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AULA 4

TERAPIAS E TÉCNICAS
DE 3ª ONDA

Profª Carolina Mayumi Formighieri Ikeda


INTRODUÇÃO

Nesta aula, continuaremos a nos aprofundar nas terapias de 3ª onda,


explorando a Terapia do Esquema Emocional (TEE). Vamos explorar conceitos
gerais básicos e sua aplicação na prática.
Também iremos introduzir conceitos da Terapia Metacognitiva (TM),
Terapia Cognitiva Processual (TCP) e Psicoterapia Analítico Funcional (FAP),
para encorajar a busca por mais conhecimento para os alunos que tenham
interesse.

TEMA 1 – TERAPIA DO ESQUEMA EMOCIONAL: CONCEITOS BÁSICOS

Muitas das terapias de 3ª onda que vimos até agora enfatizam a


importância de fortalecer uma visão distanciada dos processos internos do
indivíduo. Essa visão permite que ele observe suas cognições e sensações e
possa se relacionar com esses conteúdos de modo diferenciado, não somente
buscando sua mudança.
A Terapia do Esquema Emocional (TEE) não é diferente disso,
considerando que sua premissa principal envolve apresentar um modelo
relacionado à maneira como pensamos sobre emoções, avaliamos e lidamos com
elas. Essa maneira acaba influenciando na regulação emocional do indivíduo e
aumenta seu sofrimento, dependendo de cada caso.
Robert Leahy, psicólogo americano, desenvolveu essa abordagem ao
perceber que a TCC tradicional – principalmente o modelo beckiano – acabava
por não colocar a emoção como um aspecto central a ser trabalhado. Ele foi
percebendo que muitos casos que não tinham o andamento esperado precisavam
de mais atenção ao componente emocional, assim como as estratégias
disfuncionais utilizadas para lidar com as emoções, baseadas nas crenças
específicas de cada pessoa.
Leahy compartilha a visão trazida pela Terapia de Aceitação e
Compromisso (ACT), na qual enfatiza que uma vida significativa envolve
conseguirmos sentir tudo, não somente emoções positivas. A resposta às
emoções vai determinar se usamos essas sensações de maneira efetiva,
entendendo sua função, ou se buscamos, automaticamente, escapar dessas
emoções que fazem parte do estar vivo.

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Leahy também foi influenciado pela Terapia Metacognitva, a qual veremos
um pouco melhor adiante. Tanto a TEE como a Metacognitiva acabam tendo como
principal objeto de estudo a maneira como pensamos sobre os processos
internos. A diferença está em qual processo. Enquanto a TEE foca nas emoções,
a Metacognitiva foca nas cognições.
Como o foco principal dessa abordagem está nas emoções, vamos explorar
como a TEE entende essa questão.

1.1 Complexidade das emoções

Para a TEE, a emoção é multifacetada, ou seja, envolve diversos


elementos em sua construção. Além da excitação fisiológica associada a cada
uma das emoções, ainda temos avaliações cognitivas específicas, tendências
comportamentais e estratégias interpessoais para lidar com essas ativações.
Por exemplo, se pensarmos no ciúme, podemos entender como cada uma
dessas etapas influencia em seu início e manutenção. Uma pessoa ao sentir
ciúme da namorada pode ter sensações corporais específicas a essa ativação,
como taquicardia e sensação de calor pelo corpo. Também vai ter pensamentos
e interpretações tendenciosas influenciadas por essa emoção, como “ela deve
estar interessada em outro” ou “ela não quer mais saber de mim e vai terminar”.
Em função dessas sensações e pensamentos, ele pode ter comportamentos como
discutir com a namorada para entender qual tipo de relacionamento ela tem com
o outro envolvido na situação. Ou, ainda, pode querer ignorar a namorada por um
tempo para “dar um gelo” e começar a conversar com outras pessoas para se
sentir desejado.
Assim, podemos perceber o quanto ativações emocionais são complexas.
A Terapia do Esquema Emocional traz a ideia de que cada elemento dessa
ativação pode ser alvo de intervenção, cabendo ao terapeuta entender na
conceitualização do caso quais estratégias podem ser mais efetivas para isso.
Ainda pelo exemplo anterior, podemos pensar que ciúme não foi a única
emoção que a pessoa sentiu. Ele pode ter sentido raiva ou tristeza também, afinal,
emoções estão ligadas umas às outras. Elas podem também ser secundárias, ou
seja, pode-se estar triste e com ciúme simultaneamente, mas deixar transparecer
somente raiva.
Geralmente, o indivíduo tende a apresentar emoções que ele julga como
mais “corretas” ou adequadas. Talvez a pessoa do nosso exemplo pense que

