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O Sistema Fiscal e a Constituição Fiscal

Angolana*
Tito Cambanje**

A crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia. Na crise nasce a inven-


ção, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem atribui à crise os seus
fracassos e penúrias viola o seu próprio talento e respeita mais os problemas do
que as soluções. A verdadeira crise é a crise da incompetência. Sem crise não há
desafios, sem desafios a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há
mérito. A única crise ameaçadora é a tragédia de não querer lutar.
ALBERT EINSTEIN

1. Os sistemas fiscais clássicos


Um dos problemas com que se confrontam os estudiosos das questões
tributárias é o da classificação dos sistemas fiscais.
Esta classificação pode efetuar-se com base em metodologias dis-
tintas, embora não necessariamente contraditórias1. A primeira tem em

*  Estetexto vincula somente o autor.


**  Tito Cambanje é Mestre em Direito Fiscal, pela Universidade Católica de Lis-
boa. É pós-graduado em Direito bancário, da bolsa e dos seguros, pela Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra. É pós-graduado em Direito da Contratação Pública,
pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. É pós-graduado em Direito das
sociedades comerciais abertas e do mercado financeiro, pela Faculdade de Direito da
Universidade Católica de Lisboa. É pós-graduado em Tributação das reestruturações
societárias pelo IDEFF (FDL). É sócio-fundador da firma de Advogados: Tito Cambanje
& Araújo – Associados. É docente de Direito Fiscal na Universidade Lusíada de Angola.
1  Sobre o tema, veja-se, entre outros, Beltrame, P., Os Sistemas Fiscais, Coimbra,

1976, pp. 13 e segs.; Franco A., Direito Financeiro…, ob. cit., pp. 332 e segs., Duverger,
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conta essencialmente questões relativas à estrutura interna de um sistema


fiscal (critério intrafiscal). Segundo esta metodologia, podem erigir-se
critérios de diferenciação com base na forma concreta como se articulam
os impostos, considerando a natureza dos dominantes, a partir das dis-
tinções criadas pelas tipologias de impostos, de acordo com os diversos
critérios jurídico-económicos que lhes estão subjacentes. Teremos, assim,
sistemas fiscais com predominância de impostos diretos ou indiretos, da
fiscalidade interna ou externa, dos impostos sobre o rendimento, sobre
o património ou sobre o consumo, etc., sendo possível, a partir destes
critérios, estabelecer indicadores de natureza quantitativa, correntemente
designados, na linguagem económica, por estrutura fiscal ou estrutura
da tributação.
Uma segunda metodologia assentaria já não no recurso a critérios
internos ao sistema, mas a critérios de relação deste com o meio ambiente.
A partir daqui tem sido usual distinguir-se os sistemas fiscais com base
em critérios sociopolíticos e em critérios socioeconómicos. Deixando de
parte os primeiros, insuficientemente trabalhados, detenhamo-nos um
pouco sobre os segundos. Aqui surgem diferentes critérios de classifi-
cação. Um – de índole quantitativa – que apelaria para a relação entre a
expressão monetária da fiscalidade (do sistema fiscal) e certas variáveis da
contabilidade nacional (produto interno bruto) ou de natureza orçamental
(total das receitas públicas) calculando-se, deste modo, respetivamente,
o nível de fiscalidade (ou coeficiente fiscal) ou o peso financeiro do
sistema fiscal. Outro, de índole mais qualitativa, que procura relacionar
o sistema fiscal ora com as estruturas socioeconómicas ora com o grau
de desenvolvimento das sociedades.
O elemento central caraterizador da noção de estrutura socioeconó-
mica é, regra geral e no seguimento de Eucken2, o tipo de coordenação
da ação dos sujeitos económicos distinguindo-se, então, enquanto tipos
ideais, entre «economias de mercado» e «economias de direção central»
ou de plano coletivista. Mas dado o facto de não existirem economias de
mercado ou direção central em estado «puro», outros elementos estrutu-
rais costumam ser tomados em consideração, nomeadamente o regime de
propriedade de meios de produção, o tipo de entidades responsáveis pelas

M., Élements…, ob. cit., pp. 120 e segs.; Corte-Real, C., Curso de Direito Fiscal, Lisboa,
1982, pp. 324 e segs.; Mehl e Beltrame, ob. cit., pp. 425 e segs.
2  Eucken, W., Cuestiones Fundamentales de la Economia Política, Madrid, 1947,

pp. 116 e segs. Do ponto de vista da doutrina socialista.


