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Neuroplasticidade: Os efeitos de aprendizagens específicas no cérebro


humano

Chapter · January 2009


Source: OAI

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Alexandra Isabel Dias Reis Karl Magnus Petersson


Universidade do Algarve Max Planck Institute for Psycholinguistics
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Luís Faísca
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Reis., A., Petersson, K.M., & Faísca, L. (2009). Neuroplasticidade: Os efeitos de aprendizagens
específicas no cérebro humano. In C. Nunes, & S. Jesus (Eds.), Temas actuais em Psicologia (pp. 11
- 26). Faro: Universidade do Algarve (ISBN: 978-972-9341-88-5).

Neuroplasticidade – os efeitos de aprendizagens específicas no


cérebro humano

Alexandra Reis1,2, Karl Magnus Petersson2,3,4,Luís Faísca1

1Cognitive Neuroscience Research Group, Departamento de Psicologia, Faculdade de Ciências


Humanas e Sociais, Universidade do Algarve, Faro, Portugal.

2Cognitive Neurophysiology Research Group, Stockholm Brain Institute, Karolinska Institutet,


Stockholm, Sweden.

3Max-Planck-Institute for Psycholinguistics, Nijmegen, the Netherlands


4Donders Institute for Brain, Cognition and Behaviour, Centre for Cognitive Neuroimaging,
Radboud University Nijmegen, the Netherlands.

Autor de correspondência: Alexandra Reis, aireis@ualg.pt

Agradecimentos: Este trabalho teve o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT,

PTDC/PSI/64920/2006).
1. Introdução

It’s a fortunate person whose brain


Is trained early, again and again,
And who continues to use it
To be sure not to lose it,
So the brain, in old age, may not wane.
Rosenzweig & Bennett (1996)

A discussão sobre se determinadas experiências ambientais influenciam a arquitectura cerebral

há muito que acompanha a expansão das Neurociências. No entanto, esta discussão não tem

resultado no desenvolvimento de modelos teóricos que explicitem de que forma experiências

específicas interferem no desenvolvimento do cérebro e da cognição [ver por exemplo, Baltes,

Reuter-Lorenz, & Rösler (2006); Shaw & McEachern (2000)]. Compreender as mudanças que

ocorrem no cérebro em função de determinadas experiências e aprendizagens é fundamental

para se entender a capacidade adaptativa do cérebro. Este conhecimento é importante para

promover programas de treino cognitivo, tanto na situação de reabilitação de doentes com lesão

cerebral, como na intervenção durante o envelhecimento, e também para o desenvolvimento de

programas de treino de aprendizagens específicas como, por exemplo, a leitura que se encontra

deficitária em populações disléxicas. Pela importância do tema e pela atenção crescente que tem

recebido da comunidade científica, optámos for fazer uma revisão sumária das investigações

recentes que ilustram de que forma aprendizagens específicas modelam a arquitectura

cognitiva e cerebral.

O capítulo está organizado em duas partes. Na primeira parte faremos uma breve

revisão sobre o conceito de neuroplasticidade e sobre os primeiros paradigmas de estudo deste

fenómeno. Terminaremos a primeira parte apresentando paradigmas recentes utilizados para

demonstrar efeitos da neuroplasticidade em várias etapas do desenvolvimento e em contextos

de aprendizagem específicos. Na segunda parte discutiremos a literacia como modelo para

estudar o fenómeno da influência de aprendizagens específicas no cérebro e na cognição e

1
apresentaremos um conjunto de estudos que demonstram como a aprendizagem de uma

capacidade, neste caso a aprendizagem da leitura e da escrita, altera funcional e

anatomicamente o cérebro.

