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Estudos

UNIDADE 2
Socioantropológicos
Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM

Sociedade
e Cultura:
sociodiversidade e
multiculturalismo
Nesta unidade, abordaremos a complexidade das relações entre o homem
e o mundo, com a finalidade de compreender a diversidade social e cultural
das sociedades contemporâneas.

Iniciaremos com o estudo das Instituições e Grupos Sociais, com o objetivo


de explorar as interações entre indivíduo e sociedade, a fim de apreender
a dinâmica das relações sociais. Em seguida, abordaremos as questões
relativas à cultura, com intuito de conhecer os processos de mudanças
culturais, tais como aculturação, assimilação, sincretismo, hibridação e
transculturação em um contexto socio-histórico dinâmico marcado pelos
processos de mundialização.

Na sequência, trataremos das migrações, da urbanização e da violência, da


inclusão/exclusão e dos novos movimentos sociais, objetivando compreender
as desigualdades no contexto marcado pela sociodiversidade. Por fim,
estudaremos o multiculturalismo, para entender a lógica dos pertencimentos
e das identidades.

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Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

Assim, organizados em tópicos, estudaremos os seguintes assuntos:

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T1. Instituições e Grupos Sociais.
T2. A Cultura e as Sociedades Humanas.
T3. Dinâmicas Sociais Complexas: migrações, urbanização, violência, inclusão/
exclusão e novos.
T4. Cultura Contemporânea, Pertencimentos e Identidades: o local e o global,
etnicidades.

Desejamos que esses assuntos possibilitem a visão geral da sociedade e


cultura, com temas instigantes para um complemento do conhecimento.

Vamos lá?

T1 Instituições e Grupos Sociais


A Sociologia surgiu em um contexto marcado por um longo processo
de transformações sociais, que culminou com o advento da sociedade
moderna assentada no modo de produção capitalista. Nesse contexto
conturbado, marcado pelas revoluções que modificaram as ideias, as
relações econômicas e as formas de organização política, os três principais
precursores da Sociologia, Marx, Durkheim e Weber, voltaram suas reflexões
para essa nova realidade, a fim de compreender as relações sociais que a
partir de então se estabeleceram.

Enquanto ciência social, a Sociologia procura estudar e compreender como


as relações sociais se dão no interior da sociedade, como os indivíduos
são inseridos no meio social em que vivem, como ocorre o processo de
socialização.

É FUNDAMENTAL, PORTANTO, COMPREENDER O PAPEL E A FUNÇÃO


DOS GRUPOS SOCIAIS E DAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS NA SOCIALIZAÇÃO
DOS INDIVÍDUOS E NAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL.
Fonte: Queconceito

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Os cientistas sociais, ao se debruçarem sobre a realidade, não ignoraram a


relação indivíduo e sociedade. Vimos que Marx deu prioridade às relações
antagônicas entre as classes sociais no interior da sociedade capitalista e
como essas determinam a existência de ambos. Durkheim deu ênfase às
forças coercitivas da sociedade sobre os indivíduos e como estas os ajustam
às normas, às regras e aos valores das instituições sociais. Weber, pelas ações
sociais, demostrou como os indivíduos são influenciados pelo meio em que
vivem e como, ao agirem, modificam a própria sociedade.

Em suma, o ser humano, enquanto indivíduo, é compreendido pela Sociologia


a partir de sua inserção nas instituições e grupos sociais e a partir das relações
sociais que estabelece na sociedade. Portanto, voltaremos, especificamente,
às Instituições Sociais e aos Grupos Sociais.

A Sociedade e as Instituições Sociais


Viver juntos não é tarefa simples, mas complexa. Cada um de nós enquanto
indivíduo possui sonhos, desejos, objetivos distintos na vida, porém para realizá-
los necessitamos da sociedade, ou seja, das relações que desenvolvemos com
outros indivíduos, com os grupos dos quais participamos e as instituições que
integram a sociedade.

Caso pudéssemos viver sós, fôssemos autossuficientes, não necessitássemos


do meio social para nos socializarmos, não haveria necessidade dos laços
sociais e das formas de solidariedade social, e tampouco trataríamos da
interdependência que nos liga uns aos outros, tão fundamental para tecer
os fios que tramam o tecido social e que caracterizam a complexidade da
sociedade.

O que é a complexidade? A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido


de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o
paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade
é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações,
determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico (MORIN,
2007, p.13). Ou seja, para o autor, complexo, na perspectiva da natureza da
sociedade, é tudo aquilo que é tecido junto.
Fonte: Wikimedia Commons

Antagônico é um adjetivo masculino


que significa contrário, adverso,
incompatível, contraditório, divergente,
rival. Exemplo de antagonismos:
guerra e paz, amor e ódio.

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Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

A Sociologia, enquanto ciência da sociedade, interessa-se em desvendar as


relações que os indivíduos tecem no interior dos grupos e das instituições
sociais a fim de revelar a complexidade do real. Estudar os fenômenos sociais
do nosso mundo permite-nos compreender melhor as dinâmicas sociais, ou
seja, os mecanismos de produção, conservação e reprodução sociocultural para
transmiti-los às futuras gerações, bem como compreender os processos de
mudança e transformação resultantes da ação dos atores sociais em seu meio.

Frente ao complexo sistema de relações sociais que os indivíduos tecem em


sociedade, muitas dessas relações são estruturadas de forma duradoura e
definidas por comportamentos padrões, por vezes repetitivos e rotineiros,
regidos por normas, hábitos e valores específicos de um grupo, de uma
comunidade ou de uma sociedade.

Essas relações rotineiras, que se repetem com regularidade, são características


próprias das instituições sociais presentes em uma sociedade. Segundo
Dias (2010, p.201), a “instituição social é um sistema complexo e organizado
de relações sociais relativamente permanente, que incorpora valores e
procedimentos comuns e atende a certas necessidades básicas da sociedade”.

Determinadas instituições sociais são consideradas fundamentais para


organização da vida social e para o funcionamento das sociedades, dentre
elas destacamos a instituição familiar, a religiosa, a educacional, a econômica,
a política, que são consideradas básicas.

Além das instituições sociais consideradas básicas há outras, como as


instituições voltadas para a saúde, o esporte, o lazer, a cultura, a comunicação,
mas que não deixam de ser tão importantes quanto as primeiras.

As instituições sociais surgem espontaneamente ao longo do tempo, se


desenvolvem de forma gradativa de acordo com as necessidades de um
determinado povo ou sociedade. Assim, em determinadas sociedades, podemos
encontrar instituições sociais que exibem maior complexidade nas formas de
organização e de institucionalização das relações sociais que em outras.

Em suma, nas instituições sociais as atividades se tornam rotineiras e comuns a


todos; nelas estão implicadas uma série de normas, regras e comportamentos
que determinam as relações sociais entre os indivíduos que delas participam.
É por meio das instituições sociais que a sociedade, no seu conjunto, procura
atingir os seus objetivos.

Denominamos institucionalização o processo pelo qual certas atividades vão


adquirindo padrões e rotinas. [...] A institucionalização desenvolve um sistema
regular de normas, status e papéis sociais que são aceitos pela sociedade. Com
a institucionalização o comportamento espontâneo e imprevisível é substituído
pelo comportamento regular e previsível (DIAS, 2010, p.203).

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As Instituições Sociais e Suas Funções


Segundo Dias (2010) é importante ressaltar que as instituições sociais possuem
funções comuns e específicas.

Funções Comuns

As funções comuns possuem a atribuição de difundir modelos de


comportamentos, familiarizar os indivíduos com os papéis sociais, garantir
a estabilidade social e regulamentar/controlar o comportamento dos
indivíduos.

São aqueles a serem seguidos pelos indivíduos em determinadas


Difundir situações na sociedade, de maneira que contribuam para a sua
modelos de socialização.
comportamento Por exemplo: como devemos nos comportar em uma cerimônia
fúnebre; em uma celebração de casamento; em um tribunal.

Familiarizar os indivíduos com os papéis sociais a serem


desempenhados ao longo da vida.
Familiarizar os Por exemplo: aprendemos na família quais são os papeis sociais
indivíduos dos filhos, dos pais dos avós, entre outros; aprendemos na escola
os papéis sociais destinados os alunos, aos professores, aos
coordenadores, aos diretores.

Garantir estabilidade social, tanto para os grupos sociais quanto para os


indivíduos, mediante a institucionalização dos comportamentos.
Garantir
estabilidade social Por exemplo: acatar as leis constitucionais por garantirem a todos
os cidadãos os mesmos direitos e por assegurarem, à sociedade,
segurança jurídica.

Regulamentar e controlar o comportamento dos indivíduos por meio de


Regulamentar normas e sanções que serão atribuídas àqueles que violarem as regras
e controlar o estabelecidas.
comportamento Por exemplo: não realizar as atividades avaliativas ou não comparecer
às aulas em uma instituição de ensino pode acarretar em reprovação.

Funções Específicas

Além das funções comuns, cada instituição social possui funções específicas
na sociedade. Para exemplificá-las tomamos como exemplo as instituições
sociais consideradas básicas na sociedade, o que não quer dizer que se
limitam a elas.

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Instituição familiar
É responsável pela proteção e socialização das crianças, pelo cuidado
dos idosos, bem como pela proteção e segurança física, psicológica
e econômica de seus membros. Determina quem são os herdeiros
necessários e salvaguarda seus direitos de acordo com o ordenamento
jurídico de uma nação ou com base na tradição de um povo.
Estrutura-se de acordo com os costumes da sociedade. O formato da
organização familiar é definido pelas relações de parentesco, pelas
regras de proibição do incesto, pelas regras de casamento, que variam
de uma cultura para outra, podendo ser o casamento endogâmico ou
exogâmico e monogâmico ou poligâmico.
Assim, é fundamental destacar que nas sociedades tribais e nas
comunidades tradicionais predomina um modelo estrutural de família
que é comum a todos, enquanto que nas sociedades marcadas pela
hipercomplexidade das relações sociais os arranjos familiares tendem
a ser diversificados, mais plurais.

