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RELATÓRIO
PETCE Nº 25.899/2013
TIPO: CONSULTA
ORIGEM: CÂMARA MUNICIPAL DE DORMENTES
INTERESSADO: JOSÉ DE MACEDO COELHO
RELATOR: CONS. MARCOS LORETO
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OPORTUNIDADE MOTIVADOS. AUTONOMIA MUNICIPAL.
INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO.
GARANTIA DE IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. NECESSÁRIA
PREVISÃO EM LEGISLAÇÃO LOCAL.
1 - INTRODUÇÃO
“A – Um município “X” pode modificar a carga horária do professor, para que seja
atendida temporariamente a necessidade da rede pública de ensino?
B - Caso seja possível, considerando ser uma necessidade temporária, pode ser efetivada
essa alteração mediante decreto ou uma simples ampliação da carga horária?
C – A escolha de professor a ser beneficiado com a jornada modificada, deve ser
precedida de alguma forma de seleção simplificada?
D – A manutenção dessa jornada modificada e ampliada por longo período configura
burla a necessidade de realização de concurso público?”.
2 - PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
3 – ANÁLISE
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horária exige a realização de processo simplificado de seleção; b) se a manutenção da jornada
modificada por “longo período” configura burla ao concurso público.
Prima facie não seria desprovida de sentido a interpretação de que o que o
consulente tem em mente é indagar sobre alteração que provoque aumento de carga de horária
de professores municipais, vez que indaga acerca de forma de provimento de cargos de
professor para cumprir a jornada modificada e se a manutenção dessa jornada por longo período
não configuraria burla a princípio do concurso público.
Esta análise cinge-se na abordagem dos limites de competência do município em
proceder à alteração de jornada de trabalho de professores, tomando por referência os
dispositivos constitucionais, da Lei federal 9394/96 e a necessidade de regramento por norma
local do regime de trabalho da carga horária de professores municipais, fazendo menção a
precedentes Jurisprudenciais quando cabível.
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À evidência que, a teor do §2º do art.211, cabe aos municípios atuarem prioritariamente
no ensino fundamental e na educação infantil. Referido dispositivo autoriza, pois, que os
municípios, para fins de cumprimento de seu desígnio constitucional e no exercício de sua
autonomia, editem legislação com vistas a organizar o sistema de ensino fundamental e infantil.
Poder-se-ia objetar que ao município não cabe legislar sobre educação, pois a
Constituição ao prescrever no art. 22, inciso XXIV, que compete privativamente à União
legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional; que compete à União, aos estados e ao
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino e desporto (art. 24,
inciso IX); e que é competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência (art. 23, inciso V),
não estendeu aos municípios a competência para legislar em matéria de educação.
Esta linha interpretativa conduziria à perspectiva de que não tendo autonomia para baixar
normas próprias sobre educação ou ensino, os municípios estariam constitucionalmente
impedidos de instituir sistemas próprios, isto é, municipais, de educação ou de ensino.
Não obstante, o texto constitucional deixa margem, no art. 211, para que se possa falar
em sistemas de ensino dos municípios quando estabelece que “a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os seus sistemas de ensino”.
No mesmo diapasão, cabe aos municípios manter escolas, em especial de Educação Infantil e de
Ensino Fundamental, conforme está prescrito expressamente no inciso VI do artigo 30 da
Constituição Federal de 1988: “compete aos Municípios: VI – manter, com a cooperação técnica
e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino
fundamental”.
Do exposto seria conclusiva e correta a tese de que a ausência de dispositivo
constitucional atribuindo aos municípios a competência para legislar sobre educação
impossibilitaria aos municípios a edição de normas de organização da educação fundamental e
infantil num sistema próprio de educação?
A resposta a esta indagação não pode ser positiva, posto que a constituição atribui aos
municípios o dever de organizar, em regime de colaboração com os demais entes e adstrito a sua
área de atuação prioritária por desígnio constitucional, seu sistema de ensino (caput art.211).
No âmbito da Educação, a competência legislativa suplementar do município em editar
regras de organização de seu sistema de ensino é inequívoca e norma federal de caráter geral, a
Lei Federal 9394/96 conhecida como “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”,
insculpe regra que traduz o espírito da constituição, como sói ocorrer no inciso II do art.11 do
diploma legal em comento, in verbis:
(...) omissis
III - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
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Aqui cabe uma inflexão num texto do educador DEMERVAL SAVIANI 1 que, a despeito
de não ser obra de cunho jurídico, contorna adequadamente os termos da questão sobre a
competência dos municípios na organização de seus sistemas de educação.
