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53 Cuidados pré-operatórios

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e pós-operatórios
Cristina Frutuoso

1. CUIDADOS PRÉ-OPERATÓRIOS Algumas situações requerem exames com-


plementares específicos e consulta com es-
A adequada preparação da doente para a pecialista. Pode ser necessária a realização de
cirurgia é fundamental para o sucesso do ecocardiograma em situações de insuficiência
procedimento cirúrgico e a realização da cardíaca ou doença valvular ou de prova de
história clínica e do exame objectivo são os esforço, se há suspeita de doença isquémica.
elementos chave da avaliação pré-operató- Nas doentes com asma ou doença pulmonar
ria. Há, no entanto, dados que suportam a obstrutiva crónica (DPOC) pode ser necessário
necessidade de utilizar também exames la- fazer estudo funcional respiratório. A suspen-
boratoriais e de imagem adequados ao tipo são do consumo de tabaco, pelo menos 4 se-
de procedimento e de doente. manas antes do acto cirúrgico, reduz para me-
Tem igual importância a explicação a dar à tade o risco de complicações respiratórias1.
doente sobre o procedimento cirúrgico e a A diabetes associa-se a um acréscimo de ris-
disponibilidade para esclarecer as dúvidas co de morbilidade e mortalidade de 50%, in-
existentes. cluindo risco de enfarte agudo do miocárdio
no perioperatório, complicações infecciosas,
1.1. HISTÓRIA CLÍNICA E EXAME OBJECTIVO cicatrização da ferida operatória ou de insu-
ficiência renal aguda2. O controlo da glicemia
A história clínica pré-operatória deve incluir capilar no perioperatório diminui significa-
as situações clínicas passíveis de serem agra- tivamente estes riscos. Se houver história de
vadas pelo procedimento cirúrgico ou, por diabetes descompensada ou de doença de
outro lado, de complicar quer o acto cirúr- órgão deve ser consultado endocrinologista.
gico quer a anestesia e a recuperação pós- Os antecedentes cirúrgicos são importantes
-operatória. por poderem alertar para algumas compli-
cações anestésicas ou operatórias. Pode ter
1.1.1. DOENÇAS CRÓNICAS, havido resposta anormal a determinados
ANTECEDENTES CIRÚRGICOS E HÁBITOS anestésicos ou técnica anestésica. Deve ser
inquirido se houve problemas hemorrági-
O risco de complicações cardíacas e pul- cos, tromboembólicos, peritonite ou oclu-
monares no pós-operatório foi associado a são intestinal. A história de cirurgia pélvica
vários factores, a maioria dos quais podem alerta o cirurgião para maior probabilidade
ser identificados pela história clínica e exa- de aderências que envolvam o intestino ou
me físico. de estenose ureteral. Pode haver indicação
O quadro 1 mostra as condições mais fre- para estudo da anatomia ureteral e eventual
quentemente associadas a complicações colocação pré-operatória de cateter uretéri-
cardíacas ou pulmonares no pós-operatório. co duplo J.

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Quadro 1. Situações associadas a complicações cardíacas ou pulmonares no pós-operatório

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Cardiovasculares Pulmonares

Enfarte miocárdio prévio Tabaco


Angina Obesidade
Insuficiência cardíaca congestiva DPOC
Diabetes Asma
Hipertensão ASA* > 2
Idade > 70 Idade > 70
Arritmia Cirurgia abdominal ou torácica
Doença valvular Duração cirurgia > 3 h

Adaptado de Gynecologic oncology2.

*Sociedade Americana de Anestesia

1.1.2. MEDICAÇÃO CRÓNICA O quadro 2 mostra os principais antiagre-


gantes plaquetares (AAP) utilizados e tem-
Deve ser conhecida toda a medicação que a po de suspensão prévio necessário. Se a
doente faz e identificada a que se deve con- condição clínica que levou à prescrição do
tinuar e a que deve ser interrompida. A maio- AAP não permitir a sua suspensão, como por
ria dos medicamentos não necessitam de ser exemplo nas doentes que têm stent coroná-
suspensos para que a doente seja operada e rio, deve ser providenciada a sua substitui-
alguns devem mesmo ser administrados no ção por triflusal 200 mg, 2/dia, dado poder
dia da cirurgia de manhã, como os hipoten- ser interrompido 24-48 h antes da cirurgia.
sores ou substitutos hormonais. Nas doentes que estão sob dicumarínicos,
Mesmo a prática de suspender os contracep- estes tem de ser interrompidos 3-5 dias antes
tivos orais 2-4 semanas antes da cirurgia não do acto cirúrgico e substituídos por heparina
têm suporte em estudos prospectivos com de baixo peso molecular (HBPM) ou heparina
grupo controlo e não se recomenda a sua endovenosa, em função da condição médica
descontinuação por rotina3. As alterações subjacente. A heparina pode ser iniciada ape-
induzidas pela contracepção oral requerem nas quando a relação normalizada internacio-
interrupção durante 4-6 semanas para reto- nal (INR) for inferior a 2. Se for prescrita HBPM
ma da normalidade. Foi estimado um risco em dose terapêutica esta deve ser reduzida e
de complicações tromboembólicas (CTE) de passada a dose profiláctica na véspera da ci-
0,96% nas doentes que estão sob contracep- rurgia. A heparina endovenosa deve ser inter-
ção oral e de 0,5% nas não-utilizadoras, mas rompida 4-6 h antes da cirurgia. A acção anti-
a suspensão implica risco de gravidez4. coagulante da HBPM não se traduz no tempo
São excepção os medicamentos que inter- de tromboplastina parcial activado (TTPa), ao
ferem com a coagulação, os hipotensores contrário do que acontece com a heparina,
inibidores da monoaminoxidase (IMAO) para a qual o TTPa se usa na monitorização
e os antidiabéticos orais (ADO) de longa da dose (2x o tempo do controlo).
duração de acção. Os IMAO devem ser sus- A retoma da dose terapêutica da HBPM ou
pensos 2 semanas antes da cirurgia, en- da heparina endovenosa é função do tipo de
quanto os ADO se suspendem apenas 2-3 cirurgia e do risco tromboembólico da do-
dias antes. ente e se feita precocemente pode produzir

604 Capítulo 53
Quadro 2. Antiagregantes plaquetares5

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Mecanismo de acção Suspensão antes da cirurgia

