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Luís Faísca
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All content following this page was uploaded by Alexandra Isabel Dias Reis on 28 April 2016.
Agradecimentos: Este trabalho teve o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT,
PTDC/PSI/64920/2006).
1. Introdução
há muito que acompanha a expansão das Neurociências. No entanto, esta discussão não tem
Reuter-Lorenz, & Rösler (2006); Shaw & McEachern (2000)]. Compreender as mudanças que
promover programas de treino cognitivo, tanto na situação de reabilitação de doentes com lesão
programas de treino de aprendizagens específicas como, por exemplo, a leitura que se encontra
deficitária em populações disléxicas. Pela importância do tema e pela atenção crescente que tem
recebido da comunidade científica, optámos for fazer uma revisão sumária das investigações
cognitiva e cerebral.
O capítulo está organizado em duas partes. Na primeira parte faremos uma breve
1
apresentaremos um conjunto de estudos que demonstram como a aprendizagem de uma
anatomicamente o cérebro.
cérebro humano
se pode definir como a capacidade do cérebro para reorganizar os seus circuitos neuronais
neuroplasticidade abrange a capacidade que o sistema nervoso possui para modificar a sua
tempo, em estudos realizados com animais, sendo, nos humanos, limitada ao estudo de crianças
técnicas de imagem cerebral tem permitido investigar populações particulares e, assim, ilustrar
aprendizagens específicas. Estas investigações recentes têm revelado que o cérebro adulto pode
2
(plasticidade funcional) em resposta às experiências diárias1. Nesta perspectiva, a arquitectura
nascimento. Pelo contrário, o sistema tem uma plasticidade extraordinária, não só nos primeiros
Quando, no início do século XX, o anatomista Ramón y Cajal postulou que o processo
entre os neurónios, surgia pela primeira vez a ideia de que o cérebro podia modificar a sua
organização. No entanto, foi apenas em 1948 que Jerzy Konorsky propôs o mecanismo
fisiológico através do qual isto podia acontecer, sugerindo que os neurónios mudam a sua
organização quando estão activos. Para o autor, uma combinação apropriada de estímulos
podia produzir dois tipos de mudança nos neurónios e suas conexões: (a) uma mudança
invariante mas transitória na excitabilidade dos neurónios; e (b) uma mudança duradoura na
plasticidade dos neurónios. A mudança transitória corresponde, por exemplo quando olhamos
memorizado. A ideia de que os neurónios alteram a sua organização com o uso foi
extremamente importante e a questão que se colocava era saber onde, no neurónio, se registava
a mudança. Em 1949 Donald O. Hebb propôs ser a sinapse o lugar onde se verificariam as
mudanças. Hebb sugeriu que as sinapses mudavam se as condições fossem adequadas, ou seja,
se dois neurónios coincidissem estar activos simultaneamente, a ligação entre eles ficaria
fortalecida. Estas observações foram importantes por duas razões: (a) permitiram especificar as
1
Entenda-se por plasticidade anatómica quando a aquisição de uma competência influencia as
características morfométricas do córtex cerebral; e por plasticidade funcional quando há alterações na
dinâmica funcional de um sistema cognitivo determinadas pela adaptação a uma nova competência.
3
Os primeiros estudos sobre os efeitos da experiência na organização cerebral foram
princípio dos anos 50 [ver por exemplo, Milner (1993); Rosenzweig (2007); Rosenzweig &
Bennett (1996)], permitiram mostrar que experiências proporcionadas por ambientes com
trabalhos. O cérebro deixou de ser visto como um sistema estático e passou a ser considerado
difíceis de generalizar para os humanos uma vez que as experiências a que os humanos estão
sujeitos são muito mais complexas e diversificadas do que as experiências vividas pelos
animais, por mais sofisticados que possam ser os ambientes a que estes estejam expostos.
de casos que, por motivos naturais, são detentores de determinada patologia; e o estudo de
revisão ver, Nelson (2006)]. Um dos exemplos que podemos referir na linha de investigação
com casos detentores de patologias é o estudo de sujeitos com patologias visuais congénitas
como estrabismo ou cataratas. Foi observado que crianças nascidas com cataratas, que foram
Mondloch, Maurer, de Schonen, & Brent, 2002). Estes resultados sugerem que a exposição a
faces normais durante um período sensível é crucial para o processamento normal das mesmas.
