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Educação nas Prisões
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Educação nas Prisões

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Prisão: lugar de castigo ou de preparo para reconviver com a sociedade? A tradição histórica é a da penitenciária, isto é, lugar de penitenciar-se, sofrer pelos pecados. Esta visão insuficiente esquece que as penas são finitas e um dia o preso voltará à sociedade. Como? Para delinquir ou viver uma vida nova? Em vez de ações educativas, atividades culturais e formação profissional, instala-se a ociosidade no Brasil e em muitos outros países. Este livro é um desafio ao clima de ócio: escrito por muitas mãos do Brasil, Argentina e Portugal, de várias especialidades, apresenta experiências concretas e reflexões sobre as prisões. Mostra que a mudança é possível, inclusive para grupos mais vulneráveis entre os vulneráveis, como as mulheres. A obra se destina à sociedade em geral, a educadores, operadores do Direito, àqueles que trabalham com os internos. Eles podem, apesar dos muitos pesares, acender a luz da esperança e a sociedade espera a sua esperança.
LanguagePortuguês
Release dateMay 10, 2019
ISBN9788546215591
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    Educação nas Prisões - Fernanda Marsaro dos Santos

    1957.

    PREFÁCIO

    A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.

    Nelson Mandela

    Ao fomentar a ciência, a Fundação de Apoio a Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) cumpre o seu papel essencial de trazer luz e oxigênio para o debate político, libertando de amarras e preconceitos a construção de uma nova agenda política, baseada em dados e evidências, que enfrente de maneira inovadora os atuais e futuros problemas de uma sociedade cada vez mais complexa.

    Precisamos ancorar o debate político nos princípios da metodologia científica, e essa estratégia de qualificação do debate público acerca dos grandes problemas do Brasil e do DF possibilita não só romper paradigmas, oferecendo visões alternativas e plurais sobre os problemas da atualidade, mas também permite a promoção plena do avanço de nossa sociedade, em busca da garantia dos objetivos da República Federativa do Brasil, expressos no Artigo 3º de nossa Carta Magna: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

    A edição deste livro demonstra como uma estratégia de fomento ancorada na metodologia científica pode dar visibilidade a questões políticas, e como a educação se afirma como real forma de enfrentamento à violência e à criminalidade. Parabenizo aos organizadores pelo excelente trabalho realizado e pelo conjunto de evidências sistematizadas, as quais certamente contribuirão para aprofundar análises e metodologias sobre a educação nas prisões na perspectiva de garantia dos direitos humanos, além de refletir sobre interfaces necessárias para a transformação das políticas que das políticas que o Brasil precisa, questão que ganha emergência na medida em que vemos a dificuldade das atuais políticas em promover a inclusão social das pessoas presas no Brasil e no DF.

    Alexandre André dos Santos

    Presidente da FAP-DF

    PREFÁCIO

    Desde o início da tramitação do Projeto de Lei n. 3.569/1993, de autoria do Deputado José Abrão (PSDB/SP), e das sucessivas Emendas, Substitutivos, Apensos e Pareceres apostos a ele em diversas fases de tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, tenho externado o ponto de vista da Pedagogia e da Educação sobre a possibilidade da remição da pena por meios de estudos e de leituras. Ao PL originário somaram-se sete (7) Projetos de Lei da Câmara dos Deputados e dois (2) do Senado, a que se somam outros 16 arquivados no primeiro e um (1) no segundo, totalizando 27 iniciativas parlamentares.

    Dos embates parlamentares, da parca manifestação da sociedade civil e quase nenhuma das instituições de ensino, resultou a Lei n. 12.433, de 29 de junho de 2011. Concebida no âmbito do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), em 24 de outubro de 2007, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, previa um conjunto de 94 medidas envolvendo a União, Estados e Municípios com o indisfarçável propósito de diminuir a superlotação nas prisões brasileiras.

    Nunca questionamos o princípio – beneficiar presos que estudam –, mas entendíamos que o benefício eventualmente atribuído ao preso não deveria ser diferente ao de qualquer pessoa que estuda e que deveria se orientar pelos parâmetros da Educação, ou seja, premiar a conclusão de ciclos de estudos (Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II, Ensino Médio, Ensino Técnico Profissionalizante), assim como aprovação em exames nacionais como Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e Encceja (Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos), além da aprovação em vestibulares e concursos públicos, sempre na proporção de abatimento de um terço da pena.

    A Lei aprovada adotou um critério misto, privilegiando a leitura e só adicionalmente considerando a conclusão de ciclos de estudos, o que nos parece contrário à forma de trabalhar da Educação. E atribuiu ao Juiz de Execuções, e não aos professores, tanto a regulamentação quanto a leitura, avaliação e validação das leituras feitas.

    Quando afirmo que não questionamos o princípio, isso se deve ao reconhecimento do valor e da potência que tem a leitura no cárcere, qualquer que seja ela, bem como ao conhecimento, referendado pela pesquisa Inaf (Indicador de Analfabetismo Funcional), que revela serem a leitura e a escrita mais funcionais para a pessoa presa do que para a pessoa da mesma escolaridade e idade em liberdade.

