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CAPITULO 5 CONHECENDO OS SEUS DADOS: AVALIANDO MENSURACAO E VARIACOES RESUMO: Embora cientistas politicos se importem em descobrir relag ceitos, o que realmente examinam & a associagao estatistica entre variaveis, Portanto, causais entre con- critico que tenhamos um entendimento claro dos conceitos que nos importam e que os mensuremos de uma maneira vélida e confidvel. Neste capitulo, focamos duas tarefas criticas no processo de avaliagdo de teorias causais: mensuracdo e estatisticas descritivas. Conforme discutimos a importincia da mensuracdo, usamos diversos exemplos da literatura de ciéncia politica, por exemplo, o conceito de tolerancia poli tica, Sabemos que tolerancia politica e intolerdncia so uma coisa “real” ~ que existe em varios graus na mente e no coragao das pessoas. Mas como as mensuramos? Quais, sao as implicagdes de uma ma mensuracdo? Estatisticase grificos descritivos, que so © segundo foco deste capitulo, so 0 que parecem ser ~ ferramentas que descreve variaveis. Essas ferramentas so valiosas porque podem sumarizar de maneira sucinta uma tremenda quantidade de informacées. Neste capitulo, discutimos algumas das estatisticas e dos grificos descritivos mais comumente utilizados, como devemos in- terpreté-los, como devemos utiizé-los e suas limitagoees. Eu reconheco quando vejo. - Potter Stewart, juiz. associado da Suprema Corte dos Estados Unidos, em uma tentativa de definir “obscenidade” em um parecer favordvel no caso Jacobellis vs. Ohio (1964), Estes vao até onze. - Nigel ‘Tufnel (interpretado por Christopher Guest), ao descre- ver o botio de volume de seu amplificador no filme Isto € Spinal Tap. 116 undamentos da Pesquisa em Ciéncia Politica 5.1 CONHECENDO OS SEUS DADOS ‘Temos enfatizado o papel da teoria na ciéncia politica Isto é, que nos preocupamos com as relagbes causais entre conceitos que nos interessam como cientistas politicos, Neste ponto, esperamos que voce esteja comecando a desenvolver suas proprias teorias sobre politica. Se essas teorias originais estiverem de acordo com as regras que esta- belecemos no capitulo 1, elas serao causais, gerais e parcimoniosas. Poclem ainda ser clegantes e inteligentes. ‘Mas, aqui, vale a pena parar e pensar sobre 0 que uma teoria realmente é ¢ 0 que nao é. Para nos ajudar nesse processo, dé uma olhada novamente na Figura 1.2. Uma teoria, como dissemos, é meramente uma conjectura sobre a possivel relagio causal entre dois ou mais conceitos. Como cientistas, devemos sempre resistir 4 tentacio de ver nossas teorias como suportadas de alguma forma antes que tenhamos avaliado evidéncias do mundo real e até tenhamos feito tudo que podemos com as evidéncias ‘empiricas para avaliar 0 quao bem nossa teoria se sai ao tentar superar os quatro obs- tdculos causais que identificamos no capitulo 3. Em outras palavras, nao podemos avaliar uma teoria até termos passado por todos os processos descritos na Figura 1.2. ‘A primeira parte deste capitulo lida com a operacionalizago, ou 0 movimento das varidveis de um nivel conceitual abstrato para um nivel mensurdvel bastante real. Po- demos conduuzir testes de hipdteses e realizar avaliagbes razodveis de nossas teorias s0- ‘mente apés termos pasado cuidadosamente por esse importante processo com todas as nossas variaveis, Se nossas teorias sao afirmagdes sobre relagdes entre conceitas, quando procuramos por evidéncias para testar nossas teorias, somos imediatamente confrontados com a realidade na qual, na verdade, nao observamos esses conceitos. Muitos dos conceitos pelos quais nos interessamos na ciéncia politica, como brevemente veremos, sio ine- Fentemente elusivos e francamente impossiveis de serem observados empiricamente de modo direto e, algumas vezes, incrivelmente dificeis de serem mensurados quanti- tativamente. Por essa razao, precisamos pensar muito cautelosamente sobre os dados que escolhemos para avaliar nossas teorias. Até agora, temos visto muitos exemplos de dados, mas nao temos discutido os pro. ‘cessos de obtengio de dados e os colocado para trabalhar. Se pensarmos novamente na Figura 1.2, estamos agora no estagio no qual nos movemos do nivel tedrico-conceitual para o nivel empirico-mensurado, Para cada conceito tedrico, existem miiltiplas estra- tégias de operacionalizacéo ou mensuragao. Como discutimos nos capitulos anterio- res, uma das primeiras grandes decisdes que alguém precisa tomar é se conduziré um. experimento ow alguma forma de teste observacional. Neste capitulo, assumimos que voce tenha uma teoria e que conduzira um teste observacional dela Um exercicio util, uma vez que vocé tenha desenvolvido uma teoria original, € desenhar uma verso da Figura 1.2 e pensar sobre qual seria a configuracao ideal para co teste de sua teoria. Qual seria a melhor configuragao, um desenho transversal ou de série temporal? Uma vez que voce tenha respondido a essa pergunta e que tenha suas dimensoes espacial e temporal ideais em maos, qual seria a medida ideal para suas varidveis dependente e independente? CConkecendo os seus dados:avaliando mensuragao e variagdes 17 ‘Tendo passado