2. Paradigmas de estudo utilizados para ilustrar efeitos de aprendizagens específicas no

cérebro humano

De forma a compreendermos as potencialidades de adaptação do cérebro humano,

importa apresentar o conceito de aprendizagem e plasticidade. Entenda-se por aprendizagem a

“capacidade para adquirir novos conhecimentos ou capacidades através da instrução e da

experiência” (Tortora & Grabowski, 1996). Do ponto de vista neurobiológico, o conceito de

aprendizagem surge associado ao conceito de plasticidade - neste caso neuroplasticidade - que

se pode definir como a capacidade do cérebro para reorganizar os seus circuitos neuronais

quando confrontado com experiências novas. De uma forma geral, o conceito de

neuroplasticidade abrange a capacidade que o sistema nervoso possui para modificar a sua

organização na sequência de diversos acontecimentos, incluindo a maturação e

desenvolvimento normal do organismo, a aquisição de novas capacidades (“aprendizagem”) e

reorganização cognitiva após lesão do sistema nervoso central ou em resultado de privação

sensorial (Bavelier & Neville, 2002). Neste contexto utilizaremos o conceito de

neuroplasticidade na sua acepção mais comum: a capacidade do cérebro se modificar em

função de mudanças ocorridas no ambiente – aprendizagem.

A demonstração de fenómenos de plasticidade cerebral baseou-se, durante muito

tempo, em estudos realizados com animais, sendo, nos humanos, limitada ao estudo de crianças

nas primeiras fases do desenvolvimento. No entanto, o desenvolvimento recente de diversas

técnicas de imagem cerebral tem permitido investigar populações particulares e, assim, ilustrar

fenómenos de neuroplasticidade em diferentes períodos da vida e enquadrados em

aprendizagens específicas. Estas investigações recentes têm revelado que o cérebro adulto pode

mudar adaptativamente a sua estrutura (plasticidade anatómica) e a sua organização funcional

2
(plasticidade funcional) em resposta às experiências diárias1. Nesta perspectiva, a arquitectura

anatómica e funcional do cérebro não é nem estabelecida geneticamente, nem determinada ao

nascimento. Pelo contrário, o sistema tem uma plasticidade extraordinária, não só nos primeiros

anos do desenvolvimento, como também ao longo da vida.

2.1. Dos paradigmas ambientais complexos na investigação animal a experiências em

contextos específicos em humanos

Quando, no início do século XX, o anatomista Ramón y Cajal postulou que o processo

de aprendizagem podia produzir mudanças morfológicas prolongadas na eficácia das conexões

entre os neurónios, surgia pela primeira vez a ideia de que o cérebro podia modificar a sua

organização. No entanto, foi apenas em 1948 que Jerzy Konorsky propôs o mecanismo

fisiológico através do qual isto podia acontecer, sugerindo que os neurónios mudam a sua

organização quando estão activos. Para o autor, uma combinação apropriada de estímulos

podia produzir dois tipos de mudança nos neurónios e suas conexões: (a) uma mudança

invariante mas transitória na excitabilidade dos neurónios; e (b) uma mudança duradoura na

plasticidade dos neurónios. A mudança transitória corresponde, por exemplo quando olhamos

para um número de telefone e o esquecemos, e a duradoura, se o número de telefone for

memorizado. A ideia de que os neurónios alteram a sua organização com o uso foi

extremamente importante e a questão que se colocava era saber onde, no neurónio, se registava

a mudança. Em 1949 Donald O. Hebb propôs ser a sinapse o lugar onde se verificariam as

mudanças. Hebb sugeriu que as sinapses mudavam se as condições fossem adequadas, ou seja,

se dois neurónios coincidissem estar activos simultaneamente, a ligação entre eles ficaria

fortalecida. Estas observações foram importantes por duas razões: (a) permitiram especificar as

condições em que os fenómenos de plasticidade podiam ocorrer; e (b) enfatizaram o papel da

membrana pré e pós-sináptica na plasticidade [ver, Kolb (1995)].

1
Entenda-se por plasticidade anatómica quando a aquisição de uma competência influencia as
características morfométricas do córtex cerebral; e por plasticidade funcional quando há alterações na
dinâmica funcional de um sistema cognitivo determinadas pela adaptação a uma nova competência.

