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Cesar Bulara -
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Resumo
O presente trabalho tem por objetivo discorrer sobre o papel que as virtudes
desempenham na melhora de nossas relações pessoais, focando mais na relação de
amizade. Todo homem busca a felicidade e todos os seus atos tem por fim esse único
objetivo, assim, como o ser humano também é um ser social então ele busca em suas
relações com os outros ser feliz. Focando mais na relação da amizade, são
desenvolvidos neste trabalho as definições de amizade e virtude, sob a ética aristotélica.
Depois é trabalhado a visão que a filosofia medieval tem sobre essas
definições, utilizando elas de base, os pensadores cristãos expandem esses conceitos até
chegar nas virtudes teologais, sobretudo a caridade, que é a forma mais excelente de
amizade. Desse modo o homem virtuoso tem as virtudes como base que o levam à
caridade e com ela, ele consegue ser melhor amigo de seus amigos
Summary
The present work aims to discuss the role that virtues have in improving our
personal relationships, focusing more on the friendship relationship. Every man seeks
happiness and all his acts are aimed at this only purpose, thus, as the human being is
also a social being so he seeks in his relations with others to be happy. Focusing more
on the relationship of friendship, the definitions of friendship and virtue are developed
in this work, under aristotelian ethics. Then the vision that medieval philosophy has on
these definitions is worked, using them as a basis, Christian thinkers expand these
concepts until they reach the theological virtues, especially charity, which is the most
excellent form of friendship. In this way the virtuous man has the virtues as the basis
that lead him to charity and with it, he manages to be best friend with his friends
Introdução
A sociedade contemporânea está passando por uma grave crise das relações
interpessoais. Não é difícil encontrar conhecidos ou familiares com problemas para
interagir com um terceiro, mais e mais as amizades estão instáveis, assim como um
castelo de cartas podem ruir de repente, dependendo do ânimo e do humor com os quais
se encontram as pessoas. Cada vez menos relações duradouras são construídas, ao
contrário, são criadas amizades de uma noite que acabam tão depressa como se iniciam.
A realidade é que se está imerso em uma cultura imediatista, que exige tudo no
momento em que se exige e não consegue esperar, o amigo, o colega e o namorado ou
namorada passaram a ser vistos como um objeto de consumo, e uma vez que não pode
mais satisfazer é descartado. Raramente se vê casamentos com mais de 15 ou 20 anos
ou amigos que se falam desde a época de colégio, isso revela a falta de perseverança, de
doação, de acreditar no outro e acima de tudo, de desinteresse, de não esperar nada em
troca.
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Dessa forma, busca-se pelas literaturas que, em contrapartida com o panorama
atual, apresentam uma abordagem que busca preservar as relações, desejam que durem e
que, efetivamente, ensinam o caminho para tal. Pela abordagem aristotélica e cristã o
indivíduo procura adquirir virtudes que irão melhorar a si mesmo e o amigo, e disso se
desenvolve um laço extremamente forte, uno e que muito dificilmente pode ser
quebrado. Por essa razão, tais obras foram selecionadas de tal forma que, nesse artigo se
conseguisse trazer a mensagem que possuem. Assim essa verdade tão antiga, porém tão
cheia de novidade pode ser levada à tona.
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De certa forma, pode-se identificar uma atitude de fundo que atinge a muitos
relacionamentos: o pensar mais em si mesmo do que no outro. Tal fato traz
consequências importantes para a vida em família e em sociedade. Para Aristóteles, o
problema relacionado a essa questão se resolve no momento em que a pessoa passa a
olhar o seu amigo como um outro eu.
Dessa forma, tudo o que se dedica para o outro se está dedicando para si mesmo,
ao doar-se para o outro, está se doando a si mesmo e ao fazer com que o outro melhore
está melhorando-se a si mesmo. Assim, é correto afirmar que para a abordagem
aristotélica o eu não é um conceito fixo e estático, na realidade, pode ser ampliado
indefinidamente, tornando possível olhar para um outro indivíduo como uma extensão
de si mesmo.