    Some-se a isso o fato de que, em 27 anos de vigência da remição da pena pelo trabalho, incorporada na Lei de Execução Penal de 1984, nunca mereceu uma avaliação minuciosa por parte dos órgãos responsáveis em qualquer ministério ou poder que seja.

    Entretanto, mesmo nesta seara há lugar para o jeitinho brasileiro, de fazer do limão uma limonada e, sendo assim, prosperam do Oiapoque ao Chuí propostas, projetos, programas e ações para as quais a criatividade não tem limites. É inegável a pretensão de se usar tanto o estudo como a leitura para o proselitismo religioso, principalmente, nestes tempos de forte ascendência conservadora na política brasileira.

    O que se tem visto na prática é o Poder Judiciário assumindo a tarefa de regulamentar a prática e autorizar iniciativas que, por sua vez, são desenvolvidas por grupos de voluntários, Ongs, estudantes universitários e grupos de pesquisas acadêmicas. É sobretudo esta última que tem apontado para a inserção da universidade no universo prisional, lócus até então estranho às preferências acadêmicas e absolutamente desconhecido por parte de pesquisadores, professores e estudantes.

    Descobrir a prisão como espaço potencial de trabalho da Educação e dos profissionais desta, se não nos aponta para a utopia de uma prisão/escola, pelo menos possibilita vislumbrar a responsabilidade da universidade na implementação da Educação em Prisões como parte da política pública de Educação, o que é um ganho significativo.

    Dossiês como este, organizado por Fernanda Marsaro dos Santos, Candido Alberto Gomes e Ivar César Oliveira de Vasconcelos, a emergência de novos grupos de pesquisas e a proliferação de pesquisas de mestrado e de doutorado são evidências da vitalidade que o tema Educação em prisões assume no Brasil na última década desde sua regulamentação em lei. Tendo o Brasil a terceira maior população prisional do mundo, com perfil majoritário de jovens, de baixa escolaridade, baixa qualificação profissional, afrodescendentes e oriundos de periferias urbanas, a efetivação do Direito à Educação constitui a última grande fronteira desta a ser superada no Brasil e a presença da universidade brasileira no debate, na pesquisa e na produção de conhecimentos é muito bem-vinda.

    A diversidade dos temas apresentados neste dossiê, assim como a diversidade de autores e de instituições de ensino superior das quais são oriundos, possibilitará ao leitor uma visão panorâmica de onde partimos, onde chegamos e até onde ainda precisamos avançar.

    Roberto da Silva¹

    Nota

    1. Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação em Regimes de Privação da Liberdade (Gepêprivação), da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

    1. LEITURA QUE LIBERTA: UMA EXPERIÊNCIA PARA REMIÇÃO DE PENA NO DISTRITO FEDERAL

    Fernanda Marsaro dos Santos

    Gesuina de Fatima Elias Leclerc

    Luciano Chagas Barbosa

    Como Promotora de Justiça e legalista que sou, observo o Artigo 226 da Lei de Execução Penal que trata da remição de pena, tanto pelo trabalho quanto pelo estudo. Não tenho conhecimento desse instituto em outra legislação do planeta. Não gosto dele, o que não muda nada. Mas é fato que o criminoso que está no regime fechado fica muito pouco tempo preso e que o desconto de pena pela remição não deveria sequer existir. Explico: ele manda mais rápido o criminoso para as ruas e não dá à labuta o valor devido. (Balzan, 2018)

    Introdução

    O trecho acima de um artigo publicado em 9/10/2018, no jornal O Estado de S. Paulo, reflete o ponto de vista de uma Promotora de Justiça que defende a primazia da punição em detrimento da ressocialização. A autora questiona a legalidade do previsto na Recomendação nº 44, de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, que disciplina as atividades pedagógicas complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece os critérios para a admissão da remição pela leitura. Defende uma política de execução penal mais dura, que prenda mais e mantenha os detidos encarcerados por mais tempo para restauração da ordem e proteção da sociedade.

    Punição e ressocialização são comumente apresentadas como as finalidades do sistema penitenciário. Mas ambas são conciliáveis? É possível recuperar um indivíduo punindo-o?

    Há uma evidente contradição entre o desejo de punir e o de ressocializar. A Educação, contudo, abre possibilidades para a ressocialização de pessoas privadas de liberdade, mesmo reconhecendo as limitações da oferta educacional no ambiente prisional.