Instituição religiosa
Responde pelo âmbito daquilo que é considerado sagrado. Busca
explicar, por meio da fé, os fenômenos sobrenaturais, confortando os fiéis
ao buscar dirimir as incertezas e as inseguranças diante da inevitabilidade
da morte ao fornecer respostas sobre de onde viemos e para onde vamos
depois da vida. Além de promover a convivência em comunidade e a
coesão social de um grupo por meio da fé e do compartilhamento da
crença e da moral religiosas.
É importante ressaltar que as estruturas elementares da vida religiosa,
como os mitos, os ritos, as crenças, as celebrações e os dogmas variam
de um local a outro, de uma cultura a outra. Quanto maior a complexidade
social de uma sociedade, maior é a diversidade de práticas religiosas
fundadas em tradições e crenças as mais distintas.

Casamento endogâmico ocorre quando os indivíduos devem se casar com indivíduos do mesmo
grupo ou comunidade. Casamento exogâmico ocorre quando os indivíduos, obrigatoriamente,
se casam com indivíduos de fora do grupo ou da comunidade a qual pertencem.

Casamento monogâmico ocorre quando a conjugalidade é constituída por apenas um


casal, independentemente do sexo, gênero e orientação sexual. Casamento poligâmico
ocorre quando a conjugalidade é constituída por mais de duas pessoas. Os casamentos
poligâmicos podem ser definidos pela poliginia – quando o homem possui mais de
uma esposa; ou pela poliandria – quando a mulher possui mais de um esposo. Mais
recentemente, uniões estáveis têm assumido os mais diversos formatos; essas uniões
são denominadas poliafetivas e são caracterizadas pela consensualidade e igualdade
entre todos que integram a união afetiva/sexual, independentemente do sexo, gênero e
orientação sexual de seus integrantes.

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Instituição educacional
Tem como função promover a aprendizagem dos conhecimentos de
natureza filosófica e científica, bem como aqueles relativos ao patrimônio
artístico, cultural e histórico da sociedade e transmiti-los às futuras
gerações. Além disso, prepara os indivíduos para papéis ocupacionais
e profissionais; estimula os relacionamentos sociais; e promove o
conhecimento técnico-científico por meio do incentivo à pesquisa e à
inovação objetivando a transformação social.

Instituição econômica
Determina o modo de produção e o sistema econômico vigentes
em uma sociedade; define a forma de divisão social e técnica do
trabalho; estabelece as regras de produção, circulação e distribuição
de bens e serviços; é responsável pelo consumo de mercadorias
e serviços.

Instituição política
É aquela que por meio da autoridade legítima exerce o poder com
base no consentimento no âmbito de um território ou nação. Além
disso, define as formas e os sistemas de governo; determina a função
e o papel dos poderes executivo, legislativo e judiciário; promove a
solução de conflitos, a proteção e a segurança de sua população e
território; e põe em execução as leis criadas e aprovadas pelo poder
legislativo; implementa políticas sociais, econômicas, entre outras, de
um determinado governo.

De modo geral, as instituições sociais não têm vida própria, sua existência
está relacionada às interações e relações sociais estabelecidas entre
os indivíduos na sociedade. Para tanto, os grupos sociais são de suma
importância, pois é por meio dos grupos que os indivíduos estabelecem
relações e atuam como atores sociais produtores, reprodutores e
transformadores da sociedade.

importante
!
As famílias são consideradas como grupos primários por serem a
base que dá início ao processo de socialização, educação e formação
para o mundo. Confira tal informação no artigo “Família: não apenas
um grupo, mas um fenômeno social”, de Ribeiro, publicado no site
Brasil Escola.

https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/familia-nao-apenas-
um-grupo-mas-um-fenomeno-social.htm

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Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

Os Grupos Sociais
Para a Sociologia, a importância do estudo dos grupos sociais reside no fato
de que é no interior desses grupos que as relações sociais acontecem, uma
vez que não há grupo social sem as relações estabelecidas entre os indivíduos,
da mesma forma que não haveria relações sociais sem a existência de grupos.

Segundo Weber (2002), as relações sociais se estabelecem a partir do


momento em que os indivíduos compartilham dos mesmos objetivos, possuem
interesses comuns. Para alcançá-los, os indivíduos atuam em conjunto, por
meio dos grupos sociais dos quais fazem parte e se identificam. Assim, para
Dias (2010, p. 132):

Grupo social é um conjunto de indivíduos que partilham algumas


características semelhantes – normas, valores e expectativas –, que interagem
conscientemente e apresentam algum sentimento de unidade.

Ao nascer em sociedade, o ser humano passa a fazer parte de um grupo social


e ao logo da vida integrará muitos grupos. A família é, geralmente, o primeiro
grupo social do qual se participa, assim ela é responsável pelo processo de
socialização dos indivíduos. Cabe à família a transmissão de ensinamentos
essenciais para o convívio social, como o idioma, os costumes, os valores, ou
seja, a transmissão da cultura da sociedade na qual o indivíduo vive.

No decorrer da vida, os indivíduos acabam integrando outros grupos sociais.


Dentre os grupos que podem fazer parte, além da família, estão os amigos
do bairro, os colegas de escola, os membros da comunidade religiosa, os
integrantes da torcida organizada, a turma da faculdade, os companheiros
de partido e militância política, os colaboradores no trabalho, entre outros.
Em alguns grupos os indivíduos permanecem a vida toda, mas em outros
podem integrá-los por determinado período.
Fonte: Direito Fisher

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Grupos Sociais: formas de classificação

Os grupos sociais são classificados em duas grandes categorias:

Grupos internos ou de dentro Grupos externos ou de fora

São os grupos dos quais participo – minha São aqueles dos quais não participo, como
família, meus amigos, meus colegas de por exemplo outras religiões, outras famílias,
trabalho, entre outros. outras torcidas, outras turmas de amigos,
outros partidos, e assim por diante.

Os indivíduos reconhecem seus interesses nos grupos dos quais participam,


expectativas e sentimentos são compartilhados, por isso identificam-se com
eles. Em relação aos grupos externos ocorre o inverso, não há identificação com
eles, tampouco interesses, sentimentos e objetivos compartilhados. Assim,
em relação aos integrantes dos grupos dos quais fazemos parte, tendemos
a ser mais colaborativos, solidários, compreensivos, empáticos; enquanto
que diante dos grupos exteriores podemos exibir um comportamento mais
competitivo, hostil, intolerante, indiferente. É comum sermos colaborativos com
nossos colegas de trabalho ou da comunidade religiosa na preparação de uma
confraternização, porém não é incomum sermos com a torcida do time rival.

Os grupos exteriores geralmente são vistos como agrupamentos homogêneos,


como se os seus integrantes não apresentassem qualidades ou características
distintas. Ao tratarmos do etnocentrismo, vimos o quanto podemos ser
intolerantes em relação a outros povos e culturas. Assim, a construção da
imagem que possuímos dos outros, os de fora, é comumente estereotipada,
distorcida e, quase sempre, negativa.

É fundamental que atentemos para o quanto podemos ser preconceituosos,


depreciativos ou mesmo violentos com os grupos dos quais não participamos
e com os quais não nos identificamos.

Grupos Primários e Secundários

Os grupos sociais, além de serem classificados entre os internos e os


externos, também são subdivididos em grupos primários, nos quais
prevalecem as relações afetivas, informais, duradouras, estreitas; e grupos
secundários, nos quais predominam as relações de interesse, formais,
temporárias, impessoais.

Os grupos primários são geralmente pequenos, seus membros estabelecem


um nível de conhecimento íntimo, desenvolvem interesse pessoal uns pelos
outros, se relacionam de forma descontraída, realizam diversas atividades
juntos, compartilham interesses comuns e a convivência com os integrantes
do grupo pode durar a vida toda.

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Diante da proximidade e do estreitamento dos laços de solidariedade entre os


integrantes de um grupo primário, é comum a eles permanecerem mais unidos
que os membros de um grupo secundário frente às adversidades do mundo,
perante mudanças bruscas na sociedade ou mesmo diante de problemas
pessoais que possam vir a afetar um de seus membros.

Entre os integrantes dos grupos secundários, os contatos humanos que se


estabelecem entre os colaboradores de uma empresa, entre professores e
alunos, entre os condôminos de um edifício residencial baseiam-se mais na
formalidade. Os relacionamentos são utilitaristas, predominam o papel e a
função que os indivíduos desempenham socialmente, sua ocupação, seu
trabalho, suas obrigações e direitos, e não propriamente seus sonhos, desejos,
problemas pessoais, paixões, ou seja, sua vida pessoal cotidiana.

Enquanto no grupo primário a convivência afetiva predomina, no grupo


secundário a tarefa e as obrigações que realizam em comum prevalecem.

Porém, no interior dos grupos secundários, que costumam ser bem maiores
e marcados pela impessoalidade, constituem-se grupos menores, marcados
pelos laços afetivos e solidários de amizade, seja nas empresas, nas escolas,
nos condomínios, nos partidos, nas igrejas, nos clubes. Logo, o indivíduo
pode relacionar-se de maneira mais íntima e pessoal no interior dos grupos
secundários, fato que vem a contribuir para que os objetivos dos grupos
secundários sejam alcançados mais facilmente.

A importância dos grupos sociais consiste nas interações sociais estabelecidas


entre os indivíduos que permitem, antes de tudo, a sua socialização. As
formas de convivência, os relacionamentos, as colaborações, os laços, os
compartilhamentos são fundamentais para o desenvolvimento das relações
sociais, para a produção e reprodução da vida sociocultural, enfim, para a
composição do tecido social complexo que denominamos sociedade.

Dessa forma, não podemos ignorar que tanto os sociólogos como os


antropólogos, ao procurarem compreender os meios pelos quais as sociedades
humanas buscam manter seus membros integrados em torno de determinados
valores da vida social em comum, voltaram-se para a compreensão da cultura.
Assim, é da cultura, mais especificamente, que trataremos a seguir.
Fonte: Idieart

A FAMÍLIA E OS AMIGOS
SÃO EXEMPLOS DE
GRUPOS PRIMÁRIOS.

