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0008
Resumo: Este artigo tem como elemento estruturante a construção de uma rede
intersetorial na saúde mental. Trata-se de um relato de experiência, de abordagem
metodológica qualitativa e descritiva. A coleta de dados se deu por meio da
observação participante, durante o período de estágio curricular obrigatório em
Serviço Social, desenvolvido em um Centro de Atenção Psicossocial da Infância
e Adolescência (CAPSi) da região sul do Brasil, entre agosto de 2016 a junho de
2017. Também foi realizada uma revisão bibliográfica sobre os conceitos de rede,
intersetorialidade e território, à luz da teoria social crítica, visando dar suporte ao
objetivo de descrever e analisar o processo de constituição da rede intersetorial.
Os resultados correspondem às análises empreendidas sobre o processo de
construção da rede, por meio da qual foi possível desencadear processos de
organização e mobilização. Compreende-se que é necessário avançar dentro da
proposta, mas que a mesma está servindo para mobilizar, capacitar e construir as
políticas públicas.
Palavras-chave: Intersetorialidade. Saúde mental. Trabalho em rede.
sheilakocourek@gmail.com
***
Bacharela em Serviço Social (UFSM). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Política Social e Serviço Social da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: carol-m95@hotmail.com
onde os usuários habitam, sendo escolhida para As redes de atenção à saúde são formas
intervenção a região da cidade que possui o maior de garantir a integralidade, universalidade e
número de usuários atendidos pelo CAPSi. Os equidade da atenção à saúde da população
encontros foram realizados com periodicidade brasileira (BRASIL, 2010). No que tange à política
mensal, para os quais os profissionais do CAPSi de saúde mental, Amarante (2007, p. 88) refere
se deslocaram até o território, reunindo-se com que, “as políticas de saúde mental e atenção
agentes dos equipamentos sociais locais2. Junto psicossocial devem organizar-se em rede, isto
aos diferentes serviços, postulou-se o diálogo, é, formando uma série de pontos de encontro,
trocas de saberes e informações, promovendo de trajetórias de cooperação, de simultaneidade
e fortalecendo ações intersetoriais. de iniciativas e atores sociais envolvidos”. Nesse
A proposta teve como substrato teórico- sentido, compreende-se rede pela articulação de
conceitual o princípio da intersetorialidade, unidades de serviços públicos que mantêm pontos
o trabalho em rede e a territorialização 3, de contato e conexão, a partir da afirmação da
considerados como fundamentais na construção ação do Estado na garantia e viabilização de
da atenção integral ao usuário. Pretendeu-se direitos, produzindo integralidade no atendimento
com a ação que os direitos das crianças e em saúde mental.
adolescentes em sofrimento psíquico sejam A categoria território, pensada como local
garantidos e não violados, e que os mesmos onde os usuários habitam, combinada com
estejam em uma rede de proteção que promova a a intersetorialidade e o trabalho em equipe,
saúde, de acordo com o que preconiza o Sistema pode ser potencializadora de diversas ações. A
Único de Saúde (SUS). Com isso, os setores da concepção de território aqui esboçada, considera
educação, assistência social e justiça, além da que é importante situá-lo na perspectiva da
saúde em geral, e da saúde mental, em particular, totalidade, evitando análises fragmentadas, e sem
precisaram se implicar na busca de processos de perder de vista as particularidades do território
trabalhos mais coletivos em prol de resultados (SPOSATI, 2006). Nesse sentido, reconhece-
melhores e mais justos, voltados para a melhoria se que o território detém recursos valiosos que
da saúde mental das crianças e adolescentes. podem ser disponibilizados e arranjados para
Para fins deste estudo, a intersetorialidade compor projetos terapêuticos efetivos.