    Este capítulo apresenta a importância da remição da pena pela leitura, integrada ao atendimento do direito à educação de apenados a partir da experiência realizada no Distrito Federal, relacionando a remição da pena pela leitura com a possibilidade de ressocialização de pessoas privadas de liberdade. Trata-se do projeto Ler Liberta: uma perspectiva de ressocialização nas unidades prisionais do Distrito Federal, desenvolvido com objetivo de proporcionar às pessoas privadas de liberdade do Sistema Penitenciário do Distrito Federal o acesso à leitura de obras literárias, científicas ou filosóficas. A diminuição de quatro dias de pena fica condicionada à leitura de uma obra literária, científica ou filosófica e à elaboração do texto (resumo crítico), que permitirá verificar essa leitura. O participante pode ler até 12 (doze) obras por ano, e, assim, obter a remição de, no máximo, 48 dias a cada 12 meses. A correção é de responsabilidade do grupo de professores de Língua Portuguesa da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), a partir de critérios, verificando-se a adequação do texto às características do gênero resumo crítico. Após aprovação, o Centro Educacional (CED) n. 01 de Brasília, unidade escolar responsável pela escolarização no sistema prisional, emite a certidão de remição e encaminha o documento à Vara de Execuções Penais do Distrito Federal (VEP/DF) para análise e homologação dos 4 (quatro) dias de remição. A SEEDF disponibiliza até 24 professores, selecionados em processo seletivo interno, para atuar nas funções de coordenador e avaliador. O coordenador atua no interior dos estabelecimentos penais, juntamente com os servidores dos Núcleos de Ensino (Nuen), em atividades como a divulgação do projeto aos custodiados, empréstimo das obras e acompanhamento do processo de aplicação das provas.

    O projeto foi lançado pelo Governo do Distrito Federal por meio da Portaria Conjunta n. 1, de 11 de abril de 2018, da SEEDF e da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Paz Social (SSPDF), modificada pela Portaria Conjunta nº 6, de 24 de agosto de 2018, para incorporar a parceria da Polícia Militar do Distrito Federal no projeto.

    Trata-se de uma experiência concebida e implementada por educadores, em cooperação interinstitucional. O projeto Ler Liberta afasta-se de uma concepção de mundo punitivista e considera a educação como um direito humano fundamental. Representa também uma forma de defender uma execução penal que valoriza a possibilidade de ressocialização do apenado e, ao mesmo tempo, contribui para enfrentar os altos índices de encarceramento no Brasil – por ser uma experiência adaptável e replicável para outras unidades da Federação, além do Distrito Federal.

    O Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revela o perfil da população carcerária brasileira. Segundo dados demográficos parciais divulgados pelo CNJ do primeiro cadastro de pessoas em regime de prisão judicialmente decretada, em caráter provisório ou para cumprimento de pena no Brasil, em agosto de 2018, a população carcerária é de 602.217 pessoas. As informações são parciais por não terem contemplando integralmente os dados do Rio Grande do Sul e de São Paulo. O Distrito Federal apresentou o número de 17.431 pessoas custodiadas, o que representa 2,8% da população. Os dados do BNMP apontam que, no Brasil, a população encarcerada possui as seguintes características: quanto à faixa etária, 30,52% têm entre 18 e 24 anos e 23,39%, entre 25 e 29 anos de idade, revelando que mais da metade da população carcerária registrada no BNMP tem até 29 anos; quanto à cor/raça/etnia, 54,96% foram classificados como pretos ou pardos e 42,03%, brancos, enquanto o percentual de amarelos e indígenas correspondem, respectivamente, a 0,43% e 0,12%. De acordo com o BNMP, no sistema penitenciário brasileiro existem 1.774 pessoas com nacionalidade estrangeira, que assim foram identificados em sua qualificação processual. Quanto à escolaridade, os dados revelam o seguinte quadro:

    Gráfico 1. Escolaridade das pessoas privadas de liberdade no Brasil.

    Fonte: BNMP 2.0/CNJ – 06 de agosto de 2018.

    Espera-se que a implantação e implementação do projeto Ler Liberta, associado à oferta da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e da educação profissional e tecnológica (EPT), possa contribuir efetivamente para atendimento dos requisitos pedagógicos e tecnológicos para fins de remição de pena.

    O direito à educação escolar nas prisões brasileiras ainda não está universalizado, não obstante o mandamento constitucional (Art. 205 da Constituição de 1988: educação como direito de todos e dever do Estado e da família) que o assegura, e a presença da dimensão educacional na Lei de Execução Penal – Lei nº 7.210/1984, além da existência de normas do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e Conselho Nacional de Educação (CNE), com diretrizes nacionais estabelecidas para a oferta de educação nos estabelecimentos penais e para remição de pena pelo estudo de pessoas em privação de liberdade. O projeto Ler Liberta está em consonância com esses normativos e aponta para o fortalecimento da aplicação do instituto da remição de pena pela leitura e institucionalização de políticas públicas inclusivas no sistema prisional.

