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Michel Foucault, Davi Garland e outros autores

Deixando de lado a teoria política clássica baseada em modelos jurídicos-institucionais


do problema do poder, em Michel Foucault temos uma análise sobre como o problema da
vida começa a problematizar-se no campo do pensamento político, que está na questão de
como o homem-espécie passa a ocupar o centro da cena política. Nas palavras de Giorgio
Agamben (2007), o trabalho de Foucault vai “[...] na direção de uma análise sem preconceitos
dos modos concretos com que o poder penetra no próprio corpo de seus sujeitos e em suas
formas de vida. [...]” (AGAMBEN, 2007, p. 13)
Então, uma primeira conclusão acerca dessa novidade no pensamento foucaultiano
sobre o poder é que ele aborda o ingresso da zoé na esfera da polis , ou a politização da vida
nua pelo poder objetivo do Estado população. Cumpre assinalar que a politização do homem
enquanto espécie constitui o evento decisivo da modernidade. As transformações no nível da
teoria política são, antes de tudo, transformações no nível dos mecanismos, das técnicas, das
tecnologias do poder. Nisso está o conceito de biopolítica presente na obra e Foucault. Não
mais incidindo sobre os corpos individuais, a biopolítica lida agora com a população, e a
população como problema político. (FOUCAULT, 2005, p. 293)
Na passagem do Estado territorial ao Estado de população, os mecanismos
transferem-se de disciplinadores dos corpos para regulamentadores da vida. Na “nova” lógica
do fazer viver e deixar morrer, os mecanismos do poder atuam sobre o Estado de população,
criando uma cultura do controle que incide sobre os processos de natalidade, de mortalidade,
de longevidade, enfim, sobre esses fenômenos coletivos que só se tornam pertinentes no nível
da massa – fenômenos de série.
Como assinala Agamben (2007), comentando a teoria política de Foucault, cabe
enxergar que o poder biopolítico atua sobre a vida da população através de técnicas de
individualização subjetivas e procedimentos de totalização objetivos. Tal ponto em que a
servidão voluntária dos indivíduos comunica com o poder objetivo do Estado de população
podemos ver desenvolvido na análise de David Garland (2008) sobre as nossas respostas
contemporâneas ao crime. Garland trata da reconfiguração do campo do controle do crime
como resultado de escolhas políticas e decisões administrativas, ambas assentadas sobre uma
nova estrutura de relações sociais e informadas por um novo padrão de sensibilidades
culturais. (GARLAND, 2008, p. 48) As novas respostas ao crime são, antes, uma resposta da
sociedade forjada a partir de políticas oficiais de regulação do crime, responsáveis por
difundir um conjunto de sentimentos coletivos sobre o crime.
Num cenário em que o crime foi redramatizado e a emergência do medo do crime é
construída como tema cultural, podemos assinalar o ponto de convergência entre aquelas
técnicas de individualização e os procedimentos totalizantes das quais se utiliza a biopolítica.
Assinala Garland que na atual cultura do controle a vítima é, de certo modo, “[...] um
personagem muito mais representativo, cuja experiência é projetada para o comum e coletivo,
em lugar de ser considerada individual e atípica. [...]” (GARLAND, 2008, p. 55) O medo do
crime adquiriu novo destaque, sendo encarado como um problema social de primeira
importância e como uma característica da cultura contemporânea. Há, portanto, um esforço
voltado para disseminar as políticas oficiais como respostas de sentimentos sobre o crime.
Em sua obra Crítica da modernidade, Alain Touraine citando a denuncia de Foucault a
essa tendência das sociedades modernas de ampliar o campo da moralização assinala que
Não se trata mais somente de não infringir as ordens do policial, mas ainda de
acreditar nelas, de ajustar seus sentimentos e seus desejos às regras do êxito social e
a um higienismo social formulado muitas vezes em nome da ciência. [...]
(TOURAINE, 2002, p. 103)

Medida de higienismo social não são apenas procedimentos de um Estado de exceção


orientado por uma política de totalização objetiva. Como o fora na política do Estado nazista,
medidas como essa são antes subjetivadas nos indivíduos, que ante à emergência do medo
vêem-se convencidos de sua eficácia. Então, temos aqui uma resposta social pulverizada pelo
Estado e justificada pela cultura do medo criada a partir das técnicas de individualização
subjetivas.

Referências bibliográficas

AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Trad. Henrique Burigo.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 2008.

GARLAND, David. A cultur do controle: crime e ordem social na sociedade


contemporânea. Trad. André Nascimento. Rio de Janeiro; Revan, 2008.

TOURAINE, Alain. Crítica à Modernidade. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

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