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OS OSSOS DE MILO

Existem coisas que eu gostaria de esquecer. Coisas que permanecem na minha visão
periférica, nunca se pondo completamente em vista, a menos que cuidadosamente inspecionadas.
Porém, essas coisas sussurram em meus ouvidos, e são esses sussurros que me deixam acordado de
noite. O peso deles pode ser avassalador, ainda mais quando se acumulado. Bem, eu citei que essas
coisas só aparecem completamente quando inspecionadas. Essa não é uma experiência agradável.
Desenterrar cadáveres nunca é, mas as vezes é necessário.
Uma vez houve Milo, mas não há mais. E é dele que eu gostaria de esquecer.
Seu nome se fez ecoar, com toda a estranheza e peculiaridade que ele carrega, na sala de
aula, quase 30 anos atrás. A professora estava em frente a lousa, com um meio sorriso e um braço
em volta dos ombros dele. Um garotinho pequeno, de ossos protuberantes e um cabelo loiro
escorrido, na altura do ombro. Na época, tínhamos dez anos, e me lembro claramente do burburinho
que se ergueu quando a professora o apresentou, e toda a sala tentou adivinhar quem o garoto era.
Eu não. Eu apenas o observei, intrigado pelo nome e pela aparência tão contrastante com o
resto de meus colegas. Ele não parecia um menino do interior. Por isso, não me surpreendi ao ouvir
a professora dizendo que ele vinha da capital. Nunca tinha conhecido ninguém da cidade grande.
Isso conferia a Milo um ar mistico. Ele era um ponto de interrogação, e eu estava fisgado.
Minhas memórias me enganam um pouco nessa primeira parte. Por algum tempo, achei que
tínhamos começado a conversar logo, mas, pensando melhor, não foi isso que ocorreu. Nosso
processo de nos tornarmos amigos foi longo. Ele era tímido, igual eu. Nos primeiros dias, se sentara
no fundo da sala, e não conversara com ninguém. Durante os intervalos, levava seu lanche para um
canto vazio, e ficava observando as outras crianças de lá.

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