    Leitura que ressocializa e liberta

    O fio condutor deste trabalho é o desafio da aplicabilidade dos direitos humanos ao sistema prisional, por meio da educação, como parte das tarefas de ressocialização das pessoas privadas de liberdade. Destaca-se o caráter social do direito à educação, expresso no Artigo 6 da Constituição Federal. Há que se registrar a dimensão utópica e as dificuldades de tratar a temática a partir da política pública educacional, visto que esse direito pressupõe uma ideia de pessoa articulada a um projeto de vida em que se possa, por meio de narrativas, estabelecer uma conexão entre o tempo na prisão e o tempo a ser restaurado de volta à liberdade. O acesso à literatura possibilita a produção de narrativas como atividade criadora e recriadora de si. Nesse sentido, as obras literárias fornecem recursos deliberados e sistemáticos de exploração da linguagem. Conforme Welleck e Warren (1955), por exemplo, na produção de um poeta subjetivista manifesta-se uma personalidade muito mais coerente e impregnante do que nas pessoas tais como vemos nas situações cotidianas. Isto porque são utilizados com plena deliberação paradoxos, ambiguidades, modificações contextuais de sentido para tratar o tempo e as situações que poderiam ter sido. Assim temos Ferrez, construindo réplicas para seu personagem que assiste a um programa de televisão:

    O apresentador berra que somos animais, não sabem que, em muitas cadeias desse país, os animais como eu doam um dia de sua comida por semana pras pessoas que precisam, os familiá vai lá buscar. Quem desses aí que vive falando doa um dia da semana de comida pra alguém? (Ferrez, 2010, p. 112)

    A literatura abarca uma infinidade de gêneros literários. Este gênero literário, o da literatura marginal, é considerado como uma rubrica problemática que engloba obras literárias produzidas e veiculadas à margem do corredor editorial; que não pertencem aos cânones estabelecidos; que são de autoria de escritores originários de grupos sociais marginalizados ou ainda, que tematizam o que é peculiar aos sujeitos e espaços considerados marginais. O problema da recepção da literatura marginal é o da localização emocional e afetiva do texto perante um leitor, contra a espetacularização (Mello, 2015).

    Por sua vez, faz-se pedagógico o uso dos textos do gênero jornalístico, como o da epígrafe, que trata da admissão da remição de pena pela leitura. É preciso considerar os processos sociais que culminaram na aprovação da Lei n. 12.433/2011, que alterou a Lei de Execução Penal (LEP) e institucionalizou a remição de pena pelo estudo no Brasil (Torres, 2017). É nesse contexto que a remição de pena pela leitura deve ser considerada. Conforme Torres, dentre esses processos destacam-se o motim de 1992, conhecido como o Massacre do Carandiru no qual foram executados, pela Polícia Militar, 111 homens na Casa de Detenção de São Paulo, a organização da facção criminosa Primeiro Comando da Capital em 1993 e as sucessivas rebeliões iniciadas no estado de São Paulo, cujo ápice teve lugar em maio de 2006, quando ocorreu a maior rebelião de presos no país.

    A leitura é um poderoso instrumento de ascensão social, de amadurecimento do ser em relação à sua função dentro de uma complexa sociedade, de absorção da sua cultura ao redor, ideia defendida veementemente por Carneiro (2003). Além disso, Silva (1981) postula que leitura é uma atividade essencial a qualquer área do conhecimento e mais essencial ainda à própria vida do ser humano. A remição da pena pela leitura se traduz em um importante mecanismo para a garantia de ressocialização do apenado.

    Fundamentos legais da remição de pena pela leitura

    A remição da pena é um instituto legal, disposto na Lei de Execução Penal (LEP), Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984, que prevê a redução de parte do tempo de execução da pena privativa de liberdade, pelo trabalho realizado ou estudo (Pescador, 2006).

    A remição concretiza alguns dos mais importantes princípios do Direito, tais como o da dignidade humana e o de individualização da pena, ambos previstos na Constituição Federal. Enquanto este princípio diz que a pena deve ser adequada à própria situação de cada um, não devendo abranger crimes não cometidos pelo apenado, aquele busca a garantia da dignidade mínima para a existência da pessoa em vários âmbitos, como saúde e educação, incluindo-se, também, o cumprimento de pena de privação de liberdade (Cunha; Silva; Stein, 2017).

    Ademais, deve-se levar em conta alguns conceitos existentes na doutrina penal brasileira em relação a dois pontos: o primeiro é que a pena no direito brasileiro tem múltiplas funções, sendo uma delas a de reintegração social do preso, como sugere Nery (2012) ao tentar definir a função da pena; o segundo ponto é que, apesar de haver medidas para a concretização da ressocialização, o cenário atual do sistema carcerário brasileiro está longe do cumprimento da realocação do detento na sociedade, cenário apontado por Júnior e Marques (2013). Assim, a remição da pena pela leitura pode ser considerada como mais uma ferramenta para diminuir essa defasagem.

    A Resolução nº 03, de 11 de março de 2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para Oferta de Educação nos estabelecimentos penais, em seu Art. 3, inciso IV, associa a oferta de educação no sistema prisional às ações de fomento à leitura e à implementação ou recuperação de bibliotecas para atender à população carcerária. Esta medida consolidou o que já ocorria, já que a jurisprudência admitia, na prática, a remição de pena pelo estudo, apesar de não estar prevista legalmente. Ou seja, reiteradas sentenças aceitavam tal modo de remição.

