poetas mais estudados academicamente do Brasil. A obra de João Cabral
resiste ao tempo e aos movimentos, ela está sempre “como uma pedra na boca de
milhões de Severinos espalhados por este vasto universo da poesia”.

4. 1 Contextualização da Poesia Cabralina 27

Marcada por um estilo excepcional no contexto das produções em língua


portuguesa, sua obra, marcada pela concretude, afasta-se dos ideais de poesia que
vigoravam no contexto literário até então, além disso, a escrita que privilegiava a
forma o fazia diferente dos poetas de 1922.

26
Ver seção 4.1.
27
A organização desta seção, assim como muitas das informações contidas aqui, seguem a linha de
pensamento de Antônio Carlos Secchin em seu prefácio escrito para a antologia de João Cabral (2007).
48

João Cabral de Melo Neto se destaca como um poeta cerebral, seus versos
são secos e precisos, marca que o acompanhará por sua extensa obra, o que acaba
se tornando marca de sua personalidade literária. João Cabral é, sem dúvida, o
nome de maior destaque da Geração de 1945, apesar de não ter feito parte de
movimentos político-literários, seu nome é um dos primeiros a ser lembrado quando
é mencionada a geração.
Com marcas inconfundíveis, seja o verso difícil e incomum, seja pelo uso de
termos concretos e palavras “não poéticas”, ou pelo fato de não publicar poemas
isolados, João Cabral de Melo Neto consolidou uma obra relativamente grande no
cenário literário brasileiro. Publicou 20 livros, através dos quais podemos perceber
como o poeta foi construindo seu estilo que marcou sua geração.

Pedra do Sono
Publicado inicialmente em 1942, Pedra do Sono, é a obra de estréia de João
Cabral de Melo Neto. Neste livro, ainda encontramos pouco da estética que
destacou João Cabral no cenário nacional. A poesia presente na obra é marcada,
segundo Coutinho (2004) e Secchin (2007), por a influência de poetas como Murilo
Mendes e Carlos Drummond de Andrade, os quais eram admirados por João Cabral.
Em questão de conteúdo, o livro trata de temas comuns de uma vida sóbria.
Como o próprio João insistia em afirmar, o livro não traz uma poesia “inspirada” no
sentido romântico da palavra.

Os Três Mal-amados
Ainda sob forte influência de Drummond, João Cabral publica em 1943 a obra
em questão. Trata-se de um texto dramático, o qual é constituído por três
personagens provenientes do poema intitulado Quadrilha de autoria de Drummond.

O engenheiro

O engenheiro, publicado em 1945, é um obra que inicia uma nova fase na


poesia de João Cabral, no entanto, no livro ainda permanecem as marcas das obras
anteriores. Como metáfora, podemos conceber que João Cabral foi construindo seu
estilo como quem vai construindo um edifício, assim, as primeiras obras prepararam
o terreno e O Engenheiro é responsável pelo projeto que culminará no estilo
pretendido pelo poeta.
49

O título já se mostra sugestivo, visto que, João Cabra de Melo Neto tinha uma
profunda admiração pela “construção”, pelo “trabalho” e por signos “concretos”. No
livro em questão, segundo Secchin (2007), o poeta apresenta reflexões teóricas que
proveem dos personagens de Os Três Mal-amados, todavia, apresenta também
poemas que mostram o novo rumo que a poesia cabralina está para tomar.

Psicologia da composição com a fábula de Anfion eAntode


Se em O Engenheiro Cabral deu indícios da construção do estilo que o
tornaria notório no meio literário, em Psicologia da composição com a fábula de
Anfion e Antode(1947), há a confirmação e consolidação do estilo do poeta. João
Cabral busca a “forma do vazio” e a “concretude”, na medida em que contesta a
poesia profunda e inspirada.
A obra apresenta, segundo Secchim (2007, p.23), “o primeiro grande
momento de reflexão exclusivamente metalinguístico do percurso do autor”. Assim,
compreender essa obra é de grande valia para entender mais acerca do estilo
estético cabralino.

O Cão Sem Plumas

Uma das obras mais queridas pelo autor, o Cão Sem Plumas, publicado em
1950, trata de forma metafórica da passagem do curso do rio Capibaribe e de sua
passagem pela cidade do Recife.
O poema já traz a essência da poesia de Cabral, associa-se também a
questão social, todavia, o trabalho com a linguagem à maneira de Cabral torna o
poema extremamente concreto e preciso em suas metáforas, assim, o fator social
que existe no poema fica em segundo plano, pois a maior questão para o poeta em
é o fazer poético.
Mesmo tratando da metáfora do rio Capibaribe, a linguagem empregada por
Cabra se mostra tão precisa e concreta, que a obra não se torna uma obra “alagada”
e “úmida”, fazendo referência ao signo “água”, antes, o artista consegue “enxugar” o
poema e torná-lo concreto e “seco”, sendo assim, o poeta consegue o pretendido em
sua teoria, “secando o Capibaribe”.
Esta oba assume um lugar de importância na poesia de Cabral, pois mostra a
visão do rio contada por um ser externo:
50

Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
(MELO NETO, 2019, p. 1).

O eu lírico narra a vida do rio como um observador externo, a história é


contada por um “homem”, o qual vê o rio passar, conta sua história e descreve os
cenários.

O Rio
Em O Rio (1954) o poeta demonstra sua genialidade, visto que, dá vida e voz
ao rio Capibaribe para que conte sua própria história, sendo assim, o rio passa a
contar a visão que tem dos homens e de seu percurso, desde sua nascente à sua
foz. Enquanto na obra anterior, os homens descreviam a visão que tinham do rio,
agora os papeis são invertidos:

Da lagoa da Estaca a Apolinário

Sempre pensara em ir
caminho do mar.
Para os bichos e rios
nascer já é caminhar.
Eu não sei o que os rios
têm de homem do mar;
sei que se sente o mesmo
e exigente chamar.
(MELO NETO, 20-?, p. 1).

Mesmo tratando do mesmo rio em duas obras, a diferença de pontos de vista


empregada pelo autor faz com que as duas não se tornem repetitivas em seu
conteúdo.

