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EXPLORANDO CONTEÚDOS MATEMÁTICOS ENVOLVIDOS

NA CONSTRUÇÃO DE UMA CASA

Sergio da Silva Cambiriba∗


Dante Alves Medeiros Filho**

Resumo:

As teorias de ensino e aprendizagem contemporâneas enfatizam que a


aprendizagem escolar é favorecida quando os conteúdos são trabalhados de forma
contextualizada ao aprendiz. Esta consideração torna-se mais evidente à medida
que avança a idade, pois, cresce a cada dia o número de suas experiências sociais.
Neste sentido é que no presente trabalho foram desenvolvidos alguns conteúdos
matemáticos com alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA-PR) de forma
contextualizada, utilizando para tal a construção de uma pequena residência em
alvenaria. Neste empreendimento foram destacadas várias situações ligadas à
construção da casa que envolviam um saber prático e que poderiam ser trabalhados
a partir da observação do problema em direção a sua teorização.

Palavras-chave: Etnomatemática. Conteúdos Matemáticos. Construção de uma


Casa. Pedreiro.

EXPLORING INVOLVED MATHEMATICAL CONTENTS IN THE


CONSTRUCTION OF THE ONE HOUSE

Abstract:

The theories of education and learning contemporaries emphasize that the pertaining
to school learning is favored when the contents are worked of contextualized form to
the apprentice. This consideration becomes more evident the measure that advances
the age, therefore, grows to each day the number of its social experiences. In this
direction it is that in the present work some mathematical contents with pupils of the
Education of Young and Adults (EJA-PR) of contextualized form had been
developed, using for such the construction of a small residence in masonry. In this
enterprise some on situations to the construction of the house had been detached
that involved one to know practical and that they could be worked from the comment
of the problem in direction its theorization.

Keywords: Ethnomathematics. Mathematical contents. Construction of one house. Mason.

*
Sergio da Silva Cambiriba, professor da rede estadual do Paraná. e-mail: cambiriba @ bol.com.br
**Orientador: Dante Alves Medeiros Filho. Prof. Dr. do Departamento de Informática da UEM-PR.
INTRODUÇÃO

Nossa sociedade em geral, prestigia uma profissão de acordo com o nível


de certificação da mesma; quanto maior o grau de instrução, maior tende a ser a
remuneração.
Pedreiros, carpinteiros, pintores, entre outros, cujas profissões exigem pouco
ou nenhum grau de instrução, muitas vezes sobrevivem com salários irrisórios, na
informalidade, sem direitos ou benefícios trabalhistas.
Sabemos, porém que essas profissões, em especial a de pedreiro e
carpinteiro, exigem habilidades matemáticas que muitas vezes não são ensinadas
nas escolas. Essas habilidades podem ser analisadas e utilizadas pelo professor,
para demonstrar aos alunos a importância da Matemática no cotidiano das várias
profissões, levando-os a relacionar a Matemática escolar – conteúdos - com a
Matemática do dia a dia – prática.
O Cotidiano das pessoas está repleto de situações que envolvem
habilidades matemáticas, nas quais os indivíduos utilizam instrumentos materiais e
intelectuais que são próprios de sua cultura, apreendidos nas escolas, no ambiente
familiar, no ambiente dos brinquedos e do trabalho, recebida de amigos e de
colegas.
Esta cultura está relacionada a conhecimentos presentes nas práticas
cotidianas, e é citada nos PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais como um dos
possíveis caminhos para o ensino de Matemática.
Neste contexto é que o presente trabalho apresenta uma observação do
desenvolvimento de conteúdos de matemática básica com um grupo de aprendizes
do CEEBJA - Centro Estadual de Educação Básica de Jovens e Adultos.
Observou-se que na construção civil é muito utilizado um saber prático que
pode ser trabalhado de modo a ser teorizado perfazendo um caminho do real para o
teórico. Esta situação pode ser plenamente aproveitada para contextualizar
conteúdos didáticos propiciando assim a assimilação ativa destes conhecimentos.
Durante o acompanhamento do trabalho com um pedreiro na construção de
uma casa, percebeu-se que “a cultura de que só sabemos matemática se a
aprendermos na escola”, aqui não se aplica.
Foi constatado que em muitas situações de trabalho durante a construção
de uma casa, o pedreiro constrói um interessante modo de raciocinar, que a
matemática escolar muitas vezes desconhece ou mesmo ignora. E é essa maneira
de raciocinar utilizada pelo mesmo, que aqui será explorada.

