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HISTORIA CONTEMPORANEA da Revolucao Francesa a Primeira Guerra Mundial a me || 1] tg AM one LUIS EDMUNDO MORAES elile rennin) TEMPOS DE CONCORRENCIA: 05 ESTADOS EUROPEUS EO ivpzetauismo 145 possivel para eles: auxiliando, com o seu trabalho, aa ° © desenvolvimento das poténciaseuropeias. Com tudo isso, a submissio do outro e ua explorerso justficadas. E facil perceber como essa forma de pensar esta fundamentada em um dos frutos diletos do pensamento europeu ocidental que se disseminow nas tiltimas décadas do século x1x: 0 racismo. esto Impactos da expansao colonial O imperialismo esté longe de ser um fenédmeno exclusivamente econdmico ou politico. ‘Trata-se de um fendmeno que afeta todos os aspectos da vida social ¢, se pensarmos em seus impactos, ele produziu transformagGes profundas e duréveis no mundo tanto das colénias quan- to das metrépoles. Na Europa, se firmou a ideia de que a chegada do aparato admi- nistrativo e militar das poténcias imperialistas introduziu nas colénias estruturas racionais de governo e de exploracdo econémica onde antes imperava 0 vazio. Em ultima instancia, diziam até mesmo os mais avessos Aexploracdo colonial, o imperialismo beneficiava povos que eram, ha mui- to, impotentes para dar o salto necessdrio de modo a atingir 0 estagio de desenvolvimento em que se encontrava 0 Ocidente. Essa benevoléncia analitica para com 0 imperialismo, reprodutora do mito fundante da empresa colonial, s6 era possivel de longe. Lem- brando a imagem do escritor Joseph Conrad no livro Coragdo das trevas: “A.conquista da terra, que na maioria das vezes significa tomé-la daqueles que sio fisicamente diferentes, ou que tem um nariz levemente mais achatado do que 0 nosso, néo é uma coisa bonita de se ver, quando se olha muito para ela”. iain Quando se olha de perto, 0 que se vé sao praticas administrativas e econémicas que tém como tinico propésito a criagéo dos melhores —- Para a transformagéo da coldnia em uma unidade produtiva que arent ’s expectativas da metrépole. Em algumas experiéncias colonials so, S40 encontrada pela pouca capacidade de controle direto da col lonia foi 4 constituicao de pequenas unidades gestoras, relativamente ae ue eram, com frequéncia, entregues 4 administragao Privace- Digitalizada com CamScanner 146 susroniaconremonawea casos, a multiplicidade de sistemas de controle privados e estatais sobre um mesmo territério, que reclamavam simultaneamente o direito de taxar ¢ explorar o trabalho dos nativos, além de envolverem praticas de governanca distintas e, no raro, contraditérias, produziu mais caos do que racionalida- de administrativa. Em muitos casos, a intervengao tinha inicio com o redesenho terti- torial e envolvia retirada das populagdes nativas das dreas que ocupavai, O estabelecimento de fronteiras arbitrérias nas regiées de colonizacio, mais marcadamente no continente africano que na Asia, sepatou grupos linguisticos ¢ culturais ¢ reuniu, sob uma mesma unidade, grupos rivais, Da mesma forma, politicas de transferéncia de populagao, na maior parte das veves movidas pela expectativa de liberacéo de terras para a exploracéo econémica por curopeus, eram priticas regulares e violentas. Ao lado disso, a reconfigurasao societétia no ambiente colonial foi observada em quase todas as experiéncias. Com frequéncia, grupos ou chefes nativos acolheram os europeus como suportes de sua propria pros- peridade e grandeza nas disputas locais. Mas, 0 apoio a personalidades ou a grupos nativos aliados, bem como a constituigao de elites nativas mais facilmente manejéveis, prética constante no redesenho das hierarquias po- liticas no mundo colonial, fez. com que a estrutura social tradicional néo resistisse & interven¢éo europeia, sendo frequentemente desconstituida e reconstituida & sombra dos padres europeus, Além disso, 0 mundo colonial era estruturalmente cindido. Isso significa que a fronteira e a assimetria entre 0 europeu ¢ 0 colonizado eram bem demarcadas e sempre visiveis. Nesse tipo particular de sociedade, © colonizado, independentemente do lugar na hierarquia nativa por ¢le ocupado, era sempre inferior. Essas fronteiras, ot no mais das vezes intranspo- niveis, cram visiveis em diversas dimensées da vida social, expressando-se ‘anto na lingua uilizada em assuntos oficiais (a do colonizadot) quanto 98 Possibilidade limitada de ascensio P social ¢ no fato cotidiano da violencia, & desctita por Frantz Fanon, um intelectual que se tornou um dos expoen” tes da luta anticolonial no século xxx, como indisfargada e exercida na bo consciéncia de que deveria ser explicita e onipresente. Isso € amplamente demo fe nstrado nao somente pela pratica colonial ‘aet6poles, como também justificado por aqueles que a implemet” Digitalizada com CamScanner TEMPOS DECONCORRENCIA-osEsTADOSEURoPEus EomERIALMo 147 raram, como o fez Carl Peters, um dos agentes da colonizacao alema na Africa Oriental e que ficou tristemente conhecido pela crua brutalidade com que tratava os nativos, MEMORIAS DE CARL PETERS Em suas memérias, publicadas em 1906, Carl Peters responde aqueles que 0 acusavam de desumanidade no trato dos afticanos: Eu fai muito atacado ¢ insultado na Alemanha pela maneira como eu [...] lidei com os nativos; certamente por pessoas que sabem tanto dos