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decisões dos investimentos, pela orientação do consumo, pela fixação


do nível dos salários e afetação dos recursos laborais. Em concreto, a
principal distinção proporcionada por este critério na sua relação com a
fiscalidade era o de contrapor os sistemas fiscais dos países capitalistas
aos dos países socialistas. Sem que se possa estabelecer um determinismo
rígido entre desenvolvimento económico e social e sistemas fiscais, a
verdade é que se tem demonstrado existir uma forte dependência destes
em relação àquele fenómeno, o que não exclui, contudo, o importante
papel que o sistema fiscal pode exercer como fator de desenvolvimento
não só económico, como também sociopolítico.
Assim, Musgrave3 verifica que com o desenvolvimento económico
se modificam a natureza das bases de tributação e os próprios objetivos
económicos da política fiscal e critérios pelos quais uma estrutura fiscal
deve ser considerada como boa. A partir daqui, distingue dois sistemas
períodos no processo de desenvolvimento, que designa de early period
e later period. No primeiro, caraterizado pela predominância da agricul-
tura, pela existência de pequenos e poucos estabelecimentos fabris e pela
estrutura fluida e atomística dos mercados retalhistas, o sistema fiscal
carateriza-se, grosso modo, pela tributação do período agrícola, com base
em presunções, por uma limitada tributação dos consumos e da produ-
ção, por uma tributação cedular sobre o rendimento, pouco generalizada,
imperfeita, e de parca progressividade e por uma tributação sobre os bens
importados e exportados. No segundo período, com o desenvolvimento
da organização económica, da produção, com o alargamento do comércio
interno e o crescimento dos estabelecimentos mercantis, com o declí-
nio do setor rural em relação ao industrial, a melhoria da organização
empresarial e contabilística, o incremento da monitorização da economia
e das relações mercantis, torna-se possível o alargamento da tributação
indireta interna, uma administração de um imposto personalizado sobre
o rendimento das pessoas físicas com caraterísticas de globalização, uma
tributação efetiva dos rendimentos empresariais e um alargamento das
bases de tributação. Mas tudo isto vai gerar uma enorme complexidade
das formas legais e institucionais, uma sobrecarga administrativa.
Por seu lado, Hinrichs, ao analisar a dinâmica das estruturas fiscais
no processo de desenvolvimento, distingue a sociedade tradicional, a
sociedade de transição e a sociedade moderna.

3  Fiscal Systems, cit., pp. 125 e segs. Cfr. também Saiz, Richard Musgrave.
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A sociedade tradicional é uma sociedade agrícola, analfabeta, com


pequeno desenvolvimento do comércio e da urbanização. Aqui, o sistema
fiscal carateriza-se pelo seu relativamente pouco peso nas receitas que
são fundamentalmente de fonte extratributária e pela importância dos
impostos diretos tradicionais, mormente em relação com os impostos
indiretos, onde sobressaem os impostos de consumo.
Na sociedade de transição, Hinrichs distingue duas fases, a de rutura
com a sociedade tradicional e a da adoção da modernidade.
Na primeira fase, reduz-se a importância dos impostos diretos tradi-
cionais vinculados à produção agrícola e à terra, devido ao crescimento
do comércio e à monitorização da economia. O lugar central é ocupado
por impostos indiretos externos e complementados por impostos indi-
retos internos.
Na fase de adoção da modernidade – a que corresponde a centraliza-
ção política, ou seja, a consolidação do Estado-Nação, e a interrupção
do processo de industrialização – predominam, em regra, os impostos
indiretos internos, desenvolve-se a tributação do rendimento das pessoas
físicas e das sociedades, estabiliza-se (ou decresce em termos relativos)
a importância dos impostos sobre o comércio externo. Cresce, signifi-
cativamente nesta fase, o nível de fiscalidade.
Na sociedade moderna, para além de continuar a crescer o nível
de fiscalidade, tende a predominar na estrutura dos sistemas fiscais a
moderna tributação direta, complementada pela tributação indireta interna.
Acrescente-se que Hinrichs dá grande relevo, sobretudo nas sociedades
modernas, ao peso de fenómenos culturais e políticos como elementos
de condicionamento das estruturas dos sistemas fiscais.
Esta correlação entre desenvolvimento económico e existência de
sistemas fiscais de estrutura relativamente homóloga fora igualmente
afirmada, numa ótica sincrónica, por Brocher e Tabatoni, que chegaram
à conclusão que os países com um estado de desenvolvimento seme-
lhante tendem a apresentar sistemas fiscais do mesmo tipo. Estes autores
começam por distinguir entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos4.
Distinguindo no campo dos primeiros os países altamente industrializados,
com altos rendimentos per capita, para em seguida analisarem que tipo
de sistemas fiscais corresponde a cada grupo de países. Assim, aos países
subdesenvolvidos correspondem sistemas fiscais caraterizados, em linhas
gerais, pela reduzida importância da tributação sobre o rendimento no