REVISÃO DE LITERATURA

Durante o desenvolvimento desse trabalho buscou-se fundamentação


teórica sobre Etnomatemática e as discussões em torno do seu significado.
Ubiratan D’Ambrósio, considerado o pai da Etnomatemática, utilizou o termo
Etnomatemática formalmente pela primeira vez em 1984, no V Congresso
Internacional de Educação Matemática, realizado em Adelaide, na Austrália.
D’Ambrósio (1993) apud Bica (2008) define a Etnomatemática como:
“[...] um programa que visa explicar os processos de geração,
organização e transmissão de conhecimentos em diversos
sistemas culturais e as forças interativas que agem nos e entre os
três processos”. (p.7)
E ainda diz:
“[...] Etnomatemática é a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de
entender nos diversos contextos culturais”. (p.5)
Afirma também:
A abordagem a distintas formas de conhecer é a essência do
programa Etnomatemática. Na verdade, diferentemente do que
sugere o nome, Etnomatemática não é apenas o estudo de
“matemáticas das diversas etnias”. Para compor a palavra etno
matema tica utilizei as raízes tica, matema e etno para significar que
há várias maneiras, técnicas, habilidades (tica) de explicar, de
entender, de lidar e de conviver (matema) com distintos contextos
naturais e sócio-econômicos da realidade (etno). (1997, p.111 e 112)

Nossos educandos são diferentes devido ao fato de pertencerem quase


sempre a diferentes ambientes sócio-culturais. Mas cada um deles tem sua história
de vida, trazendo para o ambiente escolar, várias experiências. Cabe, portanto ao
professor, dar o devido valor ao conhecimento trazido pelos mesmos, pois ao se
sentirem valorizados em suas experiências de vida, os alunos acabam sentindo-se
motivados e consequentemente interessados pelos estudos, vendo a escola retratar
sua realidade.
Carraher et al (1988, p.46) nos mostra que a aprendizagem prática é
diferente da aprendizagem escolar:
O objetivo da escola é utilizar algumas fórmulas ou operações que o
professor ensinou, aplicando os procedimentos, encontrando o
número, o problema está resolvido. Em contraste os modelos
matemáticos na vida diária são os instrumentos para encontrar
soluções de problemas onde o significado desempenha um papel
fundamental.

Nesse trabalho foram exploradas as várias maneiras de um pedreiro resolver


seus problemas cotidianos, levando até os educandos os saberes (conteúdos)
matemáticos envolvidos nas várias situações encontradas durante a construção de
uma pequena casa.

EXPLORANDO AÇÕES CONCRETAS

As teorias de aprendizagem mais contemporâneas afirmam que o processo


de ensino e aprendizagem é facilitado quando o conteúdo trabalhado faz sentido
para o aprendiz. Uma forma de se conseguir tal resultado é que o processo seja
contextualizado. Neste sentido observou-se que durante a construção de uma
pequena residência em alvenaria, é desenvolvido pelo pedreiro um saber prático que
pode ser aproveitado para realizar uma ligação entre teoria e prática.
Assim, será apresentado uma síntese das várias etapas da construção de
uma casa e os conteúdos matemáticos envolvidos nas mesmas, embora tenha-se
optado por priorizar apenas algumas delas, entre as quais foram destacadas:
• a demarcação da planta baixa, com destaque ao nivelamento do terreno, à
utilização de medidas de ângulos e ao uso de escalas, entre outros conteúdos
matemáticos;
• a construção do alicerce e a utilização de medidas de volume;
• o levantamento das paredes e a área dos tijolos;
• a construção do telhado, com ênfase à montagem de suas tesouras;
• a cobertura da casa e a área dos vários tipos de telhas;
• o acabamento final da casa, priorizando a colocação do piso e do
revestimento das paredes.
O trabalho de acompanhamento de construção da casa citada nesse artigo
foi desenvolvido na cidade de Colorado, Estado do Paraná, como um dos critérios
de conclusão do PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional, ofertado pelo
Governo do Estado do Paraná a um grupo de 1200 professores da Rede Estadual
de Ensino, a partir do ano de 2007.
Foi escolhido um pedreiro que cursou até a 5ª série do ensino fundamental
e, que atualmente constrói pequenas casas para serem vendidas por um empresário
a famílias de classe média baixa, através de financiamentos em longo prazo, pelo
Sistema Financeiro da Habitação.
O acompanhamento da construção ocorreu entre os meses de outubro e
dezembro de 2007, e a implementação da proposta na Escola compreendeu os
meses de abril e maio de 2008 no CEEBJA-Colorado, escola de Educação de
Jovens e Adultos – EJAs.

