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Crise da representatividade
política no mundo e no Brasil
Mateus Godoi
CRISE DA REPRESENTATIVIDADE POLÍTICA NO MUNDO E NO BRASIL
Hoje, a crise da representação política tem sido caracterizada como um fenômeno mundial, colocando em
dúvida a legitimidade dos partidos políticos. Num contexto marcado pela emergência de novas formas alternativas
de participação política, além de mudanças estruturais nas economias capitalistas, o aumento do descrédito dos
cidadãos para com as instituições representativas se tornou uma realidade tanto em Estados periféricos como em
democracias recentes.
Segundo Mauro Luis Iasi, professor-adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, as manifestações que es-
touraram há poucos anos, na Turquia, no Brasil, na Grécia e na Espanha, têm como cenário comum uma crise nos
modelos de representação política das sociedades democráticas modernas – “É a crise de uma afirmação que foi
vendida como autoevidente de que não há outra forma de representação, a não ser eleger bancadas de deputados,
senadores e representantes do Poder Executivo. Como se a eleição fosse o único ato em que a população participa
do processo político“.
O ex-presidente do Uruguai, José Mujica, na 72ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Impren-
sa (SIP), realizada na Cidade do México, afirmou que existe uma brutal crise política no mundo provocada pela falta
de liderança e encorajou os jovens universitários a refletir sobre os problemas da sociedade.
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Segundo Mujica, “no mundo, há uma brutal crise política porque esta é uma civilização cada vez mais glo-
bal, mas não tem direção política. Está funcionando sob o impulso do mercado, e isso é trágico”.
A relação entre eleitores e partidos políticos constitui um dos aspectos centrais do ideal democrático. Porém,
desde as últimas décadas do século XX, vem se ampliando cada vez mais a compreensão de que a representação
política se encontra diante de uma grave crise, demonstrada pelo aumento no número de eleitores que não se iden-
tificam com os partidos, altas taxas de volatilidade eleitoral, além da queda nos índices de participação eleitoral e
a emergência de formas alternativas de ativismo político.
Nos EUA e na Europa ocidental (onde os partidos políticos exerceram forte influência na consolidação de-
mocrática no decorrer do século XX), existem várias teses que apontam para o declínio na relação entre os cidadãos
e os partidos políticos; essas teses foram amplamente disseminadas e debatidas por diversos especialistas.
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19,4
20 18,1
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10 5,8
4,5
5
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0
1989 1994 1998 2002 2006 2010 2014
Fonte: TSE
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também com uma vasta oferta de mecanismos, como o Como descreve Fareed Zakaria, a democracia “li-
uso de novas tecnologias, por intermédio da internet, beral“ não pressupõe apenas eleições livres e justas, mas
que possibilitam maiores condições de participação e também a proteção constitucional dos direitos dos cida-
redução dos custos da ação coletiva. dãos; democracia “iliberal“ ocorre quando eleições livres
Um terreno comum entre todas as manifesta- e justas associam-se à refutação sistemática de garantias
ções registradas desde 2009 é o uso intenso de mídias constitucionais. Observando o mundo no final dos anos
sociais – Facebook, YouTube, Twitter – como divulgado- 1990, Zakaria percebeu um fenômeno que se espalhava:
ras e catalisadoras dos protestos. “Regimes democraticamente eleitos, com fre-
-quência aqueles que foram reeleitos ou confirmados
Democracia iliberal no poder por meio de referendos, têm ignorado roti-
neiramente os limites constitucionais a seus poderes e
O conceito de democracia iliberal é relativamen- destituído seus cidadãos de garantias e direitos funda-
te novo e indica países que possuem democracias não mentais. Do Peru à Autoridade Palestina, de Serra Leoa
consolidadas ou ainda parcialmente consolidadas. Tra- à Eslováquia, vemos a emergência de um fenômeno
ta-se de um conceito complexo, pois um país pode ser preocupante na cena internacional – a democracia ili-
mais ou menos democrático conforme a solidez de suas beral.“ (ZAKARIA, 1997; SCHEDLER, 2002, 2006)
instituições de Estado e dos interesses político-ideológi- Como colocado por Zakaria, as democracias ili-
cos de seus governos. Grosso modo, indica uma forma berais aparecem a partir dos anos de 1990 e ressurgem
de democracia em que os líderes do Poder Executivo de períodos em períodos, desde então durante ou após
se aproveitam de brechas nas instituições democráticas crises político-econômicas profundas locais, regionais
para garantir seus interesses políticos imediatos. Por ou globais. Portanto, da Venezuela e Bolívia, com go-
vernos à esquerda, à Rússia, Hungria e Polônia, com
exemplo, o sufrágio universal (eleições livres e diretas)
governos à direita, diversas democracias iliberais gras-
ocorre nesses países, mas, ao mesmo tempo, os direitos
sam no mundo atual, em que a lógica da representação
dos cidadãos, sobretudo de minorias das mais diversas,
partidária é substituída pelo culto à figura personalista
são limitados ou mesmo retirados.