pelo exercicio de pensar sobre os dados ideais, o primeito instinto da maioria dos estudantes é coletar seus prdprios dados e, talyez, até mesmo aplicar tum survey’, Na nossa experiéncia, novos pesquisadores quase sempre subestimam as dificuldades ¢ os custos (em termos de dinheiro e tempo) de coletar seus préprios dados. Assim, recomendamos fortemente que voce procure por dados que estejam dis- ponivels para serem utilizados em suas pesquisas, Para um cientista politico, um dos grandes impactos das transformagées pelas guais 0 mundo em que vivemos passou nos iitimos tempos é que existe uma quase inesgotavel fonte de dados disponivel em sitios e em outros lugares de facil acesso? Umas poucas palavras de aviso, no entanto: nao € porque os dados sio facilmente acessiveis na internet que eles sio perfeitamente adequados para as necessidades espe- cificas do seu teste de hipdtese. (© que segue no restante deste capitulo ¢ um conjunto de consideragées que voce deve ter em mente e que o ajudardo a determinar se um conjunto particular de dados que voce tenha encontrado ¢ apropriado para o seus propésitos e a conhecer os dados uma ver que vocé os tenha aberto em um programa estatistico, Comegamos com to- dos 0s tépicos importantes sobre mensuracao de varidvel. Descrevemos os problemas da mensuracio ¢ a importancia de mensurar os conceitos em que estamos interessa- dlos do modo mais preciso possivel. Durante esse processo, voce aprender algumas habilidades cognitivas para avaliar a estratégia de mensuragio de artigos de outros pesquisadores, assim como aprender a avaliar a utilidade das medidas que vocé esta considerando usar no teste de suas hipéteses. Comegamos a seo com a mensuragao nas ciéncias sociais em geral, Focamos exemplos da economia e da psicologia, duas ciéncias sociais que possuem niveis de agregacio diferentes para suas principais varidveis ~ na ciéncia politica, temos uma gama completa de varidveis em termos de como elas devem ser mensuradas. Discuti- mas alguns conceitos fundamentais da mensuragdo e apresentamos alguns exemplos de pesquisas em ciéncia politica. Ao longo da discussao desses conceitos fundamentais, focamos a mensuragao de varidveis que assumem intervalos numéricos e nos sentimos confortaveis de tratar do modo como normalmente tratamos ntimeros. Perto do final do capitulo, quando discutimos o basico sobre como conhecer seus dados utilizando tum software estatistico, discutiremos isso mais profundamente e focaremos alguns ti- os de variaveis que podem assumir diferentes tipos de valores néo numéricos. 5.2 A MENSURACAO NAS CIENCIAS SOCIAIS: OS VARIOS DESAFIOS DE QUANTIFICAR A HUMANIDADE Mensuragio é um “problema” em todas as ciéncias ~ das cigncias fisicas, como a fisica e a quimica, as ciéncias sociais como economia, ciéncia politica, psicologia e "Um survey € uma escola particularmente complicada, porque, 20 menos na maioria das universida- des, voce precisara tera aprovagio do Comité de Pesquisa com Seres Humanos. * Um dos recursos que €frequentementenegigenciado & biblioteca da sua faculdade. Mesmo gue bi- biitecas parecam coisas do passa biblioteca da sua faculdade pode te comprado acess »fontes de dados, eo bibliotecdtios muits vzes sioespecialistasnalocalizago de dados na internet. 18 Fundamentos da Pesquisa em Ciéncia Poltica as demais, Mas, nas ciéncias fisicas, o problema da mensuracio ¢ frequentemente re- duzido ao problema da instrumentalizagao, no qual cientistas desenvolvem protocolos bastante especificos para mensurar, por exemplo, a quantidade de gis liberado em uma reagio quimica ou a quantidade de luz emitida por uma estrela, As ciéncias sociais, pelo contrério, so ciéncias novas e 0 consenso cientifico sobre como mensurar importantes cias socias lidam com conceitos é raro, Talvez mais crucial, porém, 60 fato de que as cit uma dificuldade inerente ao seu objeto em suas previs6es: 0s seres humanos, problema da mensuragio existe em todas as ciéncias sociais. Seria errado, po- rém, dizer que esse € um problema equénime em todas as disciplinas das ciéncias sociais. Algumas disciplinas prestam comparativamente menos atengao aos problemas da mensuragio, enquanto outras esto envolvidas em constantes controvérsias sobre mensuracio e suas dificuldades. Considere o objeto de muitas pesquisas em economia: délares (ou euros, ou ienes, ou a moeda que vocé tiver). Se 0 conceito de interesse ¢ “produto econdmico” (ow “produto interno bruto”), que € comumente definido como 0 total da soma de todos 1s bens e servigos produzidos pelo trabalho e pela propriedade em um dado periodo de tempo, entio é relativamente facil obter uma observacio empirica que tente com o conceito de interesse?.Tais medidas nao sero controversas entre a maioria ja consis- dos estudiosos. Contrariamente, uma vez que os economistas concordem sobre como mensurar 0 produto econémico, eles podem partir para um préximo (¢ mais inte- ressante) passo do processo cientifico, a saber, descobrir quais forgas causam maior ou menor crescimento do produto econdmico. (E nesta parte que o acordo entre os economistas termina.) Contudo, nem todo conceito em