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A Cultura e as
T2 Sociedades Humanas
As sociedades humanas não seriam as mesmas sem a presença da cultura;
as interações e as relações estabelecidas entre os indivíduos e grupos não
existiriam como as conhecemos, tampouco haveria instituições sociais.
Vimos que a cultura é transmitida pela convivência social pelo processo de
socialização dos indivíduos, ou seja, por meio da convivência com os grupos
sociais dos quais participamos.

Logo, podemos inferir que é a cultura que distingue, em decorrência de


sua complexidade, as formas de organização das sociedades humanas em
relação às outras formas de organização social existentes entre primatas
não humanos, como chimpanzés e bonobos, bem como entre insetos, como
abelhas, formigas e cupins. Divisão de tarefas, hierarquia entre seus membros
e formas de dominação estão presentes em todas elas, como também exibem
padrões comportamentais e formas padronizadas de organização.

No entanto, nas sociedades humanas esses padrões são definidos pela


cultura da sociedade.

Devemos ressaltar que o mundo cultural dos humanos, diferentemente


do mundo natural, é permeado por um sistema de significados e de
representações simbólicas já estabelecidos. Ao nascermos, encontramos um
mundo já codificado pela linguagem, cada coisa tem seu nome e significado
próprio, mesmo as formas de pensar, de agir e de expressar os sentimentos
possuem significados e formas de representação simbólica específicas para
cada cultura.

Assim, um símbolo é portador de um significado específico atribuído por uma


determinada cultura, enquanto que em outra cultura o símbolo é diferente.
Por exemplo, a cor preta é símbolo de luto no Brasil, enquanto a cor branca
sinaliza luto na China.
Fonte: CRI Online

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Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

As culturas são plurais, se modificam de uma sociedade para outra e


exibem padrões comportamentais distintos para cada sociedade. Segundo
o antropólogo Ralph Linton (1893-1953), os padrões culturais presentes em
uma sociedade determinam as relações sociais e asseguram a reciprocidade
entre os indivíduos. “A cultura proporciona aos membros de uma sociedade um
guia indispensável em todos os campos da vida. [...] A existência de padrões
culturais é necessária tanto para o funcionamento de qualquer sociedade
como para sua conservação” (LINTON, 1983, p.98-99).

Vimos que a Antropologia, com Malinowski, passou a ser a ciência que se


dedica ao estudo das lógicas particulares de cada cultura, ou seja, dos padrões
culturais presentes em cada sociedade, que são reproduzidos socialmente
e culturalmente na vida cotidiana, bem como nos rituais, cerimônias, festas,
entre outros eventos. Tomemos como exemplo o Kuarup, ritual de homenagem
aos mortos, celebrado por vários povos indígenas do Alto Xingu, no Brasil. No
Kuarup podemos identificar um padrão cultural próprio daquelas sociedades,
que é fundamental para a reprodução da vida social e sua preservação cultural.

Fonte: O popular

Nesse sentido, a cultura age como um mecanismo de adaptação do indivíduo


ao meio, que ocorre devido à internalização dos padrões culturais presentes
na sociedade e que são reproduzidos pelos indivíduos na sua interação em
grupos e instituições sociais.

Em virtude de as pesquisas antropológicas, em princípio, terem se voltado


exclusivamente para o estudo dos povos indígenas, as teorias desenvolvidas
sobre a cultura enfatizavam que as sociedades formavam um todo integrado,
capazes de manter a homogeneidade cultural e a coesão social devido à
repetição e reprodução dos padrões culturais de geração a geração.

Porém, é preciso destacar que as culturas não são estáticas, o que prevalece
é a dinâmica cultural, ou seja, a capacidade de reinvenção, renovação e
adaptação de um grupo ou sociedade a uma nova realidade sociocultural.

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Por mais que aos olhos de um leigo as culturas das sociedades indígenas
pareçam não mudar enquanto as culturas das sociedades urbano-industriais se
transformam, para os antropólogos essa é uma falsa evidência, “[...] as sociedades
indígenas isoladas têm um ritmo de mudança menos acelerado do que o de uma
sociedade complexa, atingida por sucessivas inovações tecnológicas” (LARAIA,
2006, p.95). Logo, podemos dizer que todo sistema cultural se transforma.

Deve-se pensar a cultura, portanto, como um conjunto não


homogêneo e, muitas vezes, não harmonioso de tendências
que conflitam e disputam espaço na sociedade. Assim, por
mais que certos padrões culturais vigentes gozem de certa
preferência, há no interior da sociedade forças conflitantes
e antagônicas que expressam essa dissidência, embora
inúmeros recursos sejam usados no sentido de garantir a
integração da sociedade (COSTA, 2010, p.197).

Os hábitos alimentares presentes em nossa sociedade demonstram que


mesmo que haja um padrão cultural alimentar vigente, uma dieta alimentar
que inclui no cardápio dos brasileiros o consumo de carnes, há na sociedade
aqueles que se opõem e veem nesse padrão um ato de violência e brutalidade
contra a vida dos animais. O mesmo exemplo serve também para demostrar
que o crescimento do vegetarianismo aponta para uma mudança nos hábitos
alimentares da população, revelando a dinâmica da cultura.

Fonte: Metro Jornal


ATIVISTAS FAZEM
PROTESTO CONTRA
CONSUMO DE
CARNE NA AV.
PAULISTA.

saiba mais
?
Você sabia que 30 milhões de brasileiros se dizem vegetarianos?
Nas regiões metropolitanas, o percentual de veganos sobe
para 16%? Confira a reportagem completa de Marcela Cota
no site Folha Vitorias.

https://novo.folhavitoria.com.br/geral/noticia/05/2018/30-
milhoes-de-brasileiros-se-dizem-vegetarianos

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Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

A dinâmica cultural de uma sociedade deve-se aos processos históricos


de mudança e transformação social. O contato com diferentes grupos e
sociedades, bem como as contradições e conflitos internos de uma cultura
acabam por modificá-la. Portanto, desde o início da Era Planetária essa
dinâmica se intensificou, o que revelou que não existem culturas estáticas
e homogêneas, tampouco harmônicas e sem contradições.

Nesse sentido, devemos compreender que a cultura de uma sociedade


é sempre marcada pela lógica da conservação, transmissão e
compartilhamento do idioma, dos valores, dos hábitos, dos costumes,
dos conhecimentos, bem como pela lógica da mudança, marcada,
especialmente, pelas relações interculturais entre os povos em tempos
globalizados.

A Dinâmica da Cultura
Da mesma forma que o homem transforma a natureza modificando-a
para sobreviver, criando assim um ambiente cultural, é também capaz de
transformar o meio cultural já existente com a finalidade de atender a novas
necessidades.

Isso quer dizer que tanto o meio natural como o meio social são modificados
pelos homens para neles viverem.

Logo, a cultura se modifica e promove mudanças na sociedade, da mesma


forma que mudanças no campo da política e da economia, por exemplo,
podem vir a modificar a cultura.

A mudança cultural ocorre quando há qualquer alteração na cultura, seja


em um simples traço cultural específico ou em padrões estabelecidos.
Segundo Marconi (2001), são muitos os fatores que levam às mudanças
culturais: contatos com outras culturas, fluxos migratórios, processos
de colonização, invenções, inovações, conflitos políticos como guerras,
invasões e revoluções. Aculturação, assimilação, sincretismo e
hibridismo, transculturação são vários processos de mudança cultural
que se processam por meio da dinâmica e do contato entre povos e
sociedades.

Traços culturais – são elementos simples, geralmente unitários, que permitem


identificar uma cultura. Eles podem ser reconhecidos e descritos isoladamente,
mas um traço cultural está sempre relacionado a outros traços que juntos
constituem uma cultura. Exemplos de traços culturais: a batina identifica um
padre, a burca identifica uma mulher muçulmana, o uso de hashi (palitos)
como talheres usados para alimentação é hábito de vários povos orientais.
Todos esses traços isolados quando associados a outros remetem a uma
cultura específica.

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Aculturação

A aculturação, segundo o antropólogo estadunidense Herskovits (1969),


é, dentre os processos de mudança cultural, aquele que ocorre quando
determinada cultura entra em contato permanente e direto com uma ou mais
culturas e todas acabam se transformando. Emerge desse processo uma
cultura híbrida, mestiça, totalmente diferente das originárias.

O processo de aculturação também pode ocorrer quando duas culturas


distintas em contato não impõem completamente a cultura de uma sobre a
outra. Nesse caso, ambas são modificadas pelas influências e intercâmbios
culturais entre elas, mesmo que tais trocas ocorram de forma desigual.

No entanto, é comum que os processos de aculturação ocorram em situações


adversas, em contextos socio-históricos marcados por invasões, colonizações
e migrações. Assim, os processos de aculturação costumam impor a cultura
dos invasores/colonizadores sobre a cultura dos povos subjugados.

Assimilação

A assimilação ocorre quando os grupos sociais tidos como minoritários ou


subordinados assumem definitivamente os padrões da cultura predominante.

Segundo Costa (2010), nos contatos entre culturas e povos diferentes, a


assimilação seria o processo de mudança cultural mais profundo, uma vez que
o grupo ou a sociedade abandonam as características distintivas de sua cultura
para adotar outra. Herskovits (1969) a entende como uma fase do próprio
processo de aculturação, quando grupos originários de lugares distintos e
culturas diferentes vivem em território comum e integram-se plenamente.

Sincretismo e hibridismo

São conceitos próximos quando o assunto são os processos de fusão, mistura


ou miscigenação cultural, porém exibem certas particularidades. Ambos estão
presentes na reflexão antropológica sobre dinâmica e mudança cultural.