4  Brochier e Tabatoni, Economie Financière, Paris, 1959, pp. 79 e segs.


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total das receitas fiscais, pelo peso dos impostos indiretos, havendo, no
entanto, a distinguir aqueles países em que as relações com o exterior têm
um forte peso (países exportadores de matérias-primas ou de produtos
básicos) e aqueles em que tal não acontece.
Os primeiros tendem a privilegiar os impostos sobre o comércio
externo (em especial, os direitos de exportação), enquanto os segundos
optam pela tributação do consumo interno, em regra, sob a forma de
impostos específicos.
Muitos autores procuram, a partir desta «dupla influência» dos qua-
dros socioeconómicos e do desenvolvimento5, efetuar uma tipologia dos
sistemas fiscais existentes com base no cruzamento destes dois critérios.
Esta tipologia, porventura redutora em relação à riqueza de análise de cada
um dos critérios tomados isoladamente, possui, no entanto, uma razoável
aderência à realidade empírica, razão pela qual tem sido também usada
noutros quadrantes disciplinares, nomeadamente, na ciência política.

2. Os sistemas fiscais contemporâneos


Atualmente, a tipologia dos sistemas fiscais pode fazer-se de acordo
com vários critérios, dentre os quais avultam os critérios sociopolíticos
e os critérios socioeconómicos, com grande predominância dos critérios
socioeconómicos, deles resultando, tendo em conta fatores como o nível
de fiscalidade, a estrutura fiscal e a complexidade técnica do sistema,
uma classificação que distingue basicamente entre:
1.º Sistemas fiscais dos países industrializados.
2.º Sistemas fiscais dos países em desenvolvimento6.

Em consequência, teremos um critério diferenciador assente unica-


mente no grau de desenvolvimento, o que põe em relevo a relação que
existe entre fiscalidade e desenvolvimento económico7.
Nos sistemas fiscais dos países industrializados, o nível de fiscalidade,
medido pela relação entre receitas fiscais e produto interno bruto, é alto,

5  Beltrame, P., ob. cit., p. 23.


6  Veja-se em Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, p.  64, Almedina,
2013, 4.ª Edição. Na mesma senda: Beltrame, Pierre, Les systèmes fiscaux, Col. Que sais-
-je?, n.º 1599, Paris, Presses Universitaires de France, 1975, pp. 7 e segs., e Musgrave,
Richard, Fiscal Systems, London, Yale University Press, 1969.
7  Obra citada. Neste ponto em concreto, o autor segue literalmente o pensamento

de Hinrichs, que distingue a este propósito cinco fases:


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embora variável de país para país, tendendo a ser função do grau de


intervenção do Estado na economia. Neste tipo de sistema, o ordenamento
jurídico-tributário é constituído por vários impostos cujo peso total se
encontra relativamente repartido entre eles. A importância que assume
nessa estrutura o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares
explica-se pelo facto de o nível de industrialização e o fenómeno do
urbanismo permitirem a existência de um elevado volume de população
ativa que trabalha por conta de outrem e que cria importantes fluxos de
aplicações de capitais. Finalmente, do ponto de vista técnico e de orga-
nização, tratam-se de sistemas fiscais que apresentam um certo grau de
sofisticação de modo a corresponderem adequadamente às exigências
económicas e sociais dos respetivos países em termos de tributação8.
Nos sistemas fiscais dos países em vias de desenvolvimento, o nível
de fiscalidade é baixo e a estrutura fiscal assenta em grande média
nos impostos indiretos e, sobretudo, nos impostos relacionados com o
comércio externo, em especial, a exportação. Este desequilíbrio pode
de algum modo ser explicado pelo diminuto rendimento per capita, que
impede qualquer significativa tributação do rendimento, que encontra
igualmente dificuldades derivadas da escassa ou insuficiente monitori-
zação da economia.
A organização administrativa que suporta o sistema fiscal é, pelo seu
lado, incipiente e a legislação fiscal, muitas vezes herdada dos tempos
coloniais, mostra-se não raro inadequada9.