    Nesse sentido, a Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011, altera o Art. 126 da Lei nº 7.210 (LEP). Conforme novo texto do Artigo 126, o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena, uma vez que o Art. 126 da LEP previa apenas o direito à remição da pena pelo trabalho.

    A Portaria Conjunta nº 276, de 20 de junho de 2012, da Justiça Federal e Departamento Penitenciário Nacional (JF/DEPEN), disciplina o Projeto de Remição pela Leitura no Sistema Penitenciário Federal. Tal normativa estabelece critérios a serem adotados, tais como o quantitativo mínimo de exemplares de cada obra, prazo para leitura, critérios de avaliação e seleção dos presos. No Art. 5, considera como um critério subjetivo a equiparação das atividades de leitura ao trabalho intelectual, sendo, portanto, necessário observar a fidedignidade e a clareza na elaboração da resenha escrita pelo custodiado.

    Em consonância, a Recomendação nº 44, de 26 de novembro de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, disciplina as atividades pedagógicas complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece os critérios para a admissão da remição pela leitura. Em seu Art. 1, inciso V, recomenda aos Tribunais que seja estimulada nas unidades prisionais, como forma de atividade complementar de estudo, a remição pela leitura, preferencialmente para os custodiados que não tenham assegurados os direitos ao trabalho, à educação e à qualificação profissional.

    Todas as tratativas anteriores ocorreram no Âmbito federal, mas, pelo fato de a remição pela leitura se tratar de matéria de direito penitenciário, os estados também podem legislar a respeito, visto que a matéria faz parte do rol de competências concorrentes, conforme os termos da Constituição Federal: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico (grifo nosso). Com isso, no uso de suas atribuições legais, após todas as normativas postas, o estado do Paraná julgou-se competente para legislar sobre a remição pela leitura. Assim, tornou-se o primeiro estado a regulamentá-la, editando já em 2012 a Lei Estadual nº 17.329, que estabelece: Fica instituído o Projeto ‘Remição pela Leitura’ nos Estabelecimentos Penais do Estado do Paraná como meio de viabilizar a remição da pena por estudo, prevista na Lei Federal nº 12.433, de 29 de junho de 2011.

    Contextualização dos marcos legais da remição da pena pela leitura no Distrito Federal

    O Distrito Federal, assim como o Paraná, no uso de suas competências começou a estabelecer, a partir de 2014, de forma gradual, o processo de efetivação da remição pela leitura. A fase inicial foi centrada na criação dos instrumentos legais e na distribuição de competências aos devidos órgãos, e, com a base legal e institucional constituída, o projeto começa a ser executado nas unidades prisionais em 2018. Para vislumbrar todo esse processo, será feito um rápido levantamento das ações tomadas no Distrito Federal.

    O primeiro dispositivo legal a regular sobre a remição no DF foi a Lei distrital nº 5.386, de 12 de agosto de 2014, que instituiu o Projeto de Remição pela Leitura nos estabelecimentos penais do DF. Esta lei, em seu art. 5º, atribui à Fundação de Amparo ao Preso (Funap), vinculada à Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejus), e à Subsecretaria do Sistema Penitenciário – (Sesipe), vinculada à Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP DF), a responsabilidade pela coordenação das ações do Projeto Remição pela Leitura. No entanto, por meio do Decreto Distrital n.º 37.132, de 23 de fevereiro de 2016, a Funap deixou de ser vinculada à Sejus e passou a vincular-se à SSP/DF.

    A partir de 2015, a oferta da educação no Sistema Penitenciário, até então de responsabilidade da Funap, passou a ser atribuição do Centro Educacional 01 de Brasília, unidade escolar especializada, criada pela Portaria nº 239, de 30 de dezembro de 2015, da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Essa transferência de atribuições obedece ao Plano Distrital de Educação (PDE) que prevê, em sua Meta 10, que o Distrito Federal deve garantir, na rede pública de ensino, a oferta de escolarização para pessoas em cumprimento da pena de privação de liberdade.

    Já em 2016, a Vara de Execuções Penais do Distrito Federal (VEP/DF) emitiu a Portaria nº 10 regulamentando as modalidades de remição de pena pelas atividades de ensino presencial, pela realização de cursos a distância e pela leitura de obras literárias no âmbito do sistema penitenciário do Distrito Federal. A portaria, em seu Art. 10, estabelece a admissão da remição de pena pela leitura, na proporção de 4 dias de pena para cada obra efetivamente lida e avaliada, até o limite de 48 dias por ano.

    Em atendimento ao disposto na Portaria nº 10/2016 (VEP/DF), foi instituída, pela Portaria Conjunta SEEDF/SSPDF n. 01, de 19 de abril de 2017, a Comissão Intersetorial para formulação e acompanhamento das ações. Essa Comissão realizou estudos e discussões, visitas técnicas e reuniões, resultando na minuta do projeto e nos demais documentos normativos e operacionais.