Morte e vida Severina (1955)


Este é certamente o poema mais famoso de João Cabral de Melo Neto, o
mais conhecido, adaptado ao teatro, ao cinema e à música. Consiste em leitura
“obrigatória” no cenário literário nacional, todavia, não é um poema que traz a
linguagem difícil, marca de João Cabral, antes, faz-se em versos fluidos com certa
musicalidade:
51

— O meu nome é Severino,


como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
(MELO NETO, 2019, p.1).

O poema foi escrito por encomenda como um auto de natal, mas ganhou o
publico dos teatros em todo o território nacional. O tema de frequente sucesso na
literatura brasileira (retirantes fugindo da seca e mudando em busca da
sobrevivência), certamente colaborou para que este poema se tornasse um ícone da
poesia de língua portuguesa, unindo-se a outros clássicos.

Paisagens Com Figuras


A obra Paisagens com figuras, publicada em 1956, traz em seu conteúdo uma
das duas principais marcas da poesia de João Cabral, a saber, a narração dos
cenários nordestinos e espanhóis. O poeta sempre procura relações entre os dois
contextos.
Nesta obra, João Cabral de Melo Neto, traz poemas que tratam do Nordeste,
da Espanha e, em um poema específico, trata das duas anteriores, relacionando-as.

Uma Faca Só Lâmina


Também de 1956, Uma Faca Só Lâmina, traz um dos signos prediletos de
João Cabral, a saber, o signo “faca”, o qual se faz presente em diversos poemas e
no título de dois livros (o presente livro e a Escola das Facas).

Assim como uma bala


enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;
assim como uma bala
do chumbo pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado
qual bala que tivesse
52

um vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo
igual ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,
relógio que tivesse
o gume de uma faca [...]
(MELO, NETO, 20-?, p. 1-2).

Podemos perceber que a obra trás um poema longo, o verso é difícil e o texto
é repleto de metáforas. Estas características refletem bem a poesia de Cabral, além
disso, os signos “bala” e “relógio” são abundantes no poema. Ora, a utilização de
palavras não frequentes na poesia é uma característica do poeta que se encontra na
obra referida.

Quaderna
Publicado em 1961, este livro traz características importantes da obra de João
Cabral, como a questão da utilização das quadras em sua poesia, que neste livro
são predominantes.
A obra traz de volta à cena da poesia de Cabral o Nordeste e a Espanha,
retomando duas grandes paixões do poeta, o lugar onde nasceu e a terra onde que
adotou enquanto vivia como diplomata.
A figura feminina se faz presente neste poema, mas diferentemente de
Vinícius de Morais, o qual trazia a paixão e a sensualidade para seus versos, Cabral
descreve a mulher sem um foco sensual ou apaixonado.

Dois parlamentos
Trata-se de uma obra de 1961, na qual o poeta traz a tona temas de cunho
social, como a miséria, além disso, é marcante também o tom irônico de crítica e
descrença para com a classe política, assim como, para com seus discursos.
Em termos de estrutura, o livro traz poemas longos, característica de algumas
de suas obras, as marcas da crítica social fazem com que se associe a Morte e Vida
Severina.

Serial
53

Serial (1961) é, segundo Secchin (2007), a obra onde o poeta atinge o ápice
da sofisticação formal, tornando-se um destaque nas produções por um rigor
obsessivo.
A estrutura da obra é construída tendo como base o número “quatro”, este
que foi trabalhado através das quadras poéticas em Quaderna, retorna com mais
força, agora tomando toda a estrutura do livro, o qual é composto por dezesseis
poemas, estes também divididos em quatro partes.
Em termos de conteúdo, trata-se de uma obra plural, a qual vai dá apreciação
dos espaços espanhóis e nordestinos à metapoesia, passando pelas celebrações
dos aspectos físicos femininos.

A educação pela pedra


Obra de 1965, A educação pela Pedra,é a obra escolhida para ser detalhada
mais especificamente neste trabalho, isto ocorrerá em sessão porvindoura.

Museu de tudo
Museu de tudo (1975) é uma obra que destaca com muita ênfase o fator
metalinguístico. Seus versos possuem o rigor formal característico de João Cabral
de Melo Neto.
O poema pode ser visto como uma reestréia do poeta, após ter ficado mais de
dez anos sem uma publicação inédita, fato raro no período produtivo cabralino.
No que se refere ao tema da obra, constata-se que o poeta trata da “arte” –
pintura e literatura – principalmente as admiradas por João Cabral.

A escola das facas

Segundo Secchin (2007),A escola das facas (1980) é uma obra memorialista,
a qual se destaca pelo eu lírico enunciar em primeira pessoa, fato raro na poesia de
João Cabral. O poeta se utiliza deste referido memorialismo para refletir acerca de
tensões presentes na vida. As tensões, sobretudo, aquelas que serviam de
inspiração seu fazer poético, são contempladas nesta obra, no entanto, sem o
sentimentalismo e o tédio empregado pelos românticos da segunda fase.

Auto do Frade
54

Livro de 1984, a obra trata do último dia de vida do personagem político-


religioso conhecido como frei Caneca, o qual participou de um movimento
revolucionário, mas o movimento foi vencido e o frei condenado à forca, todavia, os
carrascos recusaram-se a executar o frei, então foi dada a ordem para que fosse
fuzilado.
O texto tem características dramáticas, mantendo as características de João
Cabral de Melo Neto em sua linguagem.

Agrestes
A poesia de João Cabral em Agrestes é marcada pela construção de imagens
paisagísticas, elemento observável em boa parte obra do poeta, no entanto, na obra
em questão, não é só o nordeste e a Espanha que tomam o cenário de sua poesia,
antes, cenários africanos, latinos, dentre outros, compõem uma obra mais
“globalizada”, na qual o autor também discute questões humanas, como a morte.
Segundo Secchin (2007), a obra é escrita após a experiência de João Cabral em
diversos países durante sua carreira diplomática, fato que possibilitou um grande
acervo imagético-intelectual para a construção desta obra.

Crime na Calle Relator


Crime na Calle Relator é uma obra composta por diversos poemas, os quais
tem características narrativas. Não é uma obra de tanta repercussão, como outras
citadas acima, todavia, traz João Cabral em sua maturidade poética.