é entendida como estratégia para que a política Para fins de elaboração deste estudo, o
de saúde mental concretize os seus princípios e mesmo constitui desta introdução, apresenta um
objetivos, rompendo com a lógica setorializada e debate teórico-conceitual em torno dos conceitos
fragmentária, por meio da articulação com outras de intersetorialidade, redes e território e suas
políticas públicas e da criação de vínculos com disposições na política de saúde mental no Brasil,
a sociedade para complementar ou ampliar os situando-os como parte dos avanços e direitos
recursos existentes. (MORSCH; MANGINI, 2017). conquistados no atendimento aos usuários em
A noção de intersetorialidade ainda é bastante sofrimento psíquico. Na sequência, apresenta-se
abrangente, e estudos nessa área têm apontado a metodologia ou o processo por meio do qual
para a necessidade de desenvolver metodologias desenvolveu-se a experiência do CAPSi no Sul
de trabalho intersetorial (SCHUTZ; MIOTO, 2010). do País. No item resultados e discussão, uma
Neste trabalho, a intersetorialidade é tomada análise é realizada a fim de subsidiar o debate e,
como um princípio que subsidia o diálogo entre por fim, concluímos mostrando a importância do
interlocutores de várias políticas públicas, que trabalho em rede no território e os desafios para
compartilham de um objetivo comum, contribuindo a concretização da intersetorialidade.
para a formação de uma rede mais ampla. Este trabalho foi previamente apresentado
em um Congresso de Serviço Social na área de
saúde e recebeu menção honrosa pela iniciativa e
pioneirismo da experiência (MORSCH; MANGINI,
2
Profissionais das unidades de saúde, escolas e Centro de 2017)4. Assim, espera-se que a divulgação dessa
Referência da Assistência Social (CRAS).
3
Esses conceitos foram trabalhados no projeto a partir dos 4
O trabalho foi submetido na modalidade resumo e apresentado
contributos de Junqueira (1998) e Amarante (2007). no VIII Congresso Nacional de Serviço Social em Saúde (VIII
experiência possa contribuir para inspirar novas “conjunto de transformações de práticas, saberes,
propostas de articulação intersetorial de modo valores culturais e sociais em torno do ‘louco’
a tecer redes na saúde mental. Em meio a um e da ‘loucura’, mais especialmente, em torno
período de avanços do neoliberalismo e práticas das políticas públicas para lidar com a questão”
conservadoras, mais do que nunca é preciso se (BRASIL, 2007, p. 58). Esse movimento institui a
respaldar nas legislações das políticas públicas construção de um modelo humanizado de atenção
para concretização destas, além disso, a saúde integral na Rede Pública de Saúde, sendo a
mental, que historicamente é alvo de pré- hospitalização não mais a única e primeira forma
conceitos, precisa sempre estar pautando práticas de tratamento.
humanizadoras e ações de desinstitucionalização. Inspirada na experiência italiana de
desinstitucionalização em psiquiatria e sua crítica
2 POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL: radical ao manicômio, o tema entra em debate no
INTERSETORIALIDADE, TERRITÓRIO E Brasil e começa a fazer parte das conferências
REDES e congressos em saúde mental. Tratava-se de
abordar aspectos que incluem a autonomia,
Historicamente, as ciências médicas e competências e capacidades – tanto intelectuais
jurídicas contribuíram para a associação da quanto emocionais – com vistas a resgatar as
incapacidade e periculosidade à pessoa com capacidades dos sujeitos em sofrimento psíquico
transtorno mental, incorporando a ideia da falta para gerenciarem suas vidas, mantendo um
de discernimento e o atribuindo como perigoso, cuidado integral com foco na cidadania.
segregando-os e os afastando do convívio Em 1988, com a promulgação da
social. Esse entendimento foi reforçado pela Constituição Federal, conhecida como constituição
sociedade capitalista no intuito de manter no cidadã, em seus artigos 196 a 200, a saúde é
mercado de trabalho apenas quem atendesse ao definida como dever do Estado e direito universal
ritmo de trabalho industrial, excluindo as pessoas de toda população. No ano de 1989, dá entrada
consideradas improdutivas (ROSA, 2016). no Congresso Nacional, pelo deputado Paulo
Na esteira do Movimento da Reforma Delgado (PT/MG), o Projeto de Lei que propõe
Sanitária, nos anos de 1970, buscava-se um a regulamentação dos direitos da pessoa com
novo patamar civilizatório, incluindo o conceito transtornos mentais.