3
Os primeiros estudos sobre os efeitos da experiência na organização cerebral foram

realizados em animais (ratos) testados nos chamados ambientes complexos (“paradigma de

Housing”). Estes trabalhos, desenvolvidos por Rosenzweig e colaboradores nos anos 40 e

princípio dos anos 50 [ver por exemplo, Milner (1993); Rosenzweig (2007); Rosenzweig &

Bennett (1996)], permitiram mostrar que experiências proporcionadas por ambientes com

diferentes níveis de complexidade produzem alterações cerebrais a nível neuroquímico,

neuronal e neuroanatómico. A concepção existente até à altura sobre a capacidade do cérebro se

adaptar em função das circunstâncias externas alterou-se definitivamente a partir destes

trabalhos. O cérebro deixou de ser visto como um sistema estático e passou a ser considerado

como um sistema aberto e adaptativo.

No entanto, os resultados dos estudos sobre os efeitos da experiência em animais são

difíceis de generalizar para os humanos uma vez que as experiências a que os humanos estão

sujeitos são muito mais complexas e diversificadas do que as experiências vividas pelos

animais, por mais sofisticados que possam ser os ambientes a que estes estejam expostos.

Nos humanos, e durante vários anos, a investigação sobre o impacto de experiências

específicas no desenvolvimento cerebral ficou limitada a duas linhas metodológicas: o estudo

de casos que, por motivos naturais, são detentores de determinada patologia; e o estudo de

crianças nas primeiras fases de desenvolvimento, através de técnicas comportamentais [para

revisão ver, Nelson (2006)]. Um dos exemplos que podemos referir na linha de investigação

com casos detentores de patologias é o estudo de sujeitos com patologias visuais congénitas

como estrabismo ou cataratas. Foi observado que crianças nascidas com cataratas, que foram

removidas em idade muito precoce, apesar de mostrarem, no geral, um bom desenvolvimento

das funções visuais, apresentavam défices subtis no reconhecimento de faces (Geldart,

Mondloch, Maurer, de Schonen, & Brent, 2002). Estes resultados sugerem que a exposição a

faces normais durante um período sensível é crucial para o processamento normal das mesmas.

No entanto, em muitos destes estudos, a experiência específica cujos efeitos se querem conhecer

ocorre em paralelo com a maturação do sistema nervoso central, que tem lugar durante o

4
desenvolvimento, sendo assim difícil discriminar se o resultado se deve àquela experiência

particular ou ao processo maturativo natural do sistema nervoso.

Os casos de privação sensorial são um outro modelo alternativo para avaliar em que

medida as funções cerebrais dependem da experiência. O estudo destes casos mostra que a

ausência de um input sensorial particular resulta em adaptações neuronais e comportamentais

específicas, constituindo uma oportunidade de estudo única para analisar como é que, na

ausência de uma modalidade sensorial, as outras modalidades se organizam e evidenciam

fenómenos de plasticidade (Bavelier & Neville, 2002).

Apenas no início da década de 80, surgiram novas técnicas de imagem cerebral e novos

paradigmas de estudo que permitiram investigar os efeitos da experiência no cérebro humano

observando o seu funcionamento in vivo.

Os estudos actuais que se debruçam sobre esta temática têm procurado abranger vários

períodos do desenvolvimento, desde a infância até à idade adulta, e demonstrar fenómenos de

plasticidade para as mais diversas capacidades cognitivas. Por exemplo, Turkeltaub e

colaboradores (2003), num estudo de ressonância magnética funcional com uma amostra de

sujeitos com idades compreendidas entre os 6 e os 22 anos, demonstraram a capacidade do

cérebro para se reorganizar em função do treino de leitura. Os autores observaram que, à

medida que a leitura se torna um processo mais automático, as áreas cerebrais envolvidas no

seu processamento vão-se modificando. Este estudo mostra que, apesar de o processamento da

linguagem escrita estar localizado, na maioria dos sujeitos, no hemisfério esquerdo, esta

lateralização só sucede após o treino e domínio da competência.