A ideia de sincretismo, semelhante à ideia de aculturação, assumiu uma


perspectiva positiva, por vezes harmonizadora, dos conflitos e integradora
das diferenças.
Fonte: Mundo Educação

O FUTEBOL FOI
ABSORVIDO POR
INÚMERAS CULTUAS
DIFERENTES

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Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

Inicialmente, os estudos sobre sincretismo deram ênfase aos processos de


fusão ou mistura de crenças religiosas diferentes. Nesse contexto, a umbanda,
por exemplo, por juntar e associar elementos do catolicismo, do espiritismo,
do candomblé, e de tradições indígenas e orientais, sempre foi tida como
uma religião sincrética.

Por outro lado, as ideias de sincretismo e de aculturação escondem processos de


dominação política, de exploração econômica e imposição cultural ao tentarem
harmonizar os processos de mudança cultural, deixando de fora as contradições
e os conflitos inerentes aos contatos entre grupos subordinados a grupos
dominantes. Costa (2010) destaca que em países onde ocorreram processos
de colonização associados à escravidão, o sincretismo pode ser percebido
em diversas manifestações culturais, uma vez que ele implica um processo
de contato e miscigenação profundos entre distintas etnias e suas culturas.
“Tal princípio (sincretismo) abandona a noção de purismo ou de originalidade,
fazendo prevalecer a ideia de que o ser humano em suas incontáveis migrações
trocou visões, palavras e significados” (COSTA, 2010, p.265).

O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro tratou dos processos dinâmicos da


cultura presentes na formação da sociedade brasileira em sua obra O povo
brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Segundo Ribeiro (1995), sob
comando do invasor português um povo novo emerge da confluência e do
confronto entre distintas matrizes étnicas, tradições culturais e formas de
organização social.

Ele considera o brasileiro um povo novo, especialmente, “porque surge como


uma etnia nacional (brasileiro), diferenciada culturalmente de suas matrizes
formadoras, fortemente mestiçada, dinamizada por uma cultura sincrética e
singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos” (RIBEIRO, 2005,
p.19). No entanto o considera, ao mesmo tempo, um povo que traz consigo algo
de velho, uma vez que a origem do Brasil e do brasileiro se deu por meio de um
processo violento de dominação humana e exploração econômica.

Em O povo brasileiro ele procurou demonstrar que o processo de miscigenação


étnica e cultural, ou seja, processo que podemos identificar por meio das ideias
de aculturação, assimilação, sincretismo ou de transculturação, não ocorreu
de forma harmônica, mas marcada por uma série de conflitos, distensões e
reacomodações.

saiba mais
?
Conheça a ideia fundamental do livro “O Povo Brasileiro”, de Darcy
Ribeiro, que tenta traçar os pilares fundamentais do Brasil e suas relações
entre os múltiplos povos, com o vídeo “Clássicos para Desvendar o Brasil:
o povo brasileiro”, apresentado por Saulo Goulart.

https://www.youtube.com/watch?v=b4Am2bvCMfc&feature=youtu.be

17
Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM

Na atualidade, em virtude da intensificação dos processos de intercâmbio


cultural e dos fluxos migratórios, o conceito de hibridação ou hibridismo
ganhou destaque frente ao conceito de sincretismo, que ao longo do século XX
ficou muito associado ao processo de mistura e fusão de diferentes tradições
religiosas. Nesse contexto a hibridação cultural é tida como um processo
incessante de trocas, misturas e entrelaçamentos de elementos culturais
distintos. Em Sincretismo e hibridismo na cultura popular, Ferreti (2014) revisita
algumas definições de hibridação cultural apresentadas por autores expoentes
das Ciências Sociais, como:

Néstor García Canclini


Segundo o antropólogo argentino Néstor García Canclini, as culturas
híbridas ultrapassam as dicotomias entre tradicional e moderno, rural
e urbano, popular e erudito, culto e massivo; rompem com categorias
estanques e apontam para um processo de inter-relação crescente
entre elas, o que promove a miscigenação cultural em uma realidade
heterogênea, complexa e multicultural. Assim, o hibridismo ou hibridação
trata dos processos de mestiçagem cultural próprios das culturas
urbanas contemporâneas.

Peter Burke
Para o historiador da cultura, o britânico Peter Burke, todas as culturas são
híbridas, com o avanço da globalização é possível verificar a hibridação
cultural em diversas manifestações culturais, como na música, na
religião, na arte, nas festas, nas celebrações, entre outras. As formas
híbridas resultam da multiplicidade de encontros, dos entrelaçamentos
entre distintas culturas.

Stuart Hall
Stuart Hall, sociólogo jamaicano, vê o hibridismo como uma forma
de transculturação, nos quais elementos culturais heterogêneos se
combinam, se misturam, se entrelaçam e produzem uma nova síntese
cultural. Para ele o hibridismo é uma característica das culturas mistas
próprias ao multiculturalismo das sociedades contemporâneas.

Transculturação

O conceito de transculturação foi proposto pelo antropólogo cubano Fernando


Ortiz para analisar as transformações ocorridas nos padrões culturais nativos/
locais. Ele considera que a ideia de transculturação expressa de forma mais
complexa o processo de mudança cultural que a ideia de aculturação, que
consiste na adoção de padrões culturais distintos pelos grupos em contato.

Segundo Ortiz (1940), a transculturação implica na aquisição de novos


elementos culturais; no desenraizamento dos padrões culturais originários; e,
além disso, na criação de novos fenômenos culturais nascidos da inter-relação
entre as distintas culturas.

18
Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

É um processo dinâmico de troca cultural recíproca, marcado por intercâmbios,


conflitos, acomodações, reinvenções, transformações.

Segundo o sociólogo brasileiro Octávio Ianni (1996), ao longo da história


da humanidade as interações culturais entre tribos, povos, nações e
confederações ocorreram em decorrência de alianças, dominações, fusões,
conflitos, explorações, competições, acordos ou trocas. Logo, o fenômeno da
transculturação é constituinte dos incontáveis encontros entre os povos que
a história promoveu.

Nessa perspectiva, a história do mundo moderno e


contemporâneo pode ser lida como a história de um vasto
e intrincado processo de transculturação, caminhando
de par em par com a ocidentalização, a orientalização, a
africanização e a indigenização. Desde as grandes viagens
marítimas dos fins do século XV, quando os povos de todo
o mundo iniciaram um novo, amplo e intenso ciclo de
contatos, intercâmbios, trocas, tensões, lutas, conquistas,
destruições, acomodações, recriações e transformações,
são muitas as transculturações em curso no Novo Mundo,
África, Ásia, Oceania e Velho Mundo (IANNI, 1996, p.142).

A Era Planetária, inaugurada pelos intercâmbios conflituosos entre povos e


culturas de todos os continentes, se depara na atualidade com um franco
processo de hibridação cultural e transculturação. “Não apenas cada parte
do mundo faz cada vez mais parte do mundo, mas o mundo enquanto
todo está cada vez mais presente em cada uma de suas partes. Isso se
verifica não só para as nações e os povos, mas também para os indivíduos”
(MORIN, 2005, p.35).

Culturas e povos que eram anteriormente tidos como extremamente


diferentes e distantes, passaram a integrar o grande mosaico policultural e
a compor o tecido multiétnico das sociedades humanas.

Populações e culturas misturam-se e apresentam modos e estilos de vida


cada vez mais convergentes, logo os estudos antropológicos e sociológicos
aproximam-se, e juntos olham para as questões das relações interculturais e
da transculturação das sociedades contemporâneas.

saiba mais
?
Conheça um pouco mais sobre o pensamento de Darcy
com o artigo “O Povo Brasileiro”, de Adelia Miglievich Ribeiro.

http://periodicos.ufes.br/sinais/article/view/2753/2221

19
Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM

Dinâmicas Sociais Complexas:


migrações, urbanização, violência, inclusão/
T3 exclusão e novos movimentos sociais

A diáspora do Homo sapiens – a ocupação e distribuição dos grupos


humanos pelo planeta –, iniciada há mais de 100 mil anos, espalhou-nos
pela África, Ásia, Europa, Oceania e Américas. As evidências da ocupação
do planeta são atribuídas à antiguidade da datação dos vestígios fósseis dos
nossos antepassados encontrados em todos os continentes. A formação
das sociedades humanas com a consequente diversificação das formas de
organização societárias e a multiplicidade de configurações culturais tiveram
origem com a diáspora humana.

[...] a despeito das diferenças físicas de tamanho, cor,


forma dos olhos, do nariz, a despeito das diferenças de
culturas e de linguagens..., por toda parte houve mito,
por toda parte houve racionalidade, por toda parte houve
estratégia e invenção, por toda parte houve dança, ritmo e
música, por toda parte houve – certamente expressos ou
inibidos de maneira desigual conforme as culturas – prazer,
amor, ternura, amizade, cólera, ódio, por toda parte houve
proliferação imaginária (MORIN, 2005, p. 58).

A história da Torre de Babel, presente no Livro dos Gênesis (11:1-9), é ilustrativa


desse processo. Segundo a passagem bíblica, a construção da Torre permitiria
aos homens alcançar o céu, bem como manterem-se reunidos em um mesmo
lugar, evitando que se espalhassem pelo mundo. Deus, ao ver o empreendimento
que estava sendo erguido, decidiu misturar as línguas para que os homens não
entendessem um ao outro, interrompessem a construção e partissem mundo
afora. A Torre de Babel é uma narrativa, dentre os muitos mitos de origem da
humanidade, que trata, ao mesmo tempo, da diáspora humana sobre a Terra e
da diversidade cultural nascida com o embaralhamento das línguas.

Fonte: manuelacasasoli.altervista.org

MAPA-MÚNDI
DA DIÁSPORA
DO HOMO
SAPIENS
AO LONGO
DA PRÉ-
HISTÓRIA DA
HUMANIDADE

20
Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

As narrativas míticas, religiosas ou históricas, bem como as ciências do


homem, da sociedade e da cultura, todas apontam para a constituição da
diversidade sociocultural governada por dinâmicas complexas nas relações
entre o homem e o meio ambiente.

As andanças do homem pelo planeta não são um fato recente, os fatores


que impulsionam esses deslocamentos são muitos. Porém, é certo que com
o advento da Era Planetária, em decorrência das grandes navegações a partir
do século XV, os intercâmbios entre os povos se intensificaram, especialmente
movidos pelos empreendimentos de conquista e colonização com vistas
à exploração econômica, e, com ela, um significativo número de pessoas
aventurou-se pelo planeta.