Ácido acetilsalicílico Inactivação irreversível da 7-10 dias


Acetilsalicilato de lisina ciclooxigenase

Clopidogrel Bloqueio do receptor ADP* nas 7-10 dias


Ticlopidina plaquetas

Dipiridamol Aumento da concentração do 24 h


cAMP†

Triflusal Bloqueio da ciclooxigenase 24-48 h

AINE não selectivos Inactivação reversível das Função da semivida


ciclooxigenases

*adenosina difosfato †adenosina monofosfato cíclico

hemorragia, que complica o pós-operatório 1.1.4. EXAME OBJECTIVO


e atrasa a retoma da anticoagulação eficaz.
A interrupção de hipotensores ou de ADO O exame objectivo deve ser global. É certo
pressupõe a monitorização da tensão arterial que a maioria das doentes que se subme-
(TA) ou da glicemia capilar e prescrição de tem a cirurgia ginecológica são saudáveis,
hipotensor ou insulina para administração mas não deve ser esquecida a avaliação de
em SOS. No dia da cirurgia, deve ser avaliada outros órgãos, além do exame pélvico, em
a glicemia capilar e a doente ser puncionada particular a função cardíaca e respiratória.
com soro glicosado a 5% para evitar hipogli- Por outro lado, restrições ao movimento nas
cemia. Após a cirurgia, a glicemia deve ser articulações coxofemorais podem condicio-
monitorizada cada 2-4 h e prescrito esque- nar o posicionamento da doente nas cirur-
ma insulínico adequado ao valor da glicemia gias realizadas por via vaginal.
capilar. Os ADO e a insulina no regime habi- O exame pélvico permite-nos optar pela me-
tual devem ser retomados quando a doente lhor via de abordagem, vaginal ou abdomi-
iniciar dieta oral. nal e, se escolhida a via abdominal, pelo tipo
de incisão a fazer.
1.1.3. ALERGIAS Se for identificada qualquer infecção vulvo-
-vaginal, deve ser tratada antes da cirurgia.
A doente deve ser inquirida sobre passa- As vaginoses podem ser tratadas com me-
do de alergia a determinados fármacos ou tronidazol 500 mg oral 2/dia ou por aplica-
produtos. São mais frequentes a alergia a ção tópica de metronidazol ou de clindami-
produtos iodados, utilizados na desinfecção, cina, durante 7 dias.
e a derivados da penicilina, utilizados na Também a atrofia da mucosa vaginal deve ser
profilaxia antibiótica. Nos dois casos devem corrigida pela aplicação tópica de estrogé-
ser usados produtos alternativos. nios, durante 4-6 semanas antes da cirurgia.
A alergia ao látex é rara mas pressupõe subs-
tituição de material na prestação de cuida- 1.2. AVALIAÇÃO LABORATORIAL E POR IMAGEM
dos e na sala de operações. Pelas importan-
tes implicações, a alergia ao látex deve ser Em Portugal é habitual a realização de exa-
sempre confirmada. mes de rotina pré-operatória, independen-

Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios 605


temente do tipo de doente e do procedi- patologia conhecida e assintomáticas, a
mento cirúrgico a realizar. escola americana recomenda a realização

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É comum o pedido de hemograma e estudo de história clínica e exame físico comple-
da coagulação, glicemia e ionograma, da to e a determinação da hemoglobina se
função renal e hepática, de radiografia do a doente tem menos de 40 anos; depois
tórax e de electrocardiograma (ECG) e, por desta idade passa a ser obrigatório o ECG.
vezes, de análise da urina. Só após os 65 anos se recomenda a deter-
Há um estudo americano que mostra que minação do azoto ureico e da glicemia.
72,5% dos testes pré-operatórios foram Recomenda-se a classificação do grupo
considerados desnecessários após revisão sanguíneo se há potencial para uma per-
da história clínica e do exame físico do do- da moderada de sangue. Se a doente for
ente3. Munro concluiu que o poder dos tes- submetida a cirurgia ginecológica com-
tes realizados para avaliar o risco de com- plicada e sem outra patologia conhecida
plicações no pós-operatório nas doentes e assintomática, recomenda-se a realiza-
assintomáticas era fraco ou nulo6. ção de hemograma completo, o estudo da
Uma avaliação pré-operatória racional pres- coagulação, da função renal e hepática e
supõe o conhecimento da categoria de risco o pedido de classificação e de provas de
da doente e o tipo de procedimento cirúrgi- compatibilidade para transfusão de GV.
co. Para classificar a condição física da doen- Recomenda-se consulta de anestesia nes-
te é habitualmente utilizada a classificação te grupo.
da Sociedade Americana de Anestesia (ASA) Se a doente tem comorbilidades, do foro
(Quadro 3). cardíaco, pulmonar, renal, endócrino, vascu-
Roizen propõe três categorias para o pro- lar, neurológico ou ortopédico com necessi-
cedimento cirúrgico (A, B, C) em função dade de medicação crónica, e independen-
da probabilidade da doente necessitar de temente do tipo de patologia ginecológica
transfusão de glóbulos vermelhos (GV), de e procedimento cirúrgico, recomendam-se
necessitar de monitorização invasiva ou de os mesmos exames referidos para as doen-
cuidados intensivos no pós-operatório3. tes com patologia ginecológica complicada
Para as mulheres propostas para cirurgia e acrescentam o ECG e consulta da especia-
ginecológica não complicada e sem outra lidade dirigida à comorbilidade.

Quadro 3. Escala de condição física da ASA

Classe 1 – Doente sem alterações orgânicas, fisiológicas ou psiquiátricas. O processo patológico a ser tratado
é localizado e não envolve distúrbios sistémicos

Classe 2 – Doente com alterações sistémicas ligeiras a moderadas, causadas pela situação a ser tratada cirur-
gicamente ou por outros processos fisiopatológicos

Classe 3 – Doença sistémica grave de qualquer causa

Classe 4 – Doença sistémica grave que coloca em risco a vida do doente e que poderá não ser tratável pelo
procedimento a efectuar

Classe 5 – Doente moribundo, com poucas hipóteses de sobreviver, mas que é submetido ao procedimento
em desespero de causa

Classe 6 – Dador de órgãos

606 Capítulo 53
1.3. CUIDADOS GERAIS 1.4. PROFILAXIA DA TROMBOEMBOLIA

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O período de internamento deve ser limitado A doente submetida a cirurgia pélvica tem um
ao tempo mínimo necessário por se associar a risco de 2-45% de vir a ter uma trombose ve-
riscos acrescidos, em particular de infecção e nosa dos membros inferiores. Destas, 20% são
também pelos custos que implica. No entanto, da região poplítea ou femoral, e destas, 40%
algumas doentes precisam de internamento vão ter tromboembolia pulmonar (TEP)7.
antecipado para equilíbrio de condições mé- As doentes de alto risco tem uma probabili-
dicas concomitantes ou ajuste terapêutico. dade de 80% de ter trombose da perna e um
Doenças crónicas graves, como a insuficiência risco de TEP de 5%8.
cardíaca congestiva, as valvulopatias e a hi- A indicação para fazer profilaxia das CTE,
pertensão pulmonar severa, a doença pulmo- trombose venosa profunda e TEP relaciona-
nar obstrutiva crónica e a asma ou a diabetes -se com o tipo de procedimento cirúrgico e
descompensadas, requerem monitorização e com as comorbilidades que a doente apre-
podem precisar de ajuste terapêutico. senta (Quadro 4).
As doentes que estão sob anticoagulação A cirurgia pélvica é por si só uma indicação
com dicumarínicos precisam, habitualmen- para a profilaxia das CTE. A estase venosa é
te, de internamento precoce para adminis- o principal factor desencadeante da trom-
tração de heparina de baixo peso molecular bose pós-operatória. Doran demonstrou que
ou heparina endovenosa. durante o procedimento cirúrgico o retorno
Para todos os procedimentos cirúrgicos deve venoso nos membros inferiores está reduzido
ser dado consentimento da doente. Deve em 50%, como consequência do relaxamento
ser dada informação oral ou escrita sobre o muscular induzido pela anestesia7. Esta dimi-
procedimento a realizar, bem como sobre as nuição do retorno venoso mantém-se duran-
complicações possíveis, e a doente deve as- te as 2 semanas que se seguem à cirurgia. Por
sinar uma declaração de consentimento da outro lado, também a compressão prolonga-
intervenção cirúrgica. da da veia cava inferior, que é produzida pelo

Quadro 4. Factores de risco de trombose venosa profunda9

Obesidade (índice de massa corporal [IMC] > 30)


Idade > 40 anos
Gravidez
Fumador
Estase venosa crónica
Imobilização
Trauma
Modeladores selectivos dos receptores de estrogénios
Estrogénios
Cirurgia abdominal e pélvica
Cirurgia extensa*
Trombofilia*
Doença maligna*
História de trombose venosa crónica*
História de TEP*

*Alto risco.

Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios 607


intestino e pano ou compressas utilizados A mobilização precoce é outro factor de pre-
para preparar campo operatório, é facilita- venção das CTE, que é facilmente aplicável e

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dora da estase venosa. O desnudamento dos exequível em quase todos os procedimentos
vasos pélvicos realizado na linfadenectomia cirúrgicos ginecológicos (excepto na vulvec-
pélvica, por exemplo, induz a agregação pla- tomia e na exenteração pélvica). O quadro 5
quetar e a cascata da coagulação. O risco de mostra as recomendações para prevenção
CTE está directamente relacionado com a du- dos acidentes tromboembólicos12.
ração da intervenção7. As doentes de muito alto risco, em particular
A utilização profiláctica da heparina e a com- as que tem antecedentes de CTE e que estão
pressão pneumática extrínseca reduzem sob anticoagulação à data da cirurgia, têm in-
significativamente o risco de CTE nas do- dicação para colocação pré-operatória de filtro
entes de moderado e alto risco10. Estima-se na veia cava inferior para prevenção da TEP2.
uma redução de risco de 75%11. A heparina Outros autores recomendam o uso simultâ-
actua por inibição da formação de trombina neo da HBPM, meias de compressão elástica
enquanto a compressão extrínseca evita a ou compressão pneumática extrínseca8.
estase venosa e estimula o sistema fibrinolí-
tico10. A HBPM é pelo menos tão eficaz quan- 1.5. PROFILAXIA DA INFECÇÃO
to a heparina não-fraccionada na prevenção DE PÓS-OPERATÓRIO
das CTE e tem maior semivida, permitindo
administração única diária, e tem resultados A utilização profiláctica de antibioterapia de
mais reprodutíveis. É actualmente a forma de largo espectro na cirurgia ginecológica foi
administração da heparina que é standard na proposta pelo risco de contaminação do cam-
profilaxia das CTE. A enoxaparina e a daltepa- po operatório pela flora bacteriana da vagina.
rina são as mais frequentemente utilizadas7. A eficácia da profilaxia baseia-se no princípio
A compressão pneumática extrínseca é fa- de que a proliferação bacteriana e infecção
vorecida pela escola americana por ter me- podem ser inibidas por acção do antibiótico,
nor custo e menos efeitos colaterais que a na altura da inoculação do agente infeccioso.
HBPM, como a trombocitopenia e aumento Há dados que suportam o uso profiláctico de
da drenagem retroperitoneal após linfade- antibióticos de largo espectro na histerecto-
nectomia2. mia abdominal e vaginal, dado que nestes
Qualquer destes métodos deve ser mantido procedimentos a antibioterapia profiláctica
pelo menos 5-7 dias no pós-operatório, mas a reduz significativamente o risco de abcessos
duração da profilaxia deve ser individualizada. pélvicos e da cúpula vaginal3. Não há, pelo

Quadro 5. Recomendações para profilaxia das CTE12

Procedimentos breves, situações benignas, sem Mobilização precoce e persistente


outra patologia, < 40 anos

Intervenções em situações benignas, sem outra 20-30 mg enoxaparina


patologia 2.500 U dalteparina

Intervenções extensas, situações malignas, doentes 40 mg enoxaparina ou


com factores de risco 5.000 U dalteparina
(compressão pneumática extrínseca)

Doentes com elevado risco hemorrágico Compressão pneumática extrínseca

608 Capítulo 53
contrário, dados que permitam recomendar a talidade, implicando elevados custos. É das
profilaxia antibiótica na cirurgia laparoscópi- três mais prevalentes no meio hospitalar. A

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ca ou histeroscópica não infectada. contaminação do local da incisão é precur-
Recomenda-se a administração única de 1-2 sora da ILFC. Quando é colocado material de
g de cefazolina, em função do peso inferior prótese, a quantidade de inoculum neces-
ou superior a 70 kg, 1-2 h antes do início sária para desencadear a infecção é menor.
da cirurgia, para que exista concentração É consensual que a principal fonte de mi-
bactericida do fármaco no momento da in- crorganismos é a flora endógena da doente
cisão. A dose deve ser repetida se a cirurgia (pele, mucosas, vísceras ocas), mas as fontes
tiver duração superior a 3 h, ou a perda de exógenas são também importantes (equipa
sangue for superior a 1.500 ml, permitindo cirúrgica, ambiente da sala de operações,
manter os níveis séricos e nos tecidos do instrumentos e material utilizado).
fármaco, durante o acto cirúrgico e algum Medidas que podem ser adoptadas para re-
tempo após encerramento da ferida opera- dução da ILFC:
tória. As cefalosporinas de segunda e tercei- — Banho com agente anti-séptico na noite
ra geração, como o cefotetan e cefotaxima, anterior à cirurgia.
são igualmente eficazes. Pode também ser — A tricotomia abdominal e púbica asso-
administrado o metronidazol. cia-se a aumento do risco de infecção do
No pós-operatório de cirurgia ginecológica local da cirurgia, sobretudo se realizada
ou outra, a doente tem também risco de na véspera da cirurgia. Como tal, reco-
infecção respiratória, urinária e da ferida menda-se que seja restrita ao local da
operatória. A prevenção da infecção não se incisão, realizada imediatamente antes
limita, como tal, à simples administração da cirurgia e com máquina eléctrica.
profiláctica de antibióticos e são necessárias — Preparação da vagina, vulva e períneo
outras medidas3. sistemática: pré-lavagem.
Cuidados gerais para diminuição do risco de — Preparação da pele abdominal, em cír-
infecção no pós-operatório: culos concêntricos do centro para a pe-
— Limitar o internamento pré-operatório riferia, desde as últimas costelas a meio
ao tempo mínimo necessário. da coxa e, lateralmente, até à crista ilíaca
— Suspensão do tabaco, pelo menos 30 anterior e linha axilar anterior.
dias antes da cirurgia.
— Adequado controlo da glicemia capilar, 1.6. PREPARAÇÃO INTESTINAL
evitando valores superiores a 150 mg/dl.
— Analgesia adequada e a mobilização pre- Nos casos de cirurgia ginecológica não com-
coce, para diminuição do risco de atelecta- plicada é habitualmente recomendada a lim-
sia no pulmão e de infecção respiratória. peza do cólon baixo. Recomenda-se a realiza-
— Posicionamento no leito com a cabeça ção de um clister de limpeza na véspera da
levantada a 30-45°, diminuindo o risco cirurgia, que se pode repetir de manhã, se o
de microaspiração de bactérias residen- primeiro não tiver sido eficaz. Em alternativa
tes no estômago, prevenindo a infecção ou em associação, podem ser usados laxantes
respiratória baixa. orais e microclisteres de citrato de sódio.
— Remoção precoce de dispositivos invasi- Nas doentes em que se preveja ser necessária
vos como a sonda nasogástrica, facilita- a ressecção intestinal ou haja risco de lesão
dora da infecção respiratória ou do cate- do intestino, deve ser feita preparação intes-
ter vesical, facilitador da infecção urinária. tinal total. Pode ser utilizada a preparação
A infecção no local da ferida cirúrgica (ILFC) mecânica associada ou não a antibiótico. Re-
é causa importante de morbilidade e mor- comenda-se a sua realização em situações de

Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios 609


doença maligna, endometriose ou situação A dor influencia a resposta fisiológica no
de risco de aderências, por cirurgia pélvica ou pós-operatório. O controlo da dor diminui

