RAQUEL ROLNIK*
Em fins da década de 80, é urbano o Brasil que, depois de trinta anos, elegeu
diretamente seu primeiro presidente.
Essa política teve como efeito encarecer o custo da terra urbana, incentivando a
especulação imobiliária e produzindo cada vez mais a ocupação de uma parte
da cidade - como as favelas - totalmente à margem do mercado. Ao mesmo
tempo, foram esses recursos que pagam as empreiteiras que construíram os
grandes projetos, financiaram a infra-estrutura, construíram as Ipanemas e
Barras o as parcelas "modernas" de rede urbana do país.
Esse padrão se expandiu até o final dos anos 70, quando o "milagre brasileiro"
entra em crise, o projeto do governo militar é questionado e se inicia a
transição democrática. Do ponto de vista econômico, as curvas de crescimento
que se mantiveram ao longo da década de 70 começam a estagnar, assim
como despontam os primeiros sinais de aumento da taxa de desemprego e dos
índices de inflação. A partir da crise econômica internacional e da política
recessiva adotada pelo governo, os salários vão perdendo cada vez mais seu
poder de compra, o que é reforçado (na lógica da receita do FMI) pela
contenção do crédito.
CIDADE E CIDADANIA
PLANEJAMENTO MUNICIPAL
E REFORMA URBANA
Para isso, antes de mais nada, é preciso romper a distância que separa a esfera
técnica do planejamento da esfera política da gestão; os conflitos e embates do
cotidiano das grandes diretrizes e princípios de organização da cidade. Do
ponto de vista da estratégia dos governos municipais essa diretriz se traduziu
mediante a descentralização do planejamento, capaz de se deslocar de um
plano abstrato e superior para se envolver diretamente na cidade real. Significa
também a possibilidade concreta de abertura da discussão a respeito dos
padrões e normas de apropriação do espaço para a interlocução dos agentes
diretamente envolvidos em sua disputa.
Para isso, em primeiro lugar, é preciso que os agentes sociais que produzem e
disputam o espaço urbano conheçam e se apropriem do planejamento,
explicitando suas posições a respeito das regras básicas do jogo para a
produção e uso da cidade.
Do ponto de vista dos governos municipais identificados com essa luta, trata-se
de romper com a concepção de planejamento como modelo de ordenamento
racional do território, na direção de políticas que apontem para a função social
da cidade e da propriedade, das práticas democráticas de gestão.
Por outro lado, isso se dá também através da adoção de uma política de solo
criado - mediante a qual os ganhos imobiliários decorrentes do adensamento do
uso do solo retomem à comunidade sob a forma de remuneração do custo da
infra-estrutura e de equipamentos públicos dela decorrentes e de subsídio para
habitação e urbanização dos territórios populares.