Nesse processo, os povos nativos dos territórios explorados são escravizados


nos empreendimentos coloniais, um grande número de corpos-mercadoria,
destituídos de sua humanidade, é trasladado à força das circunstâncias de uma
região a outra ou de um continente ao outro, como ocorreu principalmente
com os povos capturados na África e comercializados como escravos no
continente americano.

Com o advento da Revolução Industrial e a expansão das trocas econômicas


globais, os fluxos migratórios se intensificaram. Em um primeiro momento,
produziu-se um grande deslocamento interno na Europa, levando as
pessoas a saírem do campo para buscar trabalho nas fábricas das cidades,
fato que agravou a questão social e transformou as cidades industriais em
grandes bolsões de miséria; já, em um segundo momento, um exército de
desempregados deixou a Europa rumo a outros continentes em busca de
oportunidades de trabalho e sobrevivência.

Das primeiras décadas do século XIX às primeiras décadas do século XX,


a humanidade testemunhou um imenso deslocamento de pessoas do
velho continente europeu para as Américas e a Oceania, especialmente.
Cerca de 70 milhões de pessoas deixaram a Europa em busca de
oportunidades nesses continentes. Tamanho deslocamento de pessoas
revela o impacto causado pela Revolução Industrial. Desde então, os
fluxos migratórios, a urbanização e os problemas sociais se intensificaram
no bojo da globalização.

A questão social é determinada pela exploração capitalista na relação entre capital e trabalho.
Para Iamamoto, deve-se compreender a questão social como o conjunto das expressões das
desigualdades que possui uma origem comum: a apropriação e monopolização da produção
social coletiva, fruto do trabalho da sociedade, por uma pequena parcela da população, a
classe dominante. A questão social traduz as desigualdades econômicas, políticas, culturais e
sociais entre as classes, e o agravamento dessas desigualdades em decorrência das relações
assimétricas entre gêneros, grupos étnico-raciais e formações regionais, o que contribui para
ampliar as contradições sociais marcadas pela lógica da inclusão/exclusão. (In: IAMAMOTO,
Marilda V. O Serviço Social na contemporaneidade; trabalho e formação profissional. 2. ed.
São Paulo: Cortez, 1999).

21
Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM

Transformações Socioeconômicas:
migrações, urbanização e a questão social
As migrações são motivadas, especialmente, por fatores econômicos e
políticos, como crises, desempregos, guerras e revoluções, ou por interesses
em regiões de desenvolvimento econômico dinâmico ou recente; mas também
ocorrem devido a fatores naturais como secas, desertificações, inundações,
terremotos, erupções vulcânicas e outros. Em suma, as migrações são
alimentadas, geralmente, por esperanças de uma vida melhor em lugares
prósperos ou a serem explorados.

Os fluxos migratórios compõem a dinâmica da distribuição territorial das


populações na sociedade. Assim, de acordo com as mudanças econômicas
e políticas regidas pelas forças do processo de ocidentalização e, mais
recentemente, pelas forças da globalização, as direções e orientações dos
fluxos migratórios se alteram. Enquanto no século XIX os europeus saíam da
Europa em busca de uma vida melhor no Novo Mundo, na segunda metade
do século XX tivemos um fluxo migratório intenso em direção aos países do
hemisfério norte, principalmente EUA e Europa Ocidental, em virtude das
oportunidades econômicas. Assim, as metrópoles cosmopolitas dos países
do Norte, os considerados desenvolvidos, caracterizam-se pela pluralidade
étnica e cultural em decorrência das migrações.

A ocidentalização é um processo marcado tanto pela imigração de europeus para todos os


continentes - principalmente para as antigas áreas de colonização nas Américas e Oceania - bem
como pela implementação do modelo de civilização europeia nesses territórios, juntamente
com o processo de expansão e dominação econômica imperialista.

Atualmente, vivenciamos um processo ativo de


fluxos migratórios interiores e exteriores, em
sintonia com a realidade dinâmica do mundo
contemporâneo. Juntamente com o fluxo de
deslocamentos das populações Sul-Norte,
especialmente em direção aos países da Europa
e da América do Norte, identificam-se outras
tendências migratórias, tais como as migrações
Sul-Sul, que se caracterizam por fluxos migratórios
entre países de economia emergente ou por
ocorrerem no interior do mesmo continente,
como, por exemplo, os imigrantes que partem
em direção ao Brasil e Argentina saídos de países
sul-americanos.
Fonte: Colours of Europe
Apesar das migrações intercontinentais continuarem em alta, é crescente o
número de migrações intracontinentais que vêm ocorrendo entre países na
América Latina e Caribe, mas principalmente no interior da própria África, Ásia
e Oriente Médio.

22
Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

Migrações intercontinentais ocorrem quando os migrantes partem de seu país


de origem para um país em outro continente. Já as migrações intracontinentais
ocorrem quando os migrantes partem de seu país de origem para outro país
no mesmo continente.

Em um mundo cada vez mais globalizado, as cidades e suas regiões


metropolitanas têm se tornado o local para os quais se dirige grande parte
dos migrantes, sejam eles estrangeiros ou não. Segundo Sassen (2010), a
globalização econômica tem contribuído para a desenho de um novo mapa
da economia mundial, em virtude da centralização das decisões e dos
investimentos econômicos nas metrópoles do planeta.

Estas cidades-mundo, cosmopolitas e globais, concentram os serviços


administrativos e financeiros, bem como a produção de conhecimento e de
alta tecnologia. Assim, elas atraem, ao mesmo tempo, trabalhadores migrantes
altamente qualificados, bem como aqueles migrantes sem qualificação, uma
vez que nelas há um grande leque de oportunidades econômicas, mesmo que
estas estejam associadas ao trabalho mal remunerado, informal ou temporário.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações – OIM da ONU, as


cidades-mundo, cosmopolitas e globais, se destacam no contexto atual
devido à grande importância que possuem em relação aos assuntos sociais
e econômicos e na configuração das rotas de migração, tanto internacional
quanto nacional. Diante desse cenário, exige-se uma atenção maior sobre a
questão por parte dos formuladores de políticas públicas, dos profissionais do
planejamento urbano e dos estudos acadêmicos sobre as migrações, uma vez
que elas produzem impactos positivos e negativos nas cidades receptoras-
acolhedoras dos migrantes.

Ao longo século XX, especialmente a partir da década de 1950, os países


de industrialização tardia experimentaram o mesmo fenômeno ocorrido na
Europa no século XIX – migração interna provocada pelo grande deslocamento
populacional do campo para a cidade, com consequente agravamento da
questão social e urbanização desordenada. No Brasil, por exemplo, o fluxo
migratório interno rumo às cidades ocorreu, principalmente, entre as décadas
de 1950 e 1980, quando mais da metade da população passou a residir em
áreas urbanas em todas as regiões do país.

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Acesse o espaço de Leitura Complementar na
sua Sala de Aula Virtual e conheça os fluxos
migratórios internos no Brasil e os fluxos
migratórios externos na atualidade.

23
Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM

Taxa de Urbanização das Regiões Brasileiras (IBGE)

Região 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2007 2010

Brasil 31,24 36,16 44,67 55,92 67,59 75,59 81,23 83,48 84,36

Norte 27,75 31,49 37,38 45,13 51,65 59,05 69,83 76,43 73,53

Nordeste 23,42 26,4 33,89 41,81 50,46 60,65 69,04 71,76 73,13

Sudeste 39,42 47,55 57 72,68 82,81 88,02 90,52 92,03 92,95

Sul 27,73 29,5 37,1 44,27 62,41 74,12 80,94 82,9 84,93

Centro-Oeste 21,52 24,38 34,22 48,04 67,79 81,28 86,73 86,81 88,8
Fonte: educação.globo.com

Juntamente com o processo de industrialização, especialmente concentrado


na região Sudeste do Brasil, a migração campo-cidade, também conhecida
como êxodo rural, se acelerou; junto com ela o fluxo migratório interno se
intensificou e a ocupação das cidades ocorreu de forma desordenada, uma
vez que a massa de migrantes campo-cidade foi absorvida sem que houvesse
um planejamento urbano estruturado para receber os novos moradores das
cidades. Atualmente, no Brasil, a porcentagem da população que habita as
áreas urbanas já se aproxima de 90%.

O processo de urbanização acelerada e desordenada trouxe com ele uma série


de problemas socioambientais para as cidades brasileiras, especialmente para
os grandes centros urbanos que passaram por um processo de metropolização.
Tal fenômeno acentuou no contexto urbano as desigualdades, visibilizou
os contrastes, as contradições e os conflitos sociais, além de desencadear
problemas tais como, violência urbana, habitações precárias, poluição e
degradação ambientais:

A violência urbana
É um fenômeno complexo e pode possuir múltiplas causas, dentre elas a elevada concentração
demográfica associada à segregação social, econômica e espacial; a ausência de oportunidades,
o desemprego e a baixa oferta de emprego qualificado; o agravamento da questão social, que
implica concentração de renda, ampliação das desigualdades e exclusão socioeconômica; a
ausência de políticas públicas e de acesso a bens e serviços; a negação e/ou violação de diretos;
a degradação socioambiental.

A precarização das habitações e a favelização nas áreas urbanas


Ocorrem desde meados do século XX; porém, esse processo foi intensificado com o fluxo
migratório interno rumo às cidades a partir da segunda metade do século XX. Nascidas das
ocupações das encostas, morros, mangues, prédios abandonados e terrenos baldios ou
alagadiços, as favelas, as habitações precárias e as provisórias erigem-se diante da ausência
de planejamento urbano; da falta de política habitacional para a população de baixa renda
ou de sua insuficiência; da mercantilização do território urbano e consequente segregação
socioespacial. Em suma, é uma consequência da própria questão social, produtora e reveladora
das desigualdades socioeconômicas.