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peritonite prévias. as complicações no pós-operatório, permi-
Há, no entanto, uma revisão Cochrane sobre te uma mobilização mais precoce, encurta
preparação intestinal para cirurgia electiva o período de hospitalização, diminui as re-
do cólon, que não mostrou vantagem da admissões hospitalares, diminui os custos e
preparação mecânica intestinal na redução previne a ocorrência de dor crónica.
das complicações habitualmente associadas Intra-operatoriamente e no pós-operatório
à cirurgia do cólon13. No entanto, a prepara- imediato há dor forte e devem ser usados
ção intestinal total continua a ser aconselha- opióides fortes como a morfina, o fentanil
da na cirurgia do cólon. ou a petidina. Devem ser associados a anti-
Podem ser utilizados regimes à base de po- -inflamatórios não esteróides (AINE) e a pa-
lietilenoglicol (Klean-Prep®) ou de fosfato racetamol. Para a dor moderada, pode ser
sódio por via oral (Fleet’s Phospha Soda®). usado o tramadol, também em associação
Em Portugal, é mais frequente a utilização com AINE e paracetamol. O tramadol, em
do primeiro, ainda que requeira ingestão de relação aos opióides fortes, tem menor ris-
maior volume de água e se associe mais fre- co de depressão respiratória e obstipação.
quentemente a náuseas. O segundo só deve O uso de pelo menos dois analgésicos com
ser administrado a adultos saudáveis, pelo diferentes mecanismos de acção permi-
risco de desequilíbrio hidroelectrolítico e in- te reduzir as doses e as reacções adversas
suficiência cardíaca. dose-dependentes e está associada a maior
Pode ser associado antibioterapia oral com eficácia analgésica15. Não devem ser esque-
neomicina 1 g e metronidazol 1 g, adminis- cidos os efeitos secundários dos analgési-
trados na véspera da cirurgia às 14 e 23 h. cos, dado poderem ser tão mal tolerados
quanto a dor: sedação (41%), náuseas (35%),
cefaleias (30%), obstipação (26%), vómitos
2. CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS (14%), perturbações do sono (14%), tontu-
ras (14%), prurido (10%)15.
Podemos dividir os cuidados no pós-opera- São igualmente eficazes na redução da dor
tório em três fases: imediata ou pós-anesté- pós-operatória o uso de anestésicos locais
sica, intermédia, correspondente ao interna- para infiltração na ferida operatória, blo-
mento hospitalar, e a de convalescença. queio de nervos periféricos ou neuroaxiais16.
No pós-operatório imediato são preocupa- A abordagem terapêutica da dor pós-ope-
ções dominantes a analgesia, a detecção pre- ratória prevê iniciar a intervenção farmaco-
coce e tratamento de alterações cardiovascu- lógica antes do pico doloroso, preferir a via
lares, pulmonares e do balanço de fluidos. endovenosa e logo que possível passar a via
oral, administrar em doses e intervalos poso-
2.1. ANALGESIA lógicos adequados, ajustar doses até obten-
ção do efeito pretendido, rever esquema te-
A dor no pós-operatório é secundária ao pro- rapêutico após controlo da dor e aumentar a
cedimento cirúrgico e/ou anestésico e pode dose durante procedimentos dolorosos16.
ser agravada com a mobilização, respiração, O recurso ao drug infusion ballon (DIB) e à
tosse, mobilização de drenos e realização de patient controlled analgesia (PCA) permite a
pensos. Há trabalhos que referem que 50% infusão endovenosa contínua de opióides,
dos doentes têm medo da cirurgia por medo durante 24-48 h, e conferem uma analgesia
da dor e 82% dos doentes referem dor no mais eficaz do que a administração parenté-
pós-operatório14,15. rica regular17.

610 Capítulo 53
A PCA é preferida por 90% dos doentes, mas ções, não implicam grande perturbação de
é caro e requer formação do doente e dos volume nem de electrólitos.

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profissionais de saúde. São sobretudo as doentes que são submeti-
A analgesia epidural permite um efeito mais das a cirurgia digestiva ou cirurgia complicada
prolongado, pela administração de opióides por hemorragia, com necessidade de reposi-
fortes e anestésicos locais, por via epidural, ção de volemia, que requerem maior atenção
em doses mais baixas. aos problemas de volume e electrólitos.
Quer com a PCA ou DIB, quer com a epidu- O corpo humano é constituído por água em
ral, devem ser associados AINE e/ou parace- 60% do peso, e existe uma troca de aproxi-
tamol e deve ser mantida a vigilância regular madamente 2 l de fluidos/dia, entre 1.500-
dos sinais vitais. 2.000 ml de ingestão alimentar e 750-1.500
Nas cirurgias abdominais extensas ou em ml de perda na urina, 300 ml nas fezes e 500
casos de doença maligna, recomenda-se o ml perdas insensíveis.
uso de opióides fortes por PCA ou DIB ou Os componentes do balanço hídrico, que é a
analgesia epidural, com anestésicos locais e diferença entre a entrada e a saída de líqui-
opióides fortes16,17. dos, que são habitualmente considerados
na prática diária, são a ingestão de líquidos
2.2. FLUIDOS E ELECTRÓLITOS ou fluidos endovenosos, por um lado, e a
diurese, as drenagens gástricas e do campo
A monitorização dos fluidos e electrólitos é operatório, por outro. São difíceis de conta-
muito importante na doente que é subme- bilizar as perdas insensíveis pela pele e res-
tida a cirurgia. As doentes diferem na idade, piração, as perdas de líquido nas fezes ou os
estado nutricional basal e na complexidade líquidos da comida sólida. No doente febril,
dos problemas médicos. com taquipneia ou com diarreia, há perdas
A maioria dos procedimentos cirúrgicos em de líquidos habitualmente não contabiliza-
ginecologia se decorrerem sem complica- das (Quadro 6).

Quadro 6. Entradas e saídas de sódio

– Entradas de Na
Dieta 10 g NaCl/24 h (177 mEq Na+ e Cl–)
Parenteral 1.000 ml soro fisiológico = 9 g NaCl (155 mEq Na+ + 155 mEq Cl–)

– Saídas de Na+
Urina Variável: quase todo o NaCl ingerido é eliminado pela urina

Pele 50-60 mEq/l


Secreções gastrointestinais
Fezes normais 1 mEq/24 h
Diarreia
Secretora 130 mEq/l
Malabsorção 50 mEq/l
Vómitos
Normais 40 mEq/l
Acloridia 130 mEq/l
Outras secreções 130 mEq/l

Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios 611


Na maior parte das situações clínicas, as al- plo por aumento da ingestão de água ou
terações no balanço hídrico são secundárias administração de solutos hipo-osmolares,