No entanto, apesar de a linguagem estar representada no hemisférico esquerdo, há

algum espaço para variações de acordo com a experiência linguística do sujeito, tal como

demonstram estudos que comparam sujeitos que aprenderam diferentes ortografias. Por

exemplo, durante o processamento de não-palavras, os leitores italianos mostram uma maior

actividade cerebral nas regiões temporais superiores esquerdas, áreas associadas ao

processamento de fonemas, enquanto que os leitores ingleses mostram uma maior actividade

5
cerebral na circunvolução temporal inferior posterior esquerda, área associada à recuperação

lexical de palavras durante tarefas de leitura e de nomeação (Paulesu et al., 2000). Estes

resultados sugerem que, em contraste com ortografias mais transparentes, o processamento de

ortografias complexas como o Inglês conduz o leitor a invocar, durante a leitura, mecanismos

neurocognitivos adicionais relacionados com a recuperação de palavras armazenadas na

memória semântica. Estudos morfométricos (Kochunov et al., 2003) e estudos de activação

funcional (Siok, Perfetti, Jin, & Tan, 2004), onde se compararam falantes de Inglês e de Chinês,

mostraram que as características ortográficas, fonológicas e possivelmente semânticas da língua

chinesa conduzem a diferenças substanciais nas estratégias cognitivas dos falantes com

repercussões nas áreas cerebrais envolvidas no processamento da linguagem. Estas diferenças

anatómicas e funcionais no processamento da linguagem são prova de uma plasticidade

neuronal moldada pela experiência de aquisição da linguagem durante a infância. Como a

língua é aprendida muito cedo, e extensivamente usada, modela as áreas cerebrais subjacentes

ao seu processamento.

Para além da influência da aprendizagem de ortografias distintas, diversos estudos

mostram que adquirir outras competências, tais como tocar um instrumento musical ou

conduzir automóveis, provoca alterações corticais estruturais e funcionais associadas a esse

treino particular. Está demonstrado que a representação cortical dos dedos da mão esquerda,

responsável pela dedilhação em músicos que tocam instrumentos de cordas, é maior que a

representação cortical dos dedos da mão esquerda numa população controlo (Elbert, Pantev,

Wienbruch, Rockstroh, & Taub, 1995). Este aumento manifesta-se especificamente em sujeitos

que iniciaram cedo a actividade musical e correlaciona-se positivamente com os anos de treino.

Gasser e Schlaug (2003) mostraram a existência de correlações positivas entre o estatuto musical

(músicos profissionais, músicos amadores e não músicos) e o aumento do volume da substância

cinzenta nas regiões peri-rolândicas, incluindo áreas motoras e somatosensoriais, áreas pré-

motoras, áreas parietais superiores, e circunvolução temporal inferior, em ambos os

hemisférios. Esta alteração da morfometria cerebral correlacionava-se igualmente com o

número de horas e o número de anos de prática. Numa outra população com treino específico,

6
Maguire e colaboradores (2000) mostraram que a região cerebral envolvida no arquivo das

representações espaciais do ambiente (hipocampo posterior) é significativamente maior em

adultos com uma vasta experiência de condução automóvel. Neste estudo foram avaliados

motoristas de táxi londrinos e comparados com controlos, emparelhados pela idade, mas que

tinham menos experiência de condução. Também aqui o número de anos de experiência de

condução se correlacionava positivamente com o volume do hipocampo. Estes resultados foram

recentemente confirmados numa outra investigação que comparou taxistas londrinos com

condutores de autocarro (Maguire, Woollett, & Spiers, 2006). A confirmação de diferenças no

volume do hipocampo, neste segundo estudo, foi explicada pelos autores com o facto dos

taxistas, ao contrário dos condutores de autocarro, percorrerem percursos distintos enquanto os

condutores de autocarro seguem usualmente o mesmo trajecto, o que exigiria uma

representação espacial menos complexa.

Um aspecto que poderá ser criticado nalguns dos estudos referidos, é a existência de

uma eventual predisposição inata que leve os sujeitos a escolherem uma determinada carreira.