No entanto, em muitos destes estudos, a experiência específica cujos efeitos se querem conhecer
ocorre em paralelo com a maturação do sistema nervoso central, que tem lugar durante o
4
desenvolvimento, sendo assim difícil discriminar se o resultado se deve àquela experiência
Os casos de privação sensorial são um outro modelo alternativo para avaliar em que
medida as funções cerebrais dependem da experiência. O estudo destes casos mostra que a
específicas, constituindo uma oportunidade de estudo única para analisar como é que, na
Apenas no início da década de 80, surgiram novas técnicas de imagem cerebral e novos
Os estudos actuais que se debruçam sobre esta temática têm procurado abranger vários
colaboradores (2003), num estudo de ressonância magnética funcional com uma amostra de
medida que a leitura se torna um processo mais automático, as áreas cerebrais envolvidas no
seu processamento vão-se modificando. Este estudo mostra que, apesar de o processamento da
linguagem escrita estar localizado, na maioria dos sujeitos, no hemisfério esquerdo, esta
algum espaço para variações de acordo com a experiência linguística do sujeito, tal como
demonstram estudos que comparam sujeitos que aprenderam diferentes ortografias. Por
processamento de fonemas, enquanto que os leitores ingleses mostram uma maior actividade
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cerebral na circunvolução temporal inferior posterior esquerda, área associada à recuperação
lexical de palavras durante tarefas de leitura e de nomeação (Paulesu et al., 2000). Estes
ortografias complexas como o Inglês conduz o leitor a invocar, durante a leitura, mecanismos
funcional (Siok, Perfetti, Jin, & Tan, 2004), onde se compararam falantes de Inglês e de Chinês,
chinesa conduzem a diferenças substanciais nas estratégias cognitivas dos falantes com
língua é aprendida muito cedo, e extensivamente usada, modela as áreas cerebrais subjacentes
ao seu processamento.
mostram que adquirir outras competências, tais como tocar um instrumento musical ou
treino particular. Está demonstrado que a representação cortical dos dedos da mão esquerda,
responsável pela dedilhação em músicos que tocam instrumentos de cordas, é maior que a
representação cortical dos dedos da mão esquerda numa população controlo (Elbert, Pantev,
Wienbruch, Rockstroh, & Taub, 1995). Este aumento manifesta-se especificamente em sujeitos
que iniciaram cedo a actividade musical e correlaciona-se positivamente com os anos de treino.
Gasser e Schlaug (2003) mostraram a existência de correlações positivas entre o estatuto musical
cinzenta nas regiões peri-rolândicas, incluindo áreas motoras e somatosensoriais, áreas pré-
número de horas e o número de anos de prática. Numa outra população com treino específico,
6
Maguire e colaboradores (2000) mostraram que a região cerebral envolvida no arquivo das
adultos com uma vasta experiência de condução automóvel. Neste estudo foram avaliados
motoristas de táxi londrinos e comparados com controlos, emparelhados pela idade, mas que
recentemente confirmados numa outra investigação que comparou taxistas londrinos com
volume do hipocampo, neste segundo estudo, foi explicada pelos autores com o facto dos
Um aspecto que poderá ser criticado nalguns dos estudos referidos, é a existência de
uma eventual predisposição inata que leve os sujeitos a escolherem uma determinada carreira.
populações onde a questão da predisposição genética não está presente. May e colaboradores
(2007), num estudo onde combinaram a técnica de Estimulação Magnética Transcraneana com
adultos, a presença de plasticidade cerebral ao nível estrutural após cinco dias de estimulação
de medicina três meses antes da realização de um exame final e após a realização desse mesmo
exame, tendo-se observado que o volume do hipocampo (região cerebral responsável pela
7
A presença de plasticidade durante o envelhecimento tem sido actualmente muito
discutida. A confirmação de que neste período da vida o cérebro ainda tem capacidade para se
programas de treino de determinadas funções cognitivas, tais como o treino da função mnésica
das suas implicações consultar, por exemplo, Reuter-Lorenz & Lustig (2005)].
reorganização das funções corticais em adultos idosos, reorganização essa importante para a
comparados com adultos jovens, mostram uma maior bilateralização (bi-hemisférica) durante a
espacial, enquanto os adultos jovens são mais lateralizados [para uma revisão ver, Cabeza
(2002) e Reuter-Lorenz (2002)]. Estes resultados indicam que áreas corticais de ambos os
da intervenção em populações idosas (Kramer, Erickson, & Colcombe, 2006). Por exemplo,
compreendidas entre os 60 - 79 anos. Durante um período de seis meses um dos grupos realizou
um treino aeróbico (treino mais intenso) e o outro grupo um treino de alongamentos (treino
que efectuou treino aeróbico, tanto na substância cinzenta (córtex frontal e temporal) como na
substância branca, quando comparado com o grupo que apenas realizou o treino de
alongamentos.
