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RODADA 5 – PGM-RJ – TURMA PREPARATÓRIA:

SUMÁRIO
1. DIREITO CIVIL: ....................................................................................................................1
1.1 – Direito Civil Constitucional e Dirigismo Contratual...............................................................1
1.2 - Direito Civil Constitucional e a aplicabilidade direta das normas constitucionais às relações
privadas.........................................................................................................................................5
1.3 – Desconsideração da personalidade jurídica e a MP881 de 2019 .........................................8
1.4 – Proteção da intimidade e dados pessoais...........................................................................11
2. DIREITO PREVIDENCIÁRIO: ...............................................................................................13
2.1 – Seguridade Social, Regimes de Previdência e Competência legislativa .............................13
2.2 – Previdência complementar ................................................................................................20
3. DIREITO FINANCEIRO: ......................................................................................................32
3.1 – Princípios do Direito Financeiro..........................................................................................32
3.2 – Dívida Pública .....................................................................................................................41
3.2 – Leis do Direito Financeiro ..................................................................................................48

1 - DIREITO CIVIL:

1.1 – Direito Civil Constitucional, Dirigismo Contratual e Relações contratuais


de fato:

Artigo base: “O papel da vontade na interpretação dos contratos” (TEPEDINO, Gustavo; Revista
Interdisciplinar de Direito, Faculdade de Direito de Valença, v. 16, n. 1, pp.173-189, jan./jun. 2018.)

O tema do Direito Civil Constitucional ganha especial relevância em virtude da presença do professor
GUSTAVO TEPEDINO na banca examinadora. O professor é adepto de uma escola vanguardista do Direito
Civil no Rio de Janeiro, encabeçada por professores da UERJ, e traz uma linha bastante contemporânea do
Direito Civil.

Nesta linha, o DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL surge como uma releitura do direito civil a partir da
Constituição. A CF, colocada no ápice do ordenamento jurídico, passa a espraiar seus valores, de modo a se
reconhecer a existência de uma legalidade constitucional. Trata-se, de acordo com Tepedino, “da inserção
permanente e contínua da tábua axiológica constitucional nas categorias do direito privado, processo que se
intensifica com o advento de novos diplomas legislativos codificados ou extracodificados”.
O direito civil, que era essencialmente patrimonialista, deve ser lido a partir dos valores da pessoa humana.
Passamos a ter, então, um conceito personalista, não individualista, centrado nos aspectos relativos à pessoa
e a valores existenciais e sociais.

A Constituição passa a ser o elemento de interlocução de todo o sistema. Há uma unidade do ordenamento,
que resulta na quebra da dicotomia entre direito público e privado. Para esta visão, deve ser vista com
ressalvas a existência de “MICROSSISTEMAS”, pois estes dão a ideia de uma metodologia fragmentada, a par
da legalidade constitucional.

Nas palavras de Tepedino, “o desafio do jurista de hoje, especialmente quando trata de instituto
fundamentais como a autonomia privada, consiste na harmonização das fontes normativas, a partir dos
valores e princípios constitucionais. O Código Civil deve contribuir para tal esforço hermenêutico – que em
última análise significa a abertura do sistema –, não devendo o intérprete deixar-se levar por eventual
sedução de nele imaginar um microclima de conceitos e liberdades patrimoniais descomprometidas com a
legalidade constitucional.”

Neste cenário, não se fala mais em autonomia da vontade, mas no sim autonomia privada ou negocial.
Permite-se uma incursão do público (heteronomia), para dizer se aquela vontade é ou não albergada pelo
ordenamento. A vontade não é mais um valor em si próprio.

Não se trata de excluir a importância da dogmática voluntarista, que ainda se encontra presente no sistema
atual, mas sim de expressar a necessidade de interferência do Estado nas relações privadas, mitigando-se a
força vinculante da vontade negocial. Conforme destaca o autor, “especialmente diante de situações
específicas de vulnerabilidade, arrefeceu-se a tutela concedida ao interesse individual em favor de outros
interesses jurídicos socialmente protegidos”.

O direito do trabalho foi precursor desse “DIRIGISMO CONTRATUAL”, por força de movimentos sociais nos
séculos XIX e XX, trazendo uma intervenção heterônoma nos contratos, notadamente voltada à tutela de
direitos fundamentais e destinados a proteger as partes hipossuficientes em uma relação privada.

Neste contexto, Tepedino destaca duas importantes consequências para a teoria dos contratos: de um lado,
o aparecimento de princípios mitigadores da obrigatoriedade e da relatividade dos pactos, notadamente a
boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico e a função social de outros interesses jurídicos socialmente
protegidos. Tais “novos princípios” deram margem ao surgimento de instrumentos de controle da justiça
contratual (como a lesão, a revisão e a resolução por excessiva onerosidade, o adimplemento substancial, a
vinculação a deveres anexos, o dever de mitigar danos, a proibição de comportamento contraditório, o abuso
de direito).

Por outro lado, como espécie de válvula de escape para o rigor técnico imposto pelo excessivo controle de
validade dos negócios jurídicos, desenvolveu-se, a partir do final da primeira metade do Século XX, a teoria
das relações contratuais de fato, a qual, ao confrontar a realidade jurídica à realidade fática, teve o mérito
de alargar a admissibilidade, pelo direito, de relações admitidas socialmente embora sem a proteção
conferida pelo Direito ao negócio. Fala-se, também, na chamada “doutrina dos comportamentos socialmente
típicos”, de modo a preservar tais relações admitidas socialmente na tutela de interesse de vulneráveis, a
exemplo de uma compra e venda efetuada por um menor incapaz.

Tal movimento, com a derrocada do Estado do Bem Estar Social a partir da década de 70, foi objeto de uma
reação neoliberal, preocupada com a preservação da vontade como elemento relevante da autonomia
privada. Contudo, conforme destaca Tepedino, “a análise dos comportamentos socialmente típicos,
especialmente na perspectiva ascarelliana de atividade contratual sem negócio, não renega o papel da
vontade, limitando-se a considerar secundária, para determinadas atividades socialmente típicas, a vontade
negocial, ou seja, a existência de negócio jurídico que inaugure a atividade já existente de fato”

O autor propõe, assim revisitar a doutrina dos comportamentos socialmente típicos, tendo em vista a
insuficiência do negócio jurídico – e da vontade presumida – para justificar a presença de atividades
admitidas pelo grupo social, que produzem efeitos jurídicos carecedores de qualificação, ainda que
desprovidas de negócio fundante.

Inicialmente, de um ponto de vista metodológico, o autor ressalta que “a atividade contratual sem negócio
exige qualificação da concreta relação jurídica a partir da sucessão de atos funcionalmente interligados, sem
prévia tipificação e reconhecimento jurídico do negócio. Corrobora-se o ocaso da subsunção1, como técnica
hermenêutica a reclamar premissa legal abstrata, correspondente a suporte negocial determinado, em favor
da verificação em concreto da disciplina aplicável ao conjunto de atos de natureza diversa. Amplia-se, dessa
forma, o controle da atividade privada, permitindo-se proteger efeitos socialmente relevantes decorrentes de
negócios nulos ou inexistentes, sem que a presença de negócio válido seja um pressuposto para a tutela
jurídica”.

Assim, a inexistência de um prévio negócio jurídico não afasta a proteção jurídica que a situação concreta
deva merecer. Nessa linha, Tepedino defende é a necessidade de se reler a doutrina dos comportamentos
socialmente típicos, a partir, não já do afastamento do elemento volitivo como motor da livre iniciativa, mas
da distinção entre a vontade negocial e a vontade contratual.

O negócio jurídico mantém-se vinculado ao controle estabelecido pelo Código Civil. Ao seu lado, contudo,
uma série de atividades socialmente típicas, decorrentes de atos não negociais, é valorada positivamente e
a ordem jurídica reconhece, como jurígenos, seus efeitos. Enquanto no negócio jurídico a declaração de
vontade hígida é um prius para a sua validade (elemento essencial), nas atividades socialmente típicas a
vontade suscita verificação in posterius, a partir dos efeitos por elas produzidos, independentemente de
declaração destinada à instauração do vínculo, conferindo-se juridicidade a situações jurídicas que, de outra
forma, não poderiam ser admitidas.

Como consequências de tal construção, o autor destaca:

• (I) no plano contratual, podem-se admitir como válidos efeitos de atividades desprovidas de
negócios jurídicos fundantes. Em tais hipóteses, inexiste o negócio de origem ou este é nulo por (a)
ilicitude do objeto, (b) incapacidade das partes ou (c) violação da forma exigida por lei. Nestes casos,
o autor destaca que a teoria da vontade é insuficiente, pois muitas vezes a vontade contratual acaba
se afastando da vontade negocial, ou até mesmo entrando em rota de colisão.
Para estes casos, a admissão da relação contratual sem negócio permite atribuir juridicidade a efeitos
socialmente reconhecidos, a partir de qualificação a posteriori da função da atividade realizada,

1
Visão crítica do processo subsuntivo tendo em vista que, “se o ordenamento é unitário, moldado na
tensão dialética da argamassa única dos fatos e das normas, cada regra deve ser interpretada e aplicada
a um só tempo, refletindo o conjunto das normas em vigor. A norma do caso concreto é definida pelas
circunstâncias fáticas na qual incide, sendo extraída do conjunto normativo em que se constitui o
ordenamento como um todo” (Gustavo Tepedino, “O ocaso da subsunção”, Editorial, in Revista trimestral
de direito civil, v. 34, abr.-jun./2008). O autor propõe um rompimento com o processo subsuntivo clássico
e propugna a ideia de interpretação logico-sistemática e de funcionalização dos institutos, ou seja, “para
que serve determinada situação”. Deve-se ir além da própria norma, tentar buscar o que está por trás
dela, que vai dar a valoração do próprio instituto.
estabelecendo-se, dessa forma, controle de merecimento de tutela, à luz da legalidade
constitucional.
Exemplos: contratação de funcionário público cujo acesso à carreira não se deu por concurso
público (vide Súmula 363 do TST2), vínculo empregatício do apontador de jogo do bicho (vide OJ
199 da SDI-1 do TST3), policial militar em empresa de segurança privada, a despeito de vedação
legal expressa em seu estatuto , ou o caso do menor que adquire, por si mesmo, produtos ou
serviços. Em todos esses casos, a invalidade dos negócios não exclui a admissibilidade, para
certos fins, de eficácia jurídica à atividade desenvolvida. Torna-se, assim, incongruente, nesses
casos, falar-se em negócio jurídico, cuja admissão colidiria com matéria de ordem pública.

• (II) no plano da responsabilidade, no que tange à teoria do inadimplemento, permite-se a


superação da rígida distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual, baseada
na existência ou não de negócio jurídico. De acordo com a doutrina tradicional, a aplicação
da responsabilidade contratual depende exclusivamente do conteúdo do negócio, quando
este se verificar já no bojo da execução do contrato celebrado entre as partes. Já no caso de
se culposamente romper as tratativas ou deixar de cumprir o negócio preliminar, daí teríamos
responsabilidade EXTRACONTRATUAL, decorrendo a reparação por interesses negativos (o
prejuízo causado por quem deixou de contratar).

O comportamento socialmente típico permite verificar, a partir dos efeitos produzidos pelas
tratativas efetivamente levadas a cabo, o conteúdo contratual estabelecido na atividade
realizada sem a celebração de negócio jurídico, propiciando a deflagração de indenização por
interesses positivos quando da não celebração do contrato.

A atividade contratual precede, por vezes, a celebração do negócio, quando nas tratativas,
minutas ou acordos preliminares se desenvolvem vínculos com propósitos definitivos, parciais
embora inteiramente aperfeiçoados, a despeito da inexistência ainda do negócio jurídico, cuja
celebração se encontra pendente. Em outras hipóteses, embora consumados todos os efeitos
previstos no negócio, extinguindo-se inteiramente o conteúdo negocial, remanesce a atividade
empreendida entre as partes, sendo razoável cogitar-se da expansão da relação contratual
para além da extinção do negócio (poder-se-ia falar, então, em uma extinção contratual
progressiva).

Em ambos os cenários acima descritos, as atividades anteriores e posteriores ao negócio


coincidem com uma espécie de contratação em etapas. Na formação progressiva do
contrato, no que concerne aos vínculos efetivamente assumidos, mostra-se legítimo
reconhecer a existência de relação contratual, a despeito da inocorrência de celebração do
negócio jurídico pretendido pelas partes. Em consequência, o descumprimento, nestas fases,
relativamente a determinados vínculos, constitui-se em inadimplemento contratual
(Exemplos: deveres de confidencialidade e de exclusividade que usualmente se estabelecem

2
Súmula 363 do TST: “A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em
concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao
pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor
da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS”.

3
OJ 199 da SDI-1: “É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à
prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a
formação do ato jurídico.”
durante certa tratativa contratual).

O autor reconhece, assim, a produção de efeitos (contratuais) na ausência de negócio jurídico


válido de instauração da atividade desenvolvida, desvinculando a vontade negocial da vontade
contratual.

Em síntese conclusiva, Tepedino defende que deve se abandonar o negócio como único
instrumento de aferição do papel da vontade. Supera-se, nessa linha de raciocínio, a perspectiva
que circunscreve a atuação da vontade à seara do negócio jurídico e à ausência de fontes
heteronímicas de integração. Se a liberdade há de ser exercida à luz da legalidade constitucional,
em respeito e em harmonia com a solidariedade social, o exame de licitude e de merecimento
de tutela dos atos se projeta tanto nos negócios como em atividades realizadas mediante a
prática de atos extranegociais.

1.2 – Direito Civil Constitucional e a aplicabilidade direta das normas


constitucionais às relações privadas:

Palestra base: Prof. Gustavo Tepedino - Tema: O Direito Civil e a Constituição - 03/05/2019 -
Realizado na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ

A revolução tecnológica faz com que a grande divisão entre direito público e privado não mais
conseguisse se manter de pé. Não conseguimos mais saber ao certo se um instituto é de direito
público ou privado. A revolução tecnológica nos obriga a pelo menos transitar
permanentemente, em uma tensão dialética, entre o público e o privado, entre os valores
constitucionais e as relações privadas.

Ademais, após a 2ª guerra, as cartas constitucionais paulatinamente passaram a inserir valores


como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a igualdade substancial no âmbito
das relações privadas.

Contata-se uma forte tensão entre a autonomia privada e a necessidade de respeito à pessoa
humana. A autonomia não pode se transformar em uma liberdade completa, avessa aos valores
constitucionais.

A primeira crítica que o direito civil constitucional faz é acerca da percepção sobre os
microssistemas: a percepção da unidade do ordenamento rompe a visão isolada de
microssistemas, em busca de uma forma de utilização dos princípios constitucionais de uma
maneira mais ampla, em todos os ramos do direito. A partir dessa crítica, se propõe a força
normativa dos princípios constitucionais e a sua aplicação direta nas relações privadas. A CF não
é mais apenas uma carta política, dirigida ao legislador.

Há ainda uma divergência sobre a aplicação direta das normas constitucionais às relações
privadas. Destacam-se 4 críticas:
- problema de vocação da norma constitucional, que é eminentemente voltada à organização
de instituições, e não à solução de lides privadas.
- baixa concretude dos princípios constitucionais, que são muito fluidos, o que permitiria um
grande ativismo judicial, uma liberdade excessiva do intérprete sem a mediação do legislador
infraconstitucional.
- estabilidade tradicional da dogmática do direito civil, que estaria submetida aos ventos
políticos acaso se admitisse a excessiva ingerência do constituinte. A Constituição poderia trazer
uma instabilidade a essa dogmática, já que as constituições são suscetíveis a reformas à luz do
sistema eleitoral, e não à luz dos valores dogmáticos.
- prejuízo que a ingerência exacerbada dos princípios constitucionais aplicados diretamente às
relações privadas acarretaria nos espaços de liberdade. Para além do licito e do ilícito, o
magistrado também deveria olhar para a compatibilidade da atuação com os princípios
constitucionais.

Tepedino pontua que as críticas são pertinentes, mas descontextualizadas. Em primeiro lugar
porque a vocação dos textos constitucionais alterou-se muito ao longo do tempo. Em segundo
porque a baixa concretude não se associa diretamente à CF, mas sim à técnica das cláusulas
gerais, que advêm da complexidade do mundo contemporâneo (Ex: boa-fé). As cláusulas gerais
vão fixando paulatinamente, a partir do debate jurisprudencial e doutrinário, padrões de
comportamento ora aceitáveis e ora reprovados socialmente. Assim, foi-se criando uma
segurança jurídica a partir da fundamentação, da argumentação. Daí a importância da
fundamentação das decisões. Foram sendo criados uma série de standards de conduta.

Quanto à instabilidade gerada pela política, esta crítica não procede diante de uma Constituição
rígida. Hoje, uma medida provisória pode alterar o Código Civil de uma hora pra outra.

A última crítica, acerca da ingerência exacerbada, é até válida de algum modo, mas vale uma
reflexão: a nossa liberdade não deve ser uma liberdade do forte sobre o fraco, do homem sobre
a mulher etc. Essa crítica não se resolve com o afastamento da posição do magistrado ou dos
princípios constitucionais, mas sim com uma construção da nossa liberdade no âmbito da
solidariedade social. Aí poderemos restaurar a nossa unidade fragmentada por tantos núcleos
legislativos.

#DEOLHONADOUTRINA:

“O princípio da autonomia privada, longe de ser absoluto, insere-se no tecido


axiológico do ordenamento, no âmbito do qual se pode extrair seu verdadeiro
significado. Encontra-se informado pelo valor social da livre iniciativa, que se constitui
em fundamento da República (art. 1º, IV, C.R.), corroborado por numerosas garantias
fundamentais às liberdades, que têm sede constitucional em diversos preceitos, com
conteúdo negativo (princípio da legalidade, ex vi do arts. 5º, II, 170, parágrafo único,
C.R.) e positivo (arts. 1º, III, 3º, I e III, C.R.).

Segundo o Texto Constitucional, a liberdade de agir, objeto das garantias fundamentais


insculpidas no art. 5º, associa-se intimamente aos princípios da dignidade da pessoa
humana (art. 1, III), fundamento da República, da solidariedade social (art. 3º, I) e da
igualdade substancial (art. 3º, III), objetivos fundamentais da República. Significa dizer
que a livre iniciativa, além dos limites fixados por lei, para reprimir atuação ilícita, deve
perseguir a justiça social, com a diminuição das desigualdades sociais e regionais e com
a promoção da dignidade humana. A autonomia privada adquire, assim, conteúdo
positivo, impondo deveres à autorregulamentação dos interesses individuais, de tal
modo a vincular, já em sua definição conceitual, liberdade à responsabilidade” 4

4
“O papel da vontade na interpretação dos contratos” (TEPEDINO, Gustavo; Revista Interdisciplinar de
Direito, Faculdade de Direito de Valença, v. 16, n. 1, pp.173-189, jan./jun. 2018
Para ilustrar a aplicabilidade dos princípios constitucionais ao direito privado, o professor traz
alguns casos na jurisprudência:

o Famílias homoafetivas:

O STF se utilizou da questão principiológica para decidir, pois no fundo foram a liberdade e a
igualdade que prevaleceram.

o STJ, Resp 93634:

O dependente de um clube não poderia frequentá-lo por não ser “filho legítimo” do associado.
O STJ entendeu que não era possível haver discriminação.

o Caso UBC – União Brasileira de Compositores (RE 201819):

No estatuto dessa associação privada havia uma cláusula que levava a exclusão. O STF entendeu
que, a despeito da liberdade de associação, os princípios constitucionais da ampla defesa e do
devido processo legal deveriam ser observados.

O Min Gilmar Mendes, relator, disse expressamente que “os direitos fundamentais assegurados
pela CF vinculam diretamente não apenas poderes públicos, estando também direcionados à
proteção dos particulares em face dos poderes privados”.

o Caso “Air France”

A empresa dava maior proteção aos empregados franceses do que aos empregados brasileiros.
Decidiu-se que a igualdade deveria ser respeitada como um princípio aplicável também às
relações privadas (min. Carlos Velloso), vedando-se a discriminação entre brasileiros e franceses.

o FGTS:

A L8036 é taxativa nas hipóteses de levantamento do fundo, o que atende à ideia de


solidariedade social, para evitar o desvirtuamento desse fundo. Contudo, essa taxatividade não
previa algumas doenças, como AIDS e Alzheimer. A jurisprudência passou a, diante da dignidade
da pessoa humana e igualdade, liberar também o FGTS nessas hipóteses.

o Bem de família:

O STJ proferiu 2 acórdãos interessantes, no mesmo ano, considerando penhorável um piano que
servia para adorno, e impenhorável um piano que era utilizado por um adolescente estudante
de música. Estas decisões são muito interessantes pois mostram como a função do bem é que
deverá determinar a interpretação, sem causar insegurança jurídica, pois há a possibilidade de
recursos e a necessidade de fundamentação
1.3 – Desconsideração da personalidade jurídica e a MP 881 de 2019:
A “teoria da desconsideração da personalidade jurídica”, também conhecida
internacionalmente como “Disregard of legal entity” ou “disregard doctrine”, foi uma teoria
construída com o intuito de mitigar o dogma da autonomia absoluta entre o patrimônio de uma
pessoa jurídica e o patrimônio daqueles que a compõe.

De fato, o art. 1024 do CC nos traz a regra da autonomia patrimonial das sociedades, conforme
se depreende de sua leitura:

CC. Art. 1024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade,
senão depois de executados os bens sociais.

Entretanto, tal proteção do patrimônio dos sócios não é absoluta, havendo situações em que se
permite a desconsideração episódica da personalidade jurídica como forma de coibir o abuso
da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio em sua finalidade ou pela confusão
patrimonial (confusão de seu próprio patrimônio com o patrimônio das pessoas que compõe a
pessoa jurídica). Dessa forma, dispõe o art. 50 do CC, com redação dada pela MP 881 de 2019

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando
lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da
pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Medida
Provisória nº 881, de 2019)

Assim, percebe-se claramente que o Código Civil de 2002 adotou a chamada “TEORIA MAIOR”
sobre a desconsideração da personalidade jurídica.
Maior, pois são exigidos mais requisitos para a sua viabilização, permitindo a penetração no
patrimônio das pessoas físicas que compõe a pessoa jurídica para o adimplemento de
obrigações desta. Veja o esquema que trouxemos para facilitar a compreensão desses
requisitos:

Vale destacar de a MP 881 de 2019, a chamada “MP da Liberdade Econômica”, veio a


especificar o que se entenderia por desvio de finalidade e confusão patrimonial. Neste
sentido, foi inserido um §1º no art. 50, prevendo que “desvio de finalidade é a utilização
dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de
qualquer natureza.” Vale destacar que a MP exige, em sua redação originária, o elemento
DOLO para o desvio de finalidade. Contudo, aparentemente tal expressão será suprimida no
projeto de lei de conversão, de forma que é necessário que o candidato acompanhe a votação.

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da


pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de
qualquer natureza. (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

Ademais, o § 5º expressa que “não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a


alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.” Assim,
se a PJ passa a desempenhar certas atividades para além daquelas previstas originariamente em
seu estatuto ou contrato social, isto não poderá, por si só, justificar a desconsideração.

Em relação à confusão patrimonial, o §2º conceitua tal forma de abuso como a ausência de
separação de fato entre os patrimônios do sócio e da PJ, listando alguns atos que poderiam
caracterizá-la.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os


patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador


ou vice-versa; (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de


valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de
2019)

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Medida


Provisória nº 881, de 2019)

Vale ressaltar ainda que a alteração do caput do art. 50 passou a expressar o entendimento de
que a desconsideração da personalidade jurídica não pode estender as obrigações destas a
qualquer sócio, mas somente àqueles “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.

Indo além, o §3º positivou a possibilidade de desconsideração INVERSA da personalidade


jurídica. Na desconsideração inversa, como o nome sugere, a personalidade jurídica da pessoa
é desconsiderada para que obrigações DO SÓCIO repercutam na esfera patrimonial da pessoa
jurídica. Em outras palavras, há uma inversão: a PJ, de forma episódica, responde por dívidas do
sócio. Normalmente, tal instituto é aplicável quando os bens pessoais do sócio são
fraudulentamente ocultados junto à pessoa jurídica, a fim de, por exemplo, retirar bens da
meação do cônjuge.

Art. 50, § 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão


das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela
Medida Provisória nº 881, de 2019)

Enunciado 283 do CJF – Art. 50. É cabível a desconsideração da personalidade


jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da
pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.
Por fim, o §4º tratou da chamada “DESCONSIDERAÇÃO INDIRETA DA PERSONALIDADE
JURÍDICA”, que se refere quando há abuso da personalidade jurídica envolvendo pessoas
jurídicas do mesmo grupo econômico. De acordo com o referido dispositivo, não basta a mera
existência de grupo econômico para que uma sociedade seja afetada pelas obrigações de outra
PJ do grupo, sendo necessário que se verifiquem os requisitos do caput do art. 50 (abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial)

Art. 50, § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de
que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica acarreta a extinção da pessoa jurídica?


NÃO. Conforme mencionamos, a desconsideração da personalidade é meramente episódica,
não acarretando a extinção da pessoa jurídica. Em uma linguagem figurada, apenas “se afasta o
véu” da autonomia patrimonial da PJ para penetrar no patrimônio dos sócios. Dessa forma, a
DESCONSIDERAÇÃO não se confunde a DESPERSONALIZAÇÃO, não produzindo efeitos no
estatuto da pessoa jurídica. Nesse sentido, importante transcrever as lições de Fabio Ulhoa
Coelho:

“A aplicação da teoria da desconsideração não implica a anulação ou o desfazimento do


ato constitutivo da sociedade empresária, mas apenas a sua ineficácia episódica. “(Curso
de Direito Comercial. Vol. 2. Direito de Empresa / Fábio Ulhôa Coelho. 16ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 64).

A condição de sócio majoritário é suficiente para a responsabilização perante as obrigações


da pessoa jurídica que teve sua personalidade desconsiderada?

NÃO. De acordo com o STJ, a desconsideração deve alcançar apenas os sócios ou diretores que
efetivamente participaram ou se beneficiaram com o ato ilícito ou abusivo, sendo irrelevante a
quantidade de quotas de cada um deles.

“A jurisprudência do STJ, em diversos precedentes, já se manifestou no sentido de não


ser suficiente a condição de sócio, ainda que majoritário ou controlador, para que contra
ele se imponha os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica. (...) os efeitos
da desconsideração deve alcançar apenas aqueles sócios ou diretores que efetivamente
participaram ou se beneficiaram com o ato ilícito ou abusivo. Isso porque a teoria da
desconsideração da personalidade não é instituto que impõe a solidariedade do sócio
em relação à sociedade, tampouco o responsabiliza de forma objetiva por atos ilícitos”.
(Fonte: REsp 1325663/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
11/06/2013, DJe 24/06/2013).

A parte final do art. 50, caput, inserida pela MP881, vai na linha deste entendimento, conforme
ressaltamos anteriormente.

No que consiste a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica?


Tudo que vimos até aqui se refere à TEORIA MAIOR, prevista no Código Civil, e que exige
requisitos mais severos para a sua implementação prática. Contudo, ainda que o STJ entenda
que a Teoria Maior seja a regra para a desconsideração da personalidade jurídica, isto não
impede a previsão de outros requisitos para a aplicação da “disregard doctrine” em outros
ramos do direito. No mesmo sentido, veja o Enunciado nº 51 do CJF:
Enunciado nº 51 – Art. 50: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica –
disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros
existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.

Assim, ponderando a autonomia patrimonial da pessoa jurídica com outros valores importantes
para o ordenamento jurídico, como a tutela do consumidor e a proteção ao meio ambiente,
legislações como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes e
Sanções Ambientais) dispuseram menos requisitos para a desconsideração da personalidade
jurídica nestes microssistemas. Vejamos:

CDC, Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando,
em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da
lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração
também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou
inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.”

L9605. Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do
meio ambiente.

De acordo com o STJ e a quase unânime doutrina, a Lei de Crimes Ambientais e o CDC adotaram
a “TEORIA MENOR” para a desconsideração da personalidade jurídica. Menor, pois são exigidos
menos requisitos para sua aplicação, uma vez que basta a demonstração de que a personalidade
jurídica da sociedade configura um obstáculo para a reparação de prejuízos ao consumidor ou
ao meio ambiente.

Desse modo, verificada a simples insuficiência de patrimônio da pessoa jurídica para a satisfação
do crédito de consumidor ou para a reparação do dano ao meio ambiente, é sim possível a
desconsideração da personalidade jurídica com base na “Teoria Menor”.

1.4 - Proteção da privacidade e dados pessoais:


O tema ganha especial importância em virtude da aprovação da recente Lei 13.709/2018, a Lei
Geral de Proteção de Dados. Apesar de ainda estar em “vacatio legis”, é um tema muito
importante para a prova, pois o direito fundamental à privacidade já era previsto no art. 215 do
Código Civil de 2002 e muito discutido na doutrina. Inclusive, um importante Enunciado chegou
a ser aprovado pela II Jornada de Direito Civil do CJF, sob coordenação do professor Gustavo
Tepedino, conforme veremos adiante. Por fim, em junho de 2019 o professor Tepedino publicou

5
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará
as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
uma matéria no site da OAB-RJ sobre o tema6, a qual iremos usar como base para este tópico.
Sem mais delongas, vamos à análise da discussão!

Tepedino destaca a importância da revolução tecnológica no Direito Civil, a qual suscitou uma
multidão de controvérsias no âmbito das relações privadas. A título exemplificativo, citam-se o
impacto da engenheira genética e do surgimento do exame de DNA no Direito de Família e
Sucessório; ou o potencial danoso extraordinário aportado pelos meios de transporte e de
comunicação de massa. Neste contexto, destaca-se ainda o fenômeno da circulação de dados
pessoais, cuja indispensável proteção foi objeto da recente Lei 13.709/2018, a Lei Geral de
Proteção de Dados.

Nas palavras do autor, “a cada dia, uma infinidade de dados é extraída, de forma incalculável,
por agentes econômicos. A utilização de cartões de crédito, andróides, tablets, computadores
e redes sociais fornecem, voluntária ou involuntariamente, nossos dados pessoais a
destinatários anônimos, públicos e privados, sem que possamos controlar a finalidade de sua
utilização. Dados genéticos, preferências culturais, estéticas e de consumo, orientações política,
religiosa, sexual, tudo é coletado em tempo real. Tais informações dizem respeito à
privacidade, intimidade, honra, integridade psicofísica e identidade pessoal; direitos da
personalidade cuja gestão deve ser atribuída ao próprio titular. O Direito Civil ocupa-se, assim,
com aspectos preventivos, tutelando a autonomia dos interessados para decidir quanto à
disponibilidade desses dados; e com aspectos de sua patologia, no âmbito da
responsabilidade civil e de medidas reparatórias.

Neste sentido, vale destacar a aprovação do Enunciado nº 404 do CJF, o qual dispõe que “a
tutela da privacidade da pessoa humana compreende os controles espacial, contextual e
temporal dos próprios dados, sendo necessário seu expresso consentimento para tratamento
de informações que versem especialmente o estado de saúde, a condição sexual, a origem
racial ou étnica, as convicções religiosas, filosóficas e políticas.”

Conforme destacado, a preocupação maior volta-se para a divulgação, vazamento ou circulação


dos chamados “dados sensíveis”, isto é, dados que diretamente revelam a origem étnica, as
convicções religiosas ou políticas, ou relativas à orientação sexual. Em outras palavras, sensíveis
são considerados os dados que propiciem a prática de preconceito ou discriminação de qualquer
natureza. Neste ponto, Tepedino chega a questionar quais dados não seriam sensíveis, em se
tratando de informações pessoais: a depender do contexto, até mesmo o nome poderia ser
considerado um dado sensível (exemplo da restrição de crédito a nomes comumente usados
por pessoas negras nos EUA).

Estas questões ganham ainda mais complexidade com o surgimento da inteligência artificial, que
trouxe numerosos desafios para o Direito privado, notadamente no que tange à identificação
dos responsáveis pelos atos praticados por robôs, à imputação do dever de indenizar. Ademais,
conforme destaca o autor, “ao contrário do que ocorre nas relações intersubjetivas, no caso da
inteligência artificial há uma aparente neutralidade da máquina, que dificulta a identificação da
fonte da lesão a direitos humanos, tornando ainda mais complexa a intervenção equalizadora”.

Por fim, vale mencionar que, conforme vimos no Enunciado 404 do CJF, a tutela da privacidade
compreende 3 grandes âmbitos de controle: o espacial, o contextual e o temporal. O primeiro
tem a ver com o alcance da informação, com o controle sobre a sua circulação: conforme destaca

6
https://www.oabrj.org.br/colunistas/gustavo-tepedino/as-tecnologias-renovacao-direito-civil
o professor Daniel Bucar (PGM-RJ) em artigo sobre o tema, “a privacidade na sociedade da
informação deve ser tida como a possibilidade de a pessoa conhecer, controlar, endereçar e
interromper o fluxo de informações pessoais que dela tratam, possibilitando-lhe ter exata e
prévia ciência do espaço informacional sobre o qual desenvolverá a sua personalidade. É,
portanto, o direito de manter o controle das próprias informações, de molde a assegurar a livre
construção da própria esfera privada”.

O segundo âmbito se refere ao contexto em que a informação é divulgada, referindo-se à


“ciência quanto à exatidão da informação, que deverá refletir, quando da divulgação, o contexto
correto em que foi recebida”. Com efeito, quando uma informação é revelada fora de contexto,
a lesão que esse evento ocasiona não é apenas a eventual invasão de privacidade. Mais do que
isso, para que o interessado a reinsira no contexto original, será obrigado a revelar outras
informações privadas, aumentando significativamente o número de dados que a circulação
original destes pretendia fornecer. Trata-se, portanto, de uma maior projeção de caracteres da
pessoa para corrigir uma situação mal posta em determinado contexto” (CASO CONCRETO NO
STJ: vinculação de anúncio, em lista telefônica, de um número de telefone residencial como se
fosse o de uma casa de massagens (STJ, REsp. n. 506.437/SP).

Por último, o 3º âmbito de controle se refere ao controle TEMPORAL, que demanda uma
proteção das escolhas pessoais após certo período de tempo, em que o indivíduo já não mais
pretende ser lembrado, rememorado por dados passados. Aqui temos a discussão acerca do
DIREITO AO ESQUECIMENTO, tema que, por sua importância e profundidade, será deixado para
uma próxima rodada.

2 - DIREITO PREVIDENCIÁRIO:

2.1 – Seguridade Social, Regimes de Previdência e Competência


legislativa:
No estudo do Direito Previdenciário, iremos focar nossa abordagem no Direito Previdenciário
Público, trazendo as principais discussões e temas acerca da previdência do servidor público, com
foco na legislação do Município do Rio de Janeiro. Contudo, eventualmente destacaremos
alguns pontos também do Regime Geral de previdência Social (RGPS), tendo em vista que o
professor Fabio Zambitte, membro da banca, é um profundo conhecer da disciplina. Aos estudos!

Inicialmente, antes de adentrarmos propriamente no Direito Previdenciário, precisamos falar


um pouco da SEGURIDADE SOCIAL.

Nos termos do art. 194 da CRFB, a seguridade social compreende um conjunto integrado de
ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social.
Previdência
Social

Saúde

Assistência
Social

Perceba que a seguridade social é um gênero, que abrange três ramos: a saúde, a previdência e
a assistência. Seguridade social não é sinônimo de previdência social! É fundamental não
confundirmos o gênero com a espécie!

A saúde é um ramo da seguridade que é universal e gratuito, assim como a assistência social. Já
a previdência social é necessariamente CONTRIBUTIVA e exige a qualidade de segurado para
que o indivíduo tenha direito à proteção.

Previdência Depende da qualidade de segurado


Social

Saúde

Assistência Independem de contribuição


Social

Conforme prevê o art. 196 da CRFB, a saúde é um direito de TODOS, universal e gratuito. Assim,
independente de contribuição ou da qualidade de segurado.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Já a assistência social será prestada a quem dela necessitar, também independendo de


qualquer contribuição.

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

Isto não vale para a previdência social, que tem um caráter contributivo e solidário. A título de
reforço, veja o caput do art. 40 da CRFB:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter
contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e
inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e
o disposto neste artigo.

Feita esta breve introdução, vamos estudar agora esse ramo da seguridade social, que é a
previdência social.

De início, destaque-se que Previdência Social se divide em:


- Previdência Básica
- Previdência Complementar
Na previdência básica, por sua vez, temos 2 “espécies” de regimes:

- RGPS (Regime Geral de Previdência Social)


- Regimes Próprios

Ao lado desta previdência básica temos a possibilidade uma previdência complementar, que
será estudada no tópico seguinte. Veja o esquema para auxiliar a sua compreensão:

RGPS

BÁSICA
Previdência REGIMES
Social PRÓPRIOS
COMPLEMENTAR

A previdência básica é pública, obrigatória e normalmente limitada a um teto. Já a


complementar é privada, facultativa e sem limitação de teto.

A previdência básica se divide em um regime GERAL de previdência e regimes PRÓPRIOS


(voltados para grupos específicos, a exemplo do regime próprio de previdência do Município do
RJ).

Assim, os regimes próprios (ou regimes dos servidores públicos) constituem uma previdência
básica, de modo que também será obrigatória. Os regimes próprios encontram base
constitucional no art. 40 da CRFB.

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter
contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e
inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e
o disposto neste artigo.

Cada unidade da Federação tem o seu regime próprio de Previdência Social. No entanto, existem
diversos Municípios que não possuem regime próprio. Nestes casos, seus servidores ficam
vinculados ao regime GERAL de previdência social. No Município do RJ, a L3344 trata do regime
próprio de previdência dos servidores municipais, a qual iremos mencionar bastante ao longo
de nosso material.
Quem são os destinatários do RPPS?
São os servidores titulares de cargo efetivo. Lembrando que os servidores temporários ou em
cargo de comissão, bem como os empregados, estão excluídos do RPPS (art. 40, §13), estando
vinculados ao RGPS.

§ 13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre


nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se
o regime geral de previdência social.

CUIDADO! Está sujeito ao RGPS o servidor ocupante EXCLUSIVAMENTE de cargo em comissão.


Se estivermos diante de um servidor público efetivo que ocupa também um cargo em comissão,
este estará sujeito ao respectivo regime próprio, e não a RGPS! Assim, é errado falar que o
regime próprio é para servidores estatutários. Pode ser um servidor estatutário, mas com cargo
em comissão. O correto é dizer que estão sujeitos aos regimes próprios os servidores públicos
que têm cargo efetivo.

OBS: Quem tem cargo vitalício (Ex: juiz) também está inserido ao mesmo regime próprio de sua
respectiva entidade da federação. Assim, não há um regime específico para magistrados ou
membros do MP.
OBS²: A EC41 determinou que a gestão dos regimes próprios deveria ser unificada. Em cada ente
da federação deve haver uma entidade responsável por cuidar do respectivo regime próprio. No
Município do RJ, a entidade responsável pela gestão do regime próprio é o PREVI-RIO
(Instituto de Previdência e Assistência do Município), autarquia municipal.

L3344, Art. 9º. O Instituto de Previdência e Assistência do Município do Rio de Janeiro —


PREVI-RIO, mantido sob a forma de autarquia com personalidade jurídica de direito
público interno, autonomia administrativa, patrimônio e gestão financeira próprios,
vinculada à Secretaria Municipal de Administração, tem por finalidade:

I - administrar o regime próprio de previdência do Município; e


II - conceder benefícios assistenciais e prestar serviços a seus segurados.

Observe que o PREVI-RIO cuida não apenas da Previdência (RPPS), mas também da assistência
social (para os servidores). Contudo, a disciplina tem que ser diferente (a estrutura financeira, o
custeio etc), não podendo confundir as duas atuações, por se tratar de 2 ramos distintos da
seguridade social.

Competência legislativa:
Em matéria previdenciária, o art. 22, XXIII traz a competência privativa da União para legislar
sobre seguridade social. Esta é um ramo que abrange a saúde, a previdência e a assistência
social. Já o art. 24, XII, CF traz a competência concorrente entre União, Estados e DF para legislar
sobre previdência social.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


XXIII - seguridade social;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre:
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
Como compatibilizar então estes 2 dispositivos? O art. 22, XXIII está limitado ao Regime Geral de
Previdência Social, tendo em vista a necessidade de uniformidade no âmbito nacional. Já o art.
24, XII está tratando dos regimes próprios, como uma decorrência da autonomia administrativa
dos entes, e permite que estes entes legislem sobre matéria previdenciária para seus servidores.
Como se trata de uma competência concorrente, aplicam-se os parágrafos do art. 24, de modo
que caberá à União editar NORMAS GERAIS, ao passo que os Estados, DF e Municípios editarão
normas específicas para seus regimes próprios.

Tendo em vista que deve haver um grau de uniformização mínima e necessária, a União irá
editar normas gerais e os Estados, DF e Municípios vão poder editar normas específicas,
podendo também ter competência plena em caso de omissão legislativa da União. É este grau
de uniformização mínima que permite, por exemplo, haver compensação financeira entre o
RGPS e os regimes próprios, nos casos de contagem de tempo recíproco de contribuição,
conforme Lei nº 9796/99.

OBS: O Estado do RJ editou a Lei Complementar nº 161/14, regulamentando o art.


40, §4º da CF, para prever os requisitos para aposentadoria especial para carreiras
específicas. O TCE-RJ, contudo, tem entendido que a competência seria privativa da
União, na linha de precedente do STF que diz que, nos casos de Mandado de Injunção
sobre o tema, a legitimidade passiva é do Presidente da República, tendo em vista
que a norma deveria ser editada pela União. A PGE-RJ tem parecer sobre o assunto
entendendo que a lei estadual seria formal e materialmente constitucional.

No exercício da competência para tratar de normas gerais, a União editou a Lei 9.717/98, que
traz as regras gerais sobre os regimes próprios de previdência social. Assim, há uma restrição à
atuação legislativa dos Estados e Municípios, pois além do art. 40 da CRFB temos a legislação
infraconstitucional nacional.

Art. 1º Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito
Federal deverão ser organizados, baseados em normas gerais de contabilidade e atuária,
de modo a garantir o seu equilíbrio financeiro e atuarial, observados os seguintes
critérios:
I - realização de avaliação atuarial inicial e em cada balanço utilizando-se parâmetros
gerais, para a organização e revisão do plano de custeio e benefícios;
II - financiamento mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios e das contribuições do pessoal civil e militar, ativo, inativo e
dos pensionistas, para os seus respectivos regimes;
III - as contribuições e os recursos vinculados ao Fundo Previdenciário da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e as contribuições do pessoal civil e
militar, ativo, inativo, e dos pensionistas, somente poderão ser utilizadas para
pagamento de benefícios previdenciários dos respectivos regimes, ressalvadas as
despesas administrativas estabelecidas no art. 6º, inciso VIII, desta Lei, observado os
limites de gastos estabelecidos em parâmetros gerais; (Redação dada pela Medida
Provisória nº 2.187-13, de 2001)
IV - cobertura de um número mínimo de segurados, de modo que os regimes possam
garantir diretamente a totalidade dos riscos cobertos no plano de benefícios,
preservando o equilíbrio atuarial sem necessidade de resseguro, conforme parâmetros
gerais;
V - cobertura exclusiva a servidores públicos titulares de cargos efetivos e a militares,
e a seus respectivos dependentes, de cada ente estatal, vedado o pagamento de
benefícios, mediante convênios ou consórcios entre Estados, entre Estados e
Municípios e entre Municípios;
VI - pleno acesso dos segurados às informações relativas à gestão do regime e
participação de representantes dos servidores públicos e dos militares, ativos e
inativos, nos colegiados e instâncias de decisão em que os seus interesses sejam objeto
de discussão e deliberação;
VII - registro contábil individualizado das contribuições de cada servidor e dos entes
estatais, conforme diretrizes gerais;
VIII - identificação e consolidação em demonstrativos financeiros e orçamentários de
todas as despesas fixas e variáveis com pessoal inativo civil, militar e pensionistas, bem
como dos encargos incidentes sobre os proventos e pensões pagos;
IX - sujeição às inspeções e auditorias de natureza atuarial, contábil, financeira,
orçamentária e patrimonial dos órgãos de controle interno e externo.
X - vedação de inclusão nos benefícios, para efeito de percepção destes, de parcelas
remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho, de função de confiança
ou de cargo em comissão, exceto quando tais parcelas integrarem a remuneração de
contribuição do servidor que se aposentar com fundamento no art. 40 da
Constituição Federal, respeitado, em qualquer hipótese, o limite previsto no § 2 o do
citado artigo; (Redação dada pela Lei nº 10.887, de 2004)
XI - vedação de inclusão nos benefícios, para efeito de percepção destes, do abono
de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 da Constituição Federal, o § 5º do art.
2º e o § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003.
(Redação dada pela Lei nº 10.887, de 2004)

Parágrafo único. Aplicam-se, adicionalmente, aos regimes próprios de previdência


social dos entes da Federação os incisos II, IV a IX do art. 6 o. (Redação dada pela
Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001)

Destaquemos algumas regras importantes trazidas pela Lei:

• Servidor público cedido:

Caso um servidor público esteja cedido a outro órgão ou entidade, ainda assim permanecerá
vinculado ao regime de origem.

Art. 1o-A. O servidor público titular de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios ou o militar dos Estados e do Distrito Federal filiado a regime
próprio de previdência social, quando cedido a órgão ou entidade de outro ente da
federação, com ou sem ônus para o cessionário, permanecerá vinculado ao regime de
origem. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001)

• Valor da contribuição:

A contribuição do ente federativo não pode ser inferior ao valor da contribuição do servidor,
nem superior ao dobro dessa contribuição.

Art. 2o A contribuição da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,


incluídas suas autarquias e fundações, aos regimes próprios de previdência social a que
estejam vinculados seus servidores não poderá ser inferior ao valor da contribuição do
servidor ativo, nem superior ao dobro desta contribuição.
No âmbito do Município do RJ, a alíquota previdenciária do servidor é de 11%, e a do
Município é de 22%. Perceba que o Municipio também recolhe contribuição para o regime
próprio, e não apenas o servidor.

L3344, Art. 6º. São contribuintes obrigatórios do Regime Próprio de Previdência do


Município do Rio de Janeiro, exclusivamente:

I - os servidores titulares de cargos efetivos do Poder Executivo, inclusive Autarquias


e Fundações, da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas do Município, bem como
seus Conselheiros; e

II - o Município do Rio de Janeiro, suas Autarquias e Fundações.

• Cobertura de déficits:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis pela cobertura de


eventuais insuficiências financeiras do respectivo regime próprio, decorrentes do pagamento de
benefícios previdenciários (art. 2º, §1º).

• Restrição às espécies de benefícios:

De acordo com a lei, os regimes próprios não podem estabelecer benefícios distintos em relação
ao RGPS, salvo os já previstos na Constituição:

Art. 5º Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal não poderão
conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a
Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, salvo disposição em contrário da Constituição Federal.

Assim, um regime próprio não pode garantir para o servidor público um benefício que também
não exista no RGPS, salvo os benefícios já previstos na própria Constituição Federal.
Exemplo: o regime próprio de um Município pode prever como benefício previdenciário o
auxílio-doença, por ser um benefício que também é previsto no RGPS. No entanto, não é possível
prever um benefício de auxílio-amamentação como benefício previdenciário, pois não existe no
regime geral e não é um benefício previsto na CRFB.

No entanto, MUITO CUIDADO! A Lei nº 3344, em seu art. 10, prevê alguns benefícios não
previstos também para o RGPS. Isso significa que ela seria inconstitucional? NÃO! É
importante frisar que a vedação na legislação nacional não quer dizer que o Estado ou o
município não podem oferecer tais benefícios, a exemplo do auxílio-amamentação, mas sim que
eles não podem ser custeados pela previdência do ente federativo.

Art. 10. São benefícios e serviços assegurados pelo PREVI-RIO:

I - auxílio-natalidade;
II - auxílio-educação
III - auxílio-funeral de pensionista;
IV - auxílio-reclusão;
V - pecúlio post-mortem;
VI - assistência financeira;
VII - serviço social; e
VIII - outros serviços assistenciais definidos em regulamento.

Perceba que, com exceção do auxilio reclusão e do serviço social, nenhum outro benefício está
previsto do RGPS. Contudo, o PREVI-RIO pode sim pagar as outras prestações, mas desde que
as vincule à conta da ASSISTÊNCIA, e não à previdência. A previdência municipal deve estar
restrita ao conteúdo mínimo, que engloba as aposentadorias e as pensões (previstas na CRFB),
além de eventuais outros benefícios que estejam previstos ou venham a ser criados para o
RGPS (como é o caso do auxílio-doença).

Estudadas as normas gerais previstas na legislação nacional, para fecharmos o tema da


competência, vale mencionar que, em relação à previdência complementar, a competência
legislativa para o RGPS é privativa da União (vide LCs nº 108 e 109). Mas as normas relativas à
previdência complementar de servidores públicos são de competência concorrente, pelo
mesmo argumento da autonomia federativa para dispor sobre seus próprios servidores. O tema
da previdência complementar será aprofundado adiante.

2.2 - Previdência Complementar


Conceitos Básicos:
Para que se tenha um bom aproveitamento no estudo da matéria, primeiramente é necessário
ter em mente alguns conceitos básicos que facilitarão a compreensão de assuntos mais
complexos.

Passa-se, então, à conceituação dos elementos principais da previdência privada complementar.

Antes de pensar no aspecto “complementar” do instituto, é necessário entender o que


exatamente significa o fato de se tratar de uma previdência privada.

Conforme leciona o examinador da banca da PGM-RJ, Fábio Zambitte Ibrahim, “o regime de


previdência privada é operado por entidades de previdência complementar, que têm por
objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário” (IBRAHIM,
Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 21ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 787).

Naturalmente, a expressão “privada” – utilizada para designar esta espécie de previdência – se


opõe à noção de “público”. Assim, se por um lado o Estado obriga todo aquele que exerce
atividade remunerada a contribuir para uma previdência oficial – organizada e gerida pelo
próprio Estado – por outro, essa previdência não tem objetivo de manter o padrão de vida do
contribuinte. Nasce, então, a necessidade de se complementar esse valor a ser recebido quando
o participante se aposenta.

No entanto, essa previdência que visa à complementação da renda não é gerida de forma oficial
pelo governo. Fica tal atividade franqueada à iniciativa privada, que oferece esses serviços no
mercado, com sua atuação limitada pelos respectivos órgãos reguladores e fiscalizadores,
mediante adesão facultativa do próprio participante, que arcará com a complementação.
Por óbvio, trata-se de atividade econômica de importe relevância social, inclusive, com a
inserção de sua guarida constitucional no Título VIII – Da Ordem Social, o que demanda a
necessidade de controle e supervisão pelo Estado.

Sistema previdenciário implementar, suplementar e complementar em sentido estrito.


Trata-se de diferenciação conceitual doutrinária que pode ser questionada, principalmente, em
provas discursivas e orais. O sistema previdenciário será implementar quando for desvinculado
do Regime Geral de Previdência Social ou mesmo do Regime Próprio dos servidores públicos.

O sistema previdenciário suplementar terá vez quando o plano privado contratado pagar um
valor adicional ao RGPS, ainda que não tenha a obrigação de manter a mesma remuneração que
o participante tinha em atividade. Por sua vez, o regime complementar em sentido estrito é
observado quando há um compromisso por parte da entidade de previdência em manter o
mesmo padrão de vida do participante.
Observação: Conforme o entendimento majoritário da doutrina, no direito brasileiro, a
previdência complementar obedece à primeira lógica e pode ser caracterizada como
implementar. Isso porque não há qualquer relação entre o benefício concedido pelas entidades
privadas com as prestações auferidas junto à previdência pública, ainda que o participante tenha
a clara intensão de complementar sua renda.

Todavia, tal posicionamento não é unânime no que se refere a bancas de concurso.

Principais diplomas normativos aplicáveis:


Um dos fatores mais importantes para o estudo de qualquer matéria é a organização dos
diplomas normativos que a regem. Seja pela organização do pensamento em si, ou mesmo pela
grande incidência de questões retiradas da lei, a esquematização destes diplomas é de suma
importância, bem como sua leitura. Sendo assim, observe-se abaixo quadro com os principais
diplomas normativos que regem a previdência complementar:

PRINCIPAIS DIPLOMAS NORMATIVOS

Art. 202, CRFB Previdência Complementar Privada


Art. 40, §§ 14 a 16 CRFB Previdência Complementar do Servidor
LC 109/01 Regulamenta a Previdência Complementar de forma geral
LC 108/01 Dispõe sobre entidades fechadas patrocinadas pelo Estado
Lei 12.618/2012 Previdência complementar dos servidores públicos federais

Observação: a Lei 12.618/12, que trata da previdência complementar dos servidores, não
tramitou como Lei Complementar em razão de disposição do art. 40, § 15, CRFB, que não faz
esta exigência em relação à regulamentação do instituto para os servidores.

Observação 2: No âmbito do Estado do RJ, a LEI Nº 6243, de 2012 previu a criação da RJ-PREV,
entidade voltada a administrar e executar plano de benefícios de caráter previdenciário
complementar no âmbito do Estado. Destaque-se que o Município do RJ não editou ainda lei
prevendo a criação de uma previdência complementar, mas há a intenção de se criar a
CariocaPrev.7

7
https://odia.ig.com.br/colunas/servidor/2019/07/5664628-prefeitura-do-rio-planeja-criacao-de-
previdencia-complementar.html
Principais figuras do regime de Previdência Complementar:
O regime de previdência complementar é composto basicamente de uma relação bilateral. De
um lado, as entidades de previdência complementar que oferecem os planos. No outro lado da
relação, as pessoas físicas que as contratam almejando um benefício maior no futuro. Em
relação às entidades de previdência complementar, podem ser elas abertas ou fechadas, de
acordo com sua finalidade lucrativa, ou não, e características de adesão.

Já em relação às pessoas físicas que aderem ao plano, há também uma distinção importante a
ser feita. No momento em que uma pessoa contrata um plano de benefícios junto a uma
entidade, passa a ser participante de um plano. Assim, o participante é aquele que adere a um
plano de benefícios e permanece a este vinculado. Posteriormente, quando se concede o
benefício, surge a figura do assistido. Há duas situações possíveis: a primeira, em que o próprio
participante passa a receber um benefício, caso em que será um participante em gozo de
benefício. Quando, porém, quem passa a usufruir de fato do benefício é um terceiro, este será
beneficiário.

Trata-se de uma distinção básica, prevista no art. 8º, LC 109/01. Todavia, o assunto já foi objeto
de prova, conforme se observa abaixo.

CESPE (MPU, 2013) “No âmbito das normas de previdência privada complementar,
assistido é a pessoa física que aderir aos planos de benefícios”. GABARITO: ERRADO

Perceba-se que a banca confundiu os conceitos de participante e beneficiário, motivo


pelo qual a questão está errada.

Entidades abertas e fechadas de previdência complementar:


Uma das distinções mais importantes a serem feitas dentro do regime de previdência
complementar é aquela que separa as entidades abertas das entidades fechadas de previdência
complementar. Esse recorte irá influenciar em diversos outros conceitos, bem como no
posicionamento dos tribunais superiores em relação à matéria. Por isso, importante fazer tal
conceituação de plano.

Entidades Abertas de Previdência Complementar (EAPC)

As entidades abertas de previdência complementar são reguladas pela Lei Complementar


109/01, que estabelece uma série de regras para seu funcionamento. Basicamente, são
entidades constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e têm por objetivo
instituir e operar planos de benefícios de caráter previdenciário concedidos em forma de renda
continuada ou pagamento único, acessíveis a quaisquer pessoas físicas (art. 36, LC 109/01).

(i) Atividades

É fácil perceber desde logo que as entidades abertas têm como principal característica a sua
finalidade lucrativa. Importante também observar que estas operadoras podem exercer outras
atividades. Assim, por exemplo, uma seguradora que atua no ramo dos seguros de vida pode
também oferecer plano de benefícios de uma previdência complementar, desde que obtenha
autorização junto aos órgãos de fiscalização.
(ii) Objetivos

O objetivo principal de uma EAPC é, naturalmente, a instituição e operação de planos de


benefícios de caráter previdenciário, conforme dispõe o próprio art. 36, LC 109/01. O mais
comum é que tais entidades tenham finalidade lucrativa, uma vez que se trata de serviço
oferecido no mercado. Todavia, nada impede a formação de mútuos. Em outras palavras, as
EAPC podem ser constituídas também sem qualquer finalidade lucrativa, como consignado no
art. 77, LC 109/01. Tal conclusão foi expressa no Enunciado 165 da Jornada de Direito Civil do
Conselho Federal de Justiça. Veja-se.

Enunciado 185, CJF: “A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da


previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de
entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos
de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”.

(iii) Regulamentação

A regulamentação das EAPC é realizada primordialmente pelo Conselho Nacional de Seguros


Privados - CNSP, enquanto a fiscalização é realizada pela Superintendência de Seguros Privados
- SUSEP, ambos os órgãos criados pelo Decreto-Lei 73/66, vinculados ao Ministério da Economia.
Além disso, há outras entidades envolvidas na fiscalização das EAPC. Destaca-se a atuação do
Conselho Monetário Nacional – também vinculado ao Ministério da Fazenda – bem como de
outros órgãos reguladores, como BACEN, CVM, IRB e outros.

Ressalte-se que o fato de ser possível o oferecimento de um benefício coletivo não transforma
a natureza aberta da Entidade. Nos planos coletivos, o objetivo é garantir benefício
complementar para pessoas físicas vinculadas, direta ou indiretamente, a uma pessoa jurídica
que assume o papel de contratante. Todavia, esse protagonismo assumido pela pessoa jurídica
não desnatura a essência da EAPC, que continua oferecendo planos de benefício ao público em
geral.

Nas Entidades Fechadas os planos são exclusivos dos trabalhadores ou classe vinculados àquela
entidade.

Em relação às espécies de benefícios, há diversas modalidades, podendo-se destacar a


existência de três: Contribuição Definida, Benefício Definido e Contribuição Variável. Estas
modalidades nada mais são do que fórmulas distintas para calcular o benefício de acordo com
fatores atuariais e financeiros a serem considerados. Em resumo, nos planos de Benefício
Definido, há um conhecimento prévio do participante em relação ao benefício que irá receber
futuramente.

Assim, a EAPC calcula com quanto o participante deverá contribuir durante determinado
período de tempo para que tenha um valor fixo como benefício. Trata-se de modalidade mais
vantajosa para o participante, uma vez que tem assegurado o valor de seu benefício no futuro.
Em relação ao risco desta modalidade, este se concentra na EAPC, uma vez que o valor do
benefício é definido à época da contratação.

Desta forma, caso a contribuição seja calculada em menor monta que o necessário para garantia
da constituição de reserva matemática suficiente para a respectiva cobertura, fica a cargo da
EAPC o pagamento do benefício como parte de sua obrigação contratual. Ao contrário da
modalidade de contribuição definida, caso a reserva se esgote, a EAPC continua obrigada ao
pagamento do benefício contratado. É comumente denominada de “renda vitalícia”.

Nos planos de Contribuição Definida, o valor pago pelo participante periodicamente é fixo,
enquanto o valor do benefício futuro é variável. Nessa modalidade, o cálculo para se chegar ao
valor do benefício é feito apenas no momento de sua concessão. Essa modalidade é nitidamente
mais favorável ao fundo de pensão, na medida em que lhe reserva a possibilidade de calcular o
valor do benefício munido dos dados atuariais vigentes à época da concessão do benefício.
Portanto, o risco se concentra na figura do participante, que irá optar por um número e valor de
parcelas de benefícios, de acordo com o montante acumulado em sua reserva matemática.

Acaso o valor contratado seja demasiadamente elevado em comparação ao número de parcelas,


a tendência é que a reserva se esgote antes do falecimento do participante, agora assistido em
gozo de benefício.

Por fim, há os planos de Contribuição Variável, que combinam características das duas
modalidades anteriores. Nesta espécie, o participante não é obrigado a contribuir com um valor
fixo mensal. Assim, fica livre para fazer contribuições no valor que desejar e, ao final, o benefício
será calculado de acordo com aquelas contribuições que foram feitas. Nesta modalidade, o risco
varia de acordo com o arranjo previdenciário contratado.

No caso das EAPC, a escolha dessas modalidades é livre, não havendo restrições à utilização de
qualquer uma delas. Veja-se questão sobre o tema:

CESPE (FUNPRESP-JUD, 2016) Os valores dos benefícios são previamente estabelecidos


no plano de benefício previdenciário na modalidade de benefício definido. Na
modalidade de contribuição definida, esses valores devem ser ajustados ao saldo de
conta mantido em favor do participante”. GABARITO: CERTO

Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC):

As Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) não oferecem planos de benefícios


a qualquer pessoa. A criação destas entidades é destinada ao fim específico de
operacionalização de planos para um grupo específico de pessoas. Destaca-se que a forma de
organização e as peculiaridades da EFPC – que serão vistas a seguir – já foram objeto de prova
discursiva para o cargo de Advogado da União. Veja-se.

CESPE (AGU, 2015): prova discursiva – Redija um texto dissertativo a respeito do regime de
previdência complementar, com base nas disposições constitucionais, infraconstitucionais
e nos entendimentos jurisprudenciais sobre a matéria. Em seu texto, aborde: 2) a forma de
organização, a possibilidade de finalidade lucrativa e a identificação dos responsáveis pela
regulação e pela fiscalização das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC)

(i) Figuras importantes

Feitos os esclarecimentos iniciais, cumpre agora conhecer exatamente quem são os atores desta
relação jurídica. Primeiramente, é essencial esclarecer quem pode instituir um plano fechado de
previdência. São três possibilidades: o Empregador (empresa privada), os Entes Federados
(União, Estados, DF e Municípios) e as Entidades de Classe profissional (Associações ou
Sindicatos).

Nos dois primeiros casos, em que a EFPC é instituída pelo Empregador ou por um Ente Federado,
estes serão patrocinadores da EFPC. Já no caso de Entidades de Classe, estas serão chamadas
de instituidoras. Do outro lado da relação, estão os participantes e os assistidos, conforme a já
comentada distinção do art. 8º, LC 109/01.

(ii) Forma de constituição

No caso das Entidades Abertas, como visto, a finalidade lucrativa da atividade não é vedada.
Pelo contrário, é mais comum que exista esta finalidade. Todavia, no caso das entidades
fechadas, não se busca o lucro, e sim o bem estar dos participantes do plano. Por isso, pode-se
dizer que enquanto as entidades abertas são marcadas pela finalidade lucrativa, as fechadas
são marcadas pelo associativismo. Por isso mesmo, a forma a ser adotada pela EFPC deverá ser,
necessariamente, a de fundação ou sociedade civil, conforme disposição do art. 31, § 1º, LC
109/01.

(iii) Gestão

Outra distinção importante a se fazer em relação às EAPC é que nas entidades fechadas
instituídas, a gestão dos recursos garantidores das reservas técnicas e provisões das entidades
fechadas deve ser, necessariamente, terceirizada mediante a contratação de instituição
especializada autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil ou outro órgão competente,
devendo oferecer somente benefício na modalidade de contribuição definida. É a disposição do
art. 31, § 2º, I, LC 109/01. No caso das entidades fechadas patrocinadas, estas realizam a gestão
dos próprios recursos garantidores, comportando possibilidade de terceirização, via
excepcional, através da transferência de gestão.

(iv) Atividades

Ao contrário das EAPC, as EFPC não podem praticar outras atividades que não a operação dos
planos de benefícios de previdência complementar. Isso se justifica uma vez que sua principal
característica é o oferecimento de produtos previsionais, em vista de seu objetivo social. Sendo
assim, como o principal objetivo destas entidades é o oferecimento de planos para
trabalhadores, servidores ou classes de profissionais, não faria sentido que tais instituições
pudessem exercer qualquer outro tipo de atividade.

Cabe ressaltar que as EFPC que mantinham o serviço de plano de saúde antes da vigência da LC
109/01 mantém sua condição como administradora do mesmo, seja através de gestão
terceirizada ou autogestão, na forma do art. 76.

(v) Regulamentação

Uma distinção muito importante das EFPC em relação às EAPC é a regulamentação por parte do
Estado. Como já visto, o órgão responsável pelo mercado aberto é a CNSP, e o órgão fiscalizador
é a SUSEP, vinculados ao Ministério da Fazenda, havendo também outras instituições com
poderes regulatórios. Já em relação às EFPC, o órgão fiscalizador responsável é a
Superintendência Nacional de Previdência Social – PREVIC, vinculada ao Ministério da Economia.
Além disso, há regulamentação por meio do Conselho Nacional da Previdência Complementar -
CNPC, igualmente vinculado ao Ministério da Economia.

Observação: cabe esclarecer que tanto a SUSEP quanto a PREVIC são constituídas na forma de
autarquia federal. Como se pode imaginar, tais distinções entre entidades abertas e fechadas
costumam ser exploradas em prova. Veja-se questão objetiva do último concurso da AGU, para
o cargo de Advogado da União, realizado em 2015.

CESPE (AGU, 2015) “Cabe ao Conselho Nacional de Previdência Complementar regular o


regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência
complementar, ao passo que compete à Superintendência Nacional de Previdência
Complementar fiscalizar e supervisionar as atividades desenvolvidas por essas mesmas
entidades”. GABARITO: CERTO

(vi) Plano de benefícios

Conforme já visto anteriormente, existem três tipos básicos de modalidades para o


oferecimento de um plano de benefícios programado de previdência complementar. Trata-se
dos planos de Benefício Definido, Contribuição Definida e Contribuição Variável. Nos planos
oferecidos pelas EAPC e EFPC patrocinadas não há qualquer restrição à utilização dessas
modalidades.

Todavia, no caso das EFPC instituídas a lei obriga a utilização da modalidade Contribuição
Definida. Esta é a disposição do art. 31, § 2º, II da LC 109/01. Na previdência complementar do
serviço público os planos de previdência somente poderão ser oferecidos na modalidade
Contribuição Definida, como determina o art. 40, § 15, CRFB. Isso se justifica pois, como já visto
anteriormente, esses planos tendem a oferecer uma segurança maior ao Patrocinador, que não
precisa se comprometer com o valor do benefício logo no momento da adesão do participante.

Ao contrário, esse valor é calculado apenas quando há o requerimento do benefício, o que torna
a gestão mais austera e menos suscetível a riscos. Outro fator importante relacionado aos planos
de benefícios das EFPC é a disposição do art. 14, LC 109/01, em que o legislador determina uma
série de institutos a serem observados pelas EFPC. São eles: benefício proporcional diferido,
portabilidade, resgate e a faculdade de manutenção de contribuição.

O benefício proporcional diferido consiste na possibilidade de o participante receber um


benefício proporcional ao que lhe seria devido no caso de haver suspensão de suas
contribuições, preservando a relação jurídica com a entidade de previdência.

Aqui cabe esclarecer que somente as contribuições com finalidade previdencial são suspensas,
ainda incorrendo descontos administrativos. O instituto ocorre com a cessação do vínculo
empregatício com o patrocinador, ou vínculo com o instituidor. No entanto, é necessário que
haja preenchimento dos requisitos mínimos para recebimento do benefício como, por exemplo,
a idade mínima.

Já a portabilidade consiste no direito de o participante levar suas reservas para outra entidade
fechada, em razão da cessação do vínculo empregatício com o patrocinador, ou vínculo com o
instituidor, encerrando sua relação jurídica com a entidade cedente.
A título de exemplo, imagine que um trabalhador participe de um plano de previdência
complementar na EFPC criada pela empresa “A”, atual empregadora. Depois de 10 anos
trabalhando nesta empresa, o trabalhador muda de emprego e passa a trabalhar na empresa
“B”, que também oferece um plano de previdência através de sua EFPC. Nesse caso, o
trabalhador terá direito de fazer a portabilidade de suas reservas constituídas ao longo desses
10 anos do primeiro para o segundo fundo.

O resgate consiste na possibilidade de retirada dos valores pagos na vigência do período de


vinculação à EFPC. Ocorre principalmente quando o participante abandona o sistema privado
de previdência, ou quando se vale dele apenas para poupança. No entanto, o resgate é limitado,
pois contraria os próprios objetivos da previdência complementar.

Por fim, a faculdade de manutenção de contribuição expressa a possibilidade de o participante


manter o valor de sua contribuição e a do patrocinador, no caso de perda parcial ou total de
remuneração recebida, para assegurar a percepção dos benefícios nos níveis correspondentes
àquela remuneração ou em outros definidos em normas regulamentares.

Características da Previdência Complementar:

Os princípios ou características da previdência complementar, apesar de muito pouco tratados


pela doutrina de maneira organizada, são de grande importância para a compreensão geral do
assunto.

o Caráter complementar

Remete ao próprio conceito de previdência complementar, que é o de implemento da renda do


contratante quando se aposentar.

o Autonomia

Significa que, em regra, não depende nem se vincula aos regimes oficiais de previdência (RGPS
e RPPS), sendo completamente autônomo em relação a tais regimes. Observe-se que esta
característica pode ser relativizada pelas partes no âmbito da liberdade contratual. Isso ocorre
quando, no regulamento do plano de benefícios, elas condicionam a percepção do benefício
complementar ao benefício do RGPS ou do RPPS. No entanto, esta situação não afasta, por si
só, a autonomia das relações.

o Contratualidade

A característica da contratualidade expressa a relação bilateral existente na previdência


complementar. Este é o pensamento da doutrina majoritária. Contudo, importante ressaltar que
os contratos relativos à previdência complementar obedecem a uma lógica de desigualdade
entre as partes. Isso porque este tipo de cobertura previdencial é oferecida no mercado
“livremente” (valendo lembrar a atuação da tutela estatal na regulamentação e fiscalização),
por instituições privadas. Trata-se, portanto, de um contrato civil, ao contrário do que se observa
no RGPS, em que a filiação é obrigatória e as relações são regidas pelo direito público.

Há, então, uma clara mitigação da relação sinalagmática tradicional dos contratos civis em razão
da restrição à autonomia da vontade decorrente dos contratos oferecidos de forma padronizada
pelas empresas. Por isso, parte da doutrina classifica o contrato de previdência complementar
como um típico contrato de adesão, o que naturalmente induz a ingerência estatal através de
mecanismos de controle, tornando-o um contrato civil sui generis.

Observação: Esta conclusão tem importantes repercussões práticas no que se refere à aplicação
do Código de Defesa do Consumidor a tais contratos, matéria que foi tratada pelo STJ e será
vista em tópico apartado. É importante destacar que existem diversas relações jurídicas que
permeiam o Regime de Previdência Complementar. Por exemplo, a relação do participante para
com a EFPC, da EFPC para com o Patrocinador ou Instituidor, da EFPC com a administração
pública etc. Tipicamente, estas relações se dão de forma bilateral e através de um conjunto de
instrumentos contratuais denominados comumente pela doutrina como “arranjo
previdenciário” (regulamento do plano, convênio de adesão do patrocinador, termo de adesão
do participante, plano de custeio do plano de benefício, dentre outros ).

o Facultatividade

Esta característica possui dois aspectos distintos. No âmbito das EAPC, significa dizer que só
adere a um plano de benefícios aquele que quiser. Não há, como no regime geral, uma
obrigatoriedade de adesão mediante contribuição mensal. O benefício complementar é
destinado apenas às pessoas que desejam ter um incremento futuro em sua renda após a
aposentadoria. Já no caso das EFPC, tal característica funciona em “via dupla”. Se por um lado a
adesão dos participantes continua sendo facultativa, por outro, a própria existência de um plano
de benefícios complementar também é de criação facultativa pelo empregador/sindicato. Não
há uma obrigatoriedade na oferta de tais planos de benefícios, mesmo porque caso um
trabalhador queira contratar uma previdência complementar, e seu empregador ou sindicato
não ofereça um plano, poderá fazê-lo mediante adesão a um plano aberto de previdência.

o Constituição de reservas

A característica da constituição de reservas indica a necessidade de equilíbrio financeiro e


atuarial nos planos de previdência. O equilíbrio financeiro se relaciona com a gestão dos
recursos, que deve ser feita de forma responsável e profissional. Já o equilíbrio atuarial se refere
à necessidade de observância de critérios atuariais mais complexos, como a expectativa de vida,
idade e capacidade econômica dos participantes de um plano. Todo esse sistema tem como
objetivo principal garantir a higidez no sistema, de maneira que as reservas sejam suficientes
para fazer frente aos benefícios que serão pagos.

o Transparência

O princípio da transparência é também aplicável à previdência complementar, tendo


envergadura constitucional. Com efeito, art. 202, § 1º, CRFB prevê o pleno acesso às
informações como um direito de todos os participantes de um plano. Esta disposição não apenas
tem o condão de garantir uma gestão responsável, como também de franquear ao participante
os instrumentos para fiscalização destas entidades. Esta garantia se evidencia na leitura de
diversos dispositivos da LC 109/01 como, por exemplo, os artigos 3.º, IV; 10, § 1.º; 22 e 24, cuja
leitura se recomenda.

o Independência da relação de trabalho do participante

Por fim, destaca-se como uma das principais características da previdência complementar a
independência deste vínculo ao da relação de trabalho que o participante mantém com seu
empregador. Trata-se de postulado nitidamente voltado às EFPC. Conforme dispõe o art. 202, §
2º, CRFB, “as contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas
nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não
integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios
concedidos, não integram a remuneração dos participantes”. A esse respeito, veja-se questão
abaixo, cobrada em concurso:

CESPE (AGU, 2015) – O regime de previdência privada tem como características


a complementaridade, a autonomia em relação ao RGPS, bem como o caráter
facultativo, e baseia-se na constituição de reservas que assegurem o benefício
contratado. GABARITO: CORRETO

Questões jurisprudenciais importantes:

Aplicação do Código de Defesa do Consumidor

A aplicação, ou não, do Código de Defesa do Consumidor nas causas relacionadas à previdência


complementar já foi matéria de muita controvérsia nos Tribunais Superiores, especialmente no
STJ.

Em um primeiro momento, o STJ definiu seu posicionamento no sentido de que o microssistema


seria aplicável às causas relativas à previdência complementar, o que culminou com a edição da
Súmula 321, que dispunha o seguinte:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a


entidade de previdência privada e seus participantes”.

Todavia, esta solução aplicada pelo STJ mostrou-se insuficiente. Ao aplicar o CDC a todas as
entidades de previdência indistintamente, o STJ acabava por desconsiderar uma das maiores
diferenças entre entidades abertas e entidades fechadas, que é a dicotomia “lucro x
associativismo”. Como já visto, as entidades abertas buscam, fundamentalmente, o lucro (ainda
que seja possível que tenham fins apena filantrópicos). Justamente em razão disso têm como
sua forma societária padrão a sociedade anônima. Por sua vez, as entidades fechadas possuem
finalidade associativa, existindo apenas para operacionalizar os planos de benefícios aos seus
participantes. Existem, portanto, na forma de fundação ou sociedade civil. Em razão disso, o STJ
aprofundou a discussão e passou a rever o posicionamento estampado na Súmula 321. Tal
reflexão gerou uma reforma jurisprudencial que culminou na Súmula 563.

Agora, para o STJ, o CDC aplica-se apenas às entidades abertas de previdência, e não mais às
fechadas. Veja-se o conteúdo da Súmula.

Súmula 563-STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades


abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos
previdenciários celebrados com entidades fechadas.

Competência para julgamento de causas sobre previdência complementar:

Uma das questões jurisprudenciais mais relevantes relacionadas à matéria, a determinação da


competência para julgamento das ações tangentes à previdência complementar se relaciona
diretamente com uma de suas características, que é a independência da relação de trabalho. A
discussão gira em torno, basicamente, do conflito de competência gerado entre a justiça comum
e a justiça do trabalho nos casos em que o plano previdenciário é oriundo de uma Entidade
Fechada.

Por exemplo, imagine-se que a Empresa “A” criou um fundo de pensão chamado de “Fundação
PREV A” para oferecer a seus trabalhadores planos de previdência com fins de complementação
de renda. Como já visto, nesse caso trata-se de uma entidade fechada, cujos planos são
oferecidos apenas para os empregados desta empresa. Agora, imagine que João, empregado da
Empresa “A”, lá trabalhou por mais de 30 anos e aderiu ao plano de previdência complementar
da Fundação “PREV A”, tendo sido participante por mais de 20 anos. Depois disso, João se
aposentou pelo RGPS e resolveu requerer o benefício complementar. Todavia, discordou do
método utilizado pela Fundação para o cálculo deste benefício e resolveu ajuizar uma ação
contra ela em litisconsórcio com sua ex empregadora, elegendo a Justiça do Trabalho como foro
competente para processar e julgar sua ação. A justificativa para essa escolha é que o contrato
relativo ao plano de previdência complementar é vinculado ao seu contrato de trabalho, e que
a Fundação “PREV A” faz parte do mesmo grupo econômico que a Empresa “A”, de maneira que
a questão relativa ao seu benefício é vinculada ao seu contrato de trabalho.

Durante muito tempo, a jurisprudência do TST adotou este entendimento. Contudo, apesar de
parecer juridicamente viável, tal tese não prosperou no STF. A questão constitucional envolvida
diz respeito justamente à previsão do art. 202, 2º, CRFB, que determina a independência do
contrato previdenciário em relação ao contrato de trabalho. Prevê ainda o mesmo dispositivo
que os valores auferidos em decorrência deste contrato não integram o salário do trabalhador.
Ao interpretar este dispositivo, o STF chegou à conclusão de que o julgamento das causas
relativas à previdência complementar são de competência da Justiça Comum, e não da Justiça
do Trabalho. Pela importância, transcreve-se parte do acórdão do RE 586453/SE.

Recurso extraordinário – Direito Previdenciário e Processual Civil – Repercussão


geral reconhecida – Competência para o processamento de ação ajuizada contra
entidade de previdência privada e com o fito de obter complementação de
aposentadoria – Afirmação da autonomia do Direito Previdenciário em relação
ao Direito do Trabalho – Litígio de natureza eminentemente constitucional, cuja
solução deve buscar trazer maior efetividade e racionalidade ao sistema –
Recurso provido para afirmar a competência da Justiça Comum para o
processamento da demanda – [...] 1. A competência para o processamento de
ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência complementar é da
Justiça comum, dada a autonomia do Direito Previdenciário em relação ao
Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da Constituição Federal a
excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da
Magna Carta. [...] 3. Recurso extraordinário de que se conhece e ao qual se dá
provimento para firmar a competência da Justiça comum para o processamento
de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência buscando-se
o complemento de aposentadoria. [...]

Portanto, em regra, compete à justiça comum estadual o julgamento de causas relativas à


previdência complementar, ainda que oriundas de relação estabelecida em EFPC vinculada ao
empregador do participante/beneficiário.
Ademais, a título de complementação, vale destacar precedente recente do STJ que afastou a
legitimidade passiva do patrocinador nos casos de litígios ligados estritamente ao plano
previdenciário:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PREVIDÊNCIA


COMPLEMENTAR. CONTRATO DE TRABALHO E CONTRATO DE PREVIDÊNCIA
COMPLEMENTAR. VÍNCULOS CONTRATUAIS AUTÔNOMOS E DISTINTOS. DEMANDA
TENDO POR OBJETO OBRIGAÇÃO CONTRATUAL PREVIDENCIÁRIA. LEGITIMIDADE DA
PATROCINADORA, AO FUNDAMENTO DE TER O DEVER DE CUSTEAR DÉFICIT.
DESCABIMENTO. ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR.
PERSONALIDADE JURÍDICA PRÓPRIA. EVENTUAL SUCUMBÊNCIA. CUSTEIO PELO FUNDO
FORMADO PELO PLANO DE BENEFÍCIOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA, PERTENCENTE AOS
PARTICIPANTES, ASSISTIDOS E DEMAIS BENEFICIÁRIOS.
1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015 (art. 543-C do
CPC/1973), são as seguintes: I - O patrocinador não possui legitimidade passiva para
litígios que envolvam participante/assistido e entidade fechada de previdência
complementar, ligados estritamente ao plano previdenciário, como a concessão e a
revisão de benefício ou o resgate da reserva de poupança, em virtude de sua
personalidade jurídica autônoma.
II - Não se incluem, no âmbito da matéria afetada, as causas originadas de eventual ato
ilícito, contratual ou extracontratual, praticado pelo patrocinador.
2. No caso concreto, recurso especial não provido.
(REsp 1370191/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
13/06/2018, DJe 01/08/2018)

Regramento aplicável para o cálculo da renda inicial:

Em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, a Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) definiu que devem ser seguidas pelos planos de previdência privada, para o cálculo
da renda mensal inicial do benefício, as regras vigentes à época do preenchimento dos requisitos
para a aposentadoria, e não as da data de adesão (STJ, REsp 1435837).

Foi firmada a tese segundo a qual “o regulamento aplicável ao participante de plano fechado de
previdência privada para fins de cálculo da renda mensal inicial do benefício complementar é
aquele vigente no momento da implementação das condições de elegibilidade, haja vista a
natureza civil e estatutária, e não o da data da adesão, assegurado o direito acumulado” (Tema
907).

“Assim, não há falar em direito adquirido, mas em mera expectativa de direito do participante,
à aplicação das regras de concessão da aposentadoria suplementar quando de sua admissão ao
plano, sendo apenas assegurada a incidência das disposições regulamentares vigentes na data
em que cumprir todos os requisitos exigidos para a obtenção do benefício, tornando-o elegível.
Esse entendimento está positivado nos artigos 17, parágrafo único, e 68, parágrafo 1°, da Lei
Complementar 109/2001”, sustentou o relator.

Assim, mostra-se incabível eventual pretensão revisional para fazer incidir fórmula não mais
vigente, prevista em regulamento da época da adesão ao plano, quando o que reinava era
apenas a mera expectativa de direito.

Recentemente, o STJ também entendeu que a falta de previsão expressa no regulamento


vigente à época da aposentadoria não impede que as entidades fechadas de previdência
complementar cobrem reserva matemática adicional do assistido, com o objetivo de manter o
equilíbrio econômico-financeiro e atuarial do plano de benefícios. O entendimento é da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tem como base a regra da contrapartida e o
princípio do mutualismo.

De acordo com a relatora, o artigo 202 da Constituição estabelece que o regime de previdência
privada será baseado na formação de reservas que garantam o benefício contratado,
evidenciando a denominada "regra da contrapartida", a qual se alinha ao princípio do
mutualismo, segundo o qual todos os participantes e beneficiários do contrato de previdência
privada assumem os riscos envolvidos, porque são todos também titulares da universalidade
dos valores alocados no plano de benefícios.

Necessidade de o participante se desligar do vínculo empregatício para receber o benefício:

De acordo com o STJ, nos planos de benefícios de previdência privada patrocinados pelos entes
federados - inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas
controladas direta ou indiretamente -, para se tornar elegível a um benefício de prestação que
seja programada e continuada, é necessário que o participante previamente cesse o vínculo
laboral com o patrocinador, sobretudo a partir da vigência da Lei Complementar n. 108/2001,
independentemente das disposições estatutárias e regulamentares". 2. No caso concreto,
recurso especial provido. (REsp 1433544/SE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 09/11/2016, DJe 01/12/2016)

3 – DIREITO FINANCEIRO:

3.1 – Princípios do Direito Financeiro:


Ricardo Lobo Torres, grande referência para as bancas do Rio de Janeiro, faz uma grande
listagem de princípios (mais de 30), agrupando-os em 4 grupos: Justiça, Equidade, Segurança
Jurídica e Legitimidade.
Em virtude da extensão do tema, iremos trabalhar princípios gerais do direito financeiro que
consideramos mais importante para a prova da PGM/RJ, também trabalharemos nesse ponto
os princípios expressos na LRF.

1) Princípio da Legalidade:

De acordo com o art. 167, I, e II da CRFB, temos que:


Art. 167. São vedados:

I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;

II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos


orçamentários ou adicionais;
No direito financeiro, o princípio da legalidade traz a ideia de que as finanças públicas não
podem ser manejadas sem autorização legal. Em outras palavras, a lei do orçamento é que
permite a realização de gastos públicos, sendo inclusive considerada crime contra as finanças
públicas a ordenação de despesa não autorizada em lei (art. 359-D do Código Penal).
Assim, tem-se que o art. 107 da L4320, ao permitir que o orçamento das autarquias e estatais
fosse aprovado por decreto do Poder Executivo, não foi recepcionado pela CRFB.

2) Princípio da Anualidade:

A lei do orçamento possui uma periodicidade anual, ou seja, as despesas e receitas são
estimadas para o intervalo de um ano, o qual coincide com o exercício civil (art. 34 da L4320).
O próprio nome da lei do orçamento é intuitivo nesse sentido: Lei Orçamentária ANUAL.
Tal princípio encontra fundamento legal no art. 2º a L4320/64, o qual ainda traz o princípio da
universalidade e da unidade, que serão estudados adiante.
Art. 2° A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a
política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de
unidade universalidade e anualidade.

OBS: O princípio da anualidade no direito financeiro não se confunde com a ideia de anualidade
TRIBUTÁRIA, a qual não mais subsiste no direito brasileiro. A anualidade tributária seria a
necessidade de que, para a cobrança de tributos, houvesse uma autorização no orçamento.
Ocorre que, tendo em vista que a CF de 88 previu o princípio da anterioridade tributária, não
houve mais a necessidade de vincular a cobrança de um tributo a uma autorização orçamentária.
No entanto, destaque-se que existe corrente isolada que entende que a anualidade tributária
ainda subsistiria no direito brasileiro (nesse sentido: Flávio Bauer Novelli).

3) Princípio da Unidade:

De acordo com este princípio, deve haver apenas um orçamento para cada ente da federação,
em cada exercício financeiro.
Assim, os planos de trabalho de autarquias, fundações públicas e estatais dependentes devem
estar previstos em uma única lei orçamentária, não sendo possível o destaque em decretos.
No entanto, o referido princípio não impede que haja subdivisões, tal qual ocorre nos três
suborçamentos previstos no art. 165, §5º da CRFB. De acordo com Harrison Leite, a unidade
“não se refere a uma unidade documental, mas a uma orientação política”.

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

(...)

§ 5º A lei orçamentária anual compreenderá:


I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da
administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha


a maioria do capital social com direito a voto;

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados,
da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo
Poder Público.

4) Princípio da Universalidade:

Pelo princípio da universalidade, todas as receitas e despesas devem constar do orçamento.


Nesse sentido, dispõe o art. 3º da L4320:
Art. 3º A Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito
autorizadas em lei.

Na mesma linha, cite-se o art. 5º, §1º da LRF, o qual traz a necessidade de previsão das despesas
relativas à dívida pública e as receitas que serão destinadas ao seu pagamento:
§ 1o Todas as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual, e as receitas que as
atenderão, constarão da lei orçamentária anual.

O princípio da universalidade não se confunde com o da unidade, acima estudado. Enquanto a


universalidade traz a ideia de que o orçamento deve conter TODAS as despesas e receitas, o
princípio da unidade traduz a ideia de unidade e coerência na programação orçamentária.

5) Princípio da proibição do estorno:

De assento constitucional, o referido princípio traz a vedação para que o gestor público
remaneje recursos de uma categoria para outra sem prévia autorização legislativa. Nesse
sentido é a redação do art. 167, VI:
Art. 167. São vedados:

VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de


programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;

O dispositivo veda a transposição, o remanejamento e a transferência de recursos, substituindo


a expressão “estorno de verba”, que constava em Constituições anteriores. Assim, para que haja
essa recategorização ou realocação de recursos, impõe-se a prévia participação do legislativo,
por meio de lei autorizativa específica.
ATENÇÃO! A emenda constitucional EC 85/2015 estabeleceu uma exceção a esse princípio,
permitindo a transferência, a transposição e o remanejamento de recursos de uma categoria
para a outra no âmbito das atividades de ciência, tecnologia e inovação mediante ATO DO
PODER EXECUTIVO, SEM NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA.
Art. 167, § 5º A transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria
de programação para outra poderão ser admitidos, no âmbito das atividades de ciência,
tecnologia e inovação, com o objetivo de viabilizar os resultados de projetos restritos a essas
funções, mediante ato do Poder Executivo, sem necessidade da prévia autorização legislativa
prevista no inciso VI deste artigo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

6) Princípios do Equilíbrio e da Prudência Fiscal:

A lei de responsabilidade fiscal traz ainda 3 grandes princípios:


- Equilíbrio fiscal
- Prudência Fiscal
- Transparência fiscal

Os 2 primeiros estão expressos no artigo 1º, §1º da LRF, e o último está implícito.
LRF, Artigo 1º, § 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente,
em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas,
mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites
e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade
social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação
de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

O objetivo desses princípios é a gestão fiscal responsável.


Assim, na verdade, a LRF é uma lei de responsabilidade na GESTÃO fiscal, e não meramente de
responsabilidade fiscal.
Essa lei era o que faltava no direito financeiro. A lei 4320/64 já regulamentava a receita e a
despesa, mas nada falava sobre gestão fiscal. Nesse interim, a LRF veio para tentar organizar tal
quadro, no contexto desses 3 princípios.
A ideia base do equilíbrio fiscal é a de que a administração deve gastar apenas o que possui.
Dentro desse contexto aparecem dois importantes conceitos:

A) Contingenciamento de despesas (artigo 9º):


É uma expressão cunhada pela mídia. Na LRF, na verdade, fala-se em “limitação de empenho e
movimentação financeira”, que significa a mesma coisa.
Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o
cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes
e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes,
limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes
orçamentárias.

A ideia é: de dois em dois meses para tudo, para ver se entrou o previsto. Se entrou o previsto,
sai o programado.
A lei orçamentária é uma lei que trabalha com previsões, sendo que estas podem não se
concretizar. Por isso é importante essa análise bimestral das receitas.
Assim, se não se arrecadou o esperado, deve ser feita a limitação de empenho. Se foi
arrecadado, o Executivo pode continuar gastando.
O contingenciamento é feito pelo governo, através de ATO ADMINISTRATIVO, e não por meio
de lei.
No entanto, não podem ser contingenciadas algumas despesas previstas no §2º do artigo 9º.
São elas:
- Obrigações constitucionais e legais do ente.
- Pagamento de dívida.
- Outras despesas ressalvadas pela LDO.
Art 9º. § 2o Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do
ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes
orçamentárias.

Um exemplo é o precatório. Não se pode contingenciar o pagamento de precatórios, que é uma


obrigação constitucional do ente (vide art. 100 da CRFB). Também não se pode contingenciar a
dívida pública.

B) Renúncia de Receitas:
É o controle da política de benefícios fiscais, exigindo-se adequação orçamentária para os
mesmos. Assim, quando um determinado ente for conceder uma isenção de um tributo, por
exemplo, precisa observar a LRF.
Não é proibido o subsídio, mas precisa cumprir alguns requisitos previstos no art. 14 da LRF:
Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra
renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro
no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de
diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da


lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas
no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio


do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo,
majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Dessa leitura percebemos que, em verdade, são 3 requisitos para que haja a concessão ou
ampliação de incentivos de natureza tributária:
- Estimativa de impacto do subsídio neste ano e nos dois (2) subsequentes.
- Previsão na LDO (lei de diretrizes orçamentárias)
- E mais um dos 2 requisitos dos incisos.
O inciso I é o ideal, mostra planejamento, organização. Já encaminha no projeto de lei
orçamentária a previsão do subsídio. É o subsídio previsto na LOA, de forma ordenada.
No entanto, o governo muitas vezes acaba fazendo a renúncia de receita ao longo do exercício
financeiro. Nesse caso, o inciso II diz que a renúncia tem que estar acompanhada de medidas de
compensação. Alguém tem que pagar a conta, para não haver desequilíbrio orçamentário.
Esse inciso II está relacionado com o §2º do artigo 14 da LRF, que traz uma “condição de eficácia”
para o ato.
§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste
artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando
implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

Assim, se o poder público escolher a opção do inciso II, o subsídio só vai produzir efeitos quando
forem implementadas as medidas de compensação.
O §1º traz alguns exemplos de renúncia de receitas, para além dos subsídios, como no caso de
anistia.
§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção
em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique
redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a
tratamento diferenciado.

Perceba que a LRF só considera renúncia de receita a isenção em caráter NÃO GERAL, ou seja,
aquela que é concedida mediante o preenchimento de requisitos específicos pelo beneficiário.

Estudado o princípio do equilíbrio fiscal, vejamos o princípio da prudência fiscal. Tal princípio
traduz a ideia de evitar problemas, uma vez que a LRF não foi editada para punir, mas sim para
evitar desequilíbrios orçamentários. Por isso, é necessária a chamada “prudência fiscal”.
A EC 19 trouxe, por exemplo, limite de gastos com servidores públicos, tema muito cobrado em
provas:
CF, Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar. (Redação dada pela pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)

§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções


ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título,
pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo
poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 19, de
1998)

I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos
acréscimos dela decorrentes; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as


sociedades de economia mista. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Essa lei complementar mencionada pela Constituição é a LRF, que fixa os limites nos artigos 18
e seguintes. O limite é de 50% para a União e 60% pros demais entes da federação.
O objetivo da LRF é evitar que o poder público extrapole esses limites. Por isso, existe a previsão
de vários “avisos”.
Se chega a 90% do limite, há um alerta do Tribunal de Contas para que não gaste mais (é o
chamado limite de alerta). -> artigo 59, §1º.
Se chega a 95%, tem-se o limite prudencial, que é bem mais sério, pois traz restrições. Não são
sanções, pois ainda não extrapolou o limite. São restrições para não extrapolar o limite, como a
proibição de provimento em cargo público.

Art 22, Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite,
são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:

I - concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os


derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso
X do art. 37 da Constituição;

II - criação de cargo, emprego ou função;

III - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV - provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição
decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;

V - contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do § 6o do art. 57 da Constituição e as


situações previstas na lei de diretrizes orçamentárias.

7) Princípio da Transparência Fiscal:

Fundamento no artigo 48 da LRF:


Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação,
inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes
orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da
Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses
documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante: (Redação dada pela Lei
Complementar nº 131, de 2009).

I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de


elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; (Incluído pela Lei
Complementar nº 131, de 2009).

II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de


informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos
de acesso público; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).

III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão
mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A.
(Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009) (Vide Decreto nº 7.185, de 2010)

A ideia da transparência é uma evolução do princípio da publicidade (art. 37 da CRFB). Não basta
publicar; tem que publicar e ser claro, acessível, pois só um orçamento transparente permite
que o cidadão tenha ciência dos gastos e receitas públicas e possa promover um adequado
controle.
Por isso, somam-se à transparência as audiências públicas, orçamento participativo etc.
Nesse sentido temos a Lei nº 12527/2011 (a chamada lei do acesso à informação), que exige a
transparência dos gastos do governo.
Sobre o tema, importante mencionar que a CRFB e a LRF preveem alguns relatórios acerca da
execução orçamentária e da gestão: o RREO (Relatório Resumido de Execução Orçamentária) e
o RGF (Relatório de Gestão Fiscal).
O RREO encontra fundamento no art. 165, §3º da CRFB e art. 52 da LRF, tendo por finalidade
“evidenciar a situação fiscal do Ente, de forma especial da execução orçamentária da receita e
despesa sob diversos enfoques”. 8 Tal relatório é BIMESTRAL, devendo ser publicado pelo
Executivo até trinta dias após o encerramento de cada bimestre.
CRFB, Art. 165, § 3º O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada
bimestre, relatório resumido da execução orçamentária.

Art. 52. O relatório a que se refere o § 3o do art. 165 da Constituição abrangerá todos os Poderes
e o Ministério Público, será publicado até trinta dias após o encerramento de cada bimestre e
composto de:

I - balanço orçamentário, que especificará, por categoria econômica, as:

a) receitas por fonte, informando as realizadas e a realizar, bem como a previsão atualizada;

b) despesas por grupo de natureza, discriminando a dotação para o exercício, a despesa liquidada
e o saldo;

II - demonstrativos da execução das:

a) receitas, por categoria econômica e fonte, especificando a previsão inicial, a previsão atualizada
para o exercício, a receita realizada no bimestre, a realizada no exercício e a previsão a realizar;

b) despesas, por categoria econômica e grupo de natureza da despesa, discriminando dotação


inicial, dotação para o exercício, despesas empenhada e liquidada, no bimestre e no exercício;

c) despesas, por função e subfunção.

Já o RGF (ou REP - relatório de execução patrimonial) não possui previsão constitucional,
estando previsto tão somente na LRF (art. 54), tendo por objetivo “o controle, o monitoramento
e a publicidade do cumprimento, por parte dos entes federativos, dos limites estabelecidos pela
LRF: Despesas com Pessoal, Dívida Consolidada Líquida, Concessão de Garantias e Contratação
de Operações de Crédito”.9 Tal relatório é QUADRIMESTRAL.
Art. 54. Ao final de cada quadrimestre será emitido pelos titulares dos Poderes e órgãos referidos
no art. 20 Relatório de Gestão Fiscal, assinado pelo:

I - Chefe do Poder Executivo;

II - Presidente e demais membros da Mesa Diretora ou órgão decisório equivalente, conforme


regimentos internos dos órgãos do Poder Legislativo;

9
III - Presidente de Tribunal e demais membros de Conselho de Administração ou órgão decisório
equivalente, conforme regimentos internos dos órgãos do Poder Judiciário;

IV - Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados.

Parágrafo único. O relatório também será assinado pelas autoridades responsáveis pela
administração financeira e pelo controle interno, bem como por outras definidas por ato próprio
de cada Poder ou órgão referido no art. 20.

Art. 55. O relatório conterá:

I - comparativo com os limites de que trata esta Lei Complementar, dos seguintes montantes:

a) despesa total com pessoal, distinguindo a com inativos e pensionistas;

b) dívidas consolidada e mobiliária;

c) concessão de garantias;

d) operações de crédito, inclusive por antecipação de receita;

e) despesas de que trata o inciso II do art. 4o;

II - indicação das medidas corretivas adotadas ou a adotar, se ultrapassado qualquer dos limites;

III - demonstrativos, no último quadrimestre:

a) do montante das disponibilidades de caixa em trinta e um de dezembro;

b) da inscrição em Restos a Pagar, das despesas:

1) liquidadas;

2) empenhadas e não liquidadas, inscritas por atenderem a uma das condições do inciso II do art.
41;

3) empenhadas e não liquidadas, inscritas até o limite do saldo da disponibilidade de caixa;

4) não inscritas por falta de disponibilidade de caixa e cujos empenhos foram cancelados;

c) do cumprimento do disposto no inciso II e na alínea b do inciso IV do art. 38.

RREO RGF

- Relatório Resumido de Execução Orçamentária - Relatório de Gestão Fiscal

- Possui previsão constitucional - Possui previsão apenas na LRF.

- Bimestral - Quadrimestral

- Tem por objetivo evidenciar a situação fiscal do - Tem por objetivo o controle e a publicidade do
Ente, através de balanço orçamentário das receitas cumprimento, por parte dos entes federativos, dos
e despesas e demonstrativos de sua execução. limites estabelecidos pela LRF, tais como os limites
com despesas com pessoal e endividamento
público.
Ainda sobre o princípio da transparência, importante mencionar o art. 49 da LRF - que impõe a
obrigatoriedade da disponibilização das contas do Poder Executivo durante todo o exercício – e
o art. 162 da CRFB – que traz a obrigatoriedade de divulgação da receita pública obtida pelos
entes federativos a cada mês de arrecadação.
LRF, Art. 49. As contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante
todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua
elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade.

CRFB, Art. 162. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios divulgarão, até o último dia
do mês subseqüente ao da arrecadação, os montantes de cada um dos tributos arrecadados, os
recursos recebidos, os valores de origem tributária entregues e a entregar e a expressão numérica
dos critérios de rateio.

Parágrafo único. Os dados divulgados pela União serão discriminados por Estado e por Município;
os dos Estados, por Município.

É legítima a divulgação da remuneração dos servidores públicos em Portal de Transparência?


De acordo com o STF, é lícita a divulgação do nome e da remuneração dos servidores na internet,
em respeito ao princípio da publicidade e da transparência.
“O Tribunal, apreciando o tema 483 da repercussão geral, por unanimidade e nos termos do voto
do Relator, deu provimento ao recurso extraordinário, fixando-se a tese de que é legítima a
publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes dos
seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias. Ausentes,
justificadamente, o Ministro Celso de Mello, o Ministro Roberto Barroso, que representa o Tribunal
na "Brazil Conference", na

Universidade de Harvard, e na "Brazilian Undergraduate Student Conference", na Universidade de


Columbia, Estados Unidos, e, neste julgamento, o Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente).
Falou, pelo recorrente Município de São Paulo, a Dra. Simone

Andréa Barcelos Coutinho, Procuradora do Município de São Paulo, OAB/SP 117181. Presidiu o
julgamento a Ministra Cármen Lúcia (Vice-Presidente). Plenário, 23.04.2015. (ARE 652777 / SP)

O grande exemplo é o Portal da Transparência do governo Federal, no qual é possível visualizar


o nome do servidor, sua renda bruta, deduções, renda líquida e situação atual na Administração
Pública.

3.2 – Dívida Pública:


Sinônimos: Crédito público, empréstimo público ou operações de crédito.

“Operação de crédito” é um gênero, sinônimo de “dívida pública”.


A dívida pública pode ser tanto o Estado tomando dinheiro (mais comum) quanto o Estado
fornecendo dinheiro (Ex: União empresta dinheiro para Estados e Municípios).
Quando o Estado pega dinheiro para construir uma arena esportiva, por exemplo, ele está
fazendo dívida pública.
Mas o mais comum é o Estado tomador de dinheiro.
Isso pode se dar através da emissão de títulos da dívida mobiliária ou de empréstimos em
instituições financeiras. São 2 grandes exemplos de operações de crédito.
Ou o governo emite títulos da dívida pública, com prazo de resgate (Ex: daqui a 2 anos te pago
um valor pré-fixado com correção monetária) ou ele faz empréstimos em instituições financeiras
(Ex: vai a um banco e pega dinheiro emprestado; nesse caso incidem juros).

Emitir títulos públicos é a chamada dívida mobiliária.


Existem 2 regras básicas sobre dívida pública que estão na constituição.
Art. 167. São vedados:

III - a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital,
ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa,
aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;

Essa é a chamada “regra de ouro” do direito financeiro. Operação de crédito é só para despesa
de capital. Não é possível pegar dinheiro emprestado para pagar despesa corrente (despesa de
manutenção).
Ex: pode pedir dinheiro emprestado para construir um novo porto, uma nova rodovia, mas não
pode para pagar remuneração de servidor. A Constituição não permite.

A outra regra está no artigo 165. De acordo Ricardo Lobo Torres, seria a regra do “fim da
extraordinariedade”:
Art 165, § 8º - A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à
fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos
suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos
termos da lei.

O ideal é que a lei orçamentária traga quais são as operações de crédito que aquele ente vai
fazer no ano seguinte. Aí a dívida pública nasce prevista, ordenada, aprovada pelo legislativo
respectivo. A operação de crédito deve nascer com previsão na lei orçamentária, para ser
programada.

Qual a natureza jurídica da operação de crédito?


Existe divergência na doutrina, predominando 3 correntes:
1 - É um ato legislativo.
2 - É um ato de soberania do governo
3 - É de natureza contratual -> corrente majoritária.
Para a corrente majoritária, mesmo que haja um ato legislativo aprovando a operação de
crédito, a natureza é contratual.
Assim, a operação de crédito seria um contrato, que deve dispor os termos do empréstimo
realizado.

A LRF tem um extenso capítulo regulamentando a dívida pública (arts. 29 ao 40).


O artigo 29 traz conceitos básicos referentes à matéria.

Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:

I - dívida pública consolidada ou fundada: montante total, apurado sem duplicidade, das
obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios
ou tratados e da realização de operações de crédito, para amortização em prazo superior a doze
meses;

II - dívida pública mobiliária: dívida pública representada por títulos emitidos pela União, inclusive
os do Banco Central do Brasil, Estados e Municípios;

III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de


crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de
valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras
operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros;

IV - concessão de garantia: compromisso de adimplência de obrigação financeira ou contratual


assumida por ente da Federação ou entidade a ele vinculada;

V - refinanciamento da dívida mobiliária: emissão de títulos para pagamento do principal


acrescido da atualização monetária.

Qualquer dívida que o ente venha a contrair será computada na dívida consolidada. Em outras
palavras: soma tudo, temos a dívida consolidada.
Já a dívida pública mobiliária é só aquela que é representada por títulos da dívida pública,
emitidos pela União (inclusive Banco Central), Estados e Municípios. É um conceito mais restrito.

Perceba que a dívida consolidada engloba a mobiliária.


Dívida consolidada, então, seriam os títulos públicos + empréstimos em instituições financeiras.

De acordo com a LRF, a dívida consolidada tem que ser superior a 12 meses.
Mas o §3º diz que aquelas inferiores a 12 meses também podem ser consideradas consolidadas,
desde que tenham constado no orçamento.

§ 3o Também integram a dívida pública consolidada as operações de crédito de prazo inferior a


doze meses cujas receitas tenham constado do orçamento.

Antes da LRF se falava que a dívida inferior a 1 ano era a “dívida flutuante”.
Segundo alguns autores, esse conceito morre com a LRF, em virtude do §3º, que não mais o
menciona. Assim, o entendimento dominante hoje é de tudo seria dívida consolidada.

Em relação à dívida pública, o Senado Federal tem uma participação fundamental.


O tema é tratado no artigo 52, incisos V ao IX da CRFB:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

V - autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do


Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;

VI - fixar, por proposta do Presidente da República, LIMITES GLOBAIS para o montante da dívida
CONSOLIDADA da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades
controladas pelo Poder Público federal;

VIII - dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de
crédito externo e interno;

IX - estabelecer LIMITES GLOBAIS E CONDIÇÕES para o montante da dívida MOBILIÁRIA dos


Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

O inciso IX deve ser comparado com o inciso VI.


O IX trata da dívida mobiliária, e o VI cuida da dívida consolidada.
Perceba que União está no inciso VI, mas não está no inciso IX.
Assim, quem vai dizer qual é o limite da dívida mobiliária da União é o CONGRESSO NACIONAL,
em suas duas casas.

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta
para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União,
especialmente sobre:

XIV - moeda, seus limites de emissão, e montante da dívida MOBILIÁRIA federal.

Portanto, quem fixa os limites da dívida, como regra, é o Senado.


Mas os limites da dívida mobiliária da União são fixados pelo Congresso Nacional.
O Senado fixa o limite da dívida consolidada da União, mas não da mobiliária.

Se as operações de crédito estiverem fora do limite, a LRF impõe restrições em seu artigo 31,
exigindo que o ente se enquadre no limite nos 3 quadrimestres subsequentes.
Art. 31. Se a dívida consolidada de um ente da Federação ultrapassar o respectivo limite ao final
de um quadrimestre, deverá ser a ele reconduzida até o término dos três subseqüentes, reduzindo
o excedente em pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) no primeiro.

§ 1o Enquanto perdurar o excesso, o ente que nele houver incorrido:

I - estará proibido de realizar operação de crédito interna ou externa, inclusive por antecipação de
receita, ressalvado o refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária; não pode
impedir que “role” a dívida.

II - obterá resultado primário necessário à recondução da dívida ao limite, promovendo, entre


outras medidas, limitação de empenho, na forma do art. 9o.

O ente precisa cortar gastos para voltar aos limites estipulados pelo Senado, fazendo limitações
de empenho. Caso não consiga, estará proibido de realizar novas operações de crédito, inclusive
por antecipação de receita.
Mas há uma ressalva quanto ao refinanciamento da dívida mobiliária. Como a dívida pública
está no contexto do impagável, o governo pode continuar emitindo título para pagar título. É a
chamada “rolagem da dívida”.
Ao rolar a dívida, tenta-se melhorar o perfil da dívida, emitindo um título mais suave (Ex: título
da dívida pública atrelado ao real para pagar um título atrelado ao dólar). O ente continua
devendo, mas melhorou o perfil da dívida pública.

O inciso V do artigo 52 cuida da autorização de operações externas de natureza financeira.


Se o Estado quiser pegar dinheiro emprestado no BID, por exemplo, precisa passar pela
autorização do Senado.

O inciso VII se insere no mesmo contexto do V.


O Senado deve dispor sobre os limites globais e condições para as operações de crédito externas
e internas.

O inciso VIII trata dos limites e condições às concessões de garantia.


Se o Estado quer pegar dinheiro emprestado no BID para construir uma Transolímpica, por
exemplo, a União precisa prestar uma garantia. E a União só vai dar a garantia se o Senado
dispuser sobre esses limites e condições.

A LRF também se preocupa com o tema, regulando as garantias e contragarantias em seu art.
40:
Art. 40. Os entes poderão conceder garantia em operações de crédito internas ou externas,
observados o disposto neste artigo, as normas do art. 32 e, no caso da União, também os limites
e as condições estabelecidos pelo Senado Federal.

§ 1o A garantia estará condicionada ao oferecimento de CONTRAGARANTIA, em valor igual ou


superior ao da garantia a ser concedida, e à adimplência da entidade que a pleitear relativamente
a suas obrigações junto ao garantidor e às entidades por este controladas, observado o seguinte:

I - não será exigida contragarantia de órgãos e entidades do próprio ente;

II - a contragarantia exigida pela União a Estado ou Município, ou pelos Estados aos Municípios,
poderá consistir na vinculação de receitas tributárias diretamente arrecadadas e provenientes de
transferências constitucionais, com outorga de poderes ao garantidor para retê-las e empregar o
respectivo valor na liquidação da dívida vencida.

Ao conceder uma garantia a uma dívida contraída por um Estado, o governo federal está
obrigado, pela LRF, a exigir uma contragarantia.
A LRF autoriza que essa contragarantia venha a ser as obrigações constitucionais de repasse de
recursos tributários da União pra Estados e Municípios. Se o Estado não paga, a União não libera
os recursos.

O problema é que o princípio da não vinculação só comporta exceção pela Constituição.


Então poderia a LRF criar essa vinculação de impostos? Não, ela não poderia fazer, só se a CRFB
admitisse. Desse modo, o art. 40, §1º, II da LRF precisa ser combinado com §4º do 167 da CF,
que admite essa vinculação de receitas tributárias para fins de contragarantia.
Art 167, § 4.º É permitida a vinculação de receitas próprias geradas pelos impostos a que se
referem os arts. 155 e 156, e dos recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II, para
a prestação de garantia ou contragarantia à União e para pagamento de débitos para com esta.

O que são operações de crédito por antecipação de receita orçamentária (ARO)?


É uma operação de crédito de lapso temporal pequeno, de janeiro a 10 de dezembro do mesmo
ano.
A ARO serve para problemas de fluxo de caixa. É para buscar dinheiro rapidamente emprestado
e pagar rápido (até 10 de dezembro do mesmo ano). Vejamos o art. 38 da LRF, que trata do
tema:
Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de
caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as
seguintes:

I - realizar-se-á somente a partir do décimo dia do início do exercício;

II - deverá ser liquidada, com juros e outros encargos incidentes, até o dia dez de dezembro de
cada ano;

III - não será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa de juros da operação,
obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica financeira, ou à que vier a esta substituir;
IV - estará proibida:

a) enquanto existir operação anterior da mesma natureza não integralmente resgatada;

b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito Municipal.

Lembrando que a ARO não pode ser feita no último ano de mandato. Também está proibida
ARO enquanto existir operação anterior de mesma natureza não integralmente resgatada.

A ARO pode ser garantida por vinculação de receita tributária?


SIM. O fundamento também está na Constituição:
Art. 167. São vedados:

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do


produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos
para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para
realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos
arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação
de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;

Vedação à realização de operação de créditos entre entes e bancos controlados:


O art. 34 da CRFB veda a realização de operação de crédito entre entes da Federação, seja
diretamente ou através de fundos ou de suas entidades da Administração Indireta.
Art. 35. É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente
ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro,
inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação,
refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente.

Não obstante, o §1º do mesmo dispositivo traz uma exceção no caso de operações entre
instituição financeira estatal e OUTRO ente da Federação, desde que não destinadas a despesas
correntes (em consonância com a já estudada “regra de ouro”) ou a refinanciar dívidas não
contraídas junto à própria instituição concedente.
§ 1o Excetuam-se da vedação a que se refere o caput as operações entre instituição financeira
estatal e outro ente da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, que não se
destinem a:

I - financiar, direta ou indiretamente, despesas correntes;

II - refinanciar dívidas não contraídas junto à própria instituição concedente.

§ 2o O disposto no caput não impede Estados e Municípios de comprar títulos da dívida da União
como aplicação de suas disponibilidades.

Por fim, o art. 36 veda que um ente realize operação de crédito junto à instituição financeira
estatal por ele controlada, na qualidade de beneficiário do empréstimo. O tema é de
fundamental importância, pois foi justamente o fundamento utilizado para questionar as
chamadas “pedaladas fiscais”, alegando-se que, no caso, haveria uma operação de crédito entre
a União e o BNDES.
Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da
Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.

Parágrafo único. O disposto no caput não proíbe instituição financeira controlada de adquirir, no
mercado, títulos da dívida pública para atender investimento de seus clientes, ou títulos da dívida
de emissão da União para aplicação de recursos próprios.

3.3 – Leis do Direito Financeiro:

Existem 3 grandes grupos de leis no direito financeiro:


- Leis complementares: LRF e L4320 -> regulamentam as normas gerais de direito financeiro. A
L4320 nasceu como lei ordinária, mas foi recepcionada como lei complementar, pois a
constituição pede no artigo 165, §9º lei complementar para dispor sobre o direito financeiro.
- Leis ordinárias: as leis orçamentárias são leis ordinárias! Cuidado para não confundir: a lei que
organiza o direito financeiro é complementar, as leis orçamentárias são ordinárias (PPA, LOA,
LDO e Créditos Adicionais).
- Resoluções do Senado: especialmente a 40 e a 43 do Senado, que dizem respeito à dívida
pública. O art. 52, V a IX deu importantes atribuições ao Senado quanto à dívida pública, e essas
duas resoluções disciplinam a matéria.
Portanto, as leis que regulam o direito financeiro são complementares, mas as leis
orçamentárias em si são ordinárias!

Características das leis orçamentárias:


- As leis orçamentárias são leis em sentido formal.
A lei orçamentária não tem densidade normativa. Ela não gera direito subjetivo, apenas fixa
receita e despesa, prevendo o programa de governo. Por isso, sempre se entendeu que não seria
cabível ADIn em face de lei orçamentária. Contudo, tal entendimento foi alterado,
especialmente a partir do Informativo 502, na ADIn 4048/2008. Nesse caso o STF aceitou uma
ADIn em face de uma lei orçamentária, que era um crédito extraordinário (o qual o governo
tinha feito sem urgência).
- As leis orçamentárias são temporárias. Todas elas.
A mais conhecida, a LOA (Lei Orçamentária Anual), já diz tudo. É uma lei ANUAL.

Vejamos agora cada uma das leis orçamentárias:

1) Plano plurianual (PPA):

Citado e conceituado no artigo 165, §1º.


Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

§ 1º - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes,


objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas
decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

Duas grandes características / objetivos:


- Redução de desigualdades regionais.
- Preocupação com despesas de capital.

No primeiro caso, combina-se o §1º com o §7º, que liga o PPA à LOA.
§ 7º - Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual,
terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério
populacional.

O plano plurianual vai condicionar a feitura da LOA, em uma visão de longo prazo. A cada ano
elabora-se uma lei orçamentária, de acordo o PPA. O objetivo de ambos é reduzir desigualdades
regionais.
Quanto ao segundo ponto, sobre as despesas de capital, saliente-se que existem 2 tipos de
despesas previstos na L4320:
- Despesas correntes: são as despesas de manutenção (Ex: pagamento de servidores)
- Despesas de capital: basicamente, são os investimentos do governo. Essa é a preocupação
maior do PPA, para saber os investimentos que o governo vai fazer. Um exemplo são as obras
públicas.
As despesas de capital acabam gerando despesas correntes (Ex: constrói um hospital, e depois
vêm despesas correntes com servidores, aparelhos etc).
OBS: Investimento é despesa de capital. Mas nem toda despesa de capital é investimento. Por
isso, cuidado com a pegadinha do art. 167, §1º:
Art 167, § 1º - Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser
iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de
crime de responsabilidade.

Os tipos de despesas estão previstos nos arts. 12 e 13 da 4320.


Existem 3 grandes grupos de despesas de capital: investimentos, inversões financeiras e
transferência de capital.
O artigo 13 especifica algumas dessas despesas de capital: obras públicas, material permanente,
equipamentos e instalações, aquisição de imóveis, constituição de fundos rotativos, concessão
de empréstimos, amortização da dívida pública etc.
O artigo 167, §1º só está falando de uma despesa de capital, que é o investimento!
Portanto, não é qualquer despesa de capital que ultrapasse um exercício financeiro tem que ter
previsão no PPA, é só o investimento! Não inclui inversões financeiras e transferências.

Qual a duração do PPA?


Segundo o art. 35, §2º do ADCT, é de 4 anos.
No primeiro ano de mandato, segue o último ano do PPA do presidente antecessor.
Enquanto isso produz o seu PPA, o qual vai ser aplicado nos 3 últimos do mandato e no primeiro
ano do mandato subsequente.

2) Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO):

Sua principal função é orientar a feitura da LOA.


Art 165, § 2º - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da
administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro
subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na
legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de
fomento.

Por isso a LDO é votada no primeiro semestre (até o final da 1ª sessão legislativa), para que no
segundo, com base nela, se oriente a feitura da LOA.
A LDO tem que ser feita todo ano. Até 17 de julho aprova a LDO, e até 22 de dezembro tem que
aprovar a LOA.
A sessão legislativa não será interrompida se a LDO não for aprovada. Por expressa exigência
constitucional, a LDO tem que ser aprovada para que o Congresso entre em recesso.
Art. 57, § 2º A sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei de
diretrizes orçamentárias.

A LDO, a partir da LRF, passa a ter 3 novos anexos:


- Anexo de metas fiscais: previsto do artigo 4º, §1º da LRF. Deve abranger o exercício a que se
refere a LOA e os 2 subsequentes. Por isso, na prática vem sendo mais importante que o PPA.
- Anexo de riscos fiscais: no qual são avaliados passivos contingentes e outros riscos capazes de
afetar as contas públicas. Deve também informar quais as providências a serem tomadas, caso
esses riscos se efetivem.
- Anexo de metas inflacionárias: esse é de competência exclusiva da União. Deve abranger, por
exemplo, as metas de inflação para o exercício subsequente.
Art 4º, § 1o Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que
serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas,
despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se
referirem e para os dois seguintes.

§ 3o A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos Fiscais, onde serão avaliados os
passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as
providências a serem tomadas, caso se concretizem.

§ 4o A mensagem que encaminhar o projeto da União apresentará, em anexo específico, os


objetivos das políticas monetária, creditícia e cambial, bem como os parâmetros e as projeções
para seus principais agregados e variáveis, e ainda as metas de inflação, para o exercício
subseqüente.

Na LDO também há a previsão de metas das agências de financiamento (BNDES, FINEP etc). A
LDO também se preocupa com despesas de CAPITAL.

Qual é o lapso temporal da LDO?


A LDO nasce no meio do ano e orienta a feitura da LOA no final do ano. Mas ela orienta também
a execução da LOA que ela ajudou a criar. Por isso, há muitas regras da LOA que remontam à
LDO.
Assim, o mais correto é dizer que a duração será de no mínimo 1 ano (metade orientando a
feitura da LOA e metade orientando a sua execução). Ademais, lembre-se de que a LRF também
criou o anexo de metas fiscais para a LDO, que é trienal, o que acaba complicando ainda mais
essa difícil resposta.

3) Lei Orçamentária Anual (LOA):

É o orçamento por excelência, no qual são previstas as receitas e fixadas as despesas para o
exercício financeiro.
Tem duração anual (coincidente com o exercício financeiro) e o seu projeto deve ser
encaminhado até 4 meses antes do encerramento do exercício e devolvido para sanção até o
encerramento da sessão legislativa (art. 35, §2º, III do ADCT).
O conteúdo da LOA é explicitado pelo art. 165, §5º da CRFB:

§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:

I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da
administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha


a maioria do capital social com direito a voto;

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados,
da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo
Poder Público.
O orçamento fiscal é aquele disposto para o gasto público, alcançando os três poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário), seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e
indireta.
Há também o orçamento de investimento nas empresas estatais e o orçamento voltado para a
seguridade social (que não se mistura com os demais gastos do governo).
Outro importante conteúdo da LOA está previsto no art. 165, §6º da CRFB, que traz a
preocupação com a repercussão de eventuais benefícios fiscais nas receitas e despesas:
§ 6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito,
sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de
natureza financeira, tributária e creditícia.

Na LOA também encontramos os princípios orçamentários:


- Princípios clássicos: Unidade, anualidade e universalidade (já estudados)
- Princípios modernos: Exclusividade, não afetação e especificação. Esses estão na CRFB, e são
muito cobrados em provas.

Princípio da exclusividade (art 165, §8º):


§ 8º - A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação
da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos
suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita,
nos termos da lei.

Esta previsão foi inserida na CRFB porque era comum a inserção na LOA de matérias que nada
tinham a ver com orçamento. Nesse sentido, chegamos a ter em uma LOA até mesmo a previsão
do desquite. Tal fenômeno era chamado pela doutrina de cauda orçamentária ou orçamento
rabilongo (Aliomar Balieiro), entendido como a parte do orçamento que dispunha sobre matéria
que não tinha a ver com receitas e despesas. Com o princípio da exclusividade, fica
expressamente proibida a cauda rabilonga.
Destaque-se que a própria CRFB prevê duas exceções ao princípio da exclusividade:
- Autorização para a abertura de créditos suplementares.
- Contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita orçamentária.

Princípio da especificação:
Por este princípio, o orçamento não pode ser genérico, ou seja, não pode estabelecer gastos
sem a devida especificação. Nesse sentido, prevê o art. 167:
Art. 167. São vedados:

VII - a concessão ou utilização de créditos ilimitados;

O artigo 167, VII diz que a lei orçamentária tem que especificar com clareza para onde vai o
dinheiro. Não pode haver uma previsão vaga ou ilimitada de concessão de crédito.
Na LRF também há um artigo que mostra muito bem a ideia de especificação (art. 5º, §4º):
§ 4o É vedado consignar na lei orçamentária crédito com finalidade imprecisa ou com dotação
ilimitada.

Assim, os créditos orçamentários não podem vir soltos, precisam estar amarrados a um
programa governamental.
No entanto, também existem duas exceções ao princípio da especificação, no que tange à
necessidade de discriminação das despesas:
- Programas especiais de Trabalho: são programas que não podem ser detalhados, diante de
sua singularidade. Nesse caso, admite-se o custeio por dotação global, já que tais programas
não podem, por sua natureza, estar subordinados às normas gerais de execução da despesa,
conforme prevê o art. 20, PU da L4320.
- Reserva de contingência: De acordo com a LRF, tal reserva tem por objetivo atender aos
passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos (art. 5º, III). Trata-se também
de uma dotação global, muito utilizada para a abertura de créditos adicionais.
L4320, Art. 20. Os investimentos serão discriminados na Lei de Orçamento segundo os projetos de
obras e de outras aplicações.

Parágrafo único. Os programas especiais de trabalho que, por sua natureza, não possam cumprir-
se subordinadamente às normas gerais de execução da despesa poderão ser custeadas por
dotações globais, classificadas entre as Despesas de Capital.

LRF, Art. 5o O projeto de lei orçamentária anual, elaborado de forma compatível com o plano
plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei Complementar:

III - conterá reserva de contingência, cuja forma de utilização e montante, definido com base na
receita corrente líquida, serão estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, destinada ao:

a) (VETADO)

b) atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos.

Princípio da não afetação ou não vinculação (artigo 167, IV):


A regra é a não vinculação de receitas de impostos, uma vez que os impostos são em sua
excelência tributos de destinação não vinculada, sendo livre a sua utilização pelo Executivo em
seu programa de governo.
No entanto, esse princípio traz uma série de exceções previstas na Constituição (Ex: vinculação
de receitas com saúde e educação), que são mais cobradas em provas que a própria regra.
Art. 167. São vedados:

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do


produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de
recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do
ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado,
respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações
de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º
deste artigo;

Em suma, são 3 as exceções à regra da não vinculação previstas no art. 167, IV:
- Repartição do produto da arrecadação de impostos.
- Destinação de recursos para a saúde, educação e administração tributária
- Garantias às operações de crédito por antecipação de receita.

A CRFB ainda traz outras exceções espalhadas pelo seu texto:


- Garantia e contragarantia à União para pagamento de débitos para com a mesma.
- Vinculação de até 0,5% da receita tributária líquida para os Programas de Apoio a Inclusão e
Promoção Social (art. 204, PU).
- Vinculação de até 0,5% da receita tributária líquida dos Estados e DF para Fundos voltados ao
financiamento de programas culturais (art. 216, §6º).
- Vinculação de parcela da receita orçamentária dos Estados e DF a entidades públicas de
fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica (art. 218, §5º) -> novidade inserida por
recente emenda constitucional! Fique atento!

Como tais vinculações são estabelecidas pela CRFB, apenas emendas constitucionais podem
estabelecer novas vinculações ou retirar ou diminuir as que já existem. Nessa linha, e para evitar
o engessamento das despesas diante de tantas vinculações constitucionais, foi criada a chamada
DRU (desvinculação de receitas da União). A DRU foi inserida no artigo 76 do ADCT pela
EC27/2000 e foi sendo prorrogada e alterada por sucessivas emendas, sendo a mais recente a
importantíssima Emenda Constitucional nº 93/16. A ideia da DRU é esvaziar a base de cálculo,
para possibilitar uma diminuição no numerário de receita vinculada.
Por sua importância, veja na íntegra o texto atual do artigo, com redação dada pela EC93/2016,
a qual inseriu também os art. 76-A e 76-B no ADCT:
Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30% (trinta
por cento) da arrecadação da União relativa às contribuições sociais, sem prejuízo do pagamento
das despesas do Regime Geral da Previdência Social, às contribuições de intervenção no domínio
econômico e às taxas, já instituídas ou que vierem a ser criadas até a referida data. (Redação
dada pela Emenda constitucional nº 93)

§ 2° Excetua-se da desvinculação de que trata o caput a arrecadação da contribuição social do


salário-educação a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 68, de 2011).

Art. 76-A. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30% (trinta
por cento) das receitas dos Estados e do Distrito Federal relativas a impostos, taxas e multas, já
instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos
legais, e outras receitas correntes. (Incluído dada pela Emenda constitucional nº 93)

Parágrafo único. Excetuam-se da desvinculação de que trata o caput:


I - recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e
desenvolvimento do ensino de que tratam, respectivamente, os incisos II e III do § 2º do art. 198 e
o art. 212 da Constituição Federal;

II - receitas que pertencem aos Municípios decorrentes de transferências previstas na Constituição


Federal;

III - receitas de contribuições previdenciárias e de assistência à saúde dos servidores; (Incluído


dada pela Emenda constitucional nº 93)

IV - demais transferências obrigatórias e voluntárias entre entes da Federação com destinação


especificada em lei;

V - fundos instituídos pelo Poder Judiciário, pelos Tribunais de Contas, pelo Ministério Público,
pelas Defensorias Públicas e pelas Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal.

Art. 76-B. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, 30%
(trinta por cento) das receitas dos Municípios relativas a impostos, taxas e multas, já instituídos
ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais,
e outras receitas correntes.

Parágrafo único. Excetuam-se da desvinculação de que trata o caput:

I - recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e


desenvolvimento do ensino de que tratam, respectivamente, os incisos II e III do § 2º do art. 198 e
o art. 212 da Constituição Federal:

II - receitas de contribuições previdenciárias e de assistência à saúde dos servidores;

III - transferências obrigatórias e voluntárias entre entes da Federação com destinação


especificada em lei;

IV - fundos instituídos pelo Tribunal de Contas do Município.

Uma primeira novidade diz respeito ao PERCENTUAL de desvinculação, que na antiga redação
era de 20% e passou a ser de 30%. Ademais, no âmbito da União, a DRU agora não se aplica
mais a impostos, mas somente às contribuições sociais, às contribuições de intervenção no
domínio econômico e às taxas.
Uma segunda novidade é a previsão da desvinculação de receitas para ESTADOS e MUNICÍPIOS
(DRE e DRM, respectivamente).
Por fim, outra importante inovação a destacar é a ampliação das receitas que não podem ser
desvinculadas. Na antiga redação, só era previsto que não seria possível a desvinculação de
receitas destinadas à educação. Com a EC93/16, passam a ser previstas diversas receitas que
não podem ser objeto de desvinculação através de DRE ou DRM, como os recursos destinados
à saúde e os fundos instituídos pelo Poder Judiciário, pelos Tribunais de Contas, pelo Ministério
Público, pelas Defensorias Públicas e pelas Procuradorias.

4) Créditos adicionais:
Encerrando o estudo das leis orçamentárias, vejamos os chamados “créditos adicionais”
previstos no artigo 166 da CRFB.
Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento
anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na
forma do regimento comum.

A referência para estudar os créditos adicionais é a L4320, artigos 40 e 41.


Tais créditos servem para a autorização de despesas não computadas ou insuficiente dotadas
na lei orçamentária.
Como visto, a lei orçamentária é um exercício de previsão, que pode não se concretizar. Para
esses casos de não concretização é possível se utilizar de créditos adicionais, que podem ser de
3 espécies, como veremos.
Art. 40. São créditos adicionais, as autorizações de despesa não computadas ou insuficientemente
dotadas na Lei de Orçamento.

Art. 41. Os créditos adicionais classificam-se em:

I - suplementares, os destinados a reforço de dotação orçamentária;

II - especiais, os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica;

III - extraordinários, os destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção


intestina ou calamidade pública.

Existem três tipos de créditos adicionais:


- Créditos suplementares
- Créditos especiais
- Créditos extraordinários
Os créditos suplementares são para o caso de haver uma previsão na LOA, mas que foi
insuficiente.
O crédito especial serve para os casos em que não há previsão na LOA.

Para evitar que se burle a atuação do legislativo com os créditos adicionais excessivos, o artigo
167, V impõe que:
Art. 167. São vedados:

V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem


indicação dos recursos correspondentes;

Para criar um crédito suplementar ou especial, é preciso antes encaminhar um projeto de lei
para o Congresso, e indicar de onde vem o dinheiro.
Mas como o crédito extraordinário é para situações de urgência, como guerras e calamidades
públicas, o mesmo não se encontra incluído na exigência do dispositivo acima.
Por isso, o crédito extraordinário é a única lei orçamentária que pode nascer por medida
provisória, conforme ressalva o próprio art. 62, §1º, I, “d” da CRFB:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I - relativa a:

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares,


ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;

Art. 167, § 3º - A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a
despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou
calamidade pública, observado o disposto no art. 62.

Ademais, no caso do crédito extraordinário, não há necessidade nem de indicar de onde vem o
dinheiro, pois trata-se de uma situação de urgência.
Quanto à temporalidade, a regra é dizer que o crédito adicional é anual. Quando acaba a LOA,
não pode criar mais crédito adicional à lei que passou. Só se pode criar crédito adicional no
exercício financeiro da respectiva LOA.
Porém, existem 2 créditos adicionais que podem ser exceção ao princípio da anualidade:
§ 2º - Os créditos especiais e extraordinários terão vigência no exercício financeiro em que forem
autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses daquele
exercício, caso em que, reabertos nos limites de seus saldos, serão incorporados ao orçamento do
exercício financeiro subseqüente.

O crédito adicional autorizado nos últimos 4 meses do exercício financeiro vai virar o ano e valer
para o exercício seguinte.
OBS: Esse dispositivo só vale para os créditos especiais e extraordinários, que criam receitas
novas. Não valem para o crédito suplementar, que só complementa o orçamento!
Trata-se de uma exceção ao princípio da anualidade.

Processo de elaboração das leis orçamentárias (CICLO ORÇAMENTÁRIO):


Previsto no artigo 166 da CRFB.
De cara, temos uma peculiaridade, que é a comissão mista permanente de deputados e
senadores.
Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento
anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na
forma do regimento comum.

§ 1º - Caberá a uma Comissão mista permanente de Senadores e Deputados:

I - examinar e emitir parecer sobre os projetos referidos neste artigo e sobre as contas
apresentadas anualmente pelo Presidente da República;
II - examinar e emitir parecer sobre os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos
nesta Constituição e exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária, sem prejuízo da
atuação das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo com o
art. 58.

É uma comissão permanente para aprovação e acompanhamento da execução orçamentária.


Mas de resto o processo de elaboração das leis orçamentárias, a princípio, vai seguir a regra
geral do processo legislativo.
Art 166, § 7º - Aplicam-se aos projetos mencionados neste artigo, no que não contrariar o disposto
nesta seção, as demais normas relativas ao processo legislativo.

Em suma, no processo de elaboração das leis orçamentárias, há algumas peculiaridades, como


a comissão mista permanente, mas no mais segue-se a regra geral.
A competência para encaminhar o projeto é do Poder Executivo! Trata-se de competência
privativa e indelegável, de modo que o Legislativo não tem competência para iniciar um projeto
de lei orçamentária.
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

XXIII - enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias
e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição;

E quanto ao Poder Judiciário?


A CRFB/88 previu expressamente as garantias de autonomia financeira e administrativa para o
Poder Judiciário. Nesse sentido, o art. 99 prevê que os tribunais irão elaborar suas propostas
orçamentárias, dentro dos limites estabelecidos conjuntamente com outros poderes na LDO.
Assim, o Judiciário precisa encaminhar sua proposta para o Executivo em um prazo que será
previsto na LDO, que normalmente vai até 15 de agosto.
Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.

§ 1º - Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados


conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

§ 2º - O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete:

I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores,
com a aprovação dos respectivos tribunais;

II - no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de
Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais.

§ 3º Se os órgãos referidos no § 2º não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias


dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará,
para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei
orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1º deste
artigo.

Se o Judiciário não encaminha, o Executivo deve usar os valores previstos no orçamento vigente
para fins de consolidação do novo orçamento, fazendo as devidas adaptações.
E quanto ao MP e à Defensoria Pública?
O §3º do art. 127 da CRFB também autoriza que o MP elabore a sua própria proposta
orçamentária, dentro dos limites da LDO. Também se assegura tal iniciativa às Defensorias
Públicas, nos termos do art. 134, §2º.
Art. 127, § 3º O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.

§ 4º Se o Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta orçamentária dentro do prazo


estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de
consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente,
ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 3º.

Art. 134, § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e


administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei
de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º .

§ 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal.

Perceba que a sistemática é semelhante àquela que se verifica no âmbito do Judiciário: o órgão
possui iniciativa para a sua proposta orçamentária, devendo encaminhá-la ao Executivo nos
limites estabelecidos pela LDO, para fins de consolidação.

É possível emenda por parte do poder legislativo à proposta encaminhada pelo chefe do
executivo?
SIM. Mas para que uma emenda parlamentar seja aprovada, é necessário que haja
compatibilidade com o PPA e com a LDO. Ademais, é preciso indicar os recursos, com anulações
de despesas (Ex: tirar verbas de programas do governo para trazer o dinheiro para a sua
emenda). No entanto, atenção para a previsão de certos programas e projetos que não podem
ser anulados, tais como o pagamento de pessoal, o serviço da dívida e as transferências
tributárias.
Art. 166, § 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem
somente podem ser aprovadas caso:

I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa,


excluídas as que incidam sobre:

a) dotações para pessoal e seus encargos;

b) serviço da dívida;

c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal; ou

III - sejam relacionadas:

a) com a correção de erros ou omissões; ou

b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.


É possível também que haja emendas de simples correção, na forma do art. 166, §3º, III e art.
166, §5º.
Art 166, § 5º - O Presidente da República poderá enviar mensagem ao Congresso Nacional para
propor modificação nos projetos a que se refere este artigo enquanto não iniciada a votação, na
Comissão mista, da parte cuja alteração é proposta.

Cuidado com o art. 166, §5º: Ainda que já tenha começado a votação da lei orçamentária, o
presidente pode sim propor alterações (a LOA costuma ser votada aos poucos). O que não pode
ter começado é a votação da parte que se quer alterar.

Impasses na aprovação da LOA:


- Não envio: é muito difícil não ter o envio da LOA até 31 de agosto pelo Executivo, pois tal fato
configura crime de responsabilidade. Mas se ocorrer, o artigo 32 da L4320 dá uma solução, que
é o Legislativo considerar como proposta a LOA vigente.
- Não devolução (anomia orçamentária): estudaremos adiante.
- Não aprovação da LOA: a própria constituição já dá uma resposta, no artigo 166, §8º. A cada
gasto, aprova um crédito especial (para uma rejeição total) ou suplementar (para uma rejeição
parcial).
Art 166, § 8º - Os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei
orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser utilizados, conforme o
caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização
legislativa.

O que é a anomia orçamentária?


É a não devolução do projeto da LOA. Não é regulada pela CRFB, nem pela LRF e nem pela L4320.
Diante disto, alguns autores indicam como solução usar previsões das constituições anteriores.
Hoje, no entanto, é comum a resposta para tal impasse estar prevista na LDO, em âmbito
federal, com o nome de antecipação orçamentária. É um artigo que vai falar que “caso o projeto
da LOA não seja votado até o final do ano, estará o governo autorizado a gastar ... “. Por isso é
chamada de antecipação orçamentária.

Com isso, conseguimos trazer um panorama geral dos tópicos introdutórios ao Direito
Financeiro. Quanto revisitarmos a disciplina, em rodadas futuras, iremos trazer tópicos mais
específicos, a fim de garantir um maior aprofundamento na matéria. Bons estudos!

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