Por exemplo, na população de músicos, as diferenças corticais observadas poderiam dever-se a

uma predisposição específica para a música e não necessariamente a um ajustamento do

cérebro à aprendizagem específica de um instrumento musical. No entanto, estudos recentes

são claros ao documentar efeitos de plasticidade em função de aprendizagens específicas em

populações onde a questão da predisposição genética não está presente. May e colaboradores

(2007), num estudo onde combinaram a técnica de Estimulação Magnética Transcraneana com

uma análise morfométrica baseada em volumes, conseguiram demonstrar, em participantes

adultos, a presença de plasticidade cerebral ao nível estrutural após cinco dias de estimulação

auditiva. Draganski e colaboradores (2006) compararam a morfometria cerebral de estudantes

de medicina três meses antes da realização de um exame final e após a realização desse mesmo

exame, tendo-se observado que o volume do hipocampo (região cerebral responsável pela

aquisição de informação nova) e do córtex parietal posterior e lateral (região cerebral

responsável pela transferência da informação aprendida para a memória a longo termo)

aumentou significativamente durante o período de aprendizagem.

7
A presença de plasticidade durante o envelhecimento tem sido actualmente muito

discutida. A confirmação de que neste período da vida o cérebro ainda tem capacidade para se

adaptar a informação nova poderá representar um suporte científico para a implementação de

programas de treino de determinadas funções cognitivas, tais como o treino da função mnésica

[para uma discussão sobre a importância da reorganização cerebral durante o envelhecimento e

das suas implicações consultar, por exemplo, Reuter-Lorenz & Lustig (2005)].

Os estudos de neuroimagem funcional têm demonstrado a existência de uma

reorganização das funções corticais em adultos idosos, reorganização essa importante para a

compensação do declínio cognitivo. Participantes com idades superiores a 60 anos, quando

comparados com adultos jovens, mostram uma maior bilateralização (bi-hemisférica) durante a

recuperação de informação em memória e durante tarefas de memória de trabalho verbal e

espacial, enquanto os adultos jovens são mais lateralizados [para uma revisão ver, Cabeza

(2002) e Reuter-Lorenz (2002)]. Estes resultados indicam que áreas corticais de ambos os

hemisférios podem ser “recrutadas” para compensar o declínio cognitivo durante o

envelhecimento. A prova de que a prática de actividade física tem repercussões na cognição e

em determinadas áreas cerebrais representa igualmente um resultado importante no domínio

da intervenção em populações idosas (Kramer, Erickson, & Colcombe, 2006). Por exemplo,

Colcombe e colaboradores (2006) compararam dois grupos de adultos com idades

compreendidas entre os 60 - 79 anos. Durante um período de seis meses um dos grupos realizou

um treino aeróbico (treino mais intenso) e o outro grupo um treino de alongamentos (treino

menos intenso). Os autores observaram um aumento significativo do volume cerebral no grupo

que efectuou treino aeróbico, tanto na substância cinzenta (córtex frontal e temporal) como na

substância branca, quando comparado com o grupo que apenas realizou o treino de

alongamentos.

Podemos considerar estes estudos com diferentes populações e em diferentes fases do

desenvolvimento como provas empíricas ilustrativas da existência de fenómenos de

plasticidade cerebral a diferentes níveis e como um alerta contra uma perspectiva reducionista

que apenas considera as bases genéticas e neuronais do comportamento, ignorando a influência

8
de contextos de aprendizagem específicos. O desenvolvimento do cérebro é um processo longo

que se inicia muito cedo na vida pré-natal e continua no período pós-natal. Apesar de a

arquitectura básica do cérebro estar adquirida quando a criança tem dois/três anos de idade,

existe um refinamento considerável na estrutura e função cerebrais, pelo menos durante mais

duas décadas. De salientar que os fenómenos de plasticidade verificados para além da infância

têm sido pouco enfatizados.

