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FIHOSCA Metamorfoses na formacao de professores de Educacao Fisica José Gregério Viegas Bris* ‘Muitos so aqueles que, formados nas limitagbes da redutora educa so escoldstica, apenas conseguem vér 0 professor de Educagio Fisica como um operétio de fato macaco (0 dito fato de treino) atarefado no sew papel marginal de «bate-chapas» do Sistema de Ensino, como se 0 nivel da sua intervencio se circunscrevesse a tratar da forma (carcaca), ficando os contetidos (formagio intelectual) para os professores do cola- rinho branco. Esta posicao dicotémica preconceituosa, baseada no pressuposto de uma falsa e ridicula diferenciagao, tem por consequéncia desvalorizar © contributo da Educagio Fisica para a formagao da pessoa e banalizar também a importincia da formacio cientifica e pedagégica dos profes- sores nesta area do conhecimento. Lamentavelmente esta linha de pen- samento que foi (e continua a ser) bastante marcante na nossa historia, inviabiliza reconhecimento do potencial educativo da Educagio Fisica € a necessidade de se realizar também nesta area, uma formacdo com- pativel com o nivel de complexidade da profissao, Muitos «bem pensan- tes» ndo conseguem perceber a dimensdo da dificuldade que existe em formar um professor de Educacao Fisica e, por isso, qualquer exigencia que se possa fazer, é considerada uma estranha reivindicagso marciana, ‘Ser professor de Educagao Fisica nao é apenas ser professor como qualquer outro, é também, e para além disso, ser vitima da ignorancia, discriminagio ¢ injustica. Ser professor de Fducacio Fisica & ser dife- rente, ndo tanto pelo conhecimento, pois todos comungam de particula- ridades especificas das dreas a que pertencem, mas fundamentalmente + Vogal da Directo da SPEF, Asistente no Curso de Licenetura em Faueagio Fisica « Desporto da ULHT. Boletim SPEF, n° 14. Outono de 1956, pp. "7 pelo trajecto historico. Ser professor de EducagSo Fisica € evocar um pasado de luta pela construcao (e afirmacdo...) de uma area de conhe- cimento, é herdar o desconforto social e a longa caminhada que ainda € preciso percorrer mas que muitos no resistem porque nio foram ensinados para estes confrontes. E sobre isto nao pode haver diividas. Qualquer instituigio de forma- 0 que negligencie a heranca legada e a complexidade da realidade social do exerticio profissional, comete uma operagio duplamente sui- ida. A si propria porque aniquila os seus propésitos. Ao futuro profis- sional porque nao Ihe d meios de pocier sobreviver num contexto bas- tante agreste Como diz 0 poeta Ant6nio Maria Lisboa «o futuro é tio antigo como © passado e ao caminharmos para o futuro € © passado que conquista- mos», Trata-se ainda, em alguns aspectos, de conquistar 0 passado, Hoje, ainda hoje, andamos a conquistar parte de um passado que nos pertence. Para dar continuidade a este processo de conquista slo necessérios muitos e bons professores. E a boa formagio nao é aquela que, a pre- texto do discurso cientiico, vira as costas & realidade, mas antes aquela que procura solugdes (também cientificas...) para os problemas que a profissao coloca, ¢ a que desenvolve capacidades individuais e colecti- vas para superar os obsticulos que entravam o desenvolvimento da Educacio Fisica, ‘A formagao inicial nao esgota nem substitu a formacio continua, ‘mas tanto pode castrar como promover 0 desenvolvimento das compe: ‘ncias profissionais que necessariamente terao que ser aperfeigoadas a0 longo da vida, tanto pode desmotivar como pode entusiasmar 0 inte- resse pela profissio, Nao é uma varinha magica que tudo resolve, mas 6 inquestionavelmente 0 berco da construsao das competéncias © da identidade profissional, servinelo ao mesmo tempo como um mediador importante na formagao para a mudanga. A deficiente formagio fragiliza 1 Edlucagio Fisica e favorece a regressio. Nao € concerteza a tinica varia- vel a influenciar © proceso, mas presta um papel determinante no desenvolvimento da Educacio Fisica. ‘Trazendo meméria aquilo que foi o percurso da formacio inicial de professores de Educacio Fisica em Portugal, em termos sintéticos, dire- ‘mos que podemos distinguir trés grandes ciclos. Porém, cada um dos ciclos deve ser lido como um conjunto de tragos predominantes, nao totalmente isento dos tracos dos outros. 1° ciclo — Constitucionalismo (1911-1974) O primeiro ciclo designamos por Constitucionalismo por cortespon- der a0 momento em que se dé a génese da institucionalizagao da forma- clo de professores de Educagao Fisica em Portugal. Representa a funda- G40, 0 momento em que Portugal acordou e arrancou definitivamente & procura de uma soluggo para um problema social que ja tinha sido declarado. No entanto, distinguimos neste ciclo trés fases: se — Abrange o periodo que vai da instauragio da 1* Repuiblica até 4 criagio do INEF. Integramese nesta fase os primeiros projectos e texperiéncins realizadas com o infuito de encontrar a solugao adequada para 0 problema que se colocava — fotmar professores de Educacio Fisica em Portugal uma fase ainda rudimentar mas extremamente interessante pela riqueza das ideias que na altura jé se defendiam. No entanto, esta fase 6 um pouco conturbada e instivel. Muitos dos projectes ficaram na gaveta, A exemplo disso temos: — As Escolas Normais Superiores de Coimbra e Lisboa, criadas pela 1 Repdblica, para funcionarem em anexo as Universidades, — 0 projecto do Ministro da Intrugao Piblica, Jodo José da Concei- gio Camoesa, que pretendia criar as Faculdaces de Ciéncias da Educacio integradas na Universidade, onde estava prevista a for- magio de professores e instrutores de Educagio Fisica; — A proposta da Comissdo Superior de Educagio Fisica do Exército, que tencionava transformar a sua Escola de Educagao Fisica do Exército num estabelecimento vocacionado para formar professo- res, ndo $6 militar mas também civil. Por outro lado, a formagao de professores de Fducagio Fisica reali- zada nesta altura teve uma duracio precéria, como € o caso dos seguin- tes cursos: — O curso Normal de Edueagio Fisica que viria a ser integrado na Escola Normal Superior; — 0 curso da Escola Superior de Educago Fisica da Sociedade de Geogratia; — A Escola de Ciéncias Pedagégicas, que substituiu as Escolas Nor- ‘mais Superiores onde era ministrado 0 Curso Normal de Educa- fo Fisica. Nesta primeira fase, a formagao de professores baseia-se no sistema E, que significa’ E de ENSAIO — Porque se trata ainda de experimentar, apreciar everificar © que melhor se ajusta a formagio de professores de Edu- cagio Fisica em Portugal. 49 2. fase — Vem na sequéncia dos acontecimentos anteriores, ini- ciando-se com a criagao do INEF (1940) e prolongando-se até finais da década de 50 (1957). F um mesclado da patente militar, médica e reves- te-se inicialmente numa concepgio anti-desporto. © problema da raga estava em causa, procurando-se na doutrina de Ling a salvagao pera 0 problema. Distingue-se da fase anterior porque se dé a consolidagio efectiva da formagao de professores com a eriagio do INEF. Nesta fase, a formagao de professores assenta numa matriz tinica (Educagéo Fisica), embora bifurcada e hierarquizada (Professores e Instrutores), hermética e dou- trindria (Ling), evoluindo pouco ao longo do tempo. Muito embora esta fase integre duas décadas, & de assinalar que a

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