economia é mensurado de modo tio ficil. Muitos economistas estio preocupados com a pobreza: por que alguns individuos so pobres enquanto outros nao? Quais sto as forcas que fazem a pobreza aumentar ou diminuir ao longo do tempo? A despeito do fato de sabermos que a pobreza é uma coisa real, ‘mensurar quem é e quem nao é pobre é um pouco complicado. O governo federal ame- ricano define 0 conceito de pobreza como “um conjunto de linhas de renda ajustado pelo tamanho do domicilio, a idade do chefe do domicilio eo mimero de criangas com dade abaixo de 18 anos”. A intencao de definir linhas é a de descrever “niveis mini mamente decentes de consumo”, Porém, existem dificuldades em obter observagoes empiricas de pobreza. Entre elas, considere que a maioria das democracias ocidentais (incluindo os Estados Unidos) possui estados de bem-estar social que provém transfe- Para detalhes sobre como 0 governo federal dos EUA mede o PIB, ver: chttp://wwvibea.gov>. [Para informagdes do Brasil, ver: . (NT] + Ver: + Observe um problema logo de partida: 0 que € "minimamente decente"? Voce suspeita que 0 que era ualificado como “minimamente decente” em 1950 ou 1985 poderia ser considerado “minimamente decente” hoje? Isso imediatamente leva a problemas de quio sensivel 6a comparagio de taxas de po- breza do passado com as de hoje. Se © que & considerado como o minimo decente continua a subit, «entio a comparagio é no pior caso, no minimo probleméticae sem sentido. Conhtecendo os seus dados:avaliando mensuragdoe variagdes 119 réncia de renda ~ em forma de pagamento em dinheiro, vales pata trocar por comida ou servigos subsidiados, como satide ~ para seus cidadaos que esto abaixo de uma determinada linha de renda, Tais programas, claro, sto desenhados para minimizar ou climinar os problemas que afligem os pobres. Quando economistas buscam mensurar o nivel de renda de uma pessoa para definir se ela é ou nao pobre, eles devem utilizar a definigio “pré-transferéncia’ de renda ou a renda familiar apés receber alguma das transferéncias do governo (ou seja uma definigao “pés-transferéncia’)? Qualquer uma das alternativas possui consequéncias negativas. Escolher a definigio pré-transferén- cia de renda nos di uma medida de como o setor privado da economia esta falhando. Por outro lado, uma defini¢ao pés-transferéncia nos dé uma medida de como 0s es- tados de bem-estar estio aquém do necessirio e como as pessoas realmente vivem Como a geragao do baby boom* nos Estados Unidos continua a envelhecer, mais e mais pessoas estdo se aposentado. Utilizando uma medida de pobreza pré-transferéncia sig- nifica que 0s pesquisadores ndo considerarao os pagamentos da aposentadoria - de longe, a maior fonte de transferéncia nos BUA - e, portanto, o indice de pobreza (pré- -transferéncia) deve ter um crescimento continuo nas préximas décadas, a despeito do desempenho geral da economia, Isso pode nao ser a representagao mais acurada do que chamamos de “pobreza” (Danziger e Gottschalk, 1983). Se, devido & natureza do objeto, economistas raramente (ou ocasionalmente) tém obsticulos de mensurasio, no extremo oposto do espectro esté a disciplina de psico- logia. O objeto da psicologia - 0 comportamento humano, a cognigao ¢ a emogio ~ é repleto de conceitos que sio extremamente dificeis de mensurar. Considere alguns exemplos. Todos sabem que o conceito de “depressio” é uma coisa real; alguns indi- viduos sio depressivos ¢ outros nao, Alguns individuos que sio depressivos hoje néo sero depressivos com o passar do tempo, e alguns que nao sio depressivos hoje se tornario depois. No entanto, como é possivel avaliar cientificamente se uma pessoa é ou nao depressiva?” Por que importa se medimos a depressio acuradamente? Lembre-se dos riscos cientficos descritos no inicio deste capitulo: se no mensurarmos a depres- sio corretamente, como podemos saber se tratamentos como a terapia clinica ou a utilizagao de medicamentos antidepressivos sio efetivos?* A psicologia lida com uma Variedade de outros conceitos que séo notoriamente escorregadios, como 0 foco clini- co sobre “ansiedade” ou 0 foco sociopsicolégico sobre conceitos como “esteredtipos” ou “preconceito’, que também sdo preocupacdes de cientistas politicos. A cigncia politica, na nossa visdo, esta em algum lugar no meio entre os extremos da economia e da psicologia em termos de quio frequentemente encontramos pro- { Geracio nascia logo apés término da Segunda Guerra Mandl, (N.1] Desde 1952, American Poychiatric ress tem publicadoa obra Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, atualmente em sua quint edo (chamada DSM 5), que define o diagndstco de de- Bresso focando quatro conjuntos de sintomas que indicam depress: humor, sndeomes comportay 'enlais (como oafastamento), sintomas cognitvos (como inabilidade de se concentrar)esintomas somaticos (com ainstinia), Dei, efeivdade da "conversa" terapéutice& ume questo de alguma disputa entre psicslogos. Ver “Married with Problems? Therapy May Not Help. New Yor Times, 19 abr. 2005 [a 120 Fundamentos da Pesquisa em Ciéncia Politica blemas sérios de mensuragao. Alguns subcampos da ciéncia