Em suma, experiências específicas e com carácter repetitivo podem ter implicações na

organização estrutural e funcional do cérebro, através de uma “sintonização” das conexões

sinápticas e do circuito funcional. Além disso, apesar de menos flexível do que durante a

primeira fase do desenvolvimento, a plasticidade cortical é evidente ao longo da idade adulta,

tanto em termos estruturais como funcionais.

2.2. Literacia: modelo para o estudo dos efeitos de uma aprendizagem específica na cognição

e nas suas bases cerebrais

A aquisição das competências de leitura e escrita, só possível por meio de

aprendizagem formal, constitui uma experiência ambiental recente em termos evolutivos que

faz apelo a diversas funções cognitivas, nomeadamente a funções visuo-perceptivas, memória,

linguagem, entre outras. O estudo comparativo de sujeitos iletrados e letrados representa,

assim, uma oportunidade única para investigar o efeito no desenvolvimento cognitivo da

interacção entre factores neurobiológicos e a aprendizagem de uma competência específica. No

entanto, quando se recorre ao “modelo natural da iliteracia” para investigar a influência da

literacia/escolaridade formal no cérebro humano, é necessário que sujeitos iletrados e letrados

sejam emparceirados através de variáveis relevantes, de forma a garantir que as diferenças

entre grupos se devam unicamente às competências adquiridas durante a aprendizagem

formal, nomeadamente ao conhecimento da ortografia alfabética (Reis, Guerreiro, & Petersson,

2003).

Na secção seguinte, revemos um conjunto de investigações com métodos de estudo

comportamentais e com métodos de estudo de imagem cerebral, que indicam ter a literacia um

9
impacto significativo nas nossas funções cognitivas e nas suas bases cerebrais. Mais

especificamente, discutiremos diferenças entre letrados e iletrados em funções cognitivas

verbais e não verbais, sugestivas de que a arquitectura cognitiva é formatada, em parte, pela

aprendizagem da leitura e da escrita. Os dados de neuroimagem funcionais e estruturais são

também indicadores de que a aquisição de uma ortografia alfabética interfere nos processos de

organização e lateralização das funções cognitivas.

3. O processamento cognitivo em sujeitos iletrados e letrados: estudos comportamentais e de

neuroimagem

Está documentado em diversos estudos que a aprendizagem formal da leitura e da

escrita tem repercussões acentuadas em diversos domínios cognitivos. Numa revisão recente da

literatura, Petersson e Reis (2006) descreveram diferenças entre grupos, com e sem domínio da

linguagem escrita, observadas em diversas provas experimentais que avaliam diferentes

aspectos da cognição, tanto verbais como não-verbais. O processamento da linguagem oral tem

sido a função cognitiva que mais atenção tem recebido e onde estão documentadas várias

diferenças entre grupos com escolaridades distintas. Como exemplo, poder-se-á referir que

tanto letrados como iletrados têm desempenhos semelhantes numa prova de repetição de

palavras; porém, quando se trata de repetir pseudo-palavras, os letrados mostram

desempenhos significativamente superiores aos iletrados (Reis & Castro-Caldas, 1997). Estas

diferenças são justificadas pelo facto dos iletrados apresentarem dificuldades em lidar com

aspectos mais finos do processamento da fonologia, exigidos para um bom desempenho numa

prova de repetição de pseudo-palavras, e que são desenvolvidos pela aprendizagem das regras

de conversão de fonemas em grafemas. Um facto interessante é que as diferenças observadas

em provas comportamentais se observam igualmente quando se mede a actividade cerebral dos

participantes durante a realização das mesmas provas. Num estudo de Tomografia de Emissão

de Positrões, observou-se que tanto letrados como iletrados mostram activações cerebrais

semelhantes ao repetir palavras; no entanto, os letrados activam um conjunto de áreas distintas

10
quando repetem pseudo-palavras, enquanto que os iletrados se limitam a activar as mesmas

áreas que foram activadas para a repetição de palavras (Petersson, Reis, Askelof, Castro-Caldas,

& Ingvar, 2000). Estes resultados sugerem que a aprendizagem da leitura e da escrita conduz ao

desenvolvimento de um conjunto de estratégias cognitivas específicas, estratégias estas

apoiadas por um rede cerebral distinta que permite uma repetição adequada de pseudo-

palavras.