    Assim, a lista de obras para compor o acervo bibliográfico do projeto, elaborada a partir das indicações e análises dos professores de Língua Portuguesa do CED 01 de Brasília e da Diretoria de Educação de Jovens e Adultos (Dieja), foi homologada pela VEP/DF após a manifestação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

    Em 07 de dezembro de 2017, a Subsecretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal (Sesipe) emitiu a Ordem de Serviço nº 451, que regulamenta o Projeto de Remição pela leitura nos estabelecimentos penais. O documento contém os critérios de operacionalização e apresenta as atribuições e responsabilidades entre os partícipes.

    Todas as tratativas anteriores culminaram na publicação da Portaria Conjunta nº 01, de 11 de abril de 2018, modificada pela Portaria Conjunta n. 6, de 24 de agosto de 2018, ambas da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal e da Secretaria de Estado de Segurança Pública e da Paz Social SEEDF/SSPDF, que dispõe sobre a cooperação mútua para a execução do Projeto de Remição da Pena pela Leitura – Ler Liberta: uma perspectiva de ressocialização nos estabelecimentos penais do Distrito Federal. Essa ação representou um marco para a efetivação das atividades de fomento à leitura e da política distrital.

    Experiência do Distrito Federal

    Resultados preliminares

    Quanto ao Arranjo Institucional

    A execução do Projeto Ler Liberta é feita por uma Equipe Executora, formada por professores da SEEDF e servidores do Nuen. Para o acompanhamento e avaliação do projeto foi criado o Comitê Gestor, integrado por representantes indicados pelos titulares das instituições signatárias e nos termos da Portaria Conjunta nº 06/2018.

    As ações que antecederam a efetiva implementação da remição da pena pela leitura no DF tiveram início em novembro de 2016. De acordo com o Plano de Trabalho, o período de implementação do Projeto foi previsto de abril de 2018 a abril de 2020. Logo, todos os dados arrolados, referentes ao estudo de mapeamento do referido projeto, financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF) e coordenado pela professora Dra. Fernanda Marsaro, possuem caráter preliminar, não podendo ainda serem considerados como dados oficiais e finalísticos do estudo. Além disso, vale ressaltar que o levantamento das informações só foi possível devido ao financiamento da FAPDF, o que fomentou a realização de um estudo que pudesse mapear e acompanhar todo o processo de implantação da remição da pena pela leitura no DF. Os professores avaliadores e professores coordenadores que atuam no Projeto Ler Liberta foram selecionados por Processo Seletivo Interno Simplificado de Servidor(a) da Carreira Magistério Público do Distrito Federal regulado pelo Edital nº 19, de 8 de maio de 2018.

    Quanto à experiência em desenvolvimento

    O projeto Ler Liberta não apenas abre a possibilidade de remição de pena à pessoa privada de liberdade, como associa a oferta da educação às ações complementares de fomento à leitura. Além do estímulo ao ato de ler, promove com sujeitos envolvidos a noção de liberdade por meio do conhecimento. Não obstante sua importância no contexto das políticas de equidade social postas em prática pelo Governo do Distrito Federal (GDF) e o elevado índice da prática de violência registrado entre seu público neste ente federativo, poucos estudos têm se dedicado ao melhor entendimento da importância relativa da remição de pena pela leitura para o cotidiano de seus participantes, de forma que uma análise do impacto que este projeto produzirá sobre a situação dos privados de liberdade pode não apenas contribuir para o avanço da inserção social desses atores, como também lançar luz sobre as melhorias advindas na autoestima após o cumprimento de sua sentença.

    Fase preparatória

    A participação dos custodiados no projeto é voluntária. Os participantes contam com o prazo máximo de 30 dias para efetuar a leitura. As obras foram classificadas por diferentes níveis de escolaridade: 1º nível – alfabetizados com Ensino Fundamental incompleto; 2º nível – Ensino Fundamental completo e 3º nível – Ensino Médio completo ou incompleto e 4º nível – Ensino Superior (completo ou incompleto) e pós-graduados.

    Após o período de leitura, é realizada a avaliação presencial, em que os custodiados precisam elaborar um resumo crítico, a ser corrigido e avaliado por professores da SEEDF. Para ser aprovado o texto deve alcançar, no mínimo, 60 pontos, em uma pontuação de 0 a 100.

    As atividades do Projeto foram iniciadas em 31/7/2018, com a realização de um curso de Formação para os servidores da Secretaria de Educação e da Secretaria de Segurança Pública designados a atuar no projeto. O curso contemplou o seguinte conteúdo programático: (1) Aspectos pedagógicos do projeto; (2) Legislação e execução do projeto: Portaria nº 10/2016, da Vara de Execuções Penais (VEP) e Ordem de Serviço nº 451/2017, da Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe); 3) Segurança orgânica e padronização de procedimentos.

    Os seis professores coordenadores selecionados para atuar no projeto, por meio de edital público, iniciaram, em 6/8/2018, suas atividades nos estabelecimentos penais do Distrito Federal, quais sejam: Penitenciária do Distrito Federal I (PDF I), Penitenciária do Distrito Federal II (PDF II), Centro de Internamento e Reeducação (CIR), Centro de Detenção Provisória (CDP), Centro de Progressão Penitenciária (CPP) e Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF).