de líderes que negam a política tradicional, sem, na ver-
Alguns exemplos de decisões políticas iliberais
dade, confrontá-la de fato.
são: candidaturas seguidas do mesmo governante com
alteração de legislação via plebiscito; decisões que re-
duzem direitos individuais baseadas em convicções reli-
As consequências da crise de 2009
giosas, não existentes em constituição laica; criação ou para as democracias
redirecionamento de órgãos de Estado a serviço do go-
A crise econômica global, iniciada no final de
verno iliberal para perseguir opositores políticos; mani-
2008 nos EUA, produziu uma série de problemas de
pulação de dados fornecidos pelo Estado para garantir
ordem social, econômica e política, em todos os paí-
seus interesses; entre outros.
ses do mundo. Desemprego e retração econômica, ao
longo dos últimos, anos ajudaram a colocar em cheque
governos que foram obrigados a lidar com o problema.
Em todos os espectros políticos, o que se viu foi uma
mudança de ordem político-ideológica no voto das po-
pulações como forma de mostrar a insatisfação com
uma crise que nunca foi somente local. É comum,ao
longo desses anos de crise mundial, observar países
com governantes progressistas sendo substituídos por
governantes conservadores, e o inverso também ocor-
rendo; comum, também, perceber movimentos e mani-
Viktor Orban (Hungria) e Vladimir Putin (Rússia), festações populares por democracia, em países onde as
líderes considerados democratas iliberais ditaduras ainda são a regra – caso dos países do norte
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da África e do Oriente Médio, com a Primavera Árabe, a Agha-Soltan, uma estudante iraniana que virou
partir de 2010. Nos países democráticos, as manifesta- símbolo da oposição.
ções foram por mais participação do Estado no controle Desfecho do movimento: desde 2011,
e fiscalização do sistema financeiro e na exigência de Mousavi e sua mulher estão em prisão domiciliar.
mais auxílio social às pessoas, graças a economias com- Os protestos, conhecidos como ”Movimento Ver-
balidas e fragilizadas. de”, foram considerados um dos precursores da
”Primavera Árabe”, mas perderam a força dentro
do Irã, sufocados com a violenta repressão. Nas
Principais protestos ao redor eleições presidenciais de 2013, a oposição foi en-
do mundo desde 2009 fraquecida pelos clérigos, que, liderados pelo aia-
tolá Ali Khamenei, mantêm a supremacia de seu
Protestos pós-eleitorais, no Irã poder sobre o presidente.
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espaços publicamente, como no início. Foi funda-
do, por exemplo, o Occupy Sandy Recovery, que
organizou uma rede de voluntários para ajudar
os atingidos pelo furacão que atingiu a costa les-
te dos EUA.
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O Brasil em foco
O sistema político partidário brasileiro vivenciou pelo menos oito experiências distintas, desde o Império
aos nossos dias, representando, atualmente, a mais longeva e estável da história brasileira. Apesar das frequentes
propostas de reforma política a partir da redemocratização, além das inúmeras críticas, sobretudo no tocante à
capacidade de enraizamento social das agremiações partidárias e à alta fragmentação no Congresso Nacional, o
sistema partidário, nascido com a abertura democrática em 1985, apresentava índices razoáveis (para não dizer
elevados) de institucionalização.
Desde 1994, a competição eleitoral nas eleições presidenciais se concentra em dois grupos ideológicos:
um de centro-esquerda e outro de centro-direita (essas são as classificações mais adotadas para designar tais
partidos), liderados por PT e PSDB, respectivamente. A inconstância eleitoral apresenta queda constante, o compa-
recimento nas eleições é de aproximadamente 80%, os índices de filiação partidária representam cerca de 10%
do eleitorado – um dos maiores do mundo – e o número efetivo de partidos na Câmara dos Deputados, em 2010,
residia em torno de 11 legendas (atualmente, temos 35 legendas). Pesquisa naquele mesmo ano apontava que
46% dos eleitores se identificavam com os partidos políticos, dos quais 23% tinham preferência pelo PT, seguido
pelo PMDB e PSDB com 6% cada um.
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Partidos políticos brasileiros na web (2015)
Fãs e/ou Inscritos no
Filiados Seguidores Visualizações do
Sigla curtidas no canal do
”analógicos” no Twitter canal do YouTube
Facebook YouTube
28 PC do B 15.280 — 10.800 — —
29 PEN 7.538 103.000 53.900 5 6.839
30 SDD 4.647 1.141 658 — —
31 PROS 4.258 3.233 313 — —
32 PCO 2.263 3.169 483 615 344.070
Fonte: Bites <www.bites.com.br>
A partir das manifestações de rua de junho de 2013, o quadro mudou consideravelmente. Houve um au-
mento crescente da insatisfação popular com a classe política e o lema “Sem Partido” se propagou pelo País, com
reflexos diretos na eleição de 2014, que representou a maior fragmentação partidária do Parlamento brasileiro,
com 28 partidos representados na Câmara dos Deputados.