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a alterações no balanço de sódio e há reten- ocorre diminuição da secreção de hormona
ção de líquidos por haver retenção de sódio. antidiurética (HAD) e consequente aumento
O líquido intracelular (LIC) corresponde a da permeabilidade à água nos ductos colec-
66% dos fluidos totais do organismo. O com- tores no rim. Quando há défice de volume,
partimento extracelular (LEC) tem os restan- acontece o contrário e há diminuição da per-
tes 33% e, destes, 25% correspondem ao lí- meabilidade dos ductos colectores.
quido intravascular (LIV). A membrana celu- A ingestão de água ou a perfusão de dextro-
lar é permeável à água, pelo que a osmolari- se a 5% (D5) resulta na expansão de todos
dade do LEC é igual à do LIC. A osmolaridade os compartimentos líquidos: como a osmo-
do LEC é determinada fundamentalmente laridade dos compartimentos intra e extra-
pelo sódio e aniões acompanhantes. Em si- celular é igual, a distribuição da água é pro-
tuações clínicas específicas, algumas subs- porcional. Assim, 1.000 cc de soro glicosado
tâncias em elevadas concentrações como a a 5% resultam num aumento de LIC de 666
glicose, o manitol, o álcool e a ureia contri- cc, de LEC de 333 ml, sendo o aumento de
buem para aumento da osmolaridade plas- LIV de apenas 83 cc.
mática. A osmolaridade do LIC é determina- A ingestão ou perfusão de solutos que
da pelo potássio e aniões acompanhantes, entram devagar na célula, como a glicose,
em particular o fosfato e as proteínas. ou são activamente excretados da célula,
As forças oncóticas (albumina e globulinas) como o sódio, obriga a água a manter-se
são fracas em relação às forças osmóticas junto destes solutos no compartimento
(cristalóides Na e K+) na determinação da os- LEC para não ser quebrado o equilíbrio os-
molaridade, mas são importantes nos siste- molar entre os LIC e LEC. Se estes solutos
mas biológicos, porque as proteínas são se- são administrados em soluções hiperosmo-
lectivamente mantidas no espaço intravas- lares, há saída de líquido do LIC para o LEC
cular. A concentração de água e electrólitos e, consequentemente, contracção do LIC e
está selectivamente reduzida no LIV em rela- expansão do LEC.
ção ao espaço intersticial, produzindo uma As alterações electrolíticas do líquido extra-
deslocação de água e electrólitos do espaço celular são detectadas pela determinação
intersticial para o LIC. A hipoalbuminemia da concentração sérica dos electrólitos, e o
produz diminuição da pressão oncótica plas- tratamento a efectuar pressupõe saber se
mática e aumento efectivo da concentração há diminuição, aumento ou normal volume
de água e electrólitos e consequente movi- extracelular.
mento de água e electrólitos para o LEC. O Na avaliação do estado do volume do LEC
volume intersticial aumenta e o volume in- deve ter-se em mente que o volume crítico é
travascular diminui, ao que o rim responde a porção do LIV que efectivamente mantém
retendo água e sódio. A hipoalbuminemia a pressão de enchimento do ventrículo es-
grave pode conduzir à diminuição do LIV e querdo e assegura o débito cardíaco.
choque. Assim, a regulação da transferência O volume total pode ser avaliado a partir da
de água e electrólitos entre os compartimen- medição da pressão venosa central (PVC),
tos intravascular e intersticial é determinada que é feita por intermédio de cateter colo-
pelo balanço entre as forças oncóticas, for- cado numa veia torácica de grande calibre,
ças hidrostáticas e também pela permeabili- próxima da aurícula direita. No adulto nor-
dade capilar às proteínas plasmáticas. mal situa-se entre os 5-12 cm H2O. Se inferior
Quando há sobrecarga hídrica, que se traduz a 3 cm H2O pode assumir-se que há redução
na diminuição da osmolaridade, por exem- significativa do LIV.

612 Capítulo 53
Do ponto de vista laboratorial, a creatine- Se a causa é a diarreia ou a drenagem gás-
mia/azotemia e o hematócrito acima do trica, a reposição faz-se com cloreto de só-

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valor normal são também indicadores de dio 9%.
diminuição do LIV. A azotemia pode ser as-
sumida como resultante da diminuição da Hipo e hipernatremia
perfusão renal se a creatinina está elevada, O sódio sérico reflecte o volume total de
se a urina está concentrada (U osm/P osm água e não o sódio total.
> 1,5) e se o rim consegue preservar de só- Na maioria dos casos a hiponatremia re-
dio (U Na < 20 mEq/l). presenta um excesso relativo de água e a
Há outros parâmetros clínicos não invasi- correcção faz-se por restrição de água. Só
vos que podem ser usados para avaliação nos casos em que coexiste hiponatremia e
da volemia: a determinação do peso diá- depleção de volume é que há necessidade
rio, a TA abaixo do normal numa doente de repor sódio e volume, o que habitual-
com hipotensão ortostática, ou a diminui- mente se faz por administração de cloreto
ção da turgescência cutânea. O edema, de sódio a 9%.
a ascite e o derrame pleural estão asso- Só há indicação para tratamento da hipo-
ciados a aumento do volume intravascu- natremia, com reposição de sódio e inde-
lar na insuficiência cardíaca congestiva. pendentemente do estado do LEC e da
Contudo, se a causa destas alterações for causa, se houver clínica. A hiponatremia
a hipoalbuminemia, não se pode assumir manifesta-se por náuseas, vómitos, convul-
que haja aumento do volume intravascu- sões, alterações do estado de consciência
lar. De facto, o aumento de peso diário e coma. Este quadro implica, habitualmen-
está normalmente associado ao aumento te, valores de sódio inferiores a 125 mEq/l,
do LIV, excepto se há hipoalbuminemia, e requer correcção rápida dos valores de
obstrução venosa ou desenvolvimento de natremia. Usa-se o cloreto de sódio hiper-
terceiro espaço, como a oclusão ou isque- tónico a 3%. Para calcular a quantidade de
mia intestinal. sódio a administrar usa-se a fórmula descri-
ta no quadro 7.
2.2.1. CORRECÇÃO DE DISTÚRBIOS A hiponatremia pode ser uma complicação
HIDROELECTROLÍTICOS da histeroscopia cirúrgica, por absorção in-
tra-operatória de quantidades significativas
Volume de líquido de irrigação.
À doente que está em dieta zero prolonga- A hipernatremia é uniformemente hipe-
da deve ser feito o balanço hídrico diário e rosmolar e acontece por perda de água ou
devem ser repostos a água e electrólitos per- por excessiva administração de soluções
didos. salinas. Valores de natremia superiores a
Na doente que não tem alterações da função 160 mEq podem associar-se a sintomas
renal nem perturbações do metabolismo da de letargia, astenia, podendo evoluir para
água ou dos electrólitos, recomenda-se a fasciculações, convulsões e coma. Nestas
administração diária de 2 ml/kg/h de soro situações, deve ser feita perfusão de 2-3
polielectrolítico. l de dextrose a 5% e administrado furose-
Se a doente tem perdas gástricas, estas de- mido, de forma a obter um débito urinário
vem ser substituídas, além do volume de de 10-20 ml/min. Se não há clínica, deve ser
manutenção. estimado o défice de volume e a correcção
Se a doente tem perda de volume por febre pode ser programada para 24-48 h. A fór-
ou hiperventilação, a reposição é feita com mula a utilizar para determinar o défice de
dextrose a 5%. água está no quadro 7.

Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios 613


Quadro 7. Fórmulas usadas na correcção do distúrbio hidroelectrolítico

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Défice de água (l) [(Na no plasma – 140)/140] × água corporal total

Água corporal total 0,6 × peso

Défice de sódio (mEq/l) (140 – Na actual) × 0,6 água corporal total

Défice em potássio (mEq/l) (3,5 – K actual) × 0,4 × peso

Cálculo da taxa de infusão (ml/min) Infusão pretendida (Mg/kg/min) × peso (kg)/


concentração (Mg/ml)