    A primeira ação dos coordenadores, auxiliados pelos servidores dos Núcleos de Ensino (Nuen) e pelos chefes de pátio, foi realizar a divulgação do projeto aos custodiados, utilizando cartazes e panfletos, para conhecimento sobre as normas que envolvem a participação na remição pela leitura. Após essa etapa, foi disponibilizado ao custodiado interessado o requerimento para solicitar a adesão ao projeto, em que ele declara o seu nível de escolaridade, responsabilizando-se pela veracidade das informações prestadas.

    Os documentos normativos que regem a execução do projeto preveem o atendimento de até 10% da população carcerária do sistema penitenciário do Distrito Federal, de 17.431 pessoas. Contudo, para o início das atividades, as diretorias dos estabelecimentos penais disponibilizaram um número de vagas inferior ao previsto, a fim de garantir a adaptação da unidade à dinâmica do projeto.

    Ressalta-se que os seis estabelecimentos penais do Distrito Federal possuem características muito distintas, com dinâmicas de funcionamento muito específicas, as quais exigem diferentes estratégias para o desenvolvimento das ações do Projeto. O CDP, por exemplo, é unidade de entrada no sistema penitenciário, a qual recebe presos provisórios e realiza a classificação para os demais estabelecimentos. A PDF I e a PDF II, na sequência, de regime fechado, são de segurança média e máxima. Por sua vez, o CIR e o CPP funcionam em regime semiaberto, ainda assim, com especificidades próprias. Por fim, a PFDF é destinada a custodiadas que cumprem pena em regime fechado e semiaberto, bem como de presas provisórias que aguardam julgamento pelo Poder Judiciário. Desse modo, não é possível aos coordenadores manter unidade nos procedimentos.

    Execução

    Para esta primeira experiência com a remição pela leitura, os empréstimos das obras ocorreram no período de 8/8 a 14/8/2018. Salienta-se que a distribuição dos livros obedeceu à classificação de títulos por nível de escolaridade, mas não houve a livre escolha da obra pelo participante. Além do livro, o participante recebeu também um manual contendo orientações para a escrita do resumo crítico, bem como informações diversas sobre os normativos da remição pela leitura.

    Verificou-se uma variação entre a quantidade de vagas inicialmente informada e o número efetivo de obras emprestadas, conforme se verifica abaixo:

    Gráfico 2. Número de vagas versus número de empréstimos.

    Fonte: Produção dos pesquisadores.

    Na PDF I e na PDF II não foram inscritos os 200 participantes, tendo em vista a impossibilidade de, já no 1º ciclo de empréstimos, atender a todos os blocos e alas da unidade. Desse modo, o número de interessados nos setores selecionados para o início das atividades não atingiu o número de vagas pré-estabelecido, ficando definido que, nos próximos ciclos, o número de leitores será ampliado. Por outro lado, no CIR, o número de vagas ofertadas foi reavaliado, e a chefia do Nuen inscreveu uma quantidade maior de participantes.

    O empréstimo das obras ficou distribuído, por nível de escolaridade, conforme Gráfico 3:

    Gráfico 3. Distribuição do empréstimo dos livros por nível de escolaridade nas unidades.

    Fonte: Produção dos pesquisadores.

    Ao analisar o Gráfico 3, percebe-se no Distrito Federal um reflexo da realidade brasileira, a baixa escolaridade dos privados de liberdade. Segundo o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP), do CNJ, de 2018, das pessoas cadastradas no banco de dados, 24,04% não completaram o ensino fundamental e 52,27% têm somente o fundamental completo. Já no gráfico, percebe-se que 49,93% dos participantes têm o fundamental incompleto, enquanto apenas 19,64% terminaram o fundamental, corroborando com o cenário brasileiro como um todo.

    Uma vez constatado que a maioria dos participantes possui baixo nível de escolaridade, o Comitê Gestor do projeto propôs aos Chefes dos Nuens, em caráter experimental, a realização de oficinas de redação, a serem desenvolvidas pelos coordenadores de cada unidade para possibilitar ao participante o desenvolvimento de sua competência linguística.

    Entretanto, considerando-se as dificuldades apresentadas pelos Nuens, principalmente a falta de servidores para garantir a segurança das atividades, somente em três, das seis unidades, foram realizados encontros para a formação dos leitores. Na PFDF, houve dois encontros (de uma hora e trinta minutos), em que as participantes foram orientadas sobre a estrutura do gênero resumo crítico (identificação da obra, apresentação dos elementos da narrativa, elaboração de posicionamento crítico).

    Na PDF II, houve apenas um encontro de, aproximadamente, uma hora, em que se esclareceram dúvidas dos participantes, porém por conta do espaço limitado, não foi possível a prática de escrita. Com isso, o encontro deve ser considerado mais como uma palestra que como uma oficina.