politica operam relativa- mente livres de problemas desse tipo. © estudo da economia politica ~ que examina a relagdo entre economia e forcas polticas, como politica governamental, eleigoes ¢ confianga do consumidor ~ é bem semelhante & economia, por razdes Sbvias. Ou- tos subcampos encontram problemas de mensuragio regularmente. O subcampo da psicologia politica ~ que estuda 0 modo como cidadios individuals interagem com 0 mundo politico ~ compartilha muitos dos mesmos objetos da psicologia social e, por focar atitudes e sentimentos das pessoas, guarda muita semelhanga com os problemas ‘de mensuragao da psicologia social. Considere a seguinte lista de conceitos importantes na disciplina de ciéncia politica € que possuem problemas de mensuragao: + Ativismo judicial: nos Estados Unidos, 0 papel do judiciatio no processo de po- licy-making tem sido controverso. Alguns veem as cortes federais como prote- toras de importantes liberdades civis, enquanto outros as veem como ameagas a democracia, em razdo de 0s juizes nao serem eleitos. Como é possivel identificar um “Juiz ativista” ou uma “decisio ativista’®? + Votagées motivadas pela ideologia no Congresso: em cada uma das sucessivas segdes do Congresso dos Estados Unidos, comentadores frequentemente com- param o nivel de liberalismo e conservadorismo do atual Congreso com os seus antecessores. Como podemos saber se 0 Congresso esti se tornando mais ‘ou menos liberal ao longo do tempo (Poole e Rosenthal, 1997)? + Legitimidade politica: como os analistas podem distinguir um governo “legi- timo” de um “ilegitimo”? Um problema conceitual fundamental aqui é “como cidadaos avaliam a autoridade governamental” (Weatherford, 1992). A legiti- midade pode ser objetivamente determinada ou é uma propriedade subjetiva inerentemente dos cidadaos? Alguns a veem positivamente, enquanto outros negativamente, + Sofisticagdo politica: alguns cidadaos conhecem mais sobre politica e estio mais bem preparados para processar informagoes politicas do que outros cidadaos que conhecem pouco e se importam pouco com assuntos politicos. Como podemos distinguir cidadios politicamente sofisticados dos nao sofisticados? ‘Ademais, como podemos dizer se o nivel de sofisticagio politica de uma socie- dade esté aumentando ou diminuindo ao longo do tempo (Luskin, 1987)? + Capital social: algumas sociedades so caracterizadas pelo alto nivel relativo de interconectividade, com redes densas de relacionamentos que tornam a popu- lacao coesa. Outras sociedades, em contraste, sio caracterizadas pelo alto nivel, de isolamento e desconfianga. Como podemos mensurar 0 que cientistas so- chamam de capital social de modo que nos possibilite comparar 0 nivel de "Neste caso em particular, poderia ocorter até um desacordo sobre a definigio conceitual de “atvistz” O {que um eonservador ou um liberal consideraria como “atlvista” poderia ndo geraracordo algum. Para Lima visio jornalistca dessa quest, ver: Activist, Schmactivist, New York Times, 15 ago. 2004, (Rt Conhecendo 05 seus dados: avaliando mensuragdo e variagdes eat conectividade de uma sociedade com outra ou como o nivel de conectividade varia em diferentes pontos do tempo (Putnam, 2000)? Nas segdes 5.4 € 5.5, descrevemos as controvérsias de mensuraggo que cercam ou tros dois importantes conceitos para a ciéncia politica — democracia tolerancia po- Iica, Mas antes, na proxima segao, descrevemas alguns pontos fundamentals com og uals cientistas politicos precisam lidar quando mensuiram seus conceitos de interesse 5.3 PROBLEMAS NA MENSURACAO DoS CONCEITOS DE INTERESSE Podemos sumarizar os problemas da mensuragao dos conceitos de interesse na Preparacdo para o teste de hipétese da seguinte maneira: primeiramente, vocé precisa ter certeza de que tem clareza conceitual, Posteriormente, vocé precisa decidir um nivel razoavel de mensuragio. Finalmente, assegure-se de que sua medida & valida ¢ confidvel. Ap6s repetir esse processo com cada uma das variéveis de sua teoria, voce estard pronto para testar suas hipdteses, Infelizmente, nao existe um mapa claro para seguir durante essas etapas com nos- sas varldvels, Algumas variéveis sio bastante ficeis de serem mensuradas, enquanto outras, em razdo da natureza do que estamos tentando mensurar, so mais elusivas Como veremos, debates sobre questdes de mensuragio estdo no centro de muitos dos interessantes campos de estudo da ciéncia politica 5.3.1 CLAREZA CONCEITUAL © primeiro passo na mensuragio de qualquer fendmeno de interesse de cientistas Politicos é ter clareza do conceito que estamos tentando mensurar. Em alguns casoe como os discutidos a seguir, isso é uma tarefa extremamente reveladora e dificil. & Preciso considerdvel disciplina de pensamento para definir precisamente os conccitos ‘abre os quais estamos teorizand, Até mesmo em alguns exemplos aparentemente féceis isso & mais dificil do que pode parecer em um primeiro momento Considere um survey em que precisamos mensurar a renda de uma pessoa. Isso rae ce Castante simples. Uma vez que tenhamos a nossa amostra de adultos, por que io apenas perguntar aos entrevistados "Qual é a sua renda?” e