Sevilha Andando
Podemos dizer que mais que um livro de poemas, Sevilha Andando é uma
obra de tributo a duas paixões de João Cabral de Melo Neto, a saber, sua esposa,
Marly de Oliveira, e a cidade espanhola.
Apesar de se tratar de temas tão íntimos, o poeta não foge à sua
característica de não deixar que seu poema seja “contaminado” pelos excessos,
sendo assim, o autor consegue falar do que gosta, com a forma poética que
escolheu.

Primeiros poemas
55

Esta obra reúne poemas escritos anteriormente à publicação de a Pedra do


Sono (1942). Primeiros poemas (1990) mostra-nos um João Cabral de Melo Neto
diferente, seus textos ainda imaturos mostramos primeiros passos do artista em
busca de seu estilo próprio de escrita.

As antologias

Além dessas obras, as poesias de João Cabral de Melo Neto possuem um


número considerado de antologias poéticas, as quais continuam sendo publicadas
até os dias atuais.

4.2 Metalinguagem Cabralina: Conceitos

A metalinguagem na poesia de João Cabral de Melo Neto é um dos traços


que mais chamam atenção. O poeta está constantemente falando do fazer literário
em suas próprias obras, sendo assim, o fazer poético se trona tema da poesia, a
qual serve de “espelho” à concepção de fazer artístico. Com esta visão, a linguagem
se torna objeto dela mesma, refletindo acerca de suas especificidades. Quando a
metalinguagem ocorre no contexto da linguagem literária temos “o poema sobre
fazer poesia”, ou sobre “o que deve ser a poesia”.
O poema metalinguístico se torna, além de uma obra de arte, uma forma de
crítica de arte, todavia, a discussão pode ser mais aprofundada, visto que, o fazer
poético tratado no “metapoema”, adquire um valor estético diferenciado de uma
publicação científico-crítica. Então, o espaço de discussão na própria obra dá novos
sentidos às concepções de fazer poético.
No caso de João Cabral de Melo Neto a figura do poeta e do crítico parecem
se misturar, utilizandoo corpo do poema para materializar essas “duas faces”.
Provavelmente, a vontade que o poeta tinha de ser crítico reverberou em seu
pensamento acerca do fazer literário, sendo assim, Cabral está constantemente
preocupado em falar de sua visão acerca da arte literária e utiliza o poema como um
espaço de “luta” para que sua voz seja ouvida.
Para compreender melhor a utilização da metalinguagem por João Cabral de
Melo Neto precisamos refletir teoricamente o conceito, para isso, faz-se necessário
discutir, ainda que de forma lata, duas concepções, a saber, a linguagem poética e a
56

metalinguagem. Com posse de uma compreensão acerca dessas duas funções da


linguagem28 podemos refletir com maior propriedade acerca da obra de João Cabral.
A compreensão das chamadas funções da linguagem passa por conceitos
desenvolvidos por linguistas e teóricos da literatura. Como aporte teórico, utilizamos
os estudos de Aguiar e Silva (2009), Jacobson (2007), Proença Filho (2007) e Teles
(1979).
Sabe-se, porém, que as discussões acerca das funções e categorias da
linguagem estão situadas em um campo muito vasto, segundo Aguiar e Silva (2009),
os conceitos são amplos e não há consenso entre os pesquisadores, no entanto, as
discussões que partem sistematicamente, em uma perspectiva mais atual, dos
estudos de Jacobson (2007) nos fazem refletir acerca da atuação das funções.
Apesar do trabalho de Jacobson (2007) não ser suficiente, ele possibilita que
contestemos e avancemos rumo a novas concepções.
Antes de adentrar questões referentes à função metalinguística vale discutir
inicialmente acerca da função poética da linguagem. Desde Aristóteles em A Poética
(1997) a linguagem literária vem sendo discutida, teorias de diferentes perspectivas
intelectuais e conceituais tentam, sem sucesso, achar uma definição unívoca do que
seria a linguagem literária.
Aristóteles (1997) afirmou que a literatura é a “arte da palavra”, sendo assim,
há uma compreensão de que a função da linguagem poética é artística e estética. A
definição, por um olhar mais linguístico, de Jacobson (2007) contempla a função
poética da linguagem como a função artística da linguagem, todavia, ele
compreende que: “Qualquer tentativa de reduzir a esfera da função poética à poesia
ou de confinar a poesia à função poética seria uma simplificação excessiva e
enganadora”. Aguiar e Silva (2009) contesta a simplificação de Jacobson e afirma
que pensar a linguagem poética simplesmente pelo fator estético não daria conta da
problemática.
As discussões já duram milênios e continuaram estimulando o
desenvolvimento de reflexões por mais tempo. O que nos interessa mais
precisamente é a concepção que mais se aproxima de João Cabral de Melo Neto.

28
Não podemos, neste trabalho, aprofundar-nos nas concepções de linguagem literária, assim como da própria
metalinguagem, pois são temas complexos que demandam mais espaço para discussões, fato que torna
inviável para este trabalho, contudo, a noção básica dos conceitos é necessária para a realização desta
pesquisa.
57

Com base no que foi discutido neste trabalho e observando entrevistas do poeta,
podemos afirmar que a poesia é a “função artística” da linguagem.
Tendo discutido de forma breve as concepções de linguagem poética,
adentramos à nossa função principal em discussão neste capítulo, a metalinguagem,
a qual é o aspecto observado na poesia de João Cabral de Melo Neto.
Segundo os estudos de Jacobson (2007), a lógica moderna fez uma
separação conceitual entre dois de linguagem, a saber, a linguagem-objeto, a qual
se refere aos objetos no mundo, e a metalinguagem, a qual ocorre quando a língua
é usada para reflexão sobre ela mesma.
Em seu dicionário de termos literários, Moisés (2004, p. 289) comenta acerca
da origem do termo: “empregado inicialmente em 1920 pelos positivistas da escola
de Viena, cuja figura central era Rudolf Carnap, o termo derivou para os círculos da
semiótica e da linguística, graças a Louis Hjemslev [...]”. O termo ganha repercussão
nos estudos em linguagem e avança para aprofundamento dos conceitos e
aplicações em diferentes campos.
Inicialmente a metalinguagem é problematizada pensando a linguagem
científica, ou seja, quando a ciência linguística toma uma linguagem como objeto.
Nos estudos de Jacobson (2007, p.127) verificamos que a problemática da
metalinguagem avança ao campo da vida cotidiana:“a metalinguagem não é apenas
um instrumento científico necessário, utilizado pelos lógicos e pelos linguistas;
desempenha também papel importante em nossa linguagem cotidiana”. A
metalinguagem, para Jacobson (2007), ocorre cotidianamente quando o indivíduo
reflete acerca da própria língua, sendo assim, quando uma pessoa comum conversa
sobre a língua está em uma atividade metalinguística. Para o autor, a metalinguística
é um importante fator na aquisição da linguagem humana:

Todo processo de aprendizagem da linguagem, particularmente a aquisição,


pela criança, da língua materna, faz largo uso de tais operações
metalingüísticas; e a afasia pode ser definida, amiúde, como uma perda da
capacidade de realizar operações metalinguísticas. (JACOBSON, 2007, p.
127).

Sendo assim, a metalinguagem conceitua-se em dois campos distintos com certa


relevância em ambos.
58

Não demora, e a função metalinguística passa a ser pensada na literatura 29,


sendo assim, a metalinguagem literária passa a servir como espaço para que os
artistas discutam seu fazer literário literariamente (falar de literatura sem perder a
estética da linguagem, ou seja, tornar literário um assunto acerca do fazer poético).
Nomes de destaque na literatura internacional como Poe e Marlarme, assim como
Drummond e João Cabral no Brasil são reconhecidos pela presença do fator
metalinguístico em suas obras.
Quando adentra à crítica literária brasileira, a metalinguagem passa a ser um
importante fator a ser analisado na arte literária. O estudo de Gilberto Mendonça
Teles (1989) reflete acerca do fator metalinguístico na poesia brasileira, para o autor,
a metalinguagem, quando presente na poesia, liga-se ao sistema da linguagem
literária, o qual já se encontra ligado ao sistema da língua. Conforme o autor, a
função poética se liga ao plano da expressão da língua, já a metalinguagem se liga
ao plano de seu conteúdo.
Para Teles (1989, p.125) a metalinguagem é concebida ambiguamente,
criando duas coordenadas teóricas, a saber, uma expressão exterior, a qual se
manifesta em peças como textos críticos, prefácios, entrevistas, dentre outros; a
outra expressão é interna ao próprio poema, sendo assim, cria-se um “poema do
poema – ou metapoema”. Nosso foco se utiliza da segunda coordenada teórica para
analisar a poesia de João Cabral de Melo Neto.
A presença da metalinguagem na poesia de João Cabral de Melo Neto é um
objeto de reflexões abundantes, pois há um esforço por parte do artista em fazer um
poema sobre o poema, estas reflexões, internas à obra de arte são objeto de nosso
estudo.

4. 3 A Metalinguagem em A Educação Pela Pedra

A Educação Pela Pedra (1965) é uma das obras mais importantes de João
Cabral de Melo Neto, pois carrega traços de uma poesia “madura”, a qual sabe
quais suas intenções poéticas, pois foi escrita em um momento que a ideia e o estilo
poético de Cabral já estava formado e bem maturado.

29
A metalinguagem também é observada em outras artes como o cinema e a pintura.
59

Na obra em questão podem ser observadas características que vão da


metapoesia à referência social. Traços “cabralinos” como a linguagem “precisa” e os
versos mantidos sob uma unidade temática30 são características deste livro.
Em A Educação Pela Pedra, o poeta trata de assuntos variados, os quais já
foram tratados em outras obras, a exemplo dos rios, da engenharia, do Nordeste e
de Sevilha, além da “pedra”, a qual ganha destaque especial, sendo “professora” e
meio de aprendizado.
O livro se divide em quatro partes, a saber, Nordeste (A), Não Nordeste (B),
Nordeste (A), Não Nordeste (B). Cada uma das partes contendo 12 poemas sob os
mais variados temas e com diversidades de imagens.
Há no livro uma dedicatória a Manuel Bandeira, primo de João Cabral. A
dedicatória classifica a obra como uma “antilira”.
A Educação Pela Pedra pode ser vista como um “espelho” da obra de João
Cabral de Melo Neto, sendo assim, torna-se também uma referência para se pensar
o fazer poético do artista de modo geral. Considerando isso, visamos analisar o
aspecto metalinguístico presente em cinco poemas da obra, a saber, A Educação
Pela Pedra, Dois P.S. a Um Poema, Catar Feijão, Rios Sem Discurso e O Hospital
da Caatinga, pois são poemas que mostram construção metalinguística, assim
como, a visão de poesia de João Cabral de Melo Neto.

4.3.1 Aprendendo da Pedra

O poema A Educação Pela Pedra (poema que dá nome ao livro) é dividido em


duas estrofes, a primeira contendo dez versos e a segunda com seis versos. Neste
poema, o eu poético tem a pedra como aquela que têm lições a passar, as quais
podem ser também aprendidas pelo poeta, pois o próprio Cabral apresenta em
diversos momentos de sua escrita algumas características das lições dadas pela
pedra. Vejamos o poema:

Uma educação pela pedra: por lições;


para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;

30
João Cabral de Melo Neto não gostava de publicar poemas soltos, assim, segundo ele, seus livros possuíam
uma unidade temática.
60

a de economia, seu adensar-se compacta:


lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

*
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
(MELO NETO, 2007, p. 312).