AS ETAPAS NA CONSTRUÇÃO DE UMA CASA E A MATEMÁTICA ENVOLVIDA


NAS MESMAS

Demarcação da planta baixa da casa no terreno

Em observações à maneira como o pedreiro inicia seu trabalho, constatou-


se que a demarcação da planta baixa é a etapa que mais dedica sua atenção,
medindo e conferindo várias vezes o terreno e comparando essas medidas com as
do projeto recebido.
No projeto acompanhado, o pedreiro não teve dificuldades para corrigir o
nivelamento do terreno. Utilizando-se de estacas e de uma mangueira com água ele
se valeu de seus conhecimentos e de suas habilidades com o uso do “princípio dos
vasos comunicantes”, mesmo sem saber que o utilizava. Aliás, o mesmo ficou muito
surpreso ao saber que o “princípio dos vasos comunicantes” é um conteúdo
desenvolvido no ensino fundamental, e que durante seus estudos não lembrava de
tê-lo aprendido.
Ao demarcar as medidas da planta no terreno, o pedreiro utilizou-se apenas
das quatro operações fundamentais, pois a planta trazia todas as medidas de que
ele necessitava; então bastava que somasse ou diminuísse algumas das medidas,
ou então, que dividisse ou multiplicasse outras. Só não soube explicar o fator de
escala do projeto, e qual a sua utilidade..
Verificou-se que outros pedreiros também não souberam explicar
adequadamente o significado do fator de escala. Quando informados do significado
do fator de escala acabam por fazer da mesma mais um aliado no processo de
demarcação do terreno.

O uso do teorema de Pitágoras pelo pedreiro

Desde o início da obra, em sua demarcação inicial, até o acabamento final


durante a colocação dos pisos, muitas vezes o pedreiro necessita da obtenção de
ângulos retos. Muitos deles porém utilizam-se do teorema de Pitágoras, sem que
tenham conhecimento desse fato e, principalmente por não conhecê-lo em sua
definição.
Ao marcarem 30 cm e 40 cm em duas laterais de paredes que se
interceptam e depois unirem esses pontos para encontrarem uma medida
equivalente a 50 cm, os pedreiros conseguem um ângulo reto, e isto é uma
aplicação prática do teorema de Pitágoras. É o que na linguagem dos pedreiros é
chamado de “deixar no esquadro”.
Veja:
Pelo teorema de Pitágoras tem-se:
50² = 30² + 40²
h² = b² + c²
hip² = cat² + cat²
Ou seja:
“O quadrado da medida da hipotenusa é igual à soma dos quadrados das
medidas dos catetos.”
Esse teorema é uma relação entre as medidas dos lados de qualquer
triângulo retângulo, e foi descoberto alguns séculos antes de Cristo, comumente
conhecido por Teorema de Pitágoras.
Da mesma maneira que os antigos egípcios mediam suas terras, após as
constantes enchentes do rio Nilo, utilizando-se de uma corda com 13 nós e 12
espaços (triângulo pitagórico 3,4 e 5); o pedreiro utiliza-se dessa mesma relação
para demarcar a área a ser construída dentro do terreno.
Depois de esticada uma linha paralela (p) à frente do terreno, o pedreiro
estica uma nova linha (b), provisoriamente. Então crava uma estaca (e-1) a 3 metros
da primeira linha e, uma outra estaca (e-2), 4 metros sobre a linha paralela. Medindo
a distância (d) entre as duas estacas o valor correto deverá ser de 5 metros. Se a
medida for maior ou menor que 5 metros, a primeira estaca terá que ser deslocada
até que se consiga essa medida.