24
Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

A degradação socioambiental urbana


Decorre da produção industrial e da grande circulação de automóveis que impactaram
consideravelmente a poluição do ar; da impermeabilização do solo pelo asfalto, do desmatamento
e da redução das áreas verdes que contribuíram para que as enchentes se tornassem frequentes.
O esgoto e o lixo, tanto residencial quanto industrial, provocaram a poluição e a morte de rios e
córregos urbanos, além de contaminarem nascentes e lençóis freáticos. O excesso de imagens,
luzes e ruídos, ou seja, a poluição visual e a sonora contribuem, juntamente com a poluição
atmosférica, para o adoecimento físico e psíquico dos indivíduos.

saiba mais
?
Leia a entrevista com Sérgio Adorno que trata de reflexões sobre a
violência e a intolerância na sociedade brasileira.

http://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/102026/103981

O rápido processo de urbanização em nosso país, decorrente do intenso


processo de migração campo-cidade, não foi acompanhado, com a mesma
intensidade, por políticas públicas promotoras de acesso a serviços e direitos,
a oportunidades econômicas e a inclusão social para as pessoas, fato que
contribuiu para gerar tais mazelas. Problemas semelhantes ocorreram, e
ainda ocorrem, em vários países de industrialização/modernização tardia, os
denominados países do Sul.

No entanto, os fluxos migratórios, que impulsionaram o processo de


urbanização e metropolização, provocaram transformações nas cidades,
nos estilos e formas de vida de seus moradores, nas instituições sociais
contemporâneas e nas relações sociais entre os indivíduos.
Fonte: Coletivo Lute

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Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM

A confluência de gentes, de cores, de odores, de sabores, de sonoridades,


de gestos, de estéticas, de línguas, de crenças, de ideias é propícia para os
fenômenos de transculturação ou de hibridação cultural. Esses entrelaçamentos
da Era Planetária, suscitados pelos interesses econômicos dos processos de
globalização que dinamizam os fluxos migratórios, também possuem seu viés
positivo no curso das transformações sociais contemporâneas.

Os estudos sobre migrações internacionais trabalham com o conceito


de comunidade transnacional ou transnacionalismo e o conceito de
transmigrante.

A ideia de uma comunidade transnacional foi elaborada a partir das relações


que os imigrantes estabelecem com a sua comunidade/localidade de origem
e, mesmo, com outras comunidades; não importando qual seja a distância
geográfica ou as fronteiras internacionais, os relacionamentos se intensificam
em escala planetária.

Nesse sentido, os imigrantes são transmigrantes, uma vez que eles mantêm
e promovem vínculos entre as distintas comunidades, a de origem e a atual.
Influenciados pela cultura e pelas instituições das cidades/sociedades que
os acolheram, os transmigrantes influenciam suas comunidades de origem,
modificando-as.

Eles não estão desenraizados, circulam, mesmo que virtualmente, entre


fronteiras, entre sistemas sociais, culturas e realidades distintas.

O transnacionalismo se concretiza por meio das relações sociais regulares


que os transmigrantes estabelecem ao longo do tempo, pelas fronteiras
internacionais, com sua comunidade de origem, seja pelas remessas
financeiras, mas, especialmente, pelas remessas sociais. Influencia a sua
comunidade de origem com novas ideias, comportamentos, práticas sociais
e identidades culturais distintas que impactam e modificam as relações
familiares, entre os gêneros, as classes sociais, bem como influenciam o
comportamento político, a moral, os valores do grupo.

Os fluxos migratórios, contudo, movem-se de acordo com as contradições


socioeconômicas e socioespaciais; migra-se de um hemisfério a outro, de um
continente a outro, de um país a outro, de uma região a outra, ou ainda dentro
de uma mesma cidade ou área metropolitana – são as migrações intraurbanas,
também provocas pelas disparidades locais e desigualdades sociais.

Logo, as migrações internas ou externas, enquanto processo social, têm


ocorrido ao longo do tempo devido às desigualdades verificadas no mundo.
Assim, o principal fator dos deslocamentos humanos deve-se à questão social,
que concentra e monopoliza a riqueza em determinadas regiões e classes
sociais, enquanto que nas outras regiões e classes desfavorecidas prevalece a

26
Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

ausência de oportunidades, os entraves às mudanças, a escassez e a pobreza.


As contradições do capitalismo promovem, dessa forma, os mecanismos de
inclusão e exclusão social.

Nesse processo, especialmente as cidades-mundo, metrópoles cosmopolitas


e globalizadas, atraem para si os migrantes internos e externos. A ocupação
dos territórios dessas cidades obedece à lógica da segregação socioespacial,
neles acomodam-se as múltiplas comunidades étnicas, culturais ou
regionais, geralmente formadas por migrantes nacionais e estrangeiros, que
se deslocaram de suas localidades originárias em busca de oportunidades
econômicas, principalmente.

Em Os estabelecidos e os outsiders, o sociólogo Norbert Elias, ao estudar a


ocupação dos bairros de uma cidade inglesa por migrantes e forasteiros,
identificou que o grupo definido como os estabelecidos, moradores que viviam
há mais tempo nos bairros e mantinham laços entre si, tratavam com hostilidade
os novos habitantes, os outsiders, ou seja, aqueles que eram de fora.

Geralmente vistos como uma ameaça pelos moradores estabelecidos, os


outsiders sofrem com a estigmatização, o preconceito, a segregação e a
xenofobia, que atuam como mecanismos de exclusão.

Segundo Elias (2000), os próprios indivíduos dos grupos vindos de fora


acabam internalizando a imagem depreciativa atribuída pelos estabelecidos,
agravando, assim, o sentimento de inferioridade e a exclusão social dos outsiders.
Nesse contexto, marcado pela violência simbólica, os atos de vandalismo e
delinquência podem eclodir e agravar ainda mais a violência urbana.

Frente aos conflitos e aos mecanismos de segregação socioespacial,


formam-se bairros chineses, comunidades bolivianas, zonas de comércio
árabes, bem como surgem aglomerações com habitações precárias em
terrenos invadidos ou moradias provisórias em prédios ocupados. Além
do caráter multicultural e pluriétnico dessas cidades, as desigualdades

A  segregação socioespacial O conceito de violência simbólica foi elaborado


refere-se à periferização ou pelo sociólogo Pierre Bourdieu com a finalidade
marginalização de determinadas de elucidar as relações de dominação, que não
pessoas ou grupos sociais por pressupõem a violência física ocorrida entre as
fatores econômicos, culturais, pessoas e entre os grupos na sociedade. A violência
históricos e étnicos no espaço simbólica descreve o processo pelo qual a classe ou
das cidades. o grupo dominante impõe sobre o outro a sua visão
de mundo, os seus valores e as suas formas de viver.
É um tipo de violência exercida, em parte, com o
consentimento de quem a sofre e que ocorre por meio
da estigmatização, da inferiorização e da segregação.

27
Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM

econômicas, a estigmatização das minorias, as dificuldades de acesso aos


bens e serviços essenciais e a negação ou violação dos direitos acabam
estimulando os movimentos sociais e os ativismos urbanos.

As contradições do sistema capitalista, agravadas pela questão social,


aprofundam as desigualdades e acabam por ferir os princípios de igualdade
em uma sociedade democrática, logo, nem o Estado, tampouco os governos
conseguem assegurar para todos os mesmos direitos. Diante disso, os grupos
minoritários, os desfavorecidos economicamente, aqueles que têm seus
direitos não assegurados encontram no ativismo político e nos movimentos
sociais um espaço de luta em defesa de seus direitos e de mudança.

Movimentos de moradia, organizações de defesa dos imigrantes, coletivos


pelo direito à cidade, frentes solidárias de apoio aos refugiados, grupos de
proteção das áreas verdes e nascentes de rios urbanos, associações contra
as remoções de favelas, entre muitos outros, formam o conjunto de novos
movimentos sociais que atuam no contexto urbano defendendo causas
específicas, porém com um objetivo comum: o de promover transformações
na sociedade e nas suas instituições por meio de ações políticas concretas e
diretas – um outro mundo é possível.
Fonte: EBC

NÃO ÀS REMOÇÕES:
MANIFESTAÇÃO DE
MORADORES E AMIGOS
DAS COMUNIDADES
CARIOCAS AMEAÇADAS
DE REMOÇÃO PELO
PODER PÚBLICO, RIO DE
JANEIRO-RJ

Nesse contexto efervescente das cidades-mundo, nas quais eclodem


inúmeros ativismos e movimentos sociais, múltiplos pertencimentos e diversas
identidades contribuem para colorir ainda mais o tecido complexo das relações
sociais no século XXI. É sobre eles que trataremos a seguir.

saiba mais
?
Leia o artigo “Refugiados” que trata a outra face das migrações ou
deslocamentos forçados.

http://www.acnur.org/portugues/quem-ajudamos/refugiados/

28
Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

Cultura Contemporânea,
Pertencimentos e Identidades:
o local e o global, etnicidades,
T4 minorias e diversidades

As transformações sociais e as dinâmicas culturais estão presentes na nossa


discussão e têm guiado nossas reflexões desde a primeira Unidade. Vimos que
elas contribuíram para a consolidação do Estado-nação moderno juntamente
com a emergência do sistema capitalista e do conjunto de modificações
ocorridas nos últimos cinco séculos de história.

Enquanto instituição social, o Estado-nação consolidou o conceito de identidade


nacional e de cidadão frente aos estrangeiros, ou seja, aos considerados de
fora. Erigiram-se fronteiras, limitaram-se os territórios, teceram-se identidades
nacionais por meio da cultura e da educação. Assim, as Ciências Sociais, no
amplo sentido, preocuparam-se em pensar a educação nacional, a cultura
nacional, a economia nacional, a política nacional.

Esse modelo de administração política [Estado-nação],


que teve início com a modernidade e foi responsável
pelo desenvolvimento do capitalismo, espalhou-
se pelos diversos continentes. [...]. A identidade dos
cidadãos com a nação floresce graças às políticas
culturais e educativas que afirmam e oficializam a
unidade linguística da nação e criam um imaginário
comum que os aproxima. É a cultura nacional que se
impõe, enfraquecendo as diferenças regionais (COSTA,
2010, p.260).