3. O sistema fiscal angolano


É, em bom rigor, nesse tipo de sistema que podemos enquadrar o sis-
tema fiscal angolano, pois ainda temos uma administração fiscal, o nosso

– A fase da sociedade tradicional, caraterizada pelas receitas não fiscais (monopólios


estáveis) e por certos impostos diretos tradicionais, incidindo designadamente sobre a
propriedade fundiária;
– Uma segunda fase em que aumenta o peso dos impostos indiretos, em especial os
direitos aduaneiros;
– Uma terceira fase em que se reduz a tributação direta e tradicional;
– Uma quarta fase em que o crescimento da procura interna provoca um desenvol-
vimento dos impostos sobre as transações;
– Uma quinta e última fase, em que, culminando a evolução da estrutura fiscal,
haveria uma predominância dos impostos sobre o rendimento.
8  Obra citada.
9  Obra citada.
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PIB provindo largamente dos impostos cobrados na indústria petrolífera,


não há diversificação da economia para potenciar outras áreas – como a
indústria, a agricultura e os serviços –, temos uma administração fiscal
carente de recursos humanos e tecnológicos para, em tempo oportuno,
desempenhar o seu papel. Na nossa memória coletiva, ainda está muito
bem patente o tempo em que na administração tributária havia um com-
putador para cinco técnicos e a sua grande maioria não tinha licenciatura.
Somos de aplaudir a brilhante ideia de o Executivo angolano optar
pela fusão que se estabeleceu entre a Direção Nacional dos Impostos e
o Serviço Nacional das Alfândegas, dando lugar à Administração Geral
Tributária (AGT); esta fusão das entidades, se muito bem implemen-
tada, vai dar lugar a mais rigor, entrosamento, coerência e eficiência da
máquina fiscal.

4. A constituição fiscal angolana


Como sabemos, o conceito de sistema fiscal é tradicionalmente usado
para designar o conjunto de impostos existentes num certo espaço,
reportando-se, sobretudo, ao domínio normativo, ou seja, à legislação
fiscal existente. É a noção clássica de sistema fiscal, sentido que parece
estar presente no artigo 101.º da Constituição, quando se estabelece que
«O sistema fiscal visa satisfazer as necessidades financeiras do Estado e
outras entidades públicas, assegurar a realização da política económica
e social do Estado e proceder a uma justa repartição dos rendimentos
e da riqueza nacional», muito inspirado no art. 103.º da Constituição
da República Portuguesa.
Ao definir, de uma forma integrada, os objetivos do sistema fiscal, a
Constituição Fiscal reconhece claramente a necessidade de os impostos
se articularem entre si de modo ordenado, de que resulte um conjunto
global coerente, em face dos objetivos visados e em interação com estes.
O Direito Fiscal tem uma relação de subordinação com o Direito
Constitucional; no Direito Fiscal, adquirem particular importância as
normas que dizem respeito à repartição de competências e às formas de
produção normativa no âmbito dos impostos (quem pode criar impos-
tos, quem pode lançar taxas, de que forma se devem revestir os atos
de criação de cada tributo)10, mas também um conjunto de normas que

10  Veja-se em Saldanha Sanches e João Gama, in Manual de Direito Fiscal Angolano,

p. 54, Coimbra Editora, 2010.


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dizem respeito ao conteúdo do sistema fiscal (quais são as preferências


constitucionais em relação aos tipos de imposto que devem existir e que
configuração ou sentido deve a lei imprimir-lhes) e ainda um conjunto
de princípios mais genéricos que têm, igualmente no campo fiscal, um
terreno de aplicação (igualdade, segurança jurídica, proporcionalidade,
tutela jurídica…)11. De um posto de vista material, encontramos ainda
na Constituição um conjunto de normas orientadoras quanto a matérias
específicas e que podem ser tópicos argumentativos importantes na
construção da tributação dessas realidades (família, cultura…)12.
A principal exigência constitucional é, tradicionalmente, o requisito
de que as leis ordinárias sobre os aspetos essenciais das questões fiscais
sejam criadas pelo Parlamento ou pelo poder executivo, com expressa
habilitação do Parlamento, enquanto representante dos contribuintes,
tal como está plasmado no art. 165.º, al. o), da Constituição (princípio
da autotributação, «no taxation without representation»). Dito por outro
modo, a criação de impostos e sistema fiscal constitui matéria da com-
petência relativa da Assembleia Nacional, tal como está plasmado nos
arts. 102.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea o), da Constituição, ora, mediante
uma autorização legislativa, o poder executivo pode legislar em sede de
impostos.
Ao lado dos impostos, temos as taxas e as contribuições especiais.
O enquadramento constitucional das taxas e contribuições especiais
reveste-se de alguma complexidade13 e incoerência do legislador. Segundo
o artigo 165.º, n.º 1, alínea o), constitui matéria da reserva relativa do
parlamento «o regime geral das taxas e demais contribuições financeiras
a favor das entidades públicas». Já o artigo 103.º, n.º  1, prevê que «a
criação, modificação e extinção de contribuições especiais devidas pela
prestação de serviços, utilização do domínio público e demais casos
previstos na lei devem constar de reguladora do seu regime jurídico», e,
nos termos do n.º 2, as «contribuições para a segurança social, as contra-
prestações devidas por atividades ou serviços prestados por entidades ou
organismos públicos, segundo as normas de direito privado, bem como
outras previstas na lei, regem-se por legislação específica»14. Quanto ao