e-1

d
b

p e-2

Depois de demarcada a área exterior da casa, muitos pedreiros conferem se


as medidas das mesmas “estão no esquadro” (ângulos retos), medindo suas
diagonais. É o que eles chamam de verificar o xis (ver figura a seguir).
Observe que essa é uma aplicação prática da Geometria, demonstrando que
todo paralelogramo que tem diagonais congruentes é um retângulo.

O alicerce da casa e o metro cúbico

Na construção do alicerce da casa o pedreiro começa a utilizar noções de


volume. Ele não utiliza fórmulas prontas ou conhecimentos matemáticos adquiridos
na Escola, mas a Matemática de seu dia a dia.
Após efetuar as medições e a construir as “caixarias” em forma de
paralelepípedos, o pedreiro tem que dosar as quantidades de pedra, areia e cimento
para a elaboração do concreto que será utilizado no preenchimento das mesmas.
Nessa dosagem utiliza como padrão a lata (20 litros) e o carrinho de mão (60 litros),
além da quantidade de cimento proporcional a esses materiais.
Ele sabe que o volume de suas caixarias e contra-pisos são calculados
multiplicando-se as medidas da altura, da largura e do comprimento entre si. Os
pedreiros, em sua maioria apenas utilizam o metro cúbico (m³), sempre fazendo
questão de dizer que um metro cúbico equivale a 1000 litros, ou 50 latas.
Observe a relação entre o metro cúbico (cubo) e a lata de 20 litros:

la
cubo ta

1m x 1m x1m = 1 m³ 1m³ = 1000 litros 50 x 20 litros = 1000 litros

O levantamento das paredes e a área dos tijolos

Concluído o alicerce, o próximo passo no trabalho do pedreiro é o


levantamento das paredes. Nessa etapa ele se depara com mais um problema
matemático – calcular a quantidade de tijolos necessária para a conclusão da obra.
Esse é um problema de área, mais especificamente, área de superfícies
retangulares. O pedreiro calcula a área do tijolo, multiplicando seu comprimento por
sua largura, e divide 1m² pelo produto obtido; desta maneira, calcula quantos tijolos
serão necessários para o levantamento de cada metro quadrado de parede.
Não esquecendo que a unidade das medidas tomadas devem ser as
mesmas (por exemplo: 20 cm = 0,20m), podemos demonstrar como o pedreiro
efetua seu cálculo.
Número de tijolos = ______1_______
larg x comp
Devido à experiência adquirida ao longo dos anos, a maioria dos pedreiros
já sabe, mais ou menos a quantidade necessária de tijolos, o que varia em torno de
30 a 33 tijolos por metro quadrado.
Vejamos agora o cálculo das quantidades aproximadas de tijolos por metro
quadrado, de acordo com o tamanho de cada um dos exemplares a seguir:
Tijolo 1 Tijolo 2

C = 19 cm H = 14 cm C = 20 cm H = 16 cm

T = ____1_____ T = ____1_____
0,19 x 0,14 0,20 x 0,16
T = ____1______ T = ____1______
0,0266 0,032

T = 38 tijolos p/ m² T = 31 tijolos p/ m²

Observe que os tijolos representados nas figuras acima não apresentam as


medidas de suas profundidades, pois a área considerada é sua área lateral – devido
à forma de assentamento utilizada na maioria das paredes das casas. Mas,
dependendo do tipo de cobertura da casa - laje, por exemplo – suas paredes
externas são construídas com o tijolo ¨deitado¨. Nesse caso o número de tijolos por
metro quadrado é bem maior.