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raiva é uma emoção mais aceitável de ser mostrada, ao contrário do ciúme, o qual
pode envolver esquemas emocionais relacionados a culpa e vergonha de sentir-
se dessa maneira, como se sentir ciúme fosse algo inaceitável.
Nesse momento, já podemos perceber como as crenças sobre a emoção,
ou seja, como vemos e interpretamos nossos estados emocionais, influenciam na
maneira como lidamos com essa emoção e quais estratégias implementamos
para isso. Essa é a premissa básica da Terapia do Esquema Emocional.

1.2 Temas centrais da Terapia do Esquema Emocional

Leahy (2016, p. 22) apresenta sete questões relacionadas às emoções, que


resumem bem sua visão teórica sobre esses processos:

• Emoções penosas e difíceis são universais.


• Essas emoções foram desenvolvidas para nos alertar do perigo e falar
sobre nossas necessidades.
• Crenças subjacentes e estratégias sobre emoções determinam o impacto
de uma emoção na escalada ou manutenção desta e de outras emoções.
• Esquemas problemáticos incluem a catastrofização de uma emoção,
pensar que os próprios sentimentos não fazem sentido e ver uma emoção
como permanente e fora do controle, vergonhosa e única.
• Estratégias de controle emocional como tentativas de suprimir, ignorar,
neutralizar ou eliminar emoções por meio de diversas estratégias ajudam a
confirmar crenças negativas das emoções como experiências intoleráveis.
• Expressão e validação são úteis desde que normalizem, universalizem,
melhorem a compreensão, diferenciem várias emoções, reduzam a culpa
e vergonha e ajudem a aumentar crenças de tolerabilidade.
• Aprender a reconhecer emoções penosas e desenvolver tolerância à
frustração pode ser compreendida, para a TEE, como parte de um modelo
de empoderamento pessoal.

Como as diversas abordagens de 3ª onda, a TEE também fala sobre a


importância de aprendermos a criar uma relação diferente com nossos estados
internos. Olhando mais para as emoções, parte-se do princípio de que não
podemos viver uma vida realmente significativa se não estivermos abertos a entrar
em contato com as mais diversas emoções. Apesar de algumas realmente serem

