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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


Presidência da Seção de Direito Público

Registro: 2011.0000202039

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0009798-


88.2009.8.26.0189, da Comarca de Fernandópolis, em que é apelante JANE MEIRE
ROCHA RIBEIRO sendo apelados PROMOTOR JUSTIÇA VARA INFÂNCIA E
JUVENTUDE DE FERNANDÓPOLIS e CONSELHO TUTELAR DE
FERNANDÓPOLIS.

ACORDAM, em Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,


proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOSÉ


SANTANA Vice-Presidente (Presidente sem voto), MAIA DA CUNHA
(Presidente da Seção de Direito Privado) e MARIA OLÍVIA ALVES.

São Paulo, 26 de setembro de 2011.

LUIS ANTONIO GANZERLA


Presidente da Seção de Direito Público
Relator
Assinatura Eletrônica
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CÂMARA ESPECIAL VOTO Nº 19.201

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009798-88.2009.8.26.0189

APELANTE: JANE MEIRE ROCHA RIBEIRO

APELADOS: PROMOTOR DE JUSTIÇA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DE


FERNANDÓPOLIS E CONSELHO TUTELAR DE FERNANDÓPOLIS

APELAÇÃO - Infração administrativa - Descumprimento dos


deveres decorrentes do poder familiar e de determinações do
Conselho Tutelar - Prova suficiente nesse sentido - Genitora
omissa em relação aos cuidados com a filha - Situação de
abandono material e emocional constante - Jovem colocada sob
guarda em família substituta - Situação inalterada, mesmo após
várias intervenções do Conselho Tutelar - Violação ao art. 249 do
Estatuto da Criança e do Adolescente - Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação (fls. 111/117) interposto


contra sentença que julgou procedente a representação oferecida
pelo Conselho Tutelar de Fernandópolis em face de Jane Meire Rocha
Ribeiro, à qual foi imputada infração ao art. 249 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, por descumprimento dos deveres
inerentes ao poder familiar com relação a sua filha Amanda Ribeiro
Martins Flores, impondo-lhe multa de três salários de referência.

Sustenta a recorrente o cerceamento de defesa, uma vez


que não foram ouvidas as testemunhas por ela arroladas, devendo
ser anulada a sentença ou alternativamente, ser aplicada prestação
de serviços à comunidade ao invés de multa.

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O Ministério Público opinou desfavoravelmente à apelação


a fls. 120/124 e foram apresentadas contrarrazões a fls. 129/131).
A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se no sentido ser
negado provimento ao recurso (fls. 139/141).

É o relatório.

A prova reunida neste processo é farta a evidenciar que a


recorrente descumpriu, ao menos de forma culposa, seus deveres
em relação à filha Amanda, não havendo que se falar em nulidade
processual por cerceamento de defesa.

A situação da jovem passou a ser acompanhada pelo


Conselho Tutelar em 2002, uma vez que a genitora solicitou auxílio
aquele órgão quando passava por dificuldades financeiras.

Em 2006 chegou ao conhecimento do ora


representante que a menina, na época com cinco anos de idade,
havia sido surpreendida sozinha pelas ruas, não tendo sido
localizada a genitora no momento. Houve informações de vizinhos de
que a mãe a deixava sozinha na rua, e foi encaminhada a um
orfanato. A genitora foi advertida quanto à inadequação do fato e a
criança voltou para sua companhia.

No mesmo ano, foi informado pela escola


onde Amanda estudava, que esta tinha comportamento inadequado
para sua faixa etária, com sexualidade precoce, saía de casa à noite,
somente retornando de madrugada, sendo a genitora novamente
advertida.

A menor foi encaminhada para tratamento


psiquiátrico, constatando-se problemas neurológicos, com

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necessidade de medicação.

Existiram novas denúncias no mesmo


sentido nos anos seguintes, e notícias de prática de pequenos furtos
pela infante.

Recentemente a menina foi colocada em lar


substituto, sob a guarda de uma tia materna, após ter sido
novamente abrigada.

Todo o exposto consta não só dos relatórios


do Conselho Tutelar, mas também das informações prestadas pela
Diretoria Municipal de Educação, assinadas por testemunhas
presenciais, do relatório do CREAS/Sentinela, e do oficio da
Associação Nosso Lar de Fernandópolis, documentos os quais não
foram impugnados pela apelante.

Ademais, a requerida em sua peça


contestatória negou parcialmente os fatos acima narrados, limitando-
se a imputar de mendazes as informações de que Amanda apresenta
sexualidade exacerbada e de que saía de casa e voltava de
madrugada.