Hipo e hipercaliemia punção venosa. Os sinais electrocardiográ-


As alterações na caliemia são frequentes e ficos incluem ondas T pontiagudas, prolon-
importantes pela importância que este ião gamento de PR e alargamento QRS. Valores
tem na manutenção do potencial transmem- superiores a 6,5 mEq/l e alterações no ECG
branar da fibra muscular cardíaca. Como só requerem tratamento imediato. Pode ser
2% do potássio é extracelular, pequenas al- utilizada 500 cc glicose a 10% com 15 U de
terações na concentração do potássio reflec- insulina, em perfusão rápida; 5-10 ml de glu-
tem grandes modificações no potássio total. conato de cálcio a 10% e 1-2 ampolas de 50
As causas mais frequentes de hipocaliemia ml de bicarbonato a 8,4%. O gluconato de
no doente cirúrgico são as perdas digestivas cálcio e o bicarbonato revertem a acção do
e a administração de diuréticos. Todos os potássio na fibra muscular. A diurese deve
diuréticos, excepto a espironolactona, tria- ser forçada com furosemido. Em situações
metereno e amiloride promovem a elimina- de insuficiência renal pode ser necessária
ção de potássio. Manifesta-se por fraqueza, diálise.
ileus, cãibras e risco de arritmia cardíaca. A
hipocaliemia inferior a 2 mEq/l requer trata- Hipo e hipercalcemia
mento urgente: 20 mEq em 100 cc de clore- Aproximadamente, 40% do cálcio circula li-
to de sódio a perfundir em 1 h. As hipoca- gado à proteínas, mas é a fracção livre que é
liemias não graves podem ser tratadas com activa. A calcemia reflecte o cálcio livre e li-
correcção da causa e reposição endovenosa, gado às proteínas. A hipoalbuminemia afec-
usando 40 mEq em 1.000 cc de soro fisioló- ta a calcemia total de acordo com a seguinte
gico (máximo 60-80 mEq/l). A utilização de fórmula: cálcio corrigido mg/dl = cálcio me-
concentrações superiores pode também ser dido + [(4 – albumina g/dl) × 0,8]. A hipocal-
cardiotóxica, e raramente são necessários cemia manifesta-se por cãibras, parestesias,
mais do que 120-160 mEq/dia para corrigir sinal de Chevostek e de Trosseaux.
hipocaliemia. As doentes com hipocalcemia e hipoalbumi-
A causa mais frequente de hipercaliemia é nemia estão normalmente assintomáticas e
a insuficiência renal e a incapacidade para não requerem terapêutica.
eliminar a produção diária de potássio, a A hipocalcemia sintomática pode ser tratada
destruição celular e também a mobilização com 10 ml de gluconato de cálcio a 10%, por
de potássio do líquido intra para o extrace- via endovenosa, durante 15 min.
lular em situações de acidemia. Pode haver A hipercalcemia está normalmente asso-
pseudo-hipercaliemia associada à hemólise, ciada a aumento da reabsorção óssea por
produzida pelo traumatismo mecânico na lesões secundárias e diminuição da elimina-

614 Capítulo 53
ção renal. Ao contrário dos outros distúrbios equilíbrio com o ácido carbónico no plas-
electrolíticos, é raramente iatrogénica. O ma. Alterações nos valores de cada um dos

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tratamento é feito por hidratação e diuréti- elementos deste sistema tampão reflectem
co, associados a bifosfonatos: 2-3 l de soro alterações no equilíbrio ácido-base.
polielectrolítico, furosemido endovenoso, Alterações na tensão do CO2 (Pco2) reflectem
ácido zoledrónico ou pamidronato de cálcio quer uma alteração primária respiratória
endovenoso. Pode haver necessidade de re- (hiper ou hipoventilação) e consequentes
petir o pamidronato. distúrbios respiratórios no equilíbrio áci-
do-base, quer uma tentativa respiratória de
Magnésio, fosfato compensar alterações na concentração séri-
O magnésio tem múltiplas funções no orga- ca de bicarbonato (distúrbio metabólico).
nismo, em particular na função neuromus- A hiperventilação, como causa primária,
cular. Apenas 1% está no líquido intersticial. resulta na diminuição da Pco2 no sangue
O metabolismo do magnésio depende do e alcalemia respiratória. A hipoventilação,
sódio e do potássio. A hipomagnesiemia é como causa primária, resulta na subida da
mais comum do que a hipermagnesiemia, Pco2 e produção de acidemia respiratória.
e resulta de perdas gastrointestinais ou dé- Por outro lado, quando a causa primária
fice alimentar. A clínica é inespecífica. A re- não é respiratória, há uma tentativa ven-
posição pode ser feita por via oral com 240 tilatória de manter o pH, que pode ser de
mg, 1-4/dia. Se houver valores inferiores a 1 hipo ou hiperventilação, criando assim al-
mEq/l pode ser feita reposição endovenosa terações compensatórias na Pco2. Assim,
com 4 g de magnésio em 50 ml de dextrose avaliando o pH e as alterações na Pco2 e a
a 5%, em 30 min. concentração do bicarbonato, é habitual-
A quase totalidade do fósforo está no osso mente possível distinguir acidemia e alca-
e espaço intracelular, e apenas 1%, como lemia respiratória primária, bem com a sua
acontece com o magnésio, se encontra no duração, dos fenómenos de compensação
espaço extracelular. secundária (Quadro 8).
Os níveis de fósforo, cálcio, magnésio e po- Alterações primárias na concentração de
tássio devem ser monitorizados em conjun- bicarbonato reflectem fenómenos menos
to porque os seus metabolismos interagem. óbvios que as alterações pulmonares pri-
Também a clínica da hipofosfatemia é ines- márias.
pecífica, e apenas o nível de fósforo inferior A acidose metabólica é definida como a
a 1 mEq/l requer terapêutica endovenosa. diminuição da concentração do bicarbo-
Deve tratar-se com 2,5-5 mg/dl/kg de fósfo- nato, que surge como uma causa primária
ro elementar, administrado em 6 h. ou mecanismo compensatório de distúrbio
metabólico.
Equilíbrio ácido-base O primeiro passo na avaliação da acidose
Existem diversos sistemas tampão que per- metabólica primária é a avaliação dos elec-
mitem a manutenção do equilíbrio ácido- trólitos séricos e o cálculo do anion-gap. A
-base no organismo, apesar do desenrolar fórmula do anion-gap utilizando os electró-
constante de processos metabólicos produ- litos é a seguinte: anion-gap = (Na) – (Cl– +
tores de carga ácida. HCO3–). Um anion-gap normal tem valores
O sistema mais importante e, também mais de 10-14 mEq/l. As causas de acidose meta-
facilmente mensurável, é o equilíbrio bicar- bólica em função do valor do anion-gap es-
bonato - ácido carbónico. Este sistema tam- tão no quadro 9.
pão reflecte-se nos níveis de bicarbonato O segundo passo é a avaliação da eficácia
no plasma e na tensão de CO2, que está em da resposta ventilatória compensadora. O

Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios 615


Quadro 8. Distúrbio do equilíbrio ácido-base

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Distúrbio ácido-base Episódio inicial Episódio compensação Alteração no H+ e pH

Acidose metabólica n HCO3– n Pco2 l H+ en pH

Alcalose metabólica l HCO3– n Pco2 mínima e só com n H+ e l pH


l HCO3– acentuada

Acidose respiratória
Aguda l Pco2 l HCO3– ligeira l H+ e n pH
Crónica l Pco2 l HCO3– importante l H+ e n pH

Alcalose respiratória n Pco2 l HCO3– n H+ e l pH

Adaptada de Te Linde’s7.

Quadro 9. Causa do distúrbio ácido-base em função do anion-gap

Anion-gap elevado Anion-gap normal Anion-gap normal com


hipercaliemia

Falência renal Necrose tubular aguda Falência renal inicial

Cetoacidose Diarreia Hidronefrose

Acidose láctica Acidose pós-hipocapnia Adição de HCL


Derivação urinária Toxicidade sulfúrica
Inibidores da anidrase carbónica

Adaptado de Practical Gynecological Oncologic3.

mecanismo esperado é a hiperventilação O tratamento da acidose metabólica depen-


com diminuição da Pco2, reduzindo os efei- de da causa. Habitualmente o tratamento da
tos nefastos do n HCO3–. causa é suficiente. Nas doentes com HCO3– <
A fórmula utilizada para determinar a res- 10 mEq/l ou pH < 7,2, sobretudo se há hipo-
posta respiratória esperada para a acidose tensão e se espera agravamento do proble-
metabólica é: Pco2 esperada = 1,5 × (HCO3– ma de base, deve ser considerada a terapia
actual) + 8 (± 2). Nas doentes nas quais os com bicarbonato. A terapia com bicarbona-
níveis de Pco2 descem abaixo do esperado to deve ser ponderada dado o risco teórico
deve-se pensar que há um segunda causa de agravar transitoriamente o pH do líquido
para o distúrbio (alcalose respiratória). Nas cefalorraquídeo, induzir sobrecarga de líqui-
doentes nas quais a Pco2 está mais elevada do ou induzir alcalose metabólica (rebound).
do que o esperado, deve-se pensar numa A alcalose metabólica está mais frequente-
patologia respiratória, que não permite a mente associada a hipovolemia: a reabsor-
compensação (acidose respiratória além do ção de sódio pelo rim arrasta a reabsorção
distúrbio metabólico). de HCO3–. A resolução da situação passa pela