oferecer ums eects de valores na qual os entrevistados possam se alocar? Qual poderia ser @ problema shanna medida? Imagine um estudante universitrio de 19 anos de idade cujos pais {Jim muito ricos, mas que nunca tenha trabalhadlo, respondend a tal pergunta, Qual vende nit dessa pessoa no aitimo ano? Zero, Em tal citcunstancia essa é a resposta pdadera para a pergunta. Mas nao é uma medida particularmente vilida da role Provavelmente queremos uma medida de renda que rellita 0 fato de que os pais do ‘studante Ihe dio uma boa quantidade de dinheiro que © ajuda a manter o lexo de bh 12 Fundamentos da Pesquisa em Ciéncia Politica nio trabalhar enquanto estuda, como ocorre com muitos estudantes. Essa medida de- veria colocar uma filha (ou filo) de pais ricos a frente de um estudante relativamente pobre, responsivel por seu sustento e que trabalha quarenta horas por semana para pagar por seus estudos, Portanto, poems reconsiderar nossa aparentemente simples pergunta e questionar: “Qual é a quantidade total de renda recebida por voc? ¢ pelos butros adultos no seu domcilio no tltimo ano contébil, incluindo todas as fontes de renda?” Essa medida coloca um filho que nao trabalha de uma familia rica mais bem posicionado do que um estudante de uma familia menos ria, Essa é uma medida de Senda” que consideramos teoricamente mais util para a majoria dos propésitos nas cigncias sociais” Neste momento, vale destacar que a melhor medida de renda ~ assim como de ‘outros conceitos ~ depende de quais sio noss0s objetivos teéricos. A melhor medida de algo tio simples como a renda de um entrevistado depende do que pretencemos relacionar a essa medida em nosso teste de hipdtese. 5.3.2. CONFIABILIDADE Uma medida operacionalizada de um conceito ¢ considerada confiével na medi- da em que é replicivel e consistente; isto é, quando a aplicago das mesmas regras de mensuragio para os mesmos casos ou observagdes produ. resultados idénticos ‘Uma medida nio confidvel, pelo contrario, produz resultados inconsistentes para as mesmas abservagées. Por razdes Sbvias, todos 0s cientistas querem que suas medidas sejam confiveis. ‘Talver o exemplo mais simples para ajudar vocé a entender isso seja sua balanga de banheiro. Digamos que vocé stuba na balanga uma manha e quea balanga mostre que seu peso é de 68 quilos. Voce desce da balanga ela retorna para 0 zero. Mas woct no confia ha leitura da balanga e pensa consigo mesmo: “Talvez se eu subir novamente na balanga, cla possa me dar um ntimero melhor’. Esse & um teste de confiabilidade. S voce (ime: ddiatamente) subir na balanga e ela mostrar agora 66 quilos, sua balanga nao é confiével, porque a mensuiragio do mesmo caso ~ seu corpo - produz resultados diferentes. Levando o exemplo da sua balanga de banheiro ao extremo, nao podemos confun- dir variabilidade ao longo do tempo com falta de confiabilidade. Se voc@ acordar uma Semana depois e pesar 71 em vez de 68 nao significa necessariamente que sua balanga hao é confidvel (embora isso possa ser verdade). Talvez.vocé tenha substituido a salada do almogo por batatas fritas nessa semana, ¢ talvez voce tenha se exercitado menos vigorosamente ou menos frequentemente. Confiabilidade & frequentemente uma questio importante quando estudiosos precisam codificar eventos ou textos para anilise quantitativa, Por exemplo, se um pesquisador estivesse tentando codificar textos de cobertura da midia favoriveis ou ‘Os mesmos problemas podem st J quando tentsmos mensurar a yenda de pessoas aposentados que no tém mais partieipagio na forsa de trabalho certo seus dados: avaliando mensuragio e variagdes 123 wh con contririos um candidato, ele esenvolveria algumas regrasespecifcas de codifcagio vara aplicar a0 texto ~ com efeito, para contar certas referéncias como “pro” ou “con- Pir ocandidato. Suponha que, para a codificagio,o pesquisador empregue tm grupo de estucantes para codificar o texto ~ uma pratica bastante comum na pesquisa sobre ica. Um conjunto confidvel de regras de codificacao implicaria que, quando um lit Ms estudantes 0 aplicasse a0 texto, os resultados fossem os mesmos que 0s ob por outro estudante que os texha apicado no mesmo texto, Um conjunto nao confdvel Te regras implicaria 0 oposto, nominalmente, que, quando dois codificadores diferen- tes tentassem aplicar as mesmas regras & mesma noticia, eles chegariam a conclusées diferentes". As mesmas questdes surgem quando se codificam coisas como eventos utilizando a cobertura dos jornais” los 5.3.3 VIES DE MENSURAGAO E CONFIABILIDADE Uma das preocupagdes que acompanham qualquer técnica de mensuragao & 0 vies de mensuracio, que consiste na subestimagio ou na sobre-estimacio de modo siste- tico dos valores para uma varidvel. Embora o viés de mensuragio seja um problema sério para qualquer um que queira saber o “verdadeiro” valor das variaveis para um caso particular, ee é um problema bem menos sério do que voce pode pensar quando 0 propésito € 0 teste de teorias. Para melhor entender isso, imagine que vocé tenha que escolher entre duas diferentes operacionalizagdes para a mesma variével. A ope- racionalizagio A € enviesada, mas confidvel, ¢ a operacionalizagao B nao possui vies, mas nao é confidvel. Para os propésitos do teste de teoria, preferimos a enviesada mas confidvel operacionalizagio A! Voce estaré mais bem preparado para entender o porqué dessa escolha uma vez {que tenha entendido como o teste estatistico de hipétese funciona no capitulo 7 ¢ nos seguintes. Por agora, porém, tenha em mente que, quando testamos nossas teorias, es- tamos buscando padrées gerais entre duas variaveis. Por exemplo, com valores altos de X tendemos a observar valores altos de Y, ou com valores altos de X tendemos observar valores baixos de Y? Se a mensuracio de X € enviesada para mais, o mesmo padrio geral sera visivel na associagio com Y. Mas, se a mensuracao de X é ndo confidvel, a relagio subjacente entre X e ¥ se torna obscura. 5.3.4 VALIDADE A caracteristica mais importante de uma medida é sua validade, Uma medida véli- da representa acuradamente o conceito que supostamente mede, enquanto uma medi Caro, €possivel que um protacolo de codificago soja perfeitamente confivel, mas os coulificadores em sino osejam, Existe uma variedade de ferramentas pra testa a confibilidade, muitas das quais estioalém do esco po dessa discuss, 124 Fundavmentos da Pesquisa em Ciéncia Politica da invalida mede algo diferente do que originalmente pretendido, Parece que estamos andando em circulos, nés sabemos. Talvez seja util pensar sobre alguns importantes conceitos que sio exemplos espi- nhosos de mensuragao nas ciéncias sociais para entender o papel da validade. Tanto na psicologia como na ciéncia politica, o estudo do preconceito tem sido particularmente importante. Entre individuos, o nivel de preconceito pode variar de quase nenhum alé altos niveis. Mensurar o preconceito & importante na psicologia social para que possamos tentar determinar quais fatores fazem com que algumas pessoas sejam pre- conceituosas e outras nao, Na ciéncia politica, em particular, frequentemente estamos jeressados nas consequéncias atitudinais e comportamentais do preconceito. Dado gue nao existe um soro da verdade, como podemos obter uma medida quantitativa de preconceito capaz de nos dizer quem possui uma grande quantidade, quem possui algum e quem no possui preconceitos? Seria bastante facil perguntar as pessoas se clas sao preconceituosas ou nao. Por exemplo, poderiamos perguntar: “Com respeito as pessoas de ragas ou etna diferente da sua, vocé diria que é extremamente, um pouco ‘ou nem um pouco preconceituoso?”, Mas, com isso, teriamos razes dbvias para du- vidar da validade das respostas ~ ou seja, de que essa medida reflete acuradamente 0 nivel real de preconceito, Existem varios modos para verificar a validade de uma medida, embora seja notar que todas elas sio teéricas e sujeitas a altos graus de desacordo. Infelizmente, nao existe uma formula simples para checar a validade de uma mensuragio em uma escala de zero a cem. De fato, dependemos de uma série de meios sobrepostos para determinar a validade da medida. Primeiro, e mais simples, podemos examinar a vali- dade de face. Quando examinamos uma estratégia de mensuragao, podemos primeiro perguntar se, em sua superficie (ou face), a medida parece ou nao mensurar 0 que se propée a mensurar, Essa é a validade de face. Segundo, e um pouco mais avangado, podemos escrutinar a validade de contetido de uma medida. Qual é 0 conceito a ser medido? Quais sio todos os elementos essenciais desse conceito e as suas caracteris- ticas que 0 definem? Vocé excluiu todas as outras coisas que nao pertencem a ele? Por exemplo, o conceito de democracia certamente contém 0 elemento “eleigdes’, mas também deve incorporar mais do que meras eleicées, porque estas ocorrem em lugares ‘como a Coreia do Norte, que sabemos que nio é democritica, O que mais deve conter uma medida valida de democracia? Basicamente, validade de contetido é um processo rigoroso que forga 0 pesquisador a ter uma lista de todos os elementos criticos que de- finem o conceito que desejamos mensurar. Finalmente, podemos examinar a validade de constructo de uma medida: o grau em que € relacionada a outras medidas com as, quaisa teoria requer que ela esteja relacionada. Isto é, se temos uma teoria que conecta democratizacio e desenvolvimento econdmico, entao uma medida de democracia que 6 relacionada a uma medida de desenvolvimento econdmico (como nossa teoria pro- poe) serve, simultaneamente, para confirmar a teoria e para validar nossa medida de democracia, Claro, uma dificuldade dessa abordagem acontece quando a associagao esperada no se faz presente. Isso acontece por que nossa medida de democracia € invilida ou por que a teoria esta equivocada? Nao existe uma resposta conclusiva pata essa pergunta CE coco os ses dads: vakando mensurosioevarages Ds 5.3.5 ARELACAO ENTRE VALIDADE E CONFIABILIDADE Qual éa conexio entre validade e confiabilidade? E possivel ter uma medida valida, smas no confidvel? E é possivel ter uma medida confiavel mas invalidat Com respeito segunda pergunta, existe algum debate cientifico; alguns acreditam que é possivel ter tuma medida confidvel, mas invalida, Na nossa visio, isso ¢ possivel em