Pesquisas recentes do DataFolha apontaram para um declínio significativo da identificação partidária, mos-
traram os partidos políticos como as organizações menos confiáveis na opinião dos brasileiros, sendo a corrupção
uma das maiores justificativas. No que se refere à preferência partidária, em fevereiro de 2016, 71% dos brasileiros
disseram não ter simpatia por partido algum.
Em meio a esta conjuntura de transformações e mudanças, a renovação das elites partidárias e a conexão
com a juventude se tornam fundamentais para que as legendas possam se manter vivas e, consequentemente,
se reaproximar da sociedade. Vale lembrar de que os ajustes pontuais no sistema partidário também são neces-
sários, mas a mudança deve vir, sobretudo, de uma reaproximação com os cidadãos. Neste sentido, o clima de
despolitização presente na atual política brasileira se torna altamente pernicioso e cada vez mais preocupante.
A solução para a crise de representação dos partidos ainda é um mistério para a maioria dos analistas, e
poucos arriscam opiniões. O cientista político da FGV Octávio Amorim Neto defende, antes de tudo, uma reforma
política – diferente da atual proposta. Contudo, salienta que a mudança no sistema não altera a cultura partidária,
“até porque a Constituição dá aos partidos o monopólio da representação”.
Já o analista político Sérgio Abranches defende uma modernização dos partidos e a utilização das redes
sociais de modo mais funcional. “Os partidos têm se apropriado das redes sociais para manipular os eleitores
e para fazer mensagens de ódio contra os oponentes, quando na verdade tinham de usar as redes sociais para
captar os sentimentos dos grupos mais afins dos partidos e formar sua nova agenda”. Ele defende também o
uso da rede para criar formas mais diretas de democracia deliberativa: “A política não se modernizou tecnologi-
camente, nosso último avanço foi a urna eletrônica. É possível fazer uma discussão séria usando as tecnologias
adequadas, com fóruns e tomadas de decisões mais democráticas”. A crise de confiança política não é de hoje,
muito menos é uma exclusividade do Brasil; é mesmo uma questão central para as sociedades democráticas.
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APLICANDO PARA APRENDER
1. O líder húngaro Viktor Orbán conseguiu o terceiro mandato consecutivo, na eleição de 8/4/2018.
O triunfo de seu partido, o Fidesz, é o termômetro que mostra o tipo de discurso em alta na União
Europeia (UE).
Exultante, Orbán compareceu ante milhares de seguidores num evento organizado por seu partido
em Budapeste. Sob aplausos, entoou uma canção tradicional húngara e agradeceu aos eleitores.
Orbán, o líder estudantil que lutou contra a ditadura comunista húngara, o político que foi durante
um tempo a grande promessa liberal das recentes democracias da Europa Oriental, transformou-se
numa das vozes mais conservadoras da União Europeia.
(https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/08)
O reeleito primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán e o seu partido Fidesz refletem um discurso
atualmente em alta na União Europeia:
a) uma agenda favorável ao aprofundamento da democracia liberal.
b) uma maior aproximação com as políticas de maior integração sugeridas por Bruxelas.
c) rejeição da política de imigração, postura xenófoba e primazia dos valores cristãos e nacionalistas.
d) uma agenda de rejeição ao patrimônio cristão da comunidade.
e) um estreitamento de colaboração com ONGs e incentivo à participação da sociedade civil.
Gabarito
1. C
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
http://politica.estadao.com.br/blogs/legis-ativo/sobre-a-crise-da-representacao-politica/
http://exame.abril.com.br/mundo/mundo-vive-crise-politica-por-falta-de-lideranca-diz-mujica/
http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2013-08-02/protestos-mundiais-refletem-crise-de-representacao-politica-dizem-especialistas.html
http://www.brasil-economia-governo.org.br/2016/02/22/como-explicar-a-atual-crise-de-representatividade/
http://www.huffpostbrasil.com/sam-jovana/a-crise-de-representatividade-pelo-pluripartidarismo_b_6235680.html
http://www.ocafezinho.com/2016/12/09/fim-do-mundo-diz-wanderley-guilherme-sobre-crise-politica-no-brasil/
http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/crise-de-representacao-partidaria-e-um-problema-historico-c52qr5g4p5pif3xc63jksanv2
https://lh3.googleusercontent.com/proxy/af2HgcsES0tUa9b4rtCKXNsrITrzsrKTCsvWevVaY8ts16nXpEIuIQzR8S2_Opj150qvEFu5zzp_912L
5gnKtuYbjueQ1942Hh3wO5LEH6DTLbwmy_inH9VbBhQYeHxYaHkhk8A22y9_dHAoQ
https://scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762009000200004
ZAKARIA, F. "The Rise of Illiberal Democracy". Foreign Affairs, v.76, nº 6 nov./dez, 199
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Crise da representatividade
política no mundo e no Brasil