A tesoura do telhado e a cobertura da casa

Depois de levantadas as paredes, o pedreiro inicia a construção do


madeiramento para a montagem da cobertura da casa. Pedreiros e carpinteiros
primeiramente levam em consideração o tipo de telha que será utilizado. Existem
vários tipos de telhas, os mais comuns são a telha francesa, a tipo colonial, a tipo
PLAN e a de fibrocimento. E, para cada uma delas existe uma porcentagem mínima
de inclinação.
A tesoura. Ao iniciar a construção do telhado, após escolher o tipo de telha,
o pedreiro deve calcular a porcentagem de inclinação do mesmo para a montagem
da ¨tesoura¨. A tesoura é uma estrutura de madeira com a forma da figura a seguir.
Veja só quantos triângulos as vigas de madeira estão formando e muitos
deles são triângulos retângulos. Os triângulos são utilizados pelos pedreiros devido
ao fato de serem polígonos que não possuem mobilidade, e quanto mais triângulos
as madeiras formarem no telhado, maior rigidez ele terá.
O cálculo da inclinação do telhado é feito por meio de uma relação entre
altura e comprimento da tesoura expresso em percentual. Por exemplo, a
porcentagem de inclinação do telhado para telhas duplan é de no mínimo 30% para
que a água da chuva possa escoar. Essa inclinação é obtida pelo pedreiro partindo
da extremidade para o topo do telhado. Para cada metro (100 cm) na horizontal,
sobe-se 30% de metro na vertical, ou seja, 30 cm.

C 4m B

Se a tesoura tiver 8 metros de comprimento (L) o pedreiro efetua o cálculo


da porcentagem utilizando apenas a metade (a) dessa medida, ou seja, 4 metros.
Esse cálculo é efetuado mentalmente e de forma rápida pelo pedreiro, multiplicando
essa medida pela porcentagem de inclinação do telhado. Os dois últimos números
do produto dessa multiplicação são os centímetros.
Veja o cálculo do pedreiro:
Se a medida horizontal é de 4 m, a vertical terá de medir 30% de 4m, isto é:
30 x 4 = 120 ou BH = 1,20 m
Com a medida a = 4 m e a altura BH = 1,20 m, e por meio do teorema de
Pitágoras é possível calcular o comprimento CH da viga onde serão colocadas as
telhas.
Como o triângulo BCH é retângulo, tem-se que os catetos CB e BH medem
4 m e 1,2 m, respectivamente. Para calcular a hipotenusa CH, tem-se:
CH² = 4² + 1,2² = 16 + 1,44 = 17,44
Se CH² = 17,44, então CH = √17,44
Calculando a raiz quadrada,
CH = 4,2 m
Esse exemplo é uma aplicação prática do teorema de Pitágoras na
construção do telhado, que geralmente não é utilizado por pedreiros, mas que no
presente trabalho, foi utilizado pelos alunos durante a implementação da proposta na
Escola, o que poderá ser visto mais adiante.
A cobertura da casa. Concluído o madeiramento, o pedreiro efetua o
cálculo da quantidade de telhas necessárias para a cobertura do telhado, e para isso
leva em consideração a área útil de cada tipo de telha, ou seja, a área de cobertura
real da mesma.
Cada telha duplan, por exemplo, tem um comprimento útil de 33,3 cm e uma
largura útil de 20 cm. Observe que quinze telhas cobrem 1 m², como mostra a figura
a seguir.

1m

33,3 cm

20 cm

1m

Mesmo sabendo que 15 telhas cobrem 1 m², o pedreiro aumenta o


comprimento e a largura do telhado no momento de calcular a quantidade de telhas,
para isso ele utiliza múltiplos de 20 cm na largura do telhado, e de 33,3 cm no
comprimento do mesmo, aproximando-se ao máximo da quantidade exata de telhas
a serem utilizadas em sua cobertura.