termes abstta, tos, Mas como estamos interessados em menstrar conceitos com o interesse de avaliey teorias causais acteditamos que, em termos priticos, qualquer medida concebivel que seja confidvel mas invalida nao sera itil na avaliagao de teorias causais. conta am io vifen Medias to conte loam estes dolipoes ‘Sim Nao nao conve edie 80 Lina median, contre ovatias yaniv, potomseratizadss So ma uaa cmestnsonecoce, ag setulae wes aohoese Figora 5.1 ~ Conabidode, odode teste dehgese, Similarmente, ¢ teoricamente possivel ter medidas vilidas mas nao contidvels, Mas essas medidas também serao problemticas para a avaliagio de teoria causais, porque Io teremos confianga nos testes de hipstese ue condusimos. Na Figura 5.1 apresen- {amos ¢ relagio entre validade e confiabilidade; podemos ver que, se uma medida nao € confidvel, hé pouco sentido em avaliar sua validade. Uma vez que tenhamos estabe, lecido que uma medida &confidve, podemos avaliar sua validade, esomente medidas vilidas e confidveis sio tteis para a avaliagao de teorias causais, 5.4 CONTROVERSIA 1: MENSURANDO DEMOCRACIA Fmbora tenhamosa tendéncia de pensar que democracia é similar gravidea ~ isto & um pals 6 ou ndo ¢ democritico da mesma forma que uma mulher esté ou nto cera {Brévida -, efletindo um pouco mais sobre o assunto, voce provavelmente ensaré que 126 Pundamentos da Pesquisa em Ciéncia Politica a democracia é mais bem entendida como um continuo”, Isto é podem existir vétios graus em que um governo é democritico, Adicionalmente, dentro de democracias, alguns paises sio mais democriticos que outros, € um pais pode se tornar mais ou ‘menos democratico com o passar do tempo. Mas definir um continuo que varia de democratico a totalitirio nio é nada facil. Podemos ser tentados a recorrer & definigao de Potter Stewart: “Eu reconhego quando vvejo”, Claro que, como cientistas politicos, esta no é uma opgio. Temos que comecar nos perguntando: 0 que queremos dizer com democracia? Quais sio os elementos centrais que fazem um governo ser mais ou menos democritico? O fildsofo politico Robert Dahl (1971) persuasivamente argumentou que existem dois conceitos funda: mentais atribuidos a democracia: “contestagao” e “participagao’ Isto ¢, de acordo com Dahl, democracias t8m eleigdes competitivas para a escolha de lideres ¢ amplas e in- clusivas regras para participagao. Diversos grupos de cientistas politicos tém tentado mensurar democracia sistema- ticamente nas iltimas décadas"'. A mais conhecida ~ embora nao signifique que seja tuniversalmente aceita ~ clessas medidas é a do projeto Polity IV". O projeto mensura democracia por meios de scores anuais que variam de -10 (fortemente autocritico) a ‘+10 (fortemente democratico) para cada um dos paises do mundo de 1800 a 2004. Na operacionalizagao desses pesquisadores, a clemocracia possui quatro componentes: 1. Regras para 0 recrutamento do Executivo 2. Competividade do recrutamento do Fxecutivo. 3. Abertura do recrutamento do Executive 4, Limites a0 chefe do Executivo. Para cada uma dessas dimensdes, especialistas atribuem aos paises uma posicio ‘em uma escala. Por exemplo, para o primeito critério, “regras para o recrutamento do Executivo’, os valores possiveis sio os seguintes: + 43 = Competigio regular entre grupos reconhecidos. 2 Competicio de transicio. + +1 = Competigio entre facgdes ow restrita +05 ‘em competigio, 7 ase posigdo,porém, écontroversa dentro da eigncia politica, Para wma interessante discussio sobre se pesquisadores devem mensurar democracia como uit conceito binério ou continuo, ver Elkins (2000), Para um revisio ¢ comparagio ail desseswitlas medidas, ver Munck e Verkuilen (2002). 0 sited projeto, no quel & possivel ter acesso a uma vasta quantidade de especiicidades dos pases 40 longo do tempo, é: chip: fwwwcidem.ume.edulinsr/polity> les apresentam os sores em duas esc auocracias. © score do Plity para um daco pais € dado pelo valor do score da escala dem as separadas de 10 pontos, uma para democracias e outta para hos 0 score da escala autoeratica; assim, um pals que recebesse 10-na escala democritica e 0 na escala autocritice teria um score de 10 na escala Polity para um dado ano ( endo 0 seu dads: avaiando mens conhecend 0s seus dads vain oe variagbes 127 paises que possuem eleigdes regulares entre grupos que sio mais do que rivais ét- nicos teceberio scores altos. Por procedimentos similares, estudiosos associados a0 projeto definem scores para as outras dimens que compéem a escala de democracia. 