plasticidade cerebral a diferentes níveis e como um alerta contra uma perspectiva reducionista
8
de contextos de aprendizagem específicos. O desenvolvimento do cérebro é um processo longo
que se inicia muito cedo na vida pré-natal e continua no período pós-natal. Apesar de a
arquitectura básica do cérebro estar adquirida quando a criança tem dois/três anos de idade,
existe um refinamento considerável na estrutura e função cerebrais, pelo menos durante mais
duas décadas. De salientar que os fenómenos de plasticidade verificados para além da infância
sinápticas e do circuito funcional. Além disso, apesar de menos flexível do que durante a
2.2. Literacia: modelo para o estudo dos efeitos de uma aprendizagem específica na cognição
aprendizagem formal, constitui uma experiência ambiental recente em termos evolutivos que
2003).
comportamentais e com métodos de estudo de imagem cerebral, que indicam ter a literacia um
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impacto significativo nas nossas funções cognitivas e nas suas bases cerebrais. Mais
verbais e não verbais, sugestivas de que a arquitectura cognitiva é formatada, em parte, pela
também indicadores de que a aquisição de uma ortografia alfabética interfere nos processos de
neuroimagem
escrita tem repercussões acentuadas em diversos domínios cognitivos. Numa revisão recente da
literatura, Petersson e Reis (2006) descreveram diferenças entre grupos, com e sem domínio da
aspectos da cognição, tanto verbais como não-verbais. O processamento da linguagem oral tem
sido a função cognitiva que mais atenção tem recebido e onde estão documentadas várias
diferenças entre grupos com escolaridades distintas. Como exemplo, poder-se-á referir que
tanto letrados como iletrados têm desempenhos semelhantes numa prova de repetição de
desempenhos significativamente superiores aos iletrados (Reis & Castro-Caldas, 1997). Estas
diferenças são justificadas pelo facto dos iletrados apresentarem dificuldades em lidar com
aspectos mais finos do processamento da fonologia, exigidos para um bom desempenho numa
prova de repetição de pseudo-palavras, e que são desenvolvidos pela aprendizagem das regras
participantes durante a realização das mesmas provas. Num estudo de Tomografia de Emissão
de Positrões, observou-se que tanto letrados como iletrados mostram activações cerebrais
10
quando repetem pseudo-palavras, enquanto que os iletrados se limitam a activar as mesmas
áreas que foram activadas para a repetição de palavras (Petersson, Reis, Askelof, Castro-Caldas,
& Ingvar, 2000). Estes resultados sugerem que a aprendizagem da leitura e da escrita conduz ao
apoiadas por um rede cerebral distinta que permite uma repetição adequada de pseudo-
palavras.
aptidões não-verbais como, por exemplo, a tendência para pesquisar o espaço numa
determinada direcção (da esquerda para a direita) e coordenar esta pesquisa com uma
actividade motora. O facto de que a literacia também modela domínios cognitivos não-verbais
foi recentemente documentada por Bramão e colaboradores, que observaram diferenças entre
integração de uma resposta motora (Bramão et al., 2007). Sendo a leitura e a escrita uma
actividade que solicita tanto funções do hemisfério direito (estratégias visuo-espaciais) como
constituída por substância branca e responsável pela transferência de informação entre os dois
hemisférios) era maior num grupo de sujeitos letrados quando comparada com um grupo de
sujeitos iletrados.
morfometria baseada em volumes (Petersson, Silva, Castro-Caldas, Ingvar, & Reis, 2007). Os
11
resultados revelaram diferenças subtis na densidade da substância cinzenta (o córtex motor
primário BA 4 do hemisfério esquerdo tem uma densidade maior nos sujeitos letrados em
temporal direita (estas regiões apresentam uma densidade maior nos sujeitos letrados em
particular na substância branca, substância com funções de conectividade entre áreas cortico-
numa rede de áreas cerebrais envolvidas nestas actividades, aumentando a sua densidade.
que, por motivos sócio-culturais, não tiveram oportunidade de usufruir desta aprendizagem,
tem mostrado de forma consistente a presença de diferenças não só na cognição, mas também
de que experiências específicas, neste caso particular aprender a ler e a escrever, produzem
ambientais).
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