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SAVIANI, DEMERVAL – Sistema de ensino e plano de educação: o âmbito dos municípios in
Revista Educação e Sociedade, ano XX, No 69, dezembro/99, pp.119 a 136
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É certo que a Constituição fixou de forma expressa os limites de competência legislativa
de cada um dos entes federativos nessa matéria, sem olvidar, no entanto, de atribuir ao
município a competência para organizar seus sistemas de ensino, incluindo a edição de normas
complementares para tal mister. Aspecto que veio ganhar concretude com a edição da Lei
Federal 9394/96.
Assim, a organização do sistema de ensino municipal incluindo as formas de provimento,
acesso, carreira, jornada de trabalho, direitos e deveres dos profissionais do magistério insere-se
na competência legislativa complementar dos municípios, desde que obedecidos os ditames
constitucionais e as regras gerais estabelecidas na Lei de Diretrizes de Bases da Educação (Lei
Federal 9394/96).
Conclusão que só reitera o princípio de autonomia dos entes federados, no exercício da
finalidade de fazer cumprir os desígnios que lhe são incumbidos pela Constituição Federal.
O próprio consulente reconhece essa competência quando faz menção aos arts.24, I e
art.25, caput, ambos da Lei Federal 9394/96, como normas gerais definidoras da carga horária
mínima do pessoal do magistério. E, corretamente, arremata que cabe à Lei local definir carga
horária dos servidores.
Por outro lado, assevera que quando da seleção de servidores por concurso público deve a
jornada de trabalho vir explicitada “com a finalidade de que os pretensos candidatos saibam se
podem ou não executar devidas funções”.
Superados, pois, os aspectos atinentes à competência do município em editar normas
reguladoras de seu sistema de ensino, resta adentrar na peculiaridade da consulta formulada.
Para tanto, é importante colacionar julgados sobre alteração de carga horária no magistério e os
limites legais, a fim de que se possa emitir sugestão de resposta às indagações do consulente.
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Sendo a lei local o instrumento por excelência de definição da carga horária dos docentes,
é nela mesma que serão traçados os requisitos gerais para provimento, atributos, carreira,
direitos e deveres dos profissionais de educação municipal. A lei estruturadora do plano de
carreira e vencimentos dos docentes constitui-se na norma vinculadora do funcionamento do
sistema de ensino municipal.
Ressalte-se, mais uma vez, que a despeito de a norma local ser reguladora dos requisitos
de provimento dos cargos públicos do sistema de educação municipal, não há que se olvidar de
que a forma de ingresso em cargos públicos deve se dá unicamente por meio de concurso
público, incluindo a modalidade do processo simplificado se atendidos os ditames legais, a teor
dos incisos II e IX do art.37 da Constituição Federal.
É a lei local estruturadora do plano de cargos e carreira dos profissionais do magistério e
que regula a carga horária dos docentes e o regime de cumprimento dessa jornada. Esta regra
irradia para o sistema normativo municipal a forma de cumprimento do regime de jornada de
trabalho (atividades em sala de aula, atividades extra-classe) e impõe limites de jornada para
cada grupo ocupacional regulado.
Inescapável a conclusão de que qualquer alteração no regime de cumprimento da carga
horária de professores deve está alinhada com os dispositivos das leis reguladoras da jornada de
trabalho no sistema de educação municipal, além da necessidade de respeitar os princípios do
direito adquirido e da irredutibilidade de vencimentos.
Acresça-se que ato de alteração de carga horária de docentes, pelos reflexos
orçamentário-financeiro e implicações no sistema de educação dos municípios, quiçá na vida de
professores e alunos, deve ser fundado em relevantes razões de conveniência e oportunidade.
A jurisprudência é no sentido de que o município devidamente motivado pode alterar
regime de carga horária de seus docentes, desde que haja previsão legal do regime modificado
de carga horária e que seja garantido o direito adquirido dos ocupantes dos cargos de professor
em não ter reduzida a remuneração correspondente (princípio da irredutibilidade dos
vencimentos).
Por outro lado, a alteração de regime de carga horária, por si só, não agride o direito
adquirido dos professores municipais desde que preservados os direitos previstos em Lei, haja
vista que no âmbito administrativo não há direito adquirido de servidores a regime jurídico.
Veja-se nesse sentido, Decisão em Agravo de Instrumento, da Sétima Câmara Cível do
Tribunal de Justiça de Pernambuco, a qual contorna com precisão o entendimento sobre a
matéria.
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Também no âmbito do Supremo Tribunal Federal há entendimento no sentido de admitir
a possibilidade de alteração do regime de carga horária, desde que obedecidos aos critérios
definidos em lei municipal e garantida a carga horária contratada, assim como motivação de ato
administrativo alterador da carga horária, como se verifica na Decisão adiante colacionada
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ARBÍTRIO NA GESTÃO DO ENSINO PÚBLICO E QUEDA NA QUALIFICAÇÃO
PROFISSIONAL. DISSONÂNCIA ENTRE AS RAZÕES RECURSAIS E O REAL
CONTEÚDO DA IMPUGNADA. SÚMULA STF 284. AGRAVO CONHECIDO E
NEGADO PROVIMENTO.
(ARE 729167 RS, Min. LUIZ FUX, 20/05/2013, DJe-098 DIVULG 23/05/2013
PUBLIC 24/05/2013)
Isto posto, verifica-se que os seguintes aspectos norteiam as respostas às indagações
formuladas pelo consulente: a)a regulação de jornada de trabalho dos professores municipais
encontra-se no âmbito da competência do município para organizar seu sistema de ensino; b) o
regime de carga horária de professores municipais pode ser alterado motivadamente pela
Administração, desde que preservado o direito adquirido dos titulares quanto a irredutibilidade
de seus vencimentos.
Em síntese, alteração que vise redução ou aumento de carga horária de professores
municipais deve se enquadrar ao que prevê a Lei local que rege a matéria, sendo precedida de
ato administrativo motivado em relevantes razões de conveniência e oportunidade.
B) A alteração de carga horária, nos termos do previsto em lei municipal, pode ser
procedida por meio de ato administrativo motivado em relevantes razões de conveniência e
oportunidade.
Quanto às questões de número C e D (C – A escolha de professor a ser beneficiado com a
jornada modificada, deve ser precedida de alguma forma de seleção simplificada? D – A
manutenção dessa jornada modificada e ampliada por longo período configura burla a
necessidade de realização de concurso público?), devem ser respondidas de plano à luz dos
preceitos constitucionais, posto exigirem posicionamento quanto a forma de provimento de
cargos e empregos públicos e a exigência de realização prévia de concurso.
Em sendo assim, não vislumbramos maior obstáculo na tese indagada na questão 3 “A
escolha de professor a ser beneficiado com a jornada modificada, deve ser precedida de alguma
forma de seleção simplificada?” e na sua resposta que deve ser norteada sob os auspícios da
assunção ao princípio constitucional do concurso público como o meio idôneo de investidura
em cargo ou emprego público, incluindo o exercício do magistério (inciso II do art.37), hipótese
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que só encontra ressalva no instituto da contratação temporária por excepcional interesse
público (inciso IX do art.37), também de sede constitucional.
Por outro lado, a Lei local define carreira, progressão e jornada de cada cargo de docente.
E, em sendo assim, a legislação local é vinculante no que respeita a jornada de trabalho de cada
cargo ocupado. Desse modo, qualquer modificação de carga horária de docentes municipais
deve obedecer aos atributos e jornada fixados em Lei, de modo a não provocar a redutibilidade
de vencimentos do servidor.
Desse modo, sugere-se que a resposta para a questão C seja nos seguintes termos:
C) A ocupação de cargo, emprego e/ou função públicos deve ser precedida do
competente concurso, seja na forma regular ou na forma simplificada, nos termos do que
dispõem os incisos II e IX do art.37 da Constituição Federal, e a fixação de carga horária de
servidores deve ser vinculada aos estritos termos do que dispõe a Lei local para cada vínculo
ocupado, sendo vedada qualquer modificação que infrinja o princípio constitucional de
irredutibilidade de vencimentos.
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representaria uma espécie de exercício arbitrário de suas próprias razões, vez que escapa à sua
competência adentrar no âmbito das escolhas administrativas tomadas pelos administradores no
exercício da gestão pública.
4 - CONCLUSÃO
De todo o exposto, opina esta NTE pelo conhecimento da presente consulta e por ser
respondida cada questão como segue:
B) A alteração temporária de carga horária deve ser procedida por meio de ato
normativo previsto na Lei ou na regulamentação que rege a matéria no âmbito local, sendo
sempre um ato administrativo motivado em relevantes razões de conveniência e oportunidade;
C) A ocupação de cargo, emprego e/ou função públicos deve ser precedida do
competente concurso, seja na forma regular ou na forma simplificada, nos termos do que
dispõem os incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal. A fixação definitiva ou temporária
de carga horária de professor, assim como eventual alteração, devem obedecer aos limites de
jornada e aos critérios e condições para sua alteração conforme estipulados em lei local, sendo
vedada qualquer modificação que infrinja o princípio constitucional de irredutibilidade de
vencimentos;
É a análise
Recife, 05 de agosto de 2013.
É o relatório.
VOTO DO RELATOR
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Por conseguinte,
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trabalho de seus professores respeitado o princípio da
irredutibilidade de vencimentos.
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OS CONSELHEIROS CARLOS PORTO, TERESA DUERE, MARCOS LORETO, JOÃO
CARNEIRO CAMPOS E RICARDO RIOS PEREIRA VOTARAM DE ACORDO COM O
RELATOR. PRESENTE O PROCURADOR GERAL, DR. CRISTIANO DA PAIXÃO
PIMENTEL.
PH/FT
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