    A unidade prisional em que os encontros de formação foram realizados de maneira satisfatória foi o CPP. Por ser uma instituição de regime semiaberto, em que as normas de segurança não são tão rígidas, à grande parte dos leitores foi possibilitado o acesso à biblioteca para a participação em oficinas. Nelas, foram desenvolvidas diversas atividades de escrita e reescrita textual, rodas de leitura, debates, além de momentos reservados apenas para a realização da leitura das obras em um ambiente propício à atividade.

    Decorrido o prazo determinado para a realização da leitura, seguiu-se o que foi descrito nos documentos normativos. Os livros foram devolvidos e a avaliação presencial foi agendada respeitando o prazo de até 15 dias após o recolhimento das obras. Em virtude da falta de salas de aula, nas PDFs I e II, no CDP e na PFDF, foi necessário realizar a aplicação das avaliações nos pátios. Para isso, foram disponibilizadas pranchetas para suprir a falta de mesas e cadeiras.

    É importante destacar que, no decorrer do período de leitura, houve o desligamento de um número expressivo de participantes, ocorrido por motivos diversos. Entre eles, a transferência do leitor de uma unidade para outra, principalmente nas que funcionam em regime provisório e semiaberto. Houve, ainda, a exclusão de participantes, tendo em vista o cumprimento de sanção disciplinar. Além disso, aconteceram casos de desistência em que o participante alegou desinteresse pela leitura, bem como dificuldades de compreensão da obra.

    O Gráfico 4 apresenta a variação entre o número de obras emprestadas e o de provas realizadas:

    Gráfico 4. Número de obras emprestadas versus número de provas realizadas.

    Fonte: Produção dos pesquisadores.

    Após a aplicação, as resenhas foram encaminhadas à equipe de avaliação, formada por professores do CED 01 de Brasília, que atuarão exclusivamente na avaliação dos resumos críticos escritos pelos participantes. No momento, a equipe executora possui somente informações sobre o número de participantes que obtiveram resultados satisfatórios dos primeiros ciclos de leitura, e os resultados preliminares serão apresentados no capítulo 23. Deste modo, ainda não há a possibilidade de se apresentar dados finalísticos, ou seja, ainda não há como medir o impacto da política de remição da pena pela leitura no cotidiano dos privados de liberdade.

    Resultados

    Gráfico 5. Resultado das avaliações.

    Fonte: Produção dos pesquisadores.

    Os dados apresentados no Gráfico 5 mostram o índice de aprovação dos participantes por unidade, assim posto: a PDF I teve a aprovação de 77,78%; enquanto a PDF II 86,50%; a CIR por sua vez obteve 72,73%; já o CDP 76,79%; o CPP logrou aprovação de 96,30%; e por último a PFDF 78,69% de aprovados. Ao todo, 80,24% dos que enviaram a resenha foram aprovados.

    Considerações finais

    A pena no Brasil tem como objetivo, entre suas várias funções, a ressocialização dos privados de liberdade. Para que isso seja alcançado, inúmeras medidas são necessárias, entre elas a remição da pena. A remição é o abreviamento do tempo da pena por contraprestação de alguma atividade, seja de estudo ou de trabalho, pelo apenado. Originalmente, a Lei de Execução Penal só previa a possibilidade da remição por meio do trabalho, porém a partir de 2011, com a Lei nº 12.433, de 2011, a legislação começou a aceitar que ocorresse também pelo estudo.

    A partir dessa mudança, começou-se a pensar na possibilidade de se remir a pena pelo estudo. O caminho foi longo, passando por inúmeros documentos, órgãos e decisões. Pelo notável reconhecimento que a leitura tem, e considerando que ler é uma das melhores formas de inserção social, a remição pela leitura foi admitida no âmbito jurídico.

    Entretanto, a implantação desse instituto legal é de forma gradual. Muitos estados ainda não iniciaram a remição pela leitura. Destaca-se o Paraná, por ter sido o primeiro a regulá-la. O Distrito Federal também tem avançado nessa direção.

    A execução do projeto Ler Liberta começou no ano de 2018, como primeira experiência da remição de pena pela leitura. As impressões registradas ainda são inconclusivas, porém retratam algumas realidades brasileiras, como o fato de a maioria das pessoas privadas de liberdade no DF terem apenas o ensino fundamental completo, como aponta o BNMP sobre o perfil do apenado brasileiro.

    Apesar de serem dados iniciais, pode-se observar que o projeto Ler Liberta alcançou êxito considerável, em sua primeira aplicação, ao obter um índice de aprovação de 80%. Tal taxa demonstra que os privados de liberdade conseguiram compreender a obra que leram e usaram isso para remir sua pena. Com isso, espera-se que os participantes do projeto possam ter crescido como pessoa, uma vez que a literatura é uma das ferramentas mais importantes no processo de conhecimento do mundo que temos.

    Além disso, sabe-se que os estados têm a capacidade de legislar sobre direito penitenciário. Assim, possuem autonomia para implementar projetos de remição pela leitura. Apesar dessa competência, muitos estados ainda não a regularam. Há a expectativa de que a experiência da remição de pena pela leitura do Distrito Federal possa inspirar outros estados a usá-la.

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