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desconfortáveis, todas elas têm uma função e passam uma mensagem, podendo
ser consideradas uma fonte de informação.
Pensando novamente no ciúme, apesar de sua má fama, essa emoção
também possui uma função: percebermos que nosso relacionamento está
ameaçado. Se paramos para refletir sobre a função evolutiva dos estados
emocionais, vimos anteriormente que todas as emoções estão relacionadas à
busca por adaptação. Em épocas anteriores, os seres humanos precisavam caçar
para obter seu alimento e, para sobrevivência, era importante saber preservar
esses recursos. Para o homem, era mais interessante buscar a sobrevivência de
seus herdeiros, que reproduziriam seus genes.
Como sabemos, a mulher é a única que pode ter certeza de quem é o pai
de seus herdeiros, o que deixava o homem primitivo em uma posição desfavorável
na proteção do seu investimento genético. Sendo assim, terceiros eram vistos
como ameaçadores. Esse modelo evolucionário é chamado de teoria do
investimento parental, tendo sido proposto por Trivers (1972).
Assim como o ciúme, todas as outras emoções também possuem funções
evolutivas e buscam alertar sobre a importância de atendermos nossas
necessidades básicas e emocionais. Além de funções evolutivas que explicam o
porquê de termos a capacidade de sentir emoções, outras questões também
colaboram para a elaboração de crenças sobre as emoções, como construções
sociais e o aprendizado emocional na história de vida de cada um. Tais
explicações auxiliam na validação das emoções dos clientes e oferece uma
ressignificação das crenças sobre tais emoções.
Como explicado no exemplo anterior, crenças sobre o ciúme podem levar
a estratégias disfuncionais para lidar com sua ativação. Se possuímos crenças
que invalidam essas ativações, podemos começar um questionamento interno e
nos sentirmos inadequados, o que leva a entender essas emoções como
indesejadas e, por consequência, a busca por supressão. Vimos, no decorrer das
nossas aulas, que evitar estados internos leva ao aumento destes e, para a TEE,
mantém o medo e a intolerância a experiências emocionais.
E quando pensamos em vivermos a melhor vida que podemos viver, de
acordo com objetivos e valores pessoais, não podemos ignorar a importância de
aprender a lidar com as emoções negativas. Entender e acolher esses estados
ajuda no aumento de estratégias adaptativas para lidarmos com isso, muitas já
conhecidas da TCC tradicional, como reestruturação cognitiva, busca de

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resolução de problemas, ativação comportamental, mindfulness, autocompaixão,
entre outras.

TEMA 2 – TERAPIA DO ESQUEMA EMOCIONAL: ASPECTOS PRÁTICOS

O foco principal da TEE, principalmente no momento da avaliação, está no


entendimento do terapeuta sobre suas crenças particulares sobre suas emoções,
com ênfase nas emoções específicas que estão trazendo dificuldades para o
cliente. Essa avaliação envolve buscar saber melhor sobre a história de vida dessa
pessoa e como seus aprendizados emocionais iniciais influenciaram na
elaboração de suas crenças sobre as emoções, assim como tais crenças podem
estar contribuindo para a manutenção de estratégias disfuncionais. Muitas vezes,
os pacientes acabam chegando no consultório com queixas relacionadas a tais
estratégias, que, apesar do alívio imediato, acabam acarretando outras
consequências. Cabe ao profissional investigar com mais profundidade para
identificar as crenças específicas.
Quando falamos de emoção, precisamos sempre lembrar o quanto
expressões não verbais são importantes fontes de informação para que o clínico
possa entender melhor o funcionamento do seu cliente. Desde sua postura ao
falar de determinada emoção ou até a evitação de explorar certos tópicos com
mais profundidade podem estar relacionadas a crenças enraizadas que impedem
uma expressão para que possam ser trabalhadas em contexto terapêutico.
Para organizar e direcionar o terapeuta a explorar crenças relacionadas à
ativação emocional, Leahy explora 14 dimensões de esquemas emocionais por
meio de um questionário que veremos a seguir.

2.1 LESS II

A Escala de Esquemas Emocionais de Leahy II (LESS II) é um questionário


com 28 itens que medem as dimensões dos esquemas emocionais, ou seja,
critérios que contemplam como os pacientes se sentem e agem quando estão
para baixo (Leahy, 2016). Foi formulado para identificar crenças sobre emoções
em geral, mas o autor também propõe escalas específicas, como a LESS-Anxiety,
que é focada especificamente na ansiedade.
Vamos entender melhor sobre cada uma dessas dimensões, por meio de
exemplos de crenças que podem estar relacionadas a cada dimensão. Para a

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TEE, essa categorização é o ponto principal para que o terapeuta possa formular
sua conceitualização de caso e escolher intervenções focadas para
ressignificação das crenças, assim como em estratégias mais adaptativas para
lidar com suas emoções.

Quadro 1 – LESS II

DIMENSÕES EXPLICAÇÃO

Validação Como o cliente entende que suas emoções serão recebidas pelos
outros, se eles acolhem e entendem o que ele sente, assim como
respeitam seu direito de se sentir de determinada maneira.