Nos dois primeiro versos o eu poético mostra a pedra como algo de que se
tira lições, assim se aprende dela. O posicionamento da voz do poema oferece uma
reflexão acerca das coisas que se pode aprender da pedra; tais lições também são
aplicáveis ao fazer poético, principalmente, quando estamos nos referindo à visão de
poesia de João Cabral.
Nos versos terceiro e quarto, o eu poético adjetiva a voz da pedra como
“inefática” e “impessoal”, neste trecho a mestra pedra mostra, por meio desta
metáfora, como deve ser a voz da poesia.
A partir do quinto verso a aula metalinguística começa. Os versos quinto e
sexto mostram a pedra em sua lição de moral, ensinado que sua “resistência fria”
pode ser pode ser maleada, ou seja, o eu poético se refere ao trabalho com a
linguagem “concreta”, “fria” e “seca”, a qual pode ser “maleada”, fazendo com que a
linguagem comum se torne poética, isso só seria possível por meio do trabalho.
No verso sétimo, a metalinguagem é explicita. A lição dada pela pedra é
direcionada à poesia mais diretamente: “a de poética, sua carnadura concreta”, o eu
poético traz a visão de uma poesia concreta, como é de fato a concepção de João
Cabral, sendo assim, o poeta deve aprender da pedra o seu fazer poético, pois ela é
a professora do concreto, do palpável e do preciso, traços importantes para a
construção da poesia31.
No oitavo verso a lição é de economia: “a de economia, seu adensar-se
compacta”, podemos pensar que o eu poético está se referindo, dentre outras
coisas, à economia da linguagem, visto que o poeta deve procurar a “perfeição do
dizer”, comunicar com poucas palavras o que for necessário.
A segunda estrofe começa apresentando uma “Outra educação pela pedra:
no Sertão”, a lição agora é aplicada no Sertão, mas no Sertão “a pedra não sabe

31
Na visão de João Cabral.
61

lecionar”, e mesmo que soubesse, não teria nada a ensinar, pois suas lições são a
essência do Sertão e já o acompanha desde o nascimento. O eu poético afirma que
o sertão é um lugar onde as lições apresentadas anteriormente já fazem parte do
conhecimento geral, sendo assim, não há lições para se tirar da pedra. O sertão de
Severino de Maria do finado Zacarias e de tantos outros Severinos com mães
chamadas Marias, e filhos de tantos outros, já finados Zacarias, é um lugar concreto
por si, econômico por essência e preciso no dizer.
O último verso “uma pedra de nascença, estranha a alma”, o eu poético
mostra que até mesmo a pedra, símbolo da resistência e concretude, estranha o
ambiente do sertão.
O poema A Educação Pela Pedraprocura ensinar o modo como deve ser
construída a linguagem poética, a qual tem de ser econômica, precisa, concreta e
resistente, sendo assim, podemos afirma que é uma obra que busca
metalinguisticamente falar sobre uma concepção de fazer poético.

4.3.2 Catando (Selecionando) Palavras

Em Catar feijão, poema composto por duas estrofes, cada uma contendo oito
versos,o eu poético utiliza uma metáfora, comparando o ato simples de catar feijão
com a escrita um poema:

Catar feijão se limita com escrever:


joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:


o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.
(MELO NETO, 2007, p. 320).

No primeiro verso da primeira estrofe, podemos ver a metáfora citada


anteriormente ser construída, já nos versos segundo e terceiro, o eu poético
62

compara as palavras escritas em um papel, aos grãos de feijão colocados para boiar
na água. O eu enunciador está se referindo ao trabalho do poeta no processo de
escrita, pois o ele deve colocar as palavras no papel e depois revisar seu texto,
excluindo os exageros e o que não for necessário para uma escrita concreta e
precisa.
No sétimo verso da primeira estrofe, o eu poético apresenta um segundo
trabalho que quem cata feijão precisa executar, a saber, o de soprar para que as
palhas e outras impurezas leves voem. Em comparação a isso, o ato de escrever
também deve excluir o oco, o leve e o sem consistência, pois não serão úteis para
construção de um dizer poético “concreto”.
Apartir da segunda estrofe o eu enunciador procura deixar claro que essa
metáfora não é perfeita, pois quando se faz o trabalho de catar feijão, retira-se com
cuidado as partes indigestas e nocivas à saúde, a exemplo das pedras; estas
impurezas são catadas e descartadas, visto que não podem ser consumidas pelo
ser humano, diferentemente da escrita do poema, a qual utiliza-se do que há de
mais concreto, mais “duro”, da “própria pedra” para realização do trabalho com a
linguagem.
Os versos quinto e sexto da segunda estrofe “Certo, não, quando ao catar
palavras”, “a pedra da à frase seu grão mais vivo” mostram metalinguisticamente
que para o poeta, os termos concretos são mais importantes do que palavras
consideradas “previamente poéticas32”, pois “a pedra dá à frase seu grão mais vivo”,
ou seja, a palavra concreta dá mais vida ao poema, é mais útil no dizer, que outras
palavras, assim, o poeta deve separar as palavras mais concretas (pedras) e não
descartá-las, antes, utilizar em sua construção artística.
Nos versos sétimo e oitavo, temos a explicação do motivo pelo qual se deve
preferir a pedra em detrimentos dos outros grãos.
No sétimo verso temos: “obstrui a leitura fluviante, flutual”, o eu lírico quer
dizer que a leitura de obras em que são utilizadas palavras já “poéticas” é muito
fluente, trata-se de uma linguagem espontânea que não impõe maiores dificuldades
ao leitor. João Cabral de Melo Neto, enquanto poeta, afirmava que o ofício do poeta
era, por meio do trabalho com a linguagem, transformar a forma espontânea, que é

32
palavras comuns na poesia tradicional como “coração” e “paixão”.
63

a usada cotidianamente, em não-espontânea, ou seja, nesta concepção de poesia, a


linguagem tem de dar trabalho ao leitor, este precisa se esforçar na leitura da obra.
No verso oitavo “aguça a atenção, isca-a com o risco”, o eu poético afirma
que a presença da pedra estimula e obriga a uma atenção maior, ou seja, ao fazer
certas escolhas de palavras, o poeta acaba exigindo que o leitor fique atento ao que
está sendo dito, quem aprecia a poesia tem que se debruçar sobre a obra devido a
não fluidez da linguagem trabalhada. Além disso, a presença da pedra é uma isca
para o leitor, o qual tem de estar apercebido, pois há um sério risco no texto, isto
significa que o leitor fica preocupado com uma possível falha na leitura, por isso,
dobra sua atenção.
O poema Catar Feijão reflete sobre a escolha das palavras que podem
compor um texto poético, assim como fala sobre as consequências provocadas por
tais escolhas lexicais. A obra nos diz muito sobre a visão de João Cabral acerca do
vocabulário empregado em sua poesia. Há também o fator trabalho, o qual é uma
marca de João Cabral, pois, para o ele, o poema é feito por meio do trabalho com a
linguagem, excluindo o fator “inspiração”, o qual é comumente mencionado na
poesia tradicional.