ampliado de saúde já adotado pela Organização Com o processo de Reforma Sanitária,
Mundial de Saúde (OMS). Após a Segunda é criado o Sistema Único de Saúde (SUS), a
Guerra Mundial, e incorporado nos discursos partir da “Lei 8.080 de 1990” (BRASIL, 1990), e,
proferidos na VIII Conferência Nacional, a saúde três meses depois institui-se a participação da
passa a ser vista como ‘necessidade humana’ comunidade na gestão do sistema com a “Lei
cuja satisfação, 8.142” (BRASIL, 1990). Assim, o SUS é formado
[...] associa-se imediatamente a um conjunto pela articulação entre as gestões federal, estadual
de condições, bens e serviços que permitem e municipal, sob o poder de controle social,
o desenvolvimento individual e coletivo de exercido através dos “Conselhos Comunitários
capacidades e potencialidades, conformes de Saúde” (BRASIL, 2005).
ao nível de recursos sociais existentes e aos Muitos anos depois da proposição do
padrões culturais de cada contexto específico projeto de Lei que propõe a regulamentação dos
(LAURELL, 1997, p. 86). direitos da pessoa com transtornos mentais, em
Igualmente abrangente, propunha-se o 2001, é sancionada a Lei nº 10.216 (BRASIL,
conceito de saúde mental, que passou a ser 2001) que ficou conhecida como Lei da Reforma
objeto de discussão, a partir de 1980, com o Psiquiátrica. Esta lei promoveu estatuto de sujeito
Movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira. jurídico-político à pessoa em sofrimento psíquico
Essa, por sua vez, pode ser entendida como, e a extinção progressiva dos manicômios no país,
dando origem a um conjunto de dispositivos,
entre eles, a Portaria nº 336, de 2002 (BRASIL,
CONASSS) e XI Simpósio de Serviço Social em Saúde (XI
2002). Tal portaria define e estabelece diretrizes
SIMPSSS) no ano de 2017. para o funcionamento dos Centros de Atenção
assumir uma função social que extrapola o o modelo de resposta pronta e única”, na direção
afazer meramente técnico do tratar, e que se de um modelo de gestão democrático (SPOSATI,
traduz em ações, tais como acolher, escutar, 2006, p. 140). Além de permitir a aprendizagem
cuidar, possibilitar ações emancipatórias, entre os atores da rede, a intersetorialidade
melhorar a qualidade de vida da pessoa
se mostra como um caminho para estruturar
portadora de sofrimento mental, tendo-a
como um ser integral com direito à plena
novas respostas, às novas demandas, que se
participação e inclusão em sua comunidade, apresentam as políticas públicas.
partindo de uma rede de cuidados que leve Nesse contexto, aparece o trabalho com
em conta as singularidades de cada um e as redes e intervenção intersetorial, como uma
construções que cada sujeito faz a partir de alternativa capaz de responder às demandas,
seu quadro (BRASIL, 2005, p. 14). cada vez mais complexas que se apresentam
dentro de um contexto de contenção de despesas
Conforme Raichelis Degenszajn (2008, e requalificação das intervenções. No campo
p. 212), “por meio da intersetorialidade, é da saúde mental e dentro desta configuração,
possível abordar de forma mais ampla as a interinstitucionalidade já não pode ser tratada
problemáticas sociais em seu caráter complexo com único meio de intervenção:
e multidimensional”. Nesse sentido, estabelece-
se a intersetorialidade como uma articulação No âmbito das sociedades complexas têm
de saberes e experiências que possui objetivo aumentado, por um lado, as expressões de
de alcançar melhores resultados nas ações. ‘mal-estar’ que fogem aos enquadramentos
Em consonância com Amarante (2007), a tradicionais da doença e da delinquência. As
situações de vida cotidiana levam indivíduos,
intersetorialidade é uma estratégia que perpassa
ou grupos de indivíduos, a expressarem de
vários setores, tanto do campo da saúde mental
forma cada vez mais difusa o sofrimento e os
e saúde em geral quanto das políticas públicas sentimentos de ‘não ser’, ‘não encontrar-se’,
e da sociedade como um todo. e de solidão, típicos da contemporaneidade
(MIOTO, 2002, p. 53).