Duração Como o cliente percebe a duração da emoção dentro de si. São comuns
crenças relacionadas às emoções serem infinitas, parecendo que
nunca vão passar.

Controle Quanto o cliente se sente no controle de suas ativações emocionais.


Crenças sobre a falta de controle sobre esses estados são comuns em
quadros de ansiedade.

Culpa/vergonha Ideia de o cliente se sentir inadequado sobre alguma emoção que


sente, envolvendo um julgamento sobre seus estados emocionais.

Visão simplista das Ideia de que temos que ter uma emoção de cada vez e que não
emoções podemos ter emoções contraditórias ao mesmo tempo.

Expressão Ter emoções que julga difíceis de expressar ou que se forem expressas
vão ser inadequadas. A ideia de expressão pode causar preocupação.

Compreensibilidade Necessidade de que todas as emoções sejam coerentes com o que eu


espero sentir em cada situação.

Valores Entender se emoções estão relacionadas a coisas que o cliente


valoriza.

Entorpecimento Momentos em que o cliente se sente indiferente às emoções, positivas


ou negativas.

Consenso (com os Entender suas emoções como similares às dos seus pares, que nada
outros) do que sente é fora do comum.

Racionalidade Ênfase na importância de ser racional e lógico, acreditando que


emoções podem atrapalhar seu comportamento.

Aceitação Dificuldade de aceitar certos estados emocionais.

Ruminação Foco excessivo em sentimentos e preocupação sobre certos estados


emocionais.

Culpa (direcionada Atribui responsabilidade de estar sentindo tal emoção com relação a
aos outros) terceiros.

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TEMA 3 – TERAPIA METACOGNITIVA

A Terapia Metacognitiva (TM) surgiu na década de 1990, formulada por


Adrian Wells, psicólogo que buscou ampliar conceitos do modelo tradicional da
TCC ao escolher olhar mais profundamente para as complexidades da cognição
e sua relação com a psicopatologia. Como o próprio nome já demonstra, ela é
baseada no conceito de metacognição, que envolve a ideia de que temos a
capacidade de monitorar e controlar nossas próprias cognições.
Ou seja, temos a capacidade de pensar sobre os nossos pensamentos,
assim como fazer avaliações e julgamentos sobre tais cognições. Nisso, a TM é
parecida com a Terapia do Esquema Emocional, inclusive influenciando os
estudos de Leahy. Então, o seu objetivo terapêutico principal engloba um treino
para lidar com essas cognições e crenças que possam ser disfuncionais sobre o
próprio processo mental.
Uma premissa básica da TM envolve entender os três níveis de cognição
propostos por Wells, o qual ele nomeou Função Cognitiva Autorregulatória (S-
REF). Como sabemos, possuímos diversos pensamentos que vêm e vão e que
podem ocorrer de maneira inconsciente, ou seja, não nos damos conta desses
conteúdos, os quais são chamados de pensamentos automáticos na TCC
tradicional. Este corresponde ao primeiro nível de cognição.
Já o segundo nível envolve o processo de atenção voluntária voltado ao
estímulo, ou seja, é o momento que vamos percebendo tais cognições, criando
uma consciência sobre elas. Geralmente, muitos pacientes precisam iniciar um
processo terapêutico para chegar nesse segundo nível e aprenderem a ter maior
consciência sobre o que passa por sua cabeça. Essa capacidade de percepção
de nossos pensamentos é o que chamamos de atividade metacognitiva.
O terceiro nível envolve as possíveis crenças e percepções sobre a
maneira de pensar. Por exemplo, um paciente pode ter uma crença sobre a
preocupação como algo necessário para sua sobrevivência. Então, quando estiver
tendo pensamentos relacionados a preocupação, seu julgamento sobre eles vai,
provavelmente, aumentar sua frequência e, possivelmente, intensificar um quadro
de ansiedade. Esse aumento do foco em tipos de pensamento que acabam por
perpetuar o sofrimento é denominado de Síndrome Cognitiva Atencional.