4.3.3 O Poema e seu Discurso

Outro poema metalinguístico que traz mais características da concepção de


poesia de João Cabral de Melo Neto é intitulado Rios Sem Discurso. O poema em
questão é estruturado em duas estrofes, com doze versos cada.
Este poema não é tão estudado como peça metalinguística como os dois
anteriores, no entanto, observam-se traços (não presentes nos poemas anteriores)
fundamentais à concepção cabralina de poesia. Enquanto no poema A Educação
Pela Pedra, o foco é, sobretudo, o “ensino” do trabalho com a linguagem; o poema
Catar Feijão tem um foco nas escolhas lexicais e suas consequências no fazer
poético, assim como as reverberações no leitor. Os dois poemas anteriores abordam
níveis morfo-lexicais, diferentemente, em Rios sem Discurso o foco é o aspecto
sintático-discursivo da construção do texto (poema).
O título do poema já nos apresenta um jogo linguístico, no qual o poeta se
utiliza do fato de os rios seguirem um determinado curso, curso de água. Quando o
poeta troca o vocábulo “curso” por “discurso”, ele altera o sentido da sentença, visto
64

que o curso do rio é seu caminho, já o discurso é o falar; há neste ponto um jogo
metafórico, pois o curso do rio é comprado a um discurso, porquanto, ambos devem
ter a fluidez necessária para seguir seu caminho e atingir seus objetivos.
O rio é a metáfora do poema, o qual precisa de um curso (discurso) para
atingir seu objetivo, ou seja, curso está para rio, assim como, discurso está para o
texto.

Quando um rio corta, corta-se de vez


o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, água equivalente
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e, porque assim estanque, estancada;
e mais: por que assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma comunica
porque cortou-se a sintaxe desse rio
o foi de água por que ele discorria

*
O curso de um rio, seu discurso-rio
chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o foi antigo que fez.
Salvo a grandiloguência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
em frases curtas, então frase a frase,
até a sentença rio do discurso único
em que se tem voz a seca ele combate.
(MELO NETO, 2007, p. 324-325).

Nos primeiros quatro versos, o eu poético traz uma metáfora de um rio que foi
cortado e assim perdeu seu curso, tornando-se poços de água parada que não corre
mais em direção alguma. Está metáfora se refere ao fato de poemas que não
possuem uma unidade discursiva, ou seja, as palavras estão juntas no mesmo
poema, mas constroem um sentido, pois não há ligação entre elas, assim não se
constrói um discurso (poético).
Nos versos quinto, sexto, sétimo, oitavo e nono; a água em situação de poço,
ou seja, parada, estanque em um lugar, é comparada a uma palavra em situação
dicionária “isolada, estanque no poço dela mesma”. A palavra que está inserida em
um contexto de discurso, não constrói sentidos semâtico-discursivos suficientes para
uma boa comunicação; o eu lírico chega a classificá-la como (palavra) muda. Nesta
concepção de poesia, o trabalho com a organização linguística do texto é que faz
65

um bom texto, sendo assim, o eu lírico, rejeita a ideia de que existam palavras
previamente poéticas, pois a poesia é construída pelos arranjos da linguagem.
Nos últimos versos da primeira estrofe o eu enunciador diz: “porque cortou-se
a sintaxe desse rio,” “o foi de água por que ele discorria”. Estes versos dizem que é
necessário que o texto tenha uma sintaxe que construa um discurso, pois se as
palavras estiverem soltas não haverá uma comunicação. Na visão de João Cabral,
poema precisa comunicar algo, não pode ser apenas um “aglomerado de
palavrinhas bonitas”, antes precisa dizer algo e construir discursos.
Na segunda estrofe o eu enunciador fala da dificuldade de reatar um rio
fragmentado “chega raramente a se reatar de vez” (segundo verso), pois é preciso
uma grande “cheia” para unir os poços que se encontram separados. O eu lírico diz
metaforicamente que é necessário um grande esforço para que as pequenas frases
ou mesmo as palavras soltas, sejam inseridas em sentenças, formando assim, um
texto (poético) que tenha um discurso.

4.3.4 As Palavras e os Sentidos no Poema

No poema intitulado O Hospital da Caatingao foco metalinguístico discutido é


a forma como as palavras assumem novos significados quando inseridas no corpo
do poema. Os poemas anteriores tinham seus focos nos níveis lexicais e sintáticos,
este prioriza a discussão semântico-discursiva, refletindo sobre o sentido que as
palavras adquirem quando são tratadas no poema.
O poema em questão é estruturado em duas estrofes, sendo que a primeira
contém oito versos e a segunda contém dezesseis:

O poema trata a Caatinga de hospital


não porque esterilizadas, sendo deserto;
não por essa ponta do símile que liga
deserto e hospital: seu nu asséptico.
(Os areais lençol, o madapolão areal,
os leitos duna, as dunas enfermaria,
que o timol do vento e o sol formol
vivem a desinfetar, de morte e vida.)
2
O poema trata a Caatinga de hospital
pela ponta oposta do símile ambíguo;
por não deserta, e sim superpovoada;
por se ligar a um hospital, mas nisso.
Na verdade, superpovoa esse hospital
para bicho, planta e tudo que subviva,
a melhor mostra de estilos de aleijão
que a vida para sobreviver se cria,
66

assim como dos outros estilos que ela,


a vida, vivida em condições de pouco,
monta, se não cria: com o esquelético
e o atrofiado, com o informe e o torto;
estilos de que a catingueira dá o estilo
com seu eleijãopoliforme, imaginoso;
tantos estilos, que se toma hospital
por uma clínica ortopédica, ele todo.
(MELO NETO, 2007, p. 324- 325).