Ao longo do século XX, o desenvolvimento das Ciências Sociais acompanhou


o processo de transformação sociocultural, ou seja, as mudanças geradas
com a industrialização, a urbanização, o avanço dos meios de comunicação,
a internet e a globalização que modificaram plenamente as sociedades,
aproximando-as, misturando-as, interligando-as em um grande sistema-
mundo e fazendo-as participar dos mesmos processos globais. Dessa
forma, a Antropologia e a Sociologia depararam-se com novas realidades
em decorrência da complexidade sociocultural, o que levou os cientistas
sociais a estudarem o multiculturalismo e a sociodiversidade em uma
sociedade mundializada.

Nesse cenário, a ideia de uma cultura nacional, local e tradicional se depara


com as transformações socioculturais decorrentes da globalização marcadas,
ao mesmo tempo, pelas forças da homogeneização cultural, por um lado, e
pela mistura, confluência e multiculturalidade, por outro.

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A Era Planetária, como a definiu Morin (2005), apresenta sua pior face: destrói
as singularidades das culturas locais ou de povos nativos, homogeneíza os
hábitos e os costumes nos quatro cantos do mundo por meio do consumo de
produtos culturais padronizados. Por outro lado, exibe o que tem de melhor:
Fonte: forensicmag entrelaça povos, conhecimentos, saberes, práticas e técnicas ao romper os
limites das fronteiras étnicas, religiosas e nacionais, o que tem contribuído
para dissolver determinadas formas de incompreensão entre indivíduos,
povos e culturas.

Segundo Costa (2010), nessa interface entre padronização e diferenciação


em um mundo globalizado agrava-se a crise de identidade dos indivíduos,
fazendo-os aderir mais rapidamente a novos grupos e a movimentos sociais
que lhes garantam um sentimento de pertencimento. Emergem novos
movimentos que se agrupam em torno de determinadas causas vinculadas
às questões de identidade e pertencimento grupais. Assim, minorias étnicas,
“raciais”, de gênero, entre outras, constituem-se enquanto movimentos
ativistas, multiplicam-se os grupos defensores de causas sociais específicas.

Na relação entre o global e o local eclodem as tensões e os conflitos, mas


também se articulam novas formas de cooperação e de lutas sociais. É preciso
saber lidar com as ambivalências e compreender as contradições para poder
desvendar as dinâmicas socioculturais da sociedade contemporânea.

O Local e o Global
Nos últimos cinco séculos os Estados nacionais emergiram e se consolidaram,
com eles as culturas nacionais se destacaram, tornaram-se hegemônicas e
forjaram as identidades nacionais. O processo histórico de formação dos Estados
nacionais modernos e de suas respectivas identidades nacionais constituiu-se
por meio de um processo marcado pela dominação, pela exploração, pelo
uso da força e da imposição de uma cultura sobre as outras. Buscou-se por
meio da unificação da língua, dos hábitos, dos costumes, das crenças, das
festas, das datas comemorativas e do sentimento de pertencimento a uma
nacionalidade apagar a diversidade étnico-cultural presente no interior dos
limites do Estado-nação. Assim, nos tornamos brasileiros.

Segundo Costa (2010), especialmente nas últimas décadas do século XX, a


importância dos Estados nacionais, enquanto referência nacional-identitária,
ou seja, enquanto base para o nacionalismo e para a identidade cultural de
um povo-nação, começa a enfraquecer mediante as transformações globais
provocadas pela descolonização, pelo neoliberalismo, pelas migrações e pela
própria globalização:

[...] a descolonização do mundo, que deu novo alento aos


grupos étnicos e às culturas nativas; o neoliberalismo,
que privilegiou os interesses do mercado sobre os
protecionismos nacionais; a intensa migração dos povos
pelo mundo; e a globalização, que acelerou a troca de
informações, mercadorias e mensagens entre as nações
(COSTA, 2010, p.261).

30
Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

Esses acontecimentos contribuíram para afrouxar os sentimentos de


pertencimento a uma cultura nacional, como elemento balizador da identidade
dos indivíduos. Uma multiplicidade de sentimentos de pertença e identidade
ganhou força revelando a pluralidade de culturas no interior da cultura nacional.
No fluxo dessas transformações, denominadas por muitos autores de pós-
colonialismo e pós-nacionalismo, há um movimento de descolonização ou
decolonização do pensamento, dos modelos de sociabilidade, da cultura e das
relações de poder que valoriza e fortalece as identidades étnicas, os múltiplos
pertencimentos minoritários e as culturas locais. Ao mesmo tempo uma
cultura nova, de âmbito mundial, se espraia para além das fronteiras tecendo
identidades/pertencimentos globais. “De um lado, reforça-se o localismo; de
outro, o cosmopolitismo (global)” (COSTA, 2010, p.261).

A presença de uma cultura global e cosmopolita se fortalece, especialmente,


nas cidades densamente povoadas – as cidades-mundo. As grandes
metrópoles passam a ser os polos promotores e difusores das trocas
econômicas e culturais; nelas as novas gerações assumem estilos e modos
de vida cosmopolitas, globais, marcados pela hibridação cultural.

Fonte: Coletivo Senhi

BRÔ MC’S, BANDA INDÍGENA DE RAP, QUE MISTURA


O RAP NORTE-AMERICANO COM LETRAS EM GUARANI.
AS COMPOSIÇÕES RELATAM OS PROBLEMAS
ENFRENTADOS PELOS GUARANI KAIOWÁ.

Descolonizar ou decolonizar não deve ser confundido com o mero processo de deixar de
ser colônia, de deixar de ser um país ou território colonial. Mais do que isso, é o processo de
decolonialidade (descolonialidade) segundo a cientista política brasileira Luciana Ballestrin
(2013), que remete ao que ela denomina de giro decolonial: “O giro decolonial procura responder
às lógicas da colonialidade do poder, ser e saber, apostando em outras experiências políticas,
vivências culturais, alternativas econômicas e produção do conhecimento obscurecidas,
destruídas ou bloqueadas pelo ocidentalismo, eurocentrismo e liberalismo dominantes. Concebe
a importância da interação entre teoria e prática, buscando dialogar com a gramática das lutas
sociais, populares e subalternizadas dos povos que compuseram e compõem a invenção da
ideia de América Latina.”

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Porém, a globalização atinge a todos de forma diferenciada. Enquanto


para uns a integração dos mercados, as novas tecnologias virtuais e o
cosmopolitismo da cultura propiciam status, renda, trabalho e inclusão
sociocultural, para outros as consequências desse processo são nefastas.
Indivíduos, grupos e localidades sofrem com o desemprego, com a falta
de oportunidades e de acesso ao conhecimento que ampliam a exclusão
e a segregação.

Nesse contexto, os fluxos migratórios avançam, grandes contingentes


de pessoas se deslocam pelo planeta em direção, especialmente, às
cidades-mundo cosmopolitas, centros da globalização, em busca de uma
vida melhor e de oportunidades. As pessoas e as culturas se misturam,
mas também se atritam. Esse encontro entre diferentes povos e culturas,
segundo Costa (2010, p.311), “vem causando grandes conflitos étnicos e
culturais e, ao mesmo tempo, cria grupos que vivem nas fronteiras entre
duas identidades diferentes, a do lugar de origem e aquela que começa
a se desenvolver na sociedade receptora”.

Além das identidades transnacionais que se constituem nas comunidades


formadas pelos transmigrantes, ou seja, pelos estrangeiros que migraram
de sua terra natal para outros países.

Novas demandas identitárias eclodem no interior de um povo-nação, etnias


reivindicam o binacionalismo ou até mesmo o plurinacionalismo, ao mesmo
tempo que se miscigenam línguas e traços culturais.

Binacionalismo: Estado-nação constituído por dois povos etnicamente distintos que


reconhece e assegura o direito de ambos os povos ao seus idiomas, culturas e tradições.
Para determinados autores, o binacionalismo poderia ser uma saída pacífica para a
formação do Estado binacional Israel-Palestina. Acreditam que assim seria possível garantir
a coexistência de ambos povos e suas respectivas culturas e tradições em um mesmo
território.

Plurinacionalismo: o reconhecimento de várias etnias com seus respectivos idiomas,


culturas e tradições como povos constituintes de um único Estado-nação, ou seja, de um
Estado plurinacional. Em 2009, a Bolívia, em nova Constituição, refundou-se enquanto
Estado plurinacional e intercultural. As várias etnias, com suas respectivas línguas, culturas
e tradições passaram a integrar um único Estado, porém com autonomia reconhecidas
e garantidas pela Constituição. Cerca de 65% da população da Bolívia é constituída por
povos indígenas, especialmente quéchua e aymará, ao todo são 36 etnias no país.

No Brasil, ganham destaque na sociedade as nomenclaturas que garantem


reconhecimento da pluralidade de identidades e de pertencimentos a
determinados grupos sociais como os afro-brasileiros, os quilombolas,
os guaranis e demais etnias indígenas, os que se denominam periféricos,

32
Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

as pessoas LGBTI+, entre outros. Enfim, uma diversidade de grupos que


buscam, por meio da força aglutinadora das identidades e dos sentimentos
de pertencimento grupal, reconhecimento, espaço e autoafirmação em um
mundo cambiante, ou seja, em permanente transformação. A busca por uma
identidade convive com novas formas de sociabilidade.

LGBTI+ sigla para designar Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais


/ Transgêneros / Travestis, Intersexuais e o sinal de + representa
outras orientações sexuais.

saiba mais
?
Assista ao vídeo “Identidade Periférica”, do Observatório da Criança e
Adolescente (OCA), e conheça a estratégia de como uma periferia buscou
o seu reconhecimento, espaço e autoafirmação em um mundo em
permanente transformação.

https://www.youtube.com/watch?v=qM8FojOzsi4

Além disso, confira a entrevista com a professora Luciana Ballestin, cedida


à IHU On-line (GALLAS; MACHADO, 2013), que procura esclarecer a ideia de
decolonialidade (ou descolonidade), que permanece operando ainda nos dias
de hoje em um padrão mundial de poder.