Ademais, é dito também que “(...) e a amizade parece digna de ser desejada por
si mesma. Mas dir-se-ia que ela reside antes em amar o que em ser amado (...)”, nesse
trecho é explícito que o que mais se valoriza é o ato de entrega incondicional, o que
significa doar-se sem esperar nada em troca. A fim de exemplificar isso é apresentada a
situação de algumas mães que, não podendo criar seus próprios filhos, confiam-nos aos
cuidados de terceiros, essas pobres mulheres amam os seus filhos com todas as forças
apesar de saberem que não podem esperar reciprocidade.
Todos os homens buscam ser amados e como já foi dito há diferença entre os
graus e intensidades desse amor, o amor de um esposo para com sua esposa é diferente
de um amor entre namorados ou entre amigos. Muitas pessoas, nessa ânsia de querer ser
amadas, buscam amar o outro, até porque o amor é uma relação que deve ser recíproca.
Dessa forma, para uma completa doação, que deve ser feita em qualquer grau de amor, é
necessário não só o querer, mas também o conseguir, no querer está o aspecto do
intelecto de ver aquele objetivo como um bem. No entanto, há também a parte da
vontade de procurar conseguir aquele bem e para isso é preciso dispor dos meios para
alcançar aquilo que se busca.
Por exemplo, um halterofilista que almeja levantar uma quantidade absurda de
peso, primeiro ele deve ver esse objetivo como um bem, seja para ganhar mais força
muscular ou ganhar uma competição, mas apenas isso não o fará levantar a quantidade
de peso que quer, ele também deve treinar até conseguir seu objetivo.
Na doação ocorre algo semelhante, o amigo busca se doar mais para seu colega,
mas ele não dispõe dos recursos necessários para isso, da mesma forma que o
halterofilista ainda não possui a força necessária para carregar o peso que quer, e a esses
recursos é dado o nome de virtudes. Todo aquele que busca ser melhor amigo dos seus
amigos e nutrir amizades excelentes deve buscar as virtudes pois possibilitam essa
doação ao outro.
Então, surge a pergunta: o que seriam as virtudes? As virtudes são
primeiramente definidas e comentadas pelos gregos e depois com o surgimento do
cristianismo a definição e o ensinamento delas é expandido e aprimorado. De acordo
com Aristóteles, a virtude “se encontra no justo meio entre os extremos, e será
encontrada por aquele dotado de prudência e educado pelo hábito no seu exercício. ”1
Assim, a virtude seria a qualidade que fica entre o excesso e a falta, no termo médio, por
exemplo, a virtude da coragem é o termo médio entre a covardia, que seria uma
deficiência na coragem, e a temeridade, que é um excesso de coragem, mas também
uma falta de prudência.
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A Educação Segundo a Filosofia Perene, Capítulo V, parte 6.
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Dos elementos que constituem as virtudes, o primeiro deles é o hábito. Isso é
visto na seguinte frase de Aristóteles: “Por conseguinte, se as virtudes não são paixões
nem faculdades, só resta uma alternativa: a de que sejam disposições de caráter. ”2, ou
seja, o que constitui a virtude é uma disposição de caráter, também chamado de hábito.
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homem virtuoso a virtude é regulada pela razão e não simplesmente excluída. No
entanto, aquelas paixões que estão desordenadas não somem, simplesmente, mas
passam a ser ordenadas e por conta disso se transformam.
Tomemos a preguiça como exemplo, no começo o preguiçoso é dominado pela
paixão de ir adiando o trabalho, sempre preferindo o prazer antes do trabalho, mas ao
conquistar a virtude da diligência essa paixão é eliminada, ou melhor, trocada por uma
outra, de desfrutar do prazer após ter feito seu trabalho, assim, ele consegue ficar
despreocupado porque seu serviço já foi finalizado.
As virtudes para os cristãos passam a ter um sentido muito elevado, porque vivê-
las significa se aproximar e se identificar com Deus. Sem o amor não faz sentido
procurar viver as virtudes, pois Deus é o fim último.
As virtudes teologais são aquelas infundidas pelo Espírito Santo para que os
fiéis possam tornar-se capazes de agir como filhos e merecer a vida eterna. Segundo o
Catecismo, as virtudes teologais, “adaptam as faculdades do homem para que possa
participar da natureza divina...; animam e caracterizam o agir moral do cristão;
informam e vivificam todas as virtudes morais” (Catecismo da Igreja Católica, nn. 1812
e 1813)5. Com elas todas as virtudes passam a ser, como dizia Santo Agostinho, “atos de
amor”.