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Alguns exemplos de crenças metacognitivas são:

• “Se eu me preparar para o pior, não vou ser pego de surpresa”.


• “Se eu focar em descobrir o que o outro acha sobre mim, não vou ser
rejeitado”.
• “Se eu parar de pensar nisso, vou conseguir ter mais controle da situação”.
• “Se eu pensar bastante sobre isso, posso achar uma solução e ficar
aliviado”.
• “Pensar sobre certas coisas pode ser perigoso”.
• “Ter esse pensamento (que julgo inadequado) me faz ser uma pessoa
ruim”.

A intervenção terapêutica nessa abordagem, então, envolve a busca por


um modo cognitivo diferente de lidar com os pensamentos, principalmente por
meio de treinos de atenção e outras técnicas da TCC tradicional, como
reestruturação cognitiva, experimentos comportamentais para contestar as
crenças metacognitivas e uso da prevenção de recaída.
Assim como as diversas terapias de 3ª onda, a TM também utiliza conceitos
de mindfulness para treino da percepção sobre as cognições.

3.1 Detached Mindfulness

Para a Terapia Metacognitiva, o contraponto da Síndrome Cognitiva


Atencional é a prática de Detached Mindfulness (algo como mindfulness
distanciado). Se o paciente consegue perceber o pensamento negativo, ele pode
se distanciar de recorrer a preocupação, ruminação, supressão ou outras
estratégias para lidar com esse pensamento. Como estamos vendo ao longo das
aulas, o treino de mindfulness pode ser entendido como um treino atencional para
conseguirmos estar conectados com o momento presente, sem julgamento.
A TM utiliza esse conceito de uma maneira um pouco diferente. Em vez de
ter um foco no momento presente, o objetivo da prática envolve aumentar a
metaconsciência, ou seja, a consciência sobre a própria atividade cognitiva, o que
auxilia o cliente para que ele possa perceber a cognição acontecendo
internamente antes de emitir uma avaliação ou julgamento sobre ela. Com isso,
ele consegue se distanciar desse pensamento e olhar para ele com um nível de
atenção mais flexível, ou seja, não focar tanto na análise do pensamento com
base em crenças metacognitivas. Então, ele não precisa evitar ou alimentar essas

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cognições, o que possibilita que tenha comportamentos diferentes nas situações
gatilho.

TEMA 4 – TERAPIA COGNITIVA PROCESSUAL

A Terapia Cognitiva Processual (TCP) possui um diferencial que precisa


ser muito valorizado pela psicologia no Brasil: foi idealizada por Irismar Reis de
Oliveira, professor e psiquiatra brasileiro, na Universidade Federal da Bahia.
Sendo assim, é a única terapia de 3ª onda desenvolvida por brasileiros.
Essa abordagem tem como objetivo expandir a TCC tradicional,
principalmente em relação ao entendimento e intervenção nas crenças nucleares.
Ela também explora um modelo de conceitualização de caso diferente da TCC
tradicional e traz outros instrumentos e técnicas que podem acrescentar à prática
e buscam facilitá-la, tanto para o terapeuta, como para o paciente.
Como o próprio nome já sugere, a TCP usa a ideia de um processo judicial
como base para que o cliente possa colocar suas crenças negativas em
julgamento, principalmente crenças relacionadas a ele mesmo. O terapeuta e o
paciente olham para essas crenças com uma visão distanciada e alternam-se em
papéis como o de um promotor de acusação, um advogado de defesa, o corpo de
jurados, focando na crença escolhida para ser avaliada e julgada. O objetivo dessa
técnica acaba sendo a desativação de crenças nucleares negativas e busca por
crenças que podem ser mais funcionais.
A função de usar a analogia com um processo judicial para avaliação de
crenças acaba sendo um outra maneira do paciente poder conseguir se distanciar
dessas crenças e analisá-las por meio de outras perspectivas. Com essa nova
percepção, ele pode comprovar o quanto elas são realmente verdadeiras ou
efetivas e buscar ressignificar tais cognições.
Além dessa técnica principal chamada de Processo, outra contribuição da
TCP envolve o entendimento das distorções cognitivas.