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view
=article&id=5258&secao=431

Etnicidades, Minorias e Diversidades


Na contemporaneidade, as identidades formatadas pela nacionalidade
cedem lugar para a tessitura de múltiplas identidades, ou seja, identidades
e sentimentos de pertença associados ao grupo étnico, ao gênero, à
sexualidade, entre outras. Stuart Hall (2006) afirma que vivemos em uma
época na qual a fragmentação identitária é uma realidade, em um tempo em
que tudo parece ser movente, cambiante e flexível, o que não significa que
as antigas identidades nacionais eram estáveis, uma vez que as identidades
são produzidas em contextos socioculturais dinâmicos.

Ainda segundo Hall (2006), a identidade em uma sociedade pós-moderna é


formada e transformada continuamente, os indivíduos assumem identidades
distintas em diferentes fases da vida.

33
Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM

A identidade está sempre em construção, é inacabada, nunca está concluída.


Assim, não cabe afirmar que a identidade é algo estático, que se constitui
de forma imutável.

Nesse sentido é que os sentimentos de pertença a determinados grupos


étnicos e culturais são resultantes do processo ativo de construção permanente
das identidades. Em suma, o processo identitário é um elemento constitutivo
da dinâmica social que interfere na construção das etnicidades, dos gêneros,
das sexualidades e das expressões culturais gerais de um grupo.

Poutignat e Streiff-Fenart (1998) afirmam que a etnicidade não é adquirida no


nascimento, tampouco se resume a um conjunto de padrões culturais transmitidos
de geração para geração como as crenças, os valores, os símbolos ou o idioma. A
etnicidade é dinâmica, sofre transformações como a cultura; assim, o sentimento
de pertença a uma identidade étnica é determinado por um processo relacional,
ou seja, reconhecer o pertencimento a determinada identidade étnica implica
reconhecer a existência de outros grupos distintos ou diferentes.

Nas últimas décadas, especialmente com a redemocratização do país nos anos


80, ganharam espaço e destaque no Brasil inúmeros movimentos regidos pela
força aglutinadora da identidade étnica, como aqueles que se identificam com
as causas das comunidades indígenas, negras e quilombolas, por exemplo.

O movimento negro, que possui um longo histórico de luta e está relacionado


com as origens dos quilombos formados ainda no período colonial como
territórios de resistência à opressão e à escravidão, é um movimento complexo
e plural que engloba inúmeros grupos, coletivos, organizações e pessoas que
lutam contra o racismo, contra as muitas formas de discriminação, por direitos
não efetivados na prática e por equidade para a população afrodescendente.

As demandas do movimento negro estão relacionadas à identidade étnica


e ao sentimento de pertença ao grupo.
Fonte: Oym

34
Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

O mesmo ocorre com os movimentos quilombolas, com uma especificidade,


lutam pelo reconhecimento de seus territórios como espaços vivos para
preservação de suas tradições. Assim sendo, as comunidades quilombolas
trazem consigo as marcas incontestes da resistência e da luta pelos direitos
à cidadania, à posse da terra tradicional, aos bens imateriais e materiais de
sua cultura e às formas de organização social e política de suas comunidades
baseadas na identidade étnica.

Com os povos indígenas, não é diferente. A luta por demarcação das terras
em todo o país não é recente, as ameaças à preservação de seus territórios
são constantes, especialmente na Amazônia. Em outras regiões do país,
muitos territórios indígenas estão reduzidos à área das aldeias, em virtude
da invasão de suas terras pelo agronegócio. Segundo a Comissão Pró-Índio
de São Paulo (2013), boa parte da população indígena vive nas cidades. E de
acordo com o último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística – IBGE em 2010, cerca de 325 mil indígenas moram
em áreas urbanas. Em relação à educação, é garantido por lei uma educação
bilíngue e intercultural, direito geralmente violado nas escolas das cidades. A
luta pela garantia dos direitos dos povos indígenas nas cidades está também
relacionada às questões identitárias e socioculturais.

Em meio aos movimentos fundados nas etnicidades há também os movimentos


identitários baseados nas questões de gênero e orientação sexual, como os
movimentos feminista e o LGBTI+. Ambos são complexos e plurais, porém têm
em comum a luta pela igualdade de gênero contra o machismo e o patriarcado,
enquanto força simbólica e exercício do poder.

O movimento feminista no Brasil é oriundo do movimento de emancipação


feminina surgido na segunda metade do século XIX que reivindicava o
direito à educação e à instrução para mulheres. Nas primeiras décadas do
século XX, a luta se organizou em defesa do trabalho da mulher e do direito
ao voto, conquistado pelas brasileiras em 1932. Porém, somente nos anos
70, em virtude da modernização da sociedade e das transformações e da
mudança de mentalidade, o movimento feminista no país ganhou novo
impulso. Inúmeras bandeiras foram levantadas pelas mulheres desde então:
contra as formas de opressão e dominação masculina e patriarcal, contra
a misoginia e a desigualdade de gênero, pelo controle das mulheres sobre
sua própria sexualidade e reprodução, pela descriminalização do aborto,
pela igualdade de direitos e contra a violência doméstica.

saiba mais saiba mais


? ?
Leia o artigo “São Paulo encurrala os índios Assista ao vídeo “Igualdade de Gênero” que
guarani que ainda resistem na cidade”, do jornal ressalta a importância de se construir uma
El País, que trata da população indígena que cultura de mais igualdade, mais direitos mais
luta para que suas terras sejam demarcadas. oportunidades para todos e todas.

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/01/ https://www.youtube.com/watch?v=ZCGLC-
politica/1504276246_722967.html vziRc

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Também foi a partir dos anos de 1970 que os movimentos baseados na


identidade sexual e afetiva, como o movimento homossexual masculino e
feminino, começaram a se organizar no Brasil, ainda muito timidamente em
virtude da repressão imposta pela ditadura. Com a abertura democrática
nos anos de 1980 o movimento de gays, lésbicas e transgêneros fundou
suas primeiras associações, porém foi ao longo dos anos de 1990 que a
visibilidade e o orgulho da identidade sexual dos homossexuais, bissexuais,
transexuais e das outras orientações sexuais ganharam as ruas em defesa
dos seus direitos plenos enquanto cidadãos.

Desde então muitas conquistas e direitos foram alcançados por meio


da ação política do movimento, tais como: o reconhecimento de que a
homossexualidade e outras orientações sexuais não são doenças; o uso
do termo orientação sexual em oposição a “opção sexual”, uma vez que a
sexualidade não é uma escolha objetiva do indivíduo; a visibilidade social
e política conquistada a partir das Paradas LGBTI+ que se espalharam
pelo país; a união estável e o casamento civil, a primeira reconhecida em
2011 e o segundo em 2013; a realização das cirurgias de redesignação
sexual, popularmente chamadas de mudança de sexo; o direito ao uso do
nome social por pessoas transexuais e travestis em concursos, empresas,
escolas e etc.

Segundo Costa (2010), na etapa atual da globalização vivenciamos um mundo


marcado ao mesmo tempo tanto pela tentativa de unificação quanto pela
fragmentação cultural, o que vem afetando as relações dos indivíduos com
a sociedade em que vivem.

As pessoas buscam participar de grupos aos quais se sentem pertencentes


por meio de processos identitários pautados pela etnia, pela orientação
sexual, pelo gênero, entre outras.

Esses fatos são percebidos nas Ciências Sociais como constituintes


de um movimento de crise e de transformação sociocultural na
contemporaneidade, e os antropólogos e sociólogos não tem poupado
esforços para sua compreensão.

Considerações Finais
Ao longo da Unidade 2 pudemos estudar e compreender como as relações
ocorrem na sociedade e como os indivíduos são inseridos no meio social
em que vivem pela sua participação nos grupos e nas instituições. Vimos
que cada instituição social possui funções específicas na socialização dos
indivíduos e nas formas de organização da própria sociedade, bem como
que as relações que os indivíduos estabelecem entre si nos grupos são
fundamentais para a reprodução social e para a consequente transformação
da sociedade.

36
Unidade 02 Sociedade e Cultura: sociodiversidade e multiculturalismo

Contudo, a vida social não seria possível sem a cultura; assim buscamos
compreender os meios pelos quais as sociedades humanas mantêm seus
membros integrados em torno de determinados valores da vida social em
comum. O estudo da dinâmica cultural e dos processos de assimilação,
sincretismo, hibridação e transculturação vividos pelos indivíduos e pelas
sociedades contemporâneas permitiu que compreendêssemos que
as pessoas e as culturas misturam-se em um contexto marcado pela
sociodiversidade e pelo multiculturalismo.

Essa confluência de hábitos, de costumes, de línguas, de crenças, de


ideias é própria da Era Planetária, que tem promovido a urbanização
crescente das sociedades, bem como estimulado os fluxos migratórios em
decorrência dos interesses econômicos dos processos de globalização que
dinamizam a vida social e as transformações culturais contemporâneas.
Nas cidades-mundo, cosmopolitas, as misturas ressaltam não só a
diversidade cultural, mas também as diferenças sociais; de um lado os
incluídos/estabelecidos, de outros os excluídos/outsiders. Eclodem
inúmeros ativismos e movimentos sociais em defesa de seus direitos e
de mudança.

Nesse cenário, a ideia de uma cultura nacional, local e tradicional se


depara com as transformações socioculturais decorrentes da globalização
marcadas, ao mesmo tempo, pelas forças da homogeneização cultural,
por um lado, e pela mistura, confluência e multiculturalidade, por outro.
As identidades formatadas pela nacionalidade cedem lugar para novas
identidades, ou seja, identidades e sentimentos de pertença associados à
etnia, ao gênero, à orientação sexual, entre outras. Esses grupos almejam
autoafirmação em uma realidade em permanente transformação. A busca
por uma identidade convive com novas formas de sociabilidade.

Fonte: DM

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Estudos Socioantropológicos Graduação | UNISUAM

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