afticanos quanto do homem na lua, [...] E achou-se para isto a acusagéo conveniente de “brutalidade” contra os “pobres negros”. [. Competente para julgar-me so, na minha opinio, s6 os que conheceram 0s afticanos nas reas onde eles mesmos dominam; € nao onde eles vivem sob 0 dominio branco, onde se tem a impressio de que sua indole é melhor do que cla realmente é, ¢ assim nao se pode conhecé-los como o animal brutal que sait das mios da nacureza. [...] Se eu dou a um chefe negro um boi, ele estard imediatamente inclinado a tirar todo o meu rebanho; se et dou a cle um golpe com o chicore, ele estaré inclinado a me dar bois de presente. Isso traz a questio & sua formula mais sintética: ele sempre veré, nos atos de bondade, 0 medo e, nos atos de firmeza, a consciéncia da forga superior dos brancos. Fonte: Perens, Carl. Die Grindung von Deutsch Ostafiika: Kolonialpoitische Erinnerungen und Betrachtungen, Berlin: Verlag von C. A. Schwetsche und Soha, 1906, pp. 250-3. Tradugio nossa A violéncia constitutiva das préticas coloniais teve alguns casos cxemplares, No Congo de Leopoldo 1, o sistema de trabalho forgado para a exploracao de borracha implicou o estabelecimento de cotas de produgéo Para comunidades inteiras, Alguns administradores wtlizavam o recurso de ‘omar as mulheres de uma comunidade como reféns regulares para obrigar ©s homens a atingir a cota. Outros infligiam punigbes fiicas boy males 280 a cota nao fosse atingida, incluindo a prética da mutilagéo i que S¢ tomou habitual entre os administradores de Leopoldo 1: méos € Drages istema barbaro de Sortados so as imagens talvez mais chocantes de um sistema Produgéo ¢ que teve como efeito, pelo desocamento da forca de trabalho Digitalizada com CamScanner 148 snsronia contemronanes exclusivamente para a extragio de cotas altissimas de borracha, a destruigéo de formas tradicionais de vida e de subsisténcia, A publicagao de fotografias produzidas por missiondtios escandal- zou mesmo pessoas acostumadas a se considerar superiores € gerou uma vigorosa rea¢io puiblica contra as atrocidades cometidas. A presséo inter- nacional, especialmente da Inglaterra e dos Estados Unidos, fez com que a Bélgica designasse uma comissao para apurar as dentincias contra o rei, Confirmadas, Leopoldo 11 se viu forcado a abrir mao de sua propriedade sobre o Congo e transferi-la para o Estado belga. FOTOGRAFIAS DE MISSIONARIOS NO CONGO As fotogratfias, tiradas por missionarios no Congo belga, expuseram as atrocidades e a barbarie da dominagéo colonial europeia. A mutilagao de adultos e criangas __fazia parte das frequentes punigées fisicas para os que no cumpriam as cotas de um sistema de produgéo desumano. Fonte: Mont, Edmund D. King Lepold Rue nf, London: Wiliam Heinemann, 1904, pp 1123 O efeito desse tipo de explorago para o Congo foi uma verdadeira fracura demogréfica: em torno de 10 milhdes de mortos até principios 4 século xX. a Digitalizada com CamScanner "TEMPOS DE CONCORRENCIA0S EsTanos EURoPEUsEOMPERIALIsMO 149 Da colénia da Africa Alema do Sudoeste, que corresponde & atual Namibia, vem outro caso exemplar do grau de violéncia que podia atingir a empreitada imperialista. Trata-se da resposta alemé a revolta dos nativos herero contra as praticas de desocupacio de terras ¢ a violéncia cotidiana aque cram submetidos. A revolta, que se iniciou em 1904, pegou a admi- nistragéo colonial de surpresa ¢ levou a metrépole a querer dar um sinal definitivo de até onde estava disposta a ir para favorecer seus interesses na regido: a ago militar teve 0 propésito de eliminar 0 grupo dos hetero. Isso ndo surpreende se lembrarmos das palavras de um missionério: “o ale- méo olha os nativos como sendo do mesmo nivel dos primatas superiores (babuino & 0 seu termo favorito para chamar os nativos) € os trata: como animais. O colono sustenta que o nativo tem o direito de existir apenas na medida em que ele € util para 0 homem branco”. O Exército colonial, comandado pelo general Lothar von Trotha, experiente em massacres coloniais, empurrou militarmente os herero para o deserto de Omaheke (a oeste do Kalahari), com a ordem de matar todos que sobrevivessem & sede. Ainda assim, muitos foram presos € levados para 0 “campo de concentracao” da fria ¢ desértica ilha de Tubaréo, Os maus- tratos ea falta calculada de cuidados e de alimentagao fizeram com que esse tenha sido considerado o primeiro campo de exterminio da historia alema. Levando em conta as perdas no conflito e aquelas derivadas da retaliagéo calculada, o saldo foi a morte de cerca de 80% de toda a popu- lagéo dos herero, que contava em principios de 1904 com aproximada- ‘mente 800 mil individuos. Além disso, todas as suas terras ¢ todos os seus rebanhos foram apropriados diretamente pela administraéo colonial. Os hereto remanescentes foram expulsos do territério ou espalhados pela colénia em situagao de trabalho escravo. No relato oficial da operasao, © autor finaliza, com ares de dever cumprido: “os herero deixaram de ¢xistir como povo auténomo”. | Préticas como essas deixaram marcas durdveis em todas as socieda- submetidas ao imperialismo europeu. wae Também nas sociedades colonizadoras os impactos io a Pequenos, ainda que em sentido contritio: elas se fizeram “sociedades Digitalizada com CamScanner

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