4.1 Questionário de Distorções Cognitivas (CD-QUEST)

O questionário de Distorções Cognitivas (CD-Quest) é um instrumento


utilizado para a identificação e monitoramento de distorções cognitivas, o qual
pode auxiliar o terapeuta a entender melhor quais os tipos de pensamentos
específicos que podem contribuir para a manutenção das crenças nucleares e

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estados emocionais desconfortáveis. O questionário possui 15 itens, que dividem
as distorções em duas dimensões: frequência e intensidade.
Como ele propõe que o paciente marque suas distorções presentes na
semana anterior, é possível que o terapeuta possa comparar diferentes resultados
ao longo do processo terapêutico e consiga mensurar possíveis evoluções
relacionadas à presença de tais distorções.
Como já sabemos da TCC tradicional, a redução de distorções cognitivas
está diretamente ligada com crenças disfuncionais, pois estas acabam
modificando a interpretação do indivíduo em uma determinada situação para que
a crença nuclear continue fazendo sentido.
A seguir, vamos ver um exemplo de como avaliar a distorção cognitiva de
pensamento dicotômico (ou preto e branco) no questionário, segundo Oliveira
(2015, p. 25):

Durante a última semana, percebi que estava pensando da seguinte forma:

1. Pensamento dicotômico (também denominado pensamento do tipo tudo ou


nada, preto e branco ou polarizado): vejo a situação, pessoa ou
acontecimento apenas em termos de “uma coisa ou outra”, colocando-os
em apenas duas categorias extremas em vez de um contínuo. Exemplos:
“eu cometi um erro, logo, meu rendimento foi um fracasso”; “comi mais do
que pretendia, logo, estraguei minha dieta”.

Exemplo:

Quadro 2 – CD-QUEST

Frequência/Intensidade: Não (não Ocasional (1- Boa parte Quase todo


ocorreu) 2 vezes na do tempo o tempo (6-
semana) (3-5 dias 7 dias
durante a durante a
semana) semana)

Acreditei... 0

Um pouco (até 30%) 1 2 3

Médio (31-70%) 2 3 4

Muito (mais de 70%) 3 4 5

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4.2 Metáfora do barco a vela

Oliveira (2015) propôs o uso de uma metáfora envolvendo a ideia de


navegarmos em um barco a vela para a psicoeducação da metacognição.
Podemos partir do princípio que, ao navegarmos, diversos fatores influenciam na
navegação.
Nesta metáfora, o vento são os nossos pensamentos, as ondas são nossas
emoções e o leme equivale ao nosso comportamento. A ideia é que, assim como
no barco, não podemos controlar o vento ou as outras questões, mas
conseguimos ter controle sobre a vela e sobre o leme. A vela, aqui, seria
equivalente à capacidade metacognitiva.
Se pensarmos em um dia de sol, com águas calmas e propício para a
navegação, podemos deixar a vela içada, ou seja, não precisamos prestar
atenção nela, assim como não precisamos prestar atenção em nossos
pensamentos quando estamos bem. Mas, se o tempo vira e uma ventania se
aproxima, fazendo com que o mar fique mais agitado, é necessário deixarmos a
vela mais baixa, ou seja, acessar esses pensamentos, avaliar a situação e
escolher não seguir em um momento mais difícil.
O uso dessa metáfora, aliada a um exercício de relaxamento, proporciona
que o paciente possa perceber que consegue simplesmente passar pela ventania,
ou situações difíceis, de um ponto de vista mais distanciado e simplesmente
segurando o leme, não se engajando em comportamentos disfuncionais, até o
momento ruim passar.

Figura 1 – Metáfora do barco a vela

Crédito: Anna Om/Shutterstock.