Entretanto, conforme explanado, os fatos que


ensejaram a imposição de pena por descumprimento dos deveres
inerentes ao poder familiar não são somente aqueles negados pela
recorrente. Entretanto, também estes ficaram demonstrados pelos
documentos acima citados e também pelo estudo social elaborado
no caso.

Consta do relatório da avaliação social e


psicológica da genitora ter esta confirmado que a filha apresentava

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comportamento agressivo, fugia de casa a noite, e ao invés da


recorrente manter diálogo com a menor, dar-lhe amor e limites,
como lhe foi orientado, impingia-lhe castigos físicos.

Ressalte-se que o histórico de maus tratos


pela recorrente se iniciou ainda em tenra idade de Amanda, por
denúncia de uma tia materna, restabelecendo-se contato entre mãe
e filha em 2001, quando esta tinha ainda um ano de vida (fls. 83).

Conforme ponderou a assistente social do


CREAS-Sentinela :

“Diante de todos os fatos narrados no histórico de atendimento desta


família realizado pelo CREAS/Sentinela e pelos inúmeros fatos que também já
foram notificados ao Conselho Tutelar, torna-se clara a existência da negligência.
Para a família já foi oferecido atendimento psicossocial pelo CREAS/Sentinela (ao
qual não houve adesão), orientações por parte do Conselho Tutelar (por diversas
vezes), porém, em nenhum momento foi identificado interesse por parte da mãe
em modificar a situação visando a segurança e bem-estar de Amanda. Desta
forma, solicitamos que sejam tomadas as providências necessárias para que
Amanda tenham garantidos seus direitos a uma infância num ambiente saudável,
livre de violências e livre de influências que possam colocar em risco seu bem-
estar físico, psíquico e social. A equipe do CREAS/Sentinela coloca-se a disposição
para quaisquer esclarecimentos que se façam necessária.”

Ainda segundo a avaliação psicológica elaborada pela


equipe do juízo: “Jane é imatura e despreparada para lidar com as demandas
e responsabilidades da criação dos filhos. Acredita que Amanda tenha má índole
herdada do pai e por isso não dedicava-se à filha e empenhava-se em amá-la e
educá-la. Amanda apresenta traços de psicose infantil, tais como: reações
antisociais (contrário a idéias, costumes e interesses da sociedade, transgressor
das regras e moral social), persecutoriedade (ideação de perseguição), dificuldade
afetiva, superficialidade, dramatização dos seus conflitos, impulsividade e
agressividade (Ajuriaguerra/1991). Sua inteligência está preservada e não há

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presença de delírios e alucinações...” (Fls. 89/90).

E concluiu que “Amanda deve permanecer sob os cuidados e


responsabilidade da tia materna, que tem demonstrado preocupação e empenho na
sua criação e educação. A genitora mostrou-se omissa e ausente, bem como não
demonstrou interesse em reassumir efetivamente a guarda da filha. Assim agiu
também com a filha Loiane, quando a deixou em tenra idade com família substituta
(guarda de fato). Hoje está com cinco anos. Sugerimos, S.M.J. o deferimento da
guarda de Amanda à tia materna Rosilene e a aplicação da medida de orientação,

apoio e acompanhamento temporário” (fls. 90).

Depois de todo o ocorrido ao longo desses anos, e em que


pese ter sido reiteradamente advertida, a genitora, em lugar de se
conscientizar da necessidade de dar maior atenção à filha, agravou
ainda mais a situação de omissão, sem demonstrar qualquer
interesse em alterar essa realidade.

Diante desse contexto, não há dúvida de que a apelante


descumpriu sua responsabilidade na criação, educação e assistência
à filha, situação que justificaria até pedido de destituição de poder
familiar, e que é suficiente para responder, por sua conduta, a qual
viola o art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo
despicienda a produção de prova em audiência.

Não é outro o entendimento desta C. Câmara Especial:

“APELAÇÃO Infração administrativa Evasão


escolar Descumprimento dos deveres decorrentes do
poder familiar e de determinações do Conselho Tutelar
Prova suficiente a demonstrar o descaso e omissão
dos genitores no cumprimento de seus deveres -
Justificativas não comprovadas - Aplicação dos
artigos 22 e 55 do ECA Não provimento do recurso”
(Ap. nº 172.031-0/2-00, rel. DES. MARIA

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OLÍVIA ALVES, j. 23.03.09).

Por fim, a multa foi bem aplicada, ante a ausência técnica


de reincidência e diante da situação econômica da apelante, não
havendo que se falar em prestação de serviços à comunidade, uma
vez que não prevista na hipótese legal.

Resultado do Julgamento: Nega-se provimento ao


recurso.
LUIS GANZERLA
Desembargador Relator
Presidente da Seção de Direito Público
(Assinatura eletrônica)

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