616 Capítulo 53
reposição da volemia. O soluto a utilizar na primeiras 24 h, com o início tardio, depois
reposição da volemia depende do valor do das 24 h ou após restabelecimento do peris-

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cloro na urina. As doentes que eliminam taltismo intestinal, em doentes submetidas a
baixas quantidades de cloro tiveram prova- cirurgia ginecológica major. Concluíram que
velmente elevadas drenagens gástricas ou o início precoce é seguro e associado a inter-
vómitos ou terapia diurética, e pode ser feita namento mais curto, ainda que com maior
terapêutica com soro fisiológico. As doentes risco de produzir náuseas18.
com elevada excreção da urina (> 15 mEq) As doentes que são submetidas a cirurgia
não respondem a esta terapêutica e deve ser com extenso envolvimento intestinal po-
tratada a doença de base. dem beneficiar de alimentação parenteral
pré- e pós-operatória.
2.3. NUTRIÇÃO A decisão de iniciar alimentação parentérica
deve ser baseada no número de dias de die-
A nutrição do doente cirúrgico é um compo- ta zero, que se supõe serem necessários, e
nente essencial do suporte perioperatório. A aquela deve ser iniciada antes que aconteça
maioria das doentes submetidas a procedi- qualquer deterioração do estado nutricio-
mentos cirúrgicos apresentam reservas nu- nal. Deve ter-se em conta, no entanto, que
tricionais suficientes para tolerar um curto a alimentação enteral é sempre preferível
período de jejum e catabolismo. No entan- por proteger a doente de complicações gas-
to, alguns indivíduos necessitam de suporte trointestinais, hemorrágicas e infecciosas19. A
nutricional, principalmente aqueles que são alimentação parenteral requer habitualmen-
submetidos a grande traumatismo cirúrgico te a colocação de cateter venoso central. Há
ou apresentam infecção ou caquexia, rela- um estudo realizado em doentes pós-cirúr-
cionada com doença maligna. gicos que mostrou que os riscos associados
As doentes com carcinoma do ovário avan- à alimentação parenteral só são excedidos
çado têm prevalência mais alta de malnutri- pelos benefícios, se a alimentação se manti-
ção, em relação aos outros cancros gineco- ver por via parentérica mais do que 14 dias20.
lógicos. No entanto, a maioria dos autores preconiza
A nutrição adequada mantém o metabolis- a via parenteral no pós--operatório, se a via
mo basal, a cicatrização da ferida operató- oral ou enteral não puder ser utilizada du-
ria e a resposta imunológica. Donato2 et al., rante 7-10 dias21,22.
num trabalho com 104 doentes com cancro O cálculo das necessidades calóricas indivi-
do ovário submetidas a cirurgia intestinal, duais deve ter em conta o peso, a altura, a
relacionaram as complicações infecciosas idade e a condição clínica do doente, sen-
com a proteinemia pré-operatória e perda do que os indivíduos mais altos e em pior
de peso, e por outro lado não encontraram condição clínica tem maiores necessidades,
relação com a extensão da cirurgia de redu- enquanto os obesos e idosos tem menor
ção tumoral, nem com número de anasto- necessidade calórica. De um modo geral,
moses intestinais. estima-se que as necessidades calóricas são
A doente que foi submetida a cirurgia gine- de 35 kcal/kg/dia e de 1 g/kg/dia de proteí-
cológica não complicada pode retomar ali- nas. Se a doente estava malnutrida ou há au-
mentação oral no primeiro dia de pós-ope- mento do metabolismo basal, por exemplo
ratório. É importante avaliar o abdómen, o por infecção, o aporte calórico pode ser 45
peristaltismo intestinal e averiguar se a do- kcal/kg peso e o aporte de proteínas ser de
ente está ou não nauseada. Há uma revisão 1,5 g/kg/dia de proteínas. A doente obesa
Cochrane de 2007 que comparou o início de pode ter um aporte calórico de apenas 25
alimentação oral com comida ou fluidos nas kcal/kg/dia.

Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios 617


2.4. COMPLICAÇÕES NO PÓS-OPERATÓRIO e o hematócrito não reflectem a volemia, e os
doentes podem estar euvolémicos, hipovolé-

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No perioperatório é fundamental que sejam micos ou hipervolémicos. Há trabalhos que
definidos os cuidados específicos do proce- mostraram que há uma subida do hemató-
dimento cirúrgico. Deve ser dada indicação crito de 5% nas primeiras horas após cirurgia,
sobre a monitorização dos sinais vitais, a ne- por incapacidade de correcção do volume de
cessidade de imobilização e a dieta. plasma de acordo com o sangue perdido.
Os sinais que obrigam a contactar o médico O choque hipovolémico é tratado com repo-
são: hipotensão, taquicardia, taquipneia, di- sição de cristalóides ou colóides. As soluções
minuição do débito urinário e febre. cristalóides contêm açúcares e electrólitos
(Quadro 11). As soluções colóides incluem
2.4.1. CHOQUE HEMORRÁGICO a albumina, as soluções de amido e as so-
luções de gelatina. As principais diferenças
A monitorização dos sinais vitais com ava- entre os tipos de colóides advêm dos efeitos
liação da TA, frequência cardíaca (FC) e colaterais associados, sendo as perturbações
respiratória (FR) e do débito urinário vão da coagulação mais frequentes nas soluções
permitir o diagnóstico precoce de choque de amido e as reacções anafilácticas mais fre-
hipovolémico. quentes nas soluções de gelatina. A albumi-
Choque é definido como uma síndrome clí- na é um derivado do sangue, mas está isenta
nica em que a doente mostra sinais de hipo- de risco de transmissão de infecções virusais.
-perfusão de órgãos vitais, incluindo oligúria O tratamento com cristalóides ou colóides
e alterações de consciência. Não são usados permite melhorar o volume de ejecção ven-
valores absolutos para definição de choque, tricular e débito cardíaco, assegurando a
mas há uma diminuição substancial da TA. perfusão adequada dos órgãos vitais. Não há
A doente deve ter um débito urinário de 0,5 evidência científica de que os colóides sejam
ml/kg/dia. A TA, FC e FR, o débito urinário e melhores que os cristalóides para este fim.
o estado de consciência sofrem evolução em A melhor evidência disponível em relação a
função da quantidade de sangue perdido essa questão advém do estudo Saline versus
(Quadro 10). albumin fluid evaluation (SAFE). É um estudo
A clínica do choque é muito variável em fun- clínico, prospectivo, controlado, randomizado
ção do volume total e por unidade de tempo, e duplamente cego, que comparou a adminis-
de sangue perdido. O valor da hemoglobina tração de solução de albumina humana 4%

Quadro 10. Choque

Classe I Classe II Classe III Classe IV

Volume perdido < 750 ml 750-1.500 ml 1.500-2.000 ml > 2.000 ml


< 15% 15-30% 30-40% > 40%

FC < 100 > 100 > 120 > 140

TA Normal Normal TA média < 60 mmHg nn

FR 14-20 20-30 30-40 > 35

Debito urinário ml/h > 30 20-30 5-15 Anúria

Estado consciência Normal Ansiosa Confusa Letargia

618 Capítulo 53
Quadro 11. Composição do LEC e dos principais cristalóides

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Catiões* Aniões*

Na K Ca Mg Cl HCO3 Osmolaridade

LEC 142 4 5 3 103 27 280-310



Lactato ringer 130 4 3 - 109 28 273

NaCl a 9% 154 - - - 154 - 308

D5 com NaCl a 4,5% 77 - - - 77 - 407

D5 simples - - - - - - 253

NaCl a 3% 513 - - - 513 - 1.026

Polielectrolítico 140 4 2,5 1 127 304

*Electrólitos em mEq/l.

Presente na solução como lactato que se converte em bicarbonato

com solução salina de cloreto de sódio 0,9%, mesmo neste caso, a correcção da volemia
em 7.000 pacientes graves que necessitavam começa por cristalóides. Apesar do valor da
de ressuscitação volémica. Os resultados mos- hemoglobina ser o principal determinante
traram mortalidade idêntica nos pacientes da adequada oxigenação dos tecidos, a oxi-
que receberam albumina ou solução salina. genação permanece suficiente com valores
Os colóides estão indicados depois de terem baixos de hemoglobina (> 7 g/dl), desde que
sido transfundidas quantidades importan- o débito cardíaco seja mantido. Para perdas
tes de cristalóides e, em primeira linha, nas de sangue superiores a 30-40% do volume
situações de baixa pressão oncótica, que se inicial, estes mecanismos de compensação
estima através da albuminemia. começam a falhar (Quadro 12).
As doentes com perda significativa de pro- O volume de cristalóides a perfundir em re-
teínas por ascite neoplásica precisam de lação ao volume de sangue perdido é de 3
colóides numa fase precoce da reposição de para 1; a relação é de 1 para 1 se se trata de
volume. Por outro lado, tendo em conta que colóides.
a distribuição do líquido extracelular é de
dois terços no espaço intersticial e um ter- 2.4.2. INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA
ço no intravascular, em 24 h de perfusão de
cristalóides, dois terços do volume vai estar Apesar da profilaxia dos acidentes tromboem-
no espaço intersticial e apenas um terço no bólicos, a trombose venosa profunda e a trom-
espaço intravascular. A relação cristalóides/ boembolia pulmonar são causa frequente de
colóides deve, assim, ser dois terços e um morbilidade e mortalidade associadas a cirur-
terço. Os colóides perfundidos não devem gia ginecológica. É necessário monitorizar.
exceder 30 ml/kg/dia, dado o risco acrescido A confirmação faz-se pela realização de cin-
de alterações da coagulação, sobrecarga de tigrama de V/P ou angiotomografia compu-
volume e hipoproteinemia por diluição. tarizada (angio-TC) torácica.
A transfusão de glóbulos vermelhos é habitu- O tratamento é mais frequentemente feito
almente necessária quando a perda de san- com HBPM em dose terapêutica (2 mg/kg,
gue foi superior a 20-30% da volemia mas, para a enoxaparina).

Cuidados pré-operatórios e pós-operatórios 619


Quadro 12. Terapêutica com substitutos do sangue

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2010
Componente Dose/volume Indicação

Glóbulos vermelhos 1 U = 250-300 cc, l Hb 1 g/dl e l Hct 3% Hb < 8 g/dl


Perda > 30% da volemia*

Plaquetas 8-10 U, l 10 000 plaquetas < 50.000, se contagem normal em


pré-operatório e hemorragia activa
< 20.000 se contagem baixa
em pré-operatório

Plasma fresco 1 U = 225 ml tem 200 U dos factores Hemorragia por défice de factores, como
VIII e V e outros factores insuficiência hepática ou perda hemática
maciça

Crioprecipitados 15 ml tem 80 U de factor VIII e 150 mg Doença de Von Willebrand, perda


de fibrinogénio hemática maciça

Adaptado de Gynecologic oncology2.

*Volemia total = 75 cc/kg peso.

2.4.3. INFECÇÃO NO PÓS-OPERATÓRIO 2.4.4. ILEUS E OBSTRUÇÃO INTESTINAL

É frequente a febre no pós-operatório na do- No pós-operatório são frequentes as náu-


ente submetida a cirurgia ginecológica. Nas seas, vómitos, dor e distensão abdominal.
primeiras 48 h, a febre não está normalmente A retoma da função intestinal normal
associada a infecção (Quadro 13) e, regra ge- depende do tipo e extensão da cirurgia
ral, é suficiente fazer exame físico à doente. realizada, mas é também influenciada pe-
À medida que passa o tempo em relação à los antecedentes da doente, cirurgias pré-
cirurgia, aumenta a gravidade do quadro vias e coexistência de outras patologias
etiológico subjacente. como a diabetes. O recurso a analgésicos
Se a doente tiver quadro de sépsis são obriga- opióides e o desequilíbrio hidroelectrolí-
tórias as culturas de sangue e urina. De outro tico com hipocaliemia são causas de ileus
modo, são mais importantes a avaliação da paralítico.
ferida operatória, a identificação de infecção É fundamental o diagnóstico diferencial
respiratória e a pesquisa de infecção urinária. entre ileus e obstrução (Quadro 15). Em
Se houver exsudado na ferida operatória, ambos os casos a radiografia do abdómen
esta deve ser explorada para excluir infecção pode ser normal nas primeiras 48 h, mas
e deiscência e deve ser feito exame pélvico, pode ser importante a comparação de pe-
para excluir abcesso da cúpula. lículas seriadas. Pode ser necessária uma TC
Na febre tardia, deve ser pedida ecografia ou abdomino-pélvica para determinar o nível
TC abdomino-pélvica para excluir abcesso de obstrução e a causa desta. O abcesso
pélvico, trombose, lesão do uréter ou deis- pélvico pode ser a causa do ileus. O trata-
cência de anastomose intestinal, se existir. mento obriga habitualmente a colocação
Na maioria das infecções no pós-operatório, de sonda nasogástrica e a correcção hidro-
o antibiótico deve ser endovenoso até 48 h electrolítica. Podem ser colocados enemas.
após a febre terminar e depois continuado Se há obstrução é necessário proceder a ex-
por via oral (Quadro 14). ploração cirúrgica.

620 Capítulo 53
Quadro 13. Diagnóstico da infecção no pós-operatório

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2010
Tempo após cirurgia Diagnóstico diferencial

0-4 h Atelectasia, pneumonia por aspiração, tromboflebite

2-7 dias Infecção respiratória, infecção da ferida operatória, pneumonia nosocomial

7-21 dias Abcesso pélvico, lesão do ureter, deiscência de anastomose intestinal, abcesso
da cúpula vaginal

Quadro 14. Escolha do antibiótico na infecção no pós-operatório

Local da infecção Agentes comuns Antibioterapia empírica

Ferida operatória Staphylococci, Cefazolina ou vancomicina


Pneumococci

Infecção urinária Gram-negativos Cefazolina, ciprofloxacina, trimetoprim/


Enterococci sulfametoxazol

Pneumonia Gram-negativos Ticarcilina + ácido clavulânico, ciprofloxacina

Abcesso intra-abdominal Gram-negativos entéricos Cefotetan, imipenem, ampicilina +


ou pneumonia e anaeróbios gentamicina, metronidazol

Adaptado de Gynecologic oncology2.

Quadro 15. Ileus e obstrução pós-operatória

Ileus Obstrução

Tempo após cirurgia 48-72 h 5-7 dias

Sintomas Dor constante, da distensão Cólicas

Distensão abdominal e ausência de Distensão abdominal e ruídos


Exame físico
ruídos intestinais intestinais aumentados

Distensão de ansas de delgado e Distensão de ansas de delgado e


Radiografia
cólon; ar no recto cólon; sem ar no recto

Adaptado de Gynecologic oncology2.

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622 Capítulo 53

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