Neste poema, o eu enunciador reflete sobre como a obra artística trata a


“caatinga”, bioma mais seco do Brasil. A forma de tratamento difere do sentido
natural, o qual é empregado no cotidiano. Segundo o eu lírico, “o poema trata a
caatinga de hospital”, sendo assim, no poema, a “caatinga” adquire um novo sentido,
passando de lugar de sofrimento e seca a hospital, o qual trata os que precisam.
No poema, uma reflexão metalinguística, a qual foca no sentido em que as
palavras vão assumindo no corpo do poema. Novamente, o poema de João Cabral
de Melo Neto nos leva a pensar que não existem “palavras poéticas”, antes, é a
forma como são colocadas no texto que as dão “significados poéticos”.
O poema Hospital da Caatinga nos mostra que o termo empregado na obra
literária assume novos significado, assim, o poeta pode alterar os significados e criar
novos, sendo assim, a semântica (sentido) da palavra é alterada no poema para se
criar novos sentidos.
Considerando isso, palavras não convencionais como, “pedra”, “maçã”, “faca”,
“relógio” e “caatinga”, as quais não são comumente utilizadas tradicionalmente na
poesia, podem fazer parte da construção poética33. Na verdade, o eu poético mostra
que o mais importante é a construção do poema e não as palavras “poéticas”.

4.3.5 As imagens Poéticas

Em nosso ultimopoema intitulado Dois P.S. a Um Poema o foco


metalinguístico é, prioritariamente, a reflexão acerca da construção das imagens
poéticas.
O poema é estruturado em duas estrofes, a primeira contendo seis versos e a
segunda contendo dez:

Certo poema imaginou que daria ver


(sua pessoa, fora da dança) com fogo.
Porem o fogo, prisioneiro da fogueira,
tem de esgotar o incêndio, o fogo todo

33
Esta era a visão de João Cabral.
67

e o dela, ela o apaga (se e quando quer)


ou o mete vivo no corpo: então, ao dobro.

*
Certo poema imaginou que daria a ver
(quando dentro da dança) com a chama
imagem pouca e pequena para contê-la,
conter sua chama e seu mais-que-chama.
E embora o poema estime que a imagem
não conteria tudo dessa chama sozinha,
que por si se ateia (se e quando quer),
de quando o mais-que-chama não estima;
pois vale o duplo de uma qualquer chama:
estas só dançam da cintura para cima.
(MELO NETO, 2007, p. 318-319).

Há no poema indícios de uma intertextualidade com as obras do filosofo


francês Gaston Bachelard, o qual refletiu acerca da construção de imagens poéticas
utilizando o elemento “chama”.
O eu poético começa dizendo que “certo poema imaginou que daria a ver”,
percebemos a metalinguagem evidente, pois o poema trata explicitamente do
semelhante ou dele próprio (poema). Neste primeiro verso, o eu lírico nos leva a
pensar que o “poema” imaginou que veria alguma imagem poética; o signo “fogo”,
presente no segundo verso, nos leva à associação com os estudos sobre as
imagens poéticas propostas por Gaston Barchelard, assim, o eu enunciador,utiliza o
próprio poema para discutir acerca de um elemento presente na obra literária.
No quinto verso da primeira estrofe: “e o dela, ela o apaga (se e quando
quer)”, o eu poético fala da inconstância das imagens poéticas, assim como a
dificuldade de criar uma imagem que não seja “apagada”, pois a chama não é
eterna, antes, apaga quando acaba seu combustível.
O sexto verso: “ou o mete (fogo) vivo no corpo: então, ao dobro”, assim, da
mesma forma que a imagem pode esgotar e apagar, não cumprindo a função
desejada, ela pode dobra, fugir do controle e criar mais do que o desejado.
No terceiro verso da segunda estrofe: “imagem pouca (chama) e pequena
para contê-la”, o eu poético se posiciona afirmando que a imagem da “chama” não é
suficiente para a reflexão acerca das imagens poéticas, sendo assim a “chama” é
pequena para uma tarefa tão complexa.
Nos versos quinto e sexto: “e embora o poema estime que a imagem” “não
conteria tudo dessa chama sozinha”, o eu poético compreende que a chama não é a
metáfora perfeita para descrever as complexas imagens poéticas.
68

Nos últimos três versos, o eu poético afirma que é mais interessante que as
imagens sejam maiores que a intenção do poeta. Neste poema, o importante
aspecto das imagens poéticas é discutido construindo um discurso metalinguístico
acerca delas.
Nesta seção, a metalinguagem foi observada em cinco poemas, a análise
revelou aspectos presentes na concepção de poesia de João Cabral de Melo Neto.
O poeta pernambucano utilizou esses poemas para apresentar suas opiniões e
refletir acerca do fazer poético.
Verificamos que a metalinguagem trata de assuntos diferentes em cada um
dos poemas; é perceptível que o poema acaba se tornando um espaço para a
discussão do fazer poético em diferentes níveis, os quais foram tratados neste
trabalho.
Por fim, a nossa problemática inicial foi devidamente respondida, visto que
conseguimos compreender como o poeta se utiliza da obra para discutir aspectos
literários, assim, acreditamos que, devido à novidade deste movimento de pesquisa,
este trabalho agrega importantes contribuições para nosso campo de estudo.
69

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando propomos a realização desta pesquisa verificamos que o poeta João