11  Obra citada.


12  Obra citada.
13  Obra citada.
14  Obra citada.
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regime geral das taxas e demais contribuições financeiras é da compe-


tência legislativa reservada ao Parlamento [artigo 165.º, n.º 1, alínea o)].
Muito mais complexo se revela o tema do âmbito do poder regulamentar
do Presidente da República [artigo 120.º, alínea l)] no domínio das taxas
e, sobretudo, das contribuições. Para os Professores Saldanha Sanches
e João Gama, este problema deverá ser resolvido pela jurisprudência15.
As taxas poderão ser criadas por regulamento (Presidencial); já quanto
às contribuições, vale a regra da sua sujeição ao princípio da legalidade.
No que diz respeito às multas e outras sanções pecuniárias, nos termos
do art. 165.º, n.º  1, alínea t), da Constituição, compete à Assembleia
Nacional legislar sobre o regime geral dos atos ilícitos de mera ordenação
social, bem como sobre o respetivo regime processual, pois têm objetivos
dissuasórios e não de obtenção de receitas16.
A política fiscal como o conjunto de decisões relativas à instituição,
organização e aplicação dos impostos em conformidade com os objeti-
vos fixados pelos poderes públicos, desde a satisfação das necessidades
coletivas à modelação de comportamentos económicos ou sociais17,
deve ser acompanhada com reforma abrangente do Estado, investimento
nos recursos humanos e aquisição de meios tecnológicos para cumprir
escrupulosamente com os seus desígnios.
A constituição angolana não é muito interventiva do ponto de vista
fiscal, o que se compreende desde logo, por duas razões fundamentais: o
país viveu durante muitos anos com uma administração fiscal incipiente e
havia o entendimento erróneo de que o país não precisava dos impostos,
pois tem petróleo, que é bem mais fácil de administrar e não tem, em bom
rigor, como conditio sine qua non a satisfação de necessidades coletivas.
Um dos principais desafios de um Estado em desenvolvimento como
o angolano, consiste em criar um sistema fiscal consentâneo com a estru-
tura de uma economia sólida, dotada de capacidade para gerar emprego,
riqueza e crescimento sustentado18.
Se queremos ter um Estado Fiscal, e falar de Estado Fiscal é falar de
impostos – a generalidade dos Estados modernos carateriza-se como um
Estado Fiscal; por Estado Fiscal devemos entender aquele onde há uma
15  Veja-se em Saldanha Sanches e João Gama, in Manual de Direito Fiscal Angolano,

p. 16, Coimbra Editora, 2010.


16  Obra citada.
17  Veja-se em Casalta Nabais, in Estudos de Direito Fiscal, p. 42, Almedina, 2012.
18  Veja-se em Jónatas Machado, Paulo Nogueira Costa e Osvaldo Macaia, in Direito

Fiscal Angolano, p. 55, Coimbra Editora, 2014.


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separação fundamental entre o Estado e a Economia e a consequente


sustentação financeira daquele, através da sua participação nas receitas
da economia produtiva pela via do imposto19 –, devemos conjugar a
reforma Fiscal com a reforma do Direito e da Justiça.

Bibliografia
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PEREIRA, Manuel Henrique de Freitas – Fiscalidade, Almedina, Coimbra, 2013,
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SANCHES, J. L. Saldanha, e GAMA, João Taborda – Manual de Direito Fiscal Angolano,
Coimbra Editora, Coimbra, 2010.

19  Obra citada.

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