Neste contexto, é importante referir que aprender a ler e a escrever – aquisição da

literacia – não implica apenas a aprendizagem e o desenvolvimento da correspondência entre

fonemas e grafemas. Entre as várias capacidades que são treinadas e desenvolvidas

simultaneamente com a aprendizagem da leitura e da escrita, encontra-se um conjunto de

aptidões não-verbais como, por exemplo, a tendência para pesquisar o espaço numa

determinada direcção (da esquerda para a direita) e coordenar esta pesquisa com uma

actividade motora. O facto de que a literacia também modela domínios cognitivos não-verbais

foi recentemente documentada por Bramão e colaboradores, que observaram diferenças entre

letrados e iletrados numa prova que solicitava mecanismos de pesquisa visuo-espacial e

integração de uma resposta motora (Bramão et al., 2007). Sendo a leitura e a escrita uma

actividade que solicita tanto funções do hemisfério direito (estratégias visuo-espaciais) como

funções do hemisfério esquerdo (linguagem oral e escrita), é natural que se verifique um

aumento da transferência de informação entre estes hemisférios. Este aumento de transferência

de informação induzida pela escolarização foi também documentado por Castro-Caldas e

colaboradores (1999) ao observarem que a região posterior do corpo-caloso (estrutura

constituída por substância branca e responsável pela transferência de informação entre os dois

hemisférios) era maior num grupo de sujeitos letrados quando comparada com um grupo de

sujeitos iletrados.

Num estudo recente procurámos documentar de forma exaustiva a existência de

diferenças ao nível neuroanatómico entre sujeitos letrados e iletrados, ao comparar a densidade

da substância branca e da substância cinzenta nestes dois grupos, utilizando a técnica da

morfometria baseada em volumes (Petersson, Silva, Castro-Caldas, Ingvar, & Reis, 2007). Os

11
resultados revelaram diferenças subtis na densidade da substância cinzenta (o córtex motor

primário BA 4 do hemisfério esquerdo tem uma densidade maior nos sujeitos letrados em

comparação com sujeitos iletrados), e diferenças proeminentes na densidade da substância

branca. As diferenças na substância branca localizaram-se na região do terço posterior do corpo

caloso, estendendo-se à região parieto-temporal de ambos os hemisférios, e na região occipito-

temporal direita (estas regiões apresentam uma densidade maior nos sujeitos letrados em

comparação com os sujeitos iletrados). Em suma, a comparação morfométrica entre letrados e

iletrados permitiu detectar diferenças em áreas cerebrais vocacionadas para o processamento da

informação visual, o que sugere poder a aprendizagem da leitura e da escrita alterar a

densidade da substância branca adjacente a regiões específicas do cérebro envolvidas no

processamento da linguagem escrita. O facto de as diferenças encontradas se localizarem em

particular na substância branca, substância com funções de conectividade entre áreas cortico-

corticais, sugere que a aprendizagem e o treino da leitura e escrita favorece a comunicação

numa rede de áreas cerebrais envolvidas nestas actividades, aumentando a sua densidade.

A comparação entre sujeitos que aprenderam e treinaram a leitura e escrita e sujeitos

que, por motivos sócio-culturais, não tiveram oportunidade de usufruir desta aprendizagem,

tem mostrado de forma consistente a presença de diferenças não só na cognição, mas também

na anatomia cerebral estrutural e funcional. Estes resultados proporcionam alguma evidência

de que experiências específicas, neste caso particular aprender a ler e a escrever, produzem

mudanças significativas, quantitativas e qualitativas, na organização cerebral, dando suporte à

perspectiva que considera o desenvolvimento humano como o resultado de interacções

recíprocas entre processos endógenos (genéticos e neurobiológicos) e exógenos (experiências

ambientais).

12
4. Referências bibliográficas

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