Cabral de Melo Neto possui uma considerável importância no cenário literário
nacional e até internacional. Suas obras constituíram verdadeiros clássicos da
poesia moderna, sendo assim, despertou o interesse para diversos estudos acerca
das características e especificidades. Constatamos também que, devido à
pluralidade de elementos a serem pesquisados nas obras, haveria sempre lacunas a
ser preenchidas, porquanto, como afirma Calvino (1993), os clássicos não são
esgotados em seus sentidos, por isso, uma nova pesquisa sobre a poesia de Cabral
ainda apresenta novidades. Considerando isso, propomos uma análise da
construção da metalinguagem, assim como os assuntos por ela tratados;
selecionamos como corpus a obra A Educação Pela Pedra, visto que se trata de
uma obra muito significativa no contexto das produções de João Cabral de Melo
Neto.
Diante disso, o nosso objetivo geral visou compreendercomo é construída a
metalinguagem, assim como, quais os assuntos tratados por ela, na obra A
Educação Pela Pedra de João Cabral de Mel Neto. Ao findar a análise verificamos
que foi alcançada a compreensão acerca da construção da metalinguagem nos
poemas da obra aqui tratada, assim como, foi possível analisar os temas tratados
nos poemas metalinguísticos, ou seja, a pesquisa possibilitou que pudéssemos
analisar o conteúdo expresso pelos poemas e assim, compreendê-los como peças
metalinguística.
Para que o objetivo geral fosse alcançado, necessitou-se, primeiramente,
identificar os aspectos metalinguísticos nos poemas da obra A Educação Pela
Pedra. Após um cuidadoso trabalho de observação e reflexão, considerando a teoria
estudada, alcançamos este primeiro objetivo.
Como segundo passo, propomos perceber como é construída a
metalinguagem nos poemas. Neste ponto, também obtivemos êxito, pois foi possível
a percepção de como o poeta constrói a metalinguagem em seus poemas,
utilizando-os como forma de manifestação de suas concepções acerca do fazer
artístico.
70

Atendido isso, passamos a analisar os assuntos tratados nos poemas que se


utilizam do artifício da metalinguagem. Após a análise se obteve dados que nos
permitiram responder nossa problemática.
Ora, a problemática definida para este trabalho visou responder a seguinte
pergunta – “como é construída a metalinguagem, assim como, quais os assuntos por
ela tratados, nos poemas da obra A Educação Pela Pedra de João Cabral de Melo
Neto?”. Como foi possível observar neste trabalho, a nossa problemática foi
respondida, porquanto, por meio da análise, constatou-se que o poeta se utiliza de
artifícios linguísticos e figuras de linguagem para construir poemas metalinguísticos,
como foi observado, o fator metalinguístico pode se encontrar explicito ou implícito,
dependendo do texto. Também foi possível a constatação de que são diversificados
os assuntos tratados nos poemas, surpreendendo-nos com tal diversidade, visto que
o poeta trata de temas como – trabalho com a linguagem poética; escolhas lexicais
para a construção do texto; cuidado com a sintaxe do texto e com o aspecto
comunicativo; tratou também do fato de que as palavras podem assumir significados
diferentes no corpo do poema, dependendo de como o poema as trate; além de
refletir acerca das imagens poéticas.
A nossa metodologia deu conta das análises propostas, pois conforme os
estudos prosseguiam, a metodologia dava suporte para que compreendêssemos os
fenômenos linguísticos que apareciam diante de nós. As leituras teóricas
embasaram com propriedade nosso estudo, além de disponibilizar as ferramentas
para a análise do corpus. Após a leitura teórica, a análise da obra literária foi
suficientemente fluente, o que possibilitou que alcançássemos os resultados
desejados.
Falar da estrutura do trabalho foi importante para que os resultados fossem
obtidos com a qualidade necessária à academia. Nossa proposta de organização de
capítulos e dos temas tratados em cada um deles pode levar inicialmente ao
pensamento de um trabalho demasiadamente complexo para atender ao gênero
acadêmico em questão, todavia, conseguimos dosar as teorias de forma que nosso
percurso culminou na obtenção dos resultados desejados.
De certo, como já foi mencionado, não há trabalho “completo”, o qual não
apresente limitações. Para que haja progresso na ciência, faz-se necessário que o
pesquisador aponte suas limitações, as quais podem ser sanadas em pesquisas
posteriores.
71

O nosso, devido às circunstâncias do gênero acadêmico ao qual pertence,


assim como às limitações financeiras34, apresenta inicialmente uma limitação quanto
à discussão teórica acerca das questões de metalinguagem. Pensou-se, neste
trabalho, devido ao espaço, em priorizar a obtenção dos resultados e a análise, pois
se trata de uma contribuição imediatamente mais importante, todavia, a
fundamentação teórica deu conta do que foi proposto na problemática, ficando para
um trabalho posterior uma análise mais profunda.
Essencialmente devido à questão do espaço do gênero acadêmico que
estamos escrevendo, não foi possível uma maior reflexão acerca das relações entre
a função poética da linguagem e a função metalinguística, assim esta
problematizarão teórica pode ser realizada posteriormente.
Como foi mencionado neste trabalho, João Cabral de Melo Neto é um poeta
de uma produção extensa, visto isso e considerando os resultados obtidos com as
análises feitas neste trabalho, percebe-se que há uma necessidade de analisar mais
poemas considerando nossa problemática, assim, podem-se obter mais resultados
que acrescentem à fortuna crítica de João Cabral de Melo Neto35.
Tendo em vista as limitações apresentadas, é prudente que em trabalhos
porvindouros haja uma discussão mais aprofundada considerando o referencial
teórico, visto que, partindo do que foi discutido até aqui, é possível partir para
maiores discussões teóricas, as quais contribuíram para o progresso nos estudos do
tema aqui tratado.
Outro apontamento necessário é a necessidade de uma maior
problematizarão das relações entre as funções de linguagem, pois no decorrer da
construção deste trabalho, verificou-se que é um campo que tem muitos pontos
importantes que carecem de maiores discussões.
A seleção de um número maior de poemas da obra aqui trabalhada pode
ajudar a perceber outros pontos importantes, os quais ainda não foram observados
em nosso trabalho e nem em trabalhos anteriores, assim, dispondo de mais espaço
o pesquisador poderá analisar mais poemas e comparar aos resultados obtidos aqui,
fazendo assim, com que a pesquisa possa avançar.
Por fim, creditamos que este trabalho traz importantes contribuições,
sobretudo para a UfalCampus do Sertão, onde ele foi desenvolvido, pois inova

34
Pois o presente trabalho não dispôs de recursos para a obtenção de maior quantidade de material teórico.
35
A questão do espaço do gênero foi decisiva para que houvesse tal delimitação do corpus trabalhado.
72

enquanto escolha de objeto. A realização deste trabalho possibilitou a construção de


“mais um degrau na gigantesca escada dos estudos literários”.
73

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