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TEMA 5 – PSICOTERAPIA ANALÍTICO-FUNCIONAL (FAP)

A Psicoterapia Analítico-Funcional (FAP) é uma abordagem de 3ª onda,


formulada pelos psicólogos Robert Kohlenberg e Mavis Tsai, que pode ser
utilizada como princípio teórico principal para o andamento do processo
terapêutico ou em conjunto com outras abordagens, principalmente aquelas que
também tem base comportamental.
O principal objetivo da FAP envolve usar o próprio processo terapêutico
como um meio de fazer intervenções no aqui e agora. Dessa forma, ela parte do
princípio de que as questões que o cliente busca mudar ao se engajar em um
processo terapêutico podem aparecer durante a sessão, na própria relação com
o terapeuta e este pode intervir nesse comportamento, reforçando outros mais
funcionais.
Lembrando que, por ter base comportamental, a FAP entende que
comportamentos fazem sentido quando olhamos a história de aprendizado desse
indivíduo, assim como todo comportamento é uma resposta ao momento
presente. Para isso, essa abordagem usa da análise funcional para mapear os
comportamentos clinicamente relevantes (CRB1).
Esses comportamentos são aqueles que serão alvo de intervenção no
processo. A busca está em reduzir a frequência dos CRB1 e, com isso, aumentar
a frequência dos CRB2, ou seja, comportamentos clinicamente relevantes que são
mais funcionais e aproximam o cliente de seus objetivos.
A FAP também traz três elementos que considera fundamentais quando
falamos de psicoterapia e a busca por conexão: a consciência, a coragem e o
amor. Ao contrário de uma ideia geral do behaviorismo, considerado por algumas
pessoas como uma visão pouco pessoal e mais mecanicista dos comportamentos
humanos, a FAP explora esses fatores como aqueles que permitem que terapeuta
e paciente construam um vínculo terapêutico que proporcione que a terapia seja
realmente efetiva, ao mesmo tempo que mostre para o paciente a importância
desses três fatores para construir relações mais significativas e melhor qualidade
de vida.

5.1 Consciência, coragem e amor

A consciência, para a FAP, envolve a ideia de que podemos aumentar


nossa capacidade de entendermos a nós mesmos e aos outros, para podermos

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ser mais amorosos e corajosos, ou seja, esses três fatores estão
interrelacionados. Não podemos deixar de notar, mais uma vez, a presença do
treino de mindfulness para que a pessoa possa ter consciência de como está em
um determinado momento, assim como aumentar sua intenção para entender o
que quer para sua vida e se engajar em comportamentos que vão ser funcionais.
A ideia de coragem envolve a disposição para a vulnerabilidade. Ou seja,
quando temos coragem, conseguirmos estar abertos para nos expressarmos de
maneira apropriada e consciente, que possa ser efetiva em relações sociais,
buscando respeitar o outro e atender às nossas necessidades.
Já o conceito de amor, dentro desta abordagem, fala sobre agirmos da
maneira que seja boa para o outro e para nós mesmos. Quando conseguimos ser
amorosos, podemos construir relações que aumentam a sensação de conforto,
segurança, aceitação, compreensão e validação. Para a FAP, o cliente pode
treinar nas próprias sessões ser mais amoroso consigo e com os outros, o que
envolve o terapeuta também se engajar em uma postura amorosa, para o paciente
e para si mesmo, ou seja, também nos questionarmos como lidamos com nós
mesmos quando uma sessão é desconfortável ou sentimos que não fomos tão
bons como gostaríamos.

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REFERÊNCIAS

LEAHY, R. L. Terapia do Esquema Emocional: considerações gerais. In: _____.


Terapia do esquema emocional: manual para o terapeuta. Porto Alegre: Artmed,
2016.

_____. Avaliação inicial e entrevista. In: _____. Terapia do esquema emocional:


manual para o terapeuta. Porto Alegre: Artmed, 2016.

OLIVEIRA, I. R. Introducing the Cognitive Distortions Questionnaire. In: _____. Trial


Based Cognitive Therapy: A manual for clinicians. United Kingdom: Routledge,
2015.

TRIVERS, R. L. Parental Investment and sexual selection. In: CAMPBELL, B. et al.


Sexual Selection and the Descent of Man. United States: Aldine, 1972.

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