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Catecismo da Igreja Católica nn. 1812 e 1813
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A primeira virtude teologal é a fé, que consiste em ver tudo com os olhos de
Cristo. Com a fé viva torna-se possível praticar uma série de virtudes humanas, que a
visão mundana é incapaz de compreender. Com a fé os cristãos têm a certeza de que
Deus é amor e, portanto, toda a conquista das virtudes passa a ter um sentido, conquista-
las por amor a Deus. Desta maneira, o homem que tem fé procura entregar-se totalmente
a Deus, vivendo a Fortaleza, generosidade, temperança etc.
Por fim temos a caridade que é a virtude que funde inseparavelmente o amor a
Deus e o amor ao próximo. “É a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas
as coisas, por si mesmo, e ao nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus”
(Catecismo da Igreja católica, n. 1822)7. Ela engrandece as virtudes humanas da
generosidade, da lealdade e da fidelidade.
Nessa perspectiva, São Tomás de Aquino diz que tal virtude é a mais excelente
entre todas as virtudes, assim como a fé, a Caridade tem também a Deus como objeto,
que se estende também ao próximo. De fato, é uma amizade do homem para com Deus,
que nos torna participantes de sua bem-aventurança, ademais, amor é a palavra que mais
se identifica com a definição tomística de Caridade, pois é o que se funda nessa
comunhão de Deus e o homem, o objetivo próprio do amor de Caridade é o bem divino.
São Tomás define tal virtude da seguinte forma “...entre as virtudes teologais, será mais
excelente aquela que mais alcançar a Deus. Ora, a fé e a esperança alcançam Deus na
medida em que recebemos dele ou o conhecimento da verdade ou a posse do bem. Mas
a Caridade alcança Deus para que nele permaneça e não para que dele recebamos algo”.
Nesse cenário, vale ressaltar que São Tomás reconhece a excelência dessa virtude em
relação as demais.
Nesse panorama, quem nos ensinou a verdadeira vivência da Caridade, foi Jesus
Cristo, no qual trouxe tal bem, de forma grande, sincera, mais nobre e valiosa, os
homens devem amar de forma mútua como Cristo os ama, pois, assim, dentro de suas
rudezes pessoais, será possível abrir o coração a todos os homens, amar da forma mais
elevada. São Paulo pede que seja feito o bem a todos e especialmente aos que pela fé
pertencem à nossa família, ao corpo Místico de Cristo. É necessário preservar o pedido
de São Paulo, principalmente dentro da Igreja, visto que, nela, é necessário que haja um
clima de autêntica Caridade, pois quando há desavenças, ataques e calúnias ninguém se
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Deus caritas est, n. 39
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Catecismo da Igreja Católica, n. 1822
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sentirá atraído pelos que se apresentam como mensageiros da boa nova, os filhos de
Deus aprendem na Igreja a servir e não a ser servidos, sentem-se com força para amar a
humanidade como Cristo amou a Igreja, os católicos devem buscar compreender que a
prática dessa virtude com o próximo é uma forma de amor a Deus, assim, não há limites
para a busca da Caridade, deve-se sempre buscar melhorar tal prática.
Por fim, São Paulo ressalta mais uma vez essa virtude em Coríntios, capítulo 13
“São Paulo: Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor,
seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda
que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me
aproveitaria”. Portanto, Caridade é traduzir em obras e verdades o grande empenho de
Deus, que deseja que os homens se salvem e conheçam a Verdade.
Conclusão
Referências
- ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 10. ed. São Paulo: Martin Claret, 2001.
- João Paulo II. Catecismo da igreja católica. 2.ed. São Paulo. Loyola, 2000
-FAUS, Francisco. Conquista das virtudes.1.ed. São Paulo. Cultor de livros, 2015. A
alma das virtudes humanas, Mais sobre a alma das virtudes pp 55- 59 pp 60-65
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- 1 CORÍNTIOS 13. Bíblia Online. Disponível em:
https://www.bibliaonline.com.br/acf/1co/13. Acesso em: 8 nov. 2021.