A colocação dos pisos e o revestimento das paredes

Na fase de acabamento da casa, durante a colocação dos pisos, o pedreiro


utiliza-se de certos conteúdos matemáticos. Entre esses conteúdos podemos
destacar o cálculo de áreas, a utilização de ângulos e retas; não esquecendo
também das quatro operações básicas, as quais estão presentes em quase todo o
desenvolvimento da obra.
Constatou-se neste trabalho que a etnomatemática do pedreiro consiste na
praticidade e na habilidade adquirida em seu dia a dia, e, em cálculos que valorizam
muito mais seus resultados práticos, do que a exatidão daqueles obtidos nessas
operações.

IMPLEMENTAÇÃO DA PROPOSTA NA ESCOLA

Como um dos critérios de conclusão do PDE, Programa de Desenvolvimento


Educacional, do Governo do Estado do Paraná, o presente trabalho de pesquisa foi
aplicado junto aos alunos da Rede Estadual de Ensino, sob acompanhamento do
Núcleo Regional de Educação de Maringá. O estabelecimento escolhido foi o
CEEBJA – Centro Estadual de Educação Básica de Jovens e Adultos, no município
de Colorado-PR, devido ao fato de o mesmo apresentar uma clientela variada, com
estudantes de maioria adulta, com idades acima de 16 anos.
Com a autorização da Direção e com o apoio da professora regente da
turma de Matemática do estabelecimento, essa proposta foi implementada como
forma de desenvolver e ao mesmo tempo, revisar conteúdos e, principalmente como
forma de avaliar nosso trabalho na prática escolar.
Essa implementação se deu em oito etapas de quatro horas-aula cada uma,
as quais são descritas de forma resumida, a seguir:
Etapa 1. Nessa etapa foi feita uma breve apresentação do trabalho
desenvolvido, aos alunos da turma, bem como a exibição de fotos tiradas durante o
desenvolvimento da proposta. Também foram feitos comentários sobre a
importância da Matemática desenvolvida pelo pedreiro em seu dia a dia.
Etapa 2. Na segunda etapa os alunos puderam observar fotos da
demarcação de alguns terrenos, onde constavam os alinhamentos e as estacas das
futuras construções, tendo a oportunidade de compreenderem a importância da
utilização do teorema de Pitágoras.
Para uma melhor compreensão os alunos ouviram um pouco de História da
Matemática e de Pitágoras. Como atividade inicial cada aluno recebeu um pedaço
de barbante e, com esse construíram um triângulo egípcio, utilizado pelos antigos
povos egípcios na medição de terras, após as constantes inundações do rio Nilo.
Uma outra atividade desenvolvida pelos alunos foi a confecção de um
quebra-cabeça, onde podiam recortar os quadrados desenhados com a medida dos
lados dos catetos, e com as peças formarem um novo quadrado, o qual era
equivalente ao quadrado formado com os lados de medidas iguais à hipotenusa.
Após essa atividade os alunos receberam um triângulo retângulo de lados 6
cm, 8 cm e 10 cm, podendo então compreender melhor o teorema de Pitágoras, e a
sua relação com o trabalho do pedreiro.
Etapa 3. Nessa etapa os alunos observaram as fotos do trabalho inicial do
pedreiro, e através dessas, analisaram todo o processo de medição da área do
terreno onde seria construída a casa acompanhada durante esse trabalho.
Compreenderam como o pedreiro se utiliza do teorema de Pitágoras –
entenda-se aqui o uso dos números pitagóricos: 3, 4 e 5 – na demarcação das duas
primeiras linhas que formam um ângulo reto no terreno, e a partir das quais
originariam as demais linhas que o demarcam.
Comentou-se também sobre o Princípio dos Vasos Comunicantes, conteúdo
estudado na disciplina de Ciências e que também é utilizado pelos construtores para
nivelarem os terrenos, através de uma mangueira preenchida com água e com as
extremidades abertas.
Finalizando essa etapa, como processo de avaliação da aprendizagem, os
alunos tiveram que resolver vários exercícios e problemas, onde era necessária a
utilização do teorema de Pitágoras no processo de resolução dos mesmos. Também
foram feitas atividades sobre volume, com ênfase ao metro cúbico (m³), e ao volume
