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Introdução às tópicas de Freud

Marcelo Moraes Caetano

Como visto, Freud trocou os protocolos médicos de sua época para


enfrentamento das neuroses. Ele não satisfazia mais com a eletroterapia, nem com o
hipnotismo. Esses métodos foram substituídos por abordagens discursivas chamadas
de “associação livre”.

Freud lidava com os transtornos psicológicos conhecidos, já em sua época,


como “neuroses”. Ele chega a afirmar em sua obra “Psiconeuroses de defesa”, de
1894, que “todas as neuroses representam uma defesa contra ideias insuportáveis”.

Indo além, ele divide as neuroses em duas classes: as neuroses atuais e as


psiconeuroses.
As neuroses atuais, em que os sintomas e as causas se encontram na
atualidade do paciente, e não na sua infância, são afecções patológicas ligadas à
frustração sexual, que ocorre pela inadequação das descargas psíquicas (em
escassez, excesso etc.). Freud propõe que as neurastenias são causadas por
excesso de masturbação, ao passo que as neuroses de ansiedade ou de angústia
encontrariam suas causas numa estimulação sexual não descarregada.

Já as psiconeuroses são afecções patológicas cuja origem remonta a traumas


sexuais (ou fantasias) da infância. Entre elas estariam a histeria, a obsessão (ou
neurose obsessiva) e as fobias.
No estudo da histeria, principalmente em sua parceria com Breuer, muitos
construtos teóricos nasceram. Freud observou que havia afetos e lembranças retidos
que remetem a sintomas específicos. À rememoração dessas lembranças e afetos,
Breuer chamou de “método catártico”. Freud observou que essas recordações
possuíam características curativas, às quais ele chamou de “ab-reação”. Chegava-se
a esse processo pela técnica de “associação livre”, o que aproximou a psicanálise do
que se pode chamar uma “cura pela palavra”.
Freud chega a afirmar: “A operação do método catártico de Breuer consiste em
promover deliberadamente a recondução da excitação da esfera somática para a
psíquica, e assim a resolução da contradição, através da atividade de pensamento e
da descarga da excitação por meio da fala” (FREUD, As neuropsicoses de defesa, p.
26).

Também é fruto dessas investigações a observação da “transferência”, que


primeiro foi interpretada como uma limitação ao método psicanalítico, mas depois
como um fator importante para este. No entanto, manteve-se a percepção de que a
transferência pode ser positiva (energia libidinal ou afetiva transferida ao analista) ou
negativa (conteúdo agressivo e hostil transferido ao analista) no par analítico, sendo
necessária em qualquer um dos casos. Dessa mesma dinâmica também se observou
o que foi nomeado como “resistência”, que são dificultadores para o processo
analítico.
A princípio, Freud acreditava que todas as suas pacientes histéricas haviam
sido vítimas de abuso sexual na infância, o que lhe permitiu formular a sua “teoria do
trauma ou da sedução infantil”. Este foi o início da sua investida nos estudos de
sexualidade infantil. A seguir, Freud observou que muito do que suas pacientes
relatavam não passava de fantasias, como uma forma de estabelecer uma narrativa
suportável para fantasias infantis muitas vezes incestuosas. Nesse sentido, Freud
estabeleceu que a realidade psíquica é tanto formada por fatos reais quanto
fantasiosos.
Depois de passar um período efetivando a sua autoanálise, Freud estabeleceu
o primeiro modelo para o aparelho psíquico, denominado de “modelo topográfico”.
Depois de algum tempo, ele criaria o chamado “modelo estrutural”, sem abandonar
por completo o seu primeiro modelo. Essas foram respectivamente a primeira e a
segunda tópicas freudianas.
Com suas investigações sobre o sonho, publicadas em seu livro “A
interpretação dos sonhos”, de 1901, Freud observou que os sonhos são uma fonte de
manifestação de conteúdos reprimidos no inconsciente. Na articulação com uma
investigação dos sonhos que buscasse explicar sua formação (do que são feitos) e
sua função (para que servem), Freud estabelece que, do ponto de vista da formação,
os sonhos são constituídos de estímulos sensoriais, restos diurnos e conteúdos
reprimidos no inconsciente, os quais podem apresentar conteúdos manifestos (que
surgem no consciente, ainda que não sejam lembrados) e conteúdos latentes (que
não vêm ao nível do consciente).
Freud ainda observa que os sonhos, para se formarem, precisam de certas
defesas. Entre elas, está um conjunto de linguagens próprias para a sua expressão,
que constituem os mecanismos dos processos primários, como o deslocamento, a
condensação e a simbolização ou representação. A essa dinâmica se deu o nome de
“elaboração onírica secundária”, que é uma forma velada de os conteúdos
inconscientes chegarem ao consciente, para chegarem de modo suportável ao
paciente, estabelecendo uma formação de compromisso entre o Id (e suas pulsões) e
o Ego (e suas defesas).
Voltando à formulação de sua primeira tópica, foram determinantes para Freud
as ideias de que o aparelho psíquico é multideterminado e de que apresenta um
INCONSCIENTE. Freud baseia sua descrição na existência da energia psíquica e do
que ele chamou de pulsão, “representante psíquico das excitações provenientes do
interior do corpo e que chegam ao psiquismo” (ZIMERMAN, 1999, p.82).
Primeiramente, Freud dividiu as pulsões em pulsões de autoconservação (por
exemplo, a que os bebês apresentam em suas necessidades de calor, alimento, sono
etc.) e pulsões sexuais, às quais Freud chamou de libido, que são aquelas ligadas às
zonas erógenas, principalmente as ligadas à boca, ao ânus, ao aparelho genital
urinário e outras.
Neste momento, Freud estabeleceu a importante distinção entre instinto e
pulsão. O instinto se dirige a um objeto específico e visa a uma satisfação a ser
atendida (como a fome). Já a pulsão investe energia em qualquer objeto (não
específico), ideia ou afeto proveniente de um desejo. A partir daí, Freud elaborou uma
teoria das pulsões, em que estabeleceu que essas pulsões transitam entre as
instâncias psíquicas.
O primeiro modelo freudiano se baseou na existência do Inconsciente (ICs), do
Pré-Consciente (PCs) e do Consciente (Cs).
No ICs há a “representação das coisas”, que são elementos de experiências
(ou fantasias) infantis que não podem ser nomeadas. O Inconsciente é regido pelo
princípio do prazer, que refuta o desprazer em busca da satisfação e do próprio prazer.
É uma instância regida por linguagem própria, que não é lógica.
O Pré-Consciente é uma barreira entre o ICs e o Cs. Como o Inconsciente é
inacessível, é o PCs que fica responsável por intermediar o conteúdo inconsciente e
sua chegada ao Consciente. Isso se dá de formas indiretas, como em sonhos, atos
falhos, chistes e os sintomas e transtornos. Nele há a “representação da palavra”, que
ocorre quando uma experiência ou fantasia infantil pode ser elaborada em termos de
palavras.
Por fim, no Cs está tudo aquilo que é disponível imediatamente. O Cs se
estabelece pela junção da “representação da coisa” com a “representação da palavra”.
Nesse sentido é que dizemos que o PCs e o Cs funcionam por processos secundários,
e o ICs é o único que funciona por processos primários.
As pulsões, assim, transitam entre esses lugares virtuais, topográficos. Elas
obedecem antes de tudo a uma primeira barreira, chamada de “recalcamento” ou
“repressão”. Essa barreira tenta impedir que conteúdos aflitivos e angustiantes
(representação e afeto correspondente) cheguem ao consciente. No entanto, esse
conteúdo pode conter tanta energia pulsional, que se descola de seu representante e
vais buscar, no Consciente, outra representação possível. A esse processo se dá o
nome de “retorno do recalcado”.
Freud diz que: “Quando alguém com predisposição à neurose carece da
aptidão para a conversão, mas, ainda assim, parece rechaçar uma representação
incompatível, dispõe-se a separá-la de seu afeto, esse afeto fica obrigado a
permanecer na esfera psíquica. A representação, agora enfraquecida, persiste ainda
na consciência, separada de qualquer associação. Mas seu afeto, tornado livre, liga-
se a outras representações que não são incompatíveis em si mesmas, e graças a essa
“falsa ligação”, tais representações se transformam em representações obsessivas.
Essa é, em poucas palavras, a teoria psicológica das obsessões e fobias, mencionada
no início deste artigo”. (FREUD, “As neuropsicoses de defesa”, p. 29).
Freud observou que a origem das neuroses se dá nesse retorno do recalcado.
O afeto (energia libidinal) passa pela barreira do recalcamento (retorno do recalcado)
e chega ao Cs. Ali, esse conteúdo busca sua descarga na forma de sintomas físicos,
ansiedades, medos, obsessões, compulsões, fobias, histeria.
Chegando ao segundo modelo do aparelho psíquico freudiano, o chamado
modelo estrutural, são estabelecidas distinções entre o ID, o Superego e o Ego. O
marco dessa nova concepção se deu em 1923, com a publicação da obra “O Ego, o
Id e outros trabalhos”, de Freud. A partir de agora, Freud não trabalha mais
exclusivamente com a noção de lugar virtual, mas sim com a ideia de estruturas ou
instâncias psíquicas em interação.
É interessante observar como Freud faz interagir a sua segunda tópica com a
sua primeira, ou seja, seus modelos estrutural e topográfico se complementam.
O Id é constituído apenas pelo Inconsciente (ICs).O Ego e o Superego possuem
partes do ICs, mas também do Pré-Consciente (PCs) e do Consciente (Cs). O Ego
precisa lidar com o Id e o Superego, e ainda com o mundo externo, buscando o
equilíbrio de todas essas forças.
A “Teoria da personalidade” consiste em considerar que a forma como o sujeito
interage com o mundo tem relação direta com a organização desse sistema.
O Id é a estrutura mais arcaica, regido pelo princípio do prazer, ou seja, a libido
transita por ele a partir do escoamento do prazer e/ou da satisfação. Nele, há uma
indissociação entre impulsos construtivos e destrutivos, não harmonizados
necessariamente entre si mesmos e com o mundo externo. O bebê recém-nascido é
puramente Id.
O Superego busca controlar o Id, mas, para isso, precisa da intermediação do
Ego. No Superego se introjetam conteúdos coercitivos, sanções, normas, morais etc.
Por fim, o Ego nasce, para Freud, na primeira infância, devido à intensidade da
relação da criança com os pais. O Ego nasce a partir do Id. Como vimos, a principal
função do Ego é intermediar o Id e o Superego, buscando estabelecer harmonia entre
a total liberdade do Id e as interdições do Superego. Nessa dinâmica, o Ego nos
empurra a termos uma identidade diante de nós mesmos e do mundo.
Como as pulsões de Inconsciente costumam não poder acessar diretamente o
Consciente, o Ego se vale de defesas para tornar suportáveis os conteúdos
recalcados/reprimidos no Inconsciente.
As principais defesas do Ego são o recalcamento ou repressão, a negação
(substituição da realidade por uma realidade fantasiosa ou ficcional), a
renegação/denegação/recusa (um tipo mais brando de negação), a regressão (retorno
a pontos de fixação do estágio de desenvolvimento psicossexual infantil), a conversão
orgânica (o conflito psíquico que busca se expressar no corpo), a projeção (o conteúdo
insuportável na própria pessoa que é projetado sobre situações, pessoas e coisas
externas), o deslocamento (há um objeto que não pode ser alvo da libido ou da
agressividade, e por isso essas energias psíquicas se dirigem a outro objeto), a
racionalização (quando o Ego constrói explicações lógicas para questões e conteúdos
com os quais não consegue lidar de forma lógica), a formação reativa (um conteúdo
recalcado é substituído por uma reação oposta a ele) e a sublimação (pulsões
potencialmente destrutivas se convertem em um trabalho compulsivo ou uma obra
artística).

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