10 Mutto democratico 5 Score Muito atocratica =10 1800 1850 1900 1950 2000 Avo Figura 5.2 ~ Sere do Poly W pra Breil. A Figura 5.2 apresenta o score de Polity para o Brasil de 1824 até 2010”. Lembre -se que scores mais altos significam que, nesse ponto, o Brasil era mais democratico € que scores mais baixos significam que o Brasil eta mais autocrético. Como vocé pode observar, existe uma enorme variagao na experiencia demo sua declaragao de independéncia de Portugal em 1822, Se fizermos uma comparacio grosseira desses scores com a histéria politica brasileira, podemos ter uma avaliagao da validade de face do Polity como medida de democracia. Apés declarar independéncia de Portugal, o Brasil foi uma monarquia constitucional comandada por um impera- dor. Apds um golpe em 1889, o Brasil se tornou uma reptiblica, mas bastante contro- lada pelas elites de dois estados dominantes. Como podemos observar, essa mudanga de regime resultou em um movimento do score de Polity de ~6 para ~3. A partir de 1930, o Brasil passou por uma série de golpes e contragolpes. Estudiosos desse perio~ 4o (como Skidmore, 2009) geralmente concordam que o governo nacional se tornou cada vez mais autocratico durante o periodo. O score de Polity reflete esse movimento, Em 1945, apds outro golpe militar, um governo relativamente democratico foi cons. tituido. Esse regime durou até meados da década de 1960, quando outro periodo de ftica brasileira desde Fonte: chp: /wwewesystemicpeace orglinerfinscehim>. _ 128 Fundamentos da Pesquisa em Ciencia Politica instabilidade teve fim com o estabelecimento de uma ditadura militar. Esse periodo é amplamente reconhecido como o de maior represséo politica na histéria do Brasil in- dependente, Em 1974, notamos uma pequena alteragdo no score, Nesse ano, 0 governo militar permitiu 0 uso da televisio durante as eleigdes ¢ outras atividades de campa- nha que foram aproveitadas pela oposigao para conseguir um resultado expressivo, A cleigdo de um presidente civil em 1985 marca o comeco do atual periodo democritico brasileiro, Cada um desses grandes movimentos da historia politica brasileira é reflet do no score de Polity. Entao, por meio dessa avaliagao geral, podemos dizer que o score de Polity possui validade de face A medida de Polity € rica em detalhes hist6ricos, como fica dbvio a partir da Figura 5.2. As regras de codificagao so transparentes ¢ claras e a quantidade de informagao bruta para compor o score de um pais para qualquer ano é impressionante. Contudo, ainda é justo criticar o Polity por incluir apenas parte da definigdo de democracia de Dahl. A medida de Polity contém valiosas informagdes sobre 0 que Dahl chama de “contestagéo” ~ se um pais tem uma contestagdo ampla para decidir sua lideranga, Mas a medida & muito menos rica quando o abjetivo ¢ alerir 0 nivel do pais no que | Dahl chamou de “participacao” ~ o grau em que os cidadaos participam nos processos | ¢ atividades politicas. Isso pode ser compreensivel, em parte, por causa do impres sionante escopo temporal do estudo, Afinal, em 1800 (ano em que a série do Polity comega), poucos paises tinham uma participagao eleitoral ampla. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a participagao democritica ampla tem se espalhado rapid: ‘mente pelo globo. Mas, se o mundo tem se tornado um lugar mais democrético, nossas medidas de democracia devem incorporar a realidade, Como a medida de Polity inclui uma parte ("contestagao”) clo que significa, conceitualmente, ser democritico, mas ig- nora a outra parte (“participacdo”), podemos dizer que falta validade de conteaido & medida. A medida do Polity TV, apesar de suas considerdveis vantagens, nao contempla totalmente o que significa, conceitualmente, ser mais ou menos democritico. Esse problema é bem ilustrado a partir do exame do score de Polity para os Esta- dos Unidos. A Figura 5.3 apresenta o score de Polity para o perfodo de 1800-2010. 0 consistente score 10 para quase todos os anos apds a fundagao da repiiblica ~ exceto durante a Guerra Civil, quando o presidente Lincoln suspendeu o direito de habeas corpus ~ ocultar o fato de que os EUA, em muitos aspectos importantes, tém se tor nado um pais mais democratico ao longo de sua histéria, particularmente na dimen- sio nao capturada pela medida de Polity. Mesmo considerando algo bastante bésico para a participacio democritica, como o direito de voto, observamos que os Estados Unidos foram se tornando mais democraticos ao longo de sua histéria. A escraviddo limitava a participagio de afro-americanos de muitas formas, incluindo votar, e as leis Jim Crow mantiveram essas proibigdes nos estados do Sul por quase um século apés © final da Guerra Civil, As mulheres também nio teriam permissio para votar até que @ 19° emenda a Constituigao fosse ratificada em 1920, Seria dificil argumentar que essas mudangas nao tornaram os Estados Unidos mais democriticos, mas obviamente elas rio estdo refletidas na Figura 5.3. sso ndo equivale a dizer que a medida de Polity & indtil, mas que Ihe falta validade de contetido, porque um dos componentes funda- mentais da democracia ~ participagao ~ nao esta presente nela a_i conhecendo os seus dados:avatiande mensuragdo e variagdes 129 Muito democratico 0 | 4 8 : ) : | 1850 1900 1950 2000 Ano 3 Figura 5.3 ~ Score do Ply W para Eades Unidos 5.5 CONTROVERSIA 2: MENSURANDO TOLERANCIA POLITICA Sabemos que existe um continuo em que, de um lado, esto individuos extrema mente “tolerantes” e, de outro, esto individuos extremamente “intolerantes”. Em ou- tras palavras, tolerancia politica e intolerancia, no nivel conceitual, sio coisas reais Alguns individuos sio mais tolerantes ¢ outros sio menos. £ facil imaginar por que

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