de latas e de carrinhos de mão, utilizados pelos pedreiros em seu dia a dia.
Etapa 4. Em grupos de 3 ou 4 alunos, cada equipe recebeu várias plantas
baixas e de fachadas de casas, contendo cada uma delas uma escala. Nesse
momento os alunos puderam, com o uso de uma régua, compreender o uso da
escala. Também foram analisados mapas e explicada a importância das escalas nos
mesmos.
Cada aluno do grupo recebeu a cópia de uma planta e que não constavam
medidas, apenas a escala atribuída pelo professor, o qual tinha essa mesma planta
com as medidas reais. A atividade dos alunos consistia em encontrarem a medida
real da casa na planta, com uso de régua e calculadora. Quando as medidas
encontradas apresentavam diferenças de poucos centímetros, a atividade era
considerada como concluída. Durante essa etapa os alunos tiveram a oportunidade
de revisarem o conteúdo sobre área de figuras planas (quadrado, retângulo e
triângulo) e, utilizaram-se desse, para o cálculo da área de cada cômodo da casa.
Etapa 5. Com o uso da planta baixa e já com as medidas reais de uma casa,
os alunos efetuaram cálculos da quantidade de piso (m²) necessária para a mesma,
e da porcentagem a ser acrescentada na compra dos mesmos. Essa foi uma
oportunidade para a revisão do cálculo simples de porcentagem.
Com a apresentação de dois tamanhos diferentes de tijolos trazidos pelo
professor, e com o uso de figuras tridimensionais de casas, os alunos calcularam a
área de cada tijolo, sua quantidade por metro quadrado e, a quantidade aproximada
de cada tijolo necessária para a construção das paredes da casa.
Etapa 6. Nessa etapa cada aluno recebeu a figura tridimensional de uma
casa sem o telhado, e nessa figura cada aluno desenhou uma “tesoura” de telhado
no lado interno da mesma. E após, foi solicitado o desenho das vigas e caibros
desse telhado.
Numa outra folha em branco os alunos desenharam duas “tesouras” para o
mesmo telhado, apenas alterando a porcentagem de inclinação de acordo com o
tipo de telha utilizado (telha de barro ou fibrocimento). E com o uso do teorema de
Pitágoras foram efetuados cálculos para encontrar o comprimento do telhado,
incluindo-se aí a largura do beiral, que era de aproximadamente 80 cm.
Etapa 7. Durante essa etapa foram calculadas áreas de vários tipos de
telhas, bem como as respectivas quantidades, para cobertura do telhado em
desenho tridimensional na planta recebida pelos alunos. Foi nessa etapa, através do
uso de exemplares de telhas, trazidas por alguns alunos da turma, que puderam ser
comparadas a área total e a área útil de cada uma delas.
Etapa 8. Etapa em que foram construídas maquetes em papel cartão e em
isopor, por grupos de alunos participantes da proposta de implementação na Escola.
Também nessa etapa foram feitas discussões sobre o projeto, juntamente com a
equipe pedagógica, alunos e professores do Estabelecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho utilizou-se a Etnomatemática do pedreiro, que em seu dia a


dia desenvolve uma matemática simples e prática, procurando demonstrar, através
de algumas etapas da construção de uma pequena casa, os vários conteúdos
matemáticos envolvidos nas mesmas. Constatou-se durante a aplicação da proposta
na escola, que muitos dos alunos já tinham conhecimento de algumas das
habilidades utilizadas pelo pedreiro, o que demonstra que a Etnomatemática está
presente na vida de todos os educandos. E é esse conhecimento anterior, trazido
pelos educandos, que contribuiu para um melhor entendimento dos conteúdos
desenvolvidos durante a proposta.
Cabe aqui ressaltar que as várias experiências e conhecimentos trazidos
pelo aluno quando chega à escola, podem e devem ser aproveitados pelo sistema
escolar. Assim acredita-se que esse trabalho possa contribuir para que professores
e escola percam o receio do novo, utilizando esta compilação em material de apoio,
que estimule o professor a procurar desenvolver de modo simples uma matemática
mais estimulante tanto para si quanto para seus alunos.

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