[...] os serviços de atenção psicossocial
devem sair da sede dos serviços e buscar E o território, local onde os usuários
na sociedade vínculos que complementem
habitam, é o locus em que melhor pode se
e ampliem os recursos existentes. Deve
articular-se com todos os recursos existentes
fazer um “mergulho no real”, trazendo para a
no campo da saúde mental, isto é, com Rede instituição aspectos da realidade que não são
de Atenção à Saúde Mental [...] e no campo da reconhecidos. Assim, o território é a categoria
saúde em geral [...], ou no âmbito das políticas chave para o desvendamento da realidade social,
públicas em geral [...], e, finalmente, no âmbito das relações de poder, das resistências, das
dos recursos criados pela sociedade civil para dificuldades e das potencialidades de constituição
organizar-se, defender-se, solidarizar-se da rede intersetorial. O território está conectado
(AMARANTE, 2007, p. 86). às diversas redes, por meio das quais pessoas,
Segundo Sposati (2006), a intersetorialidade informações e recursos movem-se de maneira
deve ser ativamente construída, representando um dinâmica (MONKEN; BARCELLOS, 2007).
árduo trabalho de construção, nesse sentido, ela Nessa linha, o território é também admitido
não se dá espontaneamente e, em alguns casos como um conjunto de recursos terapêuticos, que
pode ser positiva ou não. A intersetorialidade é precisam ser explorados e articulados, uma vez
movida pela convergência entre intersetorialidade que os mesmos não compõem diretamente a rede
e setorialidade, por meio da qual se desenvolve de saúde mental. Vizinhanças, associações, casas
um saber resultante da integração de vários religiosas, escolas podem significar espaços de
setores, podendo causar mudanças significativas inclusão social para crianças e adolescentes
na capacidade de resolução de problemas. em sofrimento mental, contudo precisam ser
Ademais, o potencial da intersetorialidade reconhecidos como tais, sem disputas com
pode ir além, pode contribuir para produzir “uma as demais políticas públicas que também
nova inteligência institucional, um novo domínio da atendem o público usuário e que, geralmente,
realidade e traz o debate da inovação, superando
receberam o convite para participar das reuniões e corresponsabilização dos profissionais precisa
de rede, convite este impresso em papel grosso ser constante.
e colorido, que foi entregue pelos profissionais, Durante os dois primeiros encontros, a
residentes e estagiários do CAPSi, diretamente temática abordada envolveu saúde mental de
aos atores dessa rede. A boa receptividade da crianças e adolescentes, trazendo informações
proposta pelos profissionais da rede de serviços sobre benefícios, direitos, medicalização da
do território pôde ser percebida desde a entrega infância, estigma e “pré-conceitos”. Também
do convite e reforçada no primeiro encontro foram entregues e debatidos materiais sobre os
realizado, em que todos os convidados estiveram direitos das pessoas com transtornos mentais,
presentes e ainda, expuseram a necessidade das bem como, trabalhada a desconstrução da
reuniões de rede5 com a presença do CAPSi. imagem de periculosidade e incapacidade
Durante a execução do projeto de estágio, atribuída aos usuários da saúde mental. Além
ocorreram apenas dois encontros, porém as disso, um fluxo de atendimento do CAPSi foi
reuniões de rede continuaram acontecendo, pois entregue e explicado, a fim de demonstrar como
a proposta foi de que houvesse essa continuidade, deveriam ser realizados os encaminhamentos
ou seja, que a rede fosse se construindo e se de crianças e adolescentes para a instituição6.
consolidando com o tempo através dos encontros Nas reuniões, em meio as falas dos
mensais no território. Essas reuniões ocorreram trabalhadores, diversas vezes, foram apontados
mensalmente em uma escola municipal do bairro, desafios e dificuldades encontrados no seu
a qual cedeu seu espaço para a sua realização. campo de atuação, que mostram a fragilidade
As duas primeiras reuniões foram planejadas em que as políticas públicas se encontram e
pela equipe do CAPSi e as consecutivas pelo quanto isso impacta no atendimento aos usuários
grupo de participantes das reuniões. dos serviços. As falas também reforçavam a
Os primeiros encontros contaram com importância que consideravam dos encontros em
significativa participação dos profissionais da rede, entendendo a necessidade de articulação
rede de serviços do território, compostos pelas intersetorial para a construção e fortalecimento,
políticas de saúde e saúde mental, educação, em conjunto, das políticas públicas.
assistência social e terceiro setor. Entretanto, Outro aspecto relevante que emergiu foi
de todas as categorias profissionais do CAPSi, o diálogo acerca das estratégias de cuidado e
somente a equipe do Serviço Social e da ruptura do modelo institucionalizante. O relevo
Fisioterapia estiveram presentes nos encontros, deu-se ao reconhecimento do território e dos seus
apesar de todos os trabalhadores terem sido recursos, bem como, da tessitura das redes de
convidados em reunião de equipe, terem aceitado atenção psicossociais, ambos compreendidos
a proposta e estarem corresponsabilizados pela como forças importantes e alinhadas como
ação. Os profissionais da instituição que não Política de Saúde Mental (BARBOSA; CAPONI;
compareceram alegaram estarem cumprindo VERDI, 2016).
suas tarefas dentro do CAPSi, não podendo estar Considera-se que as políticas públicas
presentes na reunião de rede. atualmente, se encontram num período de
Essa foi uma dificuldade vivenciada na recursos escassos, falta de profissionais, entre
execução da proposta. Por mais que houvesse novas demandas, precisando os profissionais
a aceitação e o incentivo para a concretização, se reinventarem, requalificando suas ações
essa ação não deixa de ser mais uma tarefa a ser para fazer seu trabalho. Diante da fragilidade
desenvolvida por atores que estão submetidos, em comum dos serviços, os profissionais veem a
muitas vezes, à condições de trabalho precárias. possibilidade de construção da intersetorialidade
No entanto, a participação de diferentes
profissionais é muito importante, considerando
ainda que, a construção da rede é preconizada
6
Neste período, no município, o CAPSi não funcionava como porta
de entrada para usuários da saúde mental. O ingresso na instituição
pela legislação, e, nesse sentido, a sensibilização dava-se através de encaminhamento da rede, que poderia ser pelas
seguintes instituições: CRAS; Centros de Referência Especializado
de Assistência Social (CREAS); CAPS; Atenção Básica (UBS e
5
Nome dado aos encontros mensais no território no primeiro ESF); ambulatório de saúde mental; hospitais; Pronto Atendimento
encontro. Municipal (PAM); Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e PRAEM.
(por meio da intersecção das políticas e inclusão Tabela 2 – Qual nível de importância atribuído às
dos atores do território, fortalecendo a rede de Reuniões de Rede?
atenção psicossocial), como uma forma de, juntos, Nível de importância atribuído às Reuniões de Rede:
enfrentarem as dificuldades e buscar soluções, Sem Pouco Muito Extremamente
Importante
ou seja, buscarem respostas partilhadas para Importância Importante Importante Importante
problemas comuns. 0 0 2 4 8
a rede significa projetá-la na esfera pública, para alternativas ao enfrentamento das expressões da
além do território, por meio de uma organização questão social (SCHUTZ; MIOTO, 2010).
coletiva capaz de pôr em evidência tais lacunas, De forma geral, a construção da rede,
exigindo a garantia e a efetivação dos direitos a partir da iniciativa do CAPSi proporcionou o
dos usuários da saúde mental. início do diálogo e do intercâmbio com o território,
A aplicação da intersetorialidade em havendo apropriação pelos profissionais da
territórios vulneráveis pode tanto potencializar proposta do trabalho em rede, como um elemento
ações quanto segregar grupos humanos, ou seja, constitutivo dos seus processos de trabalho, além
este modelo, ao ser aplicado em uma parte da do desenvolvimento de ações socioeducativas
cidade, deve se relacionar com o todo, dentro de sobre os transtornos mentais de crianças e
uma proposta de gestão para a cidade (SPOSATI, adolescentes. A proposta atuou em cima de uma
2006). Embora a iniciativa de construção de necessidade reconhecida que os profissionais do
rede intersetorial tenha sido uma experiência CAPSi e das instituições do território possuíam,
pioneira de organização das instituições públicas tendo continuidade atualmente. Com isso, essa
locais nesse âmbito, para avançar, é preciso experiência se tornou uma importante estratégia
superar a fragmentação do debate no território, para que o cuidado em saúde mental seja integral,
na comunidade. perpassando por várias políticas que atendem
A expansão da ação mobilizadora tem papel esse seguimento. (MORSCH; MANGINI, 2017)
fundamental para que a rede possa atingir um Apesar dos avanços, novos desafios se
contorno mais amplo, no âmbito do município postulam aos trabalhadores do campo saúde
e para além dele, mediante sua formalização e mental, com vistas à consolidação da rede,
vinculação com as instâncias de controle social na direção da democratização e da garantia
do município, ampliando a capacidade de interferir dos direitos. É preciso que a rede se estruture
na proposição e no planejamento das diversas formalmente, que mantenha conexões constantes
políticas públicas no que tange à saúde mental. entre seus componentes, que compartilhe e
Na agenda dos serviços de saúde mental, dissemine objetivos e princípios em comum,
encontram-se o crescente número de novas que tenha capacidade de se ampliar, articulando
demandas apresentadas aos serviços, exigindo novos componentes e redes, que saiba fortalecer
respostas cada vez mais qualificadas aos e aumentar sua capacidade e poder decisórios no
profissionais da área, os quais se encontram sentido de interferir na conformação das políticas
impotentes diante da fragmentação das públicas. Isso faz sentido apenas quando a rede
políticas públicas, somadas aos parcos recursos extrapola o território e avança em direção aos
disponíveis pelo Estado (MIOTO, 2002). A outros canais de controle social e interlocução
proposta de articulação em redes no CAPSi pode na esfera pública.
ser compreendida como uma forma de resistir, de
confrontar e de fazer frente a essas impotências 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
por parte de profissionais comprometidos com os
princípios da Reforma Psiquiátrica e do Sistema Com a Reforma Psiquiátrica, muitos avanços
Único de Saúde. foram alcançados na saúde mental infanto-juvenil,
Nas últimas décadas, o trabalho em saúde porém, muito ainda tem a se avançar. E a atual
mental mudou, exigindo cada vez mais ações conjuntura política e econômica brasileira tem
intersetoriais e interdisciplinares, a fim de garantir sido um empecilho no avanço da política de saúde
a integralidade do atendimento. Nesse sentido, mental, pois instauram-se uma série de medidas
toda equipe precisa se envolver nas articulações e ajustes neoliberais que retraem recursos das
das redes em saúde mental, com vistas à garantia políticas públicas. Diante disso, os profissionais
dos direitos das crianças e dos adolescentes das políticas públicas, e aqui em específico da
em sofrimento psíquico. A proposta trata a rede intersetorial de saúde mental, tem papel
intersetorialidade como princípio do trabalho em fundamental para tencionar, mobilizar, organizar
rede, definida como a articulação entre políticas e defender os direitos dos usuários.
públicas, entendendo que cada uma possui uma É com este propósito que foi desenvolvido
rede de instituições e